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Israel na Terra Prometida-Historiografia Deuteronomista: introdução e características

O grupo dos livros Josué, Juízes, Samuel e Reis eram chamados pelos hebreus com profunda
intuição de “Livros Proféticos”, mais precisamente “Profetas anteriores” para distinguí-los dos
outros livros proféticos, chamados de “Profetas posteriores” (Isaias, Jeremias, Ezequiel e os 12
profetas menores).1
A denominação deriva também do facto a sua composição era atribuída a pessoas sobre as quais se
tinha descido o Espírito de Deus, como Josué, Samuel, Jeremia; mas mais profundamente, era
motivada pela persuasão dos hebreus que a sua história, guiada por Deus, não podia ser
compreendida e escrita senão por aqueles que Deus revela o seu sentido, por homens do Espírito,
isto é por profetas. Não importa que os estudos recentes tenham demostrado que a atribuição destes
livros a Samuel e a Jeremias não é propriamente correta; é, pelo contrário, importante a intuição da
sua origem e do valor profético.
Estes livros mais que narrar complemente a história de Israel, põe em relevo e interpretam os
personagens, os eventos, o momentos particularmente significativas dessa história do ponto e vista
das relações entre Deus e o seu povo estabelecidas a partir da Aliança no Sinai.
Seguindo a meditação histórica, iniciada por Deuteronómio, seguidores e discípulos dos profetas,
depois de se embeberem do espírito deste livro, recolheram de diferentes fontes (orais, escritas,
oficiais, populares) uma ampla documentação que seguia o povo eleito desde o tempo em que tinha
entrado na Terra Prometida com Josué, até ao momento em que tinha sido violentamente retirado
dela com a deportação em exílio, depois da destruição de Jerusalém (586 a.C.). Era uma parábola
impressionante da conquista ao apogeu dos tempos de David e Salomão, à lenta decadência e à
ruína total. Todos esses séculos de história deviam ter um significado. Eis que fervorosos hebreus
meditam sobre a história, cruzam documentos, individuam momentos chave e compilam estes 4
livros sob o influxo da inspiração, à lua da Aliança, que definia as relações entre Deus e Israel, e à
luz da Palavra de Deus que guia a história e que chega até Israel através dos seus profetas.
Eis porque os autores fazem depender os eventos da fidelidade ou infidelidade à Aliança, e têm
cuidado em registrar as palavras proféticas e da sua realização no curso da história.
Estes livros não querem apenas ser uma re-evocação do passado. Cada livro da Bíblia interessa do
presente e aponta para o futuro. A história, enquanto faz conhecer o passado, torna-se meditação
para o presente, ensino vivo que nutre a fé e anima a esperança. O fim de uma época tem as suas
razões sobre as quais deve meditar, mas não é o fim do desígnio de Deus que retomará a obra da
salvação a partir de outras bases e de outras formas.
Pelo espírito que molda estes livros, os estudiosos modernos os agrupa sob a denominação de
Historiografia Deuteronomista.2

Livro de Josué
Os Livros de Josué e dos Juízes narram a rápida conquista militar e a contrastada estabilização de
Israel na Palestina. É chegado o tempo em que Deus manterá a segunda promessa feita aos

1Profetas anteriores e profetas posteriores - não devemos entender essa distinção em termos cronológico,
como se os primeiros fossem mais antigos que os segundos. Trata-se de adjetivos não relacionados com a
época mas com o lugar, ou seja a colocação da cada um desses dois grupos de livros sagrados
2 A HistoriografiaDeuteronomista cobre quase 600 anos de história, o período que vai desde o ingresso na
Terra Prometida (por volta de 1230 a.C.) até o abandono da Terra por causa da deportação (597 a.C.), ou se
preferimos até o ano 561 com a libertação de Ioakin com a qual termina o 2 Reis 25,27-30
Patriarcas: Israel, convertido num grande povo, possuirá a terra de Canaã. Esta conquista, retardada
por anos de vida nómada no deserto, pela infidelidade e rebeldia do povo saído do Egipto, está
agora para se efectivar.
Josué é o instrumento deste momento importante da história sagrada, mas é sempre Deus, imutável,
fiel à sua palavra, que conduz a história do seu povo e guia, dá força aos seus chefes. O Livro de
Josué narra na primeira parte (cc. 1-12) alguns episódios da conquista e as duas batalhas decisivas;
na segunda (cc. 13-21) descreve a divisão e a distribuição dos territórios a cada uma das tribos, duas
das quais, Ruben e Gad, mais uma parte de Manassés já se tinham estabelecidas nos territórios
conquistados a oriente do Jordão.
Portanto, a primeira parte é histórica; a segunda é previdentemente geográfica. Na terceira parte (cc.
22-24) depois do regresso dos soldados de Ruben e Gad que tinham colaborado com as outras tribos
na conquista da Palestina a ocidente do Jordão, narra-se a reunião das tribos em Siquém (centro de
Palestina): Josué, já velho, despede do seu povo com um discurso no qual recorda a bondade de
Deus e a obrigação da fidelidade (23,11). Segue enfim, a renovação da Aliança, com a qual o povo
se compromete solenemente a observar os pactos com Deus (c. 24).
Cada geração, de facto, continua a história sagrada, mas deve comprometer-se e empenhar-se
diretamente, como fizeram os antepassados, em observar os pactos estabelecidos com Deus,
empenhar-se a viver como ele prescreveu por meio da Lei de Moisés. O Livro termina com as
notícias da morte de Josué e Eleazar, filho e sucessor de Arão nas funções de Sumo Sacerdote, e da
destinação numa tumba em Siquem dos ossos de José que os Israelitas trouxeram consigo do Egipto
(Gn 50,24-26).
Os episódios da conquista
A primeira parte do livro é a mais interessante e também a mais importante. O autor procura
sobretudo, demonstrar como Deus manteve a sua promessa. Por isso narra aqueles episódios em que
Deus intervém mais diretamente com o seu poder, aqueles que demonstram mais abertamente como
Israel deve a Deus a Terra em que habita. O autor é consciente de esta incompletude; informa, de
facto, que “a guerra que Josué sustentou contra esses reis durou muito tempo. Não houve cidade que
se rendesse pacificamente aos israelitas, à excepção dos hebreus, em Guibeon” (Js 11,18-19). E
mais à frente o Senhor diz a Josué: “Já estás velho, de muita idade e há ainda muita terra por
conquistar” (Js 13,1). São clara anotações da incompletude da narração do ponto de vista histórico,
confirmadas pelo livro de Juízes. Depois da morte de Moisés, Israel encontra-se a Oriente do
Jordão, um pouco a norte do Mar Morto. Antes de atravessá-lo, Josué manda dois homens (espiões)
para se informarem acerca das condições de defesa da cidade de Jericó, a primeira cidade fortificada
que os hebreus encontraram além do Jordão (c. 2).
Neste episódio de espionagem é interessante ver como Raab, a prostituta que hospedou e escondeu
os espião hebreus, compreendeu, a partir das notícias que tinham chegado à cidade, que o todo o
poder de Israel está no seu Deus, ao qual nada pode resistir e, portanto, procurar assegurar a vida
para si e para a sua família ajudando os dois hebreus. Essa mulher e a sua família, na realidade,
serão salvos e farão parte do povo de Deus. Raab, inclusivamente, casará com um hebreu, um certo
Salmon e se tornará uma ascendente de David e, portanto, do Messias (Mt 1,5).
A passagem do Jordão (cc.3-4) é o primeiro facto prodigioso que revela a assistência especial de
Deus: estamos em primavera, aquando os rios geralmente transportam, mas o povo, precedido pelos
sacerdotes e pela arca, pôde atravessar o rio seguro e a pé enxuto levando todas as suas bagagens e
os seus animais. Este facto, semelhante à passagem do Mar Vermelho, convenceu a todos de que
Deus estava verdadeiramente ao lado de Josué como estava ao lado de Moisés, aumentou junto do
povo aquele prestígio de que Josué precisava para as próximas ações de guerra.
Montadas as tendas na Terra Prometida, em Gálgala, Josué ordena a circuncisão, que nos anos da
travessia do deserto não pôde ser praticada e celebra-se a Páscoa (c. 5). Depois desses ritos
religiosos, o povo, sobretudo o exército, está pronto para combater para obter a sua terra e sabe que
o êxito é garantido porque um Deus invencível está com eles.
Assim acontece a primeira conquista prodigiosa. Os muros de Jericó caem como se fossem de
barro: a cidade é rapidamente conquistada e votada ao extermínio, excepto Raab e a sua família
(6,7). Diante saque desse episódio e de outros do género, quem lê a Bíblia deve ter em conta as
condições de vida e os atrozes costumes de guerra daquele tempo, muito longe da moral evangélica.
A Bíblia, porém, apresenta uma razão mais profunda para estes factos - Gn 15,16.
Será útil aqui uma reflexão:
“É ensinamento constante da Bíblia que quando certos delitos se tornam um constante público,
requerem um castigo público por parte de Deus. Estes castigos que atingem também os inocentes,
não afetam a felicidade eterna de cada um que é julgado de acordo com a responsabilidade
individual e a própria consciência. Estão em jogo apenas os bens terrenos: a prosperidade, o bem-
estar, a independência nacional e a vida” (Galbiati E. - Pizza A., Pagine difficili dell’Antico
Testamento, Massimo, Milano 1985, pp. 35-36).
Outra razão era aquela de preservar os hebreus da influência dos costumes do povos cananeus (Dt
20,16-18). Não devemos esquecer de uma coisa muito importante: a redação definitiva desses
escritos está muito distante dos factos. A sua leitura deve manter viva nos já distantes descendentes
a fé dos antepassados. A narração tende a engrandecer os eventos do passado. O acento não é
colocado tanto sobre a destruição dos inimigos quanto sobre a salvação de Israel operada por
JHWH que resulta tanto mais grandiosa, para a mentalidade um pouco ingénua e primitiva do
tempo, quanto mais numerosos e poderosos são os inimigos que Deus consegue vencer e destruir.
Enfim, também ao povo hebreu não será garantido a poupança a semelhantes castigos: Deus
mostrará a sua severidade em relação ao seu povo quando este se mostrar infiel à Aliança: O dDeus
do AT não é um Deus parcial que castiga só as culpas dos pagãos.
Exemplos da imparcialidade divina no punir as culpas dos hebreus os encontramos nos livros de
Pentateuco. Outros muito significativos os encontramos no Livro dos Juízes. No Livro de Josué
encontramos um caso no capítulo 7: a fidelidade de Deus às promessas não significa que Israel
possa impunemente ofendé-lo. A ofensa, neste caso, foi a apropriação indevida, por parte de um
certo Acan, de ouro e prata já destinados como oferta votiva a Deus: tratava-se, portanto de um
furto sacrílego. Esta culpa há um influxo nefasto sobre as campanhas do exército e Josué, ainda sem
saber do facto, se lamenta com o Senhor (7, 7-9), o qual lhe manifesta as razões da derrota numa
batalha em que a vitória parecia já adquirida.
Punido severamente e exemplarmente o culpado, Israel voltou a ser vitorioso.
A tomada e a destruição de Jericó e de Ai impressionou os reis de Canaã, que estabeleceram
alianças contra Israel.
Entretanto, na Palestina, um pouco mais a norte do Mar Morto os hebreus tinham dividido em dois
o território. Foram primeiro os reis do Sul, isto é da região que em seguida seria ocupada pelas
tribos de Judá e Benjamim, a aliarem-se sob o comando do rei de Jerusalém com a intenção de
punir os Guibeonitas que tinham feito paz com os hebreus (c. 9). Josué, chamado, corre em auxílio
dos Guibeonitas e cai inesperadamente sobre cinco reis amorreus, depois de ter marchado com o seu
exército durante toda a noite. Foi nessa batalha que Josué pronunciou estas palavras que ficaram
famosas: “Detém-te, ó Sol, sobre Guibeon; e tu, ó Lua, sobre a vale de Aialon”.
É certo que Deus combateu a favor de Israel, isto é interveio prodigiosamente até que os hebreus
conseguissem a vitória completa, destruindo o exército da coligação (c. 10).
Depois da coligação do Sul é a vez da coligação do Norte, liderada pelo rei de Amor, uma cidade da
alta Galileia junto do pequeno lago de de Hulè. Também desta vez Josué atinge de forma relâmpago
e derrota o exército da coligação. O autor, porém, nos diz, na conclusão desta primeira parte do
livro, como Josué deverá combater por muito tempo na Palestina (Js 11,18). Deus, portanto,
mantém de pé a sua promessa, mas requer a colaboração do seu povo e acima de tudo a fidelidade à
Aliança e a confiança na sua palavra.
As recordações desses feitos gloriosos foram recolhidos algum tempo depois e colocados por
escrito por um autor cujo nome não foi conservado, como, de resto, aconteceu com todos os livros
históricos. O povo hebreu sabia e era consciente o próprio Deus guiava a sua história, inspirando
inclusive a sua narração e interpretação, pelo que o autor humano desaparecia diante da ação de
Deus e ninguém senti a necessidade de transmitir o nome de quem recolhia e escrevia as memórias
dos factos vividos por todo o povo.
A Assembleia de Siquém
No final da sua obra, Josué organiza uma solene renovação da Aliança. Também esta Aliança, como
a de Monte Sião e de Moab, foi precedida por intervenções salvíficas de Deus. Josué recorda a
história passada acrescentado-lhe factos recentes (c. 24): é sempre JHWH que toma a iniciativa, o
passado é imagem e também garantia do futuro. A Aliança de Siquém é um regresso às origens. E
também aqui é promulgada uma lei.
Alguns autores pensa que se trata do chamado: “código de Aliança” narrado logo após o decálogo
em Ex 20,22-23,33; esse código, de facto contém tantas normas que espelha a situação de um povo
que já não conduz mais uma vida nómada mas vive de forma estável numa terra. Como seja, a
Aliança de Siquém se enfoca no primeiro mandamento. Também aqui temos a colocação por escrito
e a ordem para a renovação no culto da Aliança (Js 24, 25-28).
Com a assembleia de Siquém fica completa, em certo sentido, a formação de Israel. Pela primeira
vez se encontram em Siquém todas as tribos de Israel. Todas aceitam o Deus do Sinai como seu
único Deus. O grande significado social e religioso dessa assembleia advém do facto que nem todas
as tribos de Israel, segundo os melhores estudiosos, desceram ao Egipto. Alguns núcleos de hebreus
ficaram na Palestina. Outras populações como os Guibeonitas passaram a fazer parte das tribos de
Israelitas. Ora, todas as tribos que se reconhecem em nome de Israel acolhem a revelação do Sinai,
a qual eram depositárias as tribos do Êxodo e reconhecem, também, no Deus da libertação e da
Aliança os Deus dos patriarcas. A redação posterior dos livros de Pentateuco e de Josué fala sempre
de “doze” tribos generalizando e inserindo todas na primeira grande Aliança, fonte e ponto de
referência de todas as outras que se seguirão.
A consciência de Israel de formar um povo único e de ter um único Deus encontra a sua expressão
pública nos principais santuários onde decorriam as reuniões cultuais, nas quais se renova a Aliança
e se proclama festivamente as intervenções salvíficas de JHWH: nesse contexto cultual nascem uma
síntese de história sagrada que, como já dissemos, podemos chamar de “credo de Israel” ou
confissão de fé: assim é em Js 24, 2-13 (prólogo de Aliança de Siquém) como em Dt 6, 20-23 e 26,
5-9. Nesse contexto dá-se a tradição do património religioso e legislativa de Israel.
Siquém, Gálgala, Betel, Silo são as localidades em que existiam “santuários” para cultos
israelíticos. Nesses santuários, que recordam momentos da história sagrada, assumem significado
nacional como encontros litúrgicos do povo de Deus. Neles Isarel, já não nómada, celebra as suas
festas ao ritmo da natureza e do ciclo agrícola: vive dos frutos da terra tanto desejada e que agora
possui como dom de Deus (Js 5, 11-12; 24,13).
A festa da Páscoa, das Semanas (Pentecostes) de das Tendas ou Cabanas coincidem respectivamente
com a primeira colheita de cevada e de trigo na primavera, com o fim das colheitas e com a recolha
dos frutos de outono. A última, sobretudo a festa de agradecimento e de alegria pelo ano agrícola: as
benções patriarcais tinham como motivo recorrente a fecundidade da terra; os frutos da terra
prometida testemunham o cumprimento e a eficácia das benções de Deus dos patriarcas e portanto
do Deus da história salvífica. Por isso as festas agrícolas são relacionadas com os momentos
importantes dessa história: natureza e história se integram, sem eliminar-se, para a celebração do
único Deus. A primeira festa de primavera e do ano torna-se a celebração do nascimento Israel
como povo de Deus. A festa de colheita (Pentecostes) é a festa do dom de Torah, o da Lei.
A celebração de outono, enquanto recorda a vida no deserto (com o costume de habitar por uma
semana nas cabanas ou tendas), assumirá mais tarde as cores de festa da esperança messiânica: a
colheita dos frutos e a conclusão do ano agrícola eram elementos que facilmente se prestavam a
simbolizar os fim dos tempos, a alegria, a abundância, a plenitude do cumprimento das promessas
de Deus. Por isso o Deuteronómio dispõe que a renovação da Aliança se faça nessa festas que
estava orientada para o futuro (Dt 31,9-13).

Livro de Juízes
Josué, crescido ao lado de Moisés, herdou dele o espírito a profunda fé e o vivo sentidos dos
deveres que comportava a Aliança com Deus. Com o prestígio de que gozava junto do povo
conseguiu manter-se fiel a Deus ajudado também pelos anciãos e pessoas responsáveis que com ele
tinham vivido os dias das gloriosas batalhas e experimentado a presença e a protecção divina.
Uma vez que morre Josué e a sua geração, faltará o homem que era o símbolo vivo da unidade
nacional e um lembrete constante da fidelidade de Deus. Cada uma das tribos se encontravam
perdidas com as próprias dificuldades e com as populações que, depois da rápida derrota operada
por Josué, se reorganizam e procuram de todas as formas molestar os hebreus, conseguindo muitas
vezes vencê-los, maltratando-os e roubando quanto possuíam.
Quando a situação tornava-se perigosa, os grupos israelitas interessados ou toda uma tribo ou
mesmo várias tribos se punham à disposição de um chefe que conseguia organizar a resistência a
contra-ofensiva. Ao autor do Livros dos Juízes interessa fazer compreender aos israelitas as e a cada
leitor o sentido profundo, sentido definitivamente verdadeiro, isto é o sentido religioso dos factos
que aconteceram naquele período de instalação na Terra Patriarcas, que cobre cerca de dois séculos:
desde o fim do século XIII às últimas décadas do século XI.
É para dar relevo a este sentido que o autor recolheu os acontecimentos entre a morte de Josué e o
surgimento da Monarquia. Por isso, depois de ter referido brevemente no primeiro capítulo à
situação histórica, no segundo capítulo nos dá a chave para compreender os factos que narrará no
seu livro desde 3,7 até 16,31. Os capítulos 17 a 31 formam uma espécie de apêndice: narram alguns
factos que aconteceram na época dos Juizes mas não estação ligados a nenhum juiz em particular
nem entram no esquema com que o autor narra a história desse período.
Israel não sucumbia diante dos seus inimigos porque tinha menos valor, porque inferior em números
ou em armamentos mas porque se deixava levar pelo modo de viver dos cananeus, abandonava o
seu Deus e chegava até a adorar outras divindades. Só quando os cananeus lhes oprimiam, lhes
derrubavam ou destruíam as suas colheitas, os Israelitas se recordavam do seu Deus omnipotente,
reconheciam os seus pecados e imploravam misericórdia e salvação. E Deus, sempre fiel e
misericordioso, inspirava então algum homem de valor a colocar-se na liderança dos hebreus e a
libertá-los: são precisamente esses homens que são os “Juizes”. Como se vê esta palavra indica mais
chefes militares, libertadores do que juizes de um tribunal. Depois da vitória alcançada com
evidente concurso de Deus estes homens continuavam a ter alguma autoridade entre o povo e o
alertava acerca da fé e do culto ao Deus único e verdadeiro.
A benção ligada à fidelidade estavam orientadas ao possesso da Terra Prometida: a conquista tinha
demostrado a fidelidade e o pode de JHWH. A infidelidade é punida com a instabilidade na terra
recentemente conquistada: Cananeus, Medianitas, Felisteus e outras populações são instrumentos
que de Deus mandados para oprimir Israel. Todos os castigos, todavia, são medicinais e Deus se
deixa mover pela misericórdia.
Quando o povo reconhece a sua humilhação e implora a JHWH, isto é se converte ao Deus da sua
história, e reentra na Aliança, a mão de Deus não se faz esperar. Fica a impressão de que Deus está
mais interessado a salvar do que o homem em ser salvo. Se existe uma ideia em que a Bíblia é
insistente é a fidelidade de Deus às suas promessas. Este é o significado fundamental da palavra
“verdade” da Bíblia, que nos mostra um Deus que não falta nunca à sua Palavra.
Mais do que em outros livros, sobressaem no Livro de Juizes as duas atitudes: a atitude de Deus que
salva e a atitude do homem inconstante e que desanima mas que sabe também reagir e tomar
consciência da própria culpa.
Os acontecimentos de cada um dos livros de Juizes são narrados segundo um esquema em quatro
tempos:
a) culpa do povo de Israel, sobretudo idolatria;
b) castigo do Senhor com a opressão por parte dos Cananeus;
c) arrependimento e pedido de ajuda a Deus;
d) libertação por meio de um chefe (Juiz) que Deus faz surgir e conduz à vitoria.

O autor transmitiu o nome dos doze juízes, igual ao número das tribos de Israel: de seis nos recorda
praticamente só o nome, dos outros seis nos narra mais ou menos detalhadamente os seus feitos. Os
mais famosos são Gedeão e Sansão.
Impressionante, ao menos para nós, o voto de Jefte, que antes da batalha contra os Amonitas
promete a Deus que lhe ofereceria em sacrifício a pessoa que primeiro viesse ao seu encontro,
saindo da sua casa. Esta pessoa foi nada mais nada menos que a sua única filha que queria ser a
primeira a abraçar o pai vitorioso. Jefte mantém o seu voto e a filha aceita os seu sacrifício. Claro
que Deus não queria aquele voto nem o seu cumprimento: mas em certo sentido é admirável a
retidão de grande israelita, expulso de casa tornou-se chefe de um grupo de homens sem eira nem
beira, antes de ser escolhido para defender os seus co-nacionais, o qual se crê obrigado a manter o
seu voto, sabendo que quanto oferecido a Deus não pode ser tomado impunemente. Claro que a sua
consciência não era iluminada, mas foi ao menos coerente, não obstante o seu coração partido.
A propósito da força prodigiosa de Sansão, último Juiz que opera feitos sozinho, dado que sozinho
valia um exército, não devemos esquecer que tal força não estava tanto nos seus cabelos quanto na
fidelidade da sua consagração a Deus: era um “nazireu”, como se dizia entre os hebreus. O
“nazireu” ou consagrado a Deus se comprometia a não rapar a cabeça, a abster-se de bebidas
alcoólicas, a não aproximar-se de cadáveres (cfr. Nm 6,1-21). Os longos cabelos, que nunca deviam
ser cortados, eram o sinal externo dessa consagração. Quando ele cai nas redes de Dalila,
praticamente já tinha faltado à sua consagração, estando agora disposto a tudo por amor àquela
mulher e assim revelou o segredo da sua força. Depois de cortar os cabelos o autor faz notar que
Sansão “ignorava que Senhor se havia retirado dele” (Jz 16,20).
Capturado e mandado para prisão, talvez, teve como refletir e arrepender-se. Contudo, os cabelos
cresceram e ele teve novamente a sua força que usou para dar o último golpe aos inimigos de Israel,
os Filisteus. Nesta ocasião única Sansão se dirige ao Senhor com uma oração (16,28).
O livro se fecha com dois episódios que tiveram lugar no tempo dos Juizes: a tribo de Dan emigrava
para o norte da Galileia e uma terra fratricida põe Israel contra a tribo de Benjamim, porque alguns
dos seus homens se mancharam com um horrenda infâmia contra a mulher de um levita “uma
infâmia nunca vista em Israel”.

Rut
Um episódio entrelaçado de bondade e sacrifício é o que encontramos nos quatro capítulos do Livro
de Rut. Episódio que, igualmente, aconteceu no tempo do Juízes.
Para além da exemplaridade religiosa e moral dos acontecimentos e da sua protagonista, o
desconhecido autor nos transmitiu a história de Rut até porque ela se tornou ascendente de David -
precisamente a sua bisavó - (e portanto ascendente do Messias; cfr Mt 1, 5). Ela veio refugiar-se sob
as asas do Deus de Israel que escolheu como seu Deus, o qual acolhe com bondade e misericórdia
também os não israelitas e nele põe a sua confiança.
Ao capítulo 4 desde Livro encontramos uma vivaz descrição de como decorria uma “audiência”
para dirimir questões de direito civil num tribunal. Neste vaso tratava-se de aplicar a lei de
“levirato” (Dt 25,5-10), aqui alargada a um parentesco mais vasto daquele entre os irmãos carnais.
Com este quadro esplêndido, depois de tantos tristes acontecimentos, a Bíblia fecha a época do
Juízes para começar a narração do período monárquico também cheio de acontecimentos alegres e
tristes.
O Livro de Rut, embora reelaborando uma antiga tradição, parece ter sido publicado depois do
exílio, até como tácita contestação às severas medidas adoptadas por Esdras e Neemias contra o
casamento misto (cfr. Esd cc. 9-10; Ne c. 13): entre os não hebreus pode-se encontrar pessoas como
Rut, a estrangeira moabita! Este pequeno livro de um judaísmo tardio era lido na festa das Semanas
(Pentateuco).

O período da Monarquia
Os Livros de Samuel e de Reis narram-nos a história do período em que o povo hebraico organizou-
se num Estado unitário com poder central, sob o governo de um rei: o período da monarquia. Esse
período vai de 1030 (mais ou menos) até 586 a.C., ano em que Jerusalém, a Capital, é destruída
pelos babiloneses e o último rei levado em exílio com a maior parte dos hebreus.
Foi este o período em que o povo de Deus atingiu em breve, com os primeiros reis, a sua maior
potencia militar e política que entretanto começou a decair gradualmente até à completa destruição
como Estado independente.
Também estes livros, que na realidade formam uma obra única, contam a história do período
monárquico do ponto de vista da Aliança entre Deus e o seu povo, como já tinham feito o Livro de
Josué para o tempo da conquista da Terra Prometida e o Livro de Juízes para o período seguinte,
quando ainda cada tribo se governava a si mesmo e se defendia como podia dos inimigos. Este
ponto de vista é a particular assistência e providência divina e a fidelidade ou a infidelidade do povo
cujos reis são agora os principais responsáveis.
Esta é a razão pelo qual os autores sagrados não se fixam em acontecimentos que possam ter tido
grande importância do ponto de vista social, económico, etc mas que não apresentavam interesse do
ponto de vista religioso. Não devemos nunca esquecer, de facto, que a Bíblia há como objetivo a
história das relações entre Deus e o seu povo.

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