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Supremo Tribunal Federal

AÇÃO CAUTELAR 3.686 RONDÔNIA

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RÉU(É)(S) : DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO
MINERAL - DNPM
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL

DECISÃO

AÇÃO CAUTELAR. PROCESSUAL CIVIL.


SUSPENSÃO DE LIMINAR:
CONTRACAUTELA. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO PENDENTE DO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE: SÚMULAS
NS. 634 E 635 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. AÇÃO À QUAL SE NEGA
SEGUIMENTO.

Relatório

1. Ação cautelar, com requerimento de medida liminar, ajuizada pelo


Ministério Público Federal, em 1º.8.2014, contra o Departamento Nacional
de Produção Mineral – DNPM, com o objetivo de “suspender os efeitos da
decisão monocrática proferida pelo Desembargador Vice-Presidente do Tribunal
Regional Federal da Primeira Região nos autos da Medida Cautelar n. 0074564-
28.2013.4.01.0000, de forma a afastar o efeito suspensivo atribuído ao recurso
extraordinário interposto pelo DNPM” (fl. 1, doc. 1).

O caso

2. Em 4.7.2005, o Ministério Público Federal propôs ação civil pública


em defesa da Comunidade Cinta Larga contra o Departamento Nacional
de Produção Mineral – DNPM, para que esse órgão “abstenha-se de
sobrestar qualquer requerimento de pesquisa e lavra mineral incidente nas

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mesmas terras indígenas ou no seu entorno; devendo indeferi-los todos de plano;


sob o fundamento de não regulamentação do § 3º , do artigo 231 da Constituição
Federal e da ausência de competência constitucional daquele órgão para apreciar
tais postulações, constando do indeferimento, querendo, que ele se opera por
determinação judicial” (fl. 35, doc. 2).

Em 15.8.2008, o juízo da Segunda Vara Federal da Seção Judiciária de


Rondônia julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o
Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM:

“a) cancelar todas as autorizações de lavra ou de pesquisa


mineral no interior das áreas habitadas pelos Indígenas Cinta
Larga (Reserva Indígena Roosevelt, Aripuanã, Parque Aripuanã
e Serra Morena);
b) proferir decisão indeferindo todos os requerimentos de
lavra ou pesquisa na referida área indígena, atualmente
pendentes e nos futuros, até a regulamentação do § 3º do artigo
231 da Constituição da República; e
c) colher manifestação da FUNAI em todos os processos
objeto de um dos regimes de aproveitamento de substâncias
minerais em área de interferência no entorno ou zona de
amortecimento das terras indígenas do povo Cinta Larva
(Reserva Indígena Roosevelt, Aripuanã, Parque Aripuanã e
Serra Morena), num raio de extensão de 10 (dez) quilômetros,
independentemente da fase em que se encontrem.
d) informar à FUNAI quais as pessoas que detém
autorização/licença/alvará/etc concedida pelo DNPM para
explorar recursos minerais no entorno ou zona de
amortecimento das terras indígenas do povo cinta Larga
(Reserva Indígena Roosevelt, Aripuanã, Parque Aripuanã e
Serra Morena), num rio de extensão de 10 (dez) quilômetros, de
modo a proporcionar um efetivo controle do órgão indigenista
sobre as comunidades lá atuantes.
Fixo o prazo de 30 (trinta) dias para implementação das
providências ora determinadas, com comprovação nos autos, sob
pena de multa, no valor de R$ 5.000.00 (cinco mil reais), por dia

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de atraso” (fls. 60-61, doc. 2).

Contra essa decisão, o Ministério Público Federal e o Departamento


Nacional de Produção Mineral – DNPM interpuseram apelações. A
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região deu
provimento à apelação do Ministério Público e julgou prejudicada a do
Departamento:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
MINERAÇÃO EM TERRA INDÍGENA. REQUERIMENTO DE
PESQUISA E LAVRA NA ÁREA DA TRIBO CINTA LARGA E
SEU ENTORNO. INGRESSO NA LIDE DE COOPERATIVA DE
POVOS INDÍGENAS COMO TERCEIRA INTERESSADA
INDEFERIDO. AGRAVO RETIDO COM MESMO OBJETO DO
RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO. CONJUNTO
PROBATÓRIO DOS AUTOS DEMONSTRANDO QUE AS
PESQUISAS E LAVRAS NO INTERNO DA TI CINTA LARGA
TEM SERVIDO PARA INCREMENTO DA CRIMINALIDADE
NA ÁREA. 1. Não é facultado a terceiro ingressar na lide com
propósito de inovar a demanda com pedido não deduzido pelo autor na
petição inicial. 2. O agravo retido interposto contra a decisão que
indeferiu a antecipação da tutela na parte que excluiu o entorno da
terra indígena da proibição de concessão e cancelamento de títulos de
lavra e pesquisa mineraria é bis in idem ao objeto do recurso de
apelação, razão pela qual não se conhece o agravo. 3. As terras
indígenas constituem área de proteção ambiental e tem como
finalidade proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de
ocupação e assegurar o uso de recursos naturais (art. 15 da lei
9.985/2000). 4. O art. 42 do Código de Mineração dispõe que a
autorização de lavra será recusada se a lavra for considerada
prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a
utilidade da exploração industrial. 5. Examinando o conjunto
probatório dos autos a r. sentença reconheceu que ‘as supostas
pesquisas e lavras incidentes nas áreas próximas das terras indígenas
extraídos da reserva, incrementando a criminalidade na região’. 6. A
solução de apenas determinar a intervenção da FUNAI nos

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requerimentos de lavra e pesquisa mineral sobre o entorno de terras


indígenas não garante à comunidade Cinta Larga a proteção para
afastar a criminalidade que a cerca. 7. Segundo apuração da Polícia
Federal em Rondônia, relatado em parecer da douta PRR ‘a vida dos
contrabandistas tem sido facilitada ainda pela concessão de licenças de
pesquisas minerais próximas às áreas indígenas pelo Departamento
Nacional de Produção Mineral, órgão do Ministério das Minas e
Energia’ e que ‘a presença de mineradoras nas áreas circunvizinhas às
terras indígenas fomenta o contrabando e o crime organizado que atua
contrariamente aos interesses indígenas. 8. A r. sentença recorrida na
apuração de acervo probatório reportou-se ao relatório da Polícia
Federal na chamada Operação Roosevelt, em 21.05.2005, que assinala
os conflitos gerados no entorno da TI Cinta Larga entre garimpeiros,
minerados e indígenas: Na mesma esteira, à fl. 152, consta Relatório
da Operação Roosevelt, produzido pelo Delegado Mauro Sposito, em
11.05.2005, onde destaca a atuação das multinacionais na região,
abastecida em grande parte pela concretização da ‘expectativa’ gerada
pela dúbia posição do DNPM: em Rondônia que se fazem presentes as
empresas multinacionais que dominam o mercado mundial de
diamantes, as quais, aproveitando-se de lacunas legais, agem por
intermédio de empresas brasileiras que abrigam em seus respectivos
contratos sociais a real identidade de seus proprietários. Diante da
perspectiva de liberação da área para a lavra de diamantes, as
empresas mineradoras multinacionais promovem ações para
demonstrar que a exploração por parte de garimpeiros e suas
cooperativas é predatória e ineficaz, utilizando para tanto ações de
desinformação por meio da imprensa, bem como fomentando conflitos,
no interesse de manterem a situação sob domínio e com isto regular o
preço do diamante a nível mundial (...) a potencialidade criminal da
situação expressa pode ser avaliada por estudos realizados pelas
próprias empresas multinacionais, que afirmam ser a produção do
Garimpo Roosevelt em torno de US$20.000.000,00 (vinte milhões de
dólares) mensais, sendo que deste montante, nos últimos quatro anos,
não há registro de comercialização lícita dos diamantes extraídos nas
terras ocupadas pelos silvícolas Cinta Larga’. Assim, uma maior
proteção do entorno das terras indígenas, com imposição de firmes

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restrições e fiscalizações, tendem a minimizar os focos de tensão na


região do Povo Cinta Larga, reduzindo a criminalidade e os conflitos
entre mineradores, garimpeiros e indígenas, eis que, além de se
extinguir a expectativa das mineradoras em legalizar o extrativismo
mineral nessas áreas, os grandes explorados passariam a ter
dificuldades em simular pesquisa e lavra nas proximidades para
‘lavar’ diamante extraído do interior da unidade de conservação. 9.
Inexistem direitos absolutos no ordenamento jurídico brasileiro.
Constatada a incompatibilidade da atividade mineraria e a ordem
pública no entorno da TI Cinta Larga, resta superada a utilidade do
aproveitamento mineral na área sub judice. 10. O interesse na
proteção do meio ambiente, as condições de vida da população
indígena local e a neutralização da criminalidade faz emergir os
motivos para a revogação da lavra. 11. Apelação do Ministério Público
Federal provida. 12. Recurso de apelação do DNPM prejudicado” (fls.
77-78, doc. 2).

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fl. 88, doc. 2).

Contra essa decisão, o Departamento Nacional de Produção Mineral


– DNPM interpôs recurso extraordinário, com base no art. 102, inc. III, al.
a, da Constituição da República, alegando que o Tribunal de origem teria
contrariado os arts. 2º, 176, § 1º, e 231, §§ 3º e 6º, da Constituição.

O exame de admissibilidade do recurso extraordinário ainda não foi


exercido pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região.

Em 5.12.2013, o Departamento Nacional de Produção Mineral –


DNPM ajuizou no Tribunal Regional Federal da Primeira Região “ação
cautelar destinada à atribuição de efeito suspensivo a recurso extraordinário (com
pedido de liminar)” (fl. 99, doc. 2).

Em 12.12.2013, o Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da


Primeira Região deferiu o requerimento de atribuição de efeito
suspensivo ao recurso extraordinário:

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“D E C I S Ã O
O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)
requer medida cautelar, com pedido de liminar, contra o Ministério
Público Federal (MPF), a fim de atribuir efeito suspensivo ao recurso
extraordinário interposto nos autos da Apelação Cível n.
2005.41.00.003417-2/RO.
Relata, em síntese, que, ajuizada ação civil pública na qual o
MPF requereu diversas providências em relação aos requerimentos de
títulos minerários relacionados ao território ocupado pelos índios
Cinta Larga, a sentença julgou parcialmente procedente o pedido para
determinar ao órgão requerido: a) cancelar todas as autorizações de
lavra ou de pesquisa mineral no interior das áreas habitadas pelos
indígenas Cinta Larga (Reserva Indígena Roosevelt, Aripuanã,
Parque Aripuanã e Serra Morena); b) proferir decisão indeferindo
todos os requerimentos de lavra ou pesquisa na referida área indígena,
atualmente pendentes e nos futuros, até a regulamentação do § 3º do
artigo 231 da Constituição da República; c) colher manifestação da
FUNAI em todos os processos objeto de um dos regimes de
aproveitamento de substâncias minerais em área de interferência no
entorno ou zona de amortecimento das terras indígenas do povo Cinta
Larga (Reserva Indígena Roosevelt, Aripuanã, Parque Aripuanã e
Serra Morena), num raio de extensão de 10 (dez) quilômetros,
independentemente da fase em que se encontrem; d) informar à
FUNAI quais as pessoas que detêm autorização/licença/alvará/etc
concedida pelo DNPM para explorar recursos minerais no entorno ou
zona de amortecimento das terras indígenas do povo Cinta Larga
(Reserva Indígena Roosevelt, Aripuanã, Parque Aripuanã e Serra
Morena), num raio de extensão de 10 (dez) quilômetros, de modo a
proporcionar um efetivo controle do órgão indigenista sobre as
comunidades lá atuantes.
Aduz que ‘não houve o deferimento do pedido referente à
anulação dos títulos expedidos no entorno da Terra Indígena’ (fl. 05),
o que foi postulado no recurso de apelação interposto pelo MPF, e
acatado pelo acórdão proferido nos autos referidos, o qual determinou
o cancelamento de todos os requerimentos de pesquisa e lavra mineral
no entorno do Território Indígena da etnia Cinta Larga.

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Acrescenta que a decisão colegiada aplicou, por analogia, o


conceito de zona de amortecimento para proibir atividades minerárias
num raio de dez quilômetros da terra indígena, argumentando que,
ainda que se possa valer de integração analógica, para utilizar
conceitos de direito ambiental, não se mostra razoável proibir, por
completo, a exploração mineral, já que a norma da qual se extraiu o
conceito não proíbe, de todo, a exploração das unidades de
conservação.
Assevera que a exploração mineral da área em comento atende
ao interesse público, pois, segundo afirma, é dever da União assegurar
a máxima utilização dos recursos minerais.
De outro turno, para caracterizar o periculum in mora, alega
que a Turma julgadora proibiu o deferimento de novas outorgas e
determinou o cancelamento de inúmeros outros títulos já existentes, o
que afetará os investimentos já realizados, com prejuízos para a
União, os empreendedores e os trabalhadores, além de abalar a
segurança jurídica das relações decorrentes da atividade de mineração.
Quanto ao fumus boni iuris, afirma que, no recurso
extraordinário, procurou demonstrar a ocorrência de violação aos arts.
176, § 1º, e 231, §§ 3º e 6º, da Constituição Federal, que tratam da
exploração minerária em terras indígenas, além do art. 2º, concernente
à separação de poderes.
Decido.
Esta medida cautelar incidental objetiva atribuir efeito
suspensivo a recurso pendente de apreciação do juízo de
admissibilidade, sendo de competência do Tribunal, consoante a
Súmula 635 do STF: ‘Cabe ao presidente do Tribunal de origem
decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda
pendente do seu juízo de admissibilidade’.
Para o deferimento de medida liminar a fim de atribuir efeito
suspensivo ao recurso especial ou ao recurso extraordinário, é
necessária a verificação da presença concomitante de seus requisitos
autorizadores, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in
mora, pressupostos processuais do exercício do poder geral de cautela,
que devem estar conectados à possibilidade de êxito do recurso, uma
vez que a atribuição de efeito suspensivo aos aludidos recursos

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constitui medida excepcional, porquanto, em regra, são recebidos


apenas no efeito devolutivo (CPC, art. 542, § 2º).
Nesse contexto, cabe destacar que a configuração do fumus
boni juris depende da probabilidade do acolhimento do recurso no
Tribunal Superior, ou seja, plausibilidade da pretensão deduzida. A
seu turno, o periculum in mora está relacionado à irreversibilidade
ou difícil reparação do dano decorrente do decisum hostilizado, caso
se tenha de aguardar o trâmite normal do processo.
Na hipótese, para justificar o cabimento do recurso
extraordinário interposto, o ora requerente aponta violação aos arts.
176, § 1º, e 231, §§ 3º e 6º, da Constituição Federal, argumentando
que tais dispositivos demonstram a intenção do legislador
constituinte, quanto à ‘possibilidade de exploração de recursos
minerais em terras indígenas, desde que haja lei específica acerca do
tema, que haja autorização do Congresso Nacional, oitiva das
comunidades afetadas e que o interesse público esteja justificado’ (fl.
158).
Acrescenta o requerente, nas razões recursais, que o acórdão
recorrido, ‘ao impedir a exploração de minérios na área de entorno do
território habitado pelos índios Cinta Larga foi muito além do texto
constitucional, visto que a Constituição só menciona a área da terra
indígena e ainda prevê a possibilidade de exploração naquele território,
mediante algumas restrições’.
Do exame do acórdão recorrido, verifica-se que foi feita aplicação
analógica da legislação ambiental ao caso sob exame, como se
depreende do seguinte excerto do voto condutor (fl. 118):
‘A r. sentença apelada também reconheceu que nos termos
da Lei 9.985/2000 as terras indígenas são áreas de proteção
ambiental (artigo 15) e que a Lei do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza define zona de
amortecimento nas quais pode fazer limitações administrativas
ou impedimento de atividade que ofereçam ameaça aos recursos
naturais dos ecossistemas protegidos.’
Em seguida, transcreve trecho da sentença, do seguinte teor:
‘É de se observar que as terras indígenas estão sobrepostas
a unidades de conservação. Unidade de Conservação é um

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conceito integrante do Direito Ambiental e designa um espaço


territorial que tem especial proteção de lei como garantia da
biodiversidade, vedada a sua alteração e supressão ou utilização
que comprometa a integridade dos atributos que justificaram a
sua criação. Dependendo da razão da criação, as unidades de
conservação adquirem formas diversas: parques, estações, áreas
de proteção ou outras previstas ou criadas por lei.
As terras indígenas são espécies de unidade de
conservação, com características especialíssimas, eis que se visa
a preservar, nos dizeres de CARLOS FREDERICO MARÉS
DE SOUZA FILHO, ‘um tipo de uso culturalmente
estabelecido, referente ao povo que a habita’.
As Unidades de Conservação integram o SNUC (Sistema
Nacional de Conservação), criado em 2.000, pela Lei n. 9.985.
São entendidas como sendo o espaço territorial e seus recursos
ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com
características naturais de importância ecológica ou ambiental,
legalmente instituídas pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de
proteção. (...)’
A Lei n. 9.985/2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I,
II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências,
define unidade de conservação como: ‘espaço territorial e seus recursos
ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características
relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de administração,
ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção’ (art. 2º, inciso I).
Não se vislumbra, nesse conceito, sua aplicação às reservas
indígenas, as quais, embora também mereçam a proteção do Poder
Público, têm por objetivo assegurar aos índios ‘sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos sobre as terras que
tradicionalmente ocupam’, consoante disposto no art. 231, caput, da
Constituição Federal.
Desse modo, parece assistir razão ao requerente, quando, nas

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razões do recurso especial, aponta violação aos dispositivos


constitucionais que tratam da exploração de recursos minerais em
terras indígenas, o que caracteriza o fumus boni iuris, consistente na
plausibilidade de êxito do recurso.
Quanto ao periculum in mora, o requerente afirma que há um
dano potencial, decorrente da vedação de novas pesquisas ou
exploração, e, em relação aos atuais detentores de autorizações,
permissões ou concessões, argumenta que a mineração é atividade
econômica de longo prazo, e que, por isso, demanda segurança
jurídica, destacando a existência, na área de entorno da Terra Indígena
Cinta Larga, de: 71 Autorizações de Pesquisa; 01 Concessão de Lavra;
04 Permissões de Lavra Garimpeira; 61 Requerimentos de Pesquisa;
01 Licenciamento; 02 Requerimentos de Lavra; 12 Requerimentos de
Pesquisa de Lavra Garimpeira e 18 áreas colocadas em
disponibilidade.
Tenho por demonstrados, assim, os requisitos cautelares
específicos, razão por que defiro a medida liminar, a fim de atribuir
efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto” (fls. 113-117,
doc. 2, grifos nossos).

É contra essa decisão que se ajuíza a presente ação cautelar.

3. O Ministério Público Federal informa que, contra o acórdão


proferido pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira
Região, “o DNPM interpôs recursos especial e extraordinário, ambos ainda em
processamento e sem juízo de admissibilidade, mas com efeitos suspensivos
deferidos para ambos os apelos no bojo da medida cautelar
007456428.2013.4.01.0000 pelo Desembargador Federal Vice-Presidente do TRF
da 1ª Região” (fl. 6, doc. 1).

Sustenta que, “em regra, a jurisdição cautelar do Supremo Tribunal


Federal se inicia somente com a admissão, pelo juízo a quo, do recurso
extraordinário, ou com o provimento do agravo de instrumento manejado contra
o juízo negativo de admissibilidade. No entanto, em situações excepcionais, para
evitar dano de difícil ou impossível reparação, a jurisprudência do Supremo

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Tribunal Federal admite que a Corte aprecie o tema da concessão de efeito


suspensivo a recurso extraordinário pendente de admissibilidade, como é o caso
aqui trazido a análise” (fl. 6, doc. 1).

Conforme salienta, “esse entendimento em tudo se aplica à hipótese dos


autos, para cassar a liminar concedida na ação cautelar subjacente (processo n.
007456428.2013.4.01.0000), que atribuiu efeito suspensivo ao recurso
extraordinário interposto pela Autarquia, ainda pendente de juízo de
admissibilidade pela Corte Regional, sob pena de danos irreversíveis à própria
subsistência da TI Cinta Larga” (fl. 7, doc. 1).

Ressalta que, “ao suspender o acórdão regional, a cautelar subjacente nada


mais fez do que permitir a perpetuação dos conflitos existentes no entorno dos
territórios indígenas Cinta Larga, privilegiando a atividade econômica privada
em detrimento do relevante e fundamental interesse público que reveste a
sobrevivência da comunidade indígena em questão. Neste contexto, forçoso
reconhecer a ausência de periculum in mora na decisão objurgada. Na verdade,
a manutenção dos focos de tensão na área objeto de litígio enseja um periculum
in mora inverso, na medida em que expõe a risco de perecimento os interesses
que a decisão suspensa buscava proteger, pois os documentos dos autos,
destacados pela sentença e pelo posterior acórdão, indicam que as pesquisas e
lavras autorizadas nas áreas próximas dos índios incrementam a criminalidade
na região, principalmente pela lavagem de diamantes extraídos ilegalmente da
reserva indígena” (fl. 9, doc. 1).

Pontuou que “um levantamento realizado pelo Núcleo de Estatística da


Procuradoria Regional da República da 1ª Região, com recursos interpostos entre
2007 e 2013, estimou que o tempo médio do juízo de admissibilidade dos recursos
especiais e extraordinários interpostos pelo MPF no TRF da 1ª Região é de 202
dias para os criminais e 279 dias para os cíveis. Desses, cerca de 59 processos
criminais e 217 cíveis demoraram mais de 1 (um) ano para serem admitidos ou
inadmitidos” (fl. 13, doc. 1).

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Assevera serem “essas informações trazidas aos autos para, acrescendo


aos argumentos acima expostos, que indicam a excepcionalidade da hipótese dos
autos, justificar a urgência no pleito deste órgão ministerial em relação à
concessão de provimento liminar, de forma a suspender a decisão monocrática do
Desembargador Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que
atribuiu efeito suspensivo ao recurso extraordinário subjacente (medida cautelar
0074564-28.2013.4.01.0000)” (fl. 14, doc. 1).

Requer “liminar inaudita altera parte, no sentido de suspender os efeitos


da decisão monocrática proferida pelo Desembargador Vice-Presidente do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região nos autos da medida cautelar 0074564-
28.2013.4.01.0000, de forma a afastar o efeito suspensivo atribuído ao recurso
extraordinário interposto pelo DNPM” (fl. 14, doc. 1).

No mérito, pede “a procedência do pedido, com a confirmação dos efeitos


da liminar concedida, até o julgamento final do recurso extraordinário interposto
pela autarquia contra o acórdão proferido nos autos do processo
2005.41.00.003417-2” (fl. 14, doc. 1).

4. Em 1º.8.2014, encaminhei esta ação cautelar ao Presidente do


Supremo Tribunal (doc. 4).

Em 7 de agosto de 2014, esta ação cautelar retornou ao meu gabinete,


ao fundamento de que:

“Com efeito, esta ação cautelar visa à reforma da decisão que


conferiu efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto
Departamento Nacional de Produção Mineral – DNMP nos autos da
Ação Civil Pública 2005.41.00.003417-2.
Dessa forma, observo que, embora o objeto desta cautelar seja a
suspensão da liminar proferida pelo Desembargador Vice-Presidente
do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o que se busca, ao final, é o
afastamento do efeito suspensivo conferido ao recurso extraordinário
interposto pela Autarquia.

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Nesse sentido, destaco que no julgamento da AC 1.775-QO/PE,


Rel. Min. Gilmar Mendes, foi ratificado o pleno cabimento do pedido
originário de medida cautelar que tenha como objeto, no lugar do
pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário
interposto, o pleito de revogação do efeito suspensivo já concedido na
origem. O referido julgado está assim ementado:
‘Ação cautelar. Questão de Ordem. Pedido de
contracautela para revogar o efeito suspensivo concedido pelo
Tribunal de origem a recurso extraordinário. 2. Instaurada a
jurisdição cautelar deste Supremo Tribunal Federal, após a
decisão do Tribunal de origem que admite o processamento do
recurso extraordinário, cabe a esta Corte reexaminar os
pressupostos para a concessão de medidas acautelatórias que
visem a assegurar a eficácia de sua decisão final. O Supremo
Tribunal Federal não fica vinculado à apreciação do fumus boni
iuris e do periculum in mora realizada pelo Tribunal a quo. 3.
Ação cautelar deferida, para revogar o efeito suspensivo
concedido pelo Tribunal de origem ao recurso extraordinário,
mantendo-se apenas o efeito devolutivo que lhe é próprio’ .
Isso posto, não se tratando propriamente de pedido de suspensão
de liminar, de competência da Presidência, determino o retorno dos
autos ao gabinete da ministra Cármen Lúcia” (doc. 5, grifos nossos).

Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO.

5. Dos documentos juntados à ação cautelar e pela inicial assinada


pelo Procurador-Geral da República, não foi instaurada a jurisdição
cautelar deste Supremo Tribunal Federal, pois o Tribunal de origem não
exerceu o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário.

6. Este Supremo Tribunal assentou não ser competente para atribuir


efeito suspensivo a recurso extraordinário pendente de juízo de
admissibilidade. Esse entendimento foi consolidado com a edição da
Súmula n. 634, a qual dispõe: “não compete ao Supremo Tribunal Federal
conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que

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ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem”.

Este Supremo Tribunal decidiu também “cabe[r] ao Presidente do


Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário
ainda pendente do seu juízo de admissibilidade” (Súmula n. 635 do Supremo
Tribunal Federal).

Confira-se excerto do voto do Ministro Gilmar Mendes na Questão


de Ordem na Ação Cautelar n. 1.775:

“A presente ação cautelar contém pedido deveras peculiar, no


sentido de que seja retirado o efeito suspensivo concedido a recurso
extraordinário pelo Tribunal de origem, mantendo-se apenas o efeito
devolutivo próprio desse tipo de recurso.
Tem-se neste caso, como se pode constatar, um típico pedido de
contracautela em face da decisão proferida pela instância a qua.
Desconheço caso como este em que Tribunal tenha deferido o
pedido de contracautela. Mas a hipótese não é estranha à Corte, que
aventou essa possibilidade no julgamento da RCL n. 1.509/PR, Rel.
Min. Octavio Gallotti, na qual se decidiu que o Presidente do Tribunal
a quo não pode, após o despacho de admissibilidade do recurso
extraordinário, reconsiderar decisão que confere efeito suspensivo ao
recurso, pois assim estaria usurpando a competência do STF para
exercer sua jurisdição cautelar quanto às medidas necessárias para
assegurar o resultado prático do recurso extraordinário. Assim sendo,
assentou o Tribunal o entendimento de que, após admitido o recurso
pela instância a qua, cabe à parte recorrida, na hipótese de não se
conformar com a concessão do efeito suspensivo, requerer ao próprio
STF a concessão da contraautela. Esse é o entendimento que se pode
retirar de trechos de alguns votos proferidos na ocasião:
Ministro Sepúlveda Pertence: ‘Certamente na Turma, ao
acompanhar o Ministro Moreira Alves na Petição 1.872, em 07
de dezembro de 1999 – não sei se o repeti, ao votar no Pleno, na
Petição 1.903, da lavra do Ministro Néri da Silveira – lembrava
eu que estávamos numa virada jurisprudencial contra o
precedente do Ministro Celso de Mello, na Reclamação 416,

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adotada ao tempo em que a nossa jurisprudência era


intransigente: só admitia a cautelar dada pelo Supremo Tribunal
Federal e após admitido o RE. Observei, na Turma, quando do
julgamento do Agravo Regimental em Petição 535, Relator o Sr.
Ministro Moreira Alves, que se criava um ‘buraco negro’. E, aí,
aventei, pela primeira vez, que a única solução possível de
conciliar a intransigente posição do Tribunal, de não admitir a
cautelar antes da admissão do RE, com a necessidade, às vezes,
de uma medida cautelar, urgente, era confiar ao Presidente do
Tribunal a quo decidir a respeito, até a admissão ou não do
recurso.
Uma vez admitida essa fórmula – contra a orientação da
Reclamação, de que foi Relator o Ministro Celso de Mello – creio
que não há como impedir que o Presidente o faça, no mesmo ato,
ao admitir o RE. Seria até paradoxal que, podendo fazê-lo antes,
ele não o possa fazer exatamente naquele momento em que
afirma a plausibilidade do recurso extraordinário.
Pergunto-me, porém: depois desse momento, o recurso
admitido, já não está, senão fisicamente, entregue à jurisdição do
Supremo Tribunal Federal? A meu ver, sim. Então, só por um
instrumento à parte, enquanto ainda não hajam subido os autos
– sobretudo se o recurso especial é admitido ou tem sua
admissão pendente de agravo, por exemplo -, é que se pode pedir
ao Supremo Tribunal Federal que revogue o efeito suspensivo
conferido na instância a qua.
(...)
Acho que é uma medida de contracautela, contra a medida
cautelar deferida ao RE corrente, a ser suscitada pela parte
contrária.’
Ministro Marco Aurélio: ‘Senhor Presidente, estabeleço
uma distinção considerada a atividade a ser desenvolvida pelo
juízo primeiro de admissibilidade, levando em conta os recursos
de apelação e extraordinário.
No tocante à apelação, não há a menor dúvida, o Código de
Processo Civil permite a retratação. Depois de admitido o
recurso e declarados os efeitos em que aceito, já tendo havido,

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portanto, o juízo primeiro de admissibilidade, diante do


pronunciamento do recorrido, é possível, porquanto prevista
expressamente no Código de Processo Civil, a retratação,
substituindo-se a decisão interlocutória de trânsito do recurso
por uma decisão - também interlocutória, já que não definitiva,
não alusiva ao mérito - de negativa desse mesmo trânsito.
A regra é precisa e específica, estando limitada ao recurso
de apelação que é o recurso por excelência, porque de índole
ordinária. 0 que temos, Senhor Presidente, quanto ao recurso
extraordinário? O juízo primeiro de admissibilidade, se positivo,
é irrecorrível, e, aí, até mesmo um eventual equívoco na atuação,
no âmbito desse juízo, não é passível de impugnação sequer
mediante agravo regimental para o Colegiado a que ele esteja
integrado.
Entendo, Senhor Presidente, que ainda na Corte de origem
pode-se imprimir ao recurso extraordinário a eficácia
suspensiva. Todavia, somente reconheço, como instrumental
adequado a provocar-se essa atuação, a demanda cautelar.
Assento esta premissa pois, enquanto em relação à apelação o
preceito que disciplina a atividade do juízo de admissibilidade
refere-se à definição dos efeitos por esse mesmo juízo, de vez que
a apelação geralmente tem o efeito suspensivo, no que concerne
ao recurso extraordinário, o Código de Processo Civil é
categórico. O § 2º do artigo 542 revela que os recursos
extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.
Baliza, destarte, a atuação do juízo primeiro de admissibilidade
no ato a ser praticado de recebimento, ou não, do recurso.
Repito: os recursos extraordinário e especial serão recebidos no
efeito devolutivo. Essa é a norma de regência. Agora, contamos,
e o sabemos, com o poder geral de cautela, que pode ser acionado,
desde que o interessado se utilize da demanda própria, que é a
demanda cautelar. Pois bem, de forma, sob a minha óptica,
equivocada, ao admitir o extraordinário, o Presidente ou o vice-
Presidente da corte de origem conferiu a esse extraordinário,
contrariando, assim, o texto do 2º do artigo 542, a eficácia
suspensiva. Esse ato não poderia ser atacado nem mesmo

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perante o Colegiado, o que se dirá ser alvo de um pedido de


reconsideração - penso que foi apenas um pedido de
reconsideração -, uma petição encaminhada pela parte contrária
da ação penal, isto é, o Ministério Público. Ao fazê-lo, quando já
devolvido o conhecimento da matéria impugnada, via o recurso
extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal, o juízo usurpou,
com a devida vênia do nobre Relator, a competência da Corte.
Dir-se-á: mas pende um agravo para a subida do recurso
especial, tendo em vista o extraordinário admitido, e há menção
a esse agravo quanto ao crivo a ser exercido pelo Superior
Tribunal de Justiça. Nada impede, entretanto, que, nesse meio-
tempo, ajuíze-se, no Supremo Tribunal Federal, medida cautelar
que vise a verdadeira contracautela, ou seja, o afastamento
daquele efeito suspensivo deferido, equivocadamente, pelo
Presidente ou Vice-Presidente da Corte de origem.’
Ministro Néri da Silveira: ‘Sr. Presidente. Permito-me
apenas esclarecer um aspecto do voto do eminente Ministro-
Relator, em que S.Exa. se referiu à passagem de voto que proferi,
em julgado anterior, a respeito dessa matéria. De fato, quando
afirmei que seria possível ao Presidente do Tribunal dispor sobre
efeito suspensivo do recurso extraordinário, acentuei que esta
via se tornava admitida, exclusivamente, até que passasse o
recurso à alçada do Supremo Tribunal Federal. O que pretendi,
realmente, com essa expressão ‘passar à alçada do Supremo
Tribunal Federal’ foi dizer que, enquanto este Tribunal não for
juiz daquele apelo extremo, ele também não pode conceder
nenhuma cautelar a respeito da matéria; ele só se torna juiz da
irresignação da parte no momento em que esse recurso é
admitido, determina-se o seu processamento, ou porque, em
despacho do Presidente do Tribunal, é admitido o apelo extremo,
ou porque o relator, no Supremo Tribunal Federal, de agravo de
instrumento contra despacho de inadmíssão de recurso
extraordinário, provê esse agravo, determinando, por igual, o
processamento do recurso extraordinário. A partir de qualquer
dessas hipóteses, o recurso passa à alçada do Supremo Tribunal
Federal. Passar à alçada do Supremo Tribunal Federal não

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significa, a meu ver, que os autos já se encontrem na Corte, mas


que haja admissão do recurso ou determinação de processamento
do recurso. É possível, sempre, numa medida cautelar,-e esses
processos de pleito de efeito suspensivo acontecem nos autos de
uma cautelar, de um processo, portanto, acessório, que aqui
normalmente se protocoliza como ‘petição’,- depois de admitido,
que se instrua essa petição ou para pedir a revogação do efeito
suspensivo, que tenha sido concedido antes da admissão ou
mesmo na petição de admissão, ou então, se negado pelo
Presidente do Tribunal, imediatamente após a admissão do
recurso extraordinário, possa a parte vir a esta Corte alegando
que o recurso já está admitido, encontra-se em fase de
processamento, e pede, desde logo, pela natureza da matéria, a
eficácia suspensiva a esse apelo.
Penso que, realmente, depois de admitido o recurso
extraordinário e concedido o efeito suspensivo, não cabe mais ao
Presidente do Tribunal de origem reconsiderar essa decisão.
Exaure-se, com a decisão de admissão do recurso extraordinário,
a competência do Presidente do Tribunal, tal como sucede
quando ele inadmite o recurso extraordinário; também não pode
mais reconsiderar para admitir o apelo extremo; dependerá, no
caso, nessa segunda hipótese, de o Relator do agravo de
instrumento, no Supremo Tribunal Federal, determinar o
processamento do recurso. Tanto numa hipótese como na outra,
a consequência é o recurso ser encaminhado ao Supremo
Tribunal Federal. Portanto, se a consequência é essa, poderá a
parte pedir a revogação ou a concessão de um efeito suspensivo
concedido ou negado pelo Presidente do Tribunal.
No caso concreto, peço vênia ao Sr. Ministro-Relator para
acompanhar o voto do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence no
sentido de julgar procedente a reclamação, ressalvada a parte
contrária pedir imediatamente ao Supremo Tribunal Federal a
revogação do efeito suspensivo concedido pelo Presidente do
Tribunal.
Parece-me que, com a decisão de hoje, restaura-se a eficácia
suspensiva, porque ela tem a consequência de cassar a decisão de

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reconsideração do Presidente.’
Assim, não vejo qualquer óbice ao conhecimento do pedido,
tendo em vista que, instaurada a jurisdição cautelar deste Supremo
Tribunal Federal, após a decisão do Tribunal de origem que admite o
processamento do recurso extraordinário, cabe a esta Corte reexaminar
os pressupostos para a concessão de medidas acautelatórias que visem
a assegurar a eficácia de sua decisão final” (AC 1.775-QO, Relator o
Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, Dje 23.11.2007, grifos
nossos).

No mesmo sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR.


PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE QUE SEJA
CONCEDIDO EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO
EXTRAORDINÁRIO PENDENTE DE JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE. JURISDIÇÃO CAUTELAR DO SUPREMO
TRIBUNAL NÃO INSTAURADA. INCIDÊNCIA DAS
SÚMULAS 634 E 635 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO” (AC 2.453-AgR, de minha relatoria, Plenário,
DJe 20.8.2010).

“RECURSO. Extraordinário. Efeito suspensivo. Medida


cautelar ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal. Competência
não instaurada. Recurso ainda pendente de juízo de admissibilidade
no tribunal de origem. Pedido não conhecido. Agravo regimental
improvido. Aplicação das súmulas 634 e 635. Enquanto não admitido
o recurso extraordinário, ou provido agravo contra decisão que o não
admite, não se instaura a competência do Supremo Tribunal Federal
para apreciar pedido de tutela cautelar tendente a atribuir efeito
suspensivo ao extraordinário” (AC 491-AgR, Relator o Ministro
Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ 17.12.2004).

“AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CAUTELAR.


CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO

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EXTRAORDINÁRIO PENDENTE DE JUÍZO DE


ADMISSIBILIDADE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 634 E 635. AGRAVO
IMPROVIDO. 1. A competência do Supremo para análise de ação
cautelar que pretende conferir efeito suspensivo a recurso
extraordinário instaura-se após o juízo de admissibilidade do recurso
pelo tribunal a quo (Súmula 634). 2. Anteriormente a esse
pronunciamento cabe ao presidente do tribunal local a apreciação de
qualquer medida cautelar no recurso extraordinário [Súmula 635]. 3.
Agravo regimental a que se nega provimento” (AC 1.137-AgR/MG,
Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJ 23.6.2006).

Portanto, a competência deste Supremo Tribunal para análise de


ação cautelar cujo objeto seja a atribuição de efeito suspensivo a
extraordinário instaura-se após o juízo de admissibilidade do recurso
pelo Tribunal a quo, o que não ocorreu na espécie.

7. Pelo exposto, nego seguimento a esta ação cautelar, prejudicada a


medida liminar pleiteada (art. 21, § 1º, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Brasília, 12 de agosto de 2014.

Ministra CÁRMEN LÚCIA


Relatora

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