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filmes falados

Filmes Falados é um espaço de diálogo sobre temas da actualidade.


A Associação AO NORTE seleccionou cinco filmes que serão o ponto de partida para
uma reflexão sobre problemas da sociedade actual.
Os estudantes do ensino secundário e superior são o público-alvo.
Depois da projecção dos filmes, os debates, moderados por Fabrice Schurmans,
contam com a presença de especialistas sobre os temas abordados. Os espectadores
poderão levantar questões e manifestar a sua opinião sobre os filmes e os temas
tratados.

calendarização:
DIA 04 MAIO - A TURMA | página 3
DESTINATÁRIOS: Alunos dos cursos de formação de professores.

DIA 05 MAIO – GOMORRA | página 9


DESTINATÁRIOS: Alunos do Ensino Secundário.

DIA 06 MAIO - TROPA DE ELITE | página 14


DESTINATÁRIOS: Alunos do Ensino Secundário.

DIA 07 MAIO - A NUVEM | página 19


DESTINATÁRIOS: Alunos do Ensino Secundário.

DIA 08 MAIO - AOS DOZE E TANTOS | página 24


DESTINATÁRIOS: Alunos do Ensino Secundário.

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IX ENCONTROS DE VIANA – CINEMA E VÍDEO

www.ao-norte.com
AO NORTE – ASSOCIAÇÃO DE PRODUÇÃO E ANIMAÇÃO AUDIOVISUAL
Praça D. Maria II, 113 R/C | 4900-489 Viana do Castelo | PORTUGAL

tel/fax: 258 821 619 | ao-norte@nortenet.pt | www.ao-norte.com

OBSERVAÇÕES:

Local e horário das exibições: Cinema Verde Viana, às 14h00.

A participação está sujeita a inscrição prévia, através de:


- e-mail: ao-norte@nortenet.pt
- telemóvel: 962 834 852 (Rui Ramos) 919 129 193 (Maria José Guerreiro).
Os bilhetes devem ser levantados pelo professor responsável na bilheteira do
Cinema.
Preço: 1€ por aluno – gratuitos para os professores acompanhantes.
Recomenda-se que, antes da projecção, os professores informem os alunos
do tema do filme, preparando-os para o visionamento e para o posterior debate
em sala de aula.
Os professores devem pedir aos alunos que estejam em silêncio durante a
projecção e que desliguem o telemóvel antes da sessão.

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IX ENCONTROS DE VIANA – CINEMA E VÍDEO

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DIA 04 MAIO - A TURMA

Sinopse:
"A Turma" galardoado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, segue um ano de um
professor e da sua turma numa escola de um bairro problemático de Paris, microcosmos da
multietnicidade da população francesa, espelho dos contrastes multiculturais dos grandes
centros urbanos de todo o mundo.
O professor François e os seus colegas, preparam-se para um novo ano escolar. Cheios de
boas intenções, estão decididos a não deixarem que o desencorajamento os impeça de tentar
dar a melhor educação aos seus alunos.

Ficha técnica:
Realização: Laurent Cantet
Produção: Caroline Benjo, Carole Scotta;
Cinematografia: Pierre Milon;
Edição: Robin Campillo;
Interpretação: François Bégaudeau, Nassim Amrabt, Laura Baquela, Cherif Bounaïdja
Rachedi, Juliette Demaille, Dalla Doucoure.
(Entre les Murs, França, 2008, 128’, M/12)

DESTINATÁRIOS: Alunos dos cursos de formação de professores.


CONVIDADO: os alunos e os professores que participam nesta exibição.
MODERADOR: Fabrice Schurmans

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IX ENCONTROS DE VIANA – CINEMA E VÍDEO

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Problemáticas presentes:

Os modelos de ensino /aprendizagem;


Definição institucional dos papéis de professor e aluno;
Falta de convergência dos projectos do professor e dos alunos;
Desafios de uma escola multicultural.

Áreas dos cursos de formação de professores em que podem ser tratados estes temas:

Correntes Pedagógicas
Didáctica da Língua Materna
Didáctica da Língua Estrangeira
Sociologia da Educação

Actividades propostas:

Correntes Pedagógicas –

O professor ou o aluno no centro do processo educativo?


• pesquisa sobre vários modelos de ensino /aprendizagem;
• reflexão sobre a eficácia das estratégias deste professor e do cumprimento do seu
plano de aula;
• observação de uma aula deste professor como prática de observação de aulas.

Didáctica da Língua Materna –

Os níveis de língua e a pragmática da comunicação:


• pesquisa sobre os níveis e língua;
• discussão sobre a utilidade deste conhecimento na prática da língua;
• reflexão sobre o contexto e a plurissignificação das palavras;
• observação da aula sobre o imperfeito do conjuntivo e proposta de alteração da
condução da aula.

Didáctica da Língua Estrangeira –

Como trabalhar o ensino da língua materna com estrangeiros?


• pesquisa sobre os vários níveis de cada língua materna dos alunos;
• reflexão sobre a utilidade da existência desses níveis de língua;
• comparação com os níveis de língua existentes na língua que se pretende ensinar;

Sociologia da Educação –

Indefinição dos papéis institucionais e falta de convergência dos projectos:


• reflexão sobre os papéis que a escola pública e a sociedade atribuem ao professor e
ao aluno;
• inquérito aos professores e aos alunos sobre a forma como aceitam ou não esses
papéis;
• debate sobre o projecto da escola, hoje, e a sua convergência com os projectos dos
alunos.

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Resumo
O filme narra o quotidiano de uma turma de Francês do 8ºano durante um ano
lectivo em Paris. François Marin, o professor, tem não só de ensinar mas de gerir as
diferenças e as tensões entre os alunos. Com a passagem do tempo, algumas dessas
tensões agudizam-se: Esmeralda e Khoumba, duas amigas, acham que o professor
está sempre a gozar com os alunos, Souleymane mostra pouca vontade de trabalhar e
agride verbalmente os colegas. Rapidamente, o espaço da sala de aula torna-se um
espaço de confrontos entre, por um lado, François e alguns alunos (Esmeralda,
Khoumba, Souleymane, Boubacar, etc.) e, por outro, entre os próprios alunos.
Souleymane, oriundo de um contexto familiar difícil (a mãe não fala francês, o pai não
está muito presente), parece cada vez mais afastado da escola, os seus resultados em
várias disciplinas são maus, a sua irritação e o seu irrequietismo aumentam. Em
determinada altura, a tensão transforma-se em briga e Souleymane abandona a sala
depois de ter insultado o professor. Um conselho de disciplina reúne-se e decide a
expulsão do aluno. Porém, nem todos oferecem a mesma resistência à pedagogia do
professor. É o caso de Wei, de origem chinesa que não fala bem francês, mas que se
esforça bastante, ou ainda de Burak, de origem turca, que manifesta uma clara
apetência pelo estudo.
François cruza-se também com os colegas na sala dos professores onde
trocam impressões, eliminam a tensão acumulada, etc. Aqui também François se
depara com atitudes diferentes da sua, com estratégias e projectos pedagógicos
distintos. Assim, no início do filme, o professor de História propõe a François
estabelecerem uma ponte entre as duas matérias: os alunos poderiam ler uma obra na
disciplina de Francês que se enquadrasse no programa de História, neste caso um
conto de Voltaire. François recusa alegando a fraqueza dos alunos. Contudo, mais
tarde descobre-se que deu a ler o Diário de Anne Frank, que aparentemente não se
adaptava ao nível nem aos interesses dos alunos.

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Crítica

O título original (Entre as Paredes) remete claramente mais para o lugar do que
a adaptação portuguesa (A Turma) ou espanhola (La Clase). Pois o lugar neste filme
determina em grande parte a qualidade da relação dos alunos entre si assim como dos
alunos com os professores. Desde o início, o cenário é o de um espaço sem abertura,
um espaço rodeado de paredes, janelas e portas fechadas, um espaço onde até o céu
é invisível. Os poucos planos de conjunto, no recreio principalmente, mostram alunos
cercados, quase que esmagados por paredes. Veja-se por exemplo o plano de
conjunto de Souleymane e a mãe filmados em picado, o que os reduz ainda mais, a
deixar a escola depois da decisão do conselho de disciplina: ambos parecem quase
que pormenores num universo de natureza carcerário. Neste contexto, a própria sala
de aula reproduz em miniatura o dispositivo geral: espaço exíguo onde vinte e quatro
alunos e o professor têm de conviver e de gerir as tensões. Ou seja, por si só, o
espaço neste filme é um importante gerador de problemas diversos; ainda que não
explique a origem das tensões, favorece-as sem dúvida. Cantet duplicou a sensação
de enclausuramento através da escala de planos: escolheu filmar as personagens em
planos aproximados à cintura ou em grande plano não só para analisar as suas
reacções (voltarei mais à frente a este ponto fulcral) como para as encerrar no espaço
do quadro. Para dizê-lo ainda por outras palavras, corpos e personagens são aqui
vítimas de uma dupla pressão: a do cenário e a do quadro, os ângulos e os lados
deste remetendo metaforicamente para os ângulos e os lados das paredes da sala.

Apesar da exiguidade do lugar, parece-me possível delinear em muitas


sequências uma subtil subdivisão evidenciada pela montagem: quando François
coloca perguntas aos alunos, raramente aparecem todos no mesmo plano. O campo
contra campo aqui não serve só para estruturar um diálogo, mas também para marcar
e delimitar o espaço de cada um: a um plano de François colocando uma pergunta
corresponde outro de um aluno que tenta responder. À semelhança do que acontece
no conjunto do filme, não há espaços partilhados, espaços onde o saber possa circular
de maneira fluida, ou seja, através de uma figura clássica de montagem, Cantet
consegue acrescentar um elemento altamente significativo: cada um vive num espaço

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que não quer ou não consegue compartilhar com a outra parte. Não seria exagerado
dizer que este dispositivo até põe em relevo o carácter duro, quase violento, da
relação entre François e a turma: acantonados no seu apertado espaço, não
comunicam a não ser no modo do antagonismo, distribuindo golpes e defesas.

O elemento central desta luta é a língua que ambos os lados praticam. A


variante de Francês ensinada por François enquadra-se dificilmente na variante
praticada pelos alunos. Estes não entendem muitas vezes o que diz o professor, não
por serem burros, longe disso, mas porque o seu Francês se afastou de vez da norma
dominante, a das gramáticas e da literatura clássica. Assim na aula sobre o conjuntivo
do imperfeito, Esmeralda põe em causa a utilidade de tal saber para os alunos e
insiste num ponto importante a seu ver: ninguém utiliza este tempo no dia-a-dia. Para
dizê-lo por outras palavras, recusa um saber que não tenha implicações práticas,
concretas para a sua vida. Neste momento, como em tantos outros no filme, François
não aproveita esta troca de ideias para questionar o programa, para se pôr em causa
ou ainda para encetar um verdadeiro diálogo. Nunca ouve os alunos, os seus pedidos,
nunca aproveita o que dimana da turma; em vez disso, critica-a de modo irónico e até
cínico. Parte do filme gira justamente em torno das dificuldades de comunicação, dos
desentendimentos, da não partilha de elementos do código: não há fluidez na aula
pela simples razão que ambos os lados precisam de interromper o outro para traduzir
o que está a ser dito. A Turma evidencia de maneira pertinente que cada língua é um
jogo de poder, que nunca é neutra na sua utilização. Neste aspecto, existe no filme
uma cena muito reveladora: a do insulto de François a Esmeralda e Louise por causa
do comportamento destas durante uma reunião de professores. Uma só palavra fora
do seu lugar («galdérias») e o equilíbrio precário da turma desmorona-se. Pois este
tipo de vocabulário quando utilizado do lado dos alunos passa por normal (veja-se
como se insultam uns aos outros, em particular as palavras que remetem para a
homossexualidade masculina encarada de maneira negativa), mas, quando passa
para o lado do professor, há uma clara transgressão dos códigos e das fronteiras.

A sequência da discussão entre François e a turma no recreio condensa parte


do propósito do filme: ambos os lados se opõem no significado a dar à palavra em
questão. Neste caso, estão no mesmo espaço, mas não se pode dizer que o partilham
a não ser, mais uma vez, de maneira violenta. Aqui não há um campo contra campo
que divide, mas planos de semi-conjunto que juntam as personagens sem contudo as
aproximarem. Pois o desentendimento é total e François perdeu definitivamente tanto
a compostura como a autoridade.
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Talvez a explicação para tal comportamento por parte do professor se encontre
logo na curta sequência inicial: François Marin está num bar filmado em plano peito,
com ar triste ou pensativo. Olha no vazio, indiferente ao que o rodeia. Subitamente,
bebe o seu café e sai do bar como se tivesse tomado uma decisão. O que a
brusquidão do gesto assim como o olhar revelam é um homem pouco seguro,
hesitante, reservado, em plena contradição com o professor da turma. Esta cena (a
única fora da escola) talvez nos dê uma chave para interpretar melhor o cinismo de
François: não será este uma maneira para ele se proteger e se esconder?

O que esta sequência evidencia igualmente é o propósito estético do filme no


seu conjunto. Cantet escolheu filmar de perto, de seguir as reacções no rosto dos
professores e dos alunos, de por assim dizer utilizar a sua câmara como um escalpelo
que disseca as caras. Veja-se uma das primeiras sequências (a dos professores que
se apresentam uns aos outros): seria legítimo lê-la como uma espécie de introdução
das personagens tanto para os próprios professores como para o espectador, mas é
legítimo ver também nela uma leitura das consequências físicas do difícil trabalho de
professor do ensino secundário. Parecem cansados, envelhecidos, com olheiras…
Alguns denotam uma clara desilusão, um cinismo relativamente aos alunos (assim o
professor de matemática diz: «Sou professor de tabuada e às vezes de matemática»,
ou outro ainda afirma «Sou professor aqui há 4 anos…», ao que uma voz off
responde: «Que coragem!» - fala que estranhamente não foi traduzida para
Português). Além disso, como Cantet escolheu filmar com câmara ao ombro, estas
duas sequências iniciais dão claramente a sensação de estarmos perante um
documentário e não uma ficção. Confusão tanto mais forte nestas sequências que a
maior parte dos actores é amadora e representa o seu próprio papel (a começar por
François Marin, interpretado por François Bégaudeau, autor do livro que inspirou o
filme e ele próprio ex-professor).

Poder-se-á então ler o filme de Cantet como um espelho onde cada um,
professor e aluno, reconhecerá em parte o seu reflexo, mas um espelho que se dirige
também à sociedade no seu geral (parentes, políticos…): pois aquela escola é
também reflexo da complexidade e da heterogeneidade das sociedades ocidentais
contemporâneas.

Fabrice Schurmans

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DIA 05 MAIO – GOMORRA

Sinopse:
Baseado no livro de Roberto Saviano e realizado por Matteo Garrone, "Gomorra" foi um dos
acontecimentos do último Festival de Cannes, onde conquistou o Prémio Especial do Júri. É
um mergulho brutal e violento nos meandros dos círculos infernais da Camorra napolitana, com
uma crua e incrível precisão. Poder, dinheiro e sangue são os "valores" com que os habitantes
de Nápoles se confrontam diariamente. A única linguagem é a das armas e o sangue o vício
maior. Viver uma vida normal não é possível para estes habitantes. Neste cenário de guerra de
clãs e tráficos de toda a espécie, cruzam-se cinco histórias em redor das vidas de Toto,
Pasquale, Don Ciro e Maria, Franco e Roberto, Marco e Ciro. Uma Camorra ficcionada mas
profundamente enraizada na realidade italiana.

Ficha técnica:
Realização: Matteo Garrone
Argumento a partir da obra de: Roberto Saviano;
Produção: Laura Paolucci, Domenico Procacci;
Cinematografia: Marco Onorato;
Edição: Marco Spoletini;
Interpretação: Salvatore Abruzzese, Simone Sacchettino, Salvatore Ruocco, Vincenzo
Fabricino, Vincenzo Altamura, Italo Renda. Género: Drama
(Gomorra, Itália, 2008, 137’, M/16)

DESTINATÁRIOS: Alunos do Ensino Secundário.


CONVIDADO: Dra. Elena Brugioni. Professora de Cultura Italiana na Universidade do Minho.
MODERADOR: Fabrice Schurmans

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IX ENCONTROS DE VIANA – CINEMA E VÍDEO

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Problemáticas presentes:

A degradação do tecido urbano das grandes cidades numa perspectiva arquitectónica e social;
A falta de perspectivas alternativas num meio dominado pelas actividades ilícitas;
O lucro fácil obtido à custa da exploração, da dignidade e da vida humanas.

Áreas disciplinares em que podem ser tratados estes temas:

Sociologia (12ºano)
Filosofia (11º ano)
Português (10º, 11º e 12º anos)
Economia (11º ano)
Geografia (11º ano)

Actividades propostas:

Sociologia –
A indefinição e reconversão dos papéis sociais em espaços de risco social:
• pesquisa sobre o conceito de papel na sociologia;
• análise de alguns papéis subvertidos no filme (os jovens em idade escolar que são
iniciados no mundo do crime, a ausência de figuras parentais que se assumam como
modelos positivos).

Filosofia –
Os valores numa sociedade precária:
• pesquisa sobre a ideia de valores universais consignada na Declaração Universal dos
Direitos do Homem;
• estudo dos valores do homem enquanto indivíduo e enquanto elemento da sociedade;
• debates sobre “a exploração da mão de obra barata numa sociedade de direitos
laborais”.

Português –
O discurso argumentativo:
• apresentação de argumentos e contra – argumentos;
• construção da refutação ;
• elaboração do texto expositivo-argumentativo.

Economia –
O mercado de trabalho, os direitos laborais e a deslocalização:
• pesquisa sobre os actuais fluxos mundiais de recursos materiais e humanos;
• análise das razões que levam ao encerramento e deslocalização de empresas;
• comparação de tabelas salariais europeias e asiáticas;
• detecção, no filme, situações que configurem cumplicidade do primeiro mundo com a
miséria do terceiro mundo.

Geografia –
O espaço urbano degradado e as zonas sociais de risco:
• detecção de algumas das principais zonas urbanas mundiais de conflitualidade;
• análise das condições arquitectónicas e de salubridade dessas zonas;
• identificação, no filme, de algumas dessas condições.

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Resumo

O filme descreve fragmentos da vida de algumas personagens, com a luta


sangrenta entre dois clãs rivais pelo controlo de alguns bairros de Nápoles como pano
de fundo. Dom Ciro, homem de meia-idade, discreto, assustado, entrega dinheiro a
certas famílias de um bairro em nome de um dos clãs. As pequenas quantias assim
distribuídas servem para manter as famílias como aliadas. Totó, jovem adolescente,
faz entregas de compras para a mãe (merceeira) e sonha entrar no clã para o qual
Dom Ciro trabalha. Dois adultos, Marco e Ciro, sem outra perspectiva que não seja
ingressar nas fileiras da pequena criminalidade, gostariam de chefiar o bairro no lugar
do chefe instalado. O filme segue ainda Roberto, jovem desempregado, que trabalha
para Franco, aparentando uns 60 anos, elegante e rico, que negocia com empresários
do Norte de Itália o armazenamento ilegal de resíduos tóxicos. E por fim, Pasquale,
homem de meia-idade, triste e tímido, é o costureiro de talento que não concorda com
os métodos do seu patrão Enzo (explora os trabalhadores, obrigando-os a fazer horas
extraordinárias que não paga), e que aceita ensinar a uma empresa chinesa ilegal a
arte de fabricar vestidos de luxo.

Estas personagens, que nunca se cruzam no decorrer do filme, acabam por


tecer uma espécie de teia reveladora da geografia da criminalidade em Nápoles. Pois,
falta nesta descrição a outra grande personagem do filme: a cidade. Uma cidade suja,
sem ordenamento aparente, onde o Estado, nomeadamente a polícia, parece não
existir. Um cidade onde a única instituição visível é a dos clãs que impõem ao mesmo
tempo uma certa ordem (vigiam constantemente a entrada de estranhos no bairro) e
uma desordem certa (quando vão matar nos bairros considerados inimigos). Se muitas
dessas personagens (Dom Ciro, Totó, Marco e Ciro) não conseguem extrair-se das
determinações sociais que as empurram para as actividades ilegais da Camorra
napolitana, outras (Roberto e Pasquale), depois de terem participado nelas, recusam
os esquemas de corrupção e fogem da cidade.

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Crítica

Gomorra, ao contrário de muitos filmes americanos sobre as máfias, recusa


tanto a estetização como a glorificação dos criminosos. Do ponto de vista formal, o
realizador escolheu de facto uma imagem crua, fria (não há luz artificial, trabalhada
com cuidado, o que explica por que algumas cenas de interior parecem escuras), até
diria suja, o que realça o lado sórdido da realidade retratada. A câmara ao ombro (o
que explica o carácter estremecido da imagem) segue as personagens de muito perto,
mostra-nos os seus defeitos, e participa igualmente da recusa da estetização da
criminalidade. Esta técnica (usada de maneira gratuita em muitos filmes) confronta os
espectadores com o lado errático das personagens: mexem-se, às vezes
freneticamente (Marco e Ciro), às vezes com passos mais lentos e contidos (Dom
Ciro). No entanto, a câmara ao ombro revela também outro desequilíbrio, mais
fundamental, das personagens: todas aparentam medo (Dom Ciro), ou indecisão
(Pasquale e Roberto durante um tempo), ou ainda imaturidade (Marco e Ciro) e caos
(Nápoles), ou seja, desequilíbrios temporários ou permanentes que planos trémulos
anunciam ao mesmo tempo que duplicam.

Recusando obviamente a estética em vigor na grande maioria dos filmes que


pretendem retratar a máfia, Garrone toma posição logo no início de Gomorra quando
introduz as personagens de Marco e Ciro. No cenário de um prédio abandonado, o
primeiro imita outra personagem, a de Tony Montana, interpretada por Al Pacino em
Scarface (Brian de Palma, 1983). À semelhança do seu modelo, os dois jovens
ambicionam chegar ao poder sem respeitar as regras e as hierarquias em vigor,
utilizando a violência pura e o roubo. É neste ponto preciso que Garrone se afasta de
uma certa estética em vigor em Hollywood: não há planos bonitos, cenários de luxo
(mansões bonitas…), nem há música off ilustrativa. Além disso, os actores são
desconhecidos (alguns deles até provêm dos bairros em questão e foram a seguir ao
filme presos por tráfico de estupefacientes), e, fisicamente, afastados dos padrões em
vigor num certo cinema norte-americano (vejam a magreza mórbida de Ciro, a
obesidade flácida de muitos chefes da Camorra ou a sua pele estragada). Ou seja, se
Marco e Ciro conseguem, como milhares de jovens, identificar-se com Tony Montana,
torna-se difícil, por sua vez, para o espectador identificar-se com eles. A meu ver, é
talvez neste ponto preciso que Gomorra mais se distingue do sistema de Hollywood.
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Entre a personagem de Tony Montana e o espectador interpõe-se a figura conhecida
de Al Pacino: estamos à espera de ver este actor fazer de mafioso, lembramo-nos dos
seus outros papéis, ouvimo-lo emprestar a sua voz rouca a mais um descendente de
italianos. Em Gomorra, pelo contrário, os actores, amadores em grande parte, não
constituem nenhuma barreira, deixam fluir as emoções de tal maneira que o
espectador segue as trajectórias de Dom Ciro, Totó, Marcos e dos outros e não de um
afamado actor a fazer de criminoso histérico.

Por fim, à semelhança de Tropa de elite, um filme brasileiro que também


descreve, em parte, um bairro degradado ocupado por traficantes de droga, Gomorra
insiste num ponto essencial: sem a participação da classe alta nos esquemas
criminosos, a Camorra napolitana não conseguiria organizar-se e expandir-se desta
maneira. A questão do lixo tóxico, por exemplo, mostra que sem a cumplicidade das
empresas de Veneza ou de Milão não haveria despejos ilegais e poluição do meio
ambiente. E não se trata só do lixo: o filme descreve como a alta-costura, oriunda
quase exclusivamente da rica cidade de Milão, vende as encomendas ao ateliê mais
barato, ou seja, a quem mais explora os trabalhadores. É na articulação dos interesses
económicos provenientes do alto capital e dos meios e recursos em mão-de-obra das
organizações criminosas que se situa a chave do sucesso das máfias. Daí, sem
dúvida, o pessimismo que atravessa grande parte de Gomorra: não se contempla
nenhuma possibilidade a curto ou médio prazo de desfazer as redes instaladas.

Fabrice Schurmans

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DIA 06 MAIO - TROPA DE ELITE

Sinopse:
Urso de Ouro em Berlim, "Tropa de Elite" retrata o violento quotidiano de um batalhão da
polícia do Rio de Janeiro. Em 1997, Nascimento, capitão da Tropa de Elite, é nomeado chefe
de uma das equipas que tem como missão apaziguar o Morro do Turano. Apesar de considerar
insensatos os motivos da operação, Nascimento tem de cumprir ordens, mesmo quando a
mulher grávida lhe implora que deixe a linha de frente do batalhão. Mas, para isso Nascimento,
tem de encontrar alguém para o seu lugar. Depois de uma operação de resgate. Neto e Matias
juntam-se ao curso de formação do batalhão. O primeiro destaca-se pela coragem e o segundo
pela inteligência. Se Nascimento conseguisse reunir essas duas qualidades num só homem
estaria encontrado o seu substituto perfeito.

Ficha técnica:
Realização: José Padilha
Argumento: André Batista, Bráulio Mantovani;
Musica Original: Pedro Bromfman;
Cinematografia: Lula Carvalho;
Edição: Daniel Rezende
Interpretação: Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Maria Ribeiro, Fernanda
Machado, Fernanda de Freitas.
(Tropa de Elite, Brasil, 2007, 117’, M/16).

DESTINATÁRIOS: Alunos do Ensino Secundário.


CONVIDADO: Dra. Rita Santos. Investigadora no Centro de Estudos Sociais (Universidade de
Coimbra).
MODERADOR: Fabrice Schurmans

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Problemáticas presentes:

Confronto entre dois poderes não institucionais: o das máfias da droga do Rio de Janeiro e o
da força militarizada BOPE;
Representações da população em geral e dos estudantes em particular em relação aos
habitantes das favelas;
A favela como espaço de coexistência de interesses económicos e sociais do primeiro e do
terceiro mundo.

Áreas disciplinares em que podem ser tratados estes temas:

Sociologia (12ºano)
Filosofia (11º ano)
Português (10º, 11º e 12º anos)

Actividades propostas:

Sociologia –
A indefinição e reconversão dos papéis sociais em espaços de risco social:
• pesquisa sobre o conceito de papel na sociologia;
• análise de alguns papéis subvertidos no filme (o estudante que é passador, o polícia
que executa);
• reflexão sobre a ambiguidade do papel dos estudantes que recusam a sociedade de
classes e usufruem do estatuto dado pela sua classe social;

Filosofia –
Os valores numa sociedade precária:
• pesquisa sobre a ideia de valores universais consignada na Declaração Universal dos
Direitos do Homem;
• estudo dos valores do homem enquanto indivíduo e enquanto elemento da sociedade;
• debates sobre ” a execução extrajudiciária e a tortura”.

Português –
O discurso argumentativo e os processos narrativos:
• apresentação de argumentos e contra – argumentos;
• construção da refutação ;
• elaboração do texto expositivo-argumentativo;
• as narrativas encaixadas e encadeadas;
• a analepse.

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Resumo

O filme desenrola-se no Rio de Janeiro em 1997 e conta a história de três


polícias que fazem parte de um corpo de intervenção (BOPE), uma tropa de elite
encarregada de entrar nas favelas à procura de criminosos. O capitão Nascimento,
que dirige um pelotão de BOPE, está cansado de tanta violência e gostaria de arranjar
um sucessor para gozar o nascimento iminente do seu filho. Entre os recrutas,
distinguem-se Neto e Matias, amigos de infância, dois jovens aspirantes que
pretendem ingressar as fileiras do BOPE porque não querem participar no esquema
de corrupção que caracteriza a polícia municipal. Nascimento não consegue decidir-se
entre os dois, porque cada um tem qualidades que fazem falta no outro e puxa por
eles para ver quem se revela melhor. Neto distingue-se pelo empenhamento físico e
militar, enquanto Matias mostra grandes dotes intelectuais. Se Neto não tem dúvidas
sobre o seu empenhamento no BOPE, Matias tem outras perspectivas: estuda direito
a fim de lutar com a arma da lei. É na universidade que encontra uma estudante,
Maria, empenhada na acção social numa favela, pela qual se apaixona. No entanto,
por causa dos preconceitos contra a polícia que imperam no meio estudantil, Matias
não lhe revela a sua profissão. Este fica também irritado ao notar a facilidade com a
qual a droga circula no meio universitário, pois sabe bem que são os compradores que
sustentam as redes de traficantes. Entre os traficantes justamente, aparece o Baiano,
«dono» do bairro onde está instalado a associação de Maria. É ele que fornece a
cocaína aos estudantes do campus que Matias frequenta. Quando o Baiano sabe que
Maria namora um polícia, organiza uma ratoeira para eliminar o intruso, mas em vez
de Matias, mata Neto. Nascimento percebe então que lhe vai ser útil a sede de
vingança de Matias, pois se for capaz de executar o Baiano a sangue frio, então
desenvolverá uma verdadeira atitude de líder.

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Crítica

Quando A tropa de elite recebeu o Urso de Ouro no festival de cinema de


Berlim, grande parte da crítica cinematográfica reagiu com alguma irritação. Para
muitos, o filme não merecia tal galardão (um dois mais importantes na Europa depois
de Cannes e Veneza) por razões que tinham a ver com a forma e com a mensagem.
No que tem a ver com a forma, criticou-se uma estética que assemelha o filme a um
clipe: montagem rápida, câmara ao ombro, música forte. A meu ver, Padilha escolheu
um modo narrativo que se adequava bem ao ritmo urbano de uma cidade em
movimento permanente. Além disso, pretende seguir as suas personagens por perto,
não as querendo deixar escapar do quadro; daí a profusão de planos americanos e de
planos aproximados à altura da cintura. O realizador encerra as suas personagens,
segue-lhes todos os passos, especialmente os de Nascimento, o narrador que conta a
história em voz off, personagem instável, depressiva, à beira de abandonar o BOPE. A
câmara ao ombro evidencia esta instabilidade, ou seja, a imagem trémula pode ser
lida como sendo a metáfora do estado de espírito da personagem, e mais, esta
imagem tão móbil que às vezes não deixa ver com clareza os contornos da acção,
esta imagem pois é também a representação da instabilidade maior que é a da
sociedade retratada.

No que tem a ver com a mensagem, acho que de facto o filme tem alguma
ambiguidade. É certo que Nascimento nos é apresentado como um ser frágil,
perturbado, mas não deixa de ser um apologista da violência como modo de resolução
dos conflitos. Interpreta a criminalidade das favelas como sendo uma guerra
impiedosa onda são poucos os prisioneiros, desculpa as execuções extrajudiciárias,
utiliza a tortura para extorquir informações. O próprio Matias que no início do filme
recusa tais métodos dá-se por vencido com a morte do amigo e adopta os métodos do
BOPE (executa o Baiano, ferido, imobilizado, em vez de o prender).

Por outro lado, o filme aponta também para a responsabilidade da classe


média/alta, classe que com o seu poder de compra sustenta o tráfico de droga. Numa
cena essencial do filme (a da apresentação do livro de Michel Foucault, Vigiar e Punir,
pelo grupo de estudo), Maria afirma que o Estado brasileiro protege os ricos e pune
quase exclusivamente os pobres. Sem ter aparentemente consciência disso, fala de
facto do grupo ao qual pertence: os estudantes ricos que consomem droga na própria
faculdade sem serem alvo de repressão.
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Na mesma cena, é nítido o desconforto de Matias, pois a imagem da polícia
veiculada entre os estudantes é muito negativa: corruptos, violentos, agridem tanto o
rico como o pobre. Uma das principais ambiguidades do filme de Padilha é-nos
revelada nesta precisa cena: como o filme defende o ponto de vista de Matias (veja-se
como ele consegue calar os colegas remetendo as suas opiniões para uma falta de
informação), Neto e Nascimento, estas críticas, pertinentes no contexto social
brasileiro, perdem pertinência no contexto fílmico. Ou seja, o próprio filme acaba por
defender o BOPE como última protecção contra a corrupção, a violência que atinge a
própria classe média, alta. O preço a pagar para que esta classe poder possa gozar
uma certa paz social é a existência nas margens do Estado de um corpo cujas
técnicas (tortura, execuções extrajudiciárias, entre outras) o assemelham a uma milícia
paramilitar.

A julgar pela natureza das empresas que participaram na produção do filme


(Petrobras e Parmalat, multinacionais), a classe alta parece ter aceitado pagar o
suficiente para ver o seu ponto de vista defendido num filme sedutor na sua maneira
de narrar e ambíguo no que é narrado.

Fabrice Schurmans

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DIA 07 MAIO - A NUVEM

Sinopse:
Um acidente numa central nuclear perto de Frankfurt lança o pânico no país. Uma gigantesca
nuvem radioactiva avança em direcção à cidade de Schlitz. A população que vive nos
arredores da central fica imediatamente contaminada e morrem cerca de 38 mil pessoas. Os
que vivem mais afastados tentam fugir. Entre eles, Hannah, uma rapariga de 16 anos, e o
namorado Elmar. Mas enquanto ele consegue escapar à última hora, Hannah fica para trás e
sofre a contaminação letal. No entanto, o seu amor é tão forte, que mesmo sabendo os riscos
que corre, Elmar volta para trás.

Ficha técnica:
Realização: Gregor Schnitzler
Argumento: Marco Kreuzpaintner;
Produção: Markus Zimmer;
Música Original: Max Berghaus, Stefan Hansen, Dirk Reichardt;
Cinematografia: Michael Mieke;
Edição: Alexander Dittner
Interpretação: Paula Kalenberg, Franz Dinda, Hans-Laurin Beyerling, Carina N. Wiese,
Jennifer Ulrich, Claire Oelkers, Tom Wlaschiha. Género: Drama, Thriller
(Die Wolke, Alemanha, 2006, 105’, M/12)

DESTINATÁRIOS: Alunos do Ensino Secundário.


CONVIDADO: Dra. Laura Centemeri. Investigadora no Centro de Estudos Sociais
(Universidade de Coimbra).
MODERADOR: Fabrice Schurmans

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Problemáticas presentes:

Poderes e riscos da Ciência: a tecnologia de ponta, os riscos ambientais, a fragilidade e


vulnerabilidade das sociedades modernas;
A adolescência na sociedade industrializada: a solidão do adolescente, os vários papéis do
adolescente (amigo, filho, irmão, namorado) num ambiente de referências contraditórias;
O crescimento e a descoberta do amor: o beijo, o corpo, o “fazer amor”;
A doença e a morte: a decadência física, o desaparecimento do ser, a ausência; o preconceito.

Áreas disciplinares em que podem ser tratados estes temas:

Ciências (11º ano)


Biologia (12ºano)
Filosofia (11º ano)
Português (10º e 11º anos)

Actividades propostas:

Ciências –
O equilíbrio entre o progresso científico e a sustentabilidade ambiental:
• pesquisas sobre as várias tendências;
• apresentação de um painel de discussão;
• convite a especialistas das diversas posições para defenderem os vários pontos de
vista;
• debates em sala de aula ou na escola.

Biologia –
As mutações genéticas provocadas pela radioactividade:
• estudo das causas das mutações genéticas;
• apresentação de casos conhecidos de efeitos da radioactividade;
• análise da capacidade de resposta da sociedade ocidental actual face a catástrofes
como a apresentada;
• debates em sala de aula ou na escola.

Filosofia –
Poderes e riscos da ciência:
• pesquisa de situações que mostrem a ciência como sinal de progresso ou como
ameaça à liberdade do homem;
• estudo dos valores do homem enquanto indivíduo e enquanto elemento da sociedade;
• reflexão sobre a adolescência e a descoberta do amor;
• debates sobre o “que é ser jovem, hoje” em sala de aula ou na escola.

Português –
O discurso argumentativo:
• apresentação de argumentos e contra – argumentos;
• construção da refutação ;
• elaboração do texto expositivo-argumentativo;
• o discurso político;
• o manifesto.

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Resumo

O filme abre com Hannah, uma adolescente que vive com a mãe (Paula) e com
o irmão (Uli) numa pequena cidade alemã (Schiltz). Paula vai ter de se ausentar por
causa do trabalho e confia em Hannah para tratar do irmão. Na escola sente-se
atraída por Elmar, um adolescente diferente, um pouco reservado, tímido, mas
desembaraçado. Ambos têm um relacionamento difícil com os pais: a mãe de Elmar
está num estado depressivo com o qual o pai não consegue lidar, enquanto Paula não
tem muito tempo para os filhos por causa do trabalho e parece não poder contar com
um pai ausente.

Em suma, vidas pacatas numa tranquila cidade de província, vidas cujo


equilíbrio se rompe quando, durante um teste, toca o alarme. Consoante as primeiras
notícias, algo grave aconteceu na central nuclear de Schweinfurt, a cidade onde a mãe
de Hannah foi trabalhar. Mal começa a evacuação, o caos instala-se, as pessoas
fogem sem organização, cada família lutando por si. As autoridades transmitem
informação, dizem o que fazer, mas o medo é maior e impede qualquer solidariedade.
As autoridades aconselham a fugir para longe do lugar do desastre e, para os que não
possuem carro, a permanecer nas caves. Porém, por causa de Paula que ordena a
Hannah para tentar chegar à estação, Hannah e Uli fogem de bicicleta em vez de
ficarem em casa. Durante a jornada, Uli é atropelado e morto por um carro que não
pára. Hannah é levada para a estação de comboio por outra família. Ali, avista ao
longe Elmar, preste a subir no último comboio que sai da cidade, mas Hannah não
consegue apanhá-lo. Decide então sair da estação e afrontar a chuva radioactiva.

Internada num centro para crianças perto de Hamburgo, segue as informações


relativas à catástrofe pela televisão assim como pela rádio. Gravemente doente, está à
espera de notícias da mãe. É uma Hannah desesperada que Elmar reencontra ali.
Este, apesar dos riscos (a contaminação), decide ficar ao pé dela. É neste centro que
Helga, a tia de Hannah, lhe anuncia a morte de Paula. No entanto, aos poucos,
Hannah tenta retomar uma vida normal, mas rapidamente percebe que muita gente a
rejeita por estar doente. Por sua vez, Elmar percebe que foi gravemente exposto às
radiações e que a sua vida corre perigo. Por fim, os dois regressam para o lugar onde
Uli foi morto a fim de lhe dar uma sepultura.

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Crítica

Apesar de alguns defeitos (nomeadamente na gestão do tempo e nalgumas


elipses um pouco rápidas), A Nuvem oferece um interessante desvio relativamente à
norma fixada por Hollywood em matéria de filmes catástrofe. Um dos tópicos deste
género é o da família separada por um acontecimento excepcional (veja-se The Day
After Tomorrow do realizador alemão Roland Emmerich): pais e filhos vivem em
lugares distintos a progressão da catástrofe. Geralmente, trata-se de uma família da
classe média (espelho da composição social média do público que consome este tipo
de produção), onde filhos adolescentes mantêm com o pai, com mãe ou com ambos
uma relação difícil. Por causa de um motivo de pouca relevância (viagem, trabalho),
eis a família separada e ameaçada num momento duplamente complexo: um evento
terrível está preste a acontecer que a ameaça de fora enquanto um conflito privado a
ameaça por dentro. Como é sabido, são muitas vezes os filhos que terão de enfrentar
o momento de crise antes de se reencontrarem com os pais, desta vez reconciliados.
Por outras palavras, a catástrofe aparece como uma espécie de regulador das tensões
de ordem privada.

No filme de Schnitzler, temos igualmente duas famílias problemáticas, uma


onde se destaca um pai ausente e uma mãe atarefada (Hannah/Paula) e outra (Elmar
e os pais anónimos) onde é a mãe que não está presente (em muitos casos a
depressão profunda assemelha-se a uma espécie de ausência), enquanto o pai só
consegue comunicar através de notas escritas ou de recriminações. Neste ponto
precisamente, a catástrofe nuclear não melhora em nada as relações, pelo contrário.
No epicentro da explosão, Paula morre, não antes de ter dado à filha o conselho
errado que levou no fim de contas à morte de Uli; e Elmer recusa-se a seguir os pais
na sua fuga para um lugar seguro. Ou seja, o filme abre-se numa crise familiar que a
catástrofe alastra, impedindo o eventual retorno de um período de estabilidade. O
momento fulcral deste desmoronamento situa-se claramente na cena da morte de Uli.
Imagina-se dificilmente um filme dos estúdios norte-americanos a integrar a morte de
uma criança num filme supostamente popular. A ameaça de morte pode pairar –
mantida em suspenso, às vezes artificialmente –, mas nunca se concretizará com/no
desaparecimento de um elemento do núcleo familiar.

Outro elemento que distingue a produção alemã das suas congéneres


americanas: a gestão das duas personagens principais, Elmer e Hannah. É certo que
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o envolvimento amoroso entre ambos assemelha o filme a qualquer outra produção do
género, mas a sua transformação em seres doentes, titubeando entre a vida (Hannah)
e a morte (Elmer), evidenciando no corpo a evolução dos efeitos da irradiação (perda
de cabelos, manchas no corpo, vómitos) afasta-os dos modelos promovidos num certo
cinema popular norte-americano.

Por fim, destaco uma última particularidade de A Nuvem: a sua recusa de uma
dramatização excessiva pelo acréscimo de peripécias secundárias, sem grande
interesse relativamente ao eixo narrativo principal. O guionista não acrescentou
qualquer cena de pilhagem ou de agressões, existência de grupos de ladrões,
confrontos violentos com a polícia, etc. Além disso, são poucas os planos de conjunto
que evocam o pânico e a fuga desorganizada. Compare-se agora com o filme de
Petersen, que acrescentou um segmento narrativo inútil (os lobos que fogem do jardim
zoológico e parecem programados para caçar o protagonista) com a suposta intenção
de gerir mais efeito de tensão. No seu filme, pelo contrário, Schnitzler privilegiou uma
visão realista, e plausível, não da catástrofe (não há nenhuma cena do epicentro da
explosão), mas dos seus efeitos. Daí com certeza a presença, no campo ou em off, da
rádio e da televisão, que a intervalos regulares dão notícias sobre o macro evento, o
que permite ao filme dedicar mais atenção aos efeitos micro do mesmo evento.
Remete desta maneira os mortos em massa, os corpos amontoados, gravemente
queimados, para o fora de campo, evita a espectacularização do sofrimento colectivo
para melhor focar as duas personagens principais (Elmar e Hannah).

Esta estratégia narrativa torna igualmente mais evidente o conteúdo político do


filme, pois trata-se de um filme claramente empenhado no combate à energia nuclear.
Só que de maneira mais subtil do que na maioria dos filmes deste tipo, delega a crítica
a personagens secundária (o jovem enfermeiro que cuida de Hannah, por exemplo) ou
a mensagens que passam rapidamente em pano de fundo visual (o graffiti que diz:
«Agradeçam a vocês próprios») ou auditivo (a rádio que aponta para a impreparação
do Estado). Assim, evita a artificialidade de um discurso de denúncia por parte dos
protagonistas. De facto, para estes, o discurso é inútil: os seus corpos sofredores
falam por si.

Fabrice Schurmans

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DIA 08 MAIO - AOS DOZE E TANTOS

Sinopse:
"Aos Doze e Tantos" explora a complexidade da perda da inocência das crianças quando
entram na adolescência e da luta dos adultos para os orientarem nessa passagem. Num
subúrbio da América, três amigos de 12 anos - o introvertido Jacob, a precoce Malee e o
vulnerável Leonard - iniciam o caminho da auto-descoberta e começam a distinguir as suas
próprias opiniões das dos seus pais. Depois da trágica morte do irmão gémeo de Jacob, o trio
une-se enquanto luta com sentimentos de vingança, o fardo da dor e a inesquecível
experiência de crescer.

Ficha técnica:
Realização: Michael Cuesta
Música Original: Pierre Földes;
Cinematografia: Romeo Tirone;
Edição: Eric Carlson, Kane Platt;
Interpretação: Conor Donovan, Jesse Camacho, Zoe Weizenbaum, Jeremy Renner, Annabella
Sciorra, Jayne Atkinson.
(Twelve and Holding, EUA, 2006, 90’, M/12).

DESTINATÁRIOS: Alunos do Ensino Secundário.


CONVIDADO: Dra. Isa Gomes, psicóloga do GAF Viana do Castelo (Gabinete de Apoio à
Família)
MODERADOR: Fabrice Schurmans

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Problemáticas presentes:

Conflito de gerações: dificuldades de comunicação, adolescências solitárias, tentativas de


emancipação, ( Leonard/mãe, Malee/ mãe, Jacob/mãe) – de realçar a figura feminina como
mais presente e mais impositiva, de modo eufórico ou disfórico;

O despertar da sexualidade: a menina (Malee) que se apaixona pelo homem adulto (Gus) e
tenta desempenhar o papel da mulher tradicional (limpa a casa, prepara a refeição, espera-o
submissa)

Hábitos alimentares desajustados: alimentação incorrecta que provoca obesidade, tentativas


para romper o ciclo (alteração da dieta por parte de Leonard, tentativa de alterar os hábitos de
toda a família, confrontos e tensões, atitude do professor de Educação Física, práticas de
desporto);

Tipos de famílias: tradicionais, monoparentais, filhos adoptados e sua relação com os naturais.

A rebeldia e o proibido: a fuga de casa, a desobediência, a arma.

Áreas disciplinares em que podem ser trabalhados estes temas:

Filosofia (10º e 11º anos)


Psicologia (12º ano)
Sociologia (12º ano)
Educação Física (10º e 11º anos)
Português (10º e 11º anos)

Actividades propostas:

Filosofia –
Os modelos necessários ao crescimento: os pais , os irmãos, os amigos:
• pesquisa sobre os diversos tipos de família e as representações de família;
• reflexão sobre a importância dos conflitos de gerações para a autonomia do indivíduo;
• debate sobre “a dor , a perda e o luto”.

Psicologia –
A adolescência, fase crucial do crescimento:
• pesquisa de várias teorias e autores explicativos do crescimento e da adolescência;
• debate sobre “o eu e a sua relação com os outros”

Sociologia –
Os papéis e os hábitos:
• pesquisa sobre a importância dos papéis na vida em sociedade;
• reflexão sobre a função dos hábitos na vida social;
• debate sobre “a importância da desconstrução das representações e dos estereótipos
na vida social”. ~

Educação Física –
A alimentação e a prática do exercício físico –
• pesquisa sobre a relação alimentação/exercício físico/condição física;
• reflexão sobre as implicações psicológicas de uma má auto-imagem;
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• proposta de dietas alimentares saudáveis.

Português –
A casa como metáfora e como símbolo:
• a importância literária do estudo do espaço (comparar com as casas d’Os Maias e de
Frei Luís de Sousa);
• analisar os múltiplos valores das”várias” casas no filme.

Resumo

O filme gira em torno de seis jovens adolescentes que vivem numa pacata
cidade de província dos Estados Unidos: ruas tranquilas, bandeiras americanas em
cada fachada, encontros entre vizinhos. O drama irrompe quando uma noite, para se
vingarem de uma briga, Kenny e Jeff deitam fogo à cabana ocupada por Leonard
Fisher e Rudy Carges, dois amigos de infância. Leonard consegue escapar ao
desastre, se bem que ferido, mas Rudy morre queimado vivo. O assassínio é
involuntário pois Kenny e Jeff julgavam a cabana vazia quando atiraram para lá com
bombas incendiárias. O desaparecimento de Rudy destabiliza a vida dos amigos, mas
cada um esconde igualmente outros problemas. Os pais destroçados de Rudy vão ter
de se recompor/reconstruir à volta do outro filho, Jacob Carges, irmão gémeo de Rudy.
Até à morte de Rudy, Jacob era uma criança reservada, que escondia uma marca de
nascença, e um mal-estar, por detrás de uma máscara. No entanto, com a morte do
irmão, deita a máscara fora e procura vingar-se da morte de Rudy. Assim começa a
visitar Kenny e Jeff no centro de detenção e a ameaçá-los. Leonard, que cresce no
seio de uma família onde todos são obesos, toma aos poucos consciência do estilo de
vida errado que leva. O seu professor de ginástica até o convence a comer de outra
maneira e a começar a fazer algum desporto, o que os pais não entendem. Quando
percebe que a obesidade coloca em risco a própria vida da mãe, decide ajudá-la a
mudar de estilo de vida. Por fim, Malee Chuang, amiga de Jacob, Rudy e Leonard,
vive com a mãe, psicóloga. Tem aparentemente alguma dificuldade em gerir a
separação dos pais e tenta seduzir Gus, homem mais velho que trabalha numa
urbanização em construção, mesmo no lugar onde a cabana tinha sido destruída. Gus
também parece ter uma ferida íntima que tenta analisar e curar junto da mãe de
Malee.

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Crítica

À semelhança de muitos filmes independentes, Aos 12 e tantos segue as suas


personagens de perto, a câmara adere aos corpos e aos rostos, atenta aos olhares,
aos tremores discretos, aos sinais que revelam as feridas assim como os segredos.
Cuesta deixa de lado os planos de conjunto e privilegia o plano aproximado à altura do
peito ou do pescoço mais propícios ao estudo da pessoalidade de cada personagem.
Pois um dos temas do filme são as crises que a morte de Rudy suscita ou acentua. No
entanto, ao seguir principalmente Jacob, Leonard e Malee, o realizador mostra
também o que escondem as casas da classe média americana que compõe o cenário
principal de Aos 12 e tantos. Vista deste modo, cada fachada remete com certeza para
o nível social das famílias, mas actua ao mesmo tempo como uma espécie de ecrã
que encobre os segredos e os problemas de cada um.

A meu ver, a casa acaba por se tornar a outra grande personagem do filme: a
casa construída, a casa destruída, a casa em construção. A casa construída não
aparece neste filme como o lugar da felicidade: como o disse há pouco, todas
escondem segredos ou problemas. Vejam o caso da casa da família Fisher: tudo gira
à volta da comida ingerida em grande quantia, uma comida que ocupa todo o espaço
disponível (a sequência da ceia de Natal foca os pratos e as bocas a ingerir alimentos
de maneira brusca e nervosa) e que, literalmente, impede a fala. Ou ainda a casa de
Malee e da mãe: mãe e filha comunicam dificilmente e o pai está ausente. No que tem
a ver com a casa destruída, o paradigma é claramente o da cabana destruída pelo
fogo: lugar de infância, a cabana erguida na árvore simboliza ao mesmo tempo a
felicidade (ter uma cabana onde se juntar com os amigos) e a fragilidade (não só pela
precariedade dos materiais de construção como pela sua rápida destruição). Neste
contexto, a construção das casas aparece sem dúvida como metáfora da construção e
reconstrução das vidas em volta. Apesar dos dramas (aqui a morte de Rudy), os seres
humanos, um tempo destroçados, voltam a erguer-se, a tentar viver ou sobreviver.
Vejam o caso de Gus que participa na construção da urbanização e, ao mesmo tempo,
empreende um longo percurso de reconstrução do seu ser dilacerado por causa da
morte de uma criança noutro incêndio. A cena da conversa entre Gus e Malee nas
caves da casa em construção parece-me reveladora da tentativa do realizador de
estabelecer uma ligação metafórica entre ambas as construções (a real, da casa, e a
psicológica, de Gus). Malee revela a Gus que o rapaz que foi morto era um dos seus
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melhores amigos. Malee diz então: «Imaginas o que é matar alguém assim? É preciso
ser muito mau, não é?» Gus não reponde e fica parado um longo tempo a olhar
fixamente no vazio, ou antes a olhar para dentro de si, das suas lembranças. Por
causa da sua juventude, Malee não consegue interpretar este silêncio, mas o que o
espectador entende naquele momento é a associação íntima, forte, entre o lugar (as
caves, o que suporta e aguenta o peso de uma casa) e a personalidade fracturada de
Gus (terá de se reconstruir tomando apoio na tragédia que viveu alguns anos antes).
Aqui a palavra fundação remeteria tanto para a construção da casa como para o
processo de reconstrução de um indivíduo em parte destruído. Se, no caso de Gus, a
fundação é claramente encarada de maneira positiva, assim como o é para o pai de
Jacob e Rudy (é ele que vende o terreno onde se erguia a cabana para a construção
da urbanização), é encarada como um regresso no caso de Jacob. De facto, este ao
esconder o corpo de Kenny, que acaba de matar a tiro, nos alicerces/na fundação de
uma das casas da urbanização, está a encovar no seu ser mais íntimo a fonte de
problemas futuros. Para dizê-lo noutras palavras, casa e personagem repousam em
fundações frágeis, e a morte, em vez de libertar Jacob talvez o enclausure ainda mais
(talvez seja um dos sentidos do betão a tapar a lente da câmara numa das cenas
finais). É o que nós, espectadores, podemos entender quando na cena final, a mãe de
Rudy e Jacob olha para este e interpreta mal o comportamento do filho porque sabe
menos do que nós. Os olhares não se cruzam e, pormenor importante, existe um
cortinado entre ambos, ou seja, antevemos um futuro onde entre mãe e filho existirá
sempre uma distância, uma separação, uma espécie de fachada que nos remete para
as fachadas das casas construídas do início do filme.

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