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A obra seis filmes AS OBRAS-PRIMAS as oito
psicanalítica para quem sobre VIAGEM distopias mais
de HITCHCOCK. ama filosofia. NO TEMPO. perturbadoras.
Tempo
abduzido e Espaço
pág. 6
pela
inteligência
Viagens
no Tempo
pág. 8
ed i to r A l e x a n d r e C a r v a l h o
mente e CINEMA DE
DISTOPIAS cérebro INovaÇão enigmas
pág. 18 pág . 28 pág. 54 pág. 60
por dentro
da mente
pág . 30
INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
pág . 34
FILOsofia
em cena
pág . 38
HITCHCOCK E
A PSICANÁLISE
pág . 4 4
DISTÚRBIOS
MENTAIS
pág . 4 8
Tempo
e Espaço
Vida Extra-
terrestre
A produção
do filme teve
consultoria
de um Prêmio
Nobel de Física.
Foto: divulgação
DOSSIê SUPER 9
No filme,
como na
Relatividade,
você não
pode mudar
o passado.
2
Todo mundo gosta de De Volta para o Fu- diz ser amiga dele há anos. Tão amiga que,
turo, o clássico moderno sobre um garoto em algum lugar do futuro, os dois já estão
que viaja ao passado e muda sua própria casados. Henry não faz ideia de quem é a
história. Essa aventura tem 96% de críticas moça porque só a conheceria mais tarde,
AMAREI
como a maioria dos filmes de viagem no ele ainda era novidade. Complexo, não?
tempo (incluindo Efeito Borboleta, da pág. Ninguém disse que seria fácil.
PARA
12). Isso porque a graça de seus roteiros se Uma narrativa que cumpra com o que a
baseia num erro recorrente: a ideia de que o ciência sabe até agora precisa respeitar o
passado é mutável. Uma obra que obede- seguinte: há uma única linha do tempo com
SEMPRE cesse cegamente à Teoria da Relatividade
mostraria que o passado e o futuro são
toda a história já escrita – tanto o que há
para frente quanto para trás. “Ah, mas um
The Time Traveler ’s inalteráveis. E que a nossa capacidade de viajante do tempo poderia interferir nos
Wife, 2009 transformar a própria história, no fundo, é acontecimentos...” Será? O físico america-
d i reção
uma ilusão. no Kip Thorne (o mesmo que foi consultor
Robert Schwentke Felizmente, esse filme existe. O roman- de Interestelar) lembra que, pela natureza
rotei ro ce Te Amarei para Sempre conta a vida de imutável do tempo, você não poderia voltar
Bruce Joel Rubin Henry (Eric Bana), um homem que, por 60 anos e assassinar a sua avó antes que
conta de um distúrbio genético, viaja no ela desse à luz o seu pai – o que supos-
p o r que está aqui
tempo esporadicamente, repentinamente, tamente impediria que você nascesse.
Eis que um filme sem o menor controle sobre isso – como “Alguma coisa vai segurar sua mão quando
acerta na ciência das quem tem um ataque epilético. Logo no você tentar matar sua avó. O quê? Como?
viagens no tempo. começo do filme, ele topa com uma mulher A resposta, se é que existe uma, está longe
desconhecida (Rachel McAdams), mas que de ser óbvia.”
Fotos: divulgação
10
É um thriller
a r r e p i a n t e bas e a d o
e m u n i v e rsos
pa ra l e los.
Diferente
do efeito
dominó, o
borboleta não
é linear, mas
imprevisível.
4
dir eção E r i c B r e s s ,
J. Mackye Gruber Quem nunca sonhou em voltar ao Lorenz propôs o conceito de Efeito
passado? Nessa fantasia poderíamos Borboleta nos anos 1960 – na tentati-
roteiro J . M a c k y e mudar algum episódio da nossa va de prever mudanças climáticas. Ele
Gruber, Eric Bress história. Então Evan (Ashton Kutcher) descobriu que o clima é um sistema
parece ter tirado a sorte grande. Ele tão sensível a pequenas interferên-
descobre que, ao ler seus antigos cias que é impossível fazer previsão
diários, consegue viajar no tempo, do tempo a longo prazo. A ideia é de
EFEITO de volta à infância, mantendo sua
mentalidade de adulto. Parece a
que o bater de asas de uma borboleta
no Brasil (exemplo dado pelo próprio
BORBOLETA redenção para quem foi abusado Lorenz) produz uma minúscula alte-
The Butterfly Effect, 2004 por um pedófilo e apanhava de um ração no padrão dos ventos, que pode
coleguinha. Mas é nesse ponto que evoluir para mudanças progressivas
o filme se revela um thriller baseado até provocar um tufão no Texas – uma
em conceito científico. Toda vez que causalidade que pode ser aplicada
embarca numa viagem temporal para tanto aos esportes quanto à Bolsa de
p o r que está aqui apagar seus traumas, Evan muda Valores, e que se tornaria um novo
alguma coisa em sua história, o que
é U m a aul a ramo da ciência: a Teoria do Caos.
mexe com o futuro. Cada pequena Parece efeito dominó, só que, em vez
cinematográfica mudança traz uma consequência que de a mudança gerar uma reação em
implica outra... E gente que ele ama cadeia linear, essa teoria descreve
so br e a T eo r i a
acaba se dando mal. reflexos cheios de variáveis imprevi-
d o Caos. O matemático americano Edward síveis por natureza. Como a vida.
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DOSSIê SUPER 13
O Exército
manda uma
tradutora
descobrir
se os aliens
são de paz.
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DOSSIê SUPER 15
dir eção A n d r e i Ta r k o v s k y
rot e iro F. G o r e n s h t e y n ,
A n d r e i Ta r k o v s k y
Sua alienígena
nasce de
t e m p o e es paço
fragmentos da
memória humana.
Tarkovsky ganhou o
Grande Prêmio do Júri de
Cannes por esta ficção
científica – considerada
uma resposta da Rússia a
Aliens lutam
contra o apartheid
2001 . E conseguiu fazer um
- no qual eles filme tão filosófico quanto o
são os negros.
de Kubrick. Kris Kelvin é um
psiquiatra que vai ao espa-
ço investigar as mudanças
2
no comportamento de
vivem separados de nós”, diz uma cosmonautas que chegam
mulher entrevistada pela TV. Outra perto de um planeta recém-
cena mostra uma placa à frente de um descoberto – o Solaris, do
estabelecimento na qual se lê: “Apenas título. Um deles cometeu
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5
Depois que vê OVNIs durante extraterrestre. O terceiro, uma frase de cinco notas é
um blecaute, Roy (Richard fazer contato direto com um respondida pela nave-mãe
Dreyfuss) começa a se sentir ET. Na noite desse encontro, com variações de registro, de
atraído para uma região iso- os cientistas usam o Método oitavas e de ritmo – como se
CONTATOS lada nos EUA – sem entender Kodály de pedagogia musical os aliens estivessem nos en-
IMEDIATOS
por quê. Mas há uma razão. É para se comunicar. O que sinando um vocabulário tonal,
lá que o Exército prepara uma começa com a repetição de uma língua em comum.
DO TERCEIRO reunião com formas de vida
alienígena. A classificação
Fenômeno pop instantâ-
neo, Contatos Imediatos... foi
GRAU em graus dessas interações p or que está aqui a obra que estabeleceu mar-
Close Encounters of foi criada em 1972 pelo É o melhor cas registradas de Spielberg:
ufologista J. Allen Hynek. O estão lá a criança perdida, as
the Third Kind, 1977 filme a
primeiro grau seria ver um autoridades pouco confiáveis,
d i reção & rotei ro disco voador. O segundo, ter respeito de o indivíduo em busca de um
Steven Spielberg evidência física de uma visita ufologia. sentido para a vida.
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DOSSIê SUPER 17
DISTOPIAS
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Uma
refugiada
grávida
pode ser a
salvação de
um planeta
sem crianças.
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DOSSIê SUPER 21
Macacos
independentes
da tutela humana.
Para nós, é o
começo do fim.
A ORIGEM
Caesar (Andy Serkis, o ator que é rei no cuidadores e dos outros animais. A única
uso da técnica de captura de movimento). reação possível é se revoltar. E a rebelião
Rise of the Planet Tratado por um cientista (James de Caesar será o estopim que pode levar
of the Apes, 2011 Franco) como se fosse uma criança ao final da hegemonia humana na Terra.
humana, Caesar tem sua inteligência Planeta dos Macacos: A Origem é um
d i reção anabolizada por uma droga experimental, belo drama familiar, embora predominem
Rupert Wyatt que tem como efeito inesperado bombar o suspense e a ação. É, além disso, muito
rotei ro
a cognição mental e emocional do ma- sombrio, tem um clima de juízo final e de
Rick Jaffa, Amanda Silver
caco. E isso o leva à frustração de não se descontinuidade da vida como ela é. Des-
p o r que está aqui encaixar – nem entre os humanos, nem taque para a linda – e aterrorizante – cena
entre os primatas. Seu comportamento da chuva de folhas numa rua residencial,
Explica uma coisa
incompreendido faz com que acabe preso. provocada por um tsunâmi de macacos em
que a ciência já sabe: E é quando mais empatizamos com ele: disparada pela copa das árvores. A cena
#somostodosmacacos. compreendemos suas frustrações, seu empresta um quê de Stanley Kubrick a
medo quando é tirado de casa e jogado esta produção, como se O Iluminado en-
numa jaula, ao lado de feras que não têm contrasse Frankenstein – outra fábula de
seu QI. Não é difícil que adolescentes se uma criatura revoltada contra seu criador.
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T h e Tr u m a n S h o w , 1 9 9 8
A n t ec i p ou o B i g
B rot h e r e a p e r da
d e p r i vac i dad e na
i n t e r n e t.
DOSSIê SUPER 23
Fotos: divulgação
DOSSIê SUPER 25
Snowpiercer, 2013
dir eção B o n g J o o n H o
rot e iro K e l l y M a s t e r s o n ,
Bong Joon Ho
Usa a divisão de
classes num trem
pós-apocalíptico
para falar de
desigualdade.
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utópica: as nações desen-
volvidas concordariam que o
de pilha para máquinas tão inteligentes aquecimento global está fora
quanto perversas. Vale a pena acordar de controle e tomariam pro-
para esse futuro distópico? Ou é pre- vidências. Mas é a distopia
MATRIX
ferível o conforto da ilusão? O hacker que assume a partir daí.
Neo (Keanu Reeves) ganha a oportu- A ação conjunta é dispersar
The Matrix, 1999 nidade de conhecer o mundo real. E uma substância de resfria-
um grupo de resistência à máquina o mento artificial nas camadas
d i reção & rotei ro liberta das baterias da Matrix para que superiores da atmosfera,
I r m ã o s Wa c h o w s k i ele seja o novo líder da rebelião. para derrubar a temperatura.
Há tempos a filosofia investiga o Só que não dá certo: isso cria
p o r que está aqui
trunfo do argumento desta aventura uma Era do Gelo no planeta,
Usa parábola de cibernética: afinal, nossa interpretação extinguindo toda a vida.
Platão para falar do de tudo aquilo que passa pelos nossos Ou quase toda. Os únicos
risco das máquinas sentidos é de fato a realidade? Ou sobreviventes estão a bordo
existe uma realidade outra que não de uma espécie de Arca de
inteligentes. apreendemos? Noé sobre trilhos – um trem
Como explica o espanhol Juan An- que atravessa as superfícies
tonio Rivera, em O que Sócrates Diria geladas sem nunca parar
a Woody Allen?, Matrix tem raízes no (senão ele congela).
mito da caverna de Platão. Nessa ale- Mas há um sistema de
O filme dos irmãos Wachowski (agora goria, o filósofo pede que imaginemos classes: nos vagões de trás,
irmãs – são transexuais) nos deixa de uma caverna onde vivem pessoas que as pessoas são mantidas em
orelha em pé diante de uma questão nasceram e cresceram ali, acorrentadas condições sub-humanas, se
presente: até que ponto a inteligência e obrigadas a olhar a vida inteira para alimentando com uma ração
artificial pode colocar a humanidade em sombras na parede. Desde sempre, gelatinosa à base de insetos.
risco? Matrix é o nome de uma fábrica os prisioneiros julgam que o mundo Já a frente do trem é o mun-
de sonhos, uma ilusão plantada na se resume àquelas sombras. Até que do desenvolvido: escola boa,
mente dos seres humanos e que imita um “escolhido” – como Neo – escapa muita festa e até sushibar.
a vida comum. Enquanto isso, o mundo e descobre o que existe fora daquele Curtis (Chris Evans) é o
de verdade, esse sim, parece pesadelo: buraco. Essa base platônica coloca rebelde que vai liderar uma
a humanidade está escravizada e Matrix acima de 90% dos enredos de luta de classes em direção
inconsciente, nossa energia servindo ficção científica. aos vagões de luxo.
Fotos: divulgação
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Fa h r e n h e i t 4 5 1 , 1 9 6 6
M ost ra os e f e i tos
da d i ss e mi n ação
da bu r r i c e – um
p ro b l em a d os
n ossos t e mp os.
DOSSIê SUPER 27
INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
capítulo 3
Filosofia
em cena
mente e
HITCHCOCK E
A PSICANÁLISE
cérebro DISTÚRBIOS
MENTAIS
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direção P e t e D o c t e r roteiro M e g L e Fa u v e , J o s h C o o l e y , P e t e D o c t e r
Foto: divulgação
DOSSIê SUPER 31
Nada é
previsível
no caos
aleatório do
inconsciente.
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Lembranças
memórias românticas.
Essa reviravolta pode ser mais
Eternal Sunshine que “a vitória do amor”. Pode ser
of the Spotless autopreservação também. Apagar
Mind, 2004 uma recordação implica aniquilar
um pedaço da sua própria iden-
d i reção M i c h e l G o n d r y tidade – já que somos feitos das
rotei ro C h a r l i e K a u f m a n
nossas memórias. Numa cena, Joel
P OR QUE ESTÁ AQUI diz não se lembrar de nenhuma si-
tuação da vida em que a namorada
Mostra que
não estivesse lá. Assim como ve-
apagar um trauma mos em Divertida Mente, eliminar
também é amputar o sofrimento é também sabotar a
uma parte da alegria, pois há uma conexão entre
todos os momentos.
identidade. Brilho Eterno... ainda pode ter
antecipado um achado científico.
A neurocientista Sheena Josselyn,
da Universidade de Toronto,
apresentou evidências de que é
possível eliminar uma memória
Joel (Jim Carrey) descobre que específica em ratos, sem afetar o
sua namorada, Clementine (Kate restante das recordações do bicho.
Winslet), pagou para uma clínica Seu laboratório identificou em
futurista – a Lacuna Inc. – apagar quais células cerebrais está aloca-
de sua cabeça todas as memórias da essa memória, e então diminuiu
que ela tinha dele. Indignado, ele a atividade delas por meio de uma Charlie Kaufman
mistura psicologia
dá o troco: quer essa amnésia toxina. A ideia é aplicar em huma- e surrealismo em
parcial também. Na clínica, Joel nos no futuro – com o objetivo de seus roteiros.
pergunta: “Há algum risco de dano tratar estresse pós-traumático.
4
Um professor de filosofia maneira como o papo-cabeça baseado no fenômeno dos so-
fala com o protagonista do filme surge na tela. nhos lúcidos, e a clareza mental
(Wiley Wiggins), que nunca Essa sequência de diálogos do personagem sobre a ilusão
é nomeado: “Recuso tomar se passa dentro de um sonho das interações vai lhe dando
WAKING o existencialismo como uma
moda francesa porque ele tem
do protagonista – que sabe
que está sonhando. O enredo é
um despertar da consciência –
dentro do caos do inconsciente.
LIFE algo a nos oferecer. Receio que Outra novidade: este foi o
Waking Life, 2001 estejamos perdendo a virtude primeiro filme em rotoscopia
P OR QUE ESTÁ AQU I
de viver apaixonadamente”. digital. As animações foram
d i reção & rotei ro
Esse exemplo dá o tom de Wa- O fenômeno feitas em cima das filmagens
Richard Linklater
king Life: o diálogo é elemento dos sonhos com os atores reais. O resulta-
principal da ação. Além da do é um desenho que repete a
lúcidos é o
filosofia de Sartre, discute-se fisionomia dos artistas, mas em
suicídio, evolução, as relações cenário de versões coloridas e distorcidas
humanas... A diferença aqui é a toda a ação. – assim como num sonho.
Fotos: divulgação
DOSSIê SUPER 33
Ela dá um
passo além
da relação
com boneca
inflável.
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DOSSIê SUPER 35
2
dir eção
Ridley Scott
Nesta fábula cyberpunk, Deckard era tão à frente do seu tempo – o
(Harrison Ford) é um especialista século 17 – que ele já suspeitava
roteiro
H a m p t o n Fa n c h e r ,
em “aposentar” (matar) replicantes que precisaríamos de testes para
David Peoples – clones humanos programados distinguir se um interlocutor é
para nos servir e que só podem humano ou uma máquina. Chegou
viver poucos anos. Ele é chamado a a criar exames que se baseavam
agir quando um bando violento foge na habilidade linguística. O filme de
BLADE RUNNER: ao controle, liderado pelo replicante Ridley Scott faz várias referências
O CAÇADOR DE
Roy (Rutger Hauer). O policial vai a Descartes, como o nome do
persegui-los, mas, quanto mais in- protagonista: Deckard. O enredo
ANDROIDES terage com as réplicas, mais percebe
o quanto elas se parecem conosco.
ainda inclui a ideia do tal teste, mas
o critério aqui não é o uso da língua.
Blade Runner, 1982
É esse entendimento que sugere É a empatia. E faz sentido: o poder
reflexões. E a principal é: se compar- humano de empatizar é o que nos
tilharmos o planeta com autômatos coloca no lugar dos outros em diver-
que têm memórias (ainda que sas situações. A maioria dos repli-
P OR QUE ESTÁ AQU I
implantadas), que pensam e sofrem cantes, assim como os psicopatas,
Tratou de questões como humanos... matá-los não seria não tem essa qualidade. Para esses,
sobre os direitos uma ação imoral? René Descartes pelo menos no mundo distópico de
imortalizou um postulado que pode Blade Runner, ainda falta algo para
dos robôs bem antes
dar um norte a essa discussão: que se apliquem as mesmas regras
de Westworld. “Penso, logo existo”. Sua filosofia do nosso contrato social.
Fotos: divulgação
DOSSIê SUPER 37
Sob uma
perspectiva
depressiva, a
vida só entra
em harmonia
na finitude.
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DOSSIê SUPER 39
dir eção R i c h a r d S c h e n k m a n
m e n t e e cé re b ro
rot e iro J e r o m e B i x b y
2
nasceu na Pré-História, na
Europa, e que sua idade gira
Diante disso, ele busca o que pode des- em torno de 14 mil anos. É
sa ilusão de morte feliz: reúne familiares um imortal. As mudanças
e antigos amigos do departamento de repentinas de endereço são
AS
História da universidade, confraterniza para que ninguém perceba
e começa a pensar num estratagema que ele não fica velho. E a
INVASÕES
que evite a perda da dignidade no final. revelação acende um de-
Para aliviar a dor física do câncer, tem bate filosófico. Seus amigos
uma experiência inédita: usa heroína. são autoridades em as-
Fotos: divulgação
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a b r i u ca m i n h o pa ra o
c i n e m a f i losó f i co.
Fotos: divulgação
DOSSIê SUPER 43
A cena do chuveiro
é tão forte que
nem reparamos em
outra inovação: a
protagonista morre
no meio do filme.
direção A l f r e d H i t c h c o c k roteiro J o s e p h S t e f a n o
Foto: divulgação
DOSSIê SUPER 45
Vertigo, 1958
dir eção A l f r e d H i t c h c o c k
rot e iro A l e c C o p p e l ,
S a m u e l Ta y l o r
Neste drama
psicológico, nada
m e n t e e c é re b ro
2
do filme. São pistas para o
enredo labiríntico que virá
vez que os complexos que perturbam o a seguir.
paciente são descobertos e interpreta- Scottie (James Stewart)
dos, a doença e a confusão desapare- é um detetive contratado
cem... e os demônios da irracionalidade para seguir Madeleine (Kim
CORAÇÃO
(Gregory Peck). O conflito se dá quan- da sobe ao alto de uma tor-
do o personagem de Peck é tomado re de igreja para se matar,
Spellbound, 1945 por um sentimento de culpa após ele é incapaz de detê-la.
uma crise de amnésia – ele começa a E o motivo é um distúrbio
d i reção A l f r e d H i t c h c o c k acreditar que pode ter matado o ver- mental: Scottie tem acro-
rotei ro B e n H e c h t
dadeiro dr. Edwardes e assumido sua fobia, medo irracional de
P OR QUE ESTÁ AQU I
identidade. Mas será mesmo? É nesse altura. Cheio de culpa, ele
momento que o suposto assassino sofre um choque quando,
A psicanálise no filme desmemoriado vira paciente da sua tempos depois, encontra
é a ferramenta para a colega, e Constance se apressa com uma mulher incrivelmente
solução de um crime. as armas da psicanálise para chegar parecida com Madeleine.
à memória reprimida dele – numa Hum... Suspeito, não? Mas
corrida contra os policiais, que também o detetive está cego pelo
Hitchcock flertou com as ideias de querem saber a verdade. que Freud descreveria
Freud em diversos momentos, mas Para chegar aos conteúdos ocultos como um desejo fetichista:
este é o “filme de psicanálise” oficial do dessa mente suspeita, nossa heroína tornar essa mulher cada
diretor. Tanto que a abertura do longa- recorre a um dos grandes hits de Sig- vez mais parecida com a
metragem já avisa: “Nossa história lida mund Freud: a interpretação dos sonhos. amante suicida – exigindo
com a psicanálise, um método pelo qual E quem ganha com isso é o espectador. que mude a cor do cabelo e
a ciência moderna trata os problemas As sequências oníricas estão entre as vista roupas idênticas às da
emocionais das pessoas sadias. O melhores desse tipo no cinema, inspira- outra. “Esse homem quer
analista procura induzir o paciente a falar das nas obras de Salvador Dalí – justa- se deitar com uma falecida,
sobre suas questões ocultas, a abrir as mente o artista que levou a outro tipo de é pura necrofilia”, explicaria
portas trancadas da sua mente. Uma tela a exploração do inconsciente. Hitchcock.
46
5
Reportagens perigosas são começa a pensar em si como (Grace Kelly). É ela quem vai
a especialidade do fotógrafo um espião amador. Numa de invadir o apartamento onde o
Jeff (James Stewart). Podemos suas espionagens ele acredita crime pode ter ocorrido – en-
deduzir pelas fotos que ter descoberto um assassinato quanto ele observa de longe...
JANELA decoram sua residência. De – e decide investigá-lo. Imóvel com um misto de aflição e
INDISCRETA
molho por causa de uma perna em sua cadeira, Jeff acaba prazer secreto.
quebrada, ele passa o tempo envolvendo a namorada, Lisa Essa compulsão foi analisa-
Rear Window, 1954 observando, com um binóculo, da por Freud em seus estudos
os moradores dos apartamen- da sexualidade. Para ele, olhar
d i reção
tos em frente ao seu – que à distância nos dá um controle
Alfred Hitchcock
rotei ro deixam portas e janelas aber- P OR QUE ESTÁ AQU I que é também poder. Enquan-
John Michael Hayes tas por causa do calor. Esse É um tratado to o voyeur observa seus alvos,
voyeurismo começa como um eles estão impotentes contra
passatempo inocente, mas Jeff
sobre a curiosidade mórbida da qual
vai ficando viciado na coisa, voyeurismo. são objetos.
Fotos: divulgação
DOSSIê SUPER 47
Extras do filme
em DVD dão a
opção de assistir
no sentido
tradicional: do
começo ao fim.
Foto: divulgação
DOSSIê SUPER 49
Dois perfis
opostos que se
completam - à
base de porrada.
Fotos: divulgação
50
Split, 2016
m ost ra o l a b i r i n to
qu e é l i da r co m
u m a i d e n t i da d e
est i l h aça da .
4
dir eção
Roman Polanski
No começo da carreira, o diretor escova de dentes no seu banheiro,
Roman Polanski criou uma trilogia ela retira o objeto como quem tem de
roteiro
Gérard Brach,
de terror, associando a solidão em tocar num rato morto. Logo vamos
Roman Polanski um apartamento à tortura mental descobrir que Carol sofre ataques de
autoimposta. Repulsa ao Sexo foi o pânico em situações que remetam a
primeiro filme dessa sequência – sexo. Como ao ouvir a irmã transando
REPULSA depois viriam O Bebê de Rosemary
(1968) e O Inquilino (1976). Também
no quarto ao lado. Seu quadro, que
já era delicado, acaba se mostrando
AO SEXO foi o primeiro a transformar em irrecuperável quando ela fica sozinha
Repulsion, 1965 grande arte um caso de fobia sexual no apartamento claustrofóbico – e a
– um distúrbio que provoca repulsa, inquietação decai para a insanidade.
ansiedade descontrolada e medo até O melhor de um filme com tantos
p o r que está aqui
de pensar em relações sexuais. acertos é a forma como o diretor
Carol (Catherine Deneuve) é uma polonês filma essa desintegração
traz a fo b i a manicure tímida, que veio da Bélgica e mental: ele constrói um universo
s e xua l pa ra mora com a irmã em Londres. Apesar surrealista que coloca o espectador
de muito atraente, ela prefere viver dentro do pesadelo íntimo da perso-
o c en t ro de reclusa, sente-se desconfortável nagem. O terror vai envolvendo aos
na convivência com homens e tem poucos, e as imagens são expres-
um t e r ro r
nojo de simplesmente encostar em sionistas, distorcidas de propósito.
ps ico ló g i co. qualquer pertence masculino. Quando Escolhas que cumprem com o intento
o namorado de sua irmã deixa a de refletir uma consciência torturada.
AMIZADE DIFERENTE
principal: “Mary Daisy Dinkle tinha os
olhos da cor de poças de lama e uma
marca de nascença da cor de cocô”.
Mary and Max, 2009
Pense na baixa autoestima dessa me-
d i reção & rotei ro A d a m E l l i o t nina de 8 anos, sem amigos, que mora
com os pais alcoólatras na Austrália.
p o r que está aqui
Ela ainda ouve da mãe que nasceu
Nenhuma animação tem diálogos por acidente. Por acidente? Mary
tão inteligentes (e eles se dão então pergunta ao avô como bebês
são fabricados. “Eles brotam no fundo
entre uma criança e um autista). de canecas de cerveja”, é a resposta.
Intrigada, a menina resolve checar se
é assim no mundo todo. E decide es-
crever uma carta a um desconhecido
do outro lado do mundo: Nova York.
Quer saber se, num país em que todos
se entopem de refrigerante, bebês
surgem no fundo dessas latinhas.
Seu destinatário é um quarentão
judeu, Max Horovitz (dublado por Phi-
lip Seymour Hoffman). Assim como
Mary, ele é um solitário, tem sobrepe-
so e adora chocolate. As coincidências
geram empatia, e os dois passam a
trocar cartas. Só que elas acabam
provocando ataques de ansiedade em
Max, o que faz com que ele às vezes
demore para responder. Como não
quer perder sua amiga, Max decide
explicar suas peculiaridades. “Não
entendo expressões faciais.” “Acho
o mundo confuso e caótico porque
minha mente é literal e lógica.” “Tenho
dificuldade em expressar emoções.”
O perfil não deixa dúvida: estamos
vendo uma criança melancólica ten-
tando se comunicar com um portador
da Síndrome de Asperger – tipo de
autismo marcado por dificuldade na
interação social.
Ou seja, não dá para dizer que
o filme seja leve. O contrapeso são
os diálogos engraçados, como se
a animação tivesse as melhores
falas de Woody Allen. Um exemplo é
quando Max responde à tal questão
do nascimento: “Minha mãe disse que
os bebês vêm de ovos botados por
rabinos. Se você não é judeu, veio de
Mary e sua
mancha na testa um ovo de uma freira católica. Se é
- "da cor de cocô". ateu, aí é ovo de uma prostituta”.
Fotos: divulgação
DOSSIê SUPER 53
CINEMA DE
INovaÇÃO
54
O American
Film Institute
colocou o
filme no topo
do ranking
de melhores
do cinema.
Foto: divulgação
DOSSIê SUPER 57
CÂMERA
Chelovek s kino-
apparatom, 1929
Fundou a
vanguarda
soviética no
cinema.
2
dos cineastas mais inovado-
res da história. Vertov criou
perrengues de lidar com padrastos documentários poéticos,
violentos e o bullying na escola, os que exploravam os limites da
primeiros amores e as inevitáveis linguagem. Seu Um Homem
BOYHOOD:
incertezas do amadurecer. O que torna com Uma Câmera mostra
o filme inovador é a maneira de contar um dia na vida de uma me-
DA
esse enredo prosaico. trópole: operários, bondes,
Como num experimento sociológi- um enterro e um parto,
co, Boyhood foi filmado, a cada verão, crianças encantadas com
Fotos: divulgação
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5
RASHOMON
Kurosawa virou de ponta-
cabeça a narrativa do filme
policial usando um conto do
do espectador, em vez de
alegarem inocência, eles
juram que são os culpados
a uma expressão do meio
acadêmico: “efeito Rasho-
mon” diz respeito a uma
Rashomon, 1950 século 12, sobre um bandido – inclusive a vítima (!), que notória falta de confiabilidade
que mata um samurai e diz ter se matado. Era uma de testemunhas oculares.
d i reção A k i r a K u r o s a w a estupra sua esposa. Quatro forma original de investigar Um estudo do MIT, de 2014,
rotei ro S h i n o b u H a s h i m o t o , envolvidos dão versões bem a identidade dos criminosos aplicou o termo à conclusão
Akira Kurosawa
diferentes sobre o crime, numa obra de ficção, brotada de que dois executivos
p o r que está aqui testemunhos apresentados de um coquetel de influências dificilmente vão enxergar os
em flashback – e que con- que vão da literatura russa ao fatos da empresa de uma
Tem a investigação
tam com a palavra do morto, cinema experimental. mesma maneira – compli-
de homicídio mais que se manifesta graças a O filme fez tanto sucesso cando a tomada de decisões
original da ficção. um médium. Para surpresa que emprestou seu título estratégicas.
DOSSIê SUPER 59
enigmas
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Na pré-estreia,
240 pessoas
saíram no meio
da sessão: não
entendiam nada.
Foto: divulgação
DOSSIê SUPER 63
dir eção C h a n - w o o k P a r k
rot e iro J o o n - h y u n g L i m , J o -
yun Hwang, Chan-wook Park
Mostra que
nem todo
autoconhecimento
tem final feliz.
2
vista, parece remeter às
produções orientais de
mais. Teria cometido suicídio, sofrido violência. Mas Oldboy
um acidente? Ninguém do grupo con- passa longe dessa super-
segue descobrir – nem o espectador. ficialidade. Este thriller,
A
Mais interessante que o sumiço é baseado em um mangá,
o que acontece a partir dele. O enredo transcorre durante boa
AVENTURA
subverte a estrutura clássica do que parte do tempo sem que o
seria um filme de mistério. Normal- espectador entenda o que
mente, a sequência à incógnita guiaria está se passando – porque
L’avventura, 1960
a atenção do público à investigação do a pancadaria é só coadju-
d i reção & rotei ro que aconteceu. Michelangelo Antonioni vante de uma jornada sem
Michelangelo Antonioni vai no sentido oposto: o foco rapida- bússola rumo ao (doloroso)
mente migra do desaparecimento para autoconhecimento.
p o r que está aqui
outras preocupações dos personagens. Dae-su (Min-sik Choi)
Retrata o niilismo (O namorado de Anna inicia um é sequestrado, aparente-
da época – sumindo romance envergonhado com a melhor mente sem motivo e não
amiga dela.) E o filme não oferece uma se sabe por quem. Preso
com a protagonista.
explicação conclusiva – como às vezes num quarto sem janelas, é
acontece no mundo real. “A diferença mantido incomunicável...
entre os roteiros de cinema e a vida por 15 anos. Até que chega
é que os scripts fazem sentido”, já o dia em que é solto sem
disse Woody Allen. Então o cinema de qualquer explicação. Mas
“Onde está a Anna?” , pergunta Antonioni está mais próximo da vida – ele vai querer respostas.
Claudia (Monica Vitti). Nesse instante, embora seja profundamente artístico. Cego de vingança, Dae-su
passaram-se apenas 26 minutos de A Aventura é a primeira obra de esmurra meia Coreia atrás
filme. Há mais duas horas de história uma Trilogia da Incomunicabilidade, da solução dessa charada.
pela frente, e Anna (Lea Massari) até aí do diretor. Assim como em A Noite Só que a ignorância tam-
se destacava como a protagonista. Ela (1961) e O Eclipse (1962), seus perso- bém pode ser uma dádiva.
faz parte de um grupo de ricaços que nagens – principalmente casais – não Sua busca vai revelar uma
passeia de barco pela costa da Sicília. conseguem se entender nem formar equação envolvendo as
Quando resolvem explorar uma ilha vínculos. Estão sozinhos, alienados consequências de uma in-
vulcânica, Anna desaparece. Mesmo. A na sociedade cheia de angústias do confidência, tabus sexuais
personagem some do filme e não volta pós-guerra. e suicídio.
Fotos: divulgação
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E x i b e a d esco n exão
n a r rat i va d o n osso
i n co n sc i en t e.
é um livro da Editora Abril S.A., distribuído em todo o país pela Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo.
O Dossiê Os 50 filmes mais inteligentes da história não admite publicidade redacional.
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Carvalho, Alexandre
Os 50 filmes mais inteligentes da história / Alexandre Carvalho. –
São Paulo: Abril, 2020.
66 p ; il. ; 27 cm.
CDD 791.437