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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.).

Caderno de resumos & Anais


do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas
modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)

Eurocentrismo e História: problemas e alternativas


Muryatan Santana Barbosa

Resumo: Formada em um viés eurocêntrico, a História, enquanto disciplina acadêmica,


passou por diversas adaptações e transformações, visando se construir como uma área
do saber universalista e científica. Apesar de ainda estar longe deste objetivo, é
perceptível que ela registrou avanços nesta direção, sobretudo, na segunda metade do
século XX. Aqui, destacar-se-á, resumidamente, algumas teorias e correntes teóricas
que vêm colaborando com tal empreendimento, na busca de um olhar renovado sobre a
história da humanidade.

Eurocentrismo e História

Existe hoje certo consenso nos debates acadêmicos sobre a necessidade de uma
discussão das concepções eurocêntricas dominantes na ciência social moderna e
contemporânea. Todavia, apesar de sua amplitude, tal debate tornou-se fato
recentemente. Basta lembrar que as contribuições pioneiras sobre o assunto datam da
década de 1950 e 60, como aquelas dos sociólogos Guerreiro Ramos (Redução
sociológica, 1958) e Abdel-Malek (A dialética social, 1972). Foi apenas com o celebre
livro de Edward Said, Orientalismo (1978), que o tema tornou-se assunto candente no
debate acadêmico internacional.
Existem diversas formas de caracterizar o chamado eurocentrismo. Por vezes,
ele é visto como mero fenômeno etnocêntrico, comum aos povos em outras épocas
históricas. Mas para a maioria dos autores que tratam atualmente da questão, o
eurocentrismo deveria ser caracterizado, diferentemente, como um etnocentrismo
singular, entendido como uma ideologia, paradigma e/ou discurso.
A distinção entre tais termos é mais uma questão de ênfase interpretativa, do que
discordância conceitual. Os autores que o tratam como discurso visam analisá-lo,
geralmente, em sua manifestação no senso comum, nos meios de comunicação de
massa, nas instituições, etc. (Shohat & Stam, 1997). Por outro lado, os autores que
preferem enfatizá-lo como ideologia eou paradigma, tendem a focar, em seus estudos, o
caráter eurocêntrico do pensamento erudito europeu-ocidental, em sua filosofia, teoria

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social, etc. (Young, 1990; Dussel, 1993).
Para todos, entretanto, o eurocentrismo deve ser entendido como uma forma de
etnocentrismo singular, qualitativamente diferente de outras formas históricas. Isso
porque ele é a expressão de uma dominação objetiva dos povos europeus ocidentais no
mundo. Neste sentido, Samir Amin em, Eurocentrismo: crítica de uma ideologia
(1994), por exemplo, definiu o eurocentrismo como a crença generalizada de que o
modelo de desenvolvimento europeu-ocidental seja uma fatalidade (desejável) para
todas as sociedades e nações. Segundo este autor, uma ideologia, cuja genealogia
deveria ser buscada no Renascimento, remontando à gênese do capitalismo como
sistema mundial, ou, em suas palavras, como modo de produção realmente existente.
Partindo desta definição de Amin, mais nem sempre em concordância com ela,
outros autores, como Anibal Quijano (2000), tem preferido conceituar o eurocentrismo
com um paradigma. Isso porque sua característica singular seria a de se reproduzir como
uma estrutura mental, consciente ou não, que serve para classificar o mundo. E,
portanto, poder abordá-lo.
Entender-se-á, nesta comunicação, tais interpretações como complementares.
Assim, pois, o eurocentrismo é aqui pensado como ideologia e paradigma, cujo cerne é
uma estrutura mental de caráter provinciano, fundada na crença da superioridade do
modo de vida e do desenvolvimento europeu-ocidental sobre os demais povos do
mundo.
Assim entendido, é hoje perceptível o quanto este eurocentrismo esteve presente
nos textos clássicos que fundaram a historiografia moderna no Iluminismo, deturpando
a visão dos europeus acerca dos demais povos do mundo. Estes eram vistos, então, na
melhor das hipóteses, como crianças a serem educadas pelas luzes da Razão. Existe uma
literatura recente que analisa de forma pormenorizada esta visão em autores clássicos
como Descartes (Quijano, 2000), Kant (Eze, 1997), Hegel (Dussel, 1993) e outros.
O mesmo olhar pode ser identificado no pensamento social europeu do século
XIX, de forma mais diversificada. Existe uma tendência eurocêntrica recorrente, por
exemplo, nas Filosofias da História dos séculos XVIII e XIX, a partir de autores
clássicos como Voltaire, Vico, Condorcet, Hegel, Marx e Engels. É certo que existe
uma heterogeneidade evidente no pensamento de tais autores. Todavia, o que os une – e
por isto são os principais fundadores da Teoria da História - são suas tentativas de, a
partir da Filosofia, construir interpretações evolutivas das sociedades humanas,
baseadas no progresso da história européia-ocidental.

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Além das Filosofias da História, teorias sociais do século XIX, como o
evolucionismo de Spencer e o positivismo de Comte, podem ser considerados casos
extremos deste provincialismo europeu, auto-declarado como universalista. Nestas
perspectivas francamente eurocêntricas, as sociedades e os povos “pré-modernos” ou
“arcaicos” deveriam ser estudados como estágios de um caminho civilizacional único,
cujo ápice seria a Europa Ocidental. Assim, pois, o passado destas sociedades deveria
ser um exemplo inicial deste processo evolutivo.
Em todos os casos citados, se reproduz, portanto, a crença na excepcionalidade
européia, definida de diversas formas. Desde uma compreensão econômico–social (o
capitalismo); culturalista (modernidade, cultura greco-romana); religiosa (judaico-
cristã); racial (“branca”), etc. Trata-se pois, em ultima instância, de um problema
ontológico recorrente, ainda não examinado como merece.
Referindo-se a teoria de Max Weber sobre a modernidade capitalista, Renato
Ortiz (2000) coloca adequadamente o problema, sendo-nos útil como caso exemplar.
Quando àquele se pergunta: porque o capitalismo nasce no Ocidente? A resposta pode
ou não ser pertinente, assim como pode ou não ser tida como cientifica. Mas, de fato, ao
ser colocada, tal pergunta está intrinsecamente viciada, porque, como observa Ortiz, a
idéia de Ocidente pressupõe uma oposição binária, falsa, à de Oriente. Como se estas
duas categorias representassem categorias de fenômenos heuristicamente opostos,
quando, em verdade, são construções sociais, cuja genealogia, aliás, foi recentemente
decifrada por autores como Edward Said (1990) e Fernando Coronil (1999).
Esta visão eurocêntrica de mundo condiciona o nascimento disciplinar da
Historia como pode-se observar, por exemplo, em obras de dois “pais” da disciplina:
Michelet e Ranke. Cada um a seu modo, tais autores buscaram reconstruir a história de
sua nação como representante máxima da “especificidade” européia; seja por sua face
moderna, contratualista (Michelet); seja por sua face romântica, de origem místico-
religiosa (Ranke) (Fontana, 1998). Refaz-se, assim, na História, a associação entre os
nascentes Estados-Nação da Europa Ocidental e a institucionalização das ciências
humanas, levando a uma re-orientação da ideologia eurocêntrica em categorias como
“povo” e “nação”, marcando, inclusive, distinções entre os próprios pensadores
europeus.
Mas o que ocorre ao historiador, ou filósofo social, quando, olhando para o
passado de outros povos e civilizações, não se pudesse encontrar neles a genealogia da
modernidade européia-ocidental? Trata-se de uma questão pertinente. Hegel, por

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exemplo, foi peremptório neste ponto ao falar sobre o passado da África, que aqui
interessa ressaltar. Dizia o filosofo alemão que, ao se analisar a história da África, não
poder-se-ia ali encontrar progressos e movimentos históricos. Sua conhecida conclusão
foi que África não faria parte da “história do mundo”.
Por mais estranheza que esta assertiva traga hoje para a uma visão politicamente
correta da ciência, ela toca em premissas basilares da historiografia eurocêntrica que
seguem dominantes. Mesmo se admitíssemos que a questão levantada por Hegel, acerca
da suposta falta de grandes “progressos” ou “movimentos históricos” na África é
particular e contextualizada à sua época (o que não seria verdadeiro), pode-se observar
semelhantes conclusões ancoradas em interpretações diversas sobre outros lugares e
épocas em diversos historiadores antigos e contemporâneos.
O historiador J. M. Blaut (2000), por exemplo, se deu ao trabalho de analisar o
viés eurocêntrico do pensamento de oito historiadores modernos e contemporâneos:
Max Weber, Lynn White, Robert Brenner, Eric Jones, Michael Mann, John Hall, Jared
Diamond e David Landes. Sua interessante conclusão é que existiam, em tais autores,
trinta razões diferentes, todas, no mínimo, discutíveis, acerca da superioridade européia
sobre os demais povos do mundo.
Um tipo de análise critica próxima a de Blaut pode ser vista nos trabalhos
recentes de autores como Robert Young, Hommi Bhabha, Johannes Fabian, Dipesh
Chakrabarty e outros, acerca contemporâneos do pensamento ocidental, como,
respectivamente, Heidegger, Husserl, Levy-Strauss, Foucault e outros.
Trabalhos como estes sobre as premissas eurocêntricas da teoria social levam a
questionar se tais premissas, antes da esfera discursiva, não estariam engendradas na
própria prática historiográfica, conforme trabalhada na Europa Ocidental, pelo menos,
desde o Renascimento.
Evidentemente, existem certas características eurocêntricas da prática
historiográfica que foram forjadas em sua formação como disciplina acadêmica.
Comentou-se aqui acerca da conhecida a associação sobre o nascimento dos Estados-
Nação na Europa Ocidental e a História no século XIX. Ademais, o caráter positivista
desta disciplina, em seu inicio, tendia a reforçar uma explicação da historia mundial
provincialista e teleológica, em que a história mundial era reconstruída dos primórdios
até o advento da “modernidade”, ou seja, do desenvolvimento capitalista europeu-
ocidental. Uma tendência que, como lembra J. Cheasnaux (1995) continuou sendo
reproduzida pelo modelo quatripartite da História disciplinar: antiga, medieval, moderna

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e contemporânea.
Entretanto, o fato da História ter uma das linhagens mais longas como campo do
saber na Europa Ocidental, implica algumas questões que fogem a esta contextualização
do problema eurocêntrico da pratica historiográfica à sua institucionalização acadêmica.
No trabalho de Michel De Certau, A escrita da História (1982), tem-se uma
interessante interpretação desta problemática. Preocupado em analisar a prática
historiográfica por trás do discurso, De Certau observa que a escrita da história na
Europa Ocidental, desde o Renascimento, é configurada como um tipo de escrita que
tem o Outro por objeto de estudo. Como diz De Certau: “O Outro é o fantasma da
historiografia”.
Entretanto, este Outro, na historiografia européia, antes de se definir como uma
figura simbólica particular (o indígena, o negro, o camponês, etc), é, primordialmente,
o próprio passado europeu. Evidentemente, não qualquer passado mais, desde
Maquiavel, aquele passado que serviria como exemplo aos governantes. Para
fundamentar esta prática, a historiografia européia teria, pois, se constituído, a partir de
uma diferenciação gradual entre o sujeito e o objeto do saber. Aí configurada em uma
separação irreal entre passado e presente. É, desde então, segundo De Certau, que se
torna possível a constituição gradual de um discurso historiográfico que, supostamente
protegido por um distanciamento do objeto, se concretizaria em uma escrita de
decodificação e recapitulação do passado.
Esta seria, pois, a origem da história européia: estudar o Outro para melhor
dominá-lo. Saber é poder. E, em seu desenvolvimento, a historiografia européia se
ampliou como uma máquina de exclusão: interna e externa.
Só há duas conclusões possíveis sobre este quadro de críticas. A primeira é
negar o problema, o que é praticamente impossível sem a desqualificação intelectual
destas e outras análises. A segunda é admitir o problema, qualificando-o e estudando-o
em loco. Este é o intento da segunda parte desta comunicação. .

Alternativas

Teoricamente, apesar do que foi até aqui dito, seria um erro supor que, por serem
eivados de eurocentrismo, a filosofia e a teoria social européia dos séculos XVIII e XIX
em nada teriam contribuído para o desvelamento de realidades históricas não européias.
Em verdade, pouco se escreveu e analisou, até o início do século XX, acerca da história

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de outros povos e civilizações. Há, entretanto, uma questão importante. O fato é que, ao
se expressarem como universalistas sendo, em verdade, provincialistas, os europeus
ajudaram a criar o instrumental teórico pelo qual os demais povos poderiam,
tendencialmente, re-significar a imagem que aqueles faziam de si.
Isso é perceptível, por exemplo, em uma herança crítica que, indiretamente,
trouxe mais elementos para esta inversão dialética da teoria social européia. Trata-se do
historismo (ou historicismo), cuja origem remonta ao século XVIII. Aqui se definirá o
historismo como a herança crítica-interpretativa baseada na premissa de que os fatores
de compreensão de uma sociedade – assim como de um povo, cultura, etc – deveriam
ser entendidos a partir dos seus fatores internos, e não externos (Edgar & Sedgwick:
155-56). Assim definido, o historismo, desde Herder - com suas investigação sobre a
essência espiritual dos povos e sua evolução -, pode ser observado, com suas nuances,
em uma série de tradições modernas e contemporâneas, como, por exemplo: a) as
contradições internas como motor da dialética (Hegel, Marx e Engels); b) a
interpretação compreensiva dos sentidos e condutas humanas (Dilthey, Weber, Croce e
outros).

Além de sua importância para outras áreas do pensamento, essa tradição


historista teve também uma influência marcante na renovação historiográfica do inicio
do século XX. Aí ela ajudou a justificar um distanciamento gradual, mas decisivo, desta
em relação à historiografia tradicional de cunho político-diplomático, dominante no
século XIX, que só foi consolidada com uma ruotura de fato a partir dos anos 30, com
as contribuições clássicas da Escola dos Annales e outros. Na mesma época, entretanto,
ela fundamentou boa parte dos aspectos teórico-metodológicos que se tornaram
essenciais à consolidação do saber histórico acadêmico ao redor do mundo.

O fato é que, gradualmente, esta difusão de uma História mais crítica, no século
XX, e o surgimento da História disciplinar nos países do “Terceiro Mundo” alteraram,
finalmente, o quadro marcadamente eurocêntrico do pensamento social anterior.
A primeira questão que me parece fundamental em relação à superação dos
pressupostos eurocêntricos da História, que vem sendo encaminhada a passos lentos
mais seguros, é a aceitação do fato de que a racionalidade e a percepção da historicidade
não é uma particularidade de nenhum povo ou cultura, mas algo intrínseco ao Homem.
Tal intento tem um claro objetivo ético: reconstruir uma visão do ser humano enquanto
sujeito de sua história desde uma perspectiva pludimensional, seja lá qual for sua

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posição social, origem, etc. Neste particular, por conseguinte, se busca desmistificar o
caráter a-histórico atribuído a certas sociedades e povos, como ocorreu durante muito
tempo em relação aos africanos. A ênfase interdisciplinar na História, com a utilização
cruzada de fontes, se tornaram premissas metodológicas fundamentais para a
concretização deste ideal ético, político e teórico.
Para muitos historiadores, entretanto, a busca por esta visão pluridimensional do
Homem, cada vez mais em voga, tem reforçado um viés de interpretação heurístico
deveras interessante. Ali, os conceitos de trabalho historiográfico parecem cada vez
mais imanentes à própria história, em vez de basearem em categorias fechadas,
construídas a posteriori.

Há duas tendências dominantes em relação a esta postura entre os autores que


visam construir um saber pós-eurocêntrico da História. A primeira é daqueles que tem
aproximado, cada vez mais, a História da Antropologia. Aí, a novidade tem sido a
difusão de uma “antropologização” dos conceitos historiográficos, que postula uma
visão crítico-assimilativa acerca das categorias clássicas de entendimento dos fatos
sociais. Neste sentido, por exemplo, desde uma perspectiva africana, autores como
Akinjogbin et al. (1981), vêm postulando uma ressignificação conceitual de categorias
como poder e território, que passam a ser estabelecidas segundo seu sentido cultural
nativo: akan, ibo, etc. Joseph Ki-Zerbo e Boubou Hama (1980), no mesmo sentido,
reclamam pela compreensão singular de história e fazer histórico das próprias
sociedades africanas.

Outra tendência, mais associada a historiografia indiana recente, da chamada


Escola Subalterna, é a de buscar uma revisão da história desde o desvelamento das
alteridades subalternas. Algo que só poderia ser identificado com a desconstrução das
formas pelas quais certas categorias modernas -, como raça, classe, cidadania, Estado-
Nação, publico x privado, etc - organizariam nossa compreensão do passado.
Dipesh Chakrabarty, por exemplo, defende que só a partir de tal artifício teórico
(fenomenológico) poder-se-ia potencializar uma percepção histórica que visasse
“provincializar a Europa”. Ou seja, uma visão que desvelaria a heterogeneidade do meio
social, provincializando a idéia hiper-real de “Europa” (enquanto local da racionalidade,
ciência, modernidade, etc) que colonizaria o mundo da vida. Sua posição, neste sentido,
não nega a cientificidade das ciências humanas, mas defende um caráter de
incompletude destas. Para este historiador indiano, é fundamental afirmar que tais

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práticas subalternas não seriam, pois, resquícios do passado, enquanto ressurgimento do
pensamento místico, mas fenômenos ontologicamente contemporâneos, ainda que não
aceitáveis ou entendidos enquanto tais pela ciência social moderna.
Apesar de sua aparente radicalidade, a posição de Chabrabarty vem sendo vista
como pouco critica por outros – sinal dos tempos. Defendendo uma perspectiva pós-
colonial própria, Ashis Nandy, por exemplo, outro ensaísta indiano, propõe que a
reconstrução histórica deveria radicalizar a busca e a reconstrução de narrativas
próprias, baseadas nas vivências culturais do povo na contemporaneidade; seja por sua
historicidade linear, seja pela sua estrutura mítica. Apenas esta história, segundo Nandy,
poderia construir uma função social para a historiografia pós-colonial. De fato, uma
história que dificilmente poderia ser realizada na academia tradicional, nos moldes
europeus.
O ponto comum a tais teorias contemporâneas, entretanto, é, salvo melhor juízo,
a admissão que a crítica das formas da razão devem ser defendidas desde um ponto de
vista racional. Isto é algo celebrável em tempos “pós-modernos”. Tais apontamentos
dão, em ultima instancia, certo alento a posições como as do historiador J. Rusen, que,
mesmo admitindo que não exista uma racionalidade única - mais diversas
racionalidades - defende que se deveria postular uma nova racionalidade que resista as
criticas feitas à racionalidade até agora dominante no pensamento histórico moderno.
Em suas palavras: “um paradigma montado como um esquema, cujo preenchimento
pode assumir as mais diversas formas, admitindo, assim, em si mesmo, a pluralidade e
a diferença”. Aí, pois, a única função deste paradigma seria, pois, a de potencializar o
diálogo racional, e buscar um perfil de coerência há esta pluralidade e diferença.
Para além desta louvável constatação, entretanto, é preciso tomar partido nas
discussões correntes. Do ponto de vista do autor destas linhas, um passo primordial para
a criação de alternativas ao eurocentrismo ainda dominante deveria ser uma releitura da
historia mundial em parâmetros mais realistas e objetivos. Trata-se de uma questão que
se coloca de forma paralela a necessária renovação teórico-metodológica da História
aqui levantada. Para isto, faz-se necessário destacar algumas “certezas”, ainda que
provisórias, que podem ser encontradas de modo esparso na literatura historiográfica, e
que, penso, desafiam o poder eurocêntrico em seu cerne:
A primeira delas é a necessidade de reconstrução de uma visão da historicidade
do Homem em sua plenitude. Aqui se comentou do trabalho que vem sendo feito nas
ciências humanas a este respeito. Todavia, é preciso ir além, para recontar a história a

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partir das recentes descobertas da paleontologia e da genética contemporânea, como,
por exemplo, aquelas que comprovam que a ocupação negroíde do continente
americano teria sido anterior a mongolóide, que deu origem aos indígenas americanos.
A segunda destas certezas, menos consensual, é a necessidade de
desmistificação da idéia de um sistema-mundial anterior ao século XIX. Há de se aceitar
que o sistema-mundial surgiu por força do capitalismo industrial. Foi ele quem
possibilitou que os Estados-Nação da Europa Ocidental estabelecessem um domínio
econômico e militar sobre o resto do mundo. Anteriormente, o que existiam eram
economias-mundo (no sentido de F. Braudel), mas não sistemas-mundiais, como
defendem A. Gunder Frank, I. Wallerstein e outros.
A terceira destas certezas, mais consensual, é deslegitimar a idéia de Ocidente
com uma entidade auto-suficiente e continua desde os primórdios da humanidade. Em
outras palavras, para muitos críticos atuais, não existem fatos históricos suficientes que
justifiquem uma visão da Grécia Antiga como a origem de uma suposta “civilização
ocidental”. A Europa, enquanto entidade específica, lar da cristandade, é uma invenção
da Alta Idade Média; anteriormente ela era uma parte periférica da civilização “indo-
européia”, cujo centro era o Mediterrâneo Oriental.
Evidentemente, como todas as certezas históricas, as acima citadas - assim como
outras aqui enumeradas -, são de uma “certa insegurança” (Rusen). Estão, pois, no plano
do diálogo e da argumentação racional. Estão aí, pois, para o debate intelectual...

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