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Máquinas Térmicas

Prof. Carlos Gurgel


Dep. Engenharia Mecânica – FT
Universidade de Brasília

Capítulo I – Perspectiva Histórica das Máquinas Térmicas (VAPOR)

Traduzido e transcrito dos textos:

A HISTORY OF THE GROWTH OF THE STEAM-ENGINE.

BY

ROBERT H. THURSTON, A. M., C. E

(http://www.history.rochester.edu/steam/thurston/1878/index.html)

A SHORT HISTORY OF DEVELOPMENT OF THE THERMODYNAMICS

BY

JOHN R. HOWELL AND RICHARD O. BUCKIUS


(Heat Transfer Engineering, vol. 8, no. 2, 1987)

Atenção: O transcrição objetiva situar o leitor no contexto histórico do


desenvolvimento das máqunas térmicas (prática) e o desenvolvimento teórico da
termodinâmica. O leitor saberá identificar a origem dos textos, com relação as
referências citadas.

Introdução
… While following the records and traditions which relate to the steam-engine, I
propose to call attention to the fact that its history illustrates the very important truth:
inventions are never, as great discoveries are seldom, the work of any one mind.
Every great invention is really either an aggregation of minor inventions, or the
final step of a progression. It is not a creation, but a growth- as truly so as is that of
the trees in the forest, the same invention is frequently brought out in several
countries, and by several individuals, simultaneously. Frequently an important
invention is made before the world is ready to receive it, and the unhappy inventor is

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taught, by his failure, that it is as unfortunate to be in advance of his age as to be
behind it. Inventions only become successful when they are not only needed, but
when mankind is so far advanced in intelligence as to appreciate and to express the
necessity for them, and to at once make use of them…

É com este espírito que devemos nos conduzir ao longo do curso. O conhecimento
deve ser acumulativo e sempre partindo do simples para o complexo.

Máquinas a vapor
A utilização de vapor na realização de trabalho pode facilmente ser datada de 200 AC.
Esquemas com descrição detalhada de sistemas que poderiam ser utilizados para a
abertura de portas de templos são apresentados por Hero (não necessariamente
inventados por ele) já naquela época. Pode-se afirmar pois que tais sistemas carregam
o princípio essencial de todas as máquina térmicas modernas - mudança de uma forma
de energia, conhecida como energia térmica em energia mecânica (trabalho). A Fig. 1
ilustra o mecanismo de Hero.

Figura 1: Mecanismo de Hero para abertura de portas de templos, 200 AC.

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Continuamente, outras idéias foram apresentadas para o uso de vapor como um meio
de se produzir diferentes formas trabalho, por exemplo, o transporte de água de um
nível inferior para um superior. A Fig. 2 ilustra tal tipo de mecanismo idealizado no
início do século 17.

Figura 2: Aparato desenvolvido por Solomon de Caus em 1605.

Observando a figura é fácil de se verificar os princípios físicos envolvidos no trabalho


de elevação de uma certa quantidade de massa de água. Aplicação prática de tal
engenho pode ser datada de 1665. Tal invento foi aplicado no castelo de “Rawlan” in
Vauxhall, nas proximidade de Londres.
No contexto da mecânica, o conceito de energia foi introduzido por Galileo (1564-
1642). Contudo, as tentativas de se quantificar energia, termodinamicamente falando,

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esbarravam na falta de compreensão de que transferência de calor e trabalho são
apenas formas diferentes de transferência de energia. Além disto, os conceitos de
temperatura e transferência de calor, na sua forma mais básica, ainda eram confusos.
Obviamente, técnicas de medida de temperatura eram necessárias antes que as idéias
de transferência de calor pudessem ser desenvolvidas. Aparatos para medida de
temperatura foram desenvolvidos por Galileo (1592) termômetro a ar, Ferdinando II
(1641), termômetro a álcool, Newton (1701), termômetro a óleo e finalmente,
Fahrenheit (1715), termômetro a mercúrio.
A Fig. 3 apresenta a máquina para elevar-se água conforme idealizado pelo Segundo
Marquês de Worcester

Figura 3: Máquina de Worcester, 1665.

Segue-se uma descrição de como o sistema (máquina) operava:


Dois vasos, AA', são conectados por um tubo de vapor, BB', com o evaporador, C,
por trás deles. D é a fornalha. Um tubo dágua vertical, E, é conectado com os vasos

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contendo água fria, AA', pelos tubos, FF', alcançando o fundo do vaso. Água é
suprida pelos tubos, GG', com válvulas, aa', mergulhados no poço, W.
Vapor dos evaporadores é conduzido para um dado vaso, A ou A', alternativamente.
A pressão do vapor expulsa a coluna dágua daquele reservatório. O vapor é então
direcionado para o outro reservatório através dos tubos FF’. Condensação do vapor
remanescente no interior do reservatório que acabou de ser esvasiado provoca vácuo
permitindo que a pressão atmosférica force a água através dos tubos G e G'
realimentando este para o próximo passo de bombeamento. Enquanto um reservatório
(A ou A’) está sendo alimentado pelo efeito do vácuo, o vapor pressurizado está
elevando a massa dágua do outro. Quando um dos vaso é descarregado, o vapor é
redirecionado para o outro vaso dando continuidade ao processo.

Figura 4: A máquina de Huyghens, 1680.

Huyghens, em l680, apresentando-se na Academia de Ciências, fala sobre a força


expansiva da pólvora como sendo capaz de ser utilizada convenientemente em uma

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máquina térmica portátil. A máquina de Huyghens é de grande interesse não apenas
porque foi a primeira máquina operando com gás e consequentemente o protótipo do
modernos motores à explosão de Otto e Langen, mas principalmente por ser a
primeira máquina consistindo de um cilindro e um pistão. O esquema da Fig. 4 ilustra
tal máquina. Ela consiste de um cilindro, A, um pistão, B, dois tubos de descarga, C,
construídos com válvulas e um sistema de polias, g pelo qual um peso é levantado. A
explosão expele o ar para for a do cilindro. Quando os produtos da combustão são
resfriados, ocorre desbalanceamento entre a pressão atmosférica e aquela no interior
do cilindro (vácuo) forçando o pistão para baixo o qual levanta o peso.
Aparentemente, a concepção da máquina ficou apenas no papel, não sendo colocada
em prática, embora verifique-se que tal invento era realmente capaz de realizar
trabalho útil.
Thomas Savery, um engenheiro militar inglês fo responsável não só pela invenção de
diferentes mecanismos como realizou melhorias em algumas máquinas já conhecidas.
Algumas minas de carvão da época eram inviáveis economicamente devido à grande
quantidade de água que deveria ser retirada no progresso das escavações. Por
exemplo, em uma única mina relata-se que até 500 cavalos seriam utilizados no
trabalho de “bombeamento” de água por intermédio do levantamento de containers.
Motivado pela possibilidade de ganhos com a utilização de uma de suas máquinas,
Savery enviou panfletos entitulados "The Miner's Friend” onde ele descrevia uma
máquina de bombeamento a carvão. O esquema detalhado de tal máquina pode ser
visto na Fig. 5.
Neste instante, é importante se destacar que inúmeras máquinas foram projetadas e,
eventualmente construídas, muito antes do desenvolvimento de técnicas de medida de
temperatura e da teoria da termodinâmica. Portanto, você leitor, sinta-se um projetista
de máquinas térmicas ainda que não tenhamos introduzido os conceitos de ciclos,
eficiência, etc., a história prova que todos nós temos potencial para a concepção
revolucionária de máquinas térmicas.
Tal máquina foi utilizada em inúmeras aplicações. Contudo, a ausência de válvulas de
segurança nas caldeiras impossibilitava o emprego da máquina em minas muito
profundas. Com a ajuda da ilustração, pode-se verificar que as técnicas de construção
mecânica já estavam relativamente bem desenvolvidas (tubos, tanques, válvulas, etc).
O surgimento das vávulas de segurança nas caldeiras estava por acontecer, até então
muitas explosões fatais ocorreram.

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Figura 5: Máquina de Savery, 1702.

O controle de pressão de vapor na caldeira havia sido desenvolvido por Papin, por
volta de 1680. Na verdade sua proposta era nada mais que uma panela de pressão para
o preparo de alimentos. A Fig. 6 ilustra a máquina, conhecida como " Digester ".
Com este avanço, maiores pressões poderiam ser atingidas, com relativa segurança e,
mais importante, abre-se caminho para o aumento da eficiência das máquinas
térmicas, no que tanje à maior capacidade de realizar trabalho sem que as máquinas
necessariamente possuíssem grandes dimensões.
No esquema do " Digester ", pode ser verificar que o controle da pressão de vapor é
realizado por um sistema de alavancas com um peso, cuja posição definia a pressão
máxima no interior do aparato.

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Figura 6: O digestor de Papin com controle de pressão, 1680.

Neste momento, falta apenas um engenheiro capaz de combinar os diversos


mecanismos, já desenvolvidos, numa única máquina térmica, prática, capaz de utilizar
o poder do vapor de maneira econômica e conveniente por intermédio dos princípios
físicos de domínio da comunidade científica.
Esta máquina foi apresentada por Newcomem em 1705. Foi denominada por ele de
"Atmospheric Steam Engine". A Fig. 7 ilustra a máquina de Newcomen. Sendo
atmosférica, a máquina deveria operar com vácuo em algum instante do ciclo (6 a 8
ciclos/min).
Princípio de operação.:
Na figura, b é a caldeira. Vapor passa para o cilindro pela abertura da válvula cl,
equilibrando a pressão atmosférica. Isto permitia que o sistema girasse no sentido
anti-horário, elevando por sua vez o pistão. No final do curso do pistão, a válvula de
vapor é fechada e água fria é introduzida no cilindro após a abertura da válvula j.

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A condensação do vapor provoca vácuo e o sistema gira no sentido horário.
Repetindo-se o ciclo a máquina poderia trabalhar indefinidamente.

Figura 7: A máquina de Newcomen, 1705.

Atente para o artifício empregado no sentido de manter o pistão selado. Esta máquina
também possuía dispositivo de controle de pressão do vapor localizado no topo da
caldeira.

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Um engenheiro chamado Smeaton construiu e aprimorou a máquina de Newcomen.
Uma versão mais moderna desta máquina foi construida em Long Benton, próximo de
Newcastle, em 1774. A Fig. 8 ilustra tal máquina. A caldeira não aparece na
ilustração.

Figura 8: A máquina de Smeaton e Newcomen.

Pode-se, claramente, observar a automatização na operação de abertura e fechamento


das válvulas. Desta forma, o futuro aprimoramento das máquinas térmicas tornava-se
promissor.

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Grandes avanços na concepção de sistemas mais eficientes foram realizados por
James Watt após receber uma máquina (Newcomen) para ser consertada (1763).
Watt iniciou seus experimentos medindo as quantidades de vapor e água envolvidos
em cada golpe do cilindro. Parece ter nascido aqui a preocupação em se mensurar o
rendimento de tais máquinas. Watt então realizou diversos experimentos para
quantificar o aproveitamento útil da energia fornecida pela queima do carvão. Por
diferentes meios, concluiu que uma certa massa de vapor poderia aquecer uma massa
de água 6 vezes maior. Assim, concluiu ser o vapor uma substância capaz de absorver
e reter grandes quantidade de calor se comparado com a água líquida. Tal valor foi
obtido por observação experimental dado que a termodinâmica estava ainda em
estado prematuro. Com o nosso conhecimento atual podemos verificar os resultados
de Watt. Sabendo que o calor latente da água é 2260 kJ/kg, que o calor específico
médio da água é de 4179 J/kgK, encontre a razão entre a massa de vapor pela massa
de água (mv/ma) que pode ser aquecida da temperatura ambiente (16 °C ) até a
temperatura de vaporização (100 °C).

Figura 9: Experimento de Watt.

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Baseado nesta conclusão, Watt percebeu a grande importância em se economizar
vapor. Assim, providenciou isolamento térmico para a caldeira, tubos etc. Contudo o
sistema ainda era grande consumidor de vapor devido a injeção direta de água no
cilindro a fim de se providenciar a condensação do vapor que por sua vez produzia
vácuo. Outros experimentos o levaram a concluir que ¾ do vapor injetado por ciclo
era perdido. Não foi muito difícil para Watt perceber que era a condensação no
interior do cilindro que reduzia drasticamente o aproveitamento do vapor. Além disto,
o aquecimento e resfriamento das partes do cilindro a cada ciclo, também consumiam
grandes massas de vapor. Baseado em tais premissas, Watt projetou um condensador
externo ao cilindro de forma a manter este com temperaturas muito próximas da
temperatura do vapor de entrada. A Figura 9 ilustra o equipamento concebido por
Watt que então patenteou uma máquina a vapor que incluia estas novas idéias. A
Figura 10 ilustra tal máquina.

Figura 10: Máquina a vapor de Watt, 1781.

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Neste meio tempo, Black, por volta de 1760 estabelecia as bases quantitativas da
transferência de calor. Isto foi feito através da medição do calor específico de vários
materiais estabelecendo, como consequência, a diferença entre temperatura e
transferência de calor. Em seguida, demonstrou os conceitos de calor latente de fusão
e evaporação. Estes conceitos se tornaram a base para a teoria do calórico que
explicava a transferência de calor como um fluido sem cor, que migrava de um corpo
com temperatura mais elevada para outro a menor temperatura. Este fluido calórico
era tido como indestrutível. Alguns anos depois, com o intuito de comparar diferentes
máquinas, Watt introduziu o conceito “carga”, eficiência como conhecemos. Watt
também definiu o “cavalo vapor”. Em 1798, o Conde de Runford observou que havia
liberação contínua de calor ao se usinar canhões. Ele então criticou o conceito de
calórico e deduziu que transferência de calor era uma espécie de movimento. Através
de um experimento Runford percebeu que uma quantidade de massa de água não se
alterava ao ser congelada. Portanto, se existia tal fluido (calórico) deveria ser
desprovido de peso.
Uma segunda grande fase no desenvolvimento das máquinas térmicas a vapor se deu
com a idealização e construção de equipamentos para a locomoção, principalmente
locomotivas. A Figura 11 mostra uma locomotiva a vapor de 1835.

Figura 10: Locomotiva de Stephenson, 1833.

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A Figura 12 mostra em detalhes o sitema de propulsão.

Figura 2: Sistema de propulsão de Stenpheson, 1833.

Esta época não só presenciou um grande desenvolvimento das máquinas térmicas


como também dos conceitos da termodinâmica clássica.
Em 1861, Robert Stirling apresenta um ciclo motor que utilizava ar como fluido de
trabalho. Mais tarde se verificaria que tal ciclo apresenta o mesmo rendimento do
ciclo de Carnot, ainda a ser revelado. O conceito de rendimento, na forma como hoje
conhecemos ser a Segunda Lei da Termodinâmica, foi apresentado em 1824 por Sadi
Carnot. Por volta de 1840, Joule introduz a relação entre calor e trabalho mecânico
indicando que eram apenas diferentes formas de energia em trânsito. Em 1848,
Kelvin, aos 24 anos de idade, propõe a escala absoluta de temperatura. Em 1850,
Clausius distingue duas leis relacionadas ao trabalho. A segunda lei, conforme
definida por Carnot e a primeira lei. A definição de entropia é apresentada em
seguida, pelo mesmo Clausius. Rankine, em 1853 defini eficiência termodinâmica e
em 1854 mostra a utilidade dos diagramas P-v no estudo do trabalho realizado num
ciclo. Em 1862 o ciclo dos motores a combustão interna é proposto por Beau de
Rochas. Somente em 1876 Otto e Langen demonstrariam, em prática, tal máquina
térmica.

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