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2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA POESIA HEBRAICA

Há pouco menos de 3 séculos é que se começou a dar atenção à poesia


hebraica, em especial a partir das palestras de Robert Lowth.1 Embora já tenhamos
este período de estudos e pesquisas, ainda não é algo tão simples, por destoar
completamente da nossa forma de se fazer poesia. Basicamente a poesia hebreia
não tem rima, não tem métrica nem ritmo. Mas, certamente possui características
que podem nos auxiliar em sua identificação e interpretação. Basicamente ela é
trabalhada a partir do que alguns chamam de ritmo do pensamento. Isto mesmo, ela
está muito mais interconectada com “a rima das ideias” do que nossa estrutura
formal.

O Jogo de Palavras

Embora seja mais raro, no Antigo Testamento, também é possível encontrar


o trocadilho entre palavras com sons semelhantes. Definitivamente ainda não é
nossa rima, mas até poderia ser chamada de ‘rima de sonoridade’. A combinação
em nossa poesia, no português, se dá basicamente com relação às finalizações. Por
exemplo:

Mãe, simplesmente mãe!


Um nome todo especial,
Eu diria, à beira do sobrenatural
Um ser, sem outro haver igual
Sublime, glorioso, com toque divinal...2

Diferentemente desta nossa forma, às vezes, o texto hebraico pode usar a


sonoridade entre algumas palavras, mas, quando isto ocorre, é para enfatizar o
contraponto entre cada ideia representada. Infelizmente, além de ser raro, isto se

1
Seu primeiro defensor e estudioso a gastar energias nela foi Robert Lowth, que em 1753 publicou sua obra
em latim: LOWTH, Robert. De Sacra Poesi Hebraeorum: praelectiones academicae. 1753. Disponível em
<https://books.google.com.br/books?id=lDNBAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-
BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 25 de setembro de 2016. Caso
haja interesse, há um resumo de sua primeira palestra em <http://fair-use.org/robert-lowth/lectures-on-the-
sacred-poetry-of-the-hebrews/>. Não sei sobre a veracidade total de seu conteúdo, mas é, pelo menos,
interessante ler as ideias ali contidas.
2
Primeira estrofe de uma poesia que escrevi para homenagear as mães de minha igreja, em 2010 e que ainda
não foi publicada. Além das rimas, ao final de cada frase, o ideal é que cada um de seu verso, também respeite
a quantidade de sílabas (tanto os versos métricos quanto os silábicos), para que na hora da leitura, possa soar
bem aos ouvidos.
2

perde na tradução do texto. Por exemplo: para nossa língua as palavras ‘brancos’,3
‘tornar-se-ão’ e ‘devorados’, usadas pelo profeta Isaias, não tem nenhuma
aproximação possível ou imaginável. Todavia, suas correspondentes em hebraico,
usadas no verso 18b, 18c e 20b, do primeiro capítulo de Isaias, teriam sido
reorganizadas, segundo Malanga, afim de dar uma entonação sonora à frase dita
pelo profeta.4
Outro uso deste tipo pode ser vislumbrado em Isaias 5,7 quando o profeta
diz que “Deus esperava juízo e obteve derramamento e em lugar de justiça, houve
clamor”. Em português não há nenhuma correspondência, a não ser, meramente
semântica. Mas em hebraico juízo e derramamento de sangue possuem uma
pronúncia bem parecida (respectivamente, Mishpat e Mispah). De igual modo os
vocábulos hebraicos traduzidos por justiça e clamor por socorro tem uma sonoridade
bem semelhante (respectivamente, Tsedaqah e Tse‘aqah).

A Antífona

É algo parecido com o que ainda se mantém, em algumas igrejas Batistas,


como leitura responsiva. Ou seja, determinada parte da poesia é cantada por um
dirigente enquanto que outra parte é entoada, como resposta, pela congregação.
Os dois Salmos clássicos neste sentido são o 118,1-4 e o 136 que
mencionam a expressão “porque a sua benignidade dura para sempre”, como
segunda parte de cada versículo. Neles esta declaração seria a parte que a
congregação cantaria em resposta às demais afirmações que o sacerdote ou outro
dirigente estivesse recitando.
Outro salmo que segue esta linha de pensamento é o Sl 107. Porém,
diferentemente dos outros dois, a congregação não canta a todo o versículo, mas
entra em ação ao final de um discurso maior (cerca de 8 versos), cantando, nos
versos, 8, 15, 21 e 31 o seguinte “coro”:

Deem graças a Jeová pela sua benignidade


E pelas suas maravilhas para com os filhos dos homens

3
As citações diretas relacionadas à Bíblia, serão realizadas à partir da versão BÍBLIA SAGRADA: Tradução
Brasileira. Barueri: SBB, 2010. Salvo outra indicação em contrário.
4
MALANGA, Eliana Branco. A bíblia Hebraica como obra aberta: uma proposta interdisciplinar para uma
semiologia bíblica. São Paulo: Humanitas, FAPESP e FFLCH USP. 2005, p. 49.
3

O Estribilho

De igual modo, não se trata de algo tão comum no texto bíblico. Mas, nem
por isso deveríamos descarta-lo. Os Salmos 42 e 43 pertencem a uma única
Unidade literária, isto é, originalmente eram um único cântico. Sua temática fica
muito melhor entendida, quando levamos em consideração o seu “coro”: “Por que
estás abatida oh minh’alma? Por que estás assim tão perturbada dentro de mim?
Coloque sua confiança em Deus. Ainda o louvarei. Ele é o meu Salvador e o meu
Deus.” (Salmos 42,5e11; 43.5). Outro texto, que certamente está ligado em torno de
seu estribilho é Isaias 9,7 a 10,4. Os versos 9,11.16.20 e 10,4 repetem a seguinte
expressão: “Apesar disso tudo, a ira divina não se desviou; sua mão continua
erguida”. Certamente um estribilho, ignorado em grande parte de nossas leituras.5

O Uso dos Números na Poesia Hebraica

Além do jogo com a sonoridade de algumas palavras, mencionado


anteriormente, o hagiógrafo também trabalhava com os números. Neste caso, um
pouco mais fácil de perceber, embora, de igual modo ignorado no geral. Por
exemplo, quando o sábio diz: “seis coisas o Senhor odeia, e sete ele abomina” (Pv
6.16) não quer dizer que serão 13 coisas a serem listadas. É um trocadilho para
dizer que dentre as sete piores atitudes de um servo de Deus, a sétima é ainda a
pior de todas.
Ou, então, quando se diz, “por três transgressões de tal cidade, sim, por
quatro não retirarei o castigo” muito usada em Amós 1,1 – 2,6. Não significa que
cada cidade só possuía uma relação de sete pecados. Muito pelo contrário, quer
dizer que todos os pecados serão punidos. Uma boa tradução poderia ser: “não
retirarei o castigo por causa de todas as suas transgressões”. Equivale ao que às
vezes ouvimos dizer: “hoje vai chover a três por quatro”. Isto é, irá chover tudo o que
tem que chover, em outras palavras metafóricas, “vai desabar o céu”.

5
A diferenças destes cânticos para os Salmos 107,; 118 e 136, considerados como Antífonas, é que lá o “coro”
seria cantado pela congregação, como se fosse uma resposta ao dirigente, enquanto que aqui, ao que parece,
todos cantam o cântico todo.
4

O “Acróstico”

Embora oficialmente não poderíamos chama-los desta forma, o faremos por


sua tradicionalidade. Ou seja, o nosso acróstico é formado a partir de uma palavra,
isto é, com as letras de uma palavra, procura-se transmitir uma mensagem muito
além do que aquele determinado vocábulo possa significar. Tem sido muito comum
em nossas igrejas acrósticos em homenagem ao dia das mãe ou dos pais. Onde,
procura-se escrever uma linha ou uma estrofe para cada letra da referida palavra,
para enaltecer as virtudes de cada um.
Diferentemente no hebraico, os acrósticos não são formados a partir de uma
palavra e sim, do alfabeto todo. Por exemplo: Lamentações de Jeremias capítulo 1,
2 e 4 tem exatamente 22 versículos cada um. Um verso para cada consoante do
alfabeto hebraico. Desta forma, o primeiro inicia com a letra Aleph6, o segundo
versículo com a letra Beth7 e assim sucessivamente até a última. O capítulo 3 possui
66 versos, 3 para cada consoante. Ou seja, os versículos 1, 2 e 3 iniciam com a
primeira letra do alfabeto hebraico, os versos 4, 5 e 6 iniciam com a segunda letra e
assim por diante. Curiosamente, o capítulo 5 de Lamentações de Jeremias também
possui 22 versículos, porém não seguem a mesma estrutura acróstica.8
Os Salmos 111 e 112 também foram organizados em acróstico. Só que cada
verso usa duas consoantes. Isto é, a primeira parte do verso 1 inicia com Aleph,
enquanto que sua segunda parte, inicia com o Beth. A primeira parte do verso 2
inicia com o Guímel9 (terceira consoante) enquanto que a segunda parte começa
com o Dalet (quarta consoante) e assim, sucessivamente.
O salmo 119 é outra belíssima organização poética. Nas versões mais
antigas, a cada 8 versículo, era descrito como título as consoantes hebraicas: Aleph,
Beth, Guímel, Dalet... Afinal, os oito primeiros versos iniciam com ’aleph, os oito
seguintes (dos versos 9 ao 16), começam com o Beth e assim vai, até usar todas as
22 letras do alfabeto hebraico. Obviamente, este estilo se perde em qualquer
tradução. Torna-se impossível fazer a transposição, mesmo porque além do alfabeto
hebreu possuir menos consoantes, possui algumas que não possuem

6
Nome da primeira letra do alfabeto hebraico.
7
Nome da segunda letra do alfabeto hebraico.
8
Há teóricos que especulam que este capítulo estaria inacabado. Ou seja, primeiramente o profeta teria escrito
a mensagem e só num segundo momento teria se preocupado em organizá-la na forma acróstica. O que faz
sentido. Mas, a única certeza que temos é que lamentações de 1 a 4 estão em acróstico e o 5 não.
9
5

correspondência com a nossa língua e, para dificultar um pouquinho mais, ele não
tem vogais.

O Paralelismo e o Quiasmo

Outro aspecto interessante na beleza da poesia é saber ler além de suas


letras. Especialmente na poesia hebraica, onde a estrutura precisa ser levada em
consideração. Além das características, vislumbradas anteriormente, estudaremos
agora duas principais estruturas nas quais o povo hebreu organizava suas ideias, a
fim de deixar mais vívida e visível sua mensagem. São elas o Paralelismo e o
Quiasmo.
Quando falamos de estrutura, concordamos com a declaração de que a
“característica básica da poesia hebraica é aproximar duas ou mais frases, dois ou
mais pensamentos”,10 que embora completas em si mesmas e, muitas vezes com
uma carga de significado bastante expressiva, são unidas para expressar um
conceito ainda maior ou, simplesmente, para enfatizar determinado tema.

O Paralelismo na Cultura Hebraica

Paralelismo é o nome dado para a contraposição de frases ou palavras, com


um paralelo bastante significativo entre elas. Assim, cada sentença interferirá na
compreensão da outra. Ou seja, só entenderemos plenamente a mensagem geral
que o autor bíblico procurou transmitir, quando perceber o tipo de estrutura
elaborada e, principalmente, analisar as sentenças juntas, vislumbrando a
correspondência entre as partes. Os paralelismos se dividem em: Sinônimo,
Sintético, Antitético, Climático, Analítico e Emblemático.

a) Paralelismo Sinônimo ou Sinonímico

Assim como seu nome sugere, é dado à estrutura onde a primeira parte
(frase ou palavra) tem a intenção de transmitir o mesmo significado que a sua
correspondente em paralelo. Ou seja, paralelismo sinônimo é quando as sentenças
(duas ou mais partes) possuem o mesmo significado. Uma frase não serve para
10
VV. AA. Sabedoria e Poesia do Povo de Deus. São Paulo: Loyola, 1993, p. 67.
6

explicar a outra, apenas repete o conceito com outras palavras. Nesta forma de
paralelismo a interpretação é simples, as sentenças devem ser lidas juntas tendo em
mente que a intenção do da poesia é enfatizar uma única verdade, usando palavras
diferentes. Por exemplo:

Eu também darei a minha resposta,


também manifestarei a minha opinião. (Jó 32.17)

Seria um erro gastarmos energia tentando elencar as possíveis diferenças


entre os verbos dar e manifestar, bem como entre os substantivos resposta e
opinião. Mesmo que conseguíssemos vislumbrar suas diferenças, a partir do campo
semântico ou mesmo da língua portuguesa, seria de todo inútil, pois o poeta quis
dizer a mesma coisa: ‘ele estaria dando (ou manifestando) sua opinião (resposta ou
participação)’. Vejamos outros exemplos:

Deus é para nós, refúgio e fortaleza,


auxílio encontrado sem falta em tribulações. (Sl 46.1)

Mais vale a escolha dum bom nome do que as grandes riquezas;


e melhor é a estima do que a prata e o ouro. (Pv 22.1)

É a voz do meu amado! Eis que ele vem:


‘Saltando sobre os montes,
pulando sobre os outeiros.’ (Ct 2.8)

b) Paralelismo Sintético

Neste modelo de Paralelismo a segunda frase é escrita com o intuito de


explicar ou complementar a primeira frase. Veja o exemplo a seguir:

Melhor são dois do que um,


porque têm boa recompensa pelo seu trabalho (Ec 4.9)

Não negues o bem a quem de direito,


tendo na tua mão o poder de o fazer. (Pv 3.27)

Curiosamente, e talvez por isso a sua dificuldade em ser perscrutado em


nossa cultura, ainda pode haver uma junção entre o paralelismo sinonímico e o
Sintético. Por exemplo:

Se Jeová não edificar a casa,


em vão trabalham os que a edificam;
se Jeová não guardar a cidade,
em vão vigia o que a guarda. (Salmo 127.1)
7

Observe que tanto a primeira, quanto a segunda parte do versículo, passam


a mesma ideia: sem Deus não conseguimos nada, sendo claramente um
Paralelismo Sinonímico, isto é, ambas as declarações dizem a mesma coisa. No
entanto, concomitantemente, cada parte do poema sinonímico, é composto também
por duas partes, onde cada uma delas apresenta traços do Paralelismo Sintético.
Observe que a frase “em vão trabalham os que a edificam” é um complemento à
declaração inicial: “Se Jeová não edificar a casa”. Isto se repete na segunda parte
também. Ou seja, na realidade, o Salmos 127,1 pode ser simultaneamente,
denominado como Paralelismo Sinonímico e Paralelismo Sintético.

c) Paralelismo Antitético

A principal característica deste Paralelismo, é que a segunda sentença usa


palavras opostas à primeira, mas procurando passar a mesma ideia. Ou seja,
embora uma frase seja o contraste da outra, ao usar deste tipo de comparação
propõe-se um julgamento ou aclaramento da situação. Atente para o poema de
Provérbio 14.1:

A mulher sábia edifica a sua casa,


mas a insensata a derruba com as suas mãos.

Acredito que sua mensagem seja de fácil compreensão. Nela, o poeta usa
de sentenças antônimas: a mulher sábia e a mulher insensata; uma edifica sua casa,
a outra a derruba. Também há uma escala de valor entre as duas frases e pode
ocorrer certo julgamento de valor. Assim, ao juntarmos as duas partes, poderemos
extrair uma valiosa lição. Outras situações em que isto acontece:

O iníquo toma emprestado e não paga;


mas o justo se compadece e dá. (Sl 37.21)

Um filho sábio alegra a seu pai,


mas um filho insensato é a tristeza de sua mãe. (Pv 10.1)

As palavras que saem da boca do sábio são cheias de graça,


porém os lábios do tolo o destruirão. (Ec 10.12)
8

À semelhança da junção entre o paralelismo sintético com o sinonímico,


mencionada anteriormente, às vezes podemos encontrar um poema que misture a
ideia de sinônimos com a estrutura antitética.11 Por exemplo:

Uma geração vai-se, e outra geração vem,


‘E a Terra continua do mesmo jeito’12
Nasce o sol e põe-se o sol,
dirigindo-se arquejante para o lugar em que vai nascer.
O vento vai em direção do sul e volta para o norte;
volve-se, e revolve-se na sua carreira, e retoma os seus circuitos.
Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche;
ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr.
Todas as coisas estão cheias de cansaço;
ninguém o pode exprimir:
os olhos não se fartam de ver,
nem os ouvidos se enchem de ouvir.
O que tem sido, isto é o que há de ser;
E o que se tem feito, isto se tornará a fazer;
Nada há que seja novo debaixo do sol.
(Eclesiastes 1.4 a 7)

Como podemos observar, nele percebemos o paralelismo sinônimo em sua


ideia central: ‘as coisas vão se repetindo’. Mas também percebemos a presença do
paralelismo antitético nas ações contrárias de cada ‘agente’: o ir e vir das gerações,
o nascer e se por do sol, o ir para o sul e o ir para o norte do vento. E, não para por
aí. Pois, ainda podemos ver a estrutura sintética, onde o poeta, depois de usar
tantas figuras, ao final também declara “Nada há que seja novo debaixo do sol.

d) Paralelismo Climático

No Paralelismo Climático as sentenças vão sendo escritas de tal forma a


repetir algumas palavras da primeira, seguindo certa ascendência, rumo a um auge,
um clímax:

As correntes levantaram, ó Jeová,


as correntes levantaram a sua voz;
as correntes levantam o seu fragor.
Mais que as vozes de muitas águas,
mais que as vagas poderosas do mar,
Jeová é poderoso nas alturas.

11
Nossa intenção aqui, não é criar nada novo. Ainda que não tenhamos lido ninguém que faça esta junção. Só
pretendemos levantar a atenção para o fato de que em alguns momentos não é tão simples de se fazer as
devidas distinções. Não sabemos se era algo intencional do poeta e própria da poesia, ou, se à semelhança dos
dias de hoje, formalmente há regras para a poesia, mas vez por outra encontramos certos versos um pouco
destoante das normas poéticas pré-estabelecida. Mas, nem por isso, deixamos de chamar de poesia.
12
Infelizmente as versões bíblicas traduziram literalmente
9

(Salmo 93.3 e 4)

A expressão “as corrente levantaram” se repete três vezes, sendo que na


primeira frase não tem complemento. Na segunda já há um complemento: ‘a voz’. A
última repetição destaca ainda mais o levantar das correntes e conduz ao clímax
que está na sequência. Outros momentos em que podemos ver este paralelismo,
são:

Tributai a Jeová, filhos de Deus,


tributai a Jeová glória e força.
Tributai a Jeová a glória devida ao seu nome;
adorai a Jeová, vestidos de sagrados ornamentos. (Salmos 19,1s)

A voz de Jeová despede línguas de fogo.


A voz de Jeová faz tremer o deserto,
Jeová faz tremer o deserto de Cades. (Salmos 19,7s)

e) Paralelismo Analítico

Embora alguns autores não mencionem este tipo, há quem o descreva como
o poema a segunda sentença de um verso traz uma consequência relacionada à
primeira. Por exemplo:

Jeová é o meu pastor;


nada me faltará. (Salmos 23,1)

Neste caso a segunda frase não apenas completa ou explica a primeira, mas
é consequência direta. Neste belo salmo o poeta demonstra que ela não sentirá falta
de nada porque Deus é o seu pastor. O conceito que o salmo transmite é que a
consequência de ter Deus à frente de sua vida fará o fiel sentir-se completo. Outros
modelos deste paralelismo:

Quem comete adultério é falto de entendimento;


destrói-se a si mesmo quem assim procede. (Pv 6,32)

As moscas mortas fazem que o unguento do perfumista emita mau cheiro,


assim um pouco de estultícia pesa mais do que a sabedoria e a honra. (Ec 10,1)

f) Paralelismo Emblemático
Nesta estrutura, a primeira frase serve de emblema para a segunda, isto é, a
partir de uma metáfora bem conhecida e aceita, passa a descrever seu
ensinamento. Repare o que o sábio disse:

Quem guarda a sua boca e a sua língua


10

guarda das angústias a sua alma. (Pv 21,23)

O conceito de guardar a boca e a língua é plenamente compreendido pela


maioria das pessoas, por isso serve como um emblema. Então no Paralelismo
Emblemático o poeta inicia com uma metáfora afim de enfatizar o que virá na
sequência, neste caso, como se proteger das angústias. Outros exemplos:

Como joia de ouro na tromba dum porco,


assim é a mulher formosa que não tem discrição (Pv 11.22 )

Como o escravo que suspira pela sombra


e como o jornaleiro que espera pela sua paga,
assim se me fez passar meses de vaidade,
e noites trabalhosas me são apontadas.. (Jó 7.2 e 3)

Qual uma açucena entre espinhos,


Tal é a minha amada entre as mulheres. (Ct 2.2)

O Uso do Quiasmo

Embora há quem o defina como sendo um tipo de paralelismo, nós


preferimos classifica-lo separadamente. Seu nome é originado a partir da letra grega
Qui, que se assemelha com o nosso X, para designar uma estrutura na qual as
ideias ficam dispostas como que em espelho. Ou seja, primeiro se menciona uma
ideia A, depois uma ideia B, segue para uma ideia C, continua com uma ideia
parecida com a C, representada pelo C’, volta a trabalhar uma ideia parecida com a
B, aqui denominada B’ e finaliza com um pensamento paralelo com a ideia de A,
aqui denominado A’. ficando assim representado: A-B-C-C’-B’-A’. Vejamos um
exemplo:

A - Até que sejam desoladas as cidades


B - E fiquem sem habitadores
B’ – e as casas (fiquem) sem homens
A’ – e a terra seja de toda desolada (Is 6,9b)

A - Compadeça-se Deus de nós, e nos abençoe, e sobre nós faça resplandecer o seu rosto; (v.1)
B - para que seja, na terra, conhecido o seu caminho, entre todas as nações a sua salvação.
(v.2)
C - Deem-te graças, ó Deus, os povos; deem-te graças os povos todos. (v.3)
D- Alegrem-se e cantem de júbilo as nações, pois julgarás os povos com
equidade e governarás as nações sobre a terra. (v.4)
C’ - Deem-te graças, ó Deus, os povos; deem-te graças os povos todos. (v.5)
B’ - A terra tem produzido o seu fruto. Deus, o nosso Deus, nos abençoará,
A’ -Deus nos abençoará, e todos os confins da terra o temerão.
11

Às vezes, a parte central serve como um clímax, no qual a parte mais


importante estaria sendo exposta. Noutras, a mensagem está na assimilação da
poesia como um todo. Há também o que alguns costumam denominar Quiasmo não
espelhado, quando a sequência é diferente: A-B-C-A’-B’-C’. nós preferimos
denominar esta estrutura como Miasmo. Poque, basicamente, se o nome quiasmo
veio da ideia de se ter um espelho seria incoerente dizer que temos “um espelho não
espelhado”. Dois exemplos deste tipo são os Salmos 95 e 100. O Salmos 95 voltará
a ser mencionado na próxima Unidade, mas por enquanto, para exemplificar a
estrutura miástica, observe a disposição das ideias do Salmo:

A- Celebrai com júbilo, todas as terras. (v.1)


B- Servi a Jeová com alegria, entrai diante dele com cântico. (v.2)
C- Sabei que Jeová é Deus.
D - Foi ele quem nos fez, e dele somos; somos o seu povo e rebanho do seu
pasto. (v.3)
A - Entrai pelas suas portas com ação de graças (v.4a)
B - Nos seus átrios, (entrai) com hinos de louvor. Dai-lhe graças e bendizei o seu nome.
(v.4b)
C- Pois Jeová é bom; (v.5a)
D - a sua benignidade dura para sempre, e a sua fidelidade, de geração em
geração. (v.5b)

Resumindo:

Como síntese, a esta Unidade, permita-me dizer o seguinte: quanto mais


conhecermos as características da poesia hebraica, em especial sobre cada uma de
suas categorias e peculiaridades, mais profundidade teremos no entendimento do
texto sagrado. Mas, se tiver dificuldade em guardar tantos detalhes, pelo menos
lembre-se que a principal ferramenta da poesia hebraica é a comparação de
pensamentos ou ideias. O hebreu usa muitos sinônimos, para enfatizar determinada
mensagem. Assim, muito cuidado, antes de sair fatiando qualquer texto com o intuito
de estudar cada uma de suas palavras individualmente. Afinal, acima de tudo, aqui é
totalmente válida uma das premissas mais importantes para a Hermenêutica:
sempre devemos perguntar pelo significado da palavra, dentro de seu contexto.

Boa leitura e até nosso próximo encontro.

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