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\ Fe yoOVAY GaN ? INGNG D/ BROW © ab _ CATIMBO JUTRAS OBRAS DO AUTOR PUBLICADAS POR ESTA EDITORA: Eu, Maria Padilha 0 Jogo de buzios A magia do candomblé Magico mundo dos orixds CIP-Brasil, CatalogapSo-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Ribeiro, José, 1930- R369c __ Catimbé: magia do Nordeste / José Ribeiro — * Rio de Janeiro: Pallas, 1992. 128 p. Conteddo parcial: Maravithas do Zé Pelintra. Anexes., 1, Catimbé (Cultos). 2. Cultos — Brasil, Nordes- te, 3, Deuses da Umbanda — Culto, |, Titulo, CODD 299.67 92-0152 COU 299.6 a José Ribeiro CATIMBO Magia do Nordeste ©) PALLAS Rio de Janeiro 1991 Copyright ©by José Ribeiro Editoria: Cristina Warth Ari Araujo Capa: Verardo Arte-Final: José Geraldo O. Lacerda Composicao: Cid Barros Editoragao: Hernani de Andrade Direitos desta edi¢ao reservados 4 PALLAS — Editora e Distribuidora Ltda. Rua Frederica de Albuquerque, 44 — Higiendpolis 21050 — Rio de Janeiro — RJ — Tel.: 270-0186 INDICE Em respeito vit As autoridades dos cultos vii Agradecimentos 1x Ags confrades e amigos x Em destaque x1 Em relevo xi Péstumas x11! Agraciamento xiv Post Mortem xw _ Apresentagdo xvii Prefécio xix Q Autor no catimbd xxt Catimbé 1 Catimbé nfo é macumba nem candombié 4 Pajelangae toré 6 Linhas 12 Os Caboclos 14 Etnias, cachimbo, instrumentoe achave 17 Envultamento 22 Mestres e Mestras 24 Mesa de catimbé; funcionamento e preparos 31 O transe no catimb6 35 Fechamento do corpo 38 A eficdcia da flora medicinal 40. Remédios tradicionais 45 As mais fortes e conhecidas oragSes 48 Louvagdes aos mestres e mestras 55 ANEXO: MARAVILHAS DO ZE PELINTRA 61 Intradugéo 65 Prece de Zé Pelintra 68 Remédios de Zé Pelintra 70 4 Oferendas 72 a Para 26 Pelintra abrir os caminhos 72 Para Zé Pelintra quebrar uma demanca 73 Oragées 74 Poderosa oracdo de N. Sra. Aparecida 74 Para as 18 horas de cada dia 75 Contra qualquer espécie de doenga 78 Contra acdlera 76 Contra hemorragias 76 Contra os maus espiritos 77 ' Para ter bons resultados nos negécios 77 Contra esp(ritos obsassores @ inimigos invis(veis 77 Para anular dificuldades e embaragos nos negécios 78 ‘Ao Anjo de Guarda 73 Diversos trabalhos 80 Para atrair a falicidade de uma pessoa 80 Para abrandar os inimigos 81 a Para se firmar na vida 81 Para afastar uma pessoa indesejével do sou convivio 82 j Para descarrego, protero e contra doencas 82 Para afastar espfrito que esteja encostada, pensando em ajudar, estando sempre prejudicando 83 Para aumentaro seu dinheiro 83 Para uma pessoa deixar 0 vicio da bebida 84 Para curar uma crianga de qualquer tipo de enfermidade 84 Para ocasidio de grande afliggo 85: Banhos 87 Banhos de firmezs 87 Banhos de descarga 88 Curiosidades 90 Por queo negro é preto 90 A influéncia do gato preto. 91 Mau-olhado e quebranto 92 Pontos cantados 94 Pontos riscados 101 Pretos Velhos 101 Caboclos 102 Sobre o Autor 104 EM RESPEITO A consagrada e venerdvel Catimbozeira Maria Mumbaba, for¢a viva e prestigiada nos Catimbés do nordeste, a meu mais profundo e afetuoso agradecimento por tudo quanto me orientau. AS AUTORIDADES DOS CULTOS Babalorixd e escritor José Paiva de Oliveira (Pai Paiva), Ba- balorixd Djalma de Lalu, Babalorixd Odifon de Oxdéssi, Baba- lorixé Edwiges B. da Silva, “Pai Edu” (Vice-Rei do Can- dombié no Brasil), Babalorixd Anedito Fernandes Santos (Principe do Candomblé no Brasil), Babalorixd José Benedito Maciel (Embaixador do Candombié no Brasil), Babalorixd Jorge de lemanjé (falecido), Babalorixa Josemar D’Ogum, la- lorixd Lourdes de lansé (Princesa do Candomblé no Brasil), lalorix4 Arlete Moita (Embaixatriz da Umbanda}, falorixé “Preta” da lansé, falorixé Belinha D’Oxéssi, lalorixd “Mae” Olga de Oxald, lalorixé Jubiladé da Oxum, lalorixé Mazza- Kessy da Oxum, lalorixd Oyacemy da lansa, falorixd Alaguina de Oxalé, lalorixé Katulemba de Obaluaié, Ebome Oyanegy da lans&, o meu abraco fraterno e firme amizade. A todos os Ministros-de-Xang6 e Cavaleiros da Ordem de Jans&, @ meu reconhecimento, e agradecido me faco pelos revelantes servicos prestados ao “Palacio de lanc3” vill eS TS TT AGRADECIMENTOS A saudosa @ inesquecivel lalaxé do “Paldcio de lans3”, Te- rezinha Cruz (Manangué), a gratidao afetuosa e repleta do re- conhecimento de todos que aqui ficaram pranteados. Obriga- do por tudo, “Néga Véia". Aos inesqueciveis amigos e colaboradores Ministros-de- Xang6 do “Palacio de fans”, Dr. César Lucio da Cruz e An- tonio Viturino de Aguiar (Veneno), a gratidao pefos favores recebidos. A pranteada e estimada Ekéde Luzia Medeiros, o profundo agradecimento do “Paldcio de lansa”, acompanhado de sau- dade eterna. A todos os irmaos e irmas Babalorixds e lalorixds, 0 nosso preito de saudade no descanso da Paz de Oxald, AOS CONFRADES E AMIGOS Jornalista Amada Ribeiro, jarnalista Celso Rosa (Decelso), jornalista José Beniste, jornalista José Dias Roxo, jornalista Edgard de Moura, jornalista Edgard de Souza, Dr. Jodo Xa- vier, Dr. Rossi Lopes da Fonte, Cel. Victor Candido Maia Cas- tro, Deputado LeGncia de Aguiar Vasconcellos, Deputado Vi- valdo Barbosa, Dr. Eurico Miranda, Editor Anténio Carlos Fernandes, Editor Franccesco Molinaro, Edjtor Ernesto Em- manuele Mandarino, o tributo da:minha firme amizade, res- peito e admiragao. A Dama de Honra de Dona tans Egun-Nité, Sra. Regina Figueiredo, o orgulho em té-la por digna acompanhante do Glorioso Orixa. EM DESTAQUE MESTRA MARIA RODRIGUES DA SILVA (Maria do Acai) Renomada catimbozeira, residia na !ocalidade denominada Alhandra (Lianda), na Parafba. O autor foi levado por seu ir- mao Chico do Jordao, ainda muito menino, tendo sido por Mestra Maria do Acai juremado, juntamente com sua sobri- nha Maria da Penha de Paula, filha de Chico do Jordéo, quan- do, respectivamente, receberam os titulos de Principe e Prin- cesa do Juremé. Mestra Maria do Acai era considerada como uma semi- deusa. Ali aportava gente de toda parte do Pats, para traba- lhos diversos. FRANCISCO ANTONIO DE SOUZA (Chico do Jordao) Renomado catimbozeiro no Recife e em Jodo Pessoa, pro- fundo conhecedor dos mistérios do Catimbd, irm&o do autor da presente obra. Trabalhava tanto na direita como na esquer- da. Iniciado por Mestra Maria do Acai, foi fundador e mestre- dirigente do Centro Espfrita Deus, Amor e Caridade, na Pa- rafba. Foi ele quem encaminhou o autor nos trabalhos de ma- gia, aos seus 9 anos de idade. Ganhou o chamamento de Chi- co do Jordao, em razdo de residir na localidade denominada Jordao. E cimentado e juremado na magia do Catimbé. xi EM RELEVO A minha Me lansan Equn-Nita, com a gratidao eterna, na certeza da sua protecao permanente. Ao meu Pai Oxdssi, no mais estreito preita de reconheci- mento, curvo-me agradecido, Ao “seu” Tranca-Ruas das Almas, a inabaldvel confian¢a e o reconhecimento pelos beneficios alcancados. Ao “seu” Chico-Diabo, amigo e camarada, aquele que ndo da “Varada_n’égua’, o pleno agradecimento pelos trabalhos realizados. Ao “seu” Boiadeiro Navizala, todo 0 meu respeito, orgulho e gratidéo em té-lo por Entidade, Ao “seu” Cachoeirinha, toda 2 extenséo do meu firme re- conhecimento, Aos Senhores Mestres da Jurema: Zé Pelintra, Mestre Car- los, Mestre Maiunguinho, Mestre Zezinho do Acai, Mestre Tertuliano, Mestra Maria do Acai, Mestra Luziana, Mestra Al- merinda Africana, o meu preito de reconhecimento eterno. xil POSTUMAS A meméria de minha inesquecivel Me carnal, Aquilina F. da Conceicao (Mae Kilu), meu preito de amor eterno, rogando a gloria da paz no Reino de Oxala. A minha Mae-de-Santo Délcia Maria do Nascimento (Mae Dalcia do Gantois/, que Oxald a tenhd em seu Reino. Ao meu Pai-de-Santo, Tata ti Inkice Olegdrio Luiz Medei- ros (Odé-Aualé, do Oxdssi), na saudade imorredoura, sou-lhe agradecido por tudo o que recebi. Ao saudoso irméo e Babalorixé Carlos Leal Rodrigues, 0 meu preito de saudade. Aos meus Filhos-de-Santo: Anténio Rogério Dias (Aunjé- Alé), Edmar Xavier de Oliveira (Oya-Becy), Maria da Silva Costa (Obakilegy/, Maria da Penha de Paula (Ormim-Taladé), Maria da Penha (Nazalaré), José Al Valentim (Oy4-Zumbalé), Maria Regina (Obatundé), como prémio merecido, o descanso da paz celestial. xi XIV AGRACIAMENTO Recentemente, por ocasido de sua altima estada em Roma, Itélia, o Prof. Jasé Ribeiro recebeu, entre autras im- portantes honrarias, uma que espe- thou-se em Vitrine de Distingaéo Espi- ritual, ao ser agraciado com oa conte- rimento de um Diploma de Béncao- Pessoal, presente de S. Santidade o Papa Jodo Paulo i, POST MORTEM Og4 CLAUDIO RIBEIRO DE SOUZA (Claudinho) * 13-03-68 ¢ 04-05-90 Nesta pagina de saudade, a vocé, meu filho, que 0 sossego e a tranquili- dade sublimes da Paz de Oxald, onde descansas no remanso Divino, sejam-te as permanentes companhias. Todo o amor que a ti dedicamos em vida, saibas, permanece preservado na tua auséncia material, subita e irrepa- rével. Teus pais, José Ribeiro e Licia, teus irmaos e amigos que fizestes e deixastes neste “Paldcio de fansa’’, permanecem pranteados e rezando em Saudade imorredoura. Por todos os méritos irrefutdveis, por tua saudosa e reclamada presenca material, amenizada pela certeza da tua permanéncia espiritual ao nosso lado, é que toda a imensa Corte do teu Palécio de lansd — nesta e em todas as demais obras — te eleva 4 merecida condic¢do de seu imortal Ministro de Xang6, com assento permanente loca- lizada 4 direita do Pai Oxalé. XV APRESENTAGAO Prezados leitores e irmaos-de-fé Mais uma vez comparégo ao convivio de vocés, trazendo- thes uma obra de estudos aprofundados e de pesquisas topi- cas sobre toda a magia do CATIMBO do Nordeste brasileiro. A priori, hd que esciarecer que reporto-me tao-somente as praticas dos primitives Catimbés, aa tempo distado de apro- ximadamente cingtienta anos, época em que a ele me filiei, conduzido que fui por meu saudose irmao e renomado Mes- tre, Chico do Jorddo, 4 presenga da pranteada semideusa do Catimbdé, a divina Mestra Maria do Acai, minha madrinha. Ista aconteceu aos meus nove anos de idade. Ao tempo acima mencionado era tarefa dificil ~ e mesmo temeréria — a realizacdo de u’a “mesa” de Catimbé em am- bientes fechados, A perseguicao policial era de imediatisma impressionante e repressiva. Para se fugir a ela, as SessGes eram sempre efetuadas em meio a matas diferentes, e sempre acontecidas mensalmente. Recordo-me bem que, na companhia da Mestra Maria do Acai, de minha finada mae Kilu, do Mestre Chico do Jordao, de Maria Mumbaba e de Adélia, minhas irmas, safamos a es- colha dos locais adequados. E, nao raras vezes, procurando impedir a implacdvel aproximagao policial, nos vimos malesta- xvil dos e impedidos das realizag5es programadas. Obvio se tor- nou que imprimissemos um interregno’ maior no espaco de tempo de uma para a outra Sessao. Felizmente, aos tempos atuais, nos terreiros existentes —por forca de legislacGes jé bem mais suaves e protetoras — as Ses- sGes realizam-se dentro de um clima da maior tranqijilidade, se- guinda, porém, um rito bem diverse, Rarissimos sao os que continuam conservando as origens da cult primitivo, ou seja,o Catimb6 de Cototoba (esteira, chao batido e ao ar livre), a exemplo do que realizamos mensalmente em nosso terreiro, todas as primeiras segundas-feiras de cada més, sempre com intcio 4s 22 horas. Claro esta, que estaremos esperando a pre- seng¢a dos queridos irmaos. Venham conhecer um pouco de tudo aquilo que esta obra, no seu contexto, pontifica. Nosso endereco é: Estrada Santa Efigénia, 152 — Taquara, Jacare- pagud, RJ — Tel.: 342-2176. Mantenham contato com os senhores Mestres e Mestras da Jurema, o simbolo sagrado do Catimbd, em especial com o grande Mestre Zé Pelintra. Sem mais, aproveitem bem e julguem a presente obra, Atenciosamente, Prof. José Ribeiro PREFACIO Desenhar através de palavras o extraordindrio perfil do lite- rato e j4 consagrado eseritor patricia, Prof. José Ribeiro, tor- na-se misséo naéo muito facil. Descrevé-io numa pretaciacéo de obras por ele escritas representa perigo iminente, faceauma | possivel auséncia de conceitua¢ado substanciosa para quem o fizer. Isto, porque suas fundamentacGes séo sempre dignas e rotuladas da maior acuidade. Entretanto, agraciado que me vi pelo renomado escritor para prefaciar este CATIMBO — Magia do Nordeste, aceitei 0 convite e compareco, modestamente, nas paginas deste volu- me. De uma entre outras coisas, estou certo: com a aparicao deste CATIMBO — Magia do Nordeste, na intefreza do con- texto, alias, jamais trazido 4 luz do conhecimento publico, ga- nham todos os aficcionados, adeptos, atuantes e professantes do espiritualismo, um compéndio ilustrativo e doutrinador sabre o especifico e complexe tema da obra. Nela, o autor volteia-se por diferentes meandros do Catim- bG, desde seus primérdios, quando as perseguicées policiais eram constantes e implacaveis, alcangando -o momento atual, e esclarecendo suas modificacées. Conta-nos passagens da sua introducao no Catimbé nardes- tino ao lado de seus familiares, busca em ages tépicas episé- dios os mais importantes para substanciar este seu trabalho, XIX além de doutrinar, orientar e esciarecer aos catimbozeiros de hoje o método correta e eficaz de como agiam os senhores Mestres Catimbozeiros de outrora, conservando na esséncia toda a raiz da qual provieram. Os mais respeitados Mestres e Mestras do Norte e Nordeste brasileiros sfo aqui evidenciados, com suas Linhas e caracte- risticas. _Sdo cap/tulos seguidas com os quais este modesto prefa- clador jamais esperava se deparar. Completa o trabalho um Anexo, sob o titulo Maravilhas de Zé Pelintra, este famoso Mestre do Catimb6, que os efeitos da migracao interna fizeram chegar ao “Sul Maravilha” na forma de um Exu, dos mais populares e queridos, Aconseiho té0 somente aos amigos leitores: manuseiem CATIMBO, Magia do Nordeste, estudem-no e déem seus jul- gamentos, Estejam de parabéns pelo que esperavam, mere- ciam e conseguiram. Aa estimado irmao autor, 4 PALLAS EDITORA, 0 meu maior agradecimento. Atenciosamente, RUBEM BRANDAO Jornalista XX O AUTOR NO CATIMBO Muito embora nunca tivesse sido minha especialidade dentro dos cultos Afro-brasileiros, j4 que sempre estive entre- gue & pratica do ritual Nagé, procurei e me interessei em ad- quirir conhecimentos sobre o Catimb6 ou Jurema. Fui residir no Recife com minha familia. La, me foi ofe- recida a oportunidade de travar conhecimento com inimeros e renomados catimbozeiros, cujos nomes desejo, por méritos, deixar aqui assinalados: A filha da Baiana do Pina, a velha Lydia; Manoel Maria- no, da Agua Fria; Lydia, também da Agua Fria; Maria Dalazi, que era filha de lemanja; Apolinario Gomes da Mota, de Casa Amarela; Leovegildo Guedes Alcoforado (Gildinho da Estrada dos Remédios); Benedito, da Estrada dos Remédios; José Ro- mao, filho do célebre Pai Adao; Maria Angola, na Mostardi- nha; Adélia e Maria, com quem trabalhei, juntamente com minha mae e meu irm%o Francisco; Elisa e Maria do Carmo Lira (Carminha); Jodo Marcelino e outros mais. Tempos depois, j4 bastante esclarecido e praticante do Catimbé, fui até a Paraiba, regido onde se pratica com inten- sidade o referido ritual. L4, fui levado a juntar-me a todos os respeitaveis catimbozeiros do Estado. Foi assim que me fiz amigo de Nezinho Pintor, em Jaguaribe, subirbio de Jodo Pessoa; Maria Coco, em Cruz do Peixe, Tambia; Severina Cas- . KXI siano (Bit), na Torrelandia; Maria Feitosa; Joana, da rua >.a. Julia; uma outra Joana, conhecida como “Joana Pé-de- Chita’, de Sta. Rita, interior da Paraiba — uma preta, catim- bozeira muito temida e respeitada por seus concorrentes, tal- vez a mais temida de todos. Ela tinha por habito dizer que o “seu cachimbo tinha que ser respeitado”, e era! Mendes, ou- tro renomado e respeitado catimbozeiro da Para(ba, que reali- zava curas maravilhosas com 0 emprego apenas de agua, resi- dia no Tambauzinho; meu irmao Francisco — que chefiavao Centro Deus, Amor e Caridade, na rua da Republica — mais tarde, transferiu-se para Recife, indo residir na localidade de- nominada Jordao, na Piedade. Ali, passou a ser conhecido com 0 apelido de “Chico do Jordao”, tendo realizado maravi- Ihosos trabalhos e importantes curas. Desejo, ao final, consignar em particular 0 nome de mi- nha falecida madrinha Maria Rodrigues da Silva, mais conhe- cida como “Maria do Acai”. Com ela, léem Alhanda ou Lianda, local onde morava, aprendi muito sobre as coisas e praticas do Catimb6. Hoje desenvolvo sessGes de Mesa do Catimbé em meu Terreiro, aqui no Rio de Janeiro, na Estrada Santa Efi- génia, 152 — Taquara — Jacarepagua — toda primeira segun- da-feira de cada més, com infcio as 22 horas. Nelas, entre outros “Mestres da Jurema”, incorpora-se a conceituada, querida e procurada Entidade que abordo na presente obra: Zé Pelintra. Tratando-se de Catimbo, o insupe- ravel mago da feiticaria é figura proeminente. CATIMBO E bastante diffcil definir a que sistema religioso pertence o Catimbé. Se ao politefsmo ou ao monotefsmo cristao. A verdade é que o Catimbé praticado no Nordeste difere grandemente do Candomblé, Xangé ou Macumba. Observe-se que ele nao possui, como nos cultos acima, uma hierarquia sacerdotal. Nao exige periodo de iniciagéo, nao ha- vendo preceitos especiais, rituais, cerimdnias, trajes, toques, etc., proprios desse culto. O Chefe do Catimbé é o Mestre, sendo o ritual que comu- mente pratica muito semelhante as praticas espfritas comuns. Entretanto, encontra-se nos catimbés a aparicgao de orixds africanos, caboclos (Indios), pretos-velhos. Baixam espiritos de Mestre falecidos, como Mestre Carlos, Indio Pinavarassu e Anabar, pretos-velhos como Pai Joaquim, etc. Estas entidades acostam-se durante a Sessio de Catimbd, receitando e aconselhando, consoiando e tratando de todos os filhos fidis. Os mestres de Catimbé, diferindo dos Babalori- xés e lalorixés dos cultos africanos, tém, entretanto, a mesma bondade e cuidado com os seus filhos. Suas praticas sdo mes- cladas de feiticarias africanas ¢ indigenas, rezas catdlicas e invacag6es espiritas. es Os mestres de Catimbé usam defumar seus filhos com 2 fu- maga dos cachimbos, a fim de livré-los dos maus fl. ios que 1 Mestre José Ribeiro, reverenciando a Jurema, érvore sagrada de Catimbé. Ihes estejam causando algum mal-estar. Ao baixar das enti- dades invocadas, sfo entoadas suas linhas — melodias parti- culares e caracteristicas de cada Mestre — e que revelam sua vida. Ndo possui o Catimbé instrumentos de percusséo, nem alimentos votivos caracteristicos. Nao se empregam dancas nem vestimentas especiais. Como se observa, o Catimbé é mais uma mistura de catolicismo e espiritismo. A sua pratica é executada da seguinte maneira. a) Prepara-se uma mesa grande, forrada com uma toalha branca. Em cima da mesa s4o colocadas flores e velas acesas. b) Sao preparados defumadores, os cachimbos dos senho- res Mestres, com fumo picado e misturado com alfazema. c) Preparam-se jurema, erva-doce, cravo-do-reino, casca de lim&o ou laranja, canela em casca, para a composic¢ao das mis- turas dos senhores Mestres. d) Sentam-se todos concentrados em torno da mesa e o Chefe da inicio aos trabalhos, com uma prece. Em seguida abre-se a mesa cantando as seguintes linhas: Bate asa e canta o galo Dizendo Cristo nasceu. Cantam os anjos nas alturas Rei Nuino Gléria no Céu se deu. Gléria no Céu se deu Nas portas do Jurema Abre e dé licenga Sta. Teresa Para os Senhores Mestres baixar. Oh, minha Sta. Teresa Pelo amor de Jesus Abre a mesa e dé licenca Sta. Teresa Pelo irmao Jodo da Cruz. Por Deus eu te chamo ~ (bis) Por Deus eu mandei chamar. (Mestre ou caboclo fulano de tal). CATIMBO NAO E MACUMBA NEM CANDOMBLE No Catimbé nao ha promessas, votos, unidade do protoco- lo sagrado. E um consultério tendendo, cada vez mais, paraa simplificagdo ritual. N&o ha festas votivas, no ha corpo de filhos-de-santo para louvor divino dos Orixas nem preparagdo Obediente de /aés. De instrumentos musicais resta a marca- mestre, cabacinha na ponta de uma vareta,com que o Mestre divide 0 compasso das linhas. Nao ha cores, vestidos, contas, enfeites especiais, nem alimentos privatives, fetiches de repre- sentagdo, Catimbé néo é Macumba nem Candomblé, perma- nece isolado, diverso, distinto. No Catimbé, os que acostam so catimbozeiros falecidos, Nao hé um s6 Mestre que nao tenha vivido na Terra, Nas Ma- cumbas e Candomblés passa o sopro alucinante das potesta- des africanas, deuses nascidos misteriosamente, com poderes espantosos. Tudo no Catimbé se faz com a Linha da Licenga, onde se fala, sisudamente: "com o poder Jesus Cristo, vamos traba- ihar". Das centenas de oragées recothidas no arquives catim- bozeiros, nenhuma alude a um encantado e infalivelmente a Deus, Santissima Trindade, Santos, 4s Almas. S6 encontrei duas que se dirigiam as estrelas 6 a0 sol. 0 espfrito é religioso, formalistico, disciplinado, respeitoso da hierarquia celestial, Ninguém, numa Macumba ou terreiro de Candombié, admite 4 licenga de Jesus Cristo para Xangd, nem santo catdlico aten- de ao chamamento insistente dos tambores. ‘ Ha no Catimbé muito Paré-Amazonas. Sao as univerdades do curso secreto. A ordem, na citagao respeitosa que é a cre- dencial na ordem dos valores, comega por Belém do Para, Ma- naus depois. O terceiro lugar é Pernambuco, a cidade do Reci- fe e Brejo da Madre de Deus, onde houve Mestre de respeito e que hoje em dia esta guiando espiritualmente mesas de Catim- b6é, Em seguida:Parafba,a capital, Serra da Raiz, Mamangua- pe, Campina Grande. Sao estas as terras mais ilustres onde os Mestres tiveram ligSes e conheceram os bons saberes, S30 os nomes de indiscutida e velha prestimosidade. Nao se fala mui- to na Bahia. PAJELANGA E TORE Pajelanca Nao se pode falar em Catimbé sem se referir a Pajelanga. Ambos se identificam, muito embora em regides diferentes. A Pajelanca é uma forma de religido praticada no Ama- zonas, Para e Piau/. Sua Pratica redne uma mistura heterogénea de rituais de varias outras religiées. Nela séo encontrados ritos de Candom- blé, Xang6 (muito ligeiramente), Catimbé, Espiritismo, Cato- licismo e praticas de origem indigena. Nas suas reuniGes, o Pajé e as demais pessoas presentes be- bem o tafid (cachaga), enquanto o chefe dirigente se prepara para atender aos consulentes. Apos a invocagdo dos encantados que baixam, é feita a in- dagacao da causa dos males que afligem este ou aquele filho. E também procurada a pucganga (receita) indicada para cada caso. Os encantados que receitam, geralmente, sao almas de ani- mats que encarnam no Pajé. Caso esse encantado ndo conheca 0 remédio eficaz, indica qual o meio a seguir. O Pajé usa sempre na mao o maraca e um feixe de plumas de ema. O Unico instrumento musical usado na Pajelanca 6 o maraca, que se transforma em instrumento magico quando manejado por ele. 6 E importante assinalar que a alma dos bichos, quando in- corporada ao Pajé, costuma desejar dancas, brincar e divertir- se. Verifica-se o aparecimento de dangas muito movimentadas e alegres. Os gestos so uma espécie de mimica, sempre de acordo com 0 espfrito que as executa. As praticas da Pajelanga incluem a feitigaria africana, a do Candomblé, a indfgena, etc. Toré O Toré é de origem amerindia, onde as pessoas buscam re- médios para suas doengas, procuram conselhos com os cabo- clos que baixam. O Mestre defuma, receita, aconselha. Certa- mente, 6 0 mesmo Catimbé dos arredores dos grandes centros nordestinos, onde os destitufdos de melhores condicées fi- nanceiras procuram-no como ordculo, para minorar seus pe- nares e desditas. Quando asseguramos que 0 Toré é o mesmo Catimbé, Paje- langa, Babassué ou a Encanteria do Piauf, fazemo-lo porque neste imenso Brasil as denominacdes de uma cerimdnia va- riam de regido para regido. Em Alagoas, por exemplo, na foz do Rio Sao Francisco, em Piagabucu, o Toré 6 o mesmo, mes- missimo Catimb6, onde, além das fungées medicinais fisiote- rapéuticas, sao encontrados os elementos fundamentais her- dados pelos indios: a jurema e a defumacdo curativa. Basta re- portar aos estudos de Oneyda Alvarenga, Roger Bastide, Gon- calves Fernandes, Luis da Camara Cascudo e Eduardo Galvdo, para que se veja a semelhanga entre o Catimbo, Pajelanga, Ba- bassué e o Toré que aqui registramos. No Toré faz-se a procura do nome da moléstia e a adivinha- ao magica. Além da defumagao, usam ervas e, dentre elas, se destaca a jurema, em cujos poderes méagicos os sertanejos acreditam piamente. E, portanto, medicina magica, onde o seu executor é o Mestre Presidente do Toré. No Toré de Piagabugu, os Caboclos para baixarem pre- cisam ser chamados na “‘piana”’ por meio de um canto (linho ou linha) e batidas de maraca. O Mestre dirigente do Toré néo usa vestes especiais, a néo ser um cocar de penas, chamado a Por ele de capacete de fndio. Os Mestres e membros do Toré se retinem as quartas-feiras e sébados, logo apés o sol se pér. E uma reunido denominada chamada, Apds a reuniao em que varias pessoas tomam parte (15, ou mais), hd uma outra, que € 0 “trabalho da ciéncia”, assistido apenas por cinco ou seis membros mais importantes, ou melhor, mais adiantados no trabalho. A este servigo de mesa os nao iniciados so proibi- dos de participar, a nao ser aos que tenham “sangue de indio, sangue red”. Ha outra reuniao, as vezes anual, que é a do “banquete dos maracés’’, da qual sé os antigos membros po- dem participar, reservada exclusivamente Para os provados freqiientadores (filho dos filhos de aldeias). Tais prdticas e outros tragos culturais deixados pelos indios como, por exemplo, a fitoterapia, podem ser constatados na regido do baixo Sao Francisco, Uma das caracteristicas do atual Toré, que se relaciona berm de perto com as crengas indigenas, 6 o processo da mani- festagdo dos Caboclos, no terreiro. S40 chamados |4 na aldeia onde convivem (osvivos), caem em sonoléncia para poder com- parecer onde foram chamados. No Toré nao so invocados es- piritos brancos, isto é, espiritos de pessoas que morreram. No Toré baixam sé Caboclos e também alguns juremados. Jure- mado é 0 que est4 nos ares, quando ainda vivo bebeu jurema Qu a0 morrer estava sob uma juremeira. O-juremado é um es- pirito em processo de caboclizacao (santificagdo), o que o torna nao perigoso como o espirito branco. O juremado pode frequentar aldeias e descer no Toré. O dirigente do Toré é 0 Presidente. H4 sempre um ajudan- te, um acélito. Ao Presidente compete assistir a reuniao, en- quanto os outros ficam manifestados. O Presidente, 0 acdlito e demais membros do Toré, do se- x0 masculino, afirmam néo manter contato sexual com mu- lher nos dias que antecedem as reuniées. Isto deve ser obser- vado, afirmo, para poder pegar o encanto. Também, nesse. dia, n&o se pode beber bebida alcodlica, e é preciso tomar banho. i Para ter in{cio 0 trabalho, nome que dao a reuniao, 0 Presi- dente aproxima-se da mesa, sobre a vitrina (copo d‘égua), co- loca sete pingos de vela, “que é 0 trago que representa a cruz 8 do Cristo’. Outras vezes coloca pingos na vitrina para formar a coroa de Sao Jorge. No Toré hd o pedido do auxilio de Je- sus e dos Santos, a0 passo que no Candomblé nado, Trabalhando com sete aldeias: Laje Grande, Barro de Toua {que é o massapé), Jurema, Pedra Branca, Urub4 ou Urubata, Amazona e lemanj4, o Presidente observa na vela que é para Ogum de Ronda, ¢ o sembiante da vela é quem dao sinal do que vem para enramar, se é contra ou a favor. Isto é neces- sério que se faga, porque vez por outra aparece um espirito brance como qual precisam ter cuidado. Atira urn pouco da agua de uma quartinha sobre a piana, reza um Pai Nosso, uma Ave Maria,uima Salve Rainha, em intenc&o dos bons traba- thos, persigna-se e comega a cantar: Em campos verdes, 6 meu Jesus, (bis) em campos verdes 6 meu Jesus. Madalena baixada aos pés da cruz, rezando este bendito implora a Jesus. Enquanto cantam, dan¢cam com o corpo curvado, ficando 9 trenco quase na horizontal ao solo. Cantando, fazem o sinal da cruz, benzendo-se: Abre-te mesa em campos verdes, Cruzéro, cruzéro divino, com as forc¢as de Santa Barbara 2 os de sino meu pai Sinhé. Jesus Sinhd, Pai Criadé em tronco de Jurema Senhores Mestres confessd abrindr os tronco da Jurema. Ali se faz presente o idiofénio herdado dos indios (o mara- cd) ou ambaraca dos guaranis, que acompanha alguns dos can- 9 tos, Quando algum Caboclo esta relutando em baixar, 0 mara- c4 6 tocado com mais intensidade e mais préximo do ouvido da pessoa que ird receber o encantado. Ele mesmo balanca o maracé, tirando 0 som e dando ritmo. A parte agdgica inicia do moderato quase alegreto até alcancar o vivace. A dinémica ‘comega num pian{ssimo, crescendo até o forte, e o canto con- tinua com outra melodia: Santo Antonio de Lisboa que moro no imperado, que no dia vinte e nove mucho choro me cust6, abre campa das campina azuis os caboclo de Jurema, vem guiado por Jesuis. Canta com a sineta na mao. Entre um canto e outro, o acé- lito faz soar a sineta como se faz na hora da consagracdo da missa catélica romana. O som das sinetas, sinos e campanas, desde a Idade Média, acredita-se possuir o poder de afastar o deménio. Por isso permanecem nos cerimoniais religiosos, Cantam a seguir: Malunguinho, 6 Malunguinho: caboclo india ria com as forgas de sinha Luxa @ onosso Pai Celestia, abre as portas que eu te mando sete pedra imperia, com a for¢a de Saloméo Nosso Pai Celestia. Malunguinho é 0 dono da chave, 0 que abre os caminhos. Sua presenga é necessdria. Com este Caboclo presente para abrir as portas da jurema, para abrir os caminhos e portas da direita (lado bom) e fechar a da esquerda, por onde podem penetrar os maus, se dé no Toré o sincretismo com as forcas catélicas representadas em Santa Barbara. 10 A duragao de uma sessao de Toré é muito menos do que a de um Candombié. Enquanto o Toré funciona as quartas e s4bados e nunca vai além da meia-noite, o Candomblé tem infcio no sdbado a tarde e muitas vezes é dia claro de domin- go e ainda os orixds est&o, através dos filhos e filhas-de-santo, dangando nos terreiros. LINHAS As linhas representam o vefculo indispensdvel para a apre- sentacdo do Mestre. A melodia é sempre primitiva. Suas letras sdo de facil entender e por vezes obscuras, e nada mais tradu- zem sendo um simples pretexto rftmico. A linha é entoada pelo Mestre, que invoca um dos Mestrés invisfveis. Quando este acosta, muda o timbre, porque jd 6 o proprio invocado o cantor. As vezes, espontaneamente, al- guém inicia a linha de um Mestre, j4 acostado, sem ter sido chamado. O canto é uniforme, sem acompanhamento instrumental. A sesso de Catimbé esté se fazendo rara. O comum 6 uma reunido entre Mestres de Mesa Para realizar uma encomenda. Nao ha interesse de proselitismo e de propaganda ritual. Quanto menor o numero, maior o Pproveito. Sozinho ou acompanhado, o Mestre canta sempre as linhas. Sem elas, os “mestres dos bons saberes” n3o comparecem. Enquanto se canta uma linha ninguém tem o direito de sair da sala. O Mestre do Além irrita-se profundamente com a des- cortesia. E se vinga. As linhas s6 devem ser cantadas em mesa formada, isto é, em sessdo aberta. Jamais por esp/rito de curiosidade, porque um Mestre pode acostar num momento imprdprio e desagra- davel. Um curupiro ficou cantando a linha do Mestre Carlos, 12 despreocupadamente. Mestre Carlos acostou, inopinadamen- te, dando-lhe mais de vinte quedas, perto de um cacimbéo que estavam cavando. ORDEM DAS LINHAS a) Linha da Abertura da Mesa, inicio da sessdo no Catimbé. b) Linha da Licenga, solicitada aos “mestres invisiveis , c) Linha da Chave, cantada com a chavezinha virgem na mao, manejando-a. Y d) Linha das Velas, para acender as bugias. e) Linha da Nanagié. f) Linha de Pai Joaquim. g) Linha de lracema, Rainha de Panema. h) Linha do Mestre Carlos. i) Linha do Mestre Manicoré. j) Linha do Mestre Xaramundi. k) Linha da Mestra Faustina. |) Linka do Passaro do Pard. 43 OS CABOCLOS & Ke Caboclos sao os nossos (ndios. Filhos desta ou daquela ribo. Os Caboclos, de um modo geral, séo das tribos tupi e gua- rani. Entretanto, vejamos as tribos mais importantes que anti- gamente imperavam no Brasil, e das quais descendem os nos- sos Caboclos, Vamos dividi-las em grupos caracteristicos: Tupi (litoral) — Tamoios, Carijés, Tupinambas, Caetés, Goitacases, etc. : 3 Guarani — Canoeiros (também chamados de Carijés) ; Cara- jas, Aimorés (eram os Aimorés os chamados Tapuias ou “Iin- gua travada”), Aruak — Guaicurus, Arais, Araués, etc. De todos eles os mais famosos e comuns em nossos terrei- ros sao os da Nacdo Tupi, nas suas varias tribos. Serd, pois, inte- ressante anotarmos alguns dos seus costumes: na maioria das‘ vezes andam inteiramente nus, usando apenas enfeites de pe- nas, muito variados, Néo tatuavam o corpo, mas pintavam-no muito. Apreciavam as deformag6es corporais. Ja os Tupinambés usavam o tembetd, pedra de cristal de rocha introduzida nos labios para provocar a deformagao tao apreciada. Nem todas as tribos faziam uso do tembeta, usan- do, entretanto, outras deformacées corporais, como o acha- tamento do nariz e o engrossamento provocado da barriga das 14 pernas, etc. Usavam ornamentos de penas no nariz, enquanto algumas tribos perfuravam as orelhas e enfeitavam-nas com penas. Os Tupinambas costumavam usar uma espécie de capa- cete de penas vermelhas. Seus chefes, pajés e guerreiros im- portantes adornavam-se com um imponente manto de penas que lhes cafa até o joelho. Quando o manto era de u na 86 cor chamavam de agavalaé ou iniobé. Quando de variadas co- res, sua denominagdo era boirangadba. Os Guaranis também usavam manto, porém, de pele de ani- mais. Como enfeites, portavam colares e braceletes feitos de dentes, de ossos, de nozes, de algodao, de palha, de cabelo, de conchas. Denominavam o colar de dentes, usado como troféu de caga, de ajucara. Os Guaranis usavam ainda um enfeite especial de carater magico, pendurado no pescogo. Constava o amuleto de uma meia-lua feita de conchas ou de ossos reunidos. Algumeas tri- bos usavam 0 mesmo amuleto, porém a meia-lua era feita de pedra ou metal. Como armas utilizavam-se de arcos emplumados com penas na base da flecha, presas por fios de algodao. Entre elas des- tacava-se o tacape, arma de guerra predileta feita de madeira vermelha ou preta. Os escudos eram redondos, de couro de tapir, pintados e adornados de penas. Os machados eram fei- tos de pedra. J as comidas caracteristicas das tribos-tupis eram: Farinha fina (carima) Farinha meio cozida (Uy-tinva) Farinha bem cozida (Uy-ata) Tapioca (tipioca) Beiju (Mbeyti) Mingau Peixe ou carne moqueada sobre brasas, peixe assado en- volvido em folhas de bananeira. Como frutas, utilizavam-se do ananés, banana, caju, mangaba, genipapo, coco e mamao. Quanto 4 religi#o, os Tupis e de modo geral os Tupinam- bés, acreditavam que os Pajés obtinham virtudes diretamente dos deuses. 15 O Pajé, entre os Tupis, como em quase todas as tribos e na gées, era 0 feiticeiro e dirigia a cerimOnia do culto religioso as dangas, etc. Era também o homem da medicina. Sua fun 40 principal era a invocacao dos espfritos. N&o exercia qual quer atividade de ordem polftica, funcdo esta especffica do Chefe da tribo, o Tachaua ou Morubixaba. 16 ETNIAS, CACHIMBO, INSTRUMENTO EACHAVE Negros, indfgenas e europeus fundiram-se no Catimbo. A concepsa4o da magia, processos de encantamento, termos, ora- ¢6es, sfo da bruxaria ibérica, vinda e transmitida oralmente. A terapéutica vegetal é ind(gena pela abundancia e proximi- dade, além da tradi¢ao médica dos Pajés. O bruxo europeu também ja trazia‘o habito e encontrou no continente a fartu- ra das rafzes, vergonteas, folhas, frutos, cascas, flores e ainda uma ciéncia-secular aborigene na mesma direcao e horizonte. A convergéncia foi imediata. Com o negro africano. houve fendmeno idéntico. Apenas quando arredado do eito da lavoura agucareira, velho, trému- lo e sempre amoroso, assumiu posi¢ao mais decisiva como mestre orientador e dono dos segredos. Pelo simples fato de viver muito, existe, espontaneamente, uma Sugestéo de sabe- doria ao redor do macrébio. Quem muito vive, muito sabe. 0 Diabo nao sabe por ser Diabo, mas por ser muito velho, Velhi- ce é sabedoria. O saber, tendo como base experiéncias acumu- ladas, mantém-se na memoria popular como o melhor e légi- co. Doutor novo, experimenta. Doutor velho, trata. O negro escravo, de carapinha mudando de cor, representava um indis- cutido prestigio misterioso: negro quanto pinta, tem trés ve- zes trinta, O “negro-velho™ era assombroso, “faz medo a me- nino”, curador, rastejador, vencendo o veneno da cobra, da faca fria e da bala quente. 7 @mpunhando os Estados (maracas). Mestra Adéli Angolas, Benguelas, Cabindas foram os nossos Pais Pretos, Negro do Congo, Pai Angola, Negro de Luanda, vivos nas es- torias populares, anedotérios, feitigos. Bantos sao os topGni- mos negros do Rio Grande do Norte, cafuca, cafundd, cafun- ga, cassangue, catunda, massagana, mocambo, zumbi, bu(que, cabugé. Foram amados depressa, subindo na fama coletiva. Deram amas, mucamas, amas-de-leite, mdes pretas, xodés dos senhores de engenho, dor de cabega da Senhora Dona, fidal- gas e preferidas. O Congo ou Angola criava festas, escondendo fetiche den- tro da imagem catdlica; elegia o seu Rei, “muchino rid Con- go”; levava o povo branco e mesti¢o para a rua e adro da igre- ja nas manhas da sua coroacao, com desfiles, tambores, ban- deiras, “fogo do ar”, “palma de mao”, beijo, joelho em terra, come a um Rei mesmo, dos antigos, no tempo em que vintém era dinheiro grande. Rainha Ginja, Rei Cariongo, nas Conga- das, Taieiras, Maracatus policolores, cortejo lindo com a um- bela senhorial, vieram marchando, no tempo velho, até nossos dias, impressionantes e poderosos em sua for¢a humilde e misteriosa. Os mais antigos mestres de Catimbé foram negros e ainda o sao, em maioria absoluta, mestigos e mulatos. Do cerimonial das macumbas dos bantos, o Catimb6é mantém as linhas, signi- ficando a procedéncia dos encantados, nagdes, invocagdo dos antigos negros valorosos. O Pai Joaquim: que desceu no Ter- reiro do Honorato, em Niterdi, costuma acostar nos Catimbés natalenses e sei de cor a sua linha, sacudida e alegre. O pro- tocolo é mais democratico e acolhedor no Catimb6é pobre e sem exigéncias de ritual{stica. O contato psfquico é de menor intensidade. Nunca assisti a possessio em duas pessoas ou mais, como é relativamente comum nas filhas-de-santo, nos cultos jeje-nagé, a mesma defumagdo propiciatéria com arru- da e incenso, mas os cantos de licen¢ga e encerramento tém maior tonalidade catélica, despidos do elemento reiforme, dos instrumentos de percussdo cuja sonoridade monétona ca- racteriza o culto africano no Brasil, difuso e confuso em sua atraente mobilidade plastica. Um elemento caracteristicamente amerindio é 0 uso do 19 cachimbo, da marca, com o tabaco, fumo, provocador do transe. O indigena empregava o sopro, peiuud, a succao, pitera- paua, e a defumacao, indicados pelo veneravel Anchieta nos principios da colonizagao. 'No fumo obtinha-se o transe, com inalagdes profundas. O pajé empregava o cigarrdo de entrecasca do tauari com o ta- baco da regio. Vezes reforcava o inebriamento, aspirando o cheiro do pé do parica, J& a fumaga atirada como bén¢ao, esconjuro poderoso, uma permanente do Catimbé, articula-se com a liturgia indf- gena, observada nos séculos XVI e XVII. No velho tempo havia o maracd redondo, feito sempre de cabaga, com grdos de semente em numero /mpar. Jamais apa- recia o maraca de folha de flandre. Ainda hoje nos Catimbés a marca-mestra é invariavelmente de origem vegetal, vareta com um cabacinho na ponta, como maraca. ‘O maracé de sementes vegetais nado é exclusivo do conti- nente americano, mas ja o possufamos quando do descobri- mento. Ha iguais no Suddo e na Guing. Notei haver um ritmo especial anunciador para cada Mestre. O sincretismo religioso faz convergir objetos e atos catéli- cos para o culto negro, de mistura com reminiscéncias indige- nas. Nos Catimbdés sao vistos e empregados o Crucifixo; Cris- to na posigdo da crucificagdo, mas sem a cruz; Santo Anté- nio; Santa Barbara, incenso, velas acesas, persignagGes, ora- ¢Ges populares como a magnifica “Magnificat”, Officio de ‘Nossa Senhora, Forcas do Credo, Santo Amancio, Santo Se- pulcro, Pedra Cristalina, as invocacGes rituais a Sdo José para abrir e fechar a mesa, A chave de aco, virgem, de uso em fechadura, é emprega- dfssima. Encontrei-a entre os descendentes dos iorubanos e sacerdotes de Cuba, que usam-na como mascote nos colares. Também, nos balangandés baianos a chave aparece, A chave 6 indispensavel para fechar 0 corpo dos fiéis, fazendo o religio- SO Os gestos de quem estd fechando uma porta, no peito do enfermo. Essa chave, chavinha, facilmente encontrada nas oracGes- fortes é figuradamente a chave do Sacrério, onde se guarda a 20 Héstia, a Santa Particula. Usa-se qualquer uma, desde que néo tenha emprego anterior, porém, o ideal seria a propria, uma legitima chave do Sacrario, um dos amuletos de maior prestigio como afastador de perigos ocultos e for¢as contré- rias, Sua utilidade simbélica é um dos elementos do Catimb6. 21 ENVULTAMENTO Uma das “rezas fortes” mais disputadas e caras é a Oracdo do Sol, destinada a despertar e fixar o amor. Mulher ou homem que a possuir tem sua felicidade amoro- sa ao alcance da vontade. E uma ora¢aéo com cerimonial, uma das raras, exigindo ambiente e preparo para sua efetuacdo completa. Duas bonecas de pano sao indispensdveis. Uma vestida de homem e outra de mulher. Se a oracdo destinar-se a casamen- to, a boneca traja branco, com véu de filé e coroa fingindo flores de laranjeira. Se o amor dispensar ou adiar 0 casamen- to legal, qualquer boneca serve. E preciso, também, uma faca virgem, sem uso nem mancha. No meio da reza, diz-se: ‘'Cra- vo esta faca neste senhor tal como cravaram Jesus Cristo na cruz. Fulano, eu te cravo no coracdo de dor, O Sol, O Sol, O Sol.” Ao pronunciar “cravo esta faca’’, atravessa-se a bone- ca na altura do coracdo. Boneca vestida’ de homem se a reza- deira for mulher e vice-versa. No final da oracdo, falase assim: “Minha estrela bela, pela Hora que no céu nasceste, neste corddo, Fulano, prendo o teu coragao com o meu”. E amarra as bonecas, uma em cima da outra, com um cordao0 forte. Na Oracao do Sol, a boneca furada pela faca representa a criatura humana, objeto vivo de amor e de édio. A primeira deve amar e a segunda morrer. E 0 processo do envultamento. 22 As bonecas devem ter qualquer fragmento de roupa per- tencente as pessoas por elas representadas simbolicamente.” Na feiticaria medieval nao ha outro mais conhecido e usa- do no mundo e que tenha documentacdo com antiguidade maior. O feiticeiro modelava uma boneca de cera, tendo es- condido no seu interior restos de vestidos, unhas, cabelos, go- tas de sangue, saliva, suor, etc. Tudo quanto se fizesse sobre magem repercutiria sobre o indivfduo representado. Um alfinete furando o braco, a perna, o ombro, determinava do- res nessas regiées, na criatura figurada nas mdos do feiticeiro. Mestre Chico do Jord&o disse-me que o envultamento era servico de mulher. Indicava as feiticeiras, as Mestras, como mais aptas, mais autorizadas ou que ainda se serviam do pro- cesso. Nao explicou-me o por qué. Realmente, até hoje, os envultamentos que conhego foram feitos por Mestras. Se pen- sarmos na pompa dos feiticeiros dos séculos XV, XVI, XVII, na Franga, na |talia, na Alemanha, teremos um ponto de refe- réncia para sua desagrega¢ao, entre as palhas e a taipa dos Ca- timbés nordestinos, nas praias e nos bairros paupérrimos. * A Oracdo do Sol, em sua integra, no capitulo: AS MAIS FORTES ORAGOES, 23 MESTRES E MESTRAS Sao os guias, orixds sem culto, acostando, espontaneamen- te ou invocados, para servir. Cada um possui fisionomia pré- pria, gestos, vozes, manias, predilecGes. Desde que acostam, 9s mais ass(duos freqlientadores identificam o Mestre pelos ademanes, trejeitos, posig¢ao das mos, da boca, se ficam sen- tados ou de pé, passeando ou parados. Todos trabalham pre- ferencialmente 4 noite, mas os mestres autorizados dizem que nao hd hora em que um Mestre do Alémse recuse ao servi- go. Ha, porém, um deles que s6 aparece de dia, havendo sol. E Mestre Ciro, mora numa estrela que, pelo exposto, deve ser Sfrius. Esse Mestre trabalha agitando as maos num raio de sol. E esp/rito dos bons. Os mestres do Além,-donos de bons saberes, so indigenas, negros, brancos. Uns foram escravos africanos, outros catim- bozeiros afamados. Uns nao tém histéria. Outros narram sua vida e se reportam a vida dos outros mestres do Além. Cada Mestre tem sua linha, um canto, de melodia simples, raramente com acidentes, resumindo a agao sobrenatural e as exceléncias do poder. Had mestres que ndo tém linha, co- mo Mestre Antonio Tirano e Malunguinho, ambos ferozes. Essa linha era cantada como uma invoca¢ao ao Mestre. Sem canto nao hd encanto, Todo feitigo é feito musicalmente. A linha € 0 anincio e o preg&o caracteristico do Mestre. 24 No Catimbé, como no Candombilé de Caboclo, no Xango de Caboclo, Macumba de Caboclo, formas com que no Reci- fe, Bahia, Maceié e Rio de Janeiro se conhece o Catimbo, hd mestres de varias nacGes e racas. Todos falam portugués. So caboclos indfgenas, Xaramundi, Ritango do Para, Ma- nicoré, Itapua, Tup&, Mussurana, Pinavarugu, Tabatinga, Tu- ruata, Cangurucu, Faustina, Angélica, Iracema. Sao negros, negros africanos, Pai Joaquim, Tia Luisa, Sao mestres brancos, Mestre Carlos, Rei dos Mestres, seu pai, Mestre Inacio de Oliveira, Mestre Roldéo de Oliveira, Mestre Luis dos Montes. Séo mesticos, catimbozeiros céle- bres, Mestre Manuel Pequeno, da Serra do Buique, em Per- nambuco, Mestre Bom-Floré, Mestre Manuel Cadete, Rei do Vajucd, ete. HA forma misteriosa de mestras sem passado, co- mo as Meninas da Saia Verde. Ha mestres cabras, ““alvari- nhos", como dizem no Nordeste, como Mestre Antonio Tira- no ou o hediondo José Pereira, conhecido por Gato Preto, assassino dos pais, da mulher e cinco filhos. Os mestres tém sua especialidade técnica. Mestre Carlos é casamenteiro. Rei Heron trata de feridas e dlceras profundas. Faustina, Balbina, lracema, s40 assistentes, parteiras. Pinavarugu é espirito ande- jo, viajante, disposto a procurar gente desaparecida e dar no- ticias. Tabatinga é indispensdvel nas maldades. Manicoré é um dos mais velhos. Morreu em 1503 porque em 1991 com- -pleta 488 anos de desencarnado. E respeitado por todos os mestres como um patriarea, embora haja quem possua maio- res forcas. Xaramundi, Mestre Bom-Flord, Mestre Rolddo de Oliveira sfo curadores, Bom-Flord gosta de ajudar amores ho- hestos, pata casamento “no sagrado”’. O Principe da Jurema, Mestre Pequeno e outros, trabalham nas linhas cruzadas, no Bem eno Mal, “fumaga as direitas e as esquerdas’’. O que se sabe, no Catimbé, da historia dos mestres, foi contado por eles mesmos. Manicoré, por exemplo, tem dias de conversa indiscreta, narrando segredo dos companheiros do astral, brigas, polémicas e cides. Esses deuses tém sede, 3omo toda a gente. . . N&o hé no Catimbé objetos destinados a recordar os mes- tres, fetiches que simbolizem esses guias, como nos pejis baia- nos. Exceto as imagens e quadros de santos do agiolégio caté- 25

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