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O EU QUE

HABITO
da [não] identificação do indivíduo no espaço

jaqueline mongeroth
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

JAQUELINE MONGEROTH

O EU QUE HABITO
da [não] identificação do indivíduo no espaço

BAURU
2014
JAQUELINE MONGEROTH

O EU QUE HABITO
da [não] identificação do indivíduo no espaço

Trabalho Final de Graduação apresentado à


Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação,
como requisito para a conclusão do curso de
Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo pela
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” - UNESP Campus Bauru, sob orientação do
Prof. Dr. Vladimir Benincasa.

BAURU
2014
Para Aquela que foi mãe,
sonhou e amou na vida, e
habita em mim.
todos importantes

Agradeço à minha mãe, por ter se encantado


pela motocicleta do meu pai. Agradeço ao meu
pai, por ter retribuído. Agradeço à Pati que em
91 adiou a primeira vez em que eu quebraria
a cara e que me colocava pra desenhar ao
seu lado enquanto estudava pro vestibular.
Agradeço à Paula, amiga-irmã que me fez ter
gosto pelos livros, pelos filmes, pela fotografia
e pela música. Agradeço ao Vitor ,amigo-irmão
por rir de mim quando tirou mais nota em
matemática. Agradeço ao Rodrigo, por nunca
ceder às comparações entre irmãos. Agradeço
ao Thiago, companheiro que sempre acreditou
em mim e nunca me deixa desistir. Agradeço
ao Vlad, por me dar segunda chance. E
agradeço novamente aos meus pais que me
ensinaram o valor do trabalho, do esforço e de
sempre tentar fazer o melhor, possível.
“O belo, como a verdade, está ligado ao tempo
em que se vive e ao indivíduo que está pronto para
compreendê-lo.”

(Gustave Coubert)

“Cheio de mérito, mas poeticamente, o homem


Habita nesta terra.”

(Friedrich Hölderlin)
O EU QUE HABITO
da [não] identificação do indivíduo no espaço

Este trabalho se dedica a compreender a identificação e a não identificação do indivíduo


no espaço. Suas causas, modos e consequências. Levantando questões e possibilidades de
solução, a temática da [não]identificação é tratada através da ressignificação dos termos “Lar”
e “Habitar” sendo à confusão conceitual destes creditada a responsabilidade pelas [não]
identificações psico-espaciais do homem. Isto é uma provocação aos modos comportamentais
do indivíduo atual que se acha inerte e apático ao espaço em que vive, encontrando-se
permanentemente em uma situação de constante insatisfação pessoal e social. Pensando
na dimensão do indivíduo, este trabalho tem justamente a pretensão de retirar algum peso
instaurado apenas sobre os deveres e responsabilidades do arquiteto e da arquitetura lançando
algumas questões sobre o papel que enfim cada ser desempenha ou não em seu ambiente.
Ao fim, pretende-se reunir respostas de modo a amenizar as inquietações colocadas, lançando
possibilidades para que o indivíduo habite, no local, no momento, na intenção, no modo e na
intensidade, não corretos, não melhores, mas suficientes para si.

Palavras-chave: lar, habitar, identificação, arquitetura.


sumário
introdução (das intenções) ......................................................................................................... 19

PARTE 1: definindo o lar - ou Onde Habito ................................................................. 28


1.1. Do que é lar ............................................................................................................ 32
1.2. O [não] lugar ........................................................................................................... 38
1.3. Consciência ............................................................................................................. 44
PARTE 2: reconhecendo o lar - ou Quando Habito ................................................ 48
2.1. Da condição do habitar ........................................................................................... 52
2.2. O [não] ocupar ........................................................................................................ 56
2.3. Encontro .................................................................................................................. 58
PARTE 3: aceitando o lar - ou Porque Habito ............................................................... 62
3.1. Da necessidade do lar ............................................................................................. 63
3.2. O [não] querer ........................................................................................................ 66
3.3. Mudança ................................................................................................................. 67
PARTE 4: vivenciando o lar - ou Como Habito ............................................................ 72
4.1. Do modo do habitar ................................................................................................ 74
4.2. O [não] ambientar ................................................................................................... 82
4.3. Ajuste ....................................................................................................................... 86
PARTE 5: conservando o lar - ou Quanto Habito ....................................................... 90
5.1. Da manutenção do lar ............................................................................................. 91
5.2. O [não] usar ............................................................................................................ 94
5.3. Habitando ................................................................................................................ 96
PARTE 6: procurando o lar - ou Quem Habito ......................................................... 104
6.1. Da habilidade em habitar ....................................................................................... 106
6.2. O [não] praticar ..................................................................................................... 108
6.3. Busca ..................................................................................................................... 112

.............................................................................................................................. 116
introdução (das intenções)
“(...) a casa é o nosso canto
do mundo. Ela é, como se
diz amiúde, o nosso primeiro
universo. É um verdadeiro
cosmos. Um cosmos em toda
a acepção do termo.”

(Gaston Bachelard)
Uomo Vitruviano.
(Leonardo Da Vinci, 1487)
QUEM [SOU EU QUE] HABITO? Isto surge de uma inquietação que buscará ser,
se não sanada, ao menos amenizada. Esta inquietação, esse desconforto, provém de uma
constatação à priori pessoal, mas que deseja ser evidenciada na tentativa de provocar série de
desarranjos, ou melhor, rearranjos, nas relações dadas de um indivíduo no espaço. Espaço
aqui entendido como não apenas urbano, nem somente doméstico, tampouco social ou
regional. Sem que seja necessário classificá-lo qualitativamente, o tomaremos, para fins do
discurso que se inicia, em sua conotação mais simples e pura: um meio em que o indivíduo
se insira ou possa vir-a-ser.
A grande questão proposta então é a recorrente [não]identificação do indivíduo no es-
paço, no ambiente, no entorno. A questão da identidade será mesmo tratada de forma ambí-
gua: ora da análise de sua ocorrência, ora da não, e a tentativa de compreender seus porquês.
Tomemos logo a arquitetura, de modo geral – o intrigante espaço criado e/ou
manipulado pelo homem para o homem - como a problemática espaço X indivíduo mais
latente. Pois, sendo evidente o papel da arquitetura na vida humana, de “pano de fundo”, o
cenário cotidiano, e sua devida eloquência, como defendida por Ruskin, eis a questão: se as
arquiteturas comunicam, por que as pessoas não mais? Por que passamos a agir de forma tão
passiva e alienada diante ao meio em que vivemos e convivemos? Neste ponto nos deparamos
com interrogativas complementares como as colocadas por Botton:

“Por que faz diferença o que o ambiente em que vivemos tem a nos dizer? Por que os
arquitetos se preocupam em projetar prédios que comuniquem ideias e sentimentos es-
pecíficos, e por que somos afetados de forma negativa por lugares que reverberam o que
consideramos serem alusões erradas? Por que somos vulneráveis, tão inconvenientemente
vulneráveis, ao que os espaços que habitamos nos dizem?”

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Estas são as perguntas fundamentais para chegarmos à intenção maior deste trabalho
que é a compreensão do sentimento humano para com o espaço. Podemos trazer o proble-
ma para ainda mais perto ao pensarmos do modo como Juhani Pallasmaa tenta compreen-
der porque as construções modernas, tão próximas e cheias de intenções, nos tocam menos
quanto uma velha cidade ou um simples galpão e como estes podem nos surpreender com
sensações de intimidade e prazer. Desta maneira partiremos à procura das possíveis respostas
que nos digam sobre a afetividade do indivíduo, de onde vêm, para onde, para que, por que,
de que modo vão, e da mesma maneira retornam ou não para nós, pois neste ponto já se faz
certo que, ao nos relacionarmos espacialmente, afetamos e somos afetados, bem ou mal, em
maior ou menor escala, querendo ou não, e o que nos resta é entender os meios deste fim.
Norberg-Schulz considera que nas sociedades primitivas, até os menores detalhes do
meio são conhecidos e significativos, constituindo estruturas espaciais complexas, enquanto
as sociedades modernas concentram toda a atenção quase exclusivamente na função “prática”
de orientação deixando a identificação ao acaso e que, em consequência disso, a alienação
tomou o lugar do verdadeiro habitar, no sentido psicológico. Do mesmo modo Enrique del
Moral colocará:

“a arquitetura deve superar a simples utilidade, pois seu último e mais digno objetivo é,
por meio da harmonia de seus elementos e a equitativa proporção do espaço e volumes,
despertar emoção e conquistar a beleza”

O primeiro coloca o tema da identificação como um problema social ao considerar a


sociedade moderna racionalmente prática que por conta disso não é capaz do “verdadeiro ha-
bitar”. O arquiteto que segue também se refere à funcionalidade como sendo perigosa, no en-
tanto aponta a arquitetura com responsável por “despertar” os sentimentos humanos através

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da conquista da beleza. Mas pensemos: quando del Moral diz “conquistar a beleza” que bele-
za é essa? Do modo colocado não parece se referir a uma beleza lógica, uma beleza imposta,
pois se assim o fosse, logo não precisaria ser “conquistada”. Neste sentido, em quem e de
quem a arquitetura tão bravamente deve “despertar emoção e conquistar a [noção de] bele-
za”? Quem a arquitetura deve fazer identificar-se? Toda uma sociedade talvez, como nos diz
Schulz, mas considerar “a sociedade” ou mesmo “uma sociedade” como um todo responsável
por um sentimento de beleza e o consequente bem-estar é muito arriscado, é leviano, é muita
gente. Ao perguntarmos Quem podemos obter uma única resposta segura: o indivíduo.
Pensando na dimensão do indivíduo, este trabalho tem justamente a pretensão de
retirar algum peso instaurado apenas sobre os deveres e responsabilidades do arquiteto e
da arquitetura lançando algumas questões sobre o papel que enfim cada ser desempenha
ou não em seu ambiente. Porém, de modo algum pretende-se transpor todo o peso sobre o
indivíduo, pelo contrário, a ideia que será defendida é a da cooperação, da troca, o mútuo
usar e transformar, pois, como novamente nos coloca Pallasmaa, a qualidade da arquitetura
não reside na sensação de realidade que expressa, mas, ao contrário, em sua capacidade de
despertar nossa imaginação. E Jane Jacobs conclui:

“As cidades têm condições de oferecer algo a todos apenas porque, e apenas
quando, são criadas por todos.”

O que ela nos diz, utilizando a escala urbana, é que o lugar de todos deve ser construído
por todos e, sendo o todo constituído de pequenas partes, de pequenos seres, de pequenas
identidades , apenas cada um se identificando e “criando” poderemos ter um todo identificável
e identificado.
Logo, o presente trabalho pretende analisar, o mais possível, o indivíduo atual e sua

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relação com o entorno. Com o olhar voltado à reflexão do comportamento das pessoas diante
das arquiteturas e das urbanidades criadas pelo próprio homem, o estudo intenciona se fazer
sob a avaliação em diferentes óticas reunindo áreas que transbordam as teorias de Arquitetura
e Urbanismo para fontes como a Filosofia e a Sociologia, a Psicologia, a Comunicação,
Semiótica, a Linguística, a História e a outras manifestações artísticas, infestas de respostas
humanas.
De posse disso, ressignificar os sentidos de Lar e Habitar apresentar-se-á como um
caminho à compreensão do relacionamento espaço-individual e possível resolução para as
[não]identificações. Assim talvez possamos aprender o Homem enquanto ser e o sentido
do “cada um” e possibilitar a este se entender enquanto ser sensível, um “ser habitante”. No
entanto, transcender tais significados não será suficiente, pois até mesmo as mais fantasiosas
representações, poderão nos soar óbvias, logo, o trabalho real será iluminar a necessidade
humana de cultivá-los e praticá-los.
Partiremos da tese geral de que ESPAÇO + INDIVÍDUO = LUGAR ou LAR –
conforme a relação que haja entre esses – e da subdivisão desta tese em temas ou questões que
refletirão justamente sobre tal relação a fim de compreender a lógica proposta e defendida por
essa equação que, enfim, poderá nos levar às respostas ansiadas. Tal problemática intenciona
obter certo conforto temático através de possíveis soluções para as questões fundamentais:
Quando, Onde, Porque, Como, Quanto e Quem [habito].
O trabalho pretende transcorrer através de um processo dialético a partir da reunião
e confrontamento de teses e antíteses, originando sínteses que possam satisfazer as questões
postas. Isso se dará pela evolução temática dividida em seis partes que concentram em si uma
questão fundamental a ser elucidada, analisada e compreendida através, respectivamente, de
três capítulos. Deste modo, o trabalho fora pensado para, além dentro do trabalho como todo,

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que cada parte também feche um processo dialético.
Enric Ruiz-Geli, em um simpósio realizado em abril de 2013, defendeu que “Arquitetos
devem ser como um vírus, infectando a mudança nos modos de habitar e viver”. Sendo esse
um Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, nada mais justo seria honrar
o pensamento de Ruiz-Geli, mesmo que sob forma teórica.
A conclusão deverá reunir as repostas obtidas através da revisão bibliográfica proposta
e do método descrito de modo a amenizar as inquietações colocadas, lançando possibilidades
para que o indivíduo habite, no local, no momento, na intenção, no modo e na intensidade,
não corretos, não melhores, mas suficientes para si.

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PARTE 1: definindo o lar
ou Onde Habito
“Quando Deus disse a Adão: ‘Serás um
fugitivo e um peregrino na Terra’, pôs o
homem frente a frente com seu problema
fundamental: atravessar a soleira e
reconquistar o lugar perdido.”

(C. Norberg-Schulz)
O homem primitivo se protegendo da chuva.
(Filarete)
lar
Substantivo masculino.
1. A parte da cozinha onde se acende o fogo .

(Dicionário Aurélio)
Para ressignificar o lar é necessário primeiramente resgatar algumas das suas principais
representações ao longo do tempo e ainda antes entender como este símbolo máximo do
abrigo se deu na história cultural e fisiológica do homem.
Segundo alguns antropólogos, o ser humano pode ser definido em suas etapas primordiais
como um “construtor de ferramentas”, pois como nos esclarece Freud “os primeiros atos
culturais (realizados pelo homem) foram o emprego de ferramentas, a dominação do fogo e a
construção de habitações”. Assim, a própria habitação é considerada uma ferramenta, tendo
como ideia e função original ser um instrumento de proteção, reduto de abrigo do homem.
André Lefèvre explicita que “o indivíduo habita da mesma forma que se veste (...)
para defender-se da inclemência e hostilidade que o rodeiam (...)”. Essa é a concepção mais
fundamental e natural que se pode ter a respeito das construções e primordialmente das
habitações: do ato instintivo de procurar um espaço que o defendesse, o homem passou
a adaptar ambientes para que a mesma função cumprissem e mais adiante, já em um ato
racional, passaram a edificar espaços à mesma maneira. Em muitas situações esta concepção
estrida do habitar como um meio protetor é vista como um ato primitivo do homem que
até determinado momento não fora capaz de superar seu instinto e ultrapassar os limites da
construção arcaica lhe empregando também noções de conforto e beleza estética, mas Le
Corbusier nos dirá:

“É exatamente a mesma atitude que você pode encontrar em uma casa pompeiana
ou em um templo de Luxor (...). Não existe essa coisa chamada “homem primitivo”,
existem apenas meios primitivos. A ideia é constante, potente desde o início.”

Ora, o primitivismo não está na ideia do homem em abrigar-se, mas no modo como o

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faz. O teórico Joseph Rykwert suplementa:

“’No início’ essas figuras [homem primitivo] deram expressão imediata à sua natureza
interior, a qual, não contaminada, seguia em uníssono com as leis fundamentais de toda a
criação.”

Podemos notar que ambos os autores exaltam a capacidade do homem em transpor-


se para o meio ambiente. Ao “dar expressão à sua natureza interior” ou possuir uma “ideia
constante” o homem segue em harmonia com as “leis fundamentais de toda a criação” que são
as mesmas da natureza: adaptar, transformar, criar, para o bem-estar.
De fato é notável que, mesmo diante do avanço tecnológico, das transformações
socioculturais, econômicas e ambientais, nossas construções, no fim, a mesma função
cumprem, nos acolhem seja fisicamente, emocionalmente ou espiritualmente. O grande
dilema é a perda, ou melhor, o encobrimento que nossa necessidade natural está sofrendo
diante apuros práticos, estéticos e técnicos ou ainda a não compreensão do modo como este
fenômeno se dá. O homem está se perdendo de si mesmo.
Ao ressignificar os sentidos de lar e habitar, tentaremos trazer o homem à sua essência,
pois habitar ou morar, como nos diz Heidegger, é a “essência do ser-no-mundo”, como
denomina a existência humana. Efetivamente, se não habitássemos não construiríamos –
construir desde já entendido seja não só como o ato de edificar, mas como identificar-se,
“construir seu mundo”, “achar-se” - e de modo algum o homem poderia sobreviver sobre a
terra.
Em um processo de reconhecimento e compreensão é essencial a necessidade de clareza
no que se busca e por tal motivo faz-se tão importante a definição do Lar, que juntamente do
termo Habitar, permeará todo este trabalho com o intento de elucidar novas possibilidades

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de vivências psico-espaciais para o indivíduo.
Para tanto, em primeira instância, é necessário compreender do que se faz o Lar e sua
abrangência conceitual que, inevitavelmente, o afastará de termos casuais como lugar e casa.
Em um segundo momento será notável o esforço em esclarecer, então, os desconfortos gerados
a partir da confusão do [não] reconhecimento de lares e lugares. Finalmente, ainda nesta
parte, poderemos unir os conceitos até então gerados e iluminar uma consciência primordial
que poderá ser, com certa crença, o início de todo o processo de autoconhecimento proposto.

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A Casa
Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela, não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.

(Vinicius de Moraes)
1.1. Do que é lar

Entendemos que o sentido de lar, a princípio, está fortemente ligado à ideia de habitação
e esta com a noção de proteção física. Nossa intenção a partir deste momento será desprender
o mais possível essas relações, pois o sentido de lar que será aqui defendido tratar-se-á muito
mais de um bem sentimental, psicológico e imagético do que concreto. No entanto, para
chegarmos até esta concepção, de início precisaremos compreender como a ideia de lar
pode evoluir do concreto para o abstrato e para tanto nos apoiaremos em uma desconstrução
etimológica e simbólica do lar.
Segundo Carnielo Miguel a palavra lar é derivada de lareira: “a lareira primitiva que
faz do seu fogo o elemento inseparável da cabana rústica. (...) A identificação do fogo está
presente nas cabanas rústicas como o elemento mais semelhante à vida. O fogo cresce, move-
se, aquece, destrói e é quente, uma das qualidades fundamentais associada à vida humana.”.
Carnielo Miguel chega a tal conclusão conforme a definição de Ricardo Severo:

“Para agasalhar o primeiro lar, o rústico altar do fogo sagrado – que foi a mais poderosa
divindade dos primitivos cultos – edificou o homem a primeira casa, a um tempo habitação
e templo.”

O apontamento de Severo não é isolado; também para Vitruvio a essência da arquitetura


está relacionada à cabana que protege o fogo e que aquece a família. O sentimento de
reconhecimento do fogo como algo muito próximo ao próprio homem e sua necessidade de
conservação começa nos dar indícios do que queremos. O fogo não se assemelha ao homem
somente em vida, mas também na morte “quando o fogo se extingue, suas cinzas tornam-se
frias, do mesmo modo que esfria o corpo de um ser quando morre. Há um paralelismo entre

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o conceito da alma que anima o corpo físico e o fogo, o espírito que anima o corpo da casa”.
Podemos compreender que o homem identifica-se ao fogo por este lhe proporcionar a vida
do mesmo modo que sua alma através do corpo. As propriedades do fogo e suas necessidades
e fragilidades são associadas às do homem. Quando o homem protege o fogo, está a proteger
a si mesmo, a sua alma e a vida do seu Ser.
Severo ainda nos lembra de que para Lewis Munford os vocábulos “lar” e “mãe” estão
associados em todas as fases da agricultura neolítica representando a constituição da base
familiar:

“’foi a mulher que fabricou os primeiros recipientes, teceu cestas e deu forma aos primeiros
vasos de barro. Na forma, o lar é criação sua...era o lar o ninho coletivo para o cuidado e
nutrição dos filhos’”

Lembremos ainda que a palavra mãe advém do latim mater e significa “aquela que
cuida” e que é empregada por muitas culturas com o significado de fonte, origem. De tal
maneira, podemos concluir que o lar é de fato nosso casulo protetor supremo, ele nos anima
e nos sustenta. Mas esta proteção não se resume à segurança física: como nossa mãe, ou a
lareira do fogo, é nosso mantenedor e não cuida somente do corpo como também do espírito,
nos assegura sentimentalmente, afetivamente, nos faz lembrar quem somos e do modo como
viemos. O lar é o que assegura nossa própria alma, lar é identidade, nossa dimensão mais
íntima, é o próprio Ser.
Eu habito em mim, eu sou o meu Lar. No meu corpo e na minha mente moram todos
os meus anseios, necessidades, referências, prioridades, gostos, desgostos, sentidos, sensações,
sentimentos, modos, medos, incertezas e convicções. O meu físico e a minha consciência são
o meu mundo - como colocam alguns autores, ainda que utilizando a figura da casa: para

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Norberg-Schulz é o nosso “mundo-da-vida” ou, como o próprio traduz, nosso microcosmos;
o mesmo conceito de espaço vital é dito por Bachelard como “canto do mundo” ou cosmos;
e enfim “imago mundi” segundo Mircea Eliade, nossa “imagem de mundo”, o centro do
mundo. Isto nos diz que o que somos físico-espiritualmente não é apenas um mundo é o
próprio mundo, é todo um mundo, que é o lar.
Todos estamos tão confortáveis com nós mesmos, de forma tão plena e natural, que
não somos então capazes de nos submeter a compreendê-lo, nos compreendermos, e extrair
da própria essência, do nosso mundo interior – o Self como elabora Jung - as potencialidades
para a construção do nosso “perfeito” mundo exterior.
Ressignificar o lar, enfim, é considerá-lo como “territorialidades simbólicas”, ou seja,
um conjunto de valores simbólicos que se expandem do Ser [essência] interior para o ser
[existir] exterior. Ao ser um conjunto de valores o lar é sentimento e ao ser sentimento ganha
todo o poder da imaterialidade. Nosso lar não possui dimensões, não se rende ao tempo e
pode se dar por relações virtuais como veremos adiante.
Assim começamos a estruturar uma nova concepção de lar, mas dizer que lar é isto e não
aquilo não basta, devemos conhecer também o que outras representações, que comumente
confunde-se ao lar são, e só então poder fazer a segura distinção entre as figuras.
Como fora introduzido, a ideia de lar extrapola enormemente a semelhança com o
termo lugar ainda que ambos sejam uma relação espacial. Paradoxalmente, é exatamente
neste ponto em que as definições se encontram e se distanciam, pois enquanto lugar é aqui
considerada uma relação estritamente físico-espacial, o lar constrói-se psicologicamente e
sentimentalmente, cheio do Ser. É fundamental reconhecer, compreender e aceitar que lar é
mais que lugar, é “o lugar de todos os lugares”, é onde eu me acho, em cada pedaço e num
todo.

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Tão logo se pode dizer que a relação entre indivíduo e espaço, quando esta se der no
âmbito da simples interação física, gerará um lugar, enquanto o lar surgirá da identificação
psicológica – reconhecimento – entre indivíduo e espaço. Por físico e psicológico também
podemos entender como a relação no e com o espaço, respectivamente - no possui conotação
de simples uso, estadia temporária, aproveitar-se do espaço em questão para realizar alguma
atividade que ali o caiba; enquanto com o espaço significa troca, apropriação e transformação.
Diante disso, ocorre que a partir do nosso envolvimento espacial estamos sujeitos a
“morar num lugar” e a “habitar um lar”.
A equação colocada na introdução do trabalho pode ter sua relação compreendida
através da dedução:
LUGAR
interação física
ESPAÇO + INDIVÍDUO =
LAR
interação psicológica

Ao desvencilharmos lar de lugar automaticamente imagens concretas como: “casa”,


“Terra”, “habitação”, “cidade”, “residência”, “campo”, “moradia”, “edifício”... às quais somos
submetidos quase que imediatamente ao pensarmos em lar, mas que estão profundamente
ligadas à ideia de proteção física e à delimitação espacial, também deverão ser absolutamente
desligadas. Recorrendo novamente ao texto de Carnielo Miguel poderemos compreender tal
necessidade:

“A casa é o objeto construído, possui valor econômico, é o abrigo, o invólucro protetor, é a


parte integrante do sítio onde se integra. O lar, por sua vez, é a vivência familiar dentro da
casa, o aquecimento ou a frialdade; o ruído ou o silêncio, a calma ou a tempestade emotiva,
o equilíbrio ou a desarmonia, o clima espiritual que ecoa nos ambientes concretos da casa.”

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Ou seja, é um equívoco tratarmos objetos únicos como a casa como um lar total. Mesmo
que amemos enormemente nossa casa, nossa cidade, nosso bairro e o mercadinho da esquina,
nosso apego a um espaço físico como sendo o lar real, não é verdadeiro, não é nossa verdade,
é apenas uma parte dela, somente algumas das infinitas projeções de lar que somos capazes
de produzir.
Como tratado pela artista plástica Aline Volkmer, não podemos negar que a casa possui
um grande potencial imaginativo e “existe de uma ou outra forma na mente de cada um,
construções de redutos imaginários, ou ideias da infância há muito tempo esquecidas, que
voltam a esses santuários individuais”. Talvez seja este potencial o mais capaz de aproximar
as ideias de casa e lar, aliás, que permite à casa ser lar. Pois o sentimento de lar aqui tratado
pode ser facilmente representado por conceitos como a casa virtual, a casa imaginária, casa
onírica – a casa de sonhos e dos sonhos – a qual é muito mais durável e persistente quanto
a casa concreta, casa física, real, a casa analógica que envelhece, rui, finda, se perde. Pensar
em “casas imaginárias” como lares é totalmente conveniente ao que buscamos, pois é um
pensamento que reúne ao mesmo tempo a questão do abrigo físico à projeção imaterial. O
imaginário apenas se transforma, voa livremente, nunca envelhece e sempre é possível. A casa
real rende-se à ação do tempo o qual se torna seu inimigo por pôr lhe prazo de validade. Para
o lar, casulo imaterial, o tempo age como aliado por potencializar sua realização e permitir ao
indivíduo autoconhecimento.
Em suma, lar é identidade é reconhecer-se no que reconhecível for. Lar é afeto, apego,
é encontro, próprio e apropriável, um espelho do meu eu. Lar é paz, calmaria, aconchego,
segurança em se estar seguro, seguro de si, dos outros, do mundo. Não sendo objeto, nosso
lar aqui é muito bem retratado pelo sentimento topofílico defendido por Yi-Fu Tuan:

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“Topofilia é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou o ambiente físico.”

Pois o neologismo nos diz “filho do lugar”, noção de pertencimento e sentimento de


identidade pura, que como o termo lar nos confere a sensação de suficiência “aqui, bem
estou” e encontro e plenitude “faço parte de”.

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1.2. O [não] lugar
Como vimos, o lar se faz muito mais psicologicamente que fisicamente e, neste sentido,
poderemos distinguir lar de lugar com simples facilidade. No entanto devemos explicitar ainda
mais a distinção entre os conceitos, primeiro porque alguns autores ainda tratam a concepção
de lugar muito semelhante à de lar, segundo porque mesmo o lugar não sendo lar, ao mostrar-
se como espaço em que o sentimento de lar pode ser projetado, é um potencial “vir-a-ser” e
neste sentido temos de saber como isso se dá.
Como geógrafo, Tuan esclarece que o significado de espaço comumente se funde ao
de lugar, uma vez que as duas categorias não podem ser compreendidas uma sem a outra.
Segundo ele, um espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos
melhor e o conferimos valor: “Quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar”
e que estes são “centros aos quais atribuímos valor e onde são satisfeitas as necessidades
biológicas de comida, água, descanso e procriação”.
Reis-Alves muito nos auxilia ao reunir os conceitos partilhados por Cunha e Ferreira
para os termos espaço “(do latim spatium), ele é a ‘distância entre dois pontos, ou a área ou
o volume entre limites determinados’” e lugar “(do latim localis, de locus), este é o ‘espaço
ocupado, localidade, cargo, posição’”. Ferreira acrescenta além da definição de espaço
ocupado a de espaço delimitado: “’(...). Sítio ou ponto referido a um fato. Esfera, ambiente.
Povoação, localidade, região ou país’”.Com base nos autores citados, ele conclui que ao ser
ocupado o espaço é entendido como habitado pelo homem e que, assim sendo, a simples
presença do homem é capaz de conferir significado ao espaço antes inanimado, tornando-o
lugar. A mesma conotação é expressa por Norberg-Schulz ao defender que “o lugar é a
concreta manifestação do habitar humano”.

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Em seu texto “O Fenômeno do Lugar” fica claro o seu pensamento à respeito:

“Pensemos numa totalidade constituída de coisas concretas que possuem substância


material, forma, textura e cor. Juntas, essas coisas determinam uma ‘qualidade ambiental’
que é a essência do lugar. (...) Portanto, um lugar é um fenômeno qualitativo ‘total’, que
não se pode reduzir a nenhuma de suas propriedades, como as espaciais, sem que se
perca de vista sua natureza concreta. (...) ao classificar lugares, deveríamos usar palavras
como ‘ilha’, ‘promontório’, ‘baía’, ‘floresta’, ‘bosque’, ‘praça’, ‘rua’, ‘pátio’, ‘chão’, ‘parede’,
‘teto’, ‘telhado’, ‘janela’, ‘porta’. (...) Por isso, lugares são designados por substantivos e isso
implica dizer que os consideramos ‘coisas [reais] que existem’ (...)”

Nitidamente, como previsto, algumas considerações aproximam-se e outras se afastam


das aqui defendidas. Primeiro, nos é conveniente acordar com o conceito de que o espaço
torna-se lugar a partir da ação humana, como defendem os autores e como foi colocado
diante da equação espaço X indivíduo proposta no início. Do mesmo modo podemos
nos apoiar na acepção de Norberg-Schulz de que o lugar é um ambiente concreto cheio
de propriedades qualitativas. Este entender nos ajuda, pois ao colocar o lugar como sendo
estritamente “coisas [reais] que existem” a ideia vai de encontro à defendida neste estudo:
do lugar como um ambiente geral em que o indivíduo pode atuar fisicamente ao passo que
o lar é uma potencialidade individual a ser projetada, ou não, em coisas físicas, de modo real
e/ou virtual (o que será tratado em capítulo futuro). Da mesma forma como empregado por
Tuan que claramente descreve o lugar como sendo um espaço destinado à realização de
atividades funcionais vitais, ao qual conferimos valor e se torna familiar à medida que supre o
homem funcionalmente e do seu consequente enraizamento. Contrariamente, tem-se a noção
de “habitar humano” empregada de forma desconexa às representadas neste trabalho, pois
habitar não deve ser considerado o simples estar do homem, o habitar depende do tipo de
relacionamento que o indivíduo desenvolve diante o espaço, é a pura projeção do lar.

39
De qualquer modo podemos compreender a natureza do lugar que é tão simples quanto
à empregada por Tuan:

“Lugar é qualquer objeto estável que capta nossa atenção.”

Enfim, lugar é qualquer lugar, é todo lugar, nos escapa por ser de todos e/ou de ninguém.
O lugar é objetivo, é funcional e estrito. Então falemos de lugar:

lugar pequeno lugar incrível lugar profundo


lugar de gente lugar alto lugar gigante
lugar de entrada lugar de bicho lugar maravilhoso
lugar quente lugar de fumar lugar aberto
lugar imaginário lugar comum lugar invisível
lugar marcado lugar de bike lugar úmido
lugar lá longe lugar feio lugar de passeio
lugar vazio lugar de espera lugar histórico
lugar sujo lugar bom lugar novo
lugar perdido lugar de dormir lugar limpo
lugar estreito lugar chato lugar escuro
lugar de carro lugar bem perto lugar gostoso
lugar cheio lugar mágico lugar fresco
lugar estranho lugar gelado lugar tenso
lugar de morar lugar fechado lugar lindo
lugar de prosa lugar apertado lugar iluminado...

40
Nota-se que lugar é expressão para tudo, é referência, é ponto, é marco, posicionamento
e espaço de ação. É substantivo, como define Norberg-Schulz. Agimos no(s) lugar(es),
passamos, são impressões e nada perdura.
Dá-se então a importância de saber reconhecer o(s) lugar(es) e o(s) não-lugar(es);
é necessário esforço para atentarmos ao que são meros “lugares de passagem” e aos que
merecem um pouco mais de atenção, são potenciais. O não-lugar, ainda que pareça contrário
direto ao lugar diante da negativa não o é, e também não sendo lar, ou melhor, ainda não o
sendo, exprime toda a potencialidade do vir-a-ser como fora dito.
Ainda que desenvolva de forma contrária os conceitos de lugar e não-lugar é extremamente
interessante o modo como o antropólogo Augé os define:

“Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não
pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá
um não-lugar. (...) O espaço do não-lugar não cria nem identidade singular nem relação,
mas sim solidão e similitude.”

Segundo Reis-Alves, Augé sustenta a hipótese de que a supermodernidade é produtora


de não-lugares e os exemplifica como “(...) espaços públicos de rápida circulação, como
aeroportos, rodoviárias, estações de metrô, e pelos meios de transporte – mas também pelas
grandes cadeias de hotéis e supermercados”. Fica evidente que a posição de Augé é em muito
semelhante à desenvolvida até o momento, com a diferença básica de que o que para ele é
definido como lugar seria o nosso não-lugar e o não-lugar por ele atacado é semelhante ao que
chamamos de lugar.
O não-lugar é uma diferenciação do lugar, é um ensejo, uma predisposição ao lar. Tal
predisposição obviamente é relativa ao indivíduo que em um lugar se encontre, dependerá
dele identificá-la e reconhecê-la ou não. Este clima latente do lugar pode ser o que os antigos

41
chamavam de Genius loci, como Norberg-Schulz nos explica:

“Genius loci é um conceito romano. Na Roma antiga, acreditava-se que todo ser
‘independente’ possuía um genius, um espírito guardião. Esse espírito dá vida às pessoas
e aos lugares, acompanha-os do nascimento à morte, e determina seu caráter ou essência.
(...) O genius denota o que uma coisa é, ou o que ‘ela quer ser’.”

Portanto o não-lugar seria então uma oportunidade, um start, posto que o início do
processo de reconhecimento do lar imposto esteja, o não-lugar seria o merecedor de um olhar
mais demorado do indivíduo ao seu encontro. Deste modo, não apenas passemos por entre
lugares, é preciso atenção, cuidado e olhar e vivenciar ao invés de instintivamente ver e passar.

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Grandes Mistérios Habitam
Grandes mistérios habitam
O limiar do meu ser,
O limiar onde hesitam
Grandes pássaros que fitam
Meu transpor tardo de os ver.

São aves cheias de abismo,


Como nos sonhos as há.
Hesito se sondo e cismo,
E à minha alma é cataclismo
O limiar onde está.

Então desperto do sonho


E sou alegre da luz,
Inda que em dia tristonho;
Porque o limiar é medonho
E todo passo é uma cruz.

(Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”)


1.3. Consciência
Posto os primeiros esclarecimentos e definições começa nos ser possível ter consciência
da nossa verdadeira condição do habitar ou da habitabilidade que cada indivíduo possui em si.
O termo consciência é empregado como sendo o produto do ciclo conhecimento – aceitação
- compreensão - transformação. Estamos ainda na fase do [re]conhecimento em que nossos
conceitos indivíduo-espaciais nos chegam de forma ressignificada e o precisamos assimilar
de maneira efetiva para partir à compreensão de suas circunstâncias, as quais referem-se ao
próprio indivíduo. Também da importância deste processo temos o apontamento de Yi-Fu
Tuan:

“Sem a autocompreensão não podemos esperar por soluções duradouras para os problemas
ambientais que, fundamentalmente, são problemas humanos.”

Assim, a consciência geral não se refere somente à ideia de que a relação humano-
espacial pode advir de uma experiência íntima, mas também de como esse processo se dá
entre uma compreensão interior e um relacionamento exterior, da importância do modo
como a satisfação ou não desta experiência influirá em nossa vivência e de que habitar é uma
característica inerente ao indivíduo ainda que desconhecida. A habitabilidade do ser é um
conceito que trataremos mais a frente, nosso propósito imediato é aprender a habitar:

“Por mais difícil e angustiante, por mais avassaladora e ameaçadora que seja a falta de
habitação, a crise propriamente dita do habitar não se encontra, primordialmente, na falta
de habitações. A crise propriamente dita de habitação é, além disso, mais antiga do que as
guerras mundiais e as destruições, mais antiga também do que o crescimento populacional
na terra e a situação do trabalhador industrial. A crise propriamente dita do habitar consiste
em que os mortais precisam sempre de novo buscar a essência do habitar, consiste em que
os mortais devem primeiro aprender a habitar.”

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Aliando a mensagem de Tuan à esta última de Heidegger nos fica claro que a tarefa
primeira do indivíduo na busca por encontrar-se no espaço - independente de suas condições
políticas, sociais, ambientais, sociais e temporais - é aprender a fazê-lo, é aprender a habitar. O
homem é o responsável pelas condições espaciais que cria e recria para si e do mesmo modo
deve se responsabilizar por suas inadequações. Logo, a “condição do habitar” humano tratar-
se-á nos sentidos “condicionado a” – enquanto predisposição humana - e, paralelamente, “do
modo como” – enquanto realização humana - além de estar estritamente ligada à noção de lar
já que esta é primazia no ato de habitar.
A consciência do lar pressupõe a capacidade de habitar justamente por representar
o próprio Ser, um ser que habita, que habita um Lar. A não compreensão deste vínculo é
apontada pela psicóloga Marilia J. Marino como um equívoco humano:

“O discurso sobre a casa do ser é uma transposição da imagem da ‘casa’ para o ser; ao
contrário, um dia seremos mais capazes de pensar o que é ‘casa’ e ‘habitar’ a partir da
essência do ser adequadamente pensada.”

Ou seja: primeiro significamos “casa” para depois desvendar e compreender o ser que
a “construiu”, ao passo que o fluxo natural seria fazermos a transposição inversa – da essência
do ser construírem-se casas. Portanto, apenas diante da consciência de quem se é e do que se
faz seu lar o indivíduo estará apto a habitar deveras, na ciência plena de que “daquilo que me
habita eu habito”, sob condições que serão explícitas nos capítulos que seguem.

45
PARTE 2: reconhecendo o lar
ou Quando Habito
Parece-nos ter ficado claro que para habitar há de se ter um lar. Mas ter lar, como
também se tenta esclarecer, não significa estritamente “de posse de”, pois se o lar é o nosso
Ser evidentemente já o temos, está embutido em nós, é a nossa própria concepção de ser e
estar no mundo. Além, ter lar é “consciência de”, é ser capaz de transbordá-lo, reconhecê-lo,
reconhecer-se, em ambiente externo a nós de modo que nos seja possível projetarmos nosso
Ser e habitar.
“Ter lar” então não é apenas ser é querer ser. É a nossa capacidade cognitiva de
transformar nossa concepção de Ser em um sistema de símbolos ou indícios de nós mesmos,
como apontado anteriormente, um conjunto de valores internos que possam ser transportados
ou “lidos” em um meio exterior. Yi-Fu Tuan mais uma vez nos esclarece como esse processo
se dá:

“Uma linguagem abstrata de sinais e símbolos é privativa da espécie humana. Com ela,
os seres humanos construíram mundos mentais para se relacionarem entre si e com a
realidade externa.”

Ele completa:

“Um símbolo é uma parte de um todo (...). Um objeto também é interpretado como um
símbolo quando projeta significados não muito claros, quando traz à mente uma sucessão
de fenômenos que estão relacionados entre si analógica ou metaforicamente.”

O homem é um ser simbólico. Mais que uma capacidade é uma característica que
não pode ser evitada, é uma necessidade humana. Codificar seu mundo é o modo como o
indivíduo torna-se capaz de se relacionar e potencialmente habitar, de ser em algo. Neste
sentido resgatamos as intrigantes questões colocadas por Botton à respeito da importância de

48
que as coisas nos digam algo: quando esperamos que os objetos, lugares, enfim qualquer
espaço físico nos comunique ansiamos, na verdade, que nos contem um pouco de nós
mesmos. Espaços que nada têm a nos dizer, nada têm a nos acrescentar.
Quando nos dispomos a pensar desta maneira algumas outras dúvidas começam vir à
tona. Mesmo se referindo à situação crítica habitacional oriunda de um mundo pós-guerra,
as incertezas levantadas por Heidegger nada perdem em atualidade, pois seja pela falta dela
ou pela sua feroz especulação, ou mais ainda pela sua inadequação, a questão da habitação
continua a ser uma incógnita:

“Considerando-se a atual crise habitacional, possuir uma habitação é, sem dúvida,


tranquilizador e satisfatório; prédios habitacionais oferecem residência. As habitações
são hoje bem divididas, fáceis de administrar, economicamente acessíveis, bem arejadas,
iluminadas e ensolaradas. Mas será que as habitações trazem nelas mesmas a garantia de
que aí acontece um habitar? As construções que não são uma habitação ainda continuam
a se determinar pelo habitar uma vez que servem para o habitar do homem. Habitar seria,
em todo caso, o fim que se impõe a todo construir. Habitar e construir encontram-se,
assim, numa relação de meios e fins.”

Futuramente abordaremos a relação entre habitar e construir também descrita pelo


filósofo, em todo caso, como havia apontado a sua fala é extremamente conveniente ao que
propomos, à busca pela ressignificação de nossos lares e do nosso habitar.
De posse do conhecimento exposto nos é possível a partir de então iniciar o [re]
conhecimento da nossa potência de lar e a escolha, a princípio, de quando habitar-se-á.
Tratando-se o lar de um conjunto de nós mesmos, seu reconhecimento não poderá ser
de outro modo que não um impulso sentimental quase que inexplicável seria não tivéssemos
aqui já conhecimento do que tal reação se trata ao retomarmos a fala de Tuan:

49
“O ser humano é levado pelas emoções para além do limite normal; ele é possuído por
uma força cuja origem coloca fora de si mesmo, na natureza e na sociedade. Assim, o
símbolo, um produto cultural supraorgânico, está intimamente ligado às experiências
orgânicas corporais em seus estágios iniciais [atos fisiológicos].”

Claramente, nosso puro autorreconhecimento em algo externo a nós, substancial, objeto


qualquer seja que nos comunique pertencimento. Ali, então, habitarei.

50
Habitar o tempo
Para não matar seu tempo, imaginou:
vivê-lo enquanto ele ocorre, ao vivo;
no instante finíssimo em que ocorre,
em ponta de agulha e porém acessível;
viver seu tempo: para o que ir viver
num deserto literal ou de alpendres;
em ermos, que não distraiam de viver
a agulha de um só instante, plenamente.
Plenamente: vivendo-o de dentro dele;
habitá-lo, na agulha de cada instante,
em cada agulha instante: e habitar nele
tudo o que habitar cede ao habitante.
E de volta de ir habitar seu tempo:
ele corre vazio, o tal tempo ao vivo;
e como além de vazio, transparente,
o instante a habitar passa invisível.
Portanto: para não matá-lo, matá-lo;
matar o tempo, enchendo-o de coisas;
em vez do deserto, ir viver nas ruas
onde o enchem e o matam as pessoas;
pois como o tempo ocorre transparente
e só ganha corpo e cor com seu miolo
(o que não passou do que lhe passou),
para habitá-lo: só no passado, morto.

(João Cabral de Melo Neto)


2.1. Da condição do habitar
Como exposto na introdução deste capítulo, a condição do habitar é ter lar. “Ter
lar”, sendo também colocado, como uma potência sugere uma apropriação do espaço,
apropriação esta não necessariamente literal, materialmente, tocando e sentindo através do
tato; o sentimento da apropriação, como veremos, pode ser explorado por todos nossos
sentidos inclusive nas imaterialidades. Apropriar trata-se igualmente identificar, “ter para si” e
diferentemente do ocupar.
Posto isso faremos o devido resgate conceitual a respeito do habitar para que, como
sobre o lar, possamos compreender suas vicissitudes. A palavra “habitar” na língua portuguesa
se refere a “1. Ocupar como residência; residir. 2. Tornar habitado. 3. Ter hábitat em. T.c.
4. Habitar (1). T.i. 5. Morar (com alguém)”, enquanto residir, um sinônimo recorrente,
apresenta-se como: “2. Acontecer; estar presente; […] 3. Achar-se; ser; estar”. Norberg-Schulz
faz a análise do termo em inglês e apresenta as relações construídas por Heidegger partindo
do alemão:

“Em inglês, a palavra dwell [habitar] deriva do norueguês antigo dvelja, que significa residir
ou permanecer. De modo análogo, Heidegger relacionou o alemão ‘wohnen’ [morar,
residir] a bleiben [permanecer] e sich aufhalten [deter-se, ficar]. O filósofo assinala que o
gótico wunian significava ‘estar satisfeito’, ‘estar em paz’. A palavra em alemão para ‘paz’,
Friede, significa ser livre, isto é, protegido do perigo e das ameaças. (...) Friede também se
relaciona com zufrieden (conteúdo), Freund (amigo) e o gótico frijön (amor). Heidegger
usa essas relações linguísticas para mostrar que habitar significa estar em paz num lugar
protegido.”

Em seu texto “Construir, habitar, pensar” o próprio Heidegger definirá:

52
“Habitar, ser trazido à paz de um abrigo, diz: permanecer pacificado na liberdade de um
pertencimento, resguardar cada coisa em sua essência. O traço fundamental do habitar é
esse resguardo. O resguardo perpassa o habitar em toda a sua amplitude. Mostra-se tão
logo nos dispomos a pensar que ser homem consiste em habitar e, isso, no sentido de um
de-morar-se dos mortais sobre essa terra.”

As definições novamente reunidas por Reis-Alves e por Norberg-Schulz nos contam


de forma racional o sentido de habitar que se complementam às noções de lugar que foram
anteriormente colocadas: de que seja o ocupar do homem, ou onde este se encontra a função
do habitar; “onde o homem está” é o lugar e o habitar, segundo as definições, seria o próprio
estar, ficar, deter-se, permanecer. Mas esses entendimentos são completamente alheios ao que
defendemos, pois “permanecer” demanda tempo e nosso habitar é completamente atemporal.
Apenas com a evolução lógica das relações criadas por Heidegger o nosso habitar se
torna lúcido quando ele une as ideias de bem-estar e proteção e estas ao sentimento de amor:
se sentir protegido não requer somente segurança física, mas aconchego espiritual – “a paz de
um abrigo” é estar “pacificado na liberdade de um pertencimento”, a paz é a satisfação e se
sentir abrigado é se sentir pertencente, a parte de algo, ou a própria coisa. Isto se torna mais
consistente quando na segunda passagem ele ainda diz: “O traço fundamental do habitar é
esse resguardo” e em atá-lo ao “de-morar-se dos mortais sobre essa terra”; ou seja, quando
pensamos em habitar como um permanecer o devemos tratar no sentido de manutenção do
seu sentimento de pertencimento através de um “resguardo”, através da memória e/ou de
nossas projeções e assim o “de-morar-se” não é deter-se físico-temporalmente, mas é não se
esquecer, é a capacidade humana de continuar habitando mesmo sem sua presença física no
espaço que sua capacidade de habitar o leva.

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Diante disso, habitar já não mais é mera ação. Habitar é estado de espírito, um
devaneio, um capricho do Ser. Habitar diferente de morar e igualmente ao lar é sentimento,
uma prosa própria dentro de si. Se lar é o identificável ou a natural identidade, habitar é
a suma identificação. Distinto ao morar ou residir que é estar – sentido de efemeridade,
transitoriedade e mesmo de fragilidade, o habitar é ser, é pertencer e o apropriar-se do lar.
Neste propósito, “apropriação” que no início bem definimos como “ter para si” enfim se
desdobra como um “permitir ser” diante uma constante [re]criação de nós mesmos ao nos
refletirmos em espaços inacabados de sentido. Constante busca, troca e transformação, temos
o habitar como um sentimento cíclico que faz-se pelo desejo: é escolha, atração, proximidade,
intimidade, elo, conexão, manifestação, satisfação. Ao conferir sentido aos espaços o próprio
indivíduo o ganha.
Ademais, o habitar não se faz tão somente do reconhecer, mas do se fazer reconhecível,
inteligível para si mesmo. Trazer à tona o que se é e o que se quer ser, bem como resgatar e/
ou resguardar o se foi.
Em mais um momento Heidegger nos lembra de que “construir já é em si mesmo um
habitar”. Ele nos remete à ideia de processo, à valorização e necessidade do processo. Como
de costume, precisamos esmiuçar o que de fato quis nos dizer, pois quando diz “construir” sua
concepção foge à edificação ou qualquer entendimento que esteja preso no plano material.
Como estruturamos no início do trabalho, nesses termos, construir refere-se a identificar,
“construir uma imagem”, constituir ideia – sentimento de “a fim de”, um querer, uma procura,
o deixar-se habitar. Justamente, a mensagem é de que já o processo pelo encontro de nós
mesmos, “a construção do Ser pelo ser” – Ser indivíduo/identidade, e ser identificação - é em
si um habitar. Pois o filósofo reforça:

54
“Não habitamos porque construímos. Ao contrário. Construímos e chegamos a construir à
medida que habitamos, ou seja, à medida que somos como aqueles que habitam.”

Ser como quem habita é simplesmente ser, dos modos mais puros que a expressão sugere,
porquanto já em o homem existir consiste seu habitar: “o homem é à medida que habita”.
Ponce recorre à Bacon e Bachelard para nos transmitir a mesma lição, respectivamente: “’Eu
sou o espaço que habito, o ponto de origem de toda atividade (...)’ ou a mesma ideia em
outros termos: ‘Je suis l’espace ou je suis’”.
Exercer o habitar, que deveria ser ação imediata ao homem não mais o é e habitar se
transformou em um “deixar ser”, é ter total consciência e aceitação de que Eu sou o meu lar e
que, inevitavelmente, a cada lugar que eu vá meu poder de habitar também irá.

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2.2. O [não] ocupar

Pensar habitar como tosco ocupar, assim como confundir lar e lugar, é um sofrível
engano. Ocupar seria a generalidade do termo morar como colocado há pouco; trata-se
da passagem, um indivíduo que passa por um espaço ocupa um lugar e isso é um evento,
acontecimento casual, rotineiro.
É o que nos resume Ponce valendo-se do termo “usar” no sentido em que configura
uma breve ocupar (ideia de funcionalidade):

“Quanto às obras, nós as vivemos e as habitamos. Uma relação que vai muito mais além
da simples ação de usar. O uso se converte, em muitas ocasiões, por força do costume,
em um ato mecânico, quase irracional. O habitar, diferentemente, implica numa relação
comprometida, consciente e ativa. Uma relação que viaja em duas direções. Habitamos e
somos habitados.”

56
Pois estamos onde não estamos.

(Pierre-Jean Jouve)
2.3. Encontro
Neste ponto conhecemos tanto o significado de lar quanto o de habitar, ou melhor, seus
ressignificados então defendidos. De posse disso enfim partimos ao encontro de nossos lares.
De maneira alguma iremos formular ideias concretas de espaços habitáveis ou lares.
Primeiro porque este não é o intento deste trabalho, o qual acredita na criação de um processo
individual de autoconhecimento através da elucidação de alguns conceitos. Segundo por se
tratar de um sentimento único e individual que cada um deve guardar e desenvolver em si;
isto nos leva a uma terceira consideração a de que seria impossível prever e indicar potenciais
lares ao passo que não estamos trabalhando com conceitos como se diz “domínio público”
ou “agrado geral” e, como nos lembra Tuan, muitos lugares cheios de significância para
determinados grupos são conhecidos emocionalmente e nem mesmo se apresentam para
todos visualmente. O que gera a quarta e última observação, a de que seria extremamente
inconsequente nos submeter a ilustrações exemplares, ou transformar indícios em “figuras de
lar”, apontamentos que possam comprometer o desenvolvimento pessoal do leitor.
Como mencionado, para habitar que se encontre um lar. O que trabalharemos neste
momento é como se dá esse encontro, que encontrar é esse? Quais as possibilidades para o
reconhecimento de nossos lares? Quando enfim habitamos?
“Encontrar”, como vários termos empregados, não se justifica por sua representação
literal de “chegar de encontro”, “defrontar-se”, “ver com os próprios olhos”, “achar
pessoalmente”, “se deparar”, não se trata de um encontro essencialmente físico e material,
exatamente porque nossa busca não o é. Este encontro é um outro, muito mais sensível, é um
despertar, o start ao qual nos referimos quando falamos sobre o não-lugar. Neste sentido, é a
nossa reflexão em algo, reconhecendo-o como lar, é nosso primeiro ato em habitar.

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Esta reflexão não necessariamente se dará em um meio material [real], nossa projeção
muito bem poderá ocorrer da mesma forma em um anteparo físico, mas inserido em um
meio imaterial [virtual] que podemos chamar de um “encontro poético” igualmente gerado
pelos cinco sentidos, mas regido pela emoção. Não é conveniente extrapolar a definição da
imaterialidade, pois isso ocorrerá em capítulo à frente que falará exatamente dos “modos do
habitar”. Por hora, ficaremos com a sugestão de que este meio é representado pela memória,
pelo sonho, pelo devaneio e pela imaginação.
Para Norberg-Schulz “é possível sentir-se ‘em casa’ sem conhecer a fundo a estrutura
espacial do lugar, isto é, o lugar é percebido por ter um caráter genericamente agradável”.
Segundo ele, o sentimento profundo de pertencimento antecede à necessidade de um
desenvolvimento psicológico pleno do indivíduo. Esta ideia é muito recorrente e talvez seja a
motivadora da situação em que colocamos em questão à princípio - da [não]identificação do
indivíduo como sendo um ato involuntário a si, que dependa essencialmente das características
do espaço – e sobre este aspecto agiremos contrariamente o teórico, tentando demonstrar
mais uma vez que a identificação pressupõe o reconhecimento que o indivíduo faça de si e
não do lugar propriamente: quando o indivíduo se encontra ele se [re]produz no espaço, ele
se torna o próprio espaço, ele o contamina e não o oposto.
É por conta disso que “a cena simples e mesmo as pouco atrativas podem revelar
aspectos que antes passavam desapercebidos e este novo insight na realidade é, às vezes,
experienciado como beleza”. Este encontro, descrito por Tuan como o sentimento de
“topofilia” já mostrado, segundo o mesmo não é a ação emotiva mais forte do homem, por
isso ao ocorrer, mesmo de forma inexplicável, podemos ter certeza que este meio ambiente
é transmissor de acontecimentos emocionais realmente fortes e que é identificado como um
símbolo. O símbolo, que contém e comunica um significado que nós o damos, consciente ou

59
inconscientemente, é a imagem que fazemos de nós.
Muitas vezes o nosso encontro, da formação da nossa imagem em coisa, é visto do
modo posto pelo geógrafo uma “experiência de beleza”. Não só ele: “Existem tantos estilos de
beleza quanto visões de felicidade” proclama Stendhal. Botton argumenta que esta amplitude
de opções nos liberta para escolhermos “quais obras de arquitetura em particular respondem
de forma mais ou menos adequada às nossas necessidades psicológicas genuínas” pois o que
realmente buscamos é “parecer com objetos e lugares que nos tocam por sua beleza, mais
do que possuí-los fisicamente”, de fato não desejamos tê-los ou contê-los e sim personifica-
los. Segundo ele, o sentido de beleza é normalmente transmitido como um sentimento de
bondade, gerador de bem-estar e satisfação, por nos passar mensagens de demasiada perfeição,
característica que o homem incessantemente busca. Logo, o belo nos atrai porque nós o
escolhemos, o determinamos como belo, é a nossa projeção de beleza, é um projeto de nós.
Enfim, quando nos encontramos em algo não somente refletimos o que somos, mas também
o que mais profundamente queremos ser.
Tuan considera o sentido de beleza como uma projeção arquetípica do subconsciente
humano que se lança no exterior; desta forma os espaços transformam-se em “símbolo da
totalidade psíquica, um microcosmo capaz de exercer uma influência benéfica sobre os seres
humanos que entram no lugar ou que aí vivem”.
É evidente a nossa procura em algo e o encontro está fortemente ligado ao desejo de
comunicação; uma ânsia de nos apresentarmos ao mundo de forma não verbal, através de
objetos e espaços, para que todos saibam quem somos e assim “lembrar de nós mesmos”.
Enfim habito quando encontro um lar, quando eu me encontro.

60
PARTE 3: aceitando o lar
ou Porque Habito
Neste momento, nosso processo de consciência passa do conhecimento à aceitação.
Os termos lar e habitar já foram ressignificados e boa parte de suas circunstâncias já fora
enunciada. Partiremos agora para a fase em que será necessário aceitar esta ressignificação
que é em suma uma ressignificação do nosso modo de nos relacionar diante o meio externo,
é uma transformação na maneira como vivenciamos nossas experiências, é uma mudança
nosso jeito de ser, por isso tão resistente. Apenas aceitando a possibilidade de um novo ser
é que poderemos compreender como fazê-lo e o que tratamos até então como potencial se
tornar real.
O habitar é um valor sobre o qual não deveríamos discutir importância já por este estar
contido em nós, no “cada um”: o que importamos é o que levamos para dentro, se guardamos
e protegemos o sentimento do lar que é nossa própria identidade, nos permitir habitar é,
ou deveria ser, um gesto natural em externar nossa intimidade e assim, fazendo parte nossa,
evidente seja um ato importante.
Mesmo reconhecendo importância, ainda é difícil aceitar a necessidade diante o atual
estado de comodidade. Mais que sua importância, a necessidade de exercer o habitar encontra-
se no fato de ser o modo como existimos no mundo, ou como deveria ser. Esta é a própria
visão de Heidegger com relação à existência humana: “’morar’ é a essência de ser-no-mundo.
“Ser-no-mundo” é o próprio existir, é a condição fundamental para que o indivíduo
seja. Fora isso, sem sua identificação, quem é este ser no mundo? Um ser sem identidade
não é ninguém, não é nada, não existe. Repetidamente reforçamos que o homem se apoia
no espaço construído porque este é o meio que lhe dá visibilidade; a arquitetura e as artes
dão forma aos estados de espírito e aos sentimentos mais humanos. Por isso a arte conforta,
porque ela permite ao homem continuar.

62
3.1. Da necessidade do lar
Ora, se estamos condicionados ao habitar, o que nos falta é aceitá-lo enquanto uma
manifestação do nosso Ser e entendê-lo como uma possibilidade de satisfação e conforto,
harmonia e plenitude.
Então a pergunta transpõe-se: por que necessitamos tanto nos encontrar em algo? Ou
por que estamos condicionados a isso? São as respostas a essas questões que possuem a
potência de nos fazer aceitar o habitar. Voltemos à consideração do abrigo.
Vimos no início conceitos que deixam clara a função fundamental do habitar como um
resguardo do homem. Filarete recorre ao Gênesis para nos mostrar como isso se deu:

“Devemos supor que quando Adão foi alojado no paraíso estava chovendo. E como não
tinha proteção, levou as mãos à cabeça para defender-se da água. E do mesmo modo que a
necessidade o obrigou a encontrar comida para seguir vivendo, assim também a habitação
foi uma habilidade para defender-se do mal tempo e da água.”

Mesmo que nos soe de maneira mítica a lição é explícita e até mesmo óbvia: o homem
necessita da habitação para defender-se e, mais interessante, considerada uma habilidade.
Certamente, como o mundo em sua forma inata não é habitável, não é suficiente para a
sobrevivência do homem ser em sua condição natural, necessariamente ele “tem que reinventar
o mundo”. Isso significa que cabe ao homem ser na terra e criar seu próprio mundo, o
“mundo-da-vida”, o microcosmo que lhe guarde. Por isso a princípio ele concebe a edificação:

“(...)Inventa uma segunda pele que o proteja e lhe garanta um espaço habitável onde possa
produzir e reproduzir sua vida. Uma pele que lhe propicie a comodidade, a segurança e o
deleite que necessita para viver plenamente. (...) ‘A essa segunda pele temos dado o nome
de Arquitetura’.”

63
Como diz Ponce, à mesma maneira de Lefèvre, a primeira arquitetura fora concebida
no intuito de resguardar o indivíduo. Em sua ideia bruta, os primeiros espaços manipulados
pelo homem inegavelmente cuidaram de preservá-lo muito mais por um instinto físico que
psicológico, pois a sobrevivência do corpo precede a da mente. Em todo caso o homem,
como ser complexo, tratou de unir os dois planos e é por isso que, mesmo de forma primitiva,
Filarete considera a habitação uma habilidade: o habitar é uma predisposição física que fora
desenvolvida psicologicamente pelo homem.
De parte disso, o lar “é qualquer espaço que consiga tornar mais consistentemente
disponível para nós as verdades importantes que o mundo mais amplo ignora, ou que nosso
eu distraído e indeciso tem dificuldade em manter. Construímos pelo mesmo motivo que
escrevemos: para registrar o que é importante para nós”. Assim, objetos, espaços, coisas, nos
contam algo, nos trazem à memória a lembrança de algo, cheios de significados. E o que eles
nos dizem? Balbuciam parte de nossa história, partes de nós mesmos, descobrir o lar é uma
descoberta de si mesmo.
Logo, a parte nosso corpo, o habitar é modo como podemos nos guardar
psicologicamente, convertendo nossa identidade em identificação. É neste sentido que “ter
lugar” é uma condição humana, como vimos é nossa forma de manifestar o que e como
somos, bem nos lembra Norberg-Schulz:

“A identidade de uma pessoa se define em função dos sistemas de pensamento desenvolvidos,


porque são eles que determinam o ‘mundo’ acessível. Esse fato é confirmado pelo uso
corrente da linguagem. Quando uma pessoa quer declarar quem é, geralmente diz: ‘Sou
nova-iorquino’ ou ‘Sou romano’. Isso tem um valor bem mais concreto do que dizer: ‘Sou
arquiteto’ ou, então, ‘Sou um otimista’.”

64
Por isso em sua conotação primeira o “abrigar” possui duplo significado e é capaz
de transformar o habitar objetivo-substantivo [estar em] no nosso habitar subjetivo-adjetivo
[estado de].
O sentido ambíguo do abrigar - gerado pelo lar e consequentemente usufruído ao habitar
- já fora insinuado anteriormente através da análise do termo proteção que está intimamente
ligado ao sentimento materno: além de assegurar o corpo físico, é a garantia de nosso estado
emocional. “Nos encontrar em algo” é agarrar os nossos sentimentos mais ou menos ocultos.
O habitar propicia o usufruto de nós mesmos, é abrigar o nosso Ser e é o que nos
possibilita ser. Estamos então condicionados a isso, porque nos é imprescindível este reduto
defensor. O abrigo é o que nos preserva em todas as nossas dimensões, seja no plano material
ou no espiritual e a nós concede vida e/ou a conserva. Por este motivo habitar é “ser-no-
mundo”, é o que nos concede a vida, é o justo viver. Do modo sugerido por Hölderlin em
seu poema:

“A vida dos homens é uma vida habitante(...)”

65
3.2. O [não] querer
A parte nossa explícita necessidade em habitar, é preciso valorizá-la e usufruí-la para
alcançar o conforto físico-emocional de que tratamos. Para habitar, no sentido total declarado,
habitar poeticamente, é preciso um querer, o “querer ser”.
Estando evidente nossa condição em habitar, é preciso fazer-se habitar. Estamos
propensos instintivamente, o que não nos garante uma ação efetiva. Ser habitante é tornar
nossa capacidade em vontade, a potência do lar na ação do habitar.
O Sentimento do habitar é algo que pode ser praticado e explorado, como veremos a
frente, mas demanda esforço. Como estamos na fase de aceitação, o querer é também aceitar
e aceitar, como uma abertura, lembremos, é permitir. Permitir-nos agir é o que produz a força
motriz do nosso interior para uma projeção exterior e essa força é a atitude:

“Atitude é primariamente uma postura cultural, uma posição que se toma frente ao mundo
(...) e é formada de uma longa sucessão de percepções, isto é, experiências.”

Conforme Tuan, a atitude é uma postura, uma posição, é o próprio querer. O não-
querer é nossa condição atual, a inércia estática; portanto a atitude é o que nos move, é o que
nos leva não somente a parecer ser, mas ser. Isso se dá de forma contínua e cumulativa por
isso a necessidade de mudar o estado de inércia: “Percepção é tanto a resposta dos sentidos
aos estímulos externos como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente
registrados (...)”.
Segundo ele ainda, é a reunião de percepções que nos confere experiências e estas
reforçam nossa capacidade em habitar, enfim, é o que molda nossa habitabilidade, alimentada
por nossa constante troca entre estímulos internos e externos que é uma “atividade proposital”,
ou seja, recebemos abrigo à medida que nos doamos para o mundo.

66
3.3. Mudança

A mudança é o passo inicial no resgate da capacidade de identificação do indivíduo.


Mudar nossa “visão de mundo”, modificar o nosso ser, é o que nos permitirá a compreensão
dos modos do habitar que seguirão.
Em todo caso, temos de aprender a mudar, ou melhor, conhecer de que maneira o que
somos e as ideias que temos podem se converter em novas resoluções de vivência.
Se habitar é um gesto que depende do querer, do hábito de cada um, a mudança em
questão não é físico-espacial, mas do modo como agimos e reagimos no espaço: se ali estamos
é preciso atentar ao que sentimos, ao que recebemos do meio em que nos encontramos e
compreender como deveremos agir para com ele.
Outra questão, além da própria vontade e da atenção, é a forma como entendemos
“o habitar” enquanto ação. Parte de nossa não identificação não se dá pela resistência do
indivíduo em se comunicar, pelo contrário, vimos o quão latente é esta característica humana,
a problemática está em justamente não sabermos como fazê-lo ou ainda, estarmos presos ao
plano material do espaço físico concreto que atingimos apenas na realidade e que muitas vezes
é esta prisão que nos causa sentimentos de insatisfação e/ou não suficiência.
A mudança necessária enfim não é apenas na reação que temos para com o que chega
até nós, mas também no modo como chegamos até as coisas, na própria ação do indivíduo,
ou adiante, na sua interação com o mundo, no modo como o experiência. É o que nos fala
Norberg-Schulz ainda referindo-se ao poema de Hölderlin:

“(...) os méritos do homem não contam muito se ele é incapaz de habitar poeticamente, isto
é, de habitar no verdadeiro sentido da palavra.”

67
“Habitar no verdadeiro sentido da palavra”, ou em todos os sentidos da palavra. A
princípio, o indivíduo deve abrir-se às novas possiblidades do habitar, especificamente às
experiências virtuais de ambiente: “Vamos entregar-nos, pois, ao poder de atração de todas
as regiões de intimidade. Não há intimidade verdadeira que repila. Todos os espaços de
intimidade designam-se por uma atração. Reiteramos ainda uma vez que seu ser é bem-estar.”.
Bachelard explicita toda a potencialidade do habitar ao conferi-lo genericamente a “regiões de
intimidade” [lares] às quais devemos nos entregar diante a “atração” indiferentemente física
e/ou emocional, que se encontrem no plano terreno e/ou das ideias, contanto que seja uma
experiência que nos conceda “bem-estar”.
Tal transformação obviamente não se dará de jeito tão instantâneo, mas sim de forma
gradual na medida em que reconhecemos e extrapolamos as diversas condições do habitar,
tanto na sua objetividade quanto na subjetividade. O processo de identificação do indivíduo se
auto alimenta conforme avançamos na sua prática. Nesta fase então o que devemos ter é uma
“consciência de mudança” e partir à compreensão.

68
PARTE 4: vivenciando o lar
ou Como Habito
“A poesia não é (...) nenhum construir no sentido
de instauração e edificação de coisas construídas.
Todavia, enquanto mediação propriamente dita
da dimensão do habitar, a poesia é um construir
em sentido inaugural. É a poesia que permite ao
homem habitar sua essência. A poesia deixa habitar
em sentido originário.”

(Martin Heidegger)
Na linha do processo de consciência, já conhecemos os termos ressignificados e também
passamos pela aceitação destes sentimentos como necessários ao homem. Nesta ocasião
iremos à compreensão do como habitar.
Vimos as condições do habitar e que este é um sentir, sentir-se bem, em paz, confortável,
satisfeito e pleno. Conforme Norberg-Schulz, a base existencial do homem, o habitar, dá-se
fundamentalmente pelo “orientar” e “identificar”, em suma, onde e como:
“Para conquistar uma base de apoio existencial, o homem deve ser capaz de orientar-se,
de saber onde está. Mas ele também tem de identificar-se com o ambiente, isto é, tem de
saber como está em determinado lugar.”

O habitar é experienciar-se através de uma projeção em coisa e enquanto experiência


pode suceder de distintas maneiras e é a justa compreensão destes modos que iniciaremos.
É conveniente ressaltar que quando habitamos, seja de modo virtual ou real, obviamente
ocupamos um espaço no tempo com isso, mas esta noção torna-se irrelevante, pois para
habitar não há regras, não tem dia nem hora, não existe período mínimo nem prazo de
validade. É possível habitar a todo instante e de inúmeras maneiras. Enquanto sentimento de
pertencimento é extremamente indiferente ao tempo, pois o indivíduo não necessita “estar”
em um dado momento muito menos “permanecer” por um determinado período em alguma
coisa para habitá-la. O sentimento vale-se muito mais da sucessão de experiências e de suas
intensidades do que da duração e o meio por que se dão; por isso podemos considerá-lo um
sentimento “atemporal”, no sentido de sua independência.
Assim, não se trata apenas de simples vivência ou permanência, mas de estabelecer
uma relação e [res]guardar na memória e [re]viver no sonho e [re]criar no devaneio e [re]
inventar na imaginação... Este é aquele “de-morar-se do Ser”, é o estar sempre em contato,
materialmente ou mentalmente.

72
AS CIDADES E OS SÍMBOLOS 1
Caminha-se por vários dias entre árvores e pedras. Raramente o olhar se fixa
numa coisa, e, quando isso acontece, ela é reconhecida pelo símbolo de alguma
outra coisa: a pegada na areia indica a passagem de um tigre; o pântano anuncia
uma veia de água; a flor do hibisco, o fim do inverno. O resto é mudo e intercam-
biável – árvores e pedras são apenas aquilo que são.
Finalmente, a viagem conduz à cidade de Tamara. Penetra-se por ruas cheias
de placas que pendem das paredes. Os olhos não vêem coisas mas figuras de
coisas que significam outras coisas: o torquês indica a casa do tira-dentes; o jarro, a
taberna; as alabardas, o corpo de guarda; a balança, a quitanda. Estátuas e escudos
reproduzem imagens de leões delfins torres estrelas: símbolo de que alguma coisa
– sabe-se lá o quê – tem como um símbolo um leão ou delfim ou torre ou estrela.
Outros símbolos advertem aquilo que é proibido em algum lugar – entrar na viela
com carroças, urinar atrás do quiosque, pescar com vara na ponte – e aquilo que é
permitido – dar de beber às zebras, jogar bocha, incinerar o cadáver dos parentes.
Na porta dos templos, vêem-se as estátuas dos deuses, cada qual representado
com seus atributos: a cornucópia, a ampulheta, a medusa, pelos quais os fiéis
podem reconhecê-los e dirigir-lhes a oração adequada. Se um edifício não contém
nenhuma insígnia ou figura, a sua forma e o lugar que ocupa na organização da
cidade bastam para indicar a sua função: o palácio real, a prisão, a casa da moeda,
a escola pitagórica, o bordel. Mesmo as mercadorias que os vendedores expõem
em suas bancas valem não por si próprias mas como símbolos de outras coisas: a
tira bordada para a testa significa elegância; a liteira dourada, poder; os volumes de
Averróis, sabedoria; a pulseira para o tornozelo, voluptuosidade. O olhar percorre
as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar,
faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando Tamara, não
faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as
suas partes.
Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o
que contém e o que esconde, ao se sair de Tamara é impossível saber. Do lado de
fora, a terra estende-se vazia até o horizonte, abre-se o céu onde correm as nuvens.
Nas formas que o acaso e o vento dão às nuvens, o homem se propõe a reconhecer
figuras: veleiro, mão, elefante…

(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis 1990, p.17-18)


4.1. Do modo do habitar
Habitar, como muito dito, não é estar, mas é estado, o ser – como viver em plenitude
do Ser – é o estado de sentir-se conectado permanentemente - não preso, ou mesmo
subordinado, mas “estar com” o espaço, tomá-lo em si e deixar-se nele. Nossa conexão no
espaço manifestada através do sentimento de encontro:

lá | ali |aqui | ali | lá estou


lá | ali |aqui | ali | lá sou
lá | ali |aqui | ali | lá me é
lá | ali |aqui | ali | lá eu.

Pode-se dizer então que o encontro é encontrar-se no encontro com nosso(s) lar(es).
O encontro é plural: encontramos nossa identidade ou nosso Ser, de forma sentimental
e imagética, ao encontramos espaços concretos que nos comuniquem em realidade ou
virtualidade.
Trata-se de um “encontro poético” ou o “habitar original” nos dito por Heidegger e
defendido por Norberg-Schulz como o “habitar poeticamente”. De acordo com o primeiro
é a poesia que nos permite habitar e que faz a mediação entre toda a “dimensão do habitar”,
quer dizer, dos modos deste. Tais modos podem ser gerados não só pelo sentido que se
relaciona estritamente ao ambiente físico concreto como o tato, mas também e muito mais
pelos demais e/ou composições sinestésicas deles nos submetendo à emoção.
Como se vê, o modo como habitamos não é um modo atuante ou passivo, ao mesmo
tempo, somos agentes e reagentes e por isso habitar é se relacionar com o ambiente e não no
ambiente.

74
É a troca que compõe as possibilidades e potencialidades do estar [estado] e do ser: a partir
das relações sensoriais e sinestésicas do indivíduo pra com o meio externo.
Segundo Botton nossos “estímulos sensoriais são potencialmente infinitos: aquilo em
que decidimos prestar atenção (valorizar ou amar) é um acidente do temperamento individual,
do propósito e das forças culturais que atuam em determinada época(...)”. Ou seja, não só
sentimos, mas escolhemos o que sentimos mais ou menos, em maior ou menor intensidade,
e que somos condicionados a isso, como se houvesse um filtro entre o estímulo instintivo e a
consciência ou representação que tomamos disso. Ainda ele nos mostra exatamente como é
possível nos identificarmos em algo através de sentidos isolados e como os reproduzimos em
fatos significativos quando diz:

“Assim como uma infância pode vir à tona com o cheiro de um sabão em pó ou uma xícara
de chá, toda uma cultura pode brotar dos ângulos formados por algumas linhas.”

Adiante poderemos compreender precisamente que os sentidos são o meio pelo qual
podemos habitar, pois são eles que nos trazem nossos lares e também os criam, são de fato
o que nos permite sentir. É essa a poesia, rendermo-nos às nossas sensações. No momento,
exploremos mais do que se tratam.
Tuan se dedica fortemente a analisar como os indivíduos se relacionam com o mundo
externo através dos sentidos e podemos nos apoiar com segurança em suas considerações que
os analisam de forma condicionada e encadeada, vejamos:

75
“O tato é a experiência direta da resistência, a experiência direta do mundo como um
sistema de resistência e de pressões que nos persuadem da existência de uma realidade
independente de nossa imaginação. Ver não é ainda acreditar: por isso Cristo se ofereceu
para ser tocado pelo apóstolo incrédulo. (...) Os olhos obtêm informações muito mais
precisas e detalhadas sobre o meio ambiente do que os ouvidos, mas geralmente somos
mais sensibilizados pelo que ouvimos do que pelo que vemos. (...) Para muitas pessoas, a
música é uma experiência mais forte que olhar quadros e cenários. Por que isso? Em parte,
talvez, porque não podemos fechar nossos ouvidos como podemos fechar nossos olhos.
Sentimo-nos mais vulneráveis aos sons (...) nossa experiência de espaço é aumentada
grandemente pelo sentido auditivo, que fornece informações do mundo além do campo
visual.”

Como havia dito e que fica reforçado pela citação do geógrafo, o tato é um sentido que
está extremamente ligado à noção do real e por isso nos é traiçoeiro na concepção do habitar,
pois nossas relações espaciais não se dão apenas de maneira tátil concreta em um mundo
real, como ele mesmo nos diz, nossas vivências ou “experiências de espaço” são fortemente
ampliadas através dos outros sentidos. Claramente é pela reunião dos sentidos que sentimos
o mundo ao nosso redor.
Santos, o qual se dedica à pesquisa sobre a interação corpo-espaço-objeto, nos diz:
“Percebo que Sokolowski ainda contempla a relação espaço-corpo quando argumenta que o
corpo move-se através do espaço do mundo, e ao mover-se no espaço pontos (ou relações) são
estabelecidos.”. Mas essas relações não são capazes de configurar o habitar, justamente por
este não se configurar em corpo, mas em mente. A relação entre corpo e espaço é evidente,
mas temos que compreender que suas possibilidades vão além do mundo real e o que nos
leva a essa experiência além são os modos dos sentidos:

76
“Mesmo quando nos relacionamos com coisas que não se encontram numa proximidade
estimável, demoramo-nos junto às coisas elas mesmas. O que fazemos não é simplesmente
representar, como se costuma ensinar, dentro de nós coisas distantes de nós, deixando
passar em nosso interior e na nossa cabeça representações como sucedâneos das coisas
distantes. (...) A partir desse momento em que pensamos, estamos juntos daquela ponte
lá e não junto a um conteúdo de representação armazenado em nossa consciência. Daqui
podemos até mesmo estar bem mais próximos dessa ponte e do espaço que ela dá e
arruma do que alguém que a utiliza diariamente como um meio indiferente de atravessar
os espaços(...).”

Assim, nossos laços afetivos gerados pelo que sentimos se dão mesmo em distância, tanto
espacial quanto temporal. Essa distância é suprida precisamente por qualquer manifestação
sensorial que nos leve até os lares que abrigam este afeto e o meio em que essas experiências
realizam-se deixam de ser a materialidade e frutificam-se grandemente na imaterialidade da
memória, do sonho, do devaneio e da imaginação.
De certa maneira, as experiências físicas são codificadas sentimentalmente e tornam
a se projetar, a nos projetar, através dos meios citados, os considerados “virtuais”. Virtual
não no sentido de irreal, mas que não podemos palpar; nós somos capazes de sentir, ver,
até mesmo ouvir e degustar, mas são idealizações que não podemos concretizar, o máximo
que conseguimos é verbalizar por isso são experiências extremamente íntimas e únicas, e tão
exaltadas aqui.
Embora Ítalo Calvino não fale de espaços isoladamente, a alusão que ele faz à cidade
é semelhante ao que falamos. A ideia de cidade não é vista de um modo racional e concreto,
mas de uma forma pessoal e intimista. A ela confere-se uma espécie de projeção do sujeito
que varia de acordo com cada visitante. Como se refere Wolkmer “as cidades quase que
representam essa humanidade, esse mudar ao longo do tempo, os diferentes pontos de vista”.

77
Essas são as vivências mais fiéis que podemos ter. É um paradoxo experiências irreais
serem consideradas as mais verdadeiras, mas o ponto é que na medida em que só nós temos
acesso a elas nossos desejos mais sinceros e o nosso verdadeiro eu – o Ser - podem ser
revelados sem se contaminarem com a conveniência humana de preocupar-se sempre em
passar e manter a imagem do que gostaríamos de ser e não do que deveras somos.
Por este motivo, talvez, o homem esteja sempre a simbolizar seu mundo, para que não
se perca de si mesmo. Pallasmaa exemplifica esclarecendo nossa relação com a arte:

“A linguagem da arte é a linguagem dos símbolos que podem ser identificados com nossa
existência. Se lhe falta um contato com as memórias sensoriais que vivem em nosso
subconsciente e ligam nossos vários sentidos, a arte fica inevitavelmente reduzida a mera
decoração. Sem significado. A experiência da arte é uma interação entre nossas memórias
corporificadas e nosso mundo. Em certo sentido, toda arte se origina de nosso corpo (...).”

Na medida em que a arte é pura e inata é considerada a maneira capaz de expressar a


verdade humana, um reflexo da nossa existência, não só por nos identificarmos em símbolos,
mas também por nos expressarmos através deles.
Isto nos diz que se identificar como um habitar é o nosso contato com o externo
sensorialmente, que uma experiência a princípio corporal torna-se mental no momento em
que a registramos qualitativamente em nossa memória e a guardamos para novas projeções.
As experiências vividas bem como as que poderemos viver, as expectativas, desejos, devaneios
e intenções também configuram um habitar.
Os modos pelos quais habitamos nossos lares são os mesmos que nos permitem mantê-
los e praticá-los. A memória é o meio consciente que conserva nossas experiências passadas
as quais sempre temos à disposição para habitar em lembrança e como base para atitudes
futuras.
78
O sonho é o meio imaterial mais complexo em que podemos experienciar os ambientes;
mesmo sob inconsciência ele é o único meio capaz de projetar todas as dimensões de vivência
a um só tempo: ele resgata, reflete e cria. Infelizmente não poderemos nos estender a seu
respeito, mas é inegável que os sonhos se dão em ambientes muitas vezes “desconhecidos”
com sequências e fatos que consideramos “estranhos” ou “surreais” mesclados com dados de
nossa realidade vivida. O devaneio é o meio fantasioso o qual podemos considerar como uma
solidariedade entre a memória e a imaginação. É uma forma de recriarmos nossa realidade e
moldá-la ao nosso desejo mentalmente. A imaginação é a pura projeção do futuro, também
uma forma de modificar o presente mas como uma evolução desde.
O sentimento de manutenção que estes meios de experiência nos conferem fica explícito
no pensamento de Bachelard, principalmente com relação ao devaneio:
“O espaço habitado carrega a essência do aconchego que permite abrigar a imaginação,
o pensamento, o sonho. Ao devaneio pertencem valores que marcam o homem em sua
profundidade. (...) Então, os lugares onde se viveu o devaneio reconstituem-se por si
mesmos num novo devaneio. É exatamente porque as lembranças das antigas moradas são
revividas como devaneios que as moradas do passado são imperecíveis para nós.”

Através do sonho, do devaneio, da imaginação e da própria memória, vivemos em “lares


imaginários”. Conforme o mesmo autor, vivemos fixações de felicidade e “reconfortamo-nos
ao reviver lembranças de proteção”. Essas “fixações de felicidade” podemos considerar como
sendo a própria identificação, que nos gera conforto e entusiasmo.
Estamos irremediavelmente condicionados a “simbolizar” e talvez seja esse o motivo que
nos faça seres tão dependentes do ambiente em que nos inserimos. Para Botton, o homem
parece incapaz de olhar um prédio, um móvel ou qualquer pedaço de espaço sem relacioná-lo
às suas situações históricas e pessoais o que os tornam uma espécie de “suvenires emocionais”

79
que resgatamos e transpomos aos cenários em que nos encontramos.
O próprio Pallasmaa nos conta sobre suas experiências sensoriais através da memória:

“Eu mesmo, por exemplo, não consigo encontrar na memória da minha infância uma única
janela ou porta como tal, mas posso sentar-me à janela de minhas inúmeras lembranças
e observar um jardim há muito desaparecido ou uma clareira agora coberta de árvores.
Posso ainda atravessar as inumeráveis portas de minha memória e reconhecer a escuridão
cálida e o cheiro peculiar das salas que estão do outro lado.”

Para habitar basta sentir, não há critério, ordens ou segredos que não o sentimento de(o)
cada um. Permitindo-se habitar, habitar-se-á.

80
Alone
“From childhood’s hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring
From de same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.”

(Edgar Allan Poe, fragmento)


4.2. O [não] ambientar
Não raro nos sentimos desajustados em muitos ambientes, isto é fato. A questão é:
como agimos diante disso? Que atitudes estamos tomando para com o mundo externo?
Primeiramente, devemos compreender o fluxo emocional que corre entre o espaço e o
indivíduo. Qual a direção que ele toma? De onde vem e para onde vai? Se habitar nos parece
tão irresistivelmente natural, por que ainda encontramos espaços de resistência?
Como visto os ambientes comunicam, mas sendo a comunicação uma cobra ardilosa
nem sempre ouvimos, vemos e sentimos o que gostaríamos, pois é racional entender que o
ambiente externo é um só a todos e que sua diferenciação dá-se exatamente na interpretação
que cada um faz de seus dizeres ao modo que lhes caibam.
As características materiais dos ambientes é o que Norberg-Schulz chama de “caráter”,
ou seja, o conjunto de características físicas que determina o lugar como tal; é o que lhe confere
existência concreta e que propicia os fenômenos do mundo-da-vida. Em complemento a essa
estrutura tem-se o genuis loci que vimos ser o “espírito do lugar” e somente compreendendo
o genius do espaço poderemos realmente aceitar o que ele quer e pode nos dizer. Isto quer
dizer que nós somos corrompidos pela imagem física dos ambientes, o que muitas vezes nos
impede de habitá-los:

“(...) Só assim podemos compreender de modo cabal o genius loci, isto é, o ‘espírito do
lugar’ que os antigos reconheciam com aquele ‘outro’ que os homens precisam aceitar para
ser capazes de habitar.”

Para o mesmo autor, a importância de entrar em acordo com o genius constituía


um critério de sobrevivência na antiguidade, tanto a harmonia física quanto psíquica eram
determinantes para usufruir o ambiente o quanto ele podia proporcionar. Além disso, manter

82
uma boa relação com o lugar é ambientar-se e retornaremos à noção de que devemos
conhecer não só onde estamos, mas como estamos com o ambiente. É notável a mudança
de atitude do indivíduo atual com relação ao meio externo. Os mecanismos técnicos e sociais
transformaram o sentimento de potência do homem que se reconhece capaz de tudo fazer e
tudo transformar:
“(...) os recentes desenvolvimentos, tanto sociais quanto técnicos, criaram novas condições:
‘Portanto, está surgindo um tipo humano capaz de transformar rapidamente o ambiente
para atender desejos, amplamente capaz de superar a grande cidade de hoje (...). Na
capacidade de transformação temos um novo tipo de cidadão (...)’.”

De modo algum se intenciona anular esta capacidade do homem, a questão a ser


avaliada é à intensidade e aos modos como esse “poder” está se ajustando. O sentimento
de onipotência não é benéfico ao homem na medida em que este exclui a necessidade
de analisar e compreender o ambiente, trabalho que se torna penoso diante praticidades
comportamentais e tecnológicas. O que é um desgaste desnecessário posto que é da natureza
humana a qualidade de adaptar-se ao meio: “O ser humano é excepcionalmente adaptável.
Beleza ou feiura – cada uma tende a desaparecer no subconsciente à medida que ele aprende
a viver nesse mundo.”. A problemática é ter ficado muito mais “fácil” manipular o ambiente
do que o auto ajuste do indivíduo, ao passo que não deveria ser nem um nem outro. O
sentimento de cooperatividade citado anteriormente perdeu espaço para imposições, parece
haver um duelo entre as condições ambientais e as exigências psíquicas do homem, as quais
poderiam ser facilmente satisfeitas apenas pela leitura e tradução do espaço:

“O propósito existencial do construir (arquitetura) é fazer um sítio tornar-se um lugar, isto


é, revelar os significados presentes de modo latente no ambiente dado.”

Podemos arriscar dizer que ao indivíduo atual falta certa domesticidade.

83
O mundo é um moinho
“(...)Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és(...)”

(Cartola, fragmento)
4.3. Ajuste
O ajuste deve agir sobre nossa compreensão de ver, receber, viver, vivenciar... Ajustar é
compreender mais que cobrar. É se compreender, compreender que somos seres mutáveis e
que o mundo externo também. O ajuste tão logo é harmonia, se não identidade confessa para
com certos espaços, é preciso ao menos ter consciência dos motivos que nos levam à apatia e
respeitar o que pode ser o lar de alguém.
Ponce nos lembra que, para Louis Kan, “na natureza do espaço estão o espírito e a
vontade de existir de uma certa maneira”. Esta é a latência do espaço também referida por
Norberg-Schulz, sob a qual devemos nos ajustar e não levianamente nos impor. Ora, se
encontrar em coisa é um gesto, ou melhor, um sentimento leve, espontâneo, e não um pesar
sobre alguma das partes.
O esforço aqui é evidenciar este processo, pois é necessário, além da compreensão,
a mobilização e o acúmulo de experiências do indivíduo na busca pelo verdadeiro habitar.
Yi-Fu Tuan defende que nossa “visão do mundo” se dá de forma “conceitualiazada”, no
medida em que reunimos ao longo da vida experiências pessoais e sociais que nos imputem
um sistema de crenças a partir se significados e significantes. Isso reforça a imensa capacidade
de ajuste do homem que, quando se vê diante da impossibilidade de modificar fisicamente
o meio, é capaz de ajustar-se psicologicamente, o que retroalimenta esse sistema de crenças:

“As necessidades humanas, as exigências emocionais e as aspirações, em geral, não são


racionais, mas o neocórtex tem aparentemente uma capacidade infinita de fornecer ‘razões’
para aquilo que fazemos(...) O cérebro é a força principal à disposição do homem para
traduzir os seus anseios em algo semelhante à realidade.”

86
É como se fôssemos capazes de manipular, logo ajustar, nossos próprios sentimentos na
intenção de garantir sempre um estado de bem-estar pessoal independente da situação em que
nos encontramos; é o que costumamos chamar de esperança ou “pensamento positivo”. Desta
maneira conseguimos nos manter nos ambientes sem grandes conflitos ao estabelecermos
esta espécie de simbiose nos espaços em que nos encontramos, como conclui Ponce “nós
os habitamos e eles nos habitam. Somos seus habitantes ou seus habitadores”. Nisto reside
o modo do habitar: a permissão. De que nós nos permitamos ser enquanto somos e que
permitamos também ao espaço ser como é.

87
PARTE 5: conservando o lar
ou Quanto Habito
Sendo o habitar um estado e não estadia, não nos convém, como dito, pensar um
período para seu exercício. Deste modo, “quanto habitar” ou a conservação do lar no caso
podem ser tomados muito mais como noções de intensidade do que em termos temporais.
Na mesma medida em que Lima nos indaga: “O ato de habitar de uma certa maneira como a
realização do ser colocar-se-ia como uma atividade supra-temporal, ou, mesmo, a-temporal?”,
podemos responder mais uma vez assertivamente que sim, pois, nesta ocasião, nitidamente
não é oportuno tratarmos a periodicidade do habitar, posto que tanto o momento quanto
a duração sejam experiências restritas a cada indivíduo e, ainda para estes, vinculadas a
eventualidades. Isto é exposto claramente por Santos:

“(...) o olhar fenomenológico não carrega consigo uma consistência temporal, mas uma
intensidade do vínculo pessoal com o espaço como fenômeno do sentido (tanto emocional
quanto intelectual). O sujeito protagonista seria, assim, um indivíduo diante de si mesmo e
do mundo, um corpo sensível constituído através de sua experiência, vinculado, por meio
da intenção, ao mundo e às coisas.”

Logo, a valoração do lar é tanto mais legítima quanto o momento ou a duração em


que se habita, pois o tempo estrito se perde e nossos valores não. “Para viver, o homem deve
ver algum valor em seu mundo”, as palavras de Rykwert legitimam que nossa capacidade de
habitar está intimamente ligada ao valor que damos a este ato, por isso podendo ocorrer em
maior ou menor escala. Quanto se habita nos diz “o quanto se toma para si”, qual o valor
realmente emprego ao ato do habitar e quanto verdadeiro este sentimento de identificação, é
o quanto seu lar está sendo refletido e não refratado.
Quanto mais forte for nosso vínculo, ou melhor, a consciência de lar e a clareza das
circunstâncias como tratamos, maior será seu poder de conservação. Assim, conservar o lar
enquanto identidade é transformar o habitar em hábito, um exercício constante da nossa
existência enquanto Ser.
90
5.1. Da manutenção do lar
Mantemos nossos lares do mesmo modo que os legitimamos: habitando. Como indicado,
a conservação do lar ocorre na medida em que o externalizamos e, mais intensamente, quando
exploramos nossas percepções imateriais - o sonho, a imaginação, o devaneio, a memória –
estes meios potencializam nosso habitar por não demandarem que estejamos necessariamente
de forma concreta nos espaços em que habitamos.
O poder de conservação de acontecimentos, objetos, cenas através das nossas projeções
imagéticas se dá por serem metáforas da nossa vida material-real e também constituírem uma
vida mesmo que transfigurada. Pela memória, por exemplo, tudo vive e sobrevive e revive.
O próprio ato já é um manter e hábitos mais “acessíveis” como o imaginário, nos permite
explorar enormemente nossa habitabilidade.
Podemos considerar essas representações quase que uma espécie de culto à vida que
tivemos, temos ou gostaríamos de ter em determinados espaços e é justamente por este
sentimento que podemos “revisitar os lares”, em todos os sentidos da palavra. Ainda sob
maneira muito mais bruta e racional, os antigos já mantinham costumes mantenedores de seus
espaços, pensados como territorialidades:
“(...) a integridade do lugar deve ser mantida por meio de ritos. No tempo da República
Romana, o chefe de família preservava os limites do seu domínio percorrendo os campos,
cantando hinos e trazendo as vítimas de sacrifício para sua presença.”

Os ritos, como cita Tuan, independente da forma, são o modo pelo qual podemos
sempre estar em contato com nossos lares. São eles que nos lembram de onde somos, até
onde vamos e, principalmente, o que nós somos. Mesmo de forma simbólica, é através da
prática deles que [re]lembramos o nosso lar.

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O sentido de ritual nos remete novamente à ideia de hábito, também defendida por
Marino ao dizer que à vida do homem confere um “construir-cultivar, pensar-fazer” que a
transforma em cenas-situações que podemos “recolher” e habitá-las mediante nosso imaginário
como uma “abertura do ser”. Esta expressão por ela usada podemos entender tanto como a
“a permissão de ser” de habitar e viver em totalidade, quanto “a manifestação do Ser” que
livremente se manifesta através dos atos que ela coloca. Aliás, a própria palavra “cultivar”
naturalmente nos remete à noção de culto ou “cultuar”, de praticar, alimentar, inferindo ao
gesto da manutenção.
Lima nos dá essa dimensão ao basear-se em Hassan Fathy e defender que “apenas
habita o homem que tem hábitos”, pois para Fathy o hábito está para o indivíduo assim
como a tradição para a sociedade se constituindo dia após dia de atividades cotidianas que se
repetem no mesmo espaço habitado.
Neste sentido, se resta alguma conexão entre o habitar e o tempo é a permissão que este
concede àquele que se repita e se conserve e ocorra a algum tempo:

“(...) Por vezes acreditamos conhecer-nos no tempo, ao passo que se conhece apenas uma
série de fixações nos espaços da estabilidade do ser, de um ser que não quer passar no
tempo; que no próprio passado, quando sai em busca do tempo perdido, quer “suspender”
o voo do tempo. (...) busca-se o tempo perdido não exatamente pela memória, mas pela
eterna repetição do mesmo.”

Reis-Alves nos lembra de que das formas que Tuan também relaciona tempo e
espaço, uma é a de que “o lugar seria o tempo visível, isto é, o lugar como lembrança de
tempos passados, pertencente à memória”, o que reforça o conceito de que resguardar um
espaço, um lar, e habitar em imaterialidade é conservar todo um “tempo em que se vive”:
a lembrança de ambientes nos permite revivermos situações jamais possíveis na realidade

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concreta, são nossas “fixações de felicidade” chamadas por Bachelard sem as quais não somos
possíveis. O próprio defende que é exatamente porque podemos reviver em antigas moradas pela
lembrança como projeções em devaneios é que as mesmas moradas são imperecíveis dentro de nós.
O desejo, ou necessidade de lembrar, é latente no indivíduo e exatamente por isso
“construímos-fazemos” um mundo em que possamos manter vivas coisas que amamos
e não podemos perder para o tempo: “Da mesma maneira que levantamos marcos e
mausoléus para celebrar entes amados perdidos, construímos e decoramos as edificações
para nos ajudar a lembrar de partes importantes, mas fugidias de nós mesmos”.

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5.2. O [não] usar
Usar o lar é transportar toda sua capacidade de segurança e bem-estar que nos proporciona
sendo parte de nós mesmos através de espaços habitáveis para que da mesma forma nos
protejam e nos completem. Completar não só parte que nos falte – o que gostaríamos de ser
– mas também que receba pedaço de nós – aceitar o que somos.
Portanto o usar ou o não usar nossa capacidade de habitar à melhor maneira, ou a
mais intensa e verdadeira possível, configura um aproveitar do lar na totalidade. Segundo
Heidegger é essa totalidade, a troca do habitar, que possibilita nosso autoconhecimento:

Quando nos recolhemos - como se diz - dentro de nós mesmos, é a partir das coisas que
chegamos dentro de nós, ou seja, sem abrir mão da de-mora junto às coisas. (...). Somente
porque essa de-mora determina o ser homem é que as coisas podem não nos tocar e nada
nos dizer.

É por essa simbiose que configuramos nossa habitabilidade, quer dizer, nossa capacidade
em também sermos habitados “junto às coisas”, nós as contemos e elas nos contém. A
habitabilidade dos objetos descrita por Ponce reverte-se a nós:

“(...) Objetos ante os quais não estamos junto mas dentro. Nos envolvem e, portanto, nos
convertemos em seu conteúdo principal. Nossa necessidade de habitar é inexorável e lhes
dão sua característica básica: a habitabilidade.”

Diante disso, possuir habitabilidade é se permitir, fazer-se habitável, tanto quanto


“habitador”.
Quando este processo não se completa dificilmente teremos simpatia pelo espaço posto
que este seja inerte junto a nós. É o mesmo que Pallasmaa diz ao se referir à obras de arte:

94
“Uma obra de arte é uma realidade somente quando se tem uma experiência dela e ter
experiência de uma obra de arte significa recriar sua dimensão de sentimento”. E Santos nos
provoca:

“Ao abraçarmos alguém, o que está acontecendo? Nós damos o abraço ou recebemos o abraço?”

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5.3. Habitando

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99
100
PARTE 6: procurando o lar
ou Quem Habito
Casa Arrumada
Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo,
com espaço livre pra circulação
e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa
e não centro cirúrgico,
um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo
limpando, esterilizando, ajeitando
os móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde
eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela
em que os livros saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso,
pelo abuso das refeições fartas,
que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa. E nos quartos, se possível,
E se o piso não tem arranhão, tem lençóis revirados por gente que brinca
é porque ali ninguém dança. ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro Casa com vida é aquela que
com vapor perfumado no meio da tarde. a gente arruma pra ficar
Tem gaveta de entulho, daquelas com a cara da gente.
que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, Arrume a casa todos os dias...
tudo junto... Mas arrume de um jeito que lhe
Casa com vida é aquela em que sobre tempo para viver nela...
a gente entra e se sente bem-vinda. E reconhecer nela o seu lugar.
A que está sempre pronta pros amigos,
filhos... Netos, pros vizinhos... (Lena Gino)
QUEM [SOU EU QUE] HABITO? É neste que momento o ciclo da consciência
começa a se fechar, pode ser o início da transformação do ser.
Habitará não só aquele que for capaz de se identificar no espaço, mas também o
indivíduo identificável o suficiente para procurar espaços que lhe caibam, esse é o grande
intento do autoconhecimento.
Ainda mais, habitará o indivíduo que atentar-se à conservação do lar e que se dispor a
ajustá-lo constantemente.
Inegavelmente habitará o indivíduo capaz de olhar para si e compreender o lar e achar-
se onde, quando, porque, como, quanto e quem é.

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Unimultiplicidade
“(...) quero a unimultiplicidade
onde cada homem é sozinho
a casa da humanidade
Não tenho nada na cabeça
a não ser o céu
não tenho nada por sapato
a não ser o passo(...)”

(Tom Zé, fragmento)


6.1. Da habilidade em habitar
Querendo-se habitar sua habilidade será alcançada através da experiência, enfim, do
exercício do habitar. E exercer o habitar, finalmente podemos compreender que, por mais
inato que nos pareça na verdade não é, e se faz do conjunto de circunstâncias aqui tratadas e,
principalmente, da manutenção e prática do lar.
A prática que nos levará a uma transformação no nosso modo de habitar e mais que
habitarmos espaços em que nos encontramos, poderemos ir à busca de lares ideais, pois como
nos lembra Heidegger “somente em sendo capazes de habitar é que podemos construir”.
A habilidade em habitar pressupõe a necessidade do homem em manipular o espaço e a
procura pelo lar é o que permite ao indivíduo ser:
“ (...) o homem pode habitar somente quando é de um outro modo que ele já ‘cultiva-
constrói’... projetando constantemente o ‘construir-cultivar’.” É este fazer (poièsis) que
conduz o homem sobre a terra, à terra e que o conduz, assim, na habitação.”

Entendemos anteriormente que o “cultivar-construir” se dá na estruturação psicológica


do indivíduo e exprime exatamente o hábito que impulsiona o habitar ao ser construir e
cultivar relações de identidade. O notar e fazer-se notável, o envolvimento defendido por
Tuan que classifica o indivíduo que implemente “vê” como um expectador que não possui
relação com a cena.
A habilidade em habitar reside em “enxergar” lares, talvez como parte de nossas crenças
ou dos referidos ritos emocionais, é a abertura do Ser:
“ Para o homem positivo, tudo o que é irreal se parece, já que as formas estão submersas
e afogadas na irrealidade. Só as casas reais poderiam ter uma individualidade. Mas um
sonhador de casas vê casas em toda parte. Tudo serve de motivação para os sonhos de
abrigo.”

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Para Wolkmer o “construir-cultivar” ganha toda a liberdade poética e nos induz:

“ deve ser algo incrível construir uma casa com as próprias mãos, cavar uma
toca no chão como uma raposa, ou tecer galhos como um passarinho. há
algo de heroico talvez, algo vaidoso já que seria a marca autêntica e pura do
sujeito. um sujeito que transforma, que interfere na paisagem para dar a
ela um aspecto que é uma mistura de suas qualidades intrínsecas e das
características do próprio sujeito. devíamos todos cavar tocas como acharmos
melhor, construir casas de sol, de barbante, de ondas, de camundongos, de
pequenas folhas transparentes, qualquer coisa bastaria, até vaga-lumes...”

107
6.2. O [não] praticar
É da experiência que nos vem a prática e a prática nos faz ter maiores e melhores
experiências e as experiências se tornam práticas...
E experiência é justamente a prática dos meios e modos do habitar ao serem definidos
como sendo “todas as modalidades pelas quais uma pessoa vivencia e constrói a realidade (...)”
segundo Tuan. Aquele construir psicológico falado, em que estruturamos nossas intenções e
lhe conferimos sentidos, sendo a própria construção da identidade. Heidegger nos clareia a
necessidade e do construir e do pensar, a ação e reflexão, que aliados são a origem do habitar:

“ Construir e pensar são, cada um a seu modo, indispensáveis para o habitar. Ambos são,
no entanto, insuficientes para o habitar se cada um se mantiver isolado, cuidando do que é
seu ao invés de escutar um ao outro. Essa escuta só acontece se ambos, construir e pensar,
pertencem ao habitar, permanecem em seus limites e sabem que tanto um como outro
provém da obra de uma longa experiência e de um exercício incessante.”

Retomando Tuan, este exercício, para ele, é a atividade da percepção que qualifica um
“estender-se para o mundo” do indivíduo, extensão essa conseguida pelo aguçamento dos
sentidos através do uso. Mas a escolha do praticar ou não praticar o habitar, desse exercício
constante em adquirir ou não experiências, é uma decisão individual e do mesmo modo não
se ampara na condição de contextos específicos. Quem habita o faz por si só, segundo seus
princípios e estados momentâneos de espírito por isso talvez relatos de forte experiência da
arquitetura são acompanhados da sensação de solidão e silêncio indiferente à quantidade de
pessoas envolvidas no espaço e do barulho no ambiente, Pallasmaa chama esta experiência
de um “diálogo particular” entre a coisa e a pessoa “que a sente e percebe e exclui todas as
outras interações.”.
Logo, a prática consiste também em um exercício interior, de autorreflexão e

108
autorreconhecimento, cultivando o lar enquanto sentimento e conferindo-lhe sentidos e essa
é a escolha do indivíduo, não se manter passivo ao estado em que se encontra e buscar por
novos modos de vida:

“ Portanto, ou eu não reflito, vivo nas coisas e considero vagamente o espaço ora como o
ambiente das coisas, ora como seu atributo comum, ou então eu reflito, retomo o espaço
em sua fonte, penso atualmente as relações que estão sob essa palavra, e percebo então
que elas só vivem por um sujeito que as trace e as suporte, passo do espaço especializado
ao espaço espacializante.”

O homem reflexivo torna-se capaz de exercer a cumplicidade com o espaço a qual


defendemos como sendo a ideal: preenchendo [físico] o espaço e sendo preenchido
[psicológico] é este mutualismo harmônico que o indivíduo habitante busca.

109
A filosofia é de fato a saudade, uma premência de
estar em casa a nos assaltar em qualquer parte. Para
onde, pois, estamos indo? Sempre para casa.

(Novalis)
6.3. Busca
Lar, como sentimento, é um potencial, o “vir-a-ser”. Como vimos, pode se dar da nossa
própria projeção tanto em um meio material como espaços e objetos, quanto em um meio
imaterial com os sonhos, por exemplo. Como vimos é ao ato da projeção, da escolha, da
identificação que chamamos de habitar.
O indivíduo que habita busca e vive, a qualquer modo, seu lar. Quem habita sonha,
lembra, imagina, devaneia e concretamente vive o que é seu Ser. A busca é a explícita criação,
projeção, do indivíduo.
Embora em constante transformação, antes de habitar, já somos como lar. O nosso Ser
antecede nosso procura em ser, é o que Heidegger representa de forma figurativa:
“ Sempre atravessamos espaços de maneira que já os temos sobre nós ao longo de toda
travessia, uma vez que sempre nos de-moramos junto a lugares próximos e distantes, junto
às coisas. Quando começo a atravessar a sala em direção à saída, já estou lá na saída. Não
me seria possível percorrer a sala se eu não fosse de tal modo que sou aquele que está lá.
Nunca estou somente aqui como um corpo encapsulado, mas estou lá, ou seja, tendo sobre
mim o espaço. É somente assim que posso percorrer um espaço.”

Por isso a importância de nos tornarmos seres significantes e significativos, é do símbolo


de nossa representação que iremos à procura, deste modo podemos compreender experiências
de encontro em qualquer parte, em qualquer pedaço de espaço, pois para o indivíduo que
habita “um único objeto inanimado, inútil em si mesmo, pode ser o centro de um mundo”.
As figuras simbólicas, como os mitos, são esforços do homem para resolver as contradições
insolúveis da vida concreta.
Dessa maneira construímos-cultivamos, são modos de existência, de ultrapassar,
transcender e [re]criar a vida. Marino nos leva mais uma vez ao sentido existencial, ao habitar
do Ser:
112
“ Seguir, acompanhar, co-apreender são os verbos da existência humana enquanto busca
de seu próprio sentido. Em seu fundo nômade, a existência humana guarda sempre o
caráter trágico, já que o seu sentido só se deixa descobrir e enunciar na co-apreensão do
que ele mesmo não é, do que o supera e excede, do para além de si mesmo, da totalidade.
Nesses verbos estão em jogo um não - ser e um ser outro que sempre circundam a
existência humana, que constituem a sua circunstância. Pois o modo de ser do homem é
ter de fundar, sempre de novo, os modos de seguir, acompanhar e co-apreender o que o
ultrapassa.”

A cooperação é como a autora trata a relação entre homem espaço na busca, como
defendemos, não só do que é, mas também do vir-a-ser do Ser. Em seguida ela questiona
“como a psykhé pode fazer-se palco como lugar de habitação, se está sempre atravessada por
um não ser, um ser outro, ser além de si? Se a existência humana traz a marca de ‘ter que
fundar sempre de novo, os modos de seguir, acompanhar e co-apreender o que a ultrapassa’...
Sua condição é a do desenraizamento. O caminho é um abrir-se ... Como habitar.”. Este
“abrir-se” é a medida da busca do ser do indivíduo:
“ De que outro modo, porém, os mortais poderiam corresponder a esse apelo [aprender
a habitar] senão tentando, na parte que lhes cabe, conduzir o habitar a partir de si mesmo
até a plenitude de sua essência? Isso eles fazem plenamente construindo a partir do habitar
e pensando em direção ao habitar.”

Diante tantos “ondes”, “quandos”, “por quês”, “comos” e “quantos” parece-nos um


tanto complicado e penoso realmente ser como “quem” habita. Mas a mensagem de Calvino,
ao fim de seu mais notório livro, é clara e nos cabe apreendê-la como certamente o fez Kublai
Khan aos dizeres de Marco Polo:
“ - O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno
no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de
não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se
parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e
aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não
é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.”

113
HABITA-TE A TI MESMO.

114
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117
BAURU
2014
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

ORIENTAÇÃO:
vladimir benincasa

TRABALHO
FINAL DE
GRADUAÇÃO

jaqueline mongeroth

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