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A Etimologia e a História das Palavras na

Lexicografia

Hans Peter Wieser (UFC)

SUMÁRIO:
1. Introdução
2. As origens da pesquisa etimológica
2.1. A Etimologia na Antigüidade e na Idade Média
2.2. A Lingüística Comparativa
2.3. A abordagem pela Lingüística Histórica
3. Definição da Etimologia e da História das Palavras
4. As exigências que a pesquisa etimológica deve cumprir
5. A comparação de dicionários diacrônicos
5.1. O dicionário histórico-etimológico de Antônio Geraldo da Cunha
5.2. O dicionário histórico de Hermann Paul.
5.3. O dicionário etimológico de Friedrich Kluge
6. Considerações finais

1. Introdução

A Etimologia é o ramo da lingüística que estuda a origem, o significado


primitivo e o desenvolvimento formal e semântico dos lexemas de uma língua. Além
disso, trata do seu parentesco com as palavras de outras línguas que têm a mesma
origem. A pesquisa etimológica, portanto, ocupa-se das relações que uma palavra
mantém com outra unidade mais antiga, de que se origina. O etimologista segue a
palavra “durante todo o período em que ela faz parte da língua, em todos os
sistemas de relações em que ela entra, sem jamais cessar em levantar os problemas
que dizem respeito à etimologia propriamente dita” (Dubois, 1998: 252-253).
Esclarecido isso, Dubois (id. ibid.) define, como “o estudo da derivação”, o ramo da
Etimologia “que se ocupa da formação das palavras e pelo qual se reduzem
unidades mais recentes a termos já conhecidos”; e o autor acrescenta que, na
Lingüística Histórica, o termo etimologia refere-se “a disciplina que tem por função
explicar a evolução das palavras remontando o mais longe possível no passado,
muitas vezes além mesmo dos limites do idioma estudado, até uma unidade
chamado étimo, de onde se faz derivar a forma moderna” (id. ibid.). Ainda conforme
o mesmo autor, a etimologia se apóia, sobretudo, na fonética histórica, “mas,
contrariamente a uma prática puramente formal, ela não poderia ignorar a semântica
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na medida em que o étimo tem um sentido bastante diferente da palavra derivada”


(id. ibid.).
As explicações de Dubois chamam a atenção para o fato de que há duas
maneiras de fazer etimologia: um ramo da disciplina ocupa-se, antes de tudo, com
os princípios que regem a formação de palavras, enquanto outro colhe informações
pormenorizadas sobre a história das palavras. Não é de se admirar, então, que o
estudioso ao tratar da relação entre a Etimologia e a História das Palavras
descobrirá, logo, uma imprecisão terminológica. Evidentemente, o termo “etimologia”
serve, de um lado, como conceito genérico para qualquer forma de pesquisa
lingüístico-histórica que se dirige à origem ou ao desenvolvimento da forma de uma
palavra e que inclui, também, a história dessa palavra; do outro lado, contrasta com
um conceito que se ocupa da história concreta das palavras e que separa a origem
de uma palavra, da sua biografia. Nesse segundo sentido, o especialista em
etimologia examina a origem e a derivação de determinados vocábulos sem levar
em conta o contexto sócio-histórico, enquanto o cronista das palavras se ocupa da
documentação das suas ocorrências históricas.
No que se segue, estudaremos alguns detalhes dessa distinção
metodológica. Além disso, trataremos dos aspectos teóricos dessa relação que são
importantes para a produção de dicionários de caráter lingüístico-histórico. Após
uma visão resumida sobre o desenvolvimento histórico da pesquisa etimológica,
determinaremos o caráter da abordagem etimológica, de um lado, e da abordagem
da história das palavras, do outro. Nessa tarefa, seguiremos a orientação por
Untermann (1975 e 1992) cuja concepção examinaremos simultaneamente com
outras teorias etimológicas. Depois de uma breve digressão sobre as exigências que
a pesquisa etimológica deve cumprir, analisaremos alguns exemplos de obras
relevantes (Cunha, 1997; Paul, 2002; Kluge, 2002) para apontar, através de
exemplos concretos, de que modo a Lexicografia etimológica apresenta, nos
verbetes dos dicionários, a história e a etimologia das palavras.

2. As origens da pesquisa etimológica

A Etimologia tem uma fama ambivalente dentro e fora do mundo


acadêmico e até dentro e fora das próprias ciências da linguagem. De um lado, ela é
vista como divertida e surpreendente, do outro, é evidente que ela não ocupa um
papel de destaque na Lingüística (Histórica) atual. Ora, muitos intelectuais -
lingüistas e não lingüistas – pensam que a Etimologia é uma ocupação que, no
fundo, nem pode ser levada a sério.
Não se pode negar que a Etimologia tem um caráter surpreendente e
divertido. Por exemplo, a palavra portuguesa cabo parece ser um homônimo, ou
seja, uma forma comum a duas ou mais palavras que se pronunciam e/ou se
escrevem do mesmo modo, sem ter, porém, o mesmo sentido; pois, conforme o
Novo Aurélio, cabo significa, entre outras coisas, “militar que detém a posição
hierárquica de cabo; comandante, chefe, cabeça“ ou “ponta de terra que entra pelo
mar“. Parece que a palavra são representa um caso semelhante: pois, conforme o
mesmo dicionário, são significa, entre outras coisas, “santo”. Sabemos, além disso,
que a mesma palavra pode representar, também, a forma para o presente indicativo
ativo da terceira pessoa plural do verbo ser.
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Visto isso, o lingüista tem que saber distinguir entre a polissemia de uma
forma e a homonímia de duas ou mais formas. Há para isso dois critérios: no ponto
de vista sincrônico, homônimos são “formas fonologicamente iguais, cujas
significações não se consegue associar num campo semântico definido” (Dubois,
1998: 327). Na perspectiva diacrônica, no entanto, são homônimos “apenas as
formas convergentes da gramática histórica” (id. ibid.). Nesse último sentido, cabo,
“acidente geográfico”, e cabo, “posto militar”, derivam ambos do substantivo latim
caput (= “cabeça, capital”) e representam, por isso, um caso de polissemia. Do outro
lado, sabe-se que a palavra são, no português: “santo” em próclise, deriva do latim
sanctus, enquanto a forma verbal são, de certo, tem sua origem na forma
correspondente do latim: sunt. Trata-se, então, de um caso de homonímia.
Vejamos, ainda, um exemplo do alemão: nesse idioma, o substantivo
Hahn significa tanto “macho da galinha” quanto “torneira”. Sabemos que o último
significado se formou, a partir do primeiro, apenas no século XV, devido a uma
transferência metafórica, baseada na observação que a torneira pode girar como a
ave e está sentada no tubo como uma cristã. A etimologia do antigo alto-alemão
hano (“Hahn”) leva o estudioso para a mesma raiz que deu origem ao verbo latim
cano (“canto”). O galo, então, é originalmente um cantor, o que ele continua a ser no
português moderno. Os falantes do alemão, no entanto, negariam fortemente que
um Hahn sabe cantar (em alemão: singen), afirmando que a ação barulhenta que
caracteriza o animal merece um nome próprio, chamado Krähen. Esse substantivo
deriva do verbo krähen que é um cognato de krächzen (grasnar ou rouquejar). A
Etimologia sabe contar milhares dessas histórias.

2.1. A Etimologia na Antigüidade e na Idade Média


A pergunta pela origem das palavras e seu significado primitivo já foi
levantada, na Antigüidade, pelos filósofos gregos. O termo “etimologia” se compõe
do adjetivo grego étymos, quer dizer, “verdadeiro, real, autêntico” e do substantivo
logos, que significa “palavra”. Essa origem indica que a Etimologia, na Grécia antiga,
é a busca da forma autêntica e do significado primitivo que revela a verdadeira
natureza das palavras “a partir da idéia de que sua forma corresponde efetivamente,
e de modo natural, aos objetos que designam” (Dubois, 1998: 251). O etimologista,
nessa perspectiva, procura o significado que as palavras receberam originalmente,
quer dizer, no ato da denominação; e a pesquisa etimológica tem como objetivo
reconstruir a associação primitiva de significante e significado que motivou a
formação de uma unidade sígnica.
Convém mencionar, aqui, o Crátilo de Platão, como um dos primeiros
documentos relevantes para esse tipo de estudo. Nessa obra, encontramos
esboçados aqueles objetivos e métodos que são típicos para a prática etimológica
pré-científica que se estende da Antigüidade até a Modernidade. No diálogo,
Sócrates discute, com os dois sofistas Crátilo e Hermógenes, sobre a questão da
relação entre o significante e o significado. Em outras palavras, o problema do
Crátilo é:
“Será que as coisas têm um nome próprio, imposto pela natureza,
que vale para todas as línguas uniformemente ou será que as
denominações representam meras convenções humanas?” (cf.
Pisani, 1975: 15).
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O grupo está de acordo que houve um ou vários designadores


(nomothetes) que deram, aos objetos, seus nomes adequados. Assim sendo, é
evidente que os nomes são apropriados. É polêmica, no entanto, a questão de se
essa exatidão é motivada pela natureza do objeto designado. No caso afirmativo,
seguir-se-ia que o signo é associado ao designatum por uma relação natural. A
linguagem seria phýsei, quer dizer, as palavras seriam um produto direto das coisas.
No caso negativo, seria de se pressupor que o signo pertence ao designatum por lei
(nómō) ou por uma convenção arbitrária (thései) e não por uma necessidade
inerente.
Pressuposto que as palavras tenham uma forma primitiva e um significado
natural (phýsei), seria oportuno dizer que a etimologia representa um método para
revelar a essência das coisas. Essa conjetura explica a importância que o problema
de Crátilo tem para a teoria do conhecimento.
Crátilo defende a hipótese da origem natural:
“para cada coisa existe uma exatidão natural [phýsei] do nome; e o
nome não é dado convencionalmente por alguns, quando associam
essa coisa com um trecho da sua fala, mas há, entre os gregos,
assim como entre os bárbaros, uma certa exatidão dos nomes que é,
para todos, a mesma“ (383 b).
Hermógenes, no entanto, defende a hipótese de uma origem
convencional; ele acredita na afirmação:
“A exatidão do nome é uma convenção” (384 d).
Sócrates assume o papel do moderador, mas verifica em que sentido a
posição de Crátilo pode ser defendida razoavelmente. Nessa discussão, recorre a
uma longa série de etimologias. Por exemplo, para o nome de Poseidon, o deus do
mar, ele propõe três etimologias alternativas:

Etimologias gregas
Nome original Significado Motivação Assimilação
original fonética
posí-desmos grilhões, corrente o mar impede o o e (antes do i) foi
que prende os movimento livre inserido como
condenados enfeite
pollà eidōs quem sabe muito o deus é sábio inicialmente, foram
pronunciados dois l
no lugar de um s
[h]o seíōn o que agita, que Poseidon provoca p e s foram
faz vibrar terremotos acrescentados

O último exemplo mostra que as etimologias gregas basearam-se na representação


escrita das palavras; pois, na escrita, não aparece o /h/ aspirado do artigo grego.
Durante toda essa busca pela motivação original do significado e pela
essência do objeto denotado, Platão pressupõe que os sons particulares sejam
capazes de imitar e exprimir certas características e que as palavras, de modo
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semelhante aos gestos, imitem, simbolicamente, mediante a voz, o significado (cf.


Sanders, 1977: 11). Quando a forma de uma palavra é dotada de um significado que
pode indicar a natureza do objeto designado, trata-se de uma “palavra raiz” que é
considerada “um símbolo sonoro das coisas representadas” (Pisani, 1975: 22-23).
Caso contrário, trata-se de “um derivado que surgiu pela mistura de várias palavras
raízes ou pelas mudanças fonéticas de uma palavra raiz” (op. cit.: 22).1
“Na impossibilidade de poder reduzir a palavra a uma filiação
onomatopaica, a palavra é aproximada, pelo menos, de outras
unidades que têm vagas semelhanças de forma e que revelariam
seu sentido exato, ou, então é reduzida a sílabas de outras palavras,
cuja combinação seria significativa: assim Platão explica o nome do
deus Dionusos por didous ton oinon, ‘aquele que dá o vinho’ [...]”
(Dubois, 1998: 251)
Uma vez que ambas as posições extremas são insustentáveis - a de
Crátilo afirmando que os signos sejam completamente arbitrários, e a de
Hermógenes acreditando que os signos são perfeitamente motivados -, Sócrates
chega à conclusão que é preciso fazer um compromisso: a exatidão natural, por si
mesmo, não é suficiente para explicar a relação entre significante e significado; é
preciso tomar em consideração, também, o caráter convencional dos signos.
Na Antigüidade grega, uma semelhante filosofia da linguagem foi
representada, também, pelos estóicos. Baseando-se nos métodos elaborados por
Platão, essa escola defendeu a opinião de que a língua tem sua origem na alma
humana e que, cada proposição lingüística, exprime, por conseguinte, uma verdade
que corresponde à essência do seu objeto. No ponto de vista dos estóicos, a tarefa
principal do etimólogo seria, então, demonstrar que uma palavra é adequada ao
objeto denotado e explicar quais são as verdades religiosas, morais e metafísicas
inerentes à denominação do objeto (cf. Pisani, 1975: 29).
Os antigos gramáticos romanos, no que diz respeito ao método e à
terminologia, orientaram-se na filosofia grega da linguagem. Não é de se admirar,
então, que Varão e seus colegas, indo nas pegadas dos gregos, interpretavam, por
exemplo, a palavra cadaver por ca(ro) da(ta) ver(mibus), “carne dada aos vermes”
(cf. Dubois, 1998: 252). Contudo, diferentemente dos trabalhos gregos, sobressai,
nos estudos dos romanos, que eles tiveram, antes de tudo, um interesse formal,
ocupando-se apenas do significante e negligenciando, amplamente, as questões
semânticas. Pisani (1975: 36), portanto, tem razão quando chega à conclusão que
os gramáticos romanos priorizaram a busca da forma original e da relação entre as
palavras, enquanto os filósofos gregos usaram as diferenças entre as formas das
palavras, primeiramente, para investigar o seu significado fundamental.
Como vimos, a Etimologia ganhou sua má reputação já na Antigüidade
grega. Pelos critérios da lingüística moderna, os resultados de Platão são quase
todos sem valor científico. Como mostra a tabela seguinte, essa avaliação negativa
vale também para as etimologias que circularam em Roma:
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Etimologias romanas
Original Significado
1. ex negativo:
(a palavra) guerra (tem sua forma),
bellum quia non est bellum
porque (a guerra) não é bela
(a palavra) bosque (tem sua origem no
lucus a non lucendo
fato) de (o bosque) não ser luzente
(a palavra) aliança (tem sua origem no
foedus a non foedo
fato) de (a aliança) não ser feia
2. pela contração:
cura: cor urit inquietação: ela queima o coração
(a palavra) janela (é uma abreviação de)
fenestra quod fert nos extra
'ela nos leva para fora'
lepus quia levi-pes lebre porque (tem) um pé leve
vulpes voli-pes (a palavra) raposa (vem de) pé volante
caelebs, "caelestium uitam ducens", per b solteiro, “levando a vida dos celestiais”, é
scribitur quod u consonans ante escrito com <b>, porque o /u/
consonantem poni non potest (Priscian consonantal não pode ser colocado antes
inst. 2, 18, 10) de uma consoante

A etimologia cristã da Idade Média, novamente, fez voltar o estudo para o


lado semântico, ou seja, o significado; pois, recorrendo à Bíblia, os etimologistas
medievais tentaram descobrir o sentido alegórico-teológico de cada palavra. O que
importava para eles, era descobrir o sensus spiritualis que está encerrado em cada
palavra e, em seguida, esclarecer, aos fiéis, o significado hermético da língua que foi
inserido e selado em cada criatura, no momento da criação. Convém mencionar,
como representantes mais importantes dessa escola, o bispo Isidoro de Sevilha
(c.560 – 636 d.C.) e o gramático francês Vergílio Muro (cf. Sanders, 1977: 25).
Dubois (1998: 252) resume o período da Idade Média até o surgimento da
Lingüística moderna desse modo:
“Na Idade Média, etimologia é a pesquisa fundada na crença de que
todas as línguas podiam provir de uma língua determinada,
conhecida, estudada sob a forma escrita. Assim no século XVII
ainda, demonstrava-se que o francês vinha do hebraico (considerado
muitas vezes como língua-mãe por motivos religiosos); a passagem
de uma língua para outra se operava por transposições, supressões,
adições ou substituições de letras. Convém assinalar, todavia, que
Ménage, fazendo remontar o francês ao latim, este ao grego e este
último ao hebraico, encontrou um número não negligenciável de
etimologias exatas”.
No ponto de vista moderno, todas as correntes etimológicas mencionadas
até agora são insatisfatórias por causa de sérias deficiências na sua fundamentação
metodológica e por causa da negligência óbvia das leis fonéticas. Vittore Pisani
(1947/1975) critica a falta de qualquer compreensão histórica e observa que,
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especialmente na área da fonética, ninguém conseguiu “perceber a uniformidade


das mudanças que ocorreram dentro da mesma tradição e na mesma época”
(Pisani, 1975: 34-35). O mesmo autor afirma que a etimologia pré-lingüística, por
esse motivo, foi apenas uma “brincadeira intelectual”:
“Visto que, nela, o material que representa o objeto da sua pesquisa,
nomeadamente, os elementos fonéticos das palavras, são tratados
arbitrariamente e que o valor dos resultados, no fundo, é
completamente insignificante, já que ninguém dispõe de um
fundamento metodológico para decidir sobre as suas qualidades [...],
a etimologia merece, na melhor das hipóteses, ser chamada de uma
brincadeira intelectual [...]” (Pisani, 1975: 35).
Embora seja inevitável concordar com essa sentença impiedosa de Pisani,
não se pode negar que os esforços das filosofias antiga e medieval da linguagem
lançaram as pedras fundamentais que, no fim do século XIX, se tornaram
importantes para o embasamento teórico-lingüístico da Etimologia. Por essa razão,
Willy Sanders (1977) chama a atenção para o caráter preparativo desse “tempo do
advento da lingüística”. Ainda que o autor considere os períodos antes de 1800
como sendo “os séculos das trevas da etimologia”, ele reconhece que seus melhores
resultados se encontram no levantamento do material lingüístico e na redação das
glosas universais que, naquela época, foram produzidas por numerosos estudos
europeus e extra-europeus. Por essas atividades, foram plantadas as sementes que
“trouxeram uma coleta rica no século XIX” (Sanders, op. cit.: 41).

2.2. A Lingüística Comparativa


As etimologias especulativas dos antigos difamaram a etimologia desde o
seu surgimento, mas a Etimologia moderna nada tem a ver com os métodos
obscuros de seus fundadores; pois ela faz parte de uma lingüística histórica que é
controlada, rigidamente, por critérios científicos. Foi a descoberta do parentesco
lingüístico entre as línguas indo-européias pela Lingüística Comparativa do século
XIX que gerou as condições prévias para os pesquisadores se darem conta da
historicidade e do desenvolvimento contínuo das línguas. Todavia, em vez de
focalizar, primeiramente, as diversas fases do desenvolvimento das línguas, os
primeiros estudiosos comparativistas interessaram-se, antes de tudo, pela pesquisa
das suas origens e pela derivação dos seus elementos primitivos. Nessa fase,
surgiram dois métodos de investigação que se tornaram importantes para a pesquisa
etimológica dos períodos posteriores.
Trata-se, de um lado, das chamadas “equações de palavras” nas quais
foram comparados os lexemas de uma língua com as mesmas palavras em outras
línguas cognatas; e do outro, as “etimologias de raízes” que formaram as premissas
para tirar conclusões com respeito à possibilidade das línguas germânicas terem, no
indo-europeu, suas palavras básicas em comum (cf. Leumann, 1977: 158 – 159).
Hoje em dia, o valor dessas etimologias de raízes é bastante duvidoso. Como
ressalta Hermann Lommel (1977), uma raiz representa, sempre, um abstrato, uma
unidade artificial que foi derivada por operações teóricas. Assim sendo, a raiz dos
vocábulos não tem uma existência autônoma na língua básica, i.e., no indo-europeu
(Lommel, 1977: 125), e, por conseguinte, a tentativa de conceder-lhe uma realidade
própria não seria correta. Todavia, conforme Jost Trier, também não é oportuno ver
as raízes como um mero recurso da Lingüística. Embora não seja possível associá-
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las, inequivocamente, com um determinado significado, é certo que servem como


“portadoras de significado e contribuintes na construção da palavra” cujas formas
variadas deixam, sempre, perceber um foco semântico em comum (cf. Trier, 1981:
18).
A contribuição mais importante que a Lingüística Comparativa fez na
Etimologia do século XIX foi o embasamento teórico das leis fonéticas que deu, aos
etimologistas, a possibilidade de deixar para trás a esfera da mera especulação e de
estabelecer uma base cientifica para suas investigações sistemáticas. Desse modo,
a Etimologia teve a oportunidade de se aproximar das ciências exatas (cf. Sanders,
1977: 43 e Kluge, 1977: 106); pois, enquanto, na época pré-lingüística, era comum
recorrer às semelhanças sonoras mais óbvias, surgiu, com as leis fonéticas, a
possibilidade de comprovar a derivação de uma etimologia cientificamente. Além
disso, com base nas leis fonéticas, os pesquisadores conseguiram estabelecer o elo
entre lexemas cujo parentesco não pôde ser reconhecido, na pesquisa antiga, por
causa das formas fonéticas bastante divergentes.2

2.3. A abordagem pela Lingüística Histórica


A Etimologia tem vários objetivos. Cada etimologia individual nos ensina
alguma coisa sobre a estrutura interna do significado de uma expressão e, desse
modo, pode exercer efeito sobre o uso da língua. Como disciplina diacrônica, ela
pode, também, explicar os conceitos e os objetos das épocas passadas de uma
cultura. Em conjunto, as etimologias representam elementos essenciais para a
reconstrução das características sistemáticas de uma língua que se relacionam com
o morfema ou o lexema. Isso não é pouco, porque, com efeito, a maioria das
características de uma língua tem alguma coisa a ver com o léxico: a saber, cada
etimologia comprova ou falsifica uma hipótese sobre o sistema fonológico; cada uma
representa um exemplo para uma regra de formação das palavras e cada uma
integra um campo semântico. Ora, a reconstrução dos sistemas fonológico,
morfológico e lexical de uma língua antiga não se realiza num espaço abstrato, mas
depende completamente da quantidade e qualidade dos dados etimológicos
disponíveis que facilitam ou dificultam as generalizações indutivas.
O que distingue, então, a Etimologia científica da chamada etimologia
popular? Como nas outras disciplinas também, tudo é uma questão de método
(científico). De fato, a Etimologia é apenas um de vários métodos para encontrar
respostas à pergunta sobre a origem de uma expressão. Em princípio, há três
caminhos que nos podem levar a esse objetivo:
1. A expressão tem uma estrutura que obedece às regras sincrônicas
para a formação de palavras.
Por exemplo, a resposta da pergunta sobre a origem da palavra
ingratidão seria que a forma representa uma derivação do adjetivo
português grato que significa “agradecido, agradável, aprazível,
suave” (Cunha, 1998: 393). O prefixo derivacional in- exprime, em
numerosíssimos derivados das línguas modernas, a idéia de
negação ou de privação. O sufixo nominal –dão se documenta em
substantivos derivados, freqüentemente de formação popular, que
exprimem uma qualidade ou característica abstrata.
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Para dar um segundo exemplo, a resposta da pergunta sobre a


origem do substantivo abstenção seria, então, que essa palavra
pertence ao campo derivacional do verbo português abster-se que
significa “privar-se de, evitar” (op. cit.: 6). O prefixo ab(s)-
documenta-se em substantivos eruditos e semi-eruditos que
denotam “renúncia, negação, separação, afastamento no tempo e no
espaço” (op. cit.: 1). O sufixo nominal –ao encontra-se, entre outras
coisas, em substantivos provenientes de verbos com noção de
“resultado de uma ação“ (op. cit.: 56).
2. A expressão sofreu alterações fonológicas ou semânticas durante a
história da língua.
Nesse caso, a solução seria indicar a forma mais antiga encontrada
no corpus histórico da língua. A resposta da pergunta sobre a origem
da palavra ingratidão seria, então, que a palavra foi documentada,
primeiramente, nos séculos XIV e XV, sob a forma jngratidam e
emgratidooe, respectivamente. O adjetivo ingrato, documentado, a
primeira vez, no século XVI, deriva do adjetivo latino gratus. O
prefixo derivacional do latim in-, que é cognato do grego a-/an- e do
germânico un-, se documenta em inúmeros vocábulos já formados
no próprio latim, onde exprime a negação ou a privação. Apesar de
sua grande vitalidade em português, esse prefixo não sofreu
qualquer evolução quer nos vocábulos eruditos de imediata
procedência latina, quer em formações vernáculas. O sufixo nominal
–ão deriva do sufixo latino –o, -onis que forma substantivos oriundos
de outros substantivos ou de verbos.
Voltando ao nosso segundo exemplo: a resposta da pergunta sobre
a origem da palavra abstenção seria, que ela vem do latim abstentio,
-onis e foi documentada, no português, primeiramente no século
XVIII (cf. Cunha, 1998: 6). A origem latina é o verbo abstinere
(”manter a distância, manter-se afastado“). O prefixo latino abs-
representa a forma que o prefixo ab- toma diante de c e t.
3. A expressão representa um empréstimo de uma outra língua.
Nesse caso, a resposta da pergunta sobre a origem da palavra
ceroulas, por exemplo, seria que a forma foi emprestada no século
XVI da palavra árabe sarawil (“calça, calção”) (op. cit.: 174). Quanto
à origem da palavra árabe seria possível fazer as três perguntas
novamente.
Esses exemplos mostram que é possível responder muitas perguntas
sobre a origem das palavras sem recorrer a Etimologia no sentido restrito.
Nomeadamente, o segundo método não é etimológico (no sentido restrito), mas
histórico, e caracteriza o ramo da Lingüística Diacrôncia que se ocupa da História
das Palavras.
Para muitos estudiosos modernos, a pesquisa diacrônica do vocabulário
de uma língua deve se basear numa combinação específica do primeiro e do
segundo método. Isso significa que a análise etimológica de uma palavra deve
seguir os seguintes passos:
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• Primeiramente, convém esgotar as possibilidades da análise


sincrônica, especialmente das regras para a formação das palavras.
• Depois disso, recomenda-se fazer a história da palavra; isso significa
verificar, nos documentos históricos, como a palavra em análise foi
escrita e/ou pronunciada antigamente e o que foi seu significado;
nessa fase, o pesquisador volta no tempo até chegar na mais antiga
forma documentada ou reconstruída pela comparação entre línguas
cognatas.
• Finalmente, aplicam-se, à mais antiga forma documentada, os
métodos da reconstrução interna e da comparação histórica, com a
finalidade de descobrir o processo que deu origem à palavra e que
motivou a associação do significante com o significado original.

Seguem-se alguns exemplos.


A etimologia da palavra portuguesa afiliado pode ser feita assim (cf. Novo
Aurélio, 1999 e Cunha, 1998: 357 e supl. 44): o adjetivo afiliado, que tem o
significado “quem se afiliou”, deriva do particípio passivo de afiliar (“agregar(-se) ou
juntar(-se) a uma corporação ou sociedade”; “inscrever(-se) como sócio ou
membro”). A forma é documentada, a primeira vez, em 1836 no Novo diccionario
critico e etymologico da lingua portugueza de Constâncio (Francisco Solano), obra
na qual se encontra, também, a variante affiliado. A palavra latina que deu origem à
palavra portuguesa é filius / filia. O prefixo a- representa uma redução do prefixo
latino ad- “que ocorreu, diante das consoantes c, f, g, n, p, r, s, e t, nos verbos e em
seus particípios adjetivados, oriundos de substantivos ou de adjetivos” (op. cit.: 13).
Ad- se documenta em vocábulos eruditos e semi-eruditos que denotam
“aproximação no tempo e no espaço, direção” (id. ibid.: 13). “O sufixo nominal -ado
(= it. –ato; = cast. –ado; ≥ fr. –ade [≥ ingl. –ade, -ad]) deriva do sufixo latino –ātŭs
que se documenta em adjetivos oriundos dos particípios dos verbos da 1a
conjugação” (id. ibid.).
A etimologia da palavra alemã gebären, pode ser feita assim: o verbo
gebären, que tem o significado “parir, dar a luz“, deriva do antigo alto-alemã giberan
que tem o mesmo significado. Essa forma, por sua vez, deriva – mediante prefixação
- de outro verbo do antigo alto-alemão, a saber, da forma simples beran, que
significa “trazer, suportar” (cf. ingl. bear). A prefixação com ge- pode dar aos verbos
alemães um aspecto efetivo, egressivo, conclusivo, télico ou terminativo. Desse
modo, o verbo gerinnen (”coagular”) significa literalmente “correr para o fim” ou
“parar de correr”. O significado básico de gebären, então, é “trazer até o fim”.
Em certas palavras do alto-alemão moderno, como innerhalb, unterhalb,
deshalb, allenthalben, meinethalben, krankheitshalber aparece uma raiz fossilizada
que não ocorre mais livremente. Essa raiz significa, mais ou menos “lado” ou
“causa”. É possível traduzir essas palavras como “no lado de dentro”, “no lado de
baixo”, “por causa disso”, “por todos os lados”, “por causa de mim”, “por causa de
uma doença”. Quem investigar a história dessas palavras alemãs descobrirá que a
raiz ocorre livremente ainda nos primórdios do alto-alemão moderno. Podemos
seguir o substantivo Halbe (“lado, região”) até o alto-alemão antigo, época na qual
se registra, também, o substantivo feminino Halba (“lado”). No nórdico antigo e no
inglês antigo encontramos as formas correspondentes halfa e healf que significam
11

“metade” ou “lado”. A origem mais remota no indo-europeu é incerta, mas, seja como
for, é certo que o significado “por causa de”, que aparece no alto-alemão moderno, é
secundário; ele surgiu a partir do significado “lado” em colocações como
meinethalben (“do meu lado” = “da minha parte, por causa de mim”), em analogia ao
padrão de meinerseits (“do meu lado” = “da minha parte, quanto a mim”).
Antigamente, pensava-se que a etimologia de uma palavra de uma língua
indo-européia se faz ao indicar o étimo indo-europeu, ou seja, a palavra primordial
que deu origem à palavra moderna. Desse modo, o étimo do numeral alemão acht
(“oito”) encontra-se na forma indo-européia *oktō(w). Contudo, fazer etimologias
desse tipo, restringe a pesquisa aos aspectos históricos da formação da palavra. Tal
concepção carece de um componente essencial da etimologia que é, a saber, a falta
da motivação da forma que pode ser indicada, apenas, quando se descobre a
maneira como a associação entre significante e significado se passou. No caso do
numeral acht, e em inúmeros outros, não foi possível encontrar pistas que
permitissem resolver esse enigma.
Na reconstrução do étimo, é comum aplicar as leis fonéticas que têm
relevância para o caso em destaque e (nos casos mais favoráveis) recorrer às leis
da mudança semântica. No último exemplo, a vogal inicial /o-/ combina com a forma
moderna /a-/ porque há muitas evidências independentes que comprovam a
validade da lei fonética “/o/ ind.-eur. → /a/ al.”. Isso vale também para as outras
mudanças observáveis nesse exemplo. O exemplo mostra, então, que cada
etimologia individual tem que ser compatível com as generalizações já
estabelecidas. Todavia, como já foi dito, essas generalizações se baseiam também
em tais etimologias. Por exemplo, a lei fonética acima mencionada apóia-se em
numerosas correspondências do tipo “/ahto/ no alto-alemão antigo ~ /octo/ no latim“.
Vê-se, então, que a Etimologia se caracteriza, como (quase) toda a Lingüística
moderna, pelo movimento de vaivém entre a dedução e a indução.
No início do século XX, a lingüística se ocupou, cada vez mais, da história
de uma palavra:
“A orientação da pesquisa etimológica deslocou-se fortemente, das
épocas primordiais, proto-históricas e pré-históricas, para o tempo
que seguiu ao início da tradição escrita e, desse modo, para o
destino das palavras e dos grupos de palavras, nas suas
ramificações, nos seus entrelaçamentos multiformes e nas suas
relações com as outras palavras que pertencem ao mesmo campo
associativo” (Drosdowski, 1977: 202).
Os etimologistas começaram a preocupar-se mais com o conteúdo das
palavras e com o caráter sistemático e estrutural da língua.3 Esse deslocamento da
perspectiva deve-se, primeiramente, à influência dos romanistas que tiveram uma
compreensão diferente da etimologia. Uma vez que a maioria das palavras das
línguas neolatinas pode, facilmente, ser derivada de palavras originais do latim ou do
latim tardio, a questão das raízes, para a etimologia romanista, não teve a mesma
urgência como no comparativismo germânico. Em vez disso, os romanistas
focalizaram muito mais “a compreensão da história das palavras” e investigaram
especialmente “às implicações semânticas e onomasiológicas no contexto das
mudanças sócio-culturais e históricas” (Pfister, 1980: 21-22). Nessa tarefa,
costumaram aprofundar seus estudos até o nível lingüístico de latim, mas, além
disso, não se interessaram muito por uma explicação da origem de uma palavra.4
12

Conseqüentemente, Oskar Reichmann (1969) define a História das


Palavras numa disciplina que tem, como objeto de pesquisa, o desenvolvimento
histórico do vocabulário e que se ocupa, primeiramente, com a questão de como o
conjunto dos significantes e significados de uma língua muda no decorrer da sua
história. Embora seja polêmica a questão de até que ponto seja possível hierarquizar
a Etimologia e a História das Palavras - Reichmann (op. cit.), por exemplo,
compreende a Etimologia como uma sub-disciplina da História das Palavras – quase
todos os lingüistas com interesses na dimensão diacrônica concordam, certamente,
com a afirmação que ambas as direções de pesquisa estão relacionadas
intimamente. Kluge (1977), por exemplo, defende a opinião de que uma discussão
da história do significado de uma palavra pode ser importante, também, para a
questão meramente etimológica da sua origem. Conforme o autor, é possível tirar
conclusões sobre o étimo, a palavra primitiva, apenas se a forma da palavra for
identificada no seu “domínio cronológico original”. Kluge vê, portanto, a finalidade
principal da História das Palavras na determinação exata da idade de uma forma
lexical, por meio da qual seria possível tirar conclusões sobre as origens do
significado de uma palavra (op. cit.: 117).
Para Drosdowski 1977: 203), o objetivo da abordagem pela história da
palavra é, antes de tudo, amparar e ratificar os resultados do estudo fonético. Desse
modo, a investigação exata do significado da palavra e do seu contexto, no decorrer
da história de uma língua e dos seus falantes, pode fornecer as informações
necessárias para confirmar considerações lingüístico-teóricas. O autor recomenda,
para esse tipo de estudo, “um saudável caminho do meio” no qual a etimologia não
se delimita a indicar o ponto de partida e o estado final de uma forma lexical, mas
toma em consideração, também, os desenvolvimentos que se passaram nos
entrementes.

3. Definição da Etimologia e da História das Palavras

No seu artigo sobre “a Etimologia e a História das Palavras”, Jürgen


Untermann (1975) tenta determinar e pormenorizar os traços fundamentais que
caracterizam as duas orientações da pesquisa diacrônica das línguas. Nesse âmbito,
o autor define a Etimologia como:
“a investigação e a descrição do processo que, a partir de um dado
vocabulário e servindo-se de determinados recursos gramaticais,
gera, para uma necessidade emergente, uma nova seqüência de
sons e associa com ela um novo conteúdo” (Untermann, 1975: 105).
Untermann (op. cit.) ressalta que, em princípio, é possível indicar uma
etimologia para qualquer criação lexical, independente da questão de que ela seja
convencionalizada ou não pela comunidade dos falantes. Nesse sentido, até os
chamados hapax legomena, ou seja, as formações lúdicas espontâneas têm uma
etimologia própria. Além disso, é de se pressupor que, com exceção das chamadas
criações primordiais, todas as etimologias se baseiam nas leis da teoria da formação
das palavras e do léxico. Conforme o mesmo autor, não é possível, com base nos
dados disponíveis, identificar, inequivocamente, o processo que gerou uma
determinada palavra, pois cada forma lexical mostra apenas o resultado desse
processo criativo. Assim sendo, é mister ver cada etimologia como uma hipótese
13

“que estabelece a conexão adequada entre as regras lingüísticas para a formação


das palavras, as possibilidades efetivas do léxico e a tarefa de denominação a
cumprir” (Untermann, 1975: 106).
A História das Palavras, é definida por Untermann (op. cit.: 107) como se
segue:
“A História das Palavras registra os passos irreversíveis da mudança
semântica, ou seja, das alterações que, no lado do conteúdo de uma
forma de expressão, podem ser observadas sempre quando não se
cria uma nova forma para exprimir um conteúdo alterado”.
Quando Untermann fala, nesse contexto, de “uma nova forma a criar”, é
de se pressupor que ele se refere a uma mudança semântica ou morfológica da
palavra e não a uma mudança condicionada pelas leis fonéticas. O fundamento
empírico da História das Palavras é formado pelos diferentes contextos das épocas
que, quando comparados, permitem a identificação das diferenças irreversíveis do
lado do conteúdo. Por conseguinte, é possível escrever a história das palavras
apenas se há textos disponíveis que têm sua origem em diferentes épocas.
Conforme Untermannn, a Etimologia, no ponto de vista da História das Palavras,
representa apenas uma disciplina auxiliar que fornece aqueles traços que motivaram
originalmente o surgimento de uma palavra. Isso significa que, dependendo das
fontes à disposição, é possível fazer uma História das Palavras sem recorrer,
necessariamente, a sua etimologia (cf. Untermann, op. cit.: 107 – 108).
As abordagens da Etimologia moderna oscilam entre essas duas
concepções, a de uma etimologie-origine, que se refere à origem da palavra, e a de
uma etimologie-histoire-des-mots que se orienta pela história da palavra. Desse
modo, o etimologista russo V. I. Abaev defende uma abordagem que se interessa
mais pela proveniência das palavras. A etimologia, conforme esse autor, representa
a disciplina lingüística que se ocupa da origem das palavras. Contudo, já que,
freqüentemente, não é possível determinar essa origem, Abaev (1977: 177-178)
prefere falar das “relações genéticas de uma palavra”. Nessa perspectiva, a tarefa
da Etimologia é determinar “as relações genéticas ascendentes e descendentes de
uma determinada forma lingüística” (id. ibid.).
Na definição do romanista italiano Vittore Pisani (1975), é, antes de tudo, o
processo da criação da forma de uma palavra que representa o objeto de estudo da
Etimologia. Na sua opinião, é tarefa principal dos etimologistas “determinar o
material formal de uma língua que foi usado por aquele falante que primeiramente
criou uma palavra e, simultaneamente, descrever a idéia que essa pessoa queria
exprimir com essa palavra” (Pisani, 1975: 79). Ao contrário disso, a definição que
Jost Trier deu à Etimologia focaliza, principalmente, a pesquisa da história das
palavras. Etimologia, no sentido de Trier, é a tentativa do pesquisador de “esclarecer
o parentesco entre as palavras e, uma vez estabelecido o grau de parentesco,
reconstruir a sua história - se for possível - até os seus primórdios” (Trier, 1981: 11).
Nesse trabalho, é importante indicar, ao lado da forma original e da forma presente,
todos os lugares que deram, ao desenvolvimento da palavra, uma nova direção.
Conforme Trier, esses “dispositivos giratórios da história das palavras” são
importantes para a história do conteúdo de uma palavra e podem exercer, também,
uma influência decisiva sobre a forma exterior de uma palavra (cf. Trier, op. cit: 12).
Max Pfister chega à conclusão que as pesquisas etimológicas e filológicas
tomam diferentes rumos e recorrem a diferentes métodos e, por isso, devem ser
14

compreendidas como duas diferentes orientações de pesquisa diacrônica; todavia,


num nível superior, as duas correntes devem ser vistas como “unidades superiores”
que se condicionam e completam mutuamente. Conseqüentemente, para esse autor,
é um enriquecimento da pesquisa etimológica se sua prática conduz a uma simbiose
entre a etimologia e a História das Palavras. (cf. Pfister, 1980: 33 e 77).

4. As exigências que a pesquisa etimológica deve cumprir

O êxito de pesquisas etimológicas e a redação bem sucedida de um


dicionário etimológico ou filológico dependem, conforme Max Pfister, de cinco fatores
particulares:
1. O etimologista deve dispor de uma base bastante abrangente de
material lingüístico que - se for possível - deve incluir todas as
documentações alcançáveis, inclusive os documentos históricos e o
material dos mais variados dialetos. É imprescindível saber fazer um
exame atento de todo tipo de documentos antigos, para extrair
qualquer fragmento de informação que eles possam conter a
respeito de uma determinada palavra.
2. Além disso, o especialista em etimologia deve conhecer, muito bem,
o desenvolvimento fonético nas línguas padrão e nos dialetos; desse
modo, poderá reconhecer as raízes das palavras, os elementos para
a formação das palavras e saberá distinguir as palavras herdadas e
os empréstimos.5
3. O conhecimento geral do etimologista deve ser o mais amplo
possível e, ao mesmo tempo, ele deve dispor de um excelente
conhecimento de disciplinas específicas; além disso, precisa de uma
boa imaginação para poder estabelecer uma conexão adequada
entre a definição da palavra e a realidade extralingüística; isso vale,
especialmente, para os processos metafóricos e a transferência das
definições lexicais correspondentes.
4. Para fazer seu trabalho com êxito, o especialista em etimologia deve
ter um prodigioso conhecimento da língua que está sendo
pesquisada e de cada uma das línguas vizinhas ou cognatas das
quais possam ser tirados os dados relevantes. Visto que os lexemas
devem ser classificados conforme seu contexto sócio-cultural, é
importante, também, ter uma certa habilidade na consideração de
todos os elementos conotativos.
5. O etimologista hábil precisa de uma certa perspicácia e de fantasia.
Como Max Pfister realça, a pesquisa etimológica é tanto uma ciência
quanto uma arte; ela representa “uma ponderação crítica e
impiedosa de todos os dados lingüísticos e extralingüísticos à
disposição e, além disso, exige, na maioria dos casos, um
pesquisador empolgado que tenha uma intuição feliz” (Pfister, 1980:
34).
Particularmente, a presença dos conhecimentos gerais e específicos que
Pfister menciona no terceiro ponto da sua lista é vista pela maioria dos etimologistas
15

como uma condição prévia que não pode ser negligenciada. Walter von der
Wartburg (1977: 145) chama, então, a atenção para o fato de que a pesquisa da
língua deve andar de mãos dadas com a pesquisa das coisas:
“Quem pretende investigar o vocabulário de um povo deve, também,
estudar a vida inteira desse povo, seus métodos de trabalho, suas
ferramentas, suas idéias religiosas e éticas, seus costumes e
hábitos, suas roupas e as respectivas alterações de moda”.
Pfister (1980), também, lembra que há, entre a história cultural e a
pesquisa etimológica, uma conexão íntima que é importante, especialmente, para os
estudos da História das Palavras. Desse modo, o autor recorre ao romanista Jud
quando afirma:
“[...] apenas uma ligação íntima entra a História Cultural e a
Etimologia que, durante muito tempo, foi demasiadamente
excludente, conseguirá garantir, à História das Palavras, uma
participação na História Geral das Idéias que lhe foi concedido
unanimemente na época dos irmãos Grimm [...]” (Pfister, 1980: 76).
Além disso, conforme Walter von der Wartburg (1977), convém ficar
atento, também, ao lado semântico e ao contexto situacional e cultural de uma
palavra. O autor lembra que a menor alteração num matiz do significado de uma
palavra tem seu efeito, também, sobre todas as palavras adjacentes. Por isso, um
etimologista não pode contentar-se com a observação do desaparecimento ou da
aceitação de um significado, mas deve perguntar-se, também, a qual palavra o
significado desaparecido foi acrescentado, respectivamente, qual é a palavra que
perdeu o significado transferido (cf. Wartburg, 1977: 149). Fazendo um balanço do
que se discutiu, até então, sobre a metodologia, o autor constata:
“que é preciso seguir as ramificações múltiplas do grupo de palavras
em pesquisa e, também, todas as relações que esse conjunto
manteve com outros grupos de palavras durante o tempo em que
pertence a uma língua, sem desistir da questão da sua etimologia”
(Wartburg, op. cit.: 154).

5. A comparação de dicionários diacrónicos

Neste capítulo, três dicionários diacrônicos serão analisados no intuito de


descobrir como essas obras contemplam a Etimologia e a História das Palavras e
como os resultados dessas duas abordagens são representados nos verbetes.
Trata-se, nomeadamente de:
• PAUL, Hermann. Deutsches Wörterbuch, 10. überarbeitete und
erweiterte Auflage / von Helmut Henne et al. (1243 pág.). Tübingen:
Niemeyer, 2002.
• KLUGE, Friedrich. Etymologisches Wörterbuch der deutschen Sprache.
Bearbeitet von Elmar Seebold. 24. Auflage (921 pág.). Berlin, New
York: Walter de Gruyter, 2002.
16

• CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua


portuguesa. 2a ed. revistada e acrescida de 124 páginas. Rio de
Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1997.
No que diz respeito ao Deutsches Wörterbuch de Hermann Paul e ao
Etymologisches Wörterbuch der deutschen Sprache de Friedrich Kluge, farei
referências apenas às edições mais recentes e não discutirei a questão em que
medida as edições anteriores dessas obras tradicionais trataram da Etimologia e da
História das Palavras. As novas edições dos dicionários alemães são, em muitos
aspectos, resultado das possibilidades técnicas do processamento eletrônico de
dados. Ainda assim, eles apresentam explicitamente seu respeito ao eminente
trabalho lexicográfico dos lexicólogos alemães do passado. O indício mais óbvio
desse apreço encontra-se na forma clara e sucinta dos verbetes do “Paul” que, em
homenagem aos precursores, retomam, às vezes, suas paráfrases mais felizes. A
arte de redigir um verbete conciso e significativo adquire-se apenas na prática. Nota-
se que os autores dos dois dicionários alemães dominam essa prática e
conseguiram desenvolver uma semântica “maleável” que, apesar da necessária
brevidade, é exata e está sempre à altura da complexidade dos significados.
Convém mencionar, ainda, que houve um acordo prévio entre as duas equipes de
pesquisadores, prevendo que o “Kluge” privilegia a etimologia, no sentido da
investigação da origem das palavras, enquanto o “Paul” se concentra, antes de tudo,
na história das palavras. Essa clara divisão de trabalho tem implicações
fundamentais nas diferentes concepções lexicográficas e, como mostraremos mais
adiante, contribui no aperfeiçoamento das obras, trazendo muitos benefícios para os
usuários.
Os dois léxicos alemães pretendem, “apenas”, seguir as palavras do
vocabulário alemão, usado no presente. Palavras que caíram em desuso,
geralmente, não fazem mais parte desses dicionários. A obra de Antônio Gerardo da
Cunha, no entanto, quer, teoricamente, fornecer uma lista representativa do
vocabulário do português desde a origem do idioma. Infelizmente, é preciso dizer
que tal propósito - devido à influência desfavorável de fatores sócio-econômicos e
políticos que determinam a pesquisa científica no Brasil - não pôde ser realizado nas
últimas décadas.
A edição atual do “Cunha”, apesar dos esforços heróicos do fundador e
dos seus colaboradores, é um reflexo das precárias condições de trabalho que a
lexicografia diacrônica experimenta diariamente nesse país. Explica-se assim, um
dicionário que se destaca por uma conceituação prudente e uma cuidadosa mão de
obra, mas que não pode esconder as conseqüências das imperfeições que a
carência de uma tradição lexicográfica, a falta de recursos e a necessidade de fontes
confiáveis podem facilmente ocasionar. Pigmei Gigantum humeris impositi plusquam
ipsi Gigantes vident. A imagem de Bernhard de Chatres e Diego de Estella vale,
especialmente, para o trabalho lexicográfico. Somos todos pigmeus que se elevam
nos ombros de gigantes. A pesquisa científica nunca é ahistórica, mas surge sempre
no contexto do conhecimento disponível em sua época e cultura.
Todos os dicionários mencionados acima optam pela ordenação alfabética
dos lemas. Tal procedimento representa, no fundo, o método menos científico,
porque separa as famílias de palavras relacionadas e oculta as conexões
intralingüísticas. Contudo, no seu prefácio, Cunha (op. cit.: XI) chama, com razão, a
17

atenção para o fato de que esse método permite um acesso rápido aos lemas e,
desse modo, facilita, ao consulente, o manuseio da obra.
Para facilitar uma representação comparativa dos três dicionários,
colocamos, no anexo, o verbete sobre “pai” ou “Vater”, respectivamente. Onde for
necessário remetemos a outros trechos citados no anexo.

5.1. O dicionário histórico-etimológico de Antônio Geraldo da Cunha


“A lexicografia histórica portuguesa ainda se encontra numa fase de
lamentável atraso” (Cunha, 1998: XIV), declara, prosaicamente, o especialista em
etimologia Antônio Geraldo da Cunha no prefácio do seu Dicionário etimológico; e o
autor adverte logo que sua obra “não pretende esgotar todo o riquíssimo acervo
vocabular da portuguesa” (op. cit.: X), mas aspira a remediar “uma carência de obras
similares em nosso mercado livreiro” (op. cit.: prefácio do suplemento: pág. V). O
Dicionário se apresenta como “uma obra de consulta para o grande público” (id.
ibid.) e, de fato, não se pode negar que, devido a sua rica e abrangente
documentação lexicográfica do português, esse livro ocupa uma posição de
destaque na lexicografia da língua portuguesa. Desse modo, a amplitude do registro
inclui milhares de vocábulos “do nosso patrimônio latino”, assim como inúmeros
outros de procedência arábica ou indígena, igualmente como os empréstimos do
castelhano, do francês, do italiano e do inglês. Não faltam, enfim, os vocábulos
oriundos de idiomas como o alemão, o neerlandês, o sueco, o russo, o polaco ou o
húngaro.
Apesar da grande amplitude do registro, o autor admite, na introdução,
que suas pesquisas etimológicas e históricas tiveram que investir contra uma
“carência de fontes de consulta” que não lhe permitiu “assinalar com maior precisão
as datas da primeira ocorrência dos milhares de vocábulos aqui estudados” (op. cit.:
XIV). Por esta razão e por causa das inevitáveis imposições econômicas, é preciso
dizer que o Dicionário etimológico tem, apesar de todo o rigor científico, um caráter
provisório. Assim sendo, o próprio autor desejou no prefácio do suplemento,
publicado primeiramente em 1985, que a publicação do seu livro representasse
apenas o primeiro passo para um projeto muito mais ambicioso, nomeadamente, “a
publicação de um novo Dicionário Etimológico e Histórico da Língua Portuguesa, de
proporções bem mais amplas do que a presente obra” (Cunha, 1998: prefácio do
suplemento: V). Infelizmente, hoje, decorridos mais de 20 anos, esse projeto ainda
não levou a bom termo. Logo, o Dicionário etimológico, nas suas dimensões de
1985, continua representar o único “manual de rápida e proveitosa consulta” que
consegue oferecer aos professores e estudantes do português, aos lingüistas e
filólogos, aos cientistas e leigos, “o maior número de informações úteis e
atualizadas” (op. cit.:X).
Com efeito, há poucas obras lexicográficas portuguesas a disposição dos
estudiosos. Ainda assim, vale a pena mencionar as fontes principais de Cunha:
• o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa do filólogo português
José Pedro Machado, certamente, é a obra pioneira que merece um
lugar de destaque apesar das inúmeras críticas que se poderiam
fazer;
18

• para o vocabulário medieval, Cunha recorreu ao precioso trabalho do


filólogo galego Ramón Lorenzo Sobre cronologia do vocabulário
Galego-Português e ao seu monumental glossário La Traduccion
gallega de la Crónica General y de la Crónica de Castilla;
• o autor valeu-se também das 16.000 fichas do Vocabulário histórico-
cronológico do português medieval que, um dia, será editada, talvez,
pela fundação Casa de Rui Barbosa – órgão do Ministério de
Educação e Cultura;
• quanto ao vocabulário do século XVI, Cunha aproveitou parte do
Dicionário da Língua Portuguesa do século XVI que se baseia em
140 obras quinhentistas e cuja publicação é planejada pelo Instituto
Nacional do Livro;
• no tocante do vocabulário dos séculos XVII a XX, Cunha consultou
uma coleção de dicionários editadas no século XIX, como Morais
(1813, 1844, 1858), Vieira (1871 – 1874), Aulete (1881) e Figueiredo
(1899);
• para as palavras portuguesas de origem asiática, Cunha consultou o
monumental Glossário luso-asiático de Sebastião Rodolfo Dalgado,
para as palavras de procedência tupi e eslávica serviu-se do seu
Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi e do
material que reuniu na sua obra Influências eslávicas na língua
portuguesa.
Claro que o autor e sua equipe realizaram, além disso, muitas pesquisas
próprias. Quando, apesar de todos os esforços, não encontraram um lexema
dicionarizado em nenhum dos dicionários mencionados e em nenhum documento
pesquisado, contentaram-se “em atribuir ao século XX a data de sua provável
introdução no nosso idioma” (Cunha, 1998: XV).
O dicionário de Cunha baseia-se numa concepção lexicográfica uniforme
que é apresentado por escrito na introdução da obra. Todavia, já na publicação da
segunda edição, ficou evidente, que tanto o conceito lexicográfico quanto o conteúdo
dos verbetes necessitaram de aprimoramentos. Para evitar uma refundição total da
obra, e, em conseqüência, seu inevitável encarecimento, o autor decidiu acrescentar
um suplemento que contém novos vocábulos, recolhidos posteriormente,
retrodatações para a introdução no português de milhares de vocábulos e correções
etimológicas e sematológicas, etc. (cf. op. cit.: nota introd. do supl.: VI). Para um
usuário do ramo, esse suplemento é bem-vindo; para o leigo, a apresentação de
duas listas alfabéticas de verbetes é uma fonte de aborrecimento contínuo. A mais
importante alteração conceitual, refere-se a indicação da sigla e da data do texto-
fonte que documenta o vocábulo. A ausência dessas referências aos verbetes da
primeira edição do Dicionário representa uma lamentável lacuna que o suplemento
consegue suprir apenas parcialmente. Essa falha é reconhecida, também, na nota
introdutória do suplemento na qual o autor admite que a primeira edição “não
conseguiu convencer a todos os consulentes” (op. cit.: nota introd. do supl.: VIII)
porque lhes pareceu indispensável “indicar, ao lado das datas de primeira ocorrência
dos vocábulos, os nomes dos autores e/ou dos títulos das obras a que elas se
referem” (op. cit.: XVII).
19

À macro-estrutura do Dicionário pertence, além das duas listas alfabéticas


de lemas, ainda, uma lista de abreviaturas e de sinais convencionais, assim como
uma lista de símbolos e valores fonéticos, uma lista para as siglas dos textos fontes
das datações no suplemento e uma pequena bibliografia, contendo as obras
“clássicas” mais relevantes para a lexicografia diacrônica, em geral, e de língua
portuguesa, em particular. Na nona reimpressão da segunda edição do livro,
publicada em 1998, a falta de atualizações não pode mais passar despercebida.
Após 20 anos sem revisão, é muito evidente que a bibliografia, por exemplo, carece
de registros de qualquer trabalho publicado depois de 1980. Claro, que também não
há verbetes que registrem os desenvolvimentos lingüísticos que caracterizaram o fim
do século XX, por exemplo, nas áreas das mídias, das ciências e tecnologias ou de
uma política cada vez mais globalizada. Parece que o “lamentável atraso da
lexicografia histórica portuguesa” ainda não pôde ser superado.
O uso de elementos simbólicos, lingüísticos e tipográficos permite uma
segmentação funcional e posicional do conjunto de informações concretas que
constituem a microestrutura dos verbetes. As informações sobre cada vocábulo são
condensadas e ordenadas hierarquicamente conforme o esquema de uma micro-
estrutura abstrata que inclui as seguintes categorias morfossintáticas, semânticas e
etimológico-históricas:
“a) o verbete abre com o registro do vocábulo (ou do elemento de
composição, ou do prefixo, ou do sufixo) [...]; b) segue-se a indicação
de sua classe gramatical (ou a indicação de que se trata de um
elemento de composição, um prefixo ou um sufixo); c) o terceiro
elemento de caracterização é a definição do vocábulo, muitas vezes
reduzida a uma simples identificação semântica; d) registra-se, a
seguir, a data provável da primeira ocorrência de cada uma das suas
diferentes variantes; e) segue-se a determinação do étimo imediato
(e, com bastante freqüência, também dos étimos remotos) do
vocábulo que intitula o verbete, os seus derivados, compostos e
cognatos, e, bem assim, naqueles em que intitula o verbete, todos os
seus compostos, omitiram-se ou reduziram-se ao mínimo as
informações relativas à classe gramatical, à definição e à etimologia
dos derivados e compostos, pois tais informações seriam muitas
vezes redundantes [...]” (Cunha, 1998: XII - XIII).
A metodologia adotada no Dicionário permite elucidar o consulente no
tocante às correlações etimológicas entre vocábulos de mesma origem remota. Foi
reunido, num único verbete, um maior número de vocábulos, entre os quais se
encontram os principais derivados, compostos e cognatos do vocábulo em epígrafe.
Em outras palavras: o princípio da apresentação dos lemas em ordem alfabética foi
relaxado onde a formação de sub-lemas e nichos semânticos (semantic niching)
facilita a exibição de relações morfossemânticas entre as palavras. Além disso, é
importante destacar que os elementos de composição, os prefixos e os sufixos
ganharam um tratamento especial, na medida em que são apresentados, como
lemas, em ordem alfabética na lista dos verbetes. Enfim, o sistema rigoroso de
remissão permite comparar entre si numerosos verbetes “que apresentam algumas
correlações de natureza etimológica e/ou de interesse histórico” (op. cit.: XIX). Em
nosso verbete para “pai” (vide anexo), por exemplo, o consulente pode aproveitar
uma remissão às palavras padrão, patrão, pátria, patriarca e patrício. Além disso, há
palavras cognatas que remetem aos seguintes prefixos, infixos e sufixos: a-, -inh-, -
ar, -eco, -inho, -ado, -eiro, -fobo, -dade, -o, -local, -log-, e -ia.
20

Apesar das restrições feitas acima com respeito ao caráter provisório da


obra de Cunha, é certo que a História das Palavras e a Etimologia são elementos
fundamentais do Dicionário. O foco dos verbetes é a história das palavras, a datação
da sua primeira ocorrência, as variantes morfológicas e gráficas, o desenvolvimento
diacrônico dos seus significados, a polissemia das suas formas morfológicas e as
diferentes acepções com que um vocábulo se documenta na língua portuguesa.
Contudo, a Etimologia, também, tem um papel importante nesse manual e
representa, para usar uma expressão dos irmãos Grimm, “o sal e o condimento do
dicionário, sem os quais sua refeição ficaria sem sabor” (cf. Grimm, 1854: XVII).
Desse modo, cada verbete indica, de modo bem sucinto, a etimologia de cada um
dos vocábulos estudados:
“Nossa preocupação maior foi a de assinalar o étimo imediato do
vocábulo português. Quando dispusemos de informações mais
completas, mencionamos também os étimos remotos e procuramos
determinar as condições de natureza histórica que propiciaram a
adoção do vocábulo em português e, bem assim, estabelecer as
suas principais vias de penetração” (Cunha, 1998: XVIII).
Nessa tarefa, foram usados, especialmente, os dicionários e tratados de
etimologistas da língua portuguesa e os das demais línguas românicas, bem como
os do latim e do grego. Quando foi necessário, Cunha recorreu, além disso, aos
dicionários etimológicos de outras línguas, como o alemão, o neerlandês, o sueco, o
russo, o polaco, o búlgaro, o húngaro, assim como às obras especiais sobre os
idiomas asiáticos e indígenas.
O Dicionário focaliza a documentação do desenvolvimento cronológico das
formas das palavras. A estruturação diacrônica dos significados delimita-se a
indicação ocasional de acepções diferentes. Além disso, o leitor pode, também,
sentir falta de informações fonológicas ou lingüístico-geográficas. Como já foi dito, a
indicação dos textos fontes ocorre apenas no suplemento da segunda edição. Nesse
acréscimo, destaca-se que a lista não inclui documentos, revistas, folhetos, etc. que
contenham gêneros textuais não literários. Por causa dessa restrição, o corpus não
pode ser visto como representativo para a linguagem corrente. Apesar das
insuficiências mencionadas, chegamos à conclusão que a representação das
informações é sucinta, sistemática e compreensível e que o leitor pode aproveitar o
Dicionário, especialmente, quando tem perguntas sobre as palavras mais antigas.

5.2. O dicionário histórico de Hermann Paul.


Conforme Ingrid Kuhn (1994: 7 – 8), a tarefa principal dos dicionários
históricos é seguir o desenvolvimento das palavras nas diferentes fases da história
de uma língua e representar a origem e a mudança dos seus significados. O
Deutsches Wörterbuch do ilustre professor Hermann Paul (1846 – 1921), cuja edição
mais recente desconsidera a reforma ortográfica do alemão ao seguir a ortografia
tradicional, pertence, certamente, a esse tipo de dicionários. A primeira edição do
“Paul” já foi lançada em 1897 pela editora Max Niemeyer em Tübingen. Igualmente
como essa versão histórica, a décima edição, publicada em 2002 pela mesma
editora, também aspira a uma representação sistemática da história dos significados
do vocabulário alemão. O objetivo da obra é oferecer ao consulente uma visão
pormenorizada da estrutura semântica do alemão. Para isso, o dicionário, arranjado
em ordem alfabética, é precedido de um registro sinóptico de categorias que reúnem
21

as palavras individuais, por meio de conceitos gerais, em diferentes classes. Nos


verbetes do “Paul”, destaca-se que o usuário, ao contrário de outros dicionários
históricos, não encontrará apenas as definições dos significados, mas também
inúmeros exemplos concretos do uso das palavras em orações originais.
A concepção lexicográfica de Hermann Paul é resultado das suas
considerações teóricas sobre as tarefas que a pesquisa de palavras tem que
cumprir. A obra é conceituada como um dicionário histórico que se ocupa da
documentação dos significados. Assim sendo, o “Paul“ se propõe a representar,
pormenorizadamente, a mudança semântica do vocabulário alemão. Paul acreditou
que a pesquisa de palavras pode cumprir seu dever adequadamente, apenas se as
formas das palavras não são tratadas isoladamente (cf. Kämper-Jensen, 1990: 185).
Não é de se admirar, então, que o autor criticou, explicitamente, toda lexicografia
diacrônica que insiste em apresentar os verbetes rigidamente conforme a ordem
alfabética dos lemas; o que acontece, aliás, no famoso dicionário histórico dos
irmãos Grimm. Paul viu, nesse princípio, “um arranjo meramente aleatório” (Kämper-
Jensen, op. cit.: 186) que, na sua opinião, não consiga representar,
satisfatoriamente, os processos intralingüísticos de mudança. O autor sempre
ressaltou que as palavras não se desenvolvem em isolação, mas “são produtos de
seres sociais que se influenciam mutuamente no decorrer de um processo histórico”
(id. ibid.). Nessa perspectiva sócio-histórica, compete ao dicionário “representar, nos
níveis fonético, morfossintático e semântico, as relações lingüísticas” que
constituem, “na consciência coletiva de um povo”, o significado de uma palavra“ (op.
cit.). Com base nessa pressuposição, Paul coloca, no primeiro plano da concepção
do seu dicionário, as múltiplas conexões que podem ser estabelecidas nos níveis
micro e macro-estrutural do vocabulário. Em outras palavras: o objetivo principal do
dicionário é elucidar, ao consulente, os desenvolvimentos históricos da palavra
pesquisada que se passaram, conforme o autor, no inconsciente dos falantes (cf.
Kämper-Jensen, 1990: 188).
É justamente essa intenção que a estrutura dos verbetes leva em conta;
pois os lemas nem sempre são listados, rigidamente, conforme a ordem alfabética,
uma vez que o “Paul” segue o princípio de reunir, num único verbete, um número
maior de palavras derivadas, compostas e cognatas que ampliam o lema na margem
direita ou esquerda, mas cujos significados são ligados etimologicamente.6 As
palavras que não são ligadas semanticamente, mas que são aparentadas
etimologicamente, são inseridas em diferentes verbetes, mas são marcadas por uma
seta e, desse modo, podem ser ligadas indiretamente. Além disso, foram,
explicitamente, consideradas, no discurso lexicográfico dos verbetes, as relações de
hiponímia e heteronímia entre as palavras. Desse modo, é comum que o verbete de
um hiperônimo inclui remissões a todo o campo semântico em destaque, enquanto
os verbetes dos hipônimos correspondentes fazem remissões justamente a esse
hiperônimo e, se for possível, aos outros hipônimos relevantes (crf. Kämper-Jensen,
op.cit.: 196 – 199). Desse modo, o entrelaçamento múltiplo das palavras alcança, na
obra de Paul, um nível extraordinário se o comparamos com outros dicionários
diacrônicos. Essa impressão é confirmada quando lemos nosso verbete exemplar
(vide anexo) que inclui muitas palavras derivadas e fornece, desse modo, um grande
número de conexões com o lema principal. As informações etimológicas são dadas,
imediatamente no início de um verbete. Na maioria dos verbetes, esse tipo de
informação é apresentado sucintamente e indica, além da origem da palavra e das
regras da sua formação morfológica, o motivo que levou a sua denominação. Uma
22

datação explícita dos lemas é realizada apenas a partir do século XIV, ou seja, a
partir dos primórdios do alto-alemão moderno. Quanto às formas de palavras mais
antigas, há, nos verbetes relevantes, apenas uma indicação da fase na história
lingüística e a datação dos textos fontes que podem informar sobre o surgimento
histórico de um determinado vocábulo.
No que diz respeito à história das palavras, Paul dá importância à
representação do desenvolvimento que levou aos diferentes significados lexicais,
com o fim de elucidar as condições de natureza histórica que propiciaram o processo
da formação morfológica das palavras (Paul, 2002: X). Os diferentes significados dos
lemas são listados conforme a ordem cronológica, mas, onde foi possível, o
significado geral antecede os significados que são específicos a certos domínios
técnicos ou grupos sociais. Significados que são ligados, intimamente, são marcados
através de uma pontuação específica. Para poder explicar os diferentes significados
de um vocábulo, a documentação de Paul baseia-se no uso literário das palavras.
Aqui, se mostra mais uma vez o cuidado que os autores tiveram com a redação dos
verbetes e a escolha dos exemplos; pois os trechos citados não documentam
apenas a forma em destaque, mas servem, também, como um complemento da
paráfrase semântica do vocábulo (op. cit.: XI). Muito agradável também, o arranjo
tipográfico do “Paul” que é extremamente claro: os lemas principais e os sublemas
são impressos em negrito, já as documentações, em itálico. Tal procedimento não
facilita apenas a busca dos verbetes, mas também distingue, visivelmente, a parte
da documentação e a parte explicativa.
O dicionário de Hermann Paul é o único dicionário alemão que
desenvolve, num só volume, os significados das palavras numa perspectiva histórica
através de uma documentação literária que inclui, também, a literatura depois da
Segunda Guerra Mundial. Devido a sua perspectiva histórica, o “Paul” facilita tanto a
compreensão da literatura mais antiga, particularmente do Classicismo e do
Romantismo, quanto promove uma reflexão mais profunda sobre as estruturas e as
tendências do uso presente do alemão. Com essas qualidades, o dicionário se
dirige, especialmente, aos professores e estudantes de língua e literatura alemãs.
As novidades mais importantes da edição mais recente incluem um
alargamento do registro por estrangeirismos e internacionalismos, pelos vocábulos
da extinta República Democrática das Alemanha (RDA) e pelas palavras que
surgiram na época da reunificação dos dois Estados alemães, depois de 1989. Além
disso, foi feita uma atualização do acervo vocabular, conforme as novas tendências
do vocabulário alemão, especialmente nos domínios das linguagens técnicas e
científicas e na área das mídias e do uso público da palavra. O “guia do vocabulário”
foi revistado completamente, assim como o quadro sinóptico de categorias que
precede a lista dos lemas e que classifica o vocabulário conforme critérios histórico-
semânticos e didáticos.
Em suma, o “Paul” deixa a impressão de uma obra completa e útil. Seu
único aspecto negativo encontra-se, talvez, no fato de que as documentações levam
em consideração, “apenas”, o uso literário da palavra. Tal procedimento causa uma
certa parcialidade porque o Deutsches Wörterbuch não se apresenta como um
dicionário da linguagem literária, mas como uma obra que pretende exaurir todas as
correntes do léxico alemão e apresentar todo o acervo atual dessa língua. O corpus
de textos-fontes deveria ter sido selecionado em conformidade com esse objetivo.
23

5.3. O dicionário etimológico de Friedrich Kluge


"Quem veio primeiro: a galinha ou o ovo?” – Com essa pergunta, a editora
Walter de Gruyter faz propaganda para a 24a edição do Etymologisches Wörterbuch
der deutschen Sprache (2002). A obra clássica, publicada primeiramente por Friedrich
Kluge em 1883, informa seus usuários, nas cerca de 1000 páginas da sua edição
mais recente, com o conhecido rigor científico, sobre a origem e a história das
palavras alemãs. Se seguirmos Ingrid Kuhn (1994), podemos afirmar que os
dicionários etimológicos pertencem ao conjunto dos dicionários históricos, mas
focalizam, antes de tudo, a representação da origem e da história das palavras,
assim como o seu parentesco com outras línguas. Elmar Seebold, o organizador do
dicionário etimológico ressalta que o “Kluge” está comprometido exatamente com
esse objetivo. Além de um dicionário com cerca de 13.000 verbetes, o “Kluge” contém
uma introdução à terminologia da pesquisa histórico-etimológica e uma bibliografia
sobre a etimologia de língua alemã. A edição mais recente está disponível, também,
como Cd-rom, o que facilita ainda mais o seu manuseio.
A 24a edição do “Kluge” é resultado de uma revisão completa e uma
ampliação da 21a/22a edição dessa obra. A diferença se encontra, especialmente,
numa esquematização mais rígida da microestrutura dos verbetes, assim como
numa condensação dos verbetes centrais que se delimitam, agora, às principais
informações etimológicas. Em comparação com edições anteriores, o novo “Kluge”
desiste completamente de uma discussão de problemas que dizem respeito à
história das palavras e remete o consulente no prefácio para o dicionário alemão de
Hermann Paul. O “Kluge”, então, quer ser compreendido como um manual
conceituado e dedicado puramente para “a etimologia, no sentido de ‘a origem das
palavras’” (Kluge, 2002: IX). Conseqüentemente, suas qualidades extraordinárias se
desenvolvem justamente nessa área da lexicografia diacrônica.
O “Kluge” volta para o tempo anterior ao médio alto-alemão até os mais
antigos estados do germânico e do indo-europeu e seus verbetes oferecem,
também, muitas formas comparativas e paralelas tanto no indo-europeu quanto nas
outras línguas germânicas pré-modernas e modernas (cf. Munske, 1990: 457). Além
disso, ele representa o único dicionário histórico ou etimológico do alemão que
apresenta rigorosamente, para todos os lemas, uma data provável da sua primeira
ocorrência na língua alemã.7
Muito úteis são, também, as indicações das fontes e as explicações
científicas que comprovam a etimologia de um verbete. Essas informações têm um
valor ainda maior em todos os casos nos quais a derivação etimológica de um
vocábulo não é um ponto pacífico entre os especialistas de etimologia. Essa oferta
garante que as informações dos verbetes possam ser verificadas, o que aumenta
ainda mais a credibilidade da obra. Outra vantagem desse conceito lexicográfico é
que o “Kluge” se transforma em uma bibliografia resumida de trabalhos etimológicos
sobre numerosos vocábulos.
Os textos dos verbetes do “Kluge” caracterizam-se por um estilo sucinto
que evita acumulações de materiais e sintagmas compridos e que distingue,
claramente, o que é certo do que é duvidoso. É verdade que esse estilo conciso
pode tornar os textos, às vezes, bastante incompreensíveis para os leigos8, mas
produz simultaneamente uma clareza lógica que permite um acesso rápido às
informações procuradas. Essa qualidade extraordinária do dicionário sobressai ainda
mais, porque muitos verbetes são divididos numa parte principal com letras em fonte
24

grande e numa parte de remissões, impressa com letras menores. Desse modo, é
possível separar, facilmente, a informação essencial, das informações adicionais que
fornecem, por exemplo, a indicação dos textos fontes e/ou as palavras cognatas nas
modernas línguas germânicas. Em resumo, as informações destinadas ao usuário
com amplo conhecimento filológico não sobrecarregam a parte principal. Essa
estratégia previdente não aumenta apenas a clareza, mas corresponde também às
necessidades do público alvo que, certamente, não se constitui apenas por
especialistas.
Um motivo de insatisfação encontra-se na consideração dos campos
semânticos e da apresentação das conexões íntimas entre os vocábulos. Nota-se
que o “Kluge” indica, no fim da parte principal, os compostos e derivados do lema e
que, na parte das remissões, chama a atenção do consulente para palavras
etimologicamente ou semanticamente aparentadas, mas é inegável, também, que a
obra não explica o significado e o processo de formação desses derivados e
compostos. Além disso, destaca-se que esse dicionário é muito econômico quanto à
indicação de derivações e de relações de parentesco.

6. Considerações finais

Essa comparação de três dicionários demonstra que a Etimologia e a


História das Palavras dificilmente podem ser separadas uma da outra. No nível
conceitual, o dicionário de Kluge faz essa distinção com êxito, mas consegue isso,
apenas, porque nem tenta responder àquelas perguntas sobre a história das
palavras que se impõem ao consulente durante a leitura dos verbetes. Do outro lado,
nota-se que os dicionários os quais se orientam mais na história das palavras,
também, não podem prescindir completamente de informações etimológicas; pois,
para a análise diacrônica dos diferentes significados e da mudança semântica do
lema, é muito importante fornecer, também, uma descrição da origem.
Em suma, é evidente que faz sentido, na concepção de um dicionário
diacrônico, determinar os pontos principais da obra. Nesse sentido, o “Paul” e o
“Kluge” cumprem seu dever adequadamente porque decidiram, cada um, a seguir
rigorosamente uma das orientações possíveis e desenvolver, nesse domínio, todas
as suas qualidades boas. Cunha tenta progredir “no caminho do meio”, mas, quanto
ao amadurecimento da concepção lexicográfica, à confiabilidade das datações e a
utilidade para o consulente, não pode se comparar com o “Paul” e nem com o
“Kluge”. Não há dúvida que um mestre de etimologia como Antônio Geraldo da
Cunha conhece muito bem o caráter provisório da sua obra “que ainda necessita de
muitas emendas” (Cunha, 1998: XX), mas, diante do “lamentável atraso” da
etimologia de língua portuguesa, quis satisfazer as necessidades mais urgentes do
seu público. Esse esforço, por si mesmo, já merece nosso maior apreço.
Não há um dicionário histórico-etimológico ideal, pois sua utilidade sempre
depende da pergunta para a qual o usuário está procurando uma resposta. Ainda
que o “Cunha” resolva muitos problemas no dia-a-dia do leitor brasileiro, mesmo que
o “Paul” é bem adequado para questões históricas e o “Kluge” para questões
etimológicas do alemão, é bem provável que os consulentes das três obras, em
muitos casos, mas especialmente quando de trata de palavras raras ou de uma
etimologia incerta, não poderão evitar a busca em outros dicionários.
25

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Notas de fim
1
Trata-se, nessas mudanças fonéticas, de intervenções subjetivas na estrutura fonética da
palavra. Além disso, foi costume indicar, para cada vocábulo, várias possibilidades
interpretativas. No ponto de vista moderno, portanto, é preciso avaliar aqueles trabalhos
etimológicos como produtos de mera especulação (cf. Sanders, 1977: 10-11).
2
Na etimologia, não se recomenda aplicar as leis fonéticas rigidamente, porque a mudança
fonética não tem um caráter contínuo e sempre permite exceções. Especialmente as
palavras muito freqüentes, como preposições, partículas, verbos com um significado muito
27

geral, expressões idiomáticas, etc. estão sujeito, geralmente, a processos de mudança


fonética que ultrapassam as leis gerais e que não podem ser sistematizadas. Desse modo, a
esperança de ter encontrado na aplicação das leis fonéticas uma prova segura para a
derivação etimológica não se realizou (cf. Thurneysen, 1977: 50 – 73.)
3
Nessa fase da pesquisa etimológica, aumentou a importância da semasiologia que se
estabeleceu como uma disciplina auxiliar da etimologia. Drowsdowski indica, como tarefas
principais da pesquisa semasiológica, a explicação das causas e dos tipos de mudança
semântica, a classificação da mudança semântica conforme diferentes critérios e a
derivação de regularidades no processo da mudança semântica. (cf. Drosdowski, 1977: 201
– 202).
4
De uma maneira geral, são os estudiosos das línguas germânicas e do indo-europeu que
se encarregam desse tipo de trabalho (cf. Pfister, 1980: 21 – 22).
5
Conforme Drosdowski, é preciso prestar atenção, antes de tudo, para o conhecimento das
variações dialetais que, muitas vezes, fornecem a chave para a etimologia certa (cf.
Drosdowski, 1977: 192).
6
O problema do arranjo não cronológico dos sub-lemas que trazem acréscimos na margem
esquerda do lema principal é resolvido através de um registro alfabético de remissões que
inclui as composições e derivações com acréscimos na margem esquerda e que se
encontra no anexo do dicionário.
7
Os outros dicionários alemães desistem de uma datação das palavras do médio alto
alemão com uma referência ao estado catastrófico da lexicografia dessa época.
8
Essa é a conclusão de Jürgen Untermann (1992: 116 - 132) na sua resenha dos
dicionários etimológicos de Kluge e Pfeifer.

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