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Nacionalismo e Socialismo
Publicado originalmente na revista American Socialist, vol. 6, Setembro de 1959, nº 9,
p. 16–19.
Ressalta-se com frequência que a situação russa no início do século XX era em muitos
aspectos similar ao estado revolucionário da Europa ocidental no meio do século XIX.
A atitude positiva para com as revoluções nacional-burguesas por parte dos primeiros
socialistas baseava-se na esperança, se não na convicção, de que o elemento proletário
dentro dessas revoluções poderia ir além dos objetivos restritos da burguesia. Na visão
de Lenin, a burguesia russa não era mais capaz de realizar sua própria revolução
democrática e assim a classe trabalhadora estava destinada a concretizar as revoluções
“burguesa” e “proletária” em uma série de mudanças sociais que constituíam uma
“revolução permanente”. De certa forma, a nova situação parecia repetir, numa escala
maior, a situação revolucionária de 1848. Ao invés das alianças anteriores limitadas e
temporárias dos movimentos democrático-burgueses com o internacionalismo
proletário, agora havia um amálgama mundial de forças revolucionárias tanto de um
caráter social como nacionalista que poderiam incitadas além de seus objetivos restritos
em busca de metas proletárias.
Na verdade, o que esse novo nacionalismo indica são algumas mudanças estruturais na
economia mundial capitalista e o fim do colonialismo do século XIX. O “fardo do
homem branco” se tornou um fardo real, ao invés de uma bênção. Os lucros do domínio
colonial estão diminuindo enquanto os custos do império estão crescendo. Certamente,
indivíduos, corporações, e até mesmo governos, ainda enriquecem por meio da
exploração colonial. Mas isso se deve agora a condições especiais — controle de
recursos petrolíferos concentrados, descoberta de grandes depósitos de urânio, etc. — ao
invés da capacidade geral de operar lucrativamente em colônias e outros países
dependentes. O que uma vez foram taxas de lucro excepcionais, agora caem para a taxa
“normal”. Onde elas permanecem excepcionais, é na maioria dos casos devido a uma
forma oculta de subsídio governamental. De modo geral, o colonialismo não compensa
mais, de modo que é em parte o próprio princípio de lucratividade que suscita uma nova
abordagem ao domínio imperialista.
Duas guerras mundiais mais ou menos destruíram os velhos poderes imperialistas. Mas
esse não é o fim do imperialismo, que, embora desenvolva novas formas e expressões,
ainda significa controle econômico e político de nações mais fortes sobre as mais
frágeis. O imperialismo, de modo indireto, parece mais promissor do que o colonialismo
do século XIX ou sua tardia ressurreição nas políticas da Rússia para seus satélites. É
claro, um não exclui o outro, como quando análises estratégicas reais ou imaginárias
exigem ocupação efetiva, como o controle de Okinawa pelos EUA e o domínio militar
britânico no Chipre. Porém, no geral, controle indireto pode ser superior ao controle
direto, como o sistema de trabalho assalariado se provou superior ao de trabalho
escravo. À exceção do hemisfério oeste, os EUA não foram um poder imperialista no
sentido tradicional. Mesmo aqui, ele obteve os benefícios do controle imperial mais por
meio da “diplomacia do dólar” do que por intervenção militar direta. Como a maior
potência capitalista, os EUA podem muito bem esperar dominar de modo similar às
regiões não soviéticas do mundo.
Diz-se que a erosão do imperialismo ocidental cria um vácuo de poder em áreas até
então controladas do mundo. Se o vácuo não for preenchido pelo ocidente, o será pela
Rússia. É claro, nem os representantes do “novo nacionalismo” nem aqueles do “velho
imperialismo” compreendem este tipo de discurso; como o primeiro desloca o segundo,
não surge nenhum vácuo. O que se quer dizer, então, por “vácuo” é que a
“autodeterminação” nacional dos países subdesenvolvidos os deixa abertos à “agressão
comunista” interna e externa, salvo se o ocidente lhe garantir sua “independência”. Em
outras palavras, a autodeterminação nacional não inclui uma livre escolha dos aliados,
embora inclua — às vezes — uma preferência com relação às potências ocidentais
“protetoras”. A “independência” da Tunísia e do Marrocos, por exemplo, está livre de
problemas contanto que a independência da França implique lealdade não à Rússia, mas
ao bloco ocidental dominado pelos EUA.
Visto que ainda pode se impor no mundo de dois blocos, a autodeterminação nacional é
uma expressão da “guerra fria”, do impasse político-militar. Mas a tendência de
desenvolvimento não indica um mundo de muitas nações, cada uma independente e
segura, mas a contínua desintegração de nações mais fracas, i.e., a sua “integração” em
um ou outro bloco. É claro, a luta por emancipação nacional dentro do contexto de
rivalidades imperialistas permite que alguns países explorem a competição de poder
entre o leste e o oeste. Mas este fato mesmo indica as limitações de suas aspirações
nacionais, uma vez que tanto acordo ou guerra entre o leste e o oeste acabariam com sua
capacidade de manobrar entre os dois centros de poder. Entretanto, a Rússia que não
hesita em destruir qualquer tentativa de autodeterminação nacional real em países sob
seu controle direto, está pronta para apoiar a autodeterminação nacional onde esta for
dirigida contra o domínio ocidental. Do mesmo modo, os EUA, exigindo
autodeterminação para os satélites da Rússia, não hesita em praticar no Oriente Médio o
que abomina no leste europeu. Apesar da revolução nacional e da autodeterminação, o
momento para a emancipação nacional quase chegou ao fim. Estas nações podem
conservar sua independência recém-conquistada, ainda que sua independência formal
não as liberte do domínio econômico e político do Ocidente; elas podem escapar dessa
soberania apenas ao aceitarem aquela da Rússia no bloco leste.
Por trás do impulso nacionalista está, é claro, a pressão da pobreza, que está se tornando
mais explosiva conforme a discrepância entre as nações ricas e pobres aumenta. A
divisão internacional do trabalho como determinada pela formação de capital privado
implicou a exploração de países mais pobres por mais ricos e a concentração de capital
nas nações capitalistas avançadas. O novo nacionalismo opõe a concentração de capital
determinada pelo mercado de modo a garantir a aprofundada industrialização dos países
subdesenvolvidos. Sob as condições atuais, no entanto, a produção de capital organizada
nacionalmente aumenta sua desorganização em uma escala nacional. O empreendimento
privado e o controle governamental agora operam simultaneamente em cada país
capitalista e também no mundo em geral. Lado a lado há, portanto, a competição geral
mais implacável, a subordinação da competição privada à nacional, a competição
nacional mais implacável, e a subordinação da competição nacional às exigências
supranacionais das políticas de bloco.
Enquanto uma atitude positiva com relação ao nacionalismo trai uma falta de interesse
no socialismo, a posição socialista acerca do nacionalismo é obviamente ineficiente em
países lutando por existência nacional bem como naqueles países oprimindo outros. Se
pelo menos por omissão, uma posição antinacionalista consistente parece apoiar o
imperialismo. Entretanto, o imperialismo funciona por motivos próprios, de maneira
completamente independente das posturas socialistas com o nacionalismo. Ademais, os
socialistas não são necessários para o início de lutas por autonomia nacional como os
vários movimentos por “libertação” na esteira da II Guerra Mundial demonstraram.
Contrário às expectativas anteriores, o nacionalismo não pôde ser usado para avançar
objetivos socialistas, nem foi uma estratégia bem-sucedida para acelerar o fim do
capitalismo. Pelo contrário, o nacionalismo destruiu o socialismo ao usá-lo para fins
nacionalistas.
Embora a solidariedade socialista esteja com os oprimidos, eles estão relacionadas não
ao nacionalismo emergente, mas à situação particular de pessoas duplamente oprimidas
que enfrentam uma classe dominante nativa e estrangeira. Suas aspirações nacionais são
em parte “socialistas”, uma vez que incluem a esperança ilusória de populações
empobrecidas de que podem melhorar suas condições por meio de independência
nacional. Todavia, a autodeterminação nacional não emancipou as classes trabalhadoras
nas nações avançadas, e não o fará agora na Ásia e na África. Revoluções nacionais,
como na Argélia, por exemplo, prometem pouco para as classes baixas exceto
chafurdarem em condições de maior igualdade em preconceitos nacionais. Isso
significa, sem dúvida, algo para os argelinos, que sofreram com um sistema colonial
particularmente arrogante, mas os resultados possíveis da independência argelina são
dedutíveis daqueles na Tunísia e no Marrocos, onde as relações sociais existentes não
foram alteradas e as condições das classes exploradas não melhoraram de forma
significativa.
A não ser que o socialismo seja completamente uma miragem, ele ressurgirá como um
movimento internacional — ou não o fará absolutamente. De qualquer modo, e com base
na experiência passada, aqueles interessados no renascimento do socialismo devem
enfatizar, sobretudo, seu internacionalismo. Enquanto é impossível para um socialista se
tornar um nacionalista, ele é, não obstante, um anticolonialista e anti-imperialista.
Contudo, sua luta contra o colonialismo não implica adesão ao princípio de
autodeterminação nacional, mas expressa seu desejo por uma sociedade socialista
internacional e não-exploradora. Enquanto os socialistas não podem se identificar com
as lutas nacionais, podem, como socialistas, se opor tanto ao nacionalismo como ao
imperialismo. Por exemplo, não é função dos socialistas franceses lutar pela
independência argelina, mas tornar a França uma sociedade socialista e, embora lutas
por esse fim ajudem indubitavelmente o movimento pela libertação na Argélia e
alhures, esse seria um subproduto da e não o motivo pela luta socialista contra o
imperialismo nacionalista. Na fase seguinte, a Argélia teria que ser “desnacionalizada” e
integrada em um mundo socialista internacional.