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Vignaud afirma que grupos de teorias conspiratórias, que não se interessavam por

discussões sobre vacinas, acabaram aproveitando a pandemia para roubar o espaço de


movimentos antivacinas tradicionais para difundir teses delirantes.

Na época em que o Instituto Pasteur foi inaugurado, em 1888, em Paris, os


antivacinas alegavam que o local era uma "fábrica de vírus", onde se produziam
doenças.

Esse mesmo tipo de alegação ressurgiu na pandemia de covid-19, com teorias


conspiratórias que especulam que a doença foi inventada para fabricar vacinas que
teriam como finalidade controlar ou até mesmo matar grande parte da população.

Para o historiador, imunizantes com novas tecnologias também tornam os discursos


antivacinas mais populares, já que há maior interesse sobre o assunto.

Vignaud afirma também que os governos devem refletir sobre a necessidade de


divulgação de esclarecimentos sobre as vacinas e que as autoridades mundiais de
saúde "foram completamente ultrapassadas pelo fenômeno de redes sociais, onde não
se controla mais nada."

O especialista em movimentos antivacinação afirma que historicamente já ocorreram


episódios em que Estados e laboratórios adaptaram os dados sobre vacinas para
embelezá-los. "Isso é catastrófico. Cada vez que um governo ou laboratório
dissimula, há uma enorme perda de confiança", ressalta.

Vignaud afirma ainda que crises políticas e a desconfiança em relação às


instituições e discursos de autoridades refletem o grau de aceitação dos
imunizantes. "É possível analisar a crise política de um país observando a taxa de
confiança nas vacinas."

Como o lucro das farmacêuticas alimenta o sigilo de contratos de vacinas com


governos
Afinal, quem pagou pela CoronaVac?
Segundo ele, "as vacinas são vítimas de seu sucesso", já que quanto mais as doenças
regridem, mais se procura levantar os poucos casos em que há efeitos colaterais.

Há quem chegue até mesmo a inutilizar as tão disputadas doses contra a covid-19.
Nos Estados Unidos, um farmacêutico de um hospital em Wisconsin destruiu
propositalmente mais de 500 doses do imunizante da Moderna, deixando os frascos
fora da geladeira por horas.

Segundo autoridades federais, o homem, adepto de teorias da conspiração, achava que


as vacinas causariam problemas, tornando as pessoas inférteis e também implantaria
microchips em seus corpos.

A seguir, os principais trechos da entrevista de Laurent-Henri Vignaud:

BBC News Brasil - Durante meses o presidente Jair Bolsonaro adotou um discurso
antivacina, desestimulando a imunização contra a covid-19. Já houve na História um
chefe de Estado abertamente contra a vacinação em plena pandemia?

Laurent-Henry Vignaud - É possível que o presidente Bolsonaro seja um exemplo


único. Eu não saberia citar outro líder espontaneamente. É uma situação
excepcional, infelizmente para os brasileiros.

Mesmo quem tinha opiniões contra vacinas, ao chegar ao poder passava a defender a
imunização. Em termos históricos, o que vimos são chefes de Estado e de governo que
se engajam a favor das vacinas e que defendem os progressos da medicina e da
imunização. De Napoleão Bonaparte, que quis vacinar suas tropas, ao prefeito de
Nova York, nos anos 40, que tomou vacina diante de fotógrafos durante uma epidemia
de varíola na cidade para incentivar os habitantes a fazer o mesmo, em geral os
governantes seguiram os discursos pró-vacina.

Isso ocorreu mesmo em contextos coloniais ou pós-coloniais, onde os líderes


nacionalistas viam as vacinas como uma medicina de brancos, importada, como no caso
da Índia. Mahatma Gandhi, escreveu, nos anos 20 e 30, textos virulentos contra as
vacinas. Quando o território conquistou a Independência, em 1947, o país
implementou rapidamente campanhas de vacinação. Nos anos 50 e 60, há um entusiasmo
em relação aos avanços da medicina. Isso fez com que praticamente nenhum líder
dissesse não às vacinas.

Mesmo durante o conflito Leste-Oeste foi assim. Na época da Guerra Fria, quando
existia o risco de apertar o botão nuclear, os países do Leste aceitavam a entrada
de médicos de organizações humanitárias ocidentais e da Organização Mundial da
Saúde para realizar campanhas de vacinação contra a poliomielite e a tuberculose.
Esses países travavam uma disputa contra os Estados Unidos, mas deixavam entrar em
seus territórios médicos americanos para vacinar a população.

BBC News Brasil - O presidente Bolsonaro chegou a dizer em tom jocoso que as
pessoas poderiam ter problemas como virar jacaré, ao comentar possíveis efeitos
colaterais da vacina da Pfizer/BioNTec. É o mesmo tipo de argumento utilizado pelos
primeiros movimentos antivacinas há mais de 200 anos?

Vignaud - Ele disse isso? É incrível. Realmente esse é um discurso contra a vacina
muito antigo, do final do século 18. Afirmava-se que o homem se transformaria em
animal por causa do imunizante. Caricaturas da época da vacinação contra a varíola
mostravam vacas que saíam de braços humanos e também vacas que cuspiam pessoas
vacinadas.

BBC News Brasil - Esse discurso do presidente brasileiro martelado durante meses
pode reforçar os movimentos antivacina e influenciar a campanha de vacinação no
Brasil?

Vignaud - A atitude de chefes de Estado é muito importante. Há pessoas indecisas e


quando o líder diz que é isso ou aquilo, eles tendem a seguir. Não sei se terá uma
influência sobre a campanha de vacinação, mas é certo que isso não a favorece. Há
uma real urgência e os brasileiros estão traumatizados pelas imagens de sepulturas
a perder de vista e de calamidades como em Manaus, além da nova variante do vírus.
Acho que isso deve suscitar nos brasileiros uma grande vontade de tomar a vacina.

Os líderes considerados populistas não saíram ilesos durante esse ano de pandemia.
Penso que o ex-presidente americano, Donald Trump, perdeu as eleições em parte por
causa disso. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, soube se adaptar, mas
será complicado para ele, sobretudo porque há uma forte evolução da pandemia no
país. Para esse tipo de líder, a gestão da urgência é algo complicado. Como
geralmente funciona na base de declarações não comprovadas, às vezes a realidade se
impõe ao discurso simplista.

Agora Bolsonaro mudou o discurso. Eles são obrigados a fazer isso porque estão numa
lógica de seguir a vontade do povo. Se deixarem o povo morrer, como aconteceu com
Trump, custa caro em termos políticos.

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