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Abstract: This article provides an overview of the history of the Black Movement in
Brazil and their strategies to combat racism in Brazilian society. Discusses the role of
this movement in social inclusion policies by the black population. When thinking about
these actions, we start from the assumption that this social movement, through their
struggle and political action, brings out its own identity while making know the
inequalities arising from the social exclusion experienced by the black population in the
country. In the struggle to include in the educational field, seeks their social
emancipation. Racial quotas would be of fundamental importance in this process of
inclusion, since they enable access to a higher education, and consequently a better
preparation for the labor market. The concept of race used here, is based on the
reflection of post colonial studies, whose centrality has its origin in western countries. It
discusses how such power relations have been kept in modernity even in the educational
field. Keywords: black movement; racial quotas; identity; social inclusion; affirmative
policies
possibilitando a criação de novos códigos que se impõem sobre o coletivo, códigos estes
que rompem com a ordem vigente, ao mesmo tempo em que constituem outra ordem em
que as diferenças são suprimidas em prol da causa comum/maior. O movimento negro é
composto de elementos de assimilação coletiva, ao passo que consegue manter a
liberdade e a singularidade de todos os envolvidos. Deixo então de ser um ser sozinho e
individual para ser um comunitário e social.
Militar em coletividade é estabelecer inúmeras relações necessárias à
sobrevivência. A militância é mediada por signos de libertação. Assim, o que motiva a
luta afrodescendente é um processo de inclusão ao invés da exclusão, a solidariedade ao
invés do egocentrismo. A identidade dos envolvidos no processo é celebrada e é, ao
mesmo tempo, uma arma ideológica na disputa pelo poder, e uma disputa política pela
universalização dos seus direitos enquanto cidadãos. Como afirma Oliveira
“A identidade negra foi assim colorida e repintada nas cores da tradição afro-
brasileira. identidade que se firma como projeto político e como construção
cultural. Identidade que é, ao mesmo tempo, resgate e criação. Impiedade e
alteridade. A contínua construção da identidade afrodescendente é uma
necessidade da experiência da forma cultural afro-brasileira (Oliveira,
2006:136)”.
A identidade funciona então como uma representação social que denomina as
relações do homem com o meio na qual está inserido. O conjunto dessas representações
relacionadas à identidade de uma maneira geral influenciam no jogo das representações
políticas. A busca dessa identidade cultural estaria então atrelada à organização política
do movimento. Seria o reconhecimento do fato de ser negro e da aceitação da sua
história enquanto tal. Seria ter consciência de que sofre com o racismo neste país. É
assim que fica perceptível que a consciência negra é um fator determinante para o
engajamento da militância dentro do movimento. O movimento negro teria, portanto,
com uma de suas principais funções estimular o despertar dessa consciência negra.
Acredito que a identidade é capaz de assegurar a unidade de um grupo, o que
pode vir a funcionar como arma política, o que seria, a meu ver, uma das várias
reivindicações feitas pelo grupo, através dessa militância. A população negra no Brasil
levanta-se através de uma conquista política em meio a uma disputa por poder. Na busca
de se estabelecer nestes espaços, símbolos são reivindicados, ressaltados e mesmo
reproduzidos. Acredito que cada grupo se identifica com símbolos diferentes, é isso que
os leva a caminhos diferentes, mesmo que carreguem em sua essência um objetivo em
comum, que é a luta contra o racismo e a discriminação.
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uma intensa busca pela justiça social e pela liberdade em forma de autonomia e da
constituição do sujeito coletivo. É desta forma que os movimentos sociais tem a
capacidade de redefinirem a esfera pública, têm grande poder de controle social e
constroem modelos de inovações sociais.
Gohn (1997) aponta que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil,
contribuíram decisivamente, através de demandas e pressões organizadas, para a
conquista de
umasériededireitossociaisquesetornaramleisnanovaConstituiçãoFederalde1988. A partir
de 1990, no Brasil, ocorreu o surgimento de outras formas de organização popular, mais
institucionalizadas, a exemplo dos Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia, pela
Reforma Urbana, o Fórum Nacional de Participação Popular etc. Através da luta política
foram criados grupos de mulheres que buscavam a conscientização de seus direitos
formando frentes de lutas contra as discriminações. O movimento dos homossexuais
também foi para as ruas, organizando passeatas, atos de protestos marchas que
acontecem anualmente. Em uma sociedade machista e patriarcal isso é uma novidade
histórica.
Outro movimento que ganhou outros contornos foi o movimento negro, pois
deixou de ser apenas um movimento de manifestações culturais para ser, sobretudo,
movimento de construção de identidade e luta contra a discriminação racial. Os
movimentos sociais mobilizam seus membros de forma defensiva e ofensiva contra uma
injustiça entendida através de um sentido moral que lhes foi compartilhado. Os
movimentos sociais não somente lutam contra essas ditas injustiças, mas e ao mesmo
tempo, à medida que lutam, reafirmam a identidade das pessoas ativas no movimento.
Os movimentos sociais na atualidade têm muitas das vezes, o papel de denunciar essas
injustiças. Por isso mesmo tornam-se dependentes da opinião pública, considerando que
é necessário que a sociedade manifeste o conhecimento da ação. É preciso que se
discuta e debata o que se está reivindicando, reclamando ou denunciando, para que a
ação coletiva possa atingir reconhecimento desejado, ganhando assim a legitimidade
social. Franke Fuentes (1989) afirma que apesar de sua natureza defensiva, de suas
limitações e de suas relações com o Estado, os movimentos sociais são agentes
importantes de transformação social, pois os movimentos sociais preenchem espaços
nos quais o Estado e outras instituições sociais e culturais não são capazes ou não tem
interesse de fazê-lo. Entram em espaços onde não existem instituições, ou mesmo
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“Movimento Negro” teria surgido em 1934, num texto publicado no jornal A Voz da
Raça, que era o órgão de divulgação da Frente Negra Brasileira. No entanto, a
expressão passou a ser utilizada de forma recorrente pelos militantes que se engajaram
na luta antirracista a partir da década de 1970. A tradição da luta antirracista, composta
por diferentes tipos de organizações políticas e culturais em vários setores da população
negra brasileira desde o final do Século XIX, foi importante para o surgimento do
movimento negro contemporâneo no Brasil, no início da década de 1970, mesmo em
plena ditadura militar. A oposição ao chamado “mito da democracia racial” e a
construção de identidades político-culturais negras foram à base para a articulação das
primeiras organizações desse movimento contemporâneo. Há aqui uma busca pela
reavaliação do papel do negro na história do Brasil.
Uma vez desperta a consciência de negritude, os ativistas redescobrem os
significados políticos das memórias da escravidão (Oliveira, 2006). Até agora vimos que
um movimento social pode ser descrito como um grupo minimamente organizado que
pode possuir ou não uma liderança, mas que possuem objetivos em comum tendo por
base uma mesma doutrina, valores e ideologia cuja finalidade principal é a mudança
social. O Movimento Negro se constrói à medida que luta para resolver questões na
sociedade em que se encontra. Problemas estes que são provenientes dos preconceitos e
das discriminações raciais que os marginalizam, quer seja no mercado de trabalho, na
educação escolar, e também no que se refere aos aspectos políticos, sociais e culturais. A
raça seria aqui um fator determinante para uma construção política e social. “É uma
categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de poder socioeconômico,
de exploração e exclusão - ou seja, o racismo” (Hall apud Pereira, 2003, p. 69). O
movimento negro organizado seria um movimento social cuja atuação tem como
característica particular a questão racial. Não tem uma formação simples, mas
complexa, já que engloba um conjunto de entidades, organizações e indivíduos que
lutam, não só contra o racismo, mas a favor de melhores condições de vida para a
população negra, quer seja através de práticas culturais, estratégias políticas e mesmo
políticas educacionais.
É através de protestos, negociações e mobilizações que o movimento negro vem
dialogando com os poderes públicos e com a própria sociedade brasileira ao longo das
décadas. A trajetória desse movimento caracteriza-se pela elaboração e reelaboração de
estratégias de lutas que visam a integração do negro e desarraigamento do racismo na
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inferiorizantes a eles destinados pela estrutura social. Através da busca por ascensão e
reconhecimento, era como que se tacitamente afirmassem, “eu também construí essa
nação”. A partir dos primeiros indícios de “Movimentos Negros” que emergiram no
país, surge a reivindicação de uma identidade através dos eventos e mecanismos de
ação. Os traços físicos e culturais que antes eram rejeitados e reprimidos por não se
encaixarem nos padrões de beleza local e europeu, ganham ressignificação, passando a
ser assumidos como marcas da identidade afro. Tais elementos servem como ponto de
partida para um discurso de inserção do grupo na construção de uma identidade
nacional heterogênea. A auto-representação é fundamental na participação atuante do
afro brasileiro, já que as práticas econômicas e/ou culturais dependem das
representações utilizadas pelos indivíduos para que o seu próprio mundo ganhe sentido.
Até o início do século XX, em muitos países, predominavam teorias raciais que
afirmavam que a raça era determinada biologicamente, e que era a raça que determinava
as diferenças culturais e intelectuais, deste modo uma raça podia ser vista como superior
e a outra inferior, sendo a raça negra o principal alvo de discriminações. Como afirma
um dos fundadores do Jornal O Clarim d’Alvorada (1924), da FNB (1931) e do Clube
Negro de Cultura Social (1923), José Correia Leite: “Houve um tempo em que muita
gente dizia que a nossa luta não tinha razão de ser porque o negro ia desaparecer. Foi
uma ideia gerada por estudiosos”, (Leite, 1992, p. 21).
Em meados da década de 1950, Florestan Fernandes destaca-se como um
importante intelectual na área de ciências sociais no Brasil. Foi um dos primeiros
intelectuais a denunciar a existência das desigualdades raciais no Brasil, opondo-se a
ideia de que o país vivia em uma democracia racial, ao negar essa ideia acaba por
cunhar o termo “mito da democracia racial”. O combate à discriminação racial e a
denuncia ao mito da democracia racial buscam a afirmação de uma identidade racial
negra positivada, por isso mesmo são estas as principais características do movimento
negro contemporâneo na década de 1970. A assunção da negritude como ideologia pode
ser vista entre os negros como um modo de afirmação e legitimação que pode servir
como pondo de integração em uma sociedade que mantêm uma escala hierárquica que
está para além do social, mas que tem a ver também com a cor da pele. A denúncia do
“mito da democracia racial” como um elemento fundamental para a constituição do
movimento evoca uma valorização da cultura, política e identidade negras, provocando
assim uma revisão do papel do negro na formação da sociedade brasileira.
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objetos de estudo, mas enquanto sujeitos que possuem e produzem conhecimento. São
indivíduos que fazem parte da história das lutas sociais em prol do direito à educação e
ao conhecimento, assim como da luta pela superação do racismo.
Pouco a pouco pesquisadores oriundos de diferentes grupos étnico-raciais,
comprometidos com esses setores sociais, passam a se inserir de maneira mais
significativa nas diferentes universidades públicas do país, gerando um tipo de produção
acadêmica voltada a dar visibilidade às essas desigualdades sociais. Esses intelectuais
visavam conscientizar o espaço da academia acerca não só das desigualdades sociais
fora dela, mas apontar as hierarquias que se reproduziam dentro do próprio âmbito da
academia. O intuito era evidenciar como o poder e a hierarquia se manifestava para
além da realidade socioeconômica, mas também para o campo da cultura, das
dimensões simbólicas, da discriminação, do preconceito, da desigualdade racial, de
gênero e de orientação sexual na vida desses sujeitos sociais. O desafio estaria no fato
de que, não havendo como hierarquizar desigualdades, todas as formas da mesma
deveriam ser superadas. Há uma alteração na produção acadêmica aqui no sentido de
que os intelectuais negros passam eles mesmos a atuar na produção do conhecimento,
ao invés do intelectual branco comprometido (ou não) com a luta anti-racista, temos
olhar crítico e analítico do próprio negro como pesquisador da temática racial.
Obviamente essa mudança traz tensões, ao passo que enriquece e problematiza as
análises que foram construídas sobre o negro e as relações raciais no Brasil. Temos aqui
também novos elementos de análise, bem como novas disputas nos espaços de poder
acadêmico. À medida que produzem conhecimento, se inserem politicamente na luta
contra o racismo, desafiando o Estado a implementarem políticas afirmativas.
É preciso destacar aqui a importância da mudança nesse quadro, tendo em vista
que foi no contexto cientifico do final do século XIX e início do século XX que os ditos
‘homens de ciência’ ajudaram a produzir as pseudo-teorias raciais que, naquele
momento, atestavam a existência de uma suposta inferioridade e superioridade racial. A
ciência serviu, naquele momento, como um instrumento de dominação, discriminação e
racismo e a universidade foi o principal espaço de divulgação dessas idéias e práticas,
ideias que transpuseram os muros da academia e se disseminaram na sociedade com um
todo. Ao longo dos anos essas teorias foram postas por terra, mas as suas consequências
se estendem até os dias atuais.
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Os estudos sobre as teorias raciais, na atualidade, são mais que meros temas de
pesquisa, mas se apresenta também como uma questão social e política que requer, por
parte da universidade, a produção de novos conhecimentos e por parte do Estado novas
formas de intervenção na luta contra o racismo. Essa produção tem como objetivo a
emancipação social e a contestação de análises científicas pautadas no mito da
democracia racial. É uma tentativa de romper com estruturas de opressão, construindo
assim novas categorias analíticas. Ainda assim é preciso compreender que se inserir
nesse o universo acadêmico é se deparar com formas de conhecimento hegemônicas e
não hegemônicas, legitimadas e não legitimadas, que têm a ver com poder, classe, raça,
gênero e racismo, já que o espaço acadêmico é marcado por relações de poder, e é
também um espaço de expressão da branquitude. Segundo o argumento de Nilma Lino
Gomes (2009), a academia pode ser definida como um espaço privilegiado de produção
do saber científico sob a égide da racionalidade ocidental moderna. Um grande desafio
para os intelectuais negros éque, além de pesquisar e realizar as ações concernentes de
quem atua no campo científico, tem que continuar tensionando a própria universidade e
ocupando espaços políticos na tentativa de conseguir algum nível de flexibilização.
A opção descolonial
Para Ramón Grosfoguel (2007), o racismo epistêmico, é um dos tipos de
racismos mais invisibilizados nesse sistema capitalista e eurocêntrico. O racismo
epistemológico privilegia políticas identitárias dos brancos ocidentais, deste modo, a
tradição de pensamento e pensadores dos homens ocidentais é considerada como a única
legítima para a produção de conhecimentos e como a única com capacidade de acesso à
universidade e à “verdade”. O racismo epistêmico considera os conhecimentos não-
ocidentais como inferiores aos conhecimentos ocidentais. Ele afirma que seria muito
diferente se os programas de estudos étnicos se abrissem à transmodernidade, ou seja, à
diversidade epistêmica do mundo, propondo-se pensar a partir “do outro” cuja
identidade foi subalternizada e inferiorizada pela modernidade eurocentrada,
possibilitando assim definir suas perguntas, seus problemas e seus dilemas intelectuais
com os próprios grupos discriminados. Haveria então uma metodologia descolonial,
bem diferente da metodologia das ciências sociais e das humanidades que vigoram na
atualidade. Os estudos étnicos “descoloniais transmodernos” em muito contribuiriam
para ao saber acadêmico, bem como com a descolonização dos grupos oprimidos e
explorados pelo racismo.
De acordo com Mignolo (2008), a opção descolonial é epistêmica, ou seja, ela se
desvincula dos fundamentos genuínos dos conceitos ocidentais e da acumulação de
conhecimento. Porém, isso não implica no abandono ou ignorância do que já foi
institucionalizado por todo o planeta. Ele explica que sua pretensão é substituir a geo
política de Estado de conhecimento de seu fundamento na história imperial do Ocidente
dos últimos cinco séculos, pela geo-política e a política de Estado de pessoas, línguas,
religiões, conceitos políticos e econômicos, subjetividades, etc., que foram racializadas
ou que tiveram sua humanidade negada.
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Uma civilização que comemora e preza a vida ao invés de tornar certas vidas
dispensáveis para acumular riqueza e acumular morte, dificilmente pode ser
construída a partir das ruínas da civilização ocidental, mesmo com a opção
descolonial concede à concepção da reprodução da vida que vem de damnés,
na terminologia de Frantz Fanon, ou seja, da perspectiva da maioria das
pessoas do planeta cujas vidas foram declaradas dispensáveis, cuja dignidade
foi humilhada, cujos corpos foram usados como força de trabalho:
reprodução de vida aqui é um conceito que emerge dos afros escravizados e
dos indígenas na formação de uma economia capitalista, e que se estende à
reprodução da morte através da expansão imperial do ocidente e do
crescimento da economia capitalista. (Mignolo, 2008, p. 292).
Uma economia cujo objetivo é a reprodução da vida e o bem- estar de muitos.
Umapolítica de representação na qual o poder está na comunidade e não no Estado nem
em qualquer outra instituição administrativa de igual poder. O pensamento descolonial
seria então o meio para a pluriversalidade enquanto projeto universal. De acordo com
Mignolo, Descolonial implica pensar a partir das línguas e das categorias de
pensamento não incluídas nos fundamentos dos pensamentos ocidentais. Aqui, as
políticas de identidade consideram que as identidades essenciais entre as comunidades
marginalizadas (por razões raciais, de gênero e sexuais) são as que merecem
reconhecimento. Identidade em política, ao contrário, desliga-se das instituições e
partidos políticos, diferentemente de como funcionado pela lógica da teoria política
moderna/colonial e eurocentrada.
Descolonização, ou melhor, descolonialidade, significa desvelar a lógica da
colonialidade e da reprodução da matriz colonial do poder, como no caso do
capitalismo, bem como desconectar-se dos efeitos totalitários das subjetividades e
categorias de pensamento ocidentais. No modelo descolonial muitos mundos podem co-
existir, sem serem dominados em nome de uma simplicidade e de uma reprodução de
oposições binárias. No sistema comunitário, o poder não está localizado no Estado ou
no proprietário individual, mas sim na própria comunidade. Como aponta Mignolo, a
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Considerações Finais
Não podemos negar o quanto a política de cotas tem sido necessária dentro do
nosso processo histórico. Não há como reivindicar equidade com a população negra que
não esteja incluída no ensino superior e nos demais setores públicos, ou em qualquer
outra esfera da nossa sociedade. Mas é preciso ir além, questionar que tipo de
universidade nós estamos construindo. Se esse modelo educacional que aí está posto
realmente minimiza as desigualdades as quais estamos debatendo. A universidade
pública é constituída dentro desse sistema eurocêntrico e elitista, o focando estaria então
na ascensão do indivíduo e não na transformação da sociedade e ou desses grupos
sociais como um todo. Por trás de tudo isso existe um projeto político governamental,
que visa diminuir gastos. Criam-se cotas quando na verdade deveria se investir numa
educação pública de qualidade, ou até mesmo aumentar os números de vagas nas
universidades públicas.
O sistema de cotas não é suficiente para que a população negra consiga alcançar
uma verdadeira “igualdade de oportunidades”, já que tais medidas visam apenas se
inserir na lógica mercadológica e de consumo desse sistema capitalista, sem questionar
a forma pelas quais todos os trabalhadores são explorados por esse sistema.
Imagino que a emancipação da população negra só ocorrerá efetivamente
quando os seus interesses pelo fim da desigualdade racial gerada e perpetuada pelo
racismo, forem aliadas a outros interesses mais abrangentes como a luta contra a
opressão de uma classe sobre a outra, algo tão presente nesse sistema capitalista. O
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racismo surgiu no seio capitalismo, portanto é preciso superar o capitalismo para que
seja possível erradicar o racismo. O capitalismo sobrevive facilmente às lutas
fragmentadas e isoladas, como ocorre nos novos movimentos sociais, tendo em vista
que esses movimentos não lutam pela superação do capitalismo. O que nos permite
compreender que, de certo modo, estes movimentos renderam-se ao capitalismo, já que
se acredita que o mesmo não pode ser superado. Tais movimentos não enxergam muitas
formas de reparar esses danos, a não ser de forma gradativa, como no caso da adoção do
sistema de cotas. A política de cotas não possui nenhuma articulação com um projeto de
transformação social, já que esta medida acaba por reproduzir um modelo de sociedade
capitalista, racista, machista, eurocentrado. Tais medidas acabam por maquiar a
realidade gerando uma imagem benéfica do Estado enquanto instituição neutra, que não
visa o interesse de uma única classe social, já que representa e protege os setores mais
prejudicados da população. Assim se se faz acreditar que o Estado não é um
representante da burguesia, do capitalismo e de toda forma de exploração dos
trabalhadores.
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