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O TEATRO EM LISBOA NO TEMPO DE ALMEIDA GARRETT Lisboa:

Ana Isabel P. Teixeira de Vasconcelos Museu do Teatro, 2003

1. INTRODUÇÃO
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O TEATRO EM LISBOA NO TEMPO DE ALMEIDA GARRETT Lisboa:
Ana Isabel P. Teixeira de Vasconcelos Museu do Teatro, 2003

É na sombra tutelar da figura de Almeida Garrett que se desenvolve o presente


texto, tal foi a sua influência tanto no campo político como no campo cultural, com
especial enfoque na esfera teatral. Não será, contudo, o Homem, escritor ou político,
que aqui nos ocupará, mas antes o que resultou da sua acção no que respeita à vida
teatral destes anos de Oitocentos.
Destina-se esta publicação não só a todos os que sentem um carinho especial
pela “arte de Tália”, mas igualmente àqueles que têm alguma curiosidade pelas
vivências, sobretudo sociais, da Lisboa oitocentista. São praticamente inexistentes as
obras de divulgação que respondam a perguntas aparentemente tão simples como: “A
que assistiam os espectadores quando compravam um bilhete no Teatro da Rua dos
Condes ou mesmo no Teatro Nacional D. Maria II?”, ou “Como se desenrolava então
uma noite de teatro?”, “Quem escolhia as peças representadas?”, “Eram sujeitas a
algum tipo de censura?”, “A quem pertenciam as companhias de teatro?”, ou ainda
“Seriam os actores profissionais daquele ofício?”...
Foi essencialmente para satisfazer estas “curiosidades” que iniciei um trabalho
de pesquisa, que me levou, em primeiro lugar, à leitura dos folhetinistas e
memoralistas da época, tais como Júlio César Machado, Pinto de Carvalho e o próprio
Sousa Bastos, ou mesmo Francisco Câncio que, embora não testemunhasse os
acontecimentos, recolheu histórias e episódios, registando-os em livro. Seguiu-se a
leitura dos periódicos da época, cujos artigos, recheados de pormenores quotidianos,
espelham as vivências sobretudo da capital. E para um entendimento desse
quotidiano, no quadro mais amplo dos órgãos governativos e das instituições
reguladoras, houve que consultar documentação de carácter legislativo, que se
encontrava publicada no Diário do Governo. Tudo isto, evidentemente, no âmbito da
realidade teatral oitocentista.
O período aqui apresentado tem o seu início em 1836, tinha já Garrett 37 anos,
e termina sensivelmente com o seu desaparecimento, tratando-se, indubitavelmente,
de anos particularmente importantes em termos de matéria teatral. Foi, como veremos
com mais detalhe, em 1836 que surgiu um dos raros momentos em que se gizou uma
política teatral nas suas múltiplas vertentes: decisão de construção de um edifício
merecedor de se intitular Teatro Nacional; fundação de uma escola de actores, o
Conservatório Real; e criação de programas de incentivo à produção de textos

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Ana Isabel P. Teixeira de Vasconcelos Museu do Teatro, 2003

dramáticos, tudo com o intento de fazer renascer o Teatro Português. Os primeiros


anos do chamado período da “Regeneração” marcam o término deste estudo, não só
devido ao desaparecimento de Garrett, mas porque se trata de uma nova época política
e social, que envolveu também grandes alterações em termos de produção dramática
e, consequentemente, teatral.
Tal como o título do livro indica, nestas páginas percorreremos apenas a
capital, até porque, consensualmente, "o teatro mais ainda que o jornalismo era um
fenómeno marcadamente citadino e sobretudo lisboeta"1. Exclui-se deliberadamente a
actividade levada a cabo no Teatro de São Carlos, não porque não seja reveladora de
aspectos socioculturais merecedores da maior atenção, mas porque, por um lado, já
existem estudos aprofundados sobre este espaço e especificamente sobre a sua
produção nesta época2, e, por outro, por se tratar de um local destinado à
representação de peças líricas, logo, na sua maioria, de origem estrangeira.
Os espaços teatrais, públicos, aqui retratados situam-se numa geografia urbana
bem delimitada: o Teatro do Salitre, a norte do Passeio Público, num espaço hoje
ocupado pela Avenida da Liberdade; o Teatro da Rua dos Condes, sensivelmente no
mesmo sítio em que ainda se encontra hoje o edifício do antigo cinema Condes; o
Teatro Nacional D. Maria II, na fachada norte da praça do Rossio; o Teatro de D.
Fernando, no Largo de Santa Justa; e o Teatro do Ginásio, na Rua Nova da Trindade,
junto ao Chiado. Hoje resta apenas o Teatro Nacional, edifício que sofreu diversas
alterações ao longo destes cerca de 150 anos, sobretudo devido ao incêndio ocorrido
no fim de 1964.
Paralelamente a estes teatros, a que todos podiam aceder, funcionavam os
teatros particulares, alguns dos quais, certamente mais sumptuosos, pertenciam a
gente abastada, fazendo parte do seu espaço residencial; outros, por vezes até
modestas salas, pertenciam a associações ou clubes de bairro, que promoviam, a par
com outras actividades lúdicas, espectáculos teatrais. Nuns e noutros se estrearam
actores e actrizes que, devido às provas dadas, vieram posteriormente a integrar
companhias profissionais.
Apenas duas notas finais. A primeira serve para esclarecer que o estudo que
fez despoletar a investigação realizada e que, alargada e com outros contornos, utilizei
neste livro, se concretizou num trabalho de índole académica, do qual retirei partes já
publicadas3. A segunda nota, de carácter formal, refere-se ao critério utilizado

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relativamente aos textos oitocentistas que vou citando ao longo dos diversos capítulos.
Uma vez que, na primeira metade de Oitocentos, a ortografia ainda se não encontrava
perfeita e claramente fixada entre nós, sendo frequente uma mesma palavra
apresentar-se escrita de formas diferentes, actualizei ortograficamente os nomes, os
títulos de obras e os próprios textos, mantendo, em regra, a sintaxe e a pontuação
original.

1
Santos, 1988: 211
2
Ver Cymbron, Luísa, A ópera em Portugal: o sistema produtivo e o repertório nos Teatros de S.
Carlos e de S. João, Lisboa, Texto policopiado, 1998.
3
Ver Vasconcelos, Ana Isabel P. Teixeira de Vasconcelos, O Drama Histórico Português no Século
XIX (1836-56), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/FCT, 2003.

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