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AGMAEL LIMA
Prefácio
O poeta Agmael Lima (como a maioria dos poetas) mesmo sabendo rezar, sempre irá cair em
tentação. Pois, basta dar ouvidos as inspirações de nossa “ANCESTRALIDADE”
...Tive sonhos, já perdi, voltei a tê-los
Aprendi sonhar, até tendo pesadelos
Sou um santo, sem negar ser pecador...
Quando o poeta (d)escreve os “VERSOS À MINHA INFÂNCIA”, nos remete ao que temos de
mais puro. Dificilmente encontraremos alguém que escreva poesias, que não tenham os “pés-
sujos” com a poeira dos terreiros do interior. É onde surgem muitos motes, que vem dos ditos
populares, coisas que os “matutos” expressam naturalmente, sejam: Por espanto, para
afirmarem suas palavras de compromissos, para se pabular, para enaltecer o amor, para expor
suas gratidões, suas amizades, sua religiosidade...etc.
Esse escrito final, fiz de improviso ainda extasiado pela poesia deste livro e saiu esta
singela homenagem ao meu querido poeta Agmael (de Ipixuna) Lima.
Desejo uma boa leitura a tod@s, pois me diverti muito com essas proezas do meu
amigo/confrade Agmael Lima.
Maciel Melo
DEDICATÓRIA
Dedico esta obra à memória de todos os meus ancestrais, de um modo especial à memória do meu
avô materno José Braz Lima (Zeca Rapaz), o maior professor de vida que eu tive.
AGRADECIMENTO
A edição desta obra só foi possível graças ao apoio, a colaboração e a confiança de muitas
pessoas que ajudaram a torná-lo uma realidade.
Consideramos essencial agradecer, em primeiro lugar, a Deus, a Ele toda a honra e toda glória;
Em segundo lugar, agradeço à minha amada esposa Edinha Lima pela força e incentivo;
Ao romancista e poeta Silvio dos Anjos, meu mestre e padrinho literário, responsável pelo
comentário de orelha deste livro;
Ao meu amigo poeta Adalberto Marcos (Bertin de Carmelita), prefaciador desta obra.
Ao meu amigo poeta e cantador Luis Carlos Pinheiro, responsável pela contracapa deste livro;
Aos meus familiares, amigos, leitores e todos aqueles que direta ou indiretamente
contribuíram para que este projeto viesse a se concretizar.
A literatura brasileira, paraense e especialmente de Nova Ipixuna, recebe o poeta Agmael Lima de
braços e mente aberta.
Falar deste poeta é uma grande honra. É meu amigo e companheiro da Academia de Letras de
Rondon do Pará e Região (ALERPRE).
Ancestralidade nos leva a poesia matuta, tão decantada neste país na atualidade. Remontar as
origens é uma maneira de valorizar as pessoas, que deixaram no passado a sua cultura, e os seus feitos
marcados para sempre.
O poeta comenta as suas peraltices na infância e desenvolve os seus motes com maestria e alegria.
Também revela o seu ser “homem” apaixonado pela sua amada.
Apresenta na sua obra os seus devaneios, a sua poética brincalhona na poesia “Cabaré da Damiana”.
Viaja dentro da crítica religiosa e política; comenta poeticamente os revezes da vida, e, fala do óbvio
quando poetisa a velhice. O poeta pode fazer alquimia quando transforma mijo em perfume.
Ressalta a ancestralidade africana quando cita na sua obra as rezadeiras, benzedeiras e as mães de
santo do seu lugar.
Na sua poesia a seca é apresentada como uma preocupação da sua região.
A sua obra termina levando os adjetivos ofídicos para nomear seres humanos da pior espécie.
O poeta Agmael Lima viaja pelos caminhos da poesia matuta, fazendo um belo mingau poético,
regado com araruta.
Ao ler e comentar esta obra deixo este comentário: a sua poesia é boa, como as do nosso nordeste.
Falou cabra da peste.
Quando nasceu chorando, careca e sem dentes foi por Deus embrulhado com o manto
sagrado da poesia e acalentado nas palavras sertanejas dos pais, descendentes dos rincões
nordestinamente baianos onde quando faltam água e pão, sobram poemas. Na sua gaveta
de poemas se encontram o romântico com a sinceridade poética que regam a origem de
autêntico sobrevivente das tempestades. O autor mantém viva a poesia pura e de origem
que desde cedo viaja nas veias da sua construção que faz a poesia puramente nordestina,
despida dos modismos insanos que fazem proliferar a decadência poética. O Poeta Agmael
Lima é mais um abençoado tão quanto todos que fizeram da palavra em versos sua espada
e seu escudo nesse Brasil afora. Se esse Poeta morrer embriagado pelo próprio veneno e
esse veneno tenha sido destilado da sua poesia, com certeza morrerá poeticamente Feliz.
Poeta
Músico
Rua Capitariquara número 07, Nova Ipixuna, Pará, Amazônia, Brasil, sábado, 14 de julho de
1979, às 06 horas e 10 minutos da manhã, local, data e momento em que nasci chorando
calvamente desdentado em plena lua cheia de julho, no dia da “Liberdade de Pensamento”,
nos aniversários da “Queda da Bastilha” e do início da “Revolução Francesa”.
Costumo falar que nasci no limite entre a noite e o dia, um pouco depois do final da aurora,
um pouquinho antes do nascer do sol. Era para ser apenas o nascimento de mais um menino
chorão, mas quis a vida que o destino me fizesse nascer poeta.
Nascer poeta é vir ao mundo para moldar palavras com as próprias mãos. É não encontrar nos
versos dos outros, aquilo que expressa a sua verdade, a sua cólera ou a sua agonia. É desfazer
palavras e em seguida refazer-se com as mesmas palavras que outrora atirou ao lixo.
Nascer poeta é nascer para sorrir, amar, e de vez em quando dar murro em ponta de faca. É
nascer para psicografar o impossível e desejar o intocável. É nascer para embriagar do doce e
do amargo e decifrar gritos e silêncios.
Assim nasci, para isto nasci: poeta condenado a inventar o meu próprio pecado e algum dia
certamente morrer de saudade embriagado pelo meu próprio veneno.
Agmael Lima
ANCESTRALIDADE
Rodeada de meninos.
Tenho saudade dos contos
Do Lampião tenebroso.
“Tubarão” e “Diamante”
E do som do foguetório
As novenas e os reisados
De saudade e fantasia
NOVA ERA
O CABARÉ DA DAMIANA
É o Cabaré da Damiana.
Buscando se divertir
Em busca da boemia
No Cabaré da Damiana.
No Cabaré da Damiana.
Lá vai personalidade
Comprometido na trama
Carlão Pé de Macaxeira
É um exímio usuário
Do Cabaré da Damiana.
Amante de Rogaciana
No Cabaré da Damiana.
No Cabaré da Damiana.
O Cabaré da Damiana.
Matador de suçuarana
No Cabaré da Damiana.
Fazedor de rapadura
E aguardente de cana
No Cabaré da Damiana.
No Boteco de Tirana
Do Cabaré da Damiana.
No Cabaré da Damiana.
No Cabaré da Damiana.
Lugar de animação
É o Cabaré da Damiana.
Só se vê gente mesquinha
FOGO NO ORATÓRIO
Do oratório erudito
Da vó Nazinha do Carolino.
Mantinha um oratório
Um altar sacro-bendito
Vó Nazinha agradecida
Transbordava de alegria
E eu moleque “malinava”
Aproveitei um momento
De descuido e calmaria
Abandonei o falatório
E eu naquele zueiro
Pense em um desmantelo
No meio do fumaceiro.
E pra encurtar a estória
E Benedito sapecado
De deixar desmantelado.
No oratório beneditino
Um “lamentá” de dá dó
“Arremaria”, “Crendeuspai”
Na religião e na ciência
A ladroagem e a corrupção
Mergulhou no absurdo
E a população paralítica
Promessas de compensação
Trabalhada na mutreta
É a rainha da pavulagem
Faladeira de sacanagem
De fofocagem e putaria
Em busca de boataria
Encapetado da disgreta
Excomungado e pivete
TU ÉS O TIPO DA “MUIÉ”
Perfumadamente cheirosa.
Na mitologia greco-romana
Perfumadamente cheirosa.
Perfumadamente cheirosa.
O POETA E O OVINI
Amásio da madrugada
Galanteador da lua
Misteriosamente radiante
Lobisomem, Saci-Pererê
Curiango e caxinguelê
Mãe-de-santo e rezadeira
Benzedeira e adivinha
Mulher de sabedoria
Quebranto ou picuinha
Impotência ou frigidez
Ou pinxilinga de galinha
Iluminada e adivinha
Já vi “catiroba” trair
NECRÓFILOS
(Ao meu irmão Emmanuel Lima abortado aos cinco meses de gestação)
A vileza da vizinhança
No mundo fogo eu botava
Fui imperativa criança
Que “Véa Luza” castigava
- “Na peia comigo tu dança!”
Com ela a cobra fumava.
Mãe contava que ao casar
Engravidou na lua-de-mel
Mas não pode suportar
E em tamanha dor cruel
Amargamente viu abortar
O meu mano Emmanuel.
2ª PARTE
CONTOS ASSUSTADORES
A PROMESSA QUE NÃO FOI PAGA
Minha avó Izaura conhecida como Vovó Rôxa me contou que no início do Século XX
no povoado de Campo Alegre localizado no município de Itamaraju no Estado da Bahia,
havia um fazendeiro muito rico conhecido como Amarante. Proprietário de muitas terras
e de muito gado e por isso foi considerado um dos homens mais ricos da região naquela
época. Era casado há quase quarenta anos com dona Fulô, uma senhora muito religiosa
e bondosa que o ajudava diariamente nos afazeres da fazenda onde morava. Iam à missa
todos os domingos, sozinhos já que o destino não permitiu que eles tivessem filhos.
Certo dia, acometido de grave doença e correndo risco de morte, Amarante fez uma
promessa ao Senhor Bom Jesus da Lapa, divindade de grande prestígio na Bahia e santo
de sua devoção, que se Este o curasse de sua enfermidade, ele iria da sua fazenda,
montado num boi, até a Lapa do Bom Jesus que ficava à uma distância aproximada de
oitocentos quilômetros, agradecer ao santo pela graça alcançada.
Algum tempo depois da promessa feita, Amarante ficou curado e desde então tratou de
escolher entre os seus bezerros recém-nascidos, um no qual ele pudesse domar para que
esse o levasse até a Lapa. Escolheu um bezerrinho completamente preto no qual deu o
nome de Romeiro. Em seguida começou a domá-lo para que em poucos anos, esse o
ajudasse a cumprir sua promessa.
Dois anos depois, o bezerro se tornou um boi escuro como carvão, totalmente crescido,
mansinho e pronto para levar o seu dono naquela distante viagem. Amarante havia
combinado que sua viagem só aconteceria durante a noite para que nem ele e nem o seu
boi Romeiro sofressem com os efeitos da insolação, ou seja, durante a noite eles
viajavam, mas quando amanhecesse, eles descansariam à espera da noite para que assim
prosseguissem com a viagem até chegar na Lapa. Tal propósito faria com que a viagem
durasse meses.
Quando tudo estava pronto para a viagem iniciar, o destino pregou uma peça: Amarante
sofreu um mal súbito e acabou falecendo. Morreu sem ter pago a sua promessa.
Minha vó me contou que logo após a morte de Amarante, não houve mais sossego
naquela fazenda, pois a alma do falecido aparecia todas as noites para Dona Fulô,
pedindo para que esta contratasse alguma pessoa e arcasse com todas as despesas
necessárias para que este montasse em seu boi e fosse até a Lapa cumprir a promessa
em seu lugar, já que em vida ele não pode cumprir o que prometera ao seu santo de
devoção. Ele pediu a sua esposa que deixasse bem claro ao corajoso contratado, que
assim que este montasse no lombo de Romeiro, a sua alma também montaria na garupa
do animal, e ficaria agarrado às costas do promesseiro, já que ele também iria junto
durante todo percurso.
Em uma de suas aparições, Amarante confirmou a Dona Fulô que a viagem deveria
acontecer somente durante o período noturno para que o boi e o seu condutor não
ficassem expostos ao sol como ele havia planejado desde o início. Disse ainda que
desde que morrera a sua alma não havia encontrado luz e que a sua paz de espírito só
seria alcançada depois que alguém pudesse cumprir com o seu pedido.
Dona Fulô ficou desesperada com os constantes pedidos do seu falecido marido, logo
tratou de prometer um bom dinheiro à corajosa pessoa que conseguisse ir até a Lapa do
Bom Jesus cumprir a promessa de Amarante. Como o valor a ser pago se tratava de uma
boa quantia em dinheiro, não demorou para que muitos se prontificassem a cumprir com
a tal promessa.
Minha vó me falou que mesmo com tantos candidatos, nenhum homem foi capaz de
cumprir tal designo, pois, todas as vezes que alguém tentava ir, não conseguiam seguir
viagem, pois assim que subiam no lombo do boi a alma de Amarante também montava
no animal e tais condutores eram acometidos de uma friagem quase que congelante nas
suas costas e estes desistiam por causa do frio e do medo ao qual eram submetidos.
Durante anos muitos tentaram cumprir tal promessa, mas todos desistiram.
Anos depois, Dona Fulô acabou falecendo sem conseguir encontrar alguém capaz de
cumprir a promessa do falecido marido. Romeiro também morreu. Como não tinha
herdeiros, a fazenda foi saqueada por moradores da região e até hoje se encontra
abandonada. Segundo o que Vovó Rôxa me contou, ninguém tem coragem de se
aproximar daquela propriedade, principalmente à noite, devido aos vários relatos de
visagens que por lá aparecem para assombrar os desavisados que por lá passar.
Reza a lenda que até nos dias atuais, é comum à noite se ver nas proximidades daquela
fazenda abandonada, um casal em pé ao lado de um boi escuro como a noite pedindo
aos viajantes para que os levem até a Lapa do Senhor Bom Jesus.
LOURENÇÃO VIVE
Contaram-me que nos anos trinta do Século XX, morava em Marabá, um comerciante
conhecido como Lourenção. Ele possuía um barco no qual usava para transportar tudo
que comprava pelo caudaloso Rio Tocantins. Ele sonhava construir fortuna com a
compra e venda de produtos nativos da região.
Por outro lado, Lourenção, apesar de ter a fama de muito ganancioso, era um homem
muito trabalhador e vivia do suor do seu rosto. Quando seus barcos se encontravam
carregados de produtos, ele mesmo, juntamente com seus familiares, embarcava numa
viagem que poderia durar semanas no intuito de revender suas compras em Belém,
seguindo o curso navegável do Rio Tocantins.
Contam que certa tarde de inverno, Lourenção depois de carregar seu barco, decidiu
navegar rio abaixo até a cidade de Belém assim como fazia costumeiramente. Nessa
viagem, embarcou sua esposa e seus quatro filhos, além da sua sogra. Muitos o
aconselharam a não ir, porém como ele não ouvia ninguém além da sua intuição,
ignorando o conselho de outros, seguiu a sua viagem.
Lourenção, como era de costume, bebia durante quase toda a viagem. Nessa não foi
diferente. Mal começou a navegar ele começou a beber e dentro de pouco tempo já se
encontrava completamente embriagado, brigão e agressivo com seus tripulantes. Há
relatos de pessoas que viajavam em outros barcos que durante a viagem, além dele ter
batido nos filhos, ele chegou a agredir sua esposa e sua sogra.
Naquela noite chovia bastante. O vento era tão forte que por várias vezes chegou a
quase virar o barco. Mas Lourenção, ignorando os avisos da natureza, continuou
prosseguindo sua viagem, colocando em risco a sua vida e a dos seus familiares.
Não deu outra, ao tentar transpor uma cachoeira, o barco de Lourenção foi sugado por
um forte redemoinho e acabou indo parar no fundo do Rio Tocantins. Ninguém
escapou. Até hoje nem o barco e nenhum dos sete corpos foram encontrados. Foi uma
verdadeira tragédia em família.
O local onde foi ceifada aquelas sete vidas naquela tormentosa noite recebeu o nome de
Cachoeira do Lourenção. É um lugar assustador. Muitos navegadores e pescadores
relatam que ao passar pelas proximidades daquela cachoeira à noite, ainda é possível
ouvir sete gritos desesperados implorando por socorro.
Há casos de navegadores desavisados que perderam as suas vidas depois irem tentar
atender aos sete gritos no meio da noite e acabaram naufragando seus barcos e rabetas,
tendo assim o mesmo fim que teve a família de Lourenção.
Se por um acaso, ao navegar por esse trecho do Rio Tocantins durante a noite e ouvir
gritos de socorro, cuidado! É melhor você seguir a sua viagem. Talvez seja Lourenção
querendo te levar para junto dele no fundo do Rio Tocantins.
O CASARÃO ABANDONADO
Meu avô Carolino contava que bem antes dele vir com a família morar no estado do
Pará, tinha como profissão a de tropeiro e que percorria com seus filhos Joaquim, Fidó e
Dedé por todo sudeste baiano comprando, vendendo ou trocando cavalos, burros e
jumentos.
Certa vez, enquanto viajava com sua tropa pela zona rural do município de Ibirapoã ao
percorrer fazendas em busca de negociar seus animais, se deparou com as ruínas de um
velho casarão abandonado rodeado de um antigo pomar formado principalmente por
jaqueiras, mangueiras, cajueiros e cacaueiros, tudo descuidado e sem zelo, o que o fez
acreditar que há muitos anos ninguém morava ou cuidava daquele sítio.
Já se passava das cinco horas da tarde e como na frente daquela velha casa havia um
mangueiro com um pequeno córrego onde os animais poderiam ali ficar confinados
durante a noite que não tardaria chegar, vô Carolino juntos com os filhos, exaustos
resolveram então dormir naquela casa para que no outro dia continuassem a viagem
descansados.
Não demorou e o jantar já estava sendo servido: carne seca frita misturada com farinha
e pimenta malagueta acompanhado de um café torrado no tacho, quente e forte coado
debaixo de uma jaqueira centenária. Logo em seguida, cansados da viagem, começaram
a arrumar suas camas para dormirem.
Como a noite estava estrelada, o céu sem nenhuma nuvem e enfeitado brilhantemente
por uma lua cheia e hipnótica, eles resolveram dormir ali mesmo no relento ao lado da
fogueira. Meu avô amarrou uma rede entre num esteio da velha casa e num galho de um
cajueiro ancião plantado no terreiro daquele antigo casarão.
Os outros como não possuíam redes, estenderam couros de bois no chão ao lado da
fogueira. Quando se preparavam para dormir, meu avô sentado na rede e seus filhos
ainda sentados nos couros, eis que da porta da antiga casa abandonada saiu um gatinho
branco, tão alvo que mais parecia um capucho de algodão. O bichano passou no meio
deles e subiu em um pé de manga à frete daquela velha casa abandonada.
Todos acharam entranho a aparição daquele animal, afinal de contas naquela casa havia
indícios de que há décadas não existia moradores ali habitando. Em seguida o gato,
como se fosse uma pessoa, começou a balançar aquela mangueira com tamanha força
que as folhas da árvore começaram a cair.
A cena era assustadora pois segundo o meu avô, um gato jamais teria tanta força ao
ponto de segurar uma árvore daquele tamanho com as mãos e balançá-la ao ponto de
derrubar suas folhas. Todos ficaram assustados. Vô Carolino mergulhou dentro da sua
rede e seus filhos se cobriram amedrontados depois de assistirem aquela cena.
Meu avô contava que mesmo amedrontados, seus filhos dormiram, porém ele não
conseguiu devido uma força semelhante a de mão humana puxasse os punhos da rede
toda vez que ele começava a cochilar. Ele ainda me contou que a situação piorou
quando num determinado momento escutou um cochicho com voz feminina de natureza
cadavérica bem próximo ao seu ouvido dizendo:
- Se você pensa que vou te deixar dormir aqui, você está completamente enganado. Essa
casa me pertence e eu não gosto que pessoas venham até aqui.
Em seguida aquela voz soltou uma risada tão medonha que fez com que meu avô
pulasse rapidamente da rede e deitasse no couro ao lado dos filhos.
Ele disse que acordou a todos e passaram o resto da noite sentados agarrados um ao
outro ao lado da fogueira, ansiosos para que amanhecesse logo o dia, para que em
seguida eles fossem embora o mais rápido dali. No outro dia cedinho, arrumaram as
traias, arrearam os cavalos, soltou a tropa e saíram dali o mais rápido possível.
Tempos depois, ao chegar na próxima fazenda, soube através do proprietário que a casa
onde eles passaram a noite pertencera a uma moradora que depois de se enviuvar e ver
seus único filho a abandonar sozinha com o seu gato de estimação, havia se suicidado
há oitenta anos atrás enforcando-se na dita mangueira na qual foi visto o gatinho branco
subir.
O DANÇARINO MISTERIOSO
Meu tio Braz desde a juventude foi um rapaz festeiro. Não perdia nenhuma festa em
Nova Ipixuna. E apesar dos pedidos da minha Vó Rôxa para que ele não fosse àquelas
festas, ele sempre dava um jeitinho de ir. Voltava sempre às altas madrugadas, às vezes
embriagado, inclusive muitas vezes chegou em casa tardiamente carregado pelos outros.
Minha vó, evangélica ferrenha, vivia aconselhando ele para sair daquele caminho sujo
que ele teimosamente insistia em trilhar. Dizia que ele deveria se “encontrar com Deus”
ao invés de mergulhar naqueles antros “sodômicos” que ela comparava a uma espécie
de areia movediça que o imergia vorazmente.
Tio Braz me contou que numa noite de sábado ainda no final dos anos oitenta,
anunciaram que teria uma grande festa no pátio da Escola Maria Irany. Ele disse que
não poderia de modo algum perder aquela noitada, pois contaria com a presença de
muitas mulheres e bebidas, além de uma banda tocando, algo completamente raro em
Nova Ipixuna naquela época.
Contou-me ainda que ao saber que ele iria àquela festa, a minha vó o pediu até pelo
amor de Deus que ele não fosse, pois naquela mesma noite haveria uma festa do Círculo
de Oração da Igreja Assembleia de Deus, grupo na qual Vó Rôxa orgulhosamente fazia
parte. Vovó queria muito levar tio Braz na festa da sua igreja, mas ele sequer deu
ouvidos e contrariando sua mãe, se arrumou e foi para a festa da escola.
Tio Braz falou-me que ao chegar na festa, constatou que havia a presença de muitas
pessoas, inclusive muitas mulheres bonitas, mas segundo ele, parecia que lhe faltava
algo, pois desde que chegara, não conseguia se divertir como antes. Inicialmente pensou
que se tratava de certo constrangimento devido a sua consciência estar pesada em não
ter dado ouvido para os pedidos da sua mãe. Na verdade, apesar de estar na presença de
vários amigos seus na referida festa, ele não estava se sentindo à vontade naquele lugar.
O maior problema é que parecia que só tio Braz via aquele homem dançando, pois, as
pessoas presentes na festa, estavam todas se divertindo como se não vissem aquele
dançarino misteriosamente estranho que aparecera diante dos olhos do meu tio.
Incomodado, meu tio resolveu sair daquele local e procurar outro lugar naquele mesmo
recinto, na intenção de fugir da presença daquele homem que dançava sem parar.
Quando chegou ao outro local na mesma festa, o homem já se encontrava lá também,
dançando da mesma forma, sozinho e despercebido diante dos olhos dos outros
festeiros.
Tio Braz me contou que naquela noite ele mudou de local festa por diversas vezes, mas
todas as vezes que ele chegava no lugar escolhido, o mesmo homem já se encontrava
dançando como anteriormente. Meu tio se sentiu tão incomodado que acabou indo
embora daquela festa. Ao chegar em casa minha vó já o esperava, pois, tinha o costume
de só dormir depois que ele chegava em casa.
Antes de dormir, meu tio contou para a sua mãe o que vira na festa. Minha vó não teve
dúvida de que aquele homem misterioso seria alguma entidade pagã que aparecera para
o meu tio para dar-lhe uma lição para que este a ouvisse e a obedecesse.
No outro dia, meu tio procurou seus amigos que estavam com ele na noite anterior para
relatar o acontecido, mas grande foi a sua surpresa ao ouvir de todos eles que não
tinham visto tal pessoa na festa. Depois disso tio Braz moderou suas idas às festas pois
temia que aquele homem aparecesse para ele novamente.
Uns quinze anos depois, quando tudo parecia esquecido por meu tio, ao vir de uma festa
em alta madrugada, depois de ter “bebido todas”, tio Braz resolveu sentar num banco
debaixo de uma mangueira na rua. De repente viu quando passou na sua frente o mesmo
homem negro, vestido de branco e de chapéu sobre os olhos. Teve muito medo pois
imaginava que aquele homem não aparecesse mais para ele. Fugiu daquele lugar o mais
depressa possível e foi até a igreja rezar e pedir aos seres superiores para eles
espantassem aquele homem misterioso da sua vida.
Apesar das muitas orações e pedidos, meu tio que possui um bar em Nova Ipixuna, me
disse que sempre encontra o misterioso homem andando pela noite novoipixunenses e
que por várias vezes o vê durante a madrugada no seu estabelecimento e fica por lá sem
pronunciar uma única palavra e acaba desaparecendo sem que ninguém perceba a sua
saída.
A BOTIJA
Quando era criança eu ouvia meu Tio Nezo contar que no interior da Bahia era comum
que fazendeiros, coronéis e comerciantes enterrarem verdadeiras riquezas em moedas de
ouro ou de prata dentro de botijas. Tratava-se de um costume bem antigo, originário de
um tempo em que ainda não existiam bancos. Tais tesouros eram enterrados em casas
abandonadas, matas, etc. Quem enterrava suas riquezas acreditavam que assim estariam
evitando que fossem vítimas de ladrões, saqueadores, bandoleiros e outros tipos de
criminosos que poderiam roubá-los.
Tio Nezo me dizia que o grande problema nisso tudo é que na maioria das vezes as
pessoas que enterravam esses tesouros, o fazia em segredo, escondendo até mesmo dos
próprios familiares. Assim, quando estes vinham a falecer, se tornava muito difícil ou
até impossível alguém encontrar tal riqueza enterrada.
Reza a lenda que se alguém morresse sem antes retirar da terra a botija que outrora
enterrou, seu espírito passaria a viver perturbado no além. Para que não continuasse
vivendo qual alma penada, o falecido aparecia em sonhos, ou até mesmo de forma
materializada, à alguma pessoa escolhida por ele, implorando que desenterrasse o
tesouro que ele havia enterrado quando era vivo.
Daí o espectro indicava o local exato onde estaria o tesouro, que passaria a pertencer à
pessoa escolhida. Diziam os antigos que tal espírito não teria paz enquanto não
revelasse o segredo e doasse a alguém o dinheiro que em vida não usufruiu.
Para desenterrar uma botija era preciso obedecer a certas regras. A pessoa escolhida
teria que ir à noite ao local indicado, sozinho, sem falar com ninguém e em silêncio.
Segundo o que Tio Nezo me falou, o escolhido teria que ser muito corajoso, pois no
momento em que o mesmo fosse em busca do seu tesouro, esse tinha visões macabras,
como fogo queimando o corpo, cobras se enroscando nas penas e fantasmas penados a
mandar que parasse a escavação.
A explicação das visões era simples: Segundo a crendice popular, o diabo ficava furioso
pela possibilidade da alma poder sair dos seus domínios e se salvar pela boa ação do
desenterramento da botija. Por isso, ele mandava tais visões com intuito de que o
escolhido pudesse desistir da empreitada macabra.
Tio Nezo relatou que em certa noite, atormentado pela insônia, não conseguia dormir.
Estava perdido em seus pensamentos quando de repente sentada aos pés da sua cama,
viu uma mulher de meia idade. Ela se mostrava apavorada e disse que tinha algo para
doá-lo naquela noite.
Apesar de surpreso e de nunca ter visto aquela senhora, meu tio não teve medo. Ela o
revelou que há aproximadamente cento e cinquenta anos atrás, ela era proprietária de
muitas terras naquela região e que antes da sua morte havia enterrado um pote contendo
grande quantidade de moedas de ouro e prata no interior daquela fazenda e que há
décadas estava à procura de alguém corajoso para que o mesmo escavasse tal tesouro,
pois só assim a sua alma teria paz no além.
Em seguida a mulher relatou sobre os tormentos macabros que meu tio vivenciaria
quando fosse escavar sua botija. Disse ainda que ele não deveria revelar a ninguém seu
segredo e que acontecesse o que acontecesse, ele jamais deveria demonstrar medo ou
desviar sua atenção enquanto escavasse. Caso isso acontecesse, o tesouro sumiria do
local indicado.
Em seguida ela indicou o lugar onde estava o pote cheio de ouro e prata e na noite
seguinte meu tio pegou lamparina, pá, enxadão, machado, foice e picareta e foi até o
local indicado escavar sua botija.
O pote estava enterrado entre as raízes de um centenário jequitibá. Mal meu tio chegou
começou a escavação. Não demorou muito as visagens começaram a aparecer: sombras
negras com olhos brancos, bodes pretos com os olhos em brasa, além do som
ensurdecedor de uivos aterrorizantes e de espíritos penados arrastando correntes.
Tio Nezo continuava firme no seu propósito. Cavava sem medo na intenção de
encontrar seu tesouro. De repente viu uma galinha preta cacarejando seguida por uma
dezena de leitões como se esses fossem seus filhos. Em seguida, viu uma porca
gorducha acompanhada de vários pintinhos, como se esses também fossem seus
filhotes.
Aquela feiticeira não soltava meu tio e como estava montada nas suas costas, ela
começou a babar seu pescoço como se o quisesse morder, mas como ela não tinha
dente, apenas destilava uma pegajosa saliva sobre ele. Nesse momento Tio Nezo teve
medo e acabou empurrando a bruxa para bem longe e fugiu dali o mais depressa
possível, deixando para trás o seu tão sonhado e valioso tesouro.