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administrativos normativos, materializados em autorizações, resoluções e
portarias.
O modelo, entretanto, não conseguiu atrair o volume de investimentos
privados necessários ao desenvolvimento da incipiente e promissora indústria
brasileira do gás natural. De fato, o tratamento excessivamente lacunoso dado
pela Lei no 9.478/1997 ao transporte por gasodutos e a normatização
administrativa da atividade podem ser elencados como as principais
dificuldades enfrentadas pelo setor. Nesse sentido, cite-se estudo realizado
pela ANP2 a respeito das insuficiências do marco regulatório da indústria do
gás instituído pela Lei do Petróleo, onde a agência criticou a falta de “diretrizes
claras quanto às políticas para o setor” (“que trata o gás natural como derivado
de petróleo”), a ausência de “instrumentos adequados para a regulação da
atividade de transporte (monopólio natural)3” e a possibilidade de que “decisões
de grande importância sejam tomadas por meio de portarias e atos de natureza
regulatória”, não havendo preceitos de lei que pudessem dar maior solidez ao
arcabouço jurídico do setor. Para a ANP, esses fatores aumentam a
“percepção de risco” por parte dos investidores, inibindo maiores aportes de
divisas nessa atividade gaseífera.
Era necessária, portanto, como concluiu o estudo em exame, a
elaboração de uma “lei específica” para a indústria do gás natural, que
disciplinasse “adequadamente várias das questões tratadas superficialmente,
ou nem mesmo contempladas, na atual Lei do Petróleo.”
Dentre os assuntos atinentes ao setor, a expansão da malha de
gasodutos revelou ser a necessidade mais premente, incumbindo ao Poder
2
Nota Técnica intitulada Organização da Indústria Brasileira de Gás Natural e Abrangência de
Uma Nova Legislação. 2004. Disponível em: http://www.anp.gov.br/. Acesso em: 28/12/2009.
3
Como se sabe, a Lei no 9.478/1997 dá especial ênfase à regulação do processo de
exploração e produção de petróleo e gás natural (upstream), pouco dispondo sobre as
atividades a jusante da cadeia produtiva da indústria do óleo e gás (daí porque falar-se que a
Lei trata o gás como mero acessório do petróleo). Ocorre que a atividade intermediária de
transporte de gás - midstream - tem uma lógica de funcionamento muito peculiar,
completamente distinta daquela do setor de pesquisa e prospecção, demandando, por
conseguinte, um modelo regulatório diferenciado. Como observam Diogo Pignataro de Oliveira,
Camila Colares Bezerra e Otacílio dos Santos Silveira Neto, “apesar de nos segmentos de
exploração, desenvolvimento e produção, o mercado de gás se assemelhar ao do petróleo, em
todos os outros segmentos da cadeia produtiva o gás passa a operar segundo uma estrutura
de rede, se aproximando bem mais de outros setores da economia, como o de energia elétrica,
no que tange à sua regulação.” (OLIVEIRA, Diogo Pignataro de; BEZERRA, Camila Colares et
al. A regulação do gás natural no Direito Comunitário europeu e no Mercosul. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 584, 11 fev. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6303>. Acesso em: 22/08/2009).
2
Público criar uma estrutura jurídica adequada à recepção dos vultosos capitais
privados indispensáveis à construção e operação dessas plantas industriais;
com dispositivos legais orientados às especificidades da atividade e que
oferecessem a possibilidade de retorno do investimento particular, mediante a
distribuição razoável dos riscos do empreendimento.
Na persecução desse intento, a recente Lei nº 11.909, de 4 de março de
2009, alcunhada de “Lei do Gás”, deu especial ênfase à exploração privada da
atividade de transporte dutoviário de gás, introduzindo o regime jurídico de
concessão e complementando o sistema vigente de autorização, este objeto do
presente trabalho.
Agora, portanto, o marco regulatório do transporte gaseífero tem na Lei
nº 11.909/2009 seu principal diploma legal de regência, sendo certo que a Lei
no 9.478/1997 - acrescida e alterada em alguns dispositivos pela Lei do Gás -,
bem como os atos administrativos normativos já expedidos pela ANP4, também
continuam a disciplinar a atividade de transporte por dutos, principalmente no
tocante ao regime de autorização. A Lei do Petróleo também continuará a
incidir sobre a atividade em pontos atinentes à regulação do setor pela ANP
(arts. 7o a 10) e, de forma mais principiológica, no que tange à submissão da
atividade à política energética brasileira, cujos objetivos estão enunciados,
programaticamente, no art. 1o 5.
Deve ser advertido, ainda, que muito embora o art. 30 da Lei nº
11.909/2009 tenha ratificado as autorizações anteriormente expedidas pela
ANP em conformidade com o art. 56 da Lei do Petróleo, a própria Lei do Gás
previu a incidência imediata de algumas de suas regras aos gasodutos de
transporte existentes (arts. 29 a 31). Além dessas, existem outras normas
cogentes que regulam a atividade de forma mais abrangente e que também
são imediatamente aplicáveis às autorizações em curso, desde que se perfaça
4
As principais normas regulatórias que disciplinam a autorização da atividade de transporte
dutoviário de gás natural são: (i) Portaria ANP nº 170/1998, que estabelece as condições gerais
de outorga do ato autorizativo; (ii) Resolução ANP nº 27/2005, que regulamenta o acesso às
instalações de transporte dutoviário de gás natural; (iii) Resolução ANP nº 28/2005, que
disciplina a cessão de capacidade contratada de transporte dutoviário de gás natural; e (iv)
Resolução ANP nº 29/2005, onde são estipulados os critérios para cálculo de tarifas de
transporte dutoviário de gás natural.
5
Dentre esses objetivos, se destacam os seguintes: a) preservação dos interesses nacionais;
b) promoção do desenvolvimento; c) implementação da livre-concorrência; f) valorização dos
recursos energéticos e g) garantia de abastecimento do mercado nacional.
3
a situação fática legalmente prevista6 (exemplo das situações “caracterizadas
como de contingência no suprimento de gás natural”- arts. 50 a 55). Em todo
caso, é bom deixar claro que devem ser respeitados os direitos dos agentes
privados regularmente constituídos sob a égide do marco regulatório anterior,
conforme norma constitucional do art. 5º, XXXVI, que estabelece proibição de
lei nova prejudicar o “ato jurídico perfeito.”
Em relação aos objetivos, parece claro que a Lei do Gás almeja atrair
investimentos para o setor. Para tentar cumprir esse desiderato, a legislação
procurou dar maior garantia e estabilidade às autorizações de transporte
dutoviário, a fim de tentar oferecer alguma tutela aos investimentos privados
envidados no desenvolvimento da empresa7.
É bem verdade que, a partir da edição da Lei do Gás (art. 3o), os novos
grandes projetos relacionados à construção e operação de gasodutos de
transporte de “interesse geral” deverão se submeter ao regime mais estável e
garantista da concessão, podendo inclusive contar com a participação de
recursos públicos na implementação da infraestrutura, mediante a formalização
de Parceria Público Privada (PPP), nos moldes da Lei nº 11.079/2004.
Essa circunstância, contudo, não retira a importância das autorizações
de transporte dutoviário onde haja movimentação de gás natural em percurso
de relevante interesse coletivo (Lei no 9.478/1997, art. 6, VII). Afinal, muitos
desses empreendimentos, de grande vulto, estão e continuarão sendo, por
mais alguns anos, regidos pela disciplina da autorização8, que doravante será
sempre obrigatória aos “gasodutos de transporte” envolvendo “acordos
internacionais” (§ 1o, art. 3 o, da Lei do Gás).
6
Marcos Juruena Vilela Souto escreve que essa espécie de “ato administrativo” (autorização)
coloca o particular “em situação estatutária, passível de modificação por via de lei, sem que se
possa invocar direito adquirido”.
7
Como anotam Gustavo Vilas Boas e Patrícia Crichigno Távora, “na fase infante do ciclo de
vida das indústrias de rede” – como é o caso do transporte de gás natural em âmbito nacional -
, “o objetivo fundamental de uma política regulatória setorial é o de promover prioritariamente
os investimentos. Nesse intuito, o arcabouço regulatório não pode ignorar as restrições
objetivas de incerteza e risco para a realização de investimentos”.(BÔAS, Gustavo Vilas;
TÁVORA, Patrícia Crichigno. Definição de um novo marco regulatório para a indústria de gás
natural no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 930, 19 jan. 2006. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7860. Acesso em: 19/08/2009).
8
Ainda assim, parece que daqui por diante o regime autorizativo deverá ficar circunscrito aos
o
gasodutos “de Transferência”, definidos pelo art. 3 da Lei do Gás como sendo o “duto
destinado à movimentação de gás natural, considerado de interesse específico e exclusivo de
seu proprietário, iniciando e terminando em suas próprias instalações de produção, coleta,
transferência, estocagem e processamento de gás natural”.
4
Dentro desse contexto, nosso estudo pretende, de um modo geral,
abordar alguns aspectos jurídicos da autorização para atividade de transporte
dutoviário de gás natural, enfocando sua conformação sob as influências da Lei
nº 11.909/2009.
Para tanto, iniciaremos o trabalho com a análise da classificação da
atividade de transporte de gás natural por meio de dutos, fornecendo uma
visão ampla do regime jurídico básico da autorização.
Num segundo momento, enfocaremos a questão da natureza jurídica e
das condições gerais de outorga da autorização da atividade transportadora,
analisando aspectos legais relacionados à constituição, exercício e extinção
desse ato administrativo.
5
além de outros aspectos operacionais. Com a edição da Lei do Gás, esse
quadro de dirigismo regulatório fica reforçado nas autorizações, tendo a novel
legislação gaseífera incorporado em seu texto não só temas que já vinham
sendo regulados por atos administrativos normativos expedidos pela ANP, mas
também instrumentos inéditos, como a reversão de bens (arts. 27 e 30, § 4o) e
a imposição ao autorizatário de obrigações comuns aos contratos de
concessão (arts. 26, § 3o e 30, § 5o).
Portanto, malgrado as leis de regência tenham dito que o transporte de
gás natural seja atividade econômica stricto sensu, e não serviço público, o
regime jurídico por elas adotado para as autorizações tem algumas
características ligadas à delegação concessional de serviço público.
Esse modelo parece se aproximar daquele que vem sendo adotado no
âmbito da União Européia que, por sua vez, é muito influenciado pelo conceito
das public utilities, de formulação anglo-saxônica. Nessa conformação,
préstimos essenciais à coletividade - muitas vezes outrora tipificados como
serviço público - passaram a ser titularizados e exercitados pela iniciativa
privada, submetendo-se à regulação estatal mais ou menos intensa. No
âmbito do Direito Comunitário europeu, essas empresas ganharam a
nomenclatura de “serviços econômicos de interesse geral9”, denotando a
intenção de se criar uma categoria diferenciada do tradicional “serviço público”.
Basicamente, o objetivo final dessa modelagem é assegurar que a
liberalização e a introdução da concorrência em certas atividades econômicas
de relevante interesse coletivo, não se constituam em óbice à satisfação
9
Cf. glossário de termos da União Europeia: “Os serviços de interesse económico geral
designam as actividades de serviço comercial que preenchem missões de interesse geral,
estando, por conseguinte, sujeitas a obrigações específicas de serviço público (artigo 86.º - ex-
artigo 90.º - do Tratado CE). É o caso, em especial, dos serviços em rede de transportes, de
energia e de comunicações. O artigo 16.º, inserido pelo Tratado de Amsterdão no Tratado CE,
reconhece o lugar que os serviços de interesse económico geral ocupam no conjunto dos
valores comuns da União Europeia, bem como o papel que desempenham na promoção da
coesão social e territorial. Estes serviços devem funcionar com base em princípios e em
condições que lhes permitam cumprir as suas missões. O artigo 36.º da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia estabelece que a União reconhece e respeita o acesso a
serviços de interesse económico geral a fim de promover a coesão social e territorial da União.”
(Disponível em:
http://europa.eu/scadplus/glossary/services_general_economic_interest_pt.htm. Acesso em:
13/08/2009).
6
desses mesmos interesses. Para tanto, a doutrina10 anota ser “necessária a
imposição de obrigações de serviço público aos operadores, com o fim último
de “garantir a todos os cidadãos um mínimo comum de serviços em condições
de igualdade e a um preço acessível”.
Esclareça-se, no entanto, que no caso da “gestão econômica” do
transporte de gás natural, não se toma em conta as necessidades dos
cidadãos vistos direta e imediatamente, tal como ocorre no serviço público
clássico. Conforme Alexandre Santos de Aragão11, as atividades econômicas
stricto sensu monopolizadas pelo Estado atendem a “interesses estratégicos”
do Estado, “com reflexos apenas mediatos no bem estar da coletividade”.
Esse parece ser o caso da atividade econômica de transporte de gás
em percurso considerado de “interesse geral” que, como o próprio nome
parece indicar, possui relevância para coletividade, imprescindível que é ao
desenvolvimento e à soberania nacionais.
Desse modo, torna-se impositivo que o Estado disponha de
mecanismos de regulação capazes de atender a missão de interesse geral da
atividade de transporte dutoviário, que exige a prestação de um serviço com
características de universalidade, regularidade, atualidade, qualidade e
segurança, valores que os entes privados não respeitariam satisfatoriamente
se perseguissem apenas aos seus interesses empresariais.
Outro a aspecto a ser considerado é o fato de que a atividade de
transporte de gás apresenta irresistível tendência ao monopólio natural, uma
vez que é um serviço prestado mediante grandes redes dutoviárias de
altíssimos custos de implantação e operação, o que inibe ou impossibilita a
entrada e permanência de outros competidores nesse mercado, pois em regra
mostra-se economicamente ineficiente a duplicação da malha transportadora. 12
10
BEZERRA, Helga Maria Sabóia. As transformações da noção de serviço público na União
Européia: o serviço de interesse geral do Tratado de Lisboa, in Direito, Estado e Sociedade, n.
32, jan/jun 2008, p. 122.
11
ARAGÃO, Alexandre Santos de. As O Princípio da Proporcionalidade no Direito Econômico.
Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, vol. 800, jun. 2002, p. 88-89.
12
De acordo com Diogo Pignataro de Oliveira, Camila Colares Bezerra e Otacílio dos Santos
Silveira Neto, as atividades de transporte de gás mediante dutos “apresenta características de
monopólio natural, o que obstaculiza a concorrência horizontal, ou seja, a presença de vários
transportadores. Este segmento implica altos custos, se insere em um contexto de economia
de escala e, por isso, acompanha sérios riscos de sub-utilização da rede, o que faz com a
construção de diversos gasodutos paralelos mostre-se economicamente ineficiente Tudo isso
acaba contribuindo para o monopólio de poucas empresas neste setor e, é claro, uma empresa
7
De acordo com as idéias de Miguel Ángel Sendín García13, existem
certas atividades econômicas que, além de essenciais à coletividade, possuem
natural inclinação monopolística, característica típica dos serviços públicos.
Assim, para lograrem a satisfação coletiva, é recomendável que a exploração
privada de tais atividades sejam reguladas de forma a “mitigar os efeitos
deletérios do monopólio”, intento que pode ser alcançado pela promoção da
concorrência, a ser imposta mediante “obrigações de serviço público”.
Daí porque a necessidade de se adotar uma regulação mais intensa da
atividade econômica de transporte dutoviário de gás, a estabelecer ao
particular algumas sujeições verificadas no serviço público, como o livre
acesso14 e o controle de tarifas; aquele funciona como mecanismo de abertura
compulsória do mercado a outros operadores, enquanto este procura zelar
pela manutenção de um ambiente concorrencial saudável, vedando a fixação
de preços discriminatórios. Visualizadas em seu conjunto e finalisticamente, a
intervenção tarifária e o livre-acesso representam instrumentos aptos a atenuar
os efeitos indesejáveis do monopólio natural, evitando abusos de posição
dominante por parte do titular dos direitos de exploração das instalações
essenciais (essential facilities).
Essas exigências, no entanto, são contrabalançadas mediante
atribuição de certos direitos aos entes privados que se mostrem dispostos a
investir na construção e operação de dutos de gás natural, o que por vezes
pode tornar necessária a adoção de medidas derrogatórias das próprias regras
8
gerais da concorrência, como a fixação de período de exclusividade15 para uso
do gasoduto (art. 30, § 3o).
Por se tratar de um serviço de relevante interesse coletivo, ao qual são
outorgadas certas obrigações de serviço público, impõe-se seu controle pelo
agente regulador competente, que ficará responsável por estabelecer e
fiscalizar, com base em critérios técnicos e razoáveis, os níveis de qualidade e
eficiência a serem impostos aos autorizatários nas operações de transporte de
gás natural16. Assim, são asseguradas ao Poder Público algumas prerrogativas
sobre a atividade econômica autorizada, sendo que a principal delas reside na
possibilidade de alteração unilateral das condições da prestação do serviço,
justificada, sobretudo, em atendimento aos princípios da universalidade,
continuidade, atualidade e segurança.
Nesse sentido, a Lei do Gás - regulando inclusive pontos aplicáveis às
autorizações constituídas anteriormente à sua vigência - estabelece que o gás
natural a ser movimentado pelos dutos obedeça aos padrões determinados ou
aprovados pelo ente regulador (art. 8 o), dando ainda poderes à União para
suspender a prestação do serviço de transporte em “situações caracterizadas
como de contingência no suprimento de gás natural” (art. 50) 17. Nesses casos,
o Poder Público deverá, dentre outras medidas, implementar ações
interventoras que “mitiguem a redução na oferta de gás” e estabelecer
15
Segundo Maria D'Assunção da Costa e Edmilson Moutinho dos Santos “os períodos de
exclusividade para a exploração da capacidade de transporte dos novos gasodutos” são uma
“questão chave” na definição dos riscos a serem absorvidos pelos carregadores. (COSTA,
Maria D'Assunção. SANTOS, Edmilson Moutinho dos. Nova Lei do Gás: algumas
considerações.Disponível em:
http://www.energiahoje.com/brasilenergia/ideias/2009/04/01/380479/nova-lei-do-gas-natural-
algumas-consideracoes.html. Acesso: 22/08/2009).
16
A regulação da atividade de transporte de gás natural - como de resto todas as demais
atividades econômicas reguladas -, deve ser implementada sob os auspícios do princípio
constitucional da eficiência (CF, art. 37, caput), observando-se o “modelo gerencial, no qual
são abrandados os controles de procedimentos e incrementados os controles de resultados.
(...) Isso significa que é preciso superar concepções puramente burocráticas ou meramente
formalísticas, dando-se maior ênfase ao exame da legitimidade, da economicidade e da
razoabilidade, em benefício da eficiência”.(DALLARI, Adilson Abreu. Alterações dos Contratos
Administrativos – Economicidade, Razoabilidade e Eficiência, Direito Administrativo
Contemporâneo: Estudos em Memória do Professor Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. In:
Roberto Felipe Bacellar Filho (Coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 25).
17
“Art. 50. Em situações caracterizadas como de contingência no suprimento de gás natural,
mediante proposição do Conselho Nacional de Política Energética - CNPE e decreto do
Presidente da República, as obrigações de fornecimento de gás, em atividades da esfera de
competência da União, e de prestação de serviço de transporte, objeto de contratos celebrados
entre as partes, poderão ser suspensas, em conformidade com diretrizes e políticas contidas
em Plano de Contingência, nos termos da regulamentação do Poder Executivo”.
9
“consumos prioritários” (art. 50, I e III), permanecendo “os transportadores, sob
a coordenação da ANP, responsáveis pela operação de seus gasodutos
componentes da rede de transporte” (art. 52, parágrafo único). Os
autorizatários também deverão se sujeitar a uma série de obrigações idênticas
àquelas estabelecidas aos concessionários (arts. 26, § 3o e 30, § 5o), tais como:
(i) adoção de medidas operacionais necessárias à preservação de instalações,
áreas ocupadas e recursos naturais potencialmente afetados pela atividade,
garantindo a segurança das populações e a proteção do meio ambiente; (ii)
responsabilizar-se civilmente pelos atos de seus prepostos e indenizar todos e
quaisquer danos decorrentes das atividades empreendidas; e (iii) adotar as
melhores práticas da indústria internacional do gás natural, observados os
procedimentos técnicos e científicos pertinentes à atividade de transporte de
gás natural.
Por outro lado, contrabalançando o peso dessas sujeições, a Lei nº
11.909/2009 garantiu aos autorizatários uma proteção econômica mínima e
obrigatória, como o direito à prévia e justa indenização, em dinheiro, pelos bens
reversíveis não amortizados ou depreciados (arts. 27 e 30, § 4o),
estabelecendo ainda que as tarifas sejam adequadas18, de maneira a propiciar
ao autorizatário o justo lucro pelo exercício eficiente de uma operação
universalizada, contínua, atual e segura.
18
Diz a Lei do Petróleo, em seu art. 58, (com a redação dada pelo art. 58 da Lei do Gás): “Será
facultado a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte e dos terminais marítimos
existentes ou a serem construídos, com exceção dos terminais de Gás Natural Liquefeito -
GNL, mediante remuneração adequada ao titular das instalações ou da capacidade de
movimentação de gás natural, nos termos da lei e da regulamentação aplicável” (grifo nosso).
o
Reza ainda o § 1 do mesmo artigo: “A ANP fixará o valor e a forma de pagamento da
remuneração adequada com base em critérios previamente estabelecidos, caso não haja
acordo entre as partes, cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é compatível com o
mercado”.(grifo nosso)
10
deram origem à atual Lei do Gás19. Nesses escritos, a agência aduziu que a
exploração da atividade de transporte sob o regime autorizativo revelava “sinais
negativos aos investidores”, na medida em que a “autorização é ato
discricionário da administração Pública, podendo ser outorgada e revogada a
qualquer tempo, de acordo com critérios de oportunidade e conveniência”20.
Ocorre que, como assevera Jacintho Arruda Câmara 21, “nessa condição,
o termo „autorização‟ estaria fadado a ter por objeto situações triviais, de menor
relevo econômico. Só lhe seriam relegados os temas que se prestassem a ficar
sob o arbítrio da autoridade de plantão, que suportassem o risco iminente de
extinção sem motivo específico, que não conferissem qualquer garantia ao
beneficiário. Entre os instrumentos administrativos de outorga de direitos, seria
a autorização o mais reles.” Ou seja, em tal contexto, vigora o “poder de
polícia” tomado em seu sentido habitual, onde a “autorização” se apresenta
como um simples ato administrativo necessário a levantar impedimentos ao
exercício de atividade pelo administrado com potencial para prejudicar a
coletividade em sua tranquilidade, salubridade e/ou segurança.
No entanto, esse conceito clássico de autorização, arraigado à noção
genérica de “ordem pública”, não pode ser aplicado aos portentosos e
complexos projetos empresariais voltados ao transporte dutoviário de gás
natural, os quais, a toda evidência, não se coadunam com a
“discricionariedade” e “precariedade” do ato autorizativo pensado nesse
esquema tradicional.
Assim é que, na sistemática do art. 56 e parágrafo único da Lei nº
9.478/199722, a autorização foi concebida como ato de “atribuição de direito de
19
Notas Técnicas emitidas pela Superintendência de Comercialização e Movimentação de
Petróleo, seus Derivados e Gás Natural (SMC/ANP). Disponível em: http://www.anp.gov.br/.
Acesso em: 28/12/2009.
20
A ANP chegou inclusive a propor a conversão das autorizações vigentes para o sistema de
concessão, alegando que a alteração “não acarretaria dificuldades jurídicas ou custos
significativos, trazendo, em contrapartida, benefícios importantes relacionados à adoção de um
regime de outorga único para o sistema de transporte, com regras iguais para todos os
operadores estabelecidas em seus respectivos contratos de concessão”.
21
CÂMARA, Jacintho Arruda. Autorizações Administrativas Vinculadas: O Exemplo do setor de
Telecomunicações. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de
Azevedo (Coord.). Direito Administrativo e seus Novos Paradigmas. Belo Horizonte: Fórum,
2008. p. 621.
22
“Art. 56. Observadas as disposições das leis pertinentes, qualquer empresa ou consórcio de
empresas que atender ao disposto no art. 5° poderá receber autorização da ANP para construir
instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás
natural, seja para suprimento interno ou para importação e exportação”.“Parágrafo único. A
11
ingresso no mercado”23 de transporte, estando a expedição das respectivas
autorizações condicionadas à observância das “disposições das leis
pertinentes” e das “normas” baixadas pela ANP sobre “habilitação dos
interessados” e demais “condições” de outorga. Logo, sempre que atendidas as
condições abstratamente previstas nas legislações e normatização
administrativa aplicáveis, a entidade reguladora fica obrigada a editar o ato
autorizativo. Por conseguinte, não há que se falar em juízo de “conveniência e
oportunidade” da ANP na expedição da autorização, pois aqui se trata de
exercício de competência vinculada, e não discricionária. Nesse sentido, Maria
D'Assunção da Costa anota que as autorizações na indústria do petróleo e gás
possuem “natureza vinculativa e permanente, na qual o Poder Público apenas
confirma o atendimento integral das exigências legais e regulatórias do futuro
agente autorizado, declarando e constituindo o direito de explorar a atividade
autorizada, não lhe restando qualquer juízo de valor”.
Nesse cenário, a discricionariedade que se pode atribuir à ANP está
adstrita ao estabelecimento prévio de normas que contenham requisitos
técnicos e objetivos para o exercício da atividade. Mas, ainda assim, há de ser
ressaltado que tais atos administrativos, para serem válidos e eficazes,
deverão ser “precedidos de audiência pública” (art. 19, Lei nº 9.478/1997) e ter
como parâmetro os postulados da “proteção ambiental e segurança de tráfego”
(parte final do parágrafo único, do art. 56, da Lei do Petróleo), o que reduz
sensivelmente a margem de avaliação da oportunidade e conveniência da
agência na produção das referidas normas.
Em relação ao exercício da empresa autorizada, embora o transporte
dutoviário de gás seja uma atividade econômica em sentido estrito, foi visto no
tópico anterior que o marco regulatório setorial, principalmente após o advento
da Lei do Gás, impõe ao particular a observância de certas obrigações de
serviço público, justificadas à luz da importância coletiva da atividade e das
falhas de mercado que lhe são intrínsecas. No caso, portanto, trata-se de uma
prestação sujeita a uma “rígida e constante conformação pelo Poder Público”
ANP baixará normas sobre a habilitação dos interessados e as condições para a autorização e
para transferência de sua titularidade, observado o atendimento aos requisitos de proteção
ambiental e segurança de tráfego.”
23
SOUTO, Marcos Juruena Vilela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002, p. 283.
12
24
, que aqui não se limita “ao simples controle negativo do exercício de direitos,
estendendo-se “à própria regulação do mercado, com explícito propósito de
orientar e conformar positivamente a atividade autorizada” segundo os
25
objetivos “previamente programados” nas normas de regência.
Com isso, o autorizatário manifesta livremente sua adesão a um
irresistível e dinâmico sistema de dirigismo regulatório, guiado finalisticamente
pelas complexas e cambiáveis necessidades coletivas, cuja satisfação exige a
prestação de um serviço com características de universalidade, continuidade,
atualidade, qualidade e segurança; sem contar a importância estratégica do
transporte dutoviário de gás para soberania e desenvolvimento nacionais,
fatores que inclusive justificam a constitucionalização do monopólio estatal
sobre o exercício da atividade.
Essas exigências, obviamente, não legitimam o Poder Público a intervir
arbitrária e imotivadamente na atividade autorizada, retirando do autorizatário
parcela fundamental da sua liberdade de gestão empresarial e impondo-lhe
prejuízos patrimoniais. Por exemplo: a aplicação dos poderes administrativos
extroversos na execução do serviço de transporte, como as modificações
unilaterais (jus variandi) e o exercício de poder de polícia (fiscalização e
imposição de penalidades), devem ser obrigatória e adequadamente
justificados em concreto pelo interesse público, respeitar os princípios da
razoabilidade e proporcionalidade, além de estarem devidamente
fundamentados no bloco normativo setorial, composto basicamente pela
Constituição, leis, regulamentos e pelas “melhores práticas da indústria
internacional do gás natural” (Lei nº 11.909/2009, art. 21, VI - Lex Petrolea) 26.
Da mesma forma, considerando o efeito constitutivo da autorização de
transporte dutoviário de gás - a impor direitos e obrigações aos agentes
envolvidos - é totalmente vedado ao Poder Público extinguir o ato autorizativo
24
ARAGÃO, Alexandre Santos de. O Princípio da Proporcionalidade no Direito Econômico.
Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, vol. 800, jun. 2002, p. 85.
25
ENTERRÍA, Eduardo García de. FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho
Administrativo, Madrid: Civitas, 1999, 6ª ed., t. II, p. 133-134, apud ARAGÃO, Alexandre Santos
de. As O Princípio da Proporcionalidade no Direito Econômico. Revista dos Tribunais. São
Paulo: RT, vol. 800, jun. 2002, p. 89-90.
26
Marilda Rosado de Sá Ribeiro anota que a Lex Petrolea, sintetizada na expressão “boas
práticas da indústria do petróleo”, é uma verdadeira “lex mercatoria específica da área
petrolífera”, sendo assim “autêntica fonte do Direito”. (RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito
do Petróleo: As Joint Ventures da Indústria do Petróleo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 23).
13
ao seu exclusivo talante e livre de qualquer responsabilidade. E assim é
porque o particular que obtém uma autorização dessa espécie realiza pesados
investimentos, na “legítima confiança” de que o Estado zelará por um mínimo
de constância e equilíbrio do ambiente empresarial, propiciando assim as
condições para que o empreendedor privado tenha chances de auferir lucro
com a exploração da atividade autorizada. E diferente não poderia ser, uma
vez que, atualmente, com a visualização do Direito Administrativo sob a ótica
do Estado Democrático de Direito, avulta a importância do princípio da boa-fé
objetiva27 aplicado às relações entre Administração Pública e iniciativa privada,
sobretudo no que se refere à proteção da confiança dos particulares na
estabilidade das situações criadas e fomentadas pelo Poder Público. Sobre o
ponto, Judith Martins-Costa28 escreve que “na relação entre particulares e a
administração pública a conjugação entre os princípios da boa-fé e confiança
opera em elevado grau, em razão da (i) assimetria de poderes entre os
partícipes da relação, marcadas por intrínseca verticalidade e, (ii) da
presunção de legitimidade e de legalidade dos atos administrativos, ambos
elementos hábeis à geração de confiança. (...) Assim sendo, no direito público
se amalgamam (ora sob a denominação „boa-fé‟, ora sob o nome „confiança‟)
os deveres positivos de lealdade e honestidade e os deveres negativos de não
frustrar (ou de não suscitar levianamente) as legítimas expectativas do
administrado”.
Por isso mesmo é que o “desfazimento repentino” do ato autorizativo só
pode operar em situações excepcionais, devidamente justificadas pelo
interesse público primário e após acurada “ponderação entre custos e
benefícios do ato regulatório” extintivo29. Ademais, a extinção imprevista há de
27
O principio da boa-fé objetiva, enquanto fonte de deveres éticos e morais direcionados
especificamente à Administração Pública, apenas exterioriza uma das facetas do postulado
maior da moralidade, inserto no caput do art. 37 da Constituição brasileira. Sobre o tema, vide
GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade Administrativa e a Boa-fé da Administração
Pública: O Conteúdo Dogmático da Moralidade Administrativa. São Paulo: Malheiros, 2002).
28
MARTINS-COSTA, Judith. O Princípio da Confiança Legítima e Princípio da Boa-fé Objetiva.
Termo de Compromisso de Cessação (TCC) Ajustado com o CADE. Critérios da Interpretação
Contratual: Os “Sistemas de Referência Extracontratuais” (“Circunstâncias do Caso”) e sua
Função no Quadro Semântico da Conduta Devida. Princípio da Unidade ou Coerência
Hermenêutica e “Usos do Tráfego”. Adimplemento Contratual. Parecer publicado na Revista
dos Tribunais nº 852, out. 2006, p. 102.
29
Segundo Marcos Juruena Vilela Souto: “Com o desfazimento do ato há o desmonte de um
negócio que, em função do interesse coletivo que atende (interesse esse que justificou a
edição do ato de consentimento ou adjudicação), poderá deixar a população desabastecida de
14
observar o devido processo legal e vir acompanhada da responsabilização civil
do poder autorizante pelos prejuízos causados ao titular dos direitos de
exploração da atividade, os quais devem merecer a reparação adequada, de
acordo com o caso concreto. Se assim não se entender, lamentavelmente
estaremos diante daquilo que Marcos Juruena Vilela Souto30 chamou de
“confisco expropriatório” ou “desapropriação indireta do fundo de comércio ou
negócio”, situação que simplesmente aniquilaria qualquer chance de
investimentos privados no setor, que assim ficaria fadado ao
subdesenvolvimento.
Ora, se essa orientação era de fácil inferência no sistema da Lei nº
9.478/1997, ficou ainda mais evidente com a edição Lei nº 11.909/2009, que
fixou prazo de duração de 30 (trinta) anos às autorizações de transporte,
inclusive para aquelas expedidas antes da sua vigência31 (art. 30, § 1o).
Além da estabilidade atribuída pela estipulação de um período
determinado para exploração da empresa - supostamente suficiente para
recuperação dos investimentos -, a Lei do Gás assegurou e esses
autorizatários, ao término do prazo de vigência da autorização, a “justa e
prévia indenização” pelos “bens e instalações destinados à exploração da
atividade de transporte” revertidos ao poder autorizante (art. 27 e § 4o, do art.
30).
Esses artigos, no entanto, devem ser interpretados amplamente, de
modo que a indenizabilidade dos bens e instalações a serem incorporados ao
domínio do Poder Público não fique unicamente subsumida aos casos de
extinção da autorização pelo “término do seu prazo de vigência”. Sob pena de
enriquecimento sem causa do Estado (ou confisco), também deve ser
15
garantido ao autorizatário o direito à reparação pelo patrimônio reversível nas
hipóteses de extinção antecipada do ato autorizativo, seja ela decorrente de
anulação, cassação ou revogação, sobretudo nesta última, à qual deve se
aplicar o princípio da restituição integral, com a indenização dos danos
emergentes e lucros cessantes32 (Código Civil, arts. 403 e 944).
O autorizatário, por outro lado, tal qual o concessionário (arts. 26, § 3o e
30, § 5o), recebeu da Lei nº 11.909/2009 o ônus de se responsabilizar
exclusivamente33 pelos atos de seus prepostos ou prestadores de serviços,
indenizando “todos e quaisquer danos decorrentes das atividades
empreendidas” (art. 22, V), independentemente de culpa34.
Todos esses aspectos demonstram que os atos autorizativos
representam muito mais que um simples consentimento de polícia dado pela
ANP ao particular para exercer o transporte por meio de gasoduto: trata-se
32
Assim é porque, extinta repentinamente a autorização por interesse público (revogação),
existem grandes chances de o autorizatário estar envolto num ciclo mais robusto de
investimentos, implementado por ele na confiança de que a autorização continuaria vigorando
normalmente (pelo menos até o tempo necessário à maturação do investimento). Esses
investimentos, decretada a extinção do ato autorizativo, não mais serão possíveis de ser
amortizados pelo empreendedor, por razões imputáveis exclusivamente ao Poder Público.
Desse modo, mostra-se perfeitamente razoável que, em caso de revogação, a tutela
reparatória do autorizatário deva ser ampliada, de molde a não ficar adstrita apenas aos bens
reversíveis não amortizados ou depreciados (danos emergentes), devendo compreender
também indenização pela perda do benefício de continuação da exploração da atividade
autorizada (lucros cessantes).
33
A parte final do inciso V, do art. 22, impõe a obrigação de o concessionário (ou autorizatário)
ressarcir a União dos ônus que esta venha a suportar em conseqüência de possíveis
demandas judiciais propostas por terceiros, motivadas por atos do operador no exercício da
empresa. Não se trata, contudo, de uma simples responsabilidade civil genérica e abstrata do
particular em indenizar os eventuais prejuízos causados ao erário. Com efeito, a norma em
exame estabelece uma garantia própria em proveito do Poder Público, tornando obrigatório que
a União, em sendo judicialmente demandada por terceiros prejudicados, denuncie à lide ao
concessionário ou autorizatário, na forma do art. 70, III, do CPC. Assim, a recomposição
patrimonial do Estado pode ser realizada de forma processual mais célere e econômica, nos
mesmos autos da ação indenizatória, sem necessidade de ajuizamento de ação regressiva
autônoma.
34 o
Entendemos que o art. 22, V, deve ser interpretado em consonância com § 2 , do art. 23, que
enuncia textualmente que as relações do transportador com terceiros serão regidas pelo
“direito comum”, o que atrai a incidência da regra geral do art. 927, parágrafo único, do Código
Civil, pelo qual “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa (...), quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem.” Ou seja, a regra aqui é a da responsabilidade objetiva, assentada no
risco criado pelo empreendimento explorado pelo concessionário ou autorizatário. É que o
transporte dutoviário de gás é uma atividade econômica potencialmente danosa, cuja amplitude
pode abarcar tanto vítimas individualizadas e individualizáveis, assim como indeterminadas ou
indetermináveis, este o caso típico dos danos ambientais. Nessa seara, no entanto, tem
aplicação específica o disposto no § 1o, do art. 14, da Lei n.º 6.938/81, a determinar ao
poluidor, “independentemente da existência de culpa”, a obrigação de indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade.
16
aqui de autêntica “atividade administrativa conformadora”35, guiada por um
maior consensualismo e avessa à ideia de total precariedade e
discricionariedade36.
4. Conclusão
35
ARAGÃO, Alexandre Santos de. As O Princípio da Proporcionalidade no Direito Econômico.
Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, vol. 800, jun. 2002, p. 89.
36
Após preconizar o “efeito constitutivo” que sempre esteve presente em certas espécies de
autorizações e negar-lhes a existência de “discricionariedade ilimitada” e a possibilidade de
“revogação sumária” pelo Estado, Juarez Freitas aduz que: “muitos administradores públicos
assimilaram, desavisadamente, a autorização como puro ato administrativo precário e
discricionário sob o pressuposto de que, ao longo de sua trajetória evolutiva, ninguém jamais
relativizara criticamente o enfoque classificatório. É como se, de repetição em repetição, a
rotina tivesse apagado o sábio vestígio das exceções constitutivas mencionadas. Para um
número considerável de agentes públicos (não raro, reguladores), tudo se passou como se a
doutrina nunca houvesse defrontado com autorizações diferenciadas.” (FREITAS, Juarez.
Direito Fundamental à Boa Administração Pública e o Reexame dos Institutos da Autorização
de Serviço Público, da Convalidação e do “Poder de Polícia Administrativa”. In: ARAGÃO,
Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito Administrativo e
seus Novos Paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 319-320.
37
Para aqueles que enxerguem nisso uma anomalia - já que entre nós ainda grassa ferrenho
antagonismo entre os conceitos de “atividade econômica” e “serviço público” –, recomendamos
especial atenção às palavras de Carlos Ari Sundfeld, para quem é preciso acabar com a
“operação simplista” de se tentar “identificar o caráter público ou privado do serviço em causa”,
como se isso fosse um método infalível para “determinar a aplicabilidade de um regime jurídico
geral.” Preconizando uma mudança de enfoque, o autor conclui que “não se cuida mais de
discutir o caráter público ou privado de certo serviço, mas sim de identificar como ele é
regulado pelo Estado no tocante ao aspecto tal ou qual.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução
às agências reguladoras. In: Carlos Ari Sundfeld (Coord.). Direito Administrativo Econômico.
São Paulo: Malheiros, 2000, p. 3).
17
devido à existência de dispositivos legais regrando pontos chave da atividade
de transporte.
Pela reforma do marco regulatório do gás, os autorizatários também
foram investidos de maiores obrigações e direitos, o que impede a extinção do
ato autorizativo de forma súbita e puramente discricionária, sem direito à
indenização.
As autorizações, em suma, ganharam maior solidez nos padrões de
regulação, oferecendo boas possibilidades de retorno ao investimento privado
e o atendimento dos interesses públicos imbricados com a relevante atividade
econômica de transporte de gás natural.
5. Referências bibliográficas
18
CÂMARA, Jacintho Arruda. Autorizações Administrativas Vinculadas: O
Exemplo do setor de Telecomunicações. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de;
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito Administrativo e seus
Novos Paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
19
OLIVEIRA, Diogo Pignataro de; BEZERRA, Camila Colares et al. A regulação
do gás natural no Direito Comunitário europeu e no Mercosul. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 584, 11 fev. 2005. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6303.
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