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HISTORIADOR
O planeta ameaçado
Se em certas regiões brasileiras, sobretudo o Nordeste, o inverno é a estação das chuvas, no RS é a
estação do frio. Este ano praticamente não choveu no Nordeste e no RS o frio primou pela ausência.
Assusta um inédito inverno quase sem frio: será o falado aquecimento da Terra? O assunto tem
suficiente importância para que por um instante se deixe de lado a histeria do contágio da crise
argentina e o nauseante escândalo Jader Barbalho.
Ora, por coincidência, o New York Review of Books publica extenso ensaio sobre o assunto, de
autoria de Bill McKibben, reputado especialista da Harvard, autor de The End of Nature (O Fim da
Natureza). Ele se debruça sobre três grossos volumes do relatório do Painel Intergovernamental
sobre Mudança do Clima, auspiciado pela ONU e baseado nas conferências de Xangai, Gênova e
Acra. O relatório aborda a maior ameaça à estabilidade física da Terra na história humana, causada
pelo consumo de combustíveis fósseis. A conclusão é de que estamos à beira dum cataclismo.
A questão despontou no início dos anos 80, quando o cientista James Hansen, da Nasa, formulou a
teoria do aquecimento global. O modelo do computador de Hansen indicava que como se continuava
a queimar o combustível natural (gás, carvão, petróleo), um seu subproduto, o dióxido de carbono
acumulado na atmosfera, começava perceptivelmente a aquecer a Terra, e este aquecimento
rapidamente se aceleraria. A estrutura molecular do dióxido de carbono e de outros gases impede a
radiação do sol de refluir da Terra, represando assim o calor e aumentando a temperatura global,
seja, o “efeito estufa”. Houve nos EUA pressão pública por providências imediatas, sobretudo após
um verão extremamente quente no continente norte-americano em 1988. O governo dos EUA
investiu muitos milhões de dólares na pesquisa, desenvolvida ao mesmo tempo por outros países.
Em 1995, uma avaliação: “O conjunto das provas mostra uma clara influência humana sobre o clima
global”. Era o reconhecimento científico de que os seres humanos se tornaram suficientemente
numerosos e industrializados para produzir emissões que alterarão radicalmente a força mais
fundamental da superfície do planeta. Nos seguintes anos, pôde-se determinar as temperaturas
máximas e mínimas na hipótese da continuidade das emissões. Algumas previsões: queda brutal na
produção de alimentos em regiões tropicais e subtropicais; decréscimo na disponibilidade de água
nas regiões áridas; risco crescente de inundações; elevação no nível das águas oceânicas; e, num
mundo mais quente e úmido, mais mosquitos, com mais gente afetada pela malária e pelo dengue.
As regiões mais pobres do mundo terão menor capacidade de se adaptar e serão mais vulneráveis.
O mundo todo será afetado, mas a curto prazo os EUA serão os mais afortunados, por ser o
continente norte-americano imenso, relativamente isolado e latitude de médio alcance que reduzirão
os efeitos danosos (já dá para ver as implicações políticas disso).
Os anos de calor recorde se amiúdam,
confirmando a validez
dos modelos científicos
A situação já é muito grave. Os anos de calor recorde se amiúdam, confirmando a validez dos
modelos científicos; o gelo do Ártico se derrete a ritmo cada vez maior; todos os grandes sistemas
não-glaciais estão se retraindo rapidamente; no hemisfério norte, o congelamento de lagos se dá
com o atraso de uma semana em relação a um século atrás; já são significativamente afetados a
postura de ovos, o crescimento de animais e a germinação de plantas; as precipitações pluviais são
mais e mais destrutivas; desde meados dos anos 70, o El Niño se torna mais freqüente, persistente e
intenso. O mundo dos homens está mudando rapidamente – e os homens são os agentes desta
mudança.
Mesmo a redução muito modesta das emissões do Protocolo de Kioto ficará muito comprometida
sem a adesão dos EUA, responsáveis por 25%. No entanto, no futuro o país queimará mais e mais
combustíveis fósseis. O plano da Política Nacional de Energia, feito nos primeiros cem dias de Bush,
relega a discussão das mudanças climáticas a seis irrelevantes parágrafos; a expressão “dióxido de
carbono” sequer aparece no índice do relatório. Invés de reduzir, o plano energético americano (1,3
mil usinas em 20 anos) acrescerá as emissões.
Na campanha eleitoral, Bush comprometera-se a reduzir as emissões. Após a posse, anunciou que
mudara de idéia, alegando a precariedade do conhecimento científico. Um dos motivos reais foi
satisfazer as expectativas dos grandes doadores eleitorais, entre os quais avultaram os grupos do
petróleo, do carvão e do gás. Mas McKibben admite que pesou na decisão um fator político: formas
alternativas de produção da energia torná-la-iam mais cara e isso desagradaria ao eleitorado.
Demais, o aumento do preço da energia ameaçaria a saúde da economia, que já não é lá muito boa
(as três últimas recessões do país ligaram-se a aumentos do preço da energia). Bush prometeu um
plano alternativo para evitar o desastre climático. McKibben adverte que quem acredita nisso deve
esperar sentado. Para os americanos, o que importa é o business. Quanto a isso, seu nacionalismo
e seu otimismo não têm limites.
VOLTAIRE SCHILLING
HISTORIADOR
O prelo luminoso de Gutenberg
“A invenção da imprensa é o maior acontecimento da História. É a revolução mãe... é o pensamento
humano que larga uma forma e veste outra... é a completa e definitiva mudança de pele dessa
serpente diabólica que, desde Adão, representa a inteligência.”