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OFICINA DE ESCRITA:

UM CIRCUITO DE INTERAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS


Ada Magaly Matias Brasileiro

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO E A PROPOSTA

Escrever é tomar consciência de que se está vivo. (CALKINS, 1989, p. 15)

A formação da competência textual-discursiva dos alunos tem sido uma das grandes
preocupações dos educadores e estudiosos da linguagem, especialmente nas últimas décadas,
quando constatamos que o domínio da escrita alfabética não garante ao nosso aluno a
competência de produzir textos em linguagem escrita. Tal averiguação pôs em cheque os
modelos de aulas puramente metalinguísticas e nos convocou a desenvolver um trabalho mais
funcional, que privilegiasse a leitura e a produção de textos.
Diante disso, muitos foram (e são) os esforços para que sejam desenvolvidas estratégias
tanto convincentes ao público nativo digital, quanto eficientes no tocante ao resultado esperado:
o domínio de uma variedade de gêneros
Estudos de referência ao trabalho do professor
discursivos que circulem socialmente. Essa
Koch (2008, 2003); Marcuschi (2000, 2011,
inquietação provocou a difusão dos saberes, 2012); Ribeiro et al. (orgs. 2010a, 2010b); Rojo
antes restritos ao meio acadêmico-científico, (org. 2013); Schneuwly e Dolz (2004); Bronckart
(2006).
para os ambientes escolares, alcançando os
professores da educação básica e conferindo-lhes segurança no processo de
ensino/aprendizagem da língua materna.
Sustentando tais estudos e práticas, destaca-se a abordagem sociointeracionista
discursiva, cujas correntes disseminaram, alcançando eco no Brasil, dentre os que concebem a
língua como uma atividade de interação entre sujeitos sociais, visando à realização de
determinado fim. Isso gerou uma mudança radical na prática escolar, antes calcada apenas no
discurso como produto, e encontrou dificuldades e um grande mal-estar entre muitos
profissionais, especialmente, aqueles cuja formação previa uma ação tradicionalista. Havia a
expectativa de uma fórmula de ação, pois se o que fazíamos não estava alcançando o resultado
pedagógico esperado, como fazer então?
Concomitante a isso, os avanços tecnológicos e todas as suas peculiaridades trazem para
o cenário escolar, com uma rapidez incomum, a geração de alunos digitais, com novas
demandas de letramento na hipermídia, com linguagens, estilos e artefatos específicos, os quais
não podem ficar ausentes da aula de língua materna.
Sendo a perspectiva de ensino interacionista endossada pela LDB 9394/96 e pelos PCN
(1998), os professores se viram, cada vez mais, incomodados a construir um trabalho capaz de
promover o diálogo entre escola e prática social. Tal incômodo foi importante vetor para
impulsionar os saberes rumo às possibilidades da ação docente, a fim de agenciar o
desenvolvimento da linguagem escrita na sala de aula concatenada com a realidade vivida.

LDB 9394/96 -> a educação escolar deve vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
PCN Língua Portuguesa (1998) -> cabe à escola a responsabilidade de garantir aos alunos os saberes
linguísticos necessários ao exercício pleno da cidadania, considerando a realidade e os interesses dos alunos
e usando o texto como oportunidade de refletir sobre a linguagem, de compreender o mundo que os cerca
e de interagir com a realidade.

Aliado a essa problematização, há de se destacar, ainda, dois fatores: o primeiro é que,


cada vez mais, os alunos têm demonstrado desinteresse pelo ensino mecanizado e valorizam as
atividades contextualizadas como promotoras da construção de um conhecimento significativo;
o outro fator diz respeito ao despreparo (e por que não dizer renúncia) desses alunos para o
emprego da variante culta da língua materna nas situações em que esta se faz necessária. Em
contraponto a isso, vê-se uma crescente valorização das habilidades de leitura e escrita,
impulsionada pelos vestibulares convencionais, ENEM, ou processos de seleção para
empregos. Nessas situações de
Competência comunicativa: É saber mobilizar os
concorrência, passou-se a exigir, conhecimentos gramaticais (pronúncia, ortografia,
pontuação, vocabulário, formação das palavras,
efetiva competência comunicativa, concordância, tempos verbais), sociolinguísticos
(adequação às situações sociointeracionais, consideração
pois, além do conhecimento das
das variedades da língua e as modalidades oral e escrita),
estruturas e funções características dos discursivos (gêneros e elementos de textualidade) e
estratégicos (uso de dicionários, recursos verbais e não-
tipos e gêneros discursivos, espera-se verbais, figuras de estilo...) em função da eficácia de um
evento comunicativo. (RICARDO-BORTONI, 2004).
um conhecimento amplo de mundo,
que permita ao sujeito discutir assuntos, relacionar ideias e fatos, posicionar-se diante da
realidade circundante, bem como revelar o domínio de estratégias linguísticas que lhe garantam
originalidade e, por conseguinte, um ponto diferencial relativamente aos demais.
Diante desse quadro, algumas instituições e profissionais passaram a realizar
experiências, tendo o texto como objeto de trabalho e a leitura e produção como os objetivos.
Nesse percurso, entretanto, muitas vezes, os procedimentos operacionais e as ferramentas de
avaliação fugiam ao controle do professor que, ao fim da etapa, não sabia verificar o que havia
trabalhado ou avaliar o que o aluno havia aprendido. Aos poucos, alguns procedimentos como
oficinas, circuitos, workshops... foram ganhando visibilidade. Tais práticas, que consideram o
discurso como atividade de interação, pressupõem o encontro dos sujeitos sociais (autor/leitor)
por meio do texto para que dele se produza um sentido, atrelado aos diversos fatores
contextuais.
Contudo, apesar desse redirecionamento, muitas escolas de Educação Básica (da
Educação Infantil ao Ensino Médio) ainda não assumiram esse novo olhar e insistem em
trabalhar com a redação de maneira artificial, levando, por exemplo, os alunos a reproduzirem
modelos de textos escolares, cuja função e alcance social são extremamente limitados. Isso sem
falar nas instituições que promovem o seu treinamento e exercício praticamente no 3º ano do
Ensino Médio, quando os alunos sentem, na pele, as exigências dos vestibulares e, vitimados
pela ansiedade, encontram ainda mais dificuldade na tarefa de produção textual que lhes é
exigida.

Maior peso instrucional. Menor peso instrucional.


Espaço de circulação: sala de aula. Espaço de circulação: comunidade.
Público-alvo: o professor. Público-alvo: a comunidade.
Gêneros e tipos textuais produzidos: Gêneros e tipos textuais produzidos:
variedades restritas. variedades irrestritas.
Motivação: situações artificiais. Motivação: situações reais cotidianas.
Resultado: pouca alteração nas competências Resultado: maior domínio comunicativo e
comunicativas e linguísticas. linguístico.
Fonte: BRASILEIRO (2003)

Considerando a carência particular que verifico de registros pertinentes das práticas de


sala de aula, especialmente, com o ensino da escrita, tenho como objetivo, neste capítulo,
proceder ao relato de uma experiência exitosa com oficina de escrita, cuja metodologia venho
desenvolvendo desde 1996. A intenção foi fazer uma descrição crítica do método, ultrapassando
o passo a passo que constitui o processo e sinalizando ao professor-leitor algumas ações
pontuais, características desafiadoras, ganhos e possibilidades do trabalho.

2 A OFICINA DE ESCRITA E O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA


COMUNICATIVA

A proposta da oficina de escrita orienta-se pelos pressupostos sociointeracionistas


discursivos, os quais concebem a língua como atividade de interação, e está comprometida com
o processo de construção, leitura, reflexão e reconstrução textual. Em virtude disso, pressupõe
o trabalho com os domínios e gêneros discursivos, que organizam e, por que não dizer,
viabilizam as várias áreas de atividades sociais.
DOMÍNIO DISCURSIVO GÊNERO TEXTUAL (OU DISCURSIVO)
Práticas discursivas de situações Cada uma das estruturas textuais convencionais, relativamente
cotidianas, relacionadas a instituições estáveis, que circulam na sociedade são formas de uso da língua,
e saberes de conhecimento social. construídas à luz das intenções dos usuários e do contexto.
Jornalístico Notícia, entrevista, reportagem, artigo, editorial, carta à redação...
Literário Conto, crônica, lenda, fábula, apólogo, novela, romance, poema...
Religioso Rezas, sermão, textos sagrados, orações...
Acadêmico-científico Resumo, resenha, ensaio, monografia, artigo, dissertação...
Pessoal e íntimo Bilhete, cartão, carta, telegrama, diário...
Pedagógicos Prova, textos didáticos, estudo dirigidos, exercícios...
Documental e jurídico Procuração, ofício, declaração, requerimento, contrato, recibo, lei...
Instrucional Manual de instruções, receitas, regras de jogos, bula...
Publicitário Propaganda, anúncio, classificados, panfletos, folders...
Fonte: Baseado em Marcuschi, 2002

Tal trabalho visa à autonomia do aluno de Educação Básica na produção de texto e é


realizado pelo aluno, na sala de aula, sob a orientação do professor, cujos objetivos são: buscar
constantemente a motivação e a melhoria do desempenho linguístico do aluno/autor,
desenvolver a competência de produção de variados gêneros textuais, dentro das necessidades
cotidianas reais, buscando a conscientização de que tais produções são instrumentos
comunicativos, além de construir um circuito de produção, leitura, reflexão e reconstrução
textual.
Além disso, o aluno deve considerar as condições de produção e de circulação dos
textos que produz. Assim, antes de iniciar o trabalho de escrita, ele precisa refletir e decidir
sobre quem é o público que se interessa pelo que ele tem a dizer e como este terá acesso a seus
textos, ou seja, que portadores ele vai utilizar para que o texto alcance o leitor: uma revista?
Um diário? Um jornal? Um livro? Um cartaz? Outro fator importante é pensar na linguagem
adequada ao leitor pretendido e em um cronograma possível para realizar o trabalho. São
conceitos e instrumentos construídos na própria atividade da escrita, que possibilitam ao aluno
o desenvolvimento da autonomia no que faz, a percepção de autoria do que escreve e a
construção de uma identidade autora. Para que isso ocorra, entretanto, o aluno deve ser apoiado
pelas ações do professor e pela própria confiança na proposta da oficina.
Esse processo principia com a discussão com os alunos sobre os significados de cinco
termos, cuja compreensão é essencial aos envolvidos: oficina, projeto, processo, pessoal e
escrita.
Oficina –> lugar de trabalho, fazimento, refazimento e conserto. Essa acepção é
transferida para a escrita, uma vez que um texto não fica pronto no momento em que
colocamos um ponto final. É preciso dar atenção a ele, aperfeiçoá-lo, lapidá-lo. A
desordem que, inicialmente, parece existir em tal ambiente nada mais é do que parte
do processo;
Projeto –> diz respeito ao planejamento que o autor deve fazer antes de começar o
trabalho. É necessário pensar sobre o que vai escrever, quem pretende alcançar, como
levar o resultado até o leitor etc. Para isso, utiliza-se um formulário próprio que pode
ser alterado de acordo com as intenções do projeto.
Processo –> remete ao caminho a ser percorrido, às etapas que cumprimos até
chegarmos ao produto final, mas também se refere ao fato de que o domínio da escrita
não acontece da noite para o dia, com apenas um investimento de escrita, mas com um
esforço contínuo e determinado.
Pessoal –> a discussão desse termo visa à tomada de consciência sobre a
individualidade de quem escreve, pois se tudo passa pelas suas escolhas e habilidades
pessoais, o resultado revelará a identidade do próprio autor.
Escrita –> é necessário discutir a escrita como um processo de autoria sério. Entender
que tal atividade se realiza por meio de gêneros discursivos, que merecem especial
atenção por parte de quem escreve.

Esses termos devem ser trabalhados sem pressa pelo professor, pois são essenciais para
que os alunos compreendam a proposta e confiem no processo a ser vivenciado por eles.

2.1 O PROCESSO VIVENCIADO E UM POUCO DE HISTÓRIA

A oficina de escrita é uma proposta vivida por mim, desde 1996, quando me foi
apresentada pela instituição na qual atuava. Na época, trabalhei com a disciplina da 5ª série do
Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio, alcançando uma adesão acima das
expectativas, o que rendeu, naquele período, a publicação de dois livros dos alunos, várias
exposições, premiações em concursos locais e nacionais, resultados favoráveis nos vestibulares
e encontros de autores com convidados externos à sala de aula.
De 2001 a 2003, realizei o Mestrado e tomei as produções dissertativo-argumentativas
de alunos de 3º ano do Ensino Médio como meu objeto de estudo. Naquela oportunidade,
comparei as produções de um grupo preparado para a escrita nos modelos convencionais com
outro que vivenciou o processo de oficina de escrita desde o 7º ano do Ensino Fundamental, e
pude constatar uma superioridade no desempenho linguístico-textual dos alunos da oficina de
escrita, pois, apesar de não terem sido treinados especificamente para o texto dissertativo, eles
sobressaíram em relação aos demais. Os ganhos observados na ocasião referiram-se,
principalmente, aos aspectos da Linguística Textual, relativos à organização tópica linear e
hierárquica do texto, ao domínio da norma culta, articuladores discursivos, pontuação e
vocabulário, utilizados em favor da estrutura argumentativa, além do domínio do gênero.
Em 2002, iniciei minha trajetória no Ensino Superior, para onde tenho levado a proposta
sempre que percebo a necessidade e condições de produção propícias. Os resultados na
melhoria de produção escrita dos alunos e da consciência que tomam sobre o ato de escrever
são muito favoráveis, motivando-os a prosseguirem no desenvolvimento da competência
comunicativa escrita.
Tendo situado você, leitor, no caminho percorrido por mim com a proposta da oficina
de escrita, é tempo de apresentá-la mais objetivamente.

2.2 O FUNCIONAMENTO DA OFICINA DE ESCRITA: O MÉTODO

A reflexão sobre os novos objetivos do ensino de Língua Portuguesa e as possibilidades


de implantação dessa nova proposta, por meio de uma metodologia eficiente no que diz respeito
ao despertar dos alunos para a escrita, chegamos à experiência da pesquisadora americana Lucy
Calkins (1989).
Todo o trabalho altera as práticas convencionais da sala de aula e gira em torno de uma
pergunta básica: o que é essencial no ensino da escrita? Tal questão é respondida no percurso
de sete etapas vivenciadas pelos sujeitos do processo alunos e professor.

Nesta primeira etapa, o aluno decide o assunto, o gênero e o


O planejamento portador do seu texto; define os objetivos que pretende alcançar, o
material que irá utilizar e as datas das produções, registrando suas
decisões em folha específica, fornecida pelo professor. Trata-se de um momento difícil,
especialmente, se se tratar da primeira experiência da turma, pois é comum que os alunos não
confiem que terão condições de prever o que irão escrever no futuro. E se eles mudarem de
ideia? E se não derem conta de produzir o que querem?
Essas questões e angústias demandarão muito empenho e tranquilidade do professor,
pois é ele quem poderá transmitir a segurança da qual o aluno carece. Ele deve circular pela
sala, opinando, questionando, orientando...
Alcançar o engajamento da
turma talvez seja o principal desafio do
professor com a oficina, mas os
primeiros resultados já são suficientes
para os alunos mudarem a atitude. É
importante destacar que, no
planejamento, há espaço reservado
para a assinatura do professor e do
aluno, como um compromisso que está
sendo firmado entre ambos e do aluno
consigo próprio. Essa é também uma
ação avaliativa, já que, na oficina,
valorizamos mais o processo do que o
produto final. Ressalto, ainda, que
todas as produções devem ser
guardadas na pasta individual do autor,
Fonte: baseado em Calkins (1989)
onde também podem conter objetos e
materiais didáticos que ele julgar úteis ao projeto.
Na medida em que o projeto for repetindo, o professor poderá selecionar alguns alunos
que mais se destaquem na escrita para auxiliá-lo nessa tarefa. Há ainda a possibilidade de contar
com um auxiliar de sala em algumas instituições. Esse profissional será bastante útil nessa fase.

Concluído o planejamento, o aluno passa a produzir aquilo que


A produção planejou. Nos primeiros textos, é comum que os alunos se sintam
mais inseguros quanto à linguagem, o gênero escolhido, o
conteúdo, as estratégias para chamar a atenção do leitor em seus manuscritos. Nessa etapa, é
importante que o professor os oriente sobre a necessidade de pesquisarem acerca das
características dos gêneros discursivos que serão desenvolvidos. Se houver demanda sobre
pesquisa, é importante liberar os alunos para tal atividade. É um momento, também, em que o
professor poderá ir com a turma para o pátio ou outro ambiente mais inspirador e favorável à
produção escrita.
Ao final da produção, o aluno apresenta o rascunho ao professor, que visará o texto e
fará constar essa produção em seus instrumentos de registro avaliativo. O texto vai para a pasta
do aluno, que o entregará ao colega responsável pela guarda desta.
Após ter escrito, no mínimo dois
Revisão, círculo de autores e minilições textos, os alunos revisarão as suas
produções e, posteriormente, trocarão
os textos com os colegas, a fim de ouvir deles uma opinião de leitor. Um dos colegas deverá
registrar no campo "observações" um comentário sobre o trabalho lido. Este é um momento
mágico da oficina, em que o aluno internaliza o sentido de autoria, uma vez que o contexto é
de leitura e retornos. Quebra-se, com isso, uma prática comum das aulas convencionais de
redação, em que apenas um leitor (o professor) lê o texto do aluno, com o fim específico de
avaliá-lo. Tal prática tem sido veementemente criticada por linguistas, que a consideram uma
violência contra a linguagem e a pessoa do aluno.
A partir desse momento, o professor
Nessa fase, a sala de aula se evidencia como um
iniciará um círculo de conferências ambiente genuinamente interativo e aquela
individuais e também registrará seus disciplina convencional (alunos sentados, calados,
produzindo) não deve ser perseguida pelo
comentários no campo "observações". Tais professor. Ele deve se esforçar para construir uma
comentários devem permear entre o relação de confiança e produtividade com a turma,
já que todos sabem dos seus objetivos, e tentar
incentivo e os pontos que podem ser
não se inquietar com a aparente “bagunça”.
melhorados no texto. Ele deve fazer,
também, anotações à parte para identificar as principais dificuldades comuns à turma no
domínio da norma culta e demais aspectos da competência comunicativa. Na medida em que
achar necessário, o professor oferecerá pequenas lições para toda a turma, esclarecendo dúvidas
comuns. Além disso, detectados os textos mais comentados pelos colegas, alguns deles podem
ser lidos em voz alta, estimulando, ainda mais, o processo de produção. Diante dos retornos dos
leitores, os autores deverão fazer os ajustes que acharem convenientes, reforçando, assim, o
aspecto de oficina.

Com base nos objetivos que o aluno/autor


Releitura do projeto e ajustes finais pretendia alcançar, bem como em todos os
outros aspectos do planejamento, ao final da
elaboração de todos os textos, ele deverá reler suas produções, dessa vez, com um olhar mais
rigoroso, a fim de fazer os ajustes que ele achar cabíveis. Esse é um momento especial para o
processo de ensino/aprendizagem da escrita, pois o aluno, já com maior domínio de suas
produções, exercita uma perspectiva mais crítica em relação ao que fez, tendo em vista os fins
globais e específicos pretendidos.
O professor deve estimular a realização dessa tarefa e orientar os alunos para os aspectos
que normalmente carecem de alterações, como: a adequação da linguagem ao público
pretendido; as estratégias para Quantos textos devem ser produzidos pelos alunos?
alcançar o leitor; os objetivos Isso é variável! Depende do tempo disponível para isso. A
quantidade não é o mais importante, mas o trabalho
pessoais registrados para a oficina
dispensado pelo autor em cada texto.
etc. Nessa fase, começam-se as Normalmente, a rodada de dois circuitos de produção,
círculo de autores e releitura, cada um com dois textos, já
discussões sobre as possibilidades
é suficiente para vivenciar o processo.
para a elaboração da arte final.

É uma fase lúdica em que o aluno põe a serviço da oficina outras


Arte final habilidades que ele tem desenvolvidas. Além de passar o trabalho a
limpo e dar a ele o formato que havia sido planejado, ele poderá
exercitar a criatividade e/ou desafiar-se ao desenvolvimento de outras habilidades. Por
exemplo, se o que se pretende é fazer uma revista, nesta etapa, irá produzir a capa, o índice, as
manchetes etc. e inserir os textos que produziu. Se ele planejou um jornalzinho, ele pode
trabalhar com folhas de tamanhos maiores e passar os textos a limpo, obedecendo o formato
próprio de um jornal. Se planejou criar um blog, é momento de criar a sua página com todas as
características inerentes a ela. Se vai produzir um livro, deve pensar nas capas, ilustrações,
formatos, dedicatória, enfim, todos os aspectos que configuram esse portador. Se pretendeu
criar uma campanha publicitária do negócio da sua família, é momento de pensar em todas as
nuanças dessa arte final (cores, formas, materiais etc.).
A construção dessa etapa é muito instigante para a turma. Muitas vezes, outros
personagens, alheios à sala de aula, são envolvidos para fazer um prefácio, auxiliar em
ferramentas tecnológicas, montar determinada estrutura que foge ao domínio do aluno/autor.
Essas propostas devem ser encaradas com naturalidade pelo professor, afinal, na vida fora da
escola, não fazemos nada sozinhos, estamos sempre em busca dessas parcerias.

Antes de considerar o trabalho pronto, o aluno deve confrontar tanto


Autoavaliação o processo que percorreu quanto o produto final e registrar no campo
específico do projeto a avaliação do seu trabalho. É importante que o
professor estimule os alunos a fazerem o registro com honestidade, independentemente, de
terem ou não alcançado os objetivos pretendidos com a plenitude desejada. Lembro, ainda, que
os rascunhos e a folha com o planejamento devem ser entregues ao professor juntamente com
a versão final do trabalho, pois são a materialidade do processo vivido.
As avaliações finais perpassam desde a melhoria na habilidade de escrita, até as questões
de relacionamento interpessoal:

“Gostei muito da Oficina, pois descobri que gosto de criar histórias e que posso melhorar cada vez
mais.”
“Na oficina, pude conhecer melhor os meus colegas, a partir dos seus trabalhos.”
“Cresci muito com a Oficina, melhorei a minha escrita, as minhas ideias se desenvolveram mais.”
“É bom ter um roteiro a seguir, isso nos incentiva a ter mais responsabilidade.”
“Ao mesmo tempo esse trabalho é prazeroso e educativo.”
“É trabalhoso, mas é mais prazeroso do que antes.”
“Achava que era ótimo na escrita, mas vi que posso melhorar muito.”

Esta sétima e última etapa do processo consiste na reunião de


Encontro de autores todos os alunos, para a exposição, uma breve apresentação e
circulação dos trabalhos produzidos. Este encontro pode ser
planejado pela turma como um evento festivo ou uma confraternização. Oportunamente e
respeitando as regras institucionais, o professor e os alunos podem trazer convidados para fazer
alguma apresentação adequada às propostas desenvolvidas pela turma ou apenas apreciarem as
produções dos alunos.
Após este momento, o professor recolhe os trabalhos para avaliação final. A esta, pode-
se seguir uma exposição para toda a escola, por exemplo, na biblioteca. Isso amplia o horizonte
de leitores dos alunos, os quais têm a tendência de se sentirem mais valorizados. Na próxima
oficina, com certeza, os alunos iniciarão com mais autonomia e melhor preparados do que
estavam na primeira experiência.

2.3.1 Os papéis sociais dos sujeitos envolvidos

O relato que fiz até o momento traz as especificidades do processo, o trabalho


desempenhado pelos sujeitos nele envolvidos, evidenciando a simplicidade da proposta, sem
negar que se trata de algo comprometido com muita energia e atitude por parte dos envolvidos.
Para que os objetivos pedagógicos sejam alcançados, contudo, é essencial que os sujeitos
constitutivos do processo compreendam as relações, os lugares e os papéis estabelecidos no
espaço sala de aula, a fim de que todos possam exercê-los com eficiência e contribuir para o
êxito da aula.
Assim, nesse espaço, caberá ao professor de oficina de escrita as funções de orientador,
estimulador, informador e avaliador dos alunos nos processos construídos. Além disso, cabe-
lhe o gerenciamento da interlocução, intervindo na disciplina do grupo, gerenciando conflitos,
organizando as tarefas e definindo as funções dos envolvidos no trabalho.
Especificamente, no que se refere ao trabalho, o professor: auxilia a turma na elaboração
dos planejamentos, define o cronograma das atividades, faz conferências individuais e registra-
os no projeto, monitora e registra a produtividade de cada aluno, realiza minilições, mantém
uma postura de um leitor crítico, considera o que o aluno escreveu, dá sugestões, faz elogios,
lê os produtos finais, pontua conforme programa da escola e emite um parecer escrito ao aluno.
Por sua vez, para que a aula realmente funcione, caberá aos alunos, informar ao
professor o que sabem, dar continuidade à interação, manifestando-se quanto ao que é
dito/estudado (MATENCIO, 2001). Eles também precisam entender as rotinas, as normas, os
rituais da escola e saber lidar com os instrumentos ali utilizados (livros, cadernos, lápis e outros)
e com a organização de tempos e espaços da instituição. (CASTANHEIRA, 2007).
No caso da aula de Oficina de Escrita, caberá aos alunos: tomar decisões quanto ao
assunto, gênero, modo de veiculação do trabalho e linguagem, convertendo essas decisões em
planejamento; providenciar o material necessário para a execução da ideia; identificar os pontos
que devem ser melhorados para aprimorar a habilidade de escrita; executar o planejamento
conforme cronograma; fazer autoavaliações; ler o seu trabalho e reescrevê-lo, de acordo com
as necessidades, bem como ler os trabalhos dos colegas, emitindo suas opiniões de leitor.
Ao assumir e exercer seus papéis sociais, professor e alunos são capazes de transformar
a sala de aula em um espaço de genuína interação, produção e desenvolvimento.

2.3.2 O quê e como avaliar

Avaliar é sempre uma atividade docente melindrosa. No caso da oficina, caberá ao


professor verificar a construção do percurso, valorizando-o mais do que o próprio produto final.
Esse procedimento, condizente com a avalição processual, pretende desenvolver nos alunos a
consciência de que o caminho percorrido e o modo como isso se deu tem mais importância do
que o resultado alcançado, ou o produto final apresentado.
Assim sendo, uma proposta avaliativa é que, no desenvolvimento da oficina, sejam
distribuídos 60% dos créditos e os outros 40%, no produto final. Torna-se, portanto, objeto de
avaliação no processo: o planejamento, a elaboração de cada texto no prazo acordado, a
participação dos circuitos de leitura, com os respectivos comentários, a elaboração da arte final,
a postura participativa e comprometida durante todo o processo e mais os aspectos que cada
professor puder observar em sua realidade.
No produto final, é importante o professor verificar a qualidade do texto nos aspectos
sociolinguísticos, gramaticais, discursivos e estratégicos, bem como a autoavaliação do aluno
e a qualidade da apresentação do portador.
Ao avaliar o resultado pretendido, é essencial que o professor tenha em mente que,
embora, na maioria das vezes, os alunos apresentem feedbacks positivos do trabalho realizado,
isso não significa que a construção da autonomia do autor será alcançada da primeira vez que
ele participar da oficina, pois isso é processual e leva mais tempo. Esse olhar demandará maior
flexibilidade do professor na ferramenta de avaliação.

3 ALGUNS APONTAMENTOS FINAIS

O trabalho com a oficina de escrita compromete-se com a ideia de que, quando


desartificializamos a prática do modelo redacional escolar, dando-lhe significado, destino
social, gênero, portador, linguagem adequada, público-alvo e um projeto de escrita do interesse
individual, alcançamos um desempenho melhor do aluno, não apenas de um texto isolado.
A proposta revela-se igualmente eficiente e desafiadora. Muitos professores observam
que os alunos esperam ansiosos pelo momento da oficina para poderem brincar com suas ideias.
Isso gerou um efeito positivo também nos professores que passaram a se envolver com os
projetos individuais dos alunos. Além disso, os alunos se conscientizam de suas próprias
dificuldades, buscando saná-las e dando lugar ao autor independente, autônomo. O desafio
principal está na postura do professor perante o trabalho a ser realizado que, além de volumoso,
convoca-o a alterar as práticas tradicionais da sala de aula e a exercer uma liderança
democrática, sem colocar em risco o seu papel hierarquicamente superior em relação aos
alunos.
Essa situação também proporciona ao aluno tempo e oportunidade, na escola, de
desenvolver suas habilidades de escrita, de descobrir empiricamente o que funciona e o que não
funciona nas estratégias discursivas que emprega ao escrever, de interagir com a realidade, de
ler e produzir textos, atendendo a demandas sociais reais e, principalmente, de motivar-se para
tal, uma vez que ele não escreve para um leitor único, o professor, mas para além da comunidade
escolar.
Outras possibilidades são vislumbradas com a metodologia da oficina de escrita. Dentre
elas, destaco trabalhos pontuais relativos às temáticas e aos conteúdos a serem desenvolvidos
em cada série. Por exemplo, propor uma oficina somente de poemas ou de gêneros de narração
fictícia, no 6º ano; ou gêneros publicitários ou jornalísticos, no 7º ano; ou uma produção de
crônicas, seguida de um concurso mais amplo na escola, no 8º ano; ou gêneros mais
comprometidos com a argumentação, no 9º ano. É possível, também, optar por temas
específicos à série, ou mesmo, propor um desafio linguístico pontual sinalizado como ponto
frágil pela turma. Enfim, é possível desenvolver trabalhos mais específicos, criando situações
de aprendizagem comprometidas com o contexto da oficina, sem deixar de lado os objetivos de
cada série.
Em síntese, ciente de que não se trata de nenhuma novidade para o professor, neste texto,
pretendi trazer como contribuição a descrição analítica do método oficina de escrita, permeada
pela visão de quem já o vivencia há quase duas décadas e teve a oportunidade de testemunhar
inúmeros ganhos relativos à competência comunicativa dos seus alunos. A par dos benefícios,
busquei destacar, também, os pontos desafiadores para a construção do trabalho. Espero que
este texto possa alcançar os colegas, professores de língua materna, auxiliando-os, de algum
modo, em sua prazerosa e árdua tarefa de ensino/aprendizagem da produção de textos.

REFERÊNCIAS

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Brasília: 1996.

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Brasília: SEF/MEC, 1998.

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BRASILEIRO, Ada Magaly Matias. Da organização tópica no processo de retextualização


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BRASILEIRO, Ada Magaly Matias. A produção de textos na educação básica: relato de


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BRASILEIRO, Ada Magaly Matias. Manual de produção de textos acadêmicos e científicos.


São Paulo: Atlas, 2013.
BRONCKART, J. P. Atividades de Linguagens, texto e discursos. Por um interacionismo
sóciodiscursivo. Tradução de Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: Educ,
1997/1999/2006.

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