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XI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS

"RELATIO POST DISCEPTATIONEM"


DO RELATOR-GERAL CARDEAL ANGELO SCOLA
NA XVI CONGREGAÇÃO GERAL

Quarta-feira, 12 de Outubro de 2005

Beatíssimo Padre
Veneráveis Irmãos no Episcopado
Irmãos e irmãs em Cristo

INTRODUÇÃO

1. Na meditação com a qual deu início à I Congregação Geral desta XI Assembleia


Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que o servo de Deus João Paulo II quis dedicar
ao tema A Eucaristia: fonte e ápice da vida e da missão da Igreja, Bento XVI
convidou-nos com particular vigor a fazer nosso o imperativo paulino: ""Idem sapite":
sente-se por detrás da palavra latina, a palavra "sapor", "sabor": tende o mesmo sabor
pelas coisas (...) com todas as diferenças que não só são legítimas mas também
necessárias, mas tende "eundem sapore" (...). Tende os mesmos sentimentos de Cristo,
entrai na "phronesis", no "phronein", no pensar de Cristo. Portanto podemos ter a fé
da Igreja juntos, porque com esta fé entramos nos pensamentos, nos sentimentos do
Senhor. Pensar juntamente com Cristo".

O variegado caleidoscópio constituído pelas cerca de 230 intervenções dos Padres


sinodais, enriquecido pelas 150 reflexões, sugestões, intercâmbios e perguntas que
surgiram no debate livre do fim da tarde, os contributos dos Auditores, dos Delegados
fraternos, e os relatórios e comunicações para a celebração do 40° aniversário do Sínodo
representam uma primeira resposta ao convite do supremo pastor da Igreja. Além disso,
ela foi corroborada pelo clima de afecto intenso que se faz todos os anos entre nós mais
tangível e pela dimensão de testemunho presente em tantas intervenções, mas de modo
particularmente significativo nalguns deles provenientes dos vários continentes. Nem se
deve esquecer a grande liberdade e franqueza com que cada um de nós se expressou
sobre vários assuntos, também os mais delicados, relacionados com o tema em questão.

Na viragem: da disceptatio aos círculos menores

2. Chegámos assim a uma viragem dos nossos trabalhos. A Relatio post disceptationem
tem a tarefa de acompanhar esta passagem. A sua natureza é muito diferente da Relatio
ante disceptationem. Não será inútil recordá-la. Referindo-se ao conteúdo e ao espírito
do art. 33 do Vademecum Synodi sobre a Relatio ante disceptationem e dos arts. 34 e 59
sobre a Relatio post disceptationem, é claro que enquanto a primeira convida o Relator a
referir-se ao Instrumentum laboris mas deixa-lhe uma margem bastante ampla de
integração pessoal, o autor da Relatio post disceptationem, em última análise, não é o
Relator mas a Assembleia. É pedido ao Relator apenas que refira de maneira fiel e
sintética acerca de quanto emergiu na disceptatio. Com a ajuda preciosa do Secretário
Especial, validamente coadjuvado pelos 32 peritos permiti que lhes agradeça de coração
oportunamente articulados em três grupos, cada intervenção, incluídas as que foram
pronunciadas de tarde, foi ouvida, lida e, na medida do possível, tida em consideração
na presente Relatio. Procurou-se utilizar directamente as vossas palavras, a tal ponto que
a primeira redacção era de facto um collage em cinco línguas de afirmações por vós
pronunciadas. A amplidão dos temas tratados e das sensibilidades postas em jogo sugere
que eu não defina esta Relatio uma síntese. É mais justo reconhecer que se trata de um
cotejo das intervenções mediante um implante sintético do qual assumo a
responsabilidade, que partilhei com o Secretário Especial. É evidente que tive que me
limitar a enumerar elementos, orientações, problemas, sem entrar num exame
pormenorizado mas nem sequer numa sua ilustração. A isto nos obrigou não só o tempo
limitado mas também a natureza puramente servil deste relatório. Muito provavelmente
terão passado despercebidos aspectos até importantes. Peço desculpa. É supérfluo
recordar que poderão ser repropostos nos círculos menores. Poder-se-á fazer o mesmo
para as numerosas propostas práticas, evidenciadas nos debates livres, que não
mencionarei e que foram registradas pela Secretaria Geral. Agora que a Assembleia
lançou mão à estrutura arquitectónica do nosso edifício, compete ao mestre relator
acompanhar os mestres artesãos na preciosa obra de acabamento que os espera. O
esplendor do edifício será fruto do trabalho dos círculos menores através da elaboração
das propositiones. Desta forma será possível apresentar, como a natureza do Sínodo
prevê, ao mestre arquitecto a obra final para que verifique a sua harmonia e solidez com
base no desígnio do Divino Comitente e decida se abrir de par em par as portas do
edifício ao povo santo de Deus.

Como é tradição, no final da Relatio encontrareis um elenco de questões que poderão, se


quiserdes, servir de ajuda para o trabalho dos círculos menores. Não o vou ler nesta
sede, deixando-o à vossa leitura pessoal e, se os Moderadores e os Relatores dos
círculos menores o considerarem oportuno, a uma leitura comunitária durante os
trabalhos de grupo.

As partes da Relatio

3. Distribuí a matéria em duas partes. Depois da introdução, que termina com o


parágrafo 4 Superar os dualismos segue a Primeira Parte com o título Educar o povo
de Deus para a fé na Eucaristia. Está dividida em cinco pontos: 1. A novidade do culto
cristão; 2. A fé eucarística; 3. Eucaristia e sacramentos; 4. Eucaristia e povo
sacerdotal; e 5. Eucaristia e missão. A Segunda Parte tem por título A acção
eucarística e desenvolve-se em quatro pontos: 1. No seguimento da reforma litúrgica;
2. A estrutura da celebração litúrgica; 3. Ars celebrandi; e 4. Actuosa participatio. Por
fim, há uma breve conclusão.

Superar os dualismos

Para expor de modo sintético e ordenado a matéria da nossa disceptatio é importante


partir de um dado concreto. Em princípio das intervenções dos Padres emergiu uma
orientação de fundo: a superação de qualquer dualismo entre doutrina e pastoral, entre
teologia e liturgia. É a consequência do carácter de acção litúrgica (rito) próprio da
Eucaristia. O caminho mistagógico não vai da teologia à liturgia, mas em sentido
inverso, da liturgia bem celebrada à compreensão dos mistérios. Não existe uma
doutrina separada da vida; nem se pode pensar na existência cristã concreta
independentemente do conteúdo normativo da fé. Assim os aspectos doutrinais
emergiram no nosso diálogo como raiz dos aspectos pastorais. E isto porque o
intellectus fidei está sempre originariamente em relação com a acção litúrgica da Igreja.

PRIMEIRA PARTE

EDUCAR O POVO DE DEUS


PARA A FÉ NA EUCARISTIA

I. A novidade do culto cristão

Celebrar a Eucaristia no nosso mundo

5. Numerosas intervenções realçaram as dificuldades objectivas que o povo cristão


encontra, nos nossos dias, em crer e celebrar a Eucaristia. No Oriente e no Ocidente, no
Norte e no Sul do planeta as Igrejas particulares vivem, mesmo com características
diversas, imersas numa cultura secularizada (não raramente numa contracultura) com
frequência insensível à contemplação, à gratuidade e à partilha. O sentido do mistério e
do sagrado próprio da Eucaristia corre o risco de ser comprometido. O diálogo
denunciou um mundo martirizado pela violência e pela injustiça, no qual é difícil
reconhecer que todos os homens são filhos do Pai que no Espírito Santo nos doa o Seu
Filho como Pão vivo.

Este mesmo mundo, muitas vezes secularizado, está profundamente sequioso de beleza
e de verdade. Não pode evitar as grandes interrogações acerca do sentido último da vida
e da morte, do sofrimento e da alegria, e mantém a capacidade de reconhecer o bem
quando o encontra. Como nos foi recordado com energia por um irmão da África, os
homens de hoje, com todas as suas contradições e perguntas, podem, aliás, devem
receber o anúncio cristão. Como nunca neste mundo a Igreja está chamada a ser como
um sacramento, sinal e instrumento da íntima união do género humano.

Evangelização e educação dos fiéis

6. Em relação com as precedentes considerações emergiu com vigor na sala a grave


responsabilidade dos pastores em ordem à evangelização. A natureza essencialmente
educativa da Igreja indica como uma das urgências mais decisivas para o nosso tempo a
do anúncio e da catequese que permitam que o povo cristão creia, celebre e viva em
plenitude o mistério eucarístico. A preocupação catequética em relação à Eucaristia
impôs-se de maneira maciça em relação à quase totalidade dos temas tratados. De resto,
as intervenções observaram repetidamente que, enquanto plenitude da iniciação cristã, a
Eucaristia exige por sua natureza uma educação integral para a fé. Foi dito que esta
formação deve ser cristocêntrica e referir-se a todos os elementos fundamentais da
doutrina católica sobre a Eucaristia e sobre a sua digna celebração. Isto para que os fiéis
sejam postos em condições de fazer da sua existência uma oferenda a Deus (logikē
latreia: Rm 12, 1). Só sobre esta base se pode superar nos crentes a dicotomia entre
celebração e vida.

O novum eucarístico
7. Ao instituir a Eucaristia Jesus deu vida a uma novidade radical: realizou em si mesmo
a nova e eterna Aliança. No contexto da ceia ritual hebraica, que concentra no memorial
o evento passado da libertação do Egipto, a sua relevância presente e a promessa futura,
Jesus quis inserir o dom total de si. O verdadeiro Cordeiro imolado sacrificou-se de uma
vez para sempre no mistério pascal e é capaz de libertar para sempre o homem. O
Senhor Jesus entregou assim os elementos essenciais do novo culto (no contexto de uma
eulogia e de uma eucaristia: o pão e o vinho; as palavras que transformam pão e vinho
no Corpo e no Sangue) na Igreja, Sua Esposa, para que, guiada pelo Espírito Santo lhes
pudesse no tempo dar a forma litúrgica adequada para exprimir e celebrar este mistério.

O dom eucarístico

8. A novidade da Eucaristia instituída por Nosso Senhor pede portanto para ser acolhida
e conservada pela Igreja como um dom insubstituível e extremamente precioso.
Justamente foi dito na sala que a Igreja não reconhece para si direito algum sobre o dom
que o Senhor lhe fez, confiando-lhe a Eucaristia. A sua atitude em relação a este grande
mistério da fé pode ser apenas a da adoração, de louvor e de obediência. Deixar-se
plasmar pela Eucaristia, assim foi dito, significa formar-se na experiência da graça
através da contemplação das mirabilia Dei. Neste contexto foi recordada por muitos
Padres a necessidade de observar as normas litúrgicas: são a expressão desta humilde
obediência da Igreja, que falta quando se verificam abusos.

É obrigatório recordar aqui o debate pormenorizado que se realizou na sala sobre a


relação entre o carácter de dom próprio da Eucaristia e o direito dos fiéis de receber dos
sagrados pastores as ajudas que derivam dos bens espirituais da Igreja, sobretudo da
Palavra de Deus e dos sacramentos. Isto exige o dever dos pastores de garantir o mais
possível a celebração dominical regular nas numerosíssimas comunidades eclesiais
espalhadas pelo mundo. Convém desde já antecipar que, neste contexto, da parte dos
Padres de todos os continentes, foi realçada a preocupante escassez de sacerdotes. Neste
quadro houve quem fez referência aos viri probati.

Falou-se da improcrastinável exigência de uma melhor redistribuição do clero, sem


subestimar as diferenças de cultura e de língua. Não faltaram vozes que pediram
recursos espirituais e materiais para uma pastoral vocacional renovada nos conteúdos e
nos métodos e para a formação de todos os possíveis candidatos ao sacerdócio.

Vários Padres orientais referiram-se à prática do sacerdócio uxorado própria das suas
Igrejas, oferecendo a cada um de nós elementos para uma ulterior atenta avaliação da
opção da Igreja latina de relacionar o celibato com o sacerdócio ordenado. Em relação a
isto alguns Padres, recordando as razões cristológicas, eclesiológicas e escatológicas do
celibato expostas por Sacerdotalis coelibatus em continuidade com o ensinamento do
Concilio Vaticano II, afirmaram que a hipótese dos viri probati é um caminho que não
deve ser percorrido.

II. A fé na Eucaristia

A necessidade de educar os crentes para uma fé eucarística integral deu vida a uma
ampla visão panorâmica sobre os conteúdos fundamentais do grande mistério.
Procuramos propor algumas das suas características principais.
O mistério pascal, mistério trinitário

9. A Eucaristia é memorial de todo o acontecimento pascal. Neste sentido é necessário


que a Igreja recorde constantemente ao povo de Deus que a Eucaristia, tornando
presente a morte e a ressurreição de Cristo, exprime de modo supremo o amor de Cristo
pelo Pai e o amor do Pai por Ele. No mistério eucarístico evidenciam-se claramente a
Pessoa e a missão do Espírito Santo, por vezes pouco apreciada pelos nossos fiéis.
Explica-se desta forma a importância da epiclese realçada com vigor por alguns Padres
particularmente atentos à tradição oriental.

Sacrifício sacramental

10. Os Padres solicitaram com insistência que seja aprofundada e ensinada a verdade
sobre a dimensão sacrifical do mistério eucarístico, que manifesta de modo eminente a
pró-existência de Jesus, isto é, a oferta que Jesus faz da própria vida ao Pai pelos
homens. Se o sacrifício de Cristo é o ápice da revelação da vida intratrinitária, então a
Eucaristia torna-se uma via-mestra para mostrar o amor de Deus por toda a humanidade.
A dimensão sacrifical da doutrina eucarística não pode ser considerada marginal. As
mesmas dificuldades para compreender o significado do sacrifício exigem que seja
aprofundado o seu sentido.

Presença real e adoração

11. Nas espécies sagradas Jesus Cristo está real e substancialmente presente. Revelou-se
a oportunidade de um aprofundamento teológico e catequético da presença real que
ponha em evidencia a especificidade da presença eucarística e a sua diferença
qualitativa em relação a outras, mesmo que sejam importantes, modalidades de presença
do Senhor Ressuscitado na Sua Igreja e no mundo. Este aprofundamento poderá ser
favorecido por uma teologia da consagração desenvolvida em todas as suas dimensões
(trinitária, pneumatológica, eclesiológica e escatológica).

Convém recordar aqui que em relação ao tema da presença real e da sua adequada
compreensão, foram apresentadas numerosas intervenções e testemunhos relativos à
adoração eucarística. Em particular sentiu-se a necessidade de compreender a relação
entre a celebração e a adoração: a atitude de adoração deve caracterizar a mesma
participação na celebração eucarística. Adorar Jesus Cristo presente na Eucaristia
também fora da Missa, mesmo como reparação, é uma consequência da nossa fé no
mistério celebrado. Para favorecer tal atitude quer na celebração quer fora dela, diversos
Padres mencionaram a questão do lugar do tabernáculo na igreja. Alguns Padres
evidenciaram a incongruência de colocar a sede do presidente diante do tabernáculo.
Outros recordaram a importância dos Congressos Eucarísticos a vários níveis.

Banquete e comunhão

12. O sacrifício eucarístico está inscrito no banquete, mas o banquete é compreendido


totalmente só a partir da oferta que Jesus faz da própria vida pelos Seus na cruz. Não há
oposição alguma entre sacrifício e banquete. Assim, integralmente compreendida a
Eucaristia, ceia e banquete, revela a sua natureza de alimento, pão do caminho.
A Sagrada Comunhão constitui o ápice do banquete eucarístico: nela os fiéis participam
do verdadeiro Corpo e do verdadeiro Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo tornando-se
mais completamente membros do Seu Corpo que é a Igreja. A natureza de banquete
manifesta a Eucaristia como mistério capaz de gerar relacionamentos novos: entrando
em comunhão com Cristo o fiel instaura uma nova relação com os outros.

Nas celebrações eucarísticas não faltam infelizmente fiéis que recebem a Comunhão
sem a devida preparação e consciência. Numerosas intervenções expressaram também
em relação a isto a urgência de uma catequese que mostre os vínculos objectivos entre o
caminho de fé e de conversão e a comunhão eucarística. Alguns Padres reiteradamente
pediram uma renovada atenção às modalidades e às normas que presidem à distribuição
da Sagrada Comunhão.

Eucaristia e Igreja

13. A res da Eucaristia é a unidade da Igreja. Esta afirmação querida à tradição


teológica foi recordada na sala para pôr em evidência a importância de desenvolver uma
eclesiologia eucarística como fundamento e raiz da eclesiologia de comunhão. Ela pode
constituir um quadro adequado para enfrentar algumas questões de importância
relevante. Antes de tudo os temas relacionados com a colegialidade, a sinodalidade e
mais em geral com a representação na Igreja. De facto, como afirmou um Delegado
fraterno, toda a vida, palavra e estrutura da Igreja é essencialmente eucarística.

A eclesiologia eucarística pode lançar nova luz também sobre algumas questões de
grande actualidade para o caminho ecuménico. Com o convite a um uso rigoroso da
terminologia reafirmou-se a prática da admissão, sob particulares condições objectivas e
subjectivas, do fiel não católico à comunhão eucarística. Foram recordadas as palavras
da Unitatis redintegratio 8, os critérios do Directório Ecuménico 129, e as indicações
cheias de esperança de João Paulo II nas enciclicas Ut unum sint 46 e Ecclesia de
Eucharistia 44, 45 e 46. Dois Padres de rito Oriental interrogaram-se sobre a
oportunidade de tomar em consideração, em determinados casos e contextos, a hipótese
de concelebrar com ministros de Igrejas ortodoxas.

Eucaristia e vida cristã

14. A participação fecunda na Eucaristia, confirmação suprema do método escolhido


por Deus para encontrar os homens, transforma a vida do fiel e imprime à sua existência
uma "forma eucarística". Consiste nisto, propriamente falando, a espiritualidade
eucarística recordada por algumas intervenções. O sentido de toda a vida cristã, como
nos mostram os santos, é a união com Cristo que se oferece ao Pai para a vida da
humanidade. O discípulo de Jesus é colocado neste mundo precisamente para viver a
"forma eucarística", para fazer o bem aos outros, para levar os frutos de salvação, para
ser sal, luz e fermento do mundo.

III. Eucaristia e sacramentos

O vínculo entre a Eucaristia e o septenário sacramental ocupou um lugar de grande


realce na disceptatio. Retomamos sinteticamente os principais elementos que foram
ressaltados.
Eucaristia e iniciação cristã

15. Várias intervenções sugeriram aprofundar melhor todo o percurso da iniciação


cristã. Incorporados pelo baptismo a Cristo na Igreja os fiéis são chamados a viver em
plenitude a sua identidade de membros do Corpo de Cristo através da participação
consciente, actuosa e fecunda na Eucaristia. Alguns Padres declararam considerar muito
oportuno favorecer formas de catequese pós-baptismal que conduzam os fiéis a uma
vida de fé madura. Alguns Padres orientais recordaram a importância do significado
teológico de conferir simultaneamente os três sacramentos da iniciação cristã.

Eucaristia e Penitência

16. Com grande insistência os Padres recordaram o vínculo entre Eucaristia e


Penitência. A catequese e a pregação devem educar os fiéis ajudando-os a compreender
a necessidade de receber regularmente o sacramento da Reconciliação. Isto favorece a
redescoberta do vínculo entre a Eucaristia e a vida inteira como percurso de conversão e
de transfiguração da pessoa em Cristo. Com esta finalidade foi recordada a necessidade
de uma maior disponibilidade da parte dos sacerdotes. Além disso, alguns Padres
pediram o respeito rigoroso de todas as normas relativas ao sacramento da Penitência.

Eucaristia e Matrimónio

17. Vários Padres realçaram a urgência de uma educação para o nexo intrínseco entre
Eucaristia e Matrimónio. Algumas intervenções explicitaram-no no quadro de uma
eclesiologia esponsal.

Numerosos Padres fizeram referencia aos conviventes, aos baptizados casados só


civilmente, e aos divorciados que voltaram a casar, que se colocaram na dolorosa
condição de não poder receber a comunhão eucarística. Foi realçada a importância de
uma pastoral atenta de comunhão acolhedora em relação a eles, à luz dos numerosos
pronunciamentos do Magistério. Dois Padres pediram para explorar caminhos de
misericórdia. Em particular alguns Padres convidaram os Bispos a promover
energicamente a dimensão pastoral dos tribunais eclesiásticos, com eventuais
simplificações de funções e procedimentos, favorecendo a sua criação onde não
existam. Mais de um Padre realçou a importância de recorrer nestes casos ao valor da
Comunhão espiritual, mesmo se não faltou quem a definiu um paliativo.

Eucaristia e Ordem

18. Alguns Padres enfrentaram na sua intervenção a relação Eucaristia e Ordem


sacerdotal, fazendo referencia aos ensinamentos do Magistério que definem a Eucaristia
como a principal razão de ser do sacerdócio ordenado. Além disso, o tema emergiu em
várias intervenções durante o debate livre. Alguns Padres referiram-se à doutrina do agir
"in persona Christi" e à relação intrínseca entre sacerdócio ordenado e sacerdócio do
Povo de Deus.

Unção dos enfermos e Viático

19. O tema emergiu bastante indirectamente a propósito da importância da Eucaristia


para os doentes. Muitos fiéis recuperam um certo contacto com a comunidade cristã
quando se encontram numa situação de doença ou sofrimento. De resto, a centralidade
da Eucaristia ilumina por sua natureza a relação da comunidade eclesial com todas as
pessoas envolvidas no mundo da saúde: doentes, familiares e agentes da saúde. Houve
quem realçou a importância de adequar a pastoral neste campo julgando-a no momento
amplamente insuficiente.

Alguém observou que a dimensão escatológica da Comunhão eucarística emerge


significativamente no Santo Viático. Para o fiel que recebe o viático, medicina de
imortalidade, realiza-se uma certa contemporaneidade da morte com a plenitude da vida
e é dado o penhor da ressurreição da carne. Por fim, foi recordado o profundo valor
teológico da Missa de sufrágio pelos defuntos.

IV. Eucaristia e povo sacerdotal

O Dies Domini

20. O povo cristão foi dito reconhece-se visivelmente no seu reunir-se todos os
domingos para a Santa Missa. Celebrando a Eucaristia, a comunidade eclesial participa
sacramentalmente na vitória de Cristo sobre o mal e sobre a morte. No acto do reunir-se
os fiéis redescobrem a própria pertença à Igreja. Fazem-no ouvindo a Palavra de Deus,
participando no memorial do dom redentor de Cristo e deixando-se enviar ao mundo
como testemunhas do mistério celebrado.

Por este motivo muitas intervenções dos Padres recomendaram a necessidade de


recuperar o valor profundo do domingo, em particular nas sociedades secularizadas
onde ele diminuiu por vezes muito fortemente. Foi pedido para ajudar os fiéis a
redescobrir que sem o domingo não se pode viver. A propósito, um Padre levantou a
questão, delicada para muitos Países, do trabalho dominical. O domingo caracteriza a
vida da Igreja enquanto exprime a identidade cristã. Antes ainda de ser um preceito, o
domingo é uma expressão jubilosa do encontro dos irmãos em Cristo. Tem uma notável
relevância cultural e formativa. Além disso, educa para o autentico repouso.

Algumas intervenções recomendaram que não se sobrecarreguem os domingos com


jornadas celebrativas de vários conteúdos, para não obscurecer o carácter peculiar do
Dies Domini.

O Bispo e os presbíteros

21. A responsabilidade do Bispo em relação à vida litúrgica da diocese e, de modo


particular, da celebração da Eucaristia, foi recordada na sala várias vezes, referindo-se
também ao seu vínculo com a Igreja-Catedral. Mas sobretudo, os Padres realçaram o
vínculo sacramental que liga os presbíteros ao seu Bispo. Foi unânime o sentido de
gratidão em relação aos sacerdotes que dedicam a sua vida ao ministério pastoral.
Abusos e defecções não conseguem obscurecer nem sequer minimamente o zelo com
que a maior parte dos sacerdotes vive a própria vocação e missão. Algumas
intervenções realçaram a responsabilidade do Bispo em relação aos seminaristas e à sua
adequada formação, que deve estar centrada na Eucaristia.

Para alguns é preciso dar mais espaço, desde o Seminário, a uma adequada formação
litúrgica dos sacerdotes, particularmente explicitando a sua raiz teológica.
Diáconos permanentes e ministros extraordinários da Comunhão

22. Também para os diáconos permanentes e para os ministros extraordinários da


Comunhão foi pedida por várias vozes uma maior formação litúrgica. Devem ser
preparados mais adequadamente para cumprir o seu precioso ministério.

Sobretudo nas celebrações dominicais na expectativa do sacerdote o seu ministério é de


grande ajuda na missão da Igreja. Educando os fiéis para a escuta da Palavra de Deus,
para o louvor e a oração, eles poderão inculcar o amor pela Eucaristia. Alguns Padres
realçaram quanto é importante favorecer, nestes contextos, uma fervorosa súplica para
que o Senhor conceda à sua Igreja numerosas vocações sacerdotais.

A propósito destas assembleias algumas intervenções realçaram um certo risco que os


fiéis as confundam com a celebração eucarística. Por isso, sugeriram um esforço ulterior
para encontrar fórmulas expressivas que esconjurem esse risco. Um Padre perguntou:
até quando estas comunidades deverão permanecer à espera? Outro pediu que a justa
urgência sobre a Eucaristia dominical seja acompanhada pelo reconhecimento do valor
das liturgias da Palavra ou de celebrações litúrgicas análogas.

Paróquia e pequenas comunidades

23. O papel da paróquia como casa e escola de oração em referencia à celebração


eucarística foi realçado várias vezes na sala. Ela constitui o lugar de referencia
fundamental para o povo de Deus. Simultaneamente, um certo número de Padres falou
da necessidade de apoiar o surgimento de pequenas comunidades também no âmbito da
paróquia para permitir um caminho mais aprofundado de redescoberta da iniciação
cristã que ilumine melhor o nexo entre celebração eucarística e vida cristã. No âmbito
de semelhantes comunidades vitais sugeriram alguns Padres é mais fácil enfrentar todas
as circunstâncias da vida quotidiana, sobretudo nos países em que a iniciativa das seitas
é particularmente agressiva a tal ponto que, em alguns caos, provoca uma rápida
diminuição da própria pertença à Igreja Católica. Uma pertença débil que isole os
cristãos torna-se um terreno fértil para que as seitas encontrem novos adeptos. Contudo,
dois ou três Padres expressaram perplexidade sobre a multiplicação de celebrações
eucarísticas para pequenos grupos, sobretudo no âmbito da mesma comunidade
paroquial: poder-se-ia pôr em perigo a comunhão eclesial.

A família

24. Um certo número de intervenções realçou com vigor a importância decisiva da


família para a educação acerca do valor da Eucaristia. Já foi mencionado o nexo
intrínseco que liga a Eucaristia com o Matrimónio cristão. A civilização do amor baseia-
se sobretudo em famílias cristãs conscientes da própria vocação e missão eclesial. A
família, viveiro de vocações, vivendo um nexo orgânico através da paróquia com a
Igreja particular, pode documentar melhor a relevância da Eucaristia na vida quotidiana.
Uma ocasião extraordinária em relação a isto é sem dúvida constituída pelas celebrações
da Primeira Comunhão. Alguns Padres realçaram a importância de que a Primeira
Comunhão seja vivida por toda a comunidade como uma ocasião privilegiada de
formação cristã para toda a família e não como uma ocasião mundana, na qual muitas
vezes se verificam desperdícios e ostentações. Além disso, ela pode representar uma
ocasião para inculcar nos fiéis o valor da Santa Missa dominical como gesto comum a
toda a família.

Vida consagrada

25. A Eucaristia "faz" a vida consagrada. Um Padre realçou que ela, enquanto expressão
peculiar da Igreja-Esposa que recebe e torna fecundo o dom do seu Esposo, concorre de
modo especial para a descoberta da dimensão esponsal do mistério eucarístico. A
Eucaristia é o lugar privilegiado onde as pessoas consagradas aprendem a seguir Cristo
à luz dos conselhos evangélicos. Aqui encontram a força para fazer da sua existência
um anúncio profético.

Os jovens

26. Como os jovens vivem e compreendem o mistério eucarístico? perguntaram não


poucos Padres. Sobressaiu um panorama bastante variado. Sobretudo sob o impulso das
Jornadas Mundiais da Juventude o problema da transmissão do valor da Eucaristia às
novas gerações é objecto de particular solicitude da parte dos pastores. Algumas
intervenções realçaram que as novas gerações, muitas vezes influenciadas pelas grandes
mudanças culturais, tem dificuldade em compreender adequadamente o valor da
Eucaristia. Em muitos países a participação dos jovens na Missa dominical diminui
bruscamente no final da iniciação cristã. Uma intervenção realçou como o tipo de
racionalidade e de cultura que hoje prevalece torna particularmente difícil compreender
a mudança substancial que se verifica na consagração do pão e do vinho. Esta situação
dá origem também a um grande desafio à educação e à catequese. E isso também
porque, apesar do abandono da prática dominical, se pode observar, quase em oposição,
a experiência de um certo renascimento da adoração eucarística também entre os jovens.
Eles próprios por vezes declaram estar fascinados por Cristo. A este propósito alguns
Padres chamaram a atenção sobre a acção preciosa dos movimentos eclesiais e das
novas realidades agregativas para uma educação cristã fundada na Eucaristia e nos
sacramentos.

V. Eucaristia e missão

A Eucaristia, fonte da missão

27. Para ser missionária a Igreja deve ser também profundamente eucarística. A
Eucaristia é a fonte vital da missão. Ouvindo a Palavra de Deus, celebrando a morte e a
ressurreição do Senhor, unindo-nos em comunhão sacramental com Ele somos guiados
a um encontro pessoal e comunitário com Cristo, do qual nos tornamos verdadeiramente
discípulos. A Eucaristia ajuda assim a acção missionária em geral, e de modo totalmente
especial a missão ad gentes. De facto, a Eucaristia identifica imediatamente a missão
com o insubstituível anúncio de Cristo e impede que a necessária promoção humana,
incluída na evangelização, se reduza à mera sociologia.

Eucaristia e martírio

28. A missão da Igreja começa com o testemunho pessoal e comunitário do povo cristão
alimentado pela Eucaristia. Em muitas áreas da terra a participação na Eucaristia exigiu
e exige que se exponha a própria vida. Alguns Padres, provenientes de países nos quais
a vida de fé ainda está ameaçada devido à falta de liberdade religiosa, demonstraram
como a própria prática da celebração eucarística regular assume um forte carácter de
testemunho. Na Eucaristia, devido à oferta que Cristo faz de Si ao Pai, estão contidos
todos os sacrifícios dos cristãos e todos os sofrimentos dos homens e mulheres de boa
vontade. Nela vê-se verdadeiramente que, pelo dom do Espírito, se completa o que falta
aos sofrimentos de Cristo. Vários Padres realçaram o vínculo entre Eucaristia e martírio.
Um Padre acrescentou que não só os nomes dos mártires são proclamados no cânone
romano, mas que inserir também as relíquias dos mártires no altar fortalece este vínculo.
A celebração, memorial do Sangue de Cristo derramado por amor, dá pleno valor ao
sangue derramado pelos mártires.

Eucaristia e diálogo inter-religioso

29. Considerando a crescente mobilidade determinada sobretudo pelos imponentes


fluxos migratórios e pela multiculturalidade de muitas sociedades nas quais a Igreja vive
e trabalha, um certo número de Padres realçou a participação ocasional, até numerosa,
de seguidores de outras religiões na celebração eucarística. Os Padres que intervieram a
este propósito evidenciaram a necessidade de um acompanhamento atento destas
pessoas, mas também de respeitar a natureza do sacramento e da assembleia
eucarística . Em particular um Padre recomendou que se lhes explicasse por que não
podem receber a Sagrada Comunhão recordando o longo tempo de espera e de
preparação que os próprios catecúmenos devem respeitar.

Eucaristia e cultura

30. Através da vida dos fiéis, transformada pelo dom eucarístico, a Eucaristia age como
semente de uma nova cultura em vista de uma autentica civilização do amor. Esta nova
civilização edifica a vida pessoal e comunitária a nível antropológico, cosmológico e
social. Verdadeiramente a Eucaristia, realçou mais que um Padre, é fonte de cultura. Se
for vivida conscientemente, sugere aos fiéis os caminhos para uma resposta às
preocupações do homem do nosso tempo. Revela-se capaz de interceptar a saudade de
mistério presente na nossa cultura, que muitas vezes se exprime desordenadamente na
queda idolátrica. Um Delegado fraterno recordou que a cultura que nasce da Encarnação
aprecia as diversidades culturais e ao mesmo tempo desafia-as.

Dimensão antropológica

31. Muitos fizeram directa e indirectamente referência à dimensão antropológica ínsita


no dom eucarístico. Um dos Auditores falou da necessidade de uma antropologia
eucarística. Foi citado o incipit, ainda actual, da Gaudium et spes. As exigências morais
do individuo e da comunidade encontram na Eucaristia o seu contexto próprio porque
n'Ela se instaura uma justa relação com Deus, com os irmãos e com o universo inteiro.
A Eucaristia pode realizar a "cristificação" plena de todas as actividades do homem.
Jesus eucarístico revela o homem a si mesmo, fazendo-lhe descobrir a sua verdadeira
identidade, valoriza a sua liberdade e, por meio da graça, torna-o uma nova criatura. Na
oferta eucarística do pão e do vinho, frutos da terra e do trabalho do homem, são
apresentadas a Deus também toda a riqueza e pobreza da humanidade. Assim santifica-
se o trabalho porque se pede a Cristo eucarístico que o transforme segundo o desígnio
do Pai.
Dimensão cosmológica

32. Falou-se pouco da dimensão cosmológica da Eucaristia. Contudo, não faltou quem
pediu para recuperar o valor da criação como habitação e como recurso, inspirando-se
precisamente numa contemplação grata e adorante do dom eucarístico. Um Padre,
recordando que a Eucaristia é fonte de luz que permeia toda a criação, frisou a dimensão
sacramental de cada realidade. Nela cada acontecimento, acrescentou, possui um
carácter de sinal através do qual Deus Se comunica a Si mesmo e nos interpela. A
"forma eucarística" da existência pode favorecer uma autentica metanoia neste âmbito,
respondendo ao anseio de harmonia com a criação e educando para cuidar da terra, para
que não seja considerada como um mero receptáculo a ser explorado.

Dimensão social

33. Numerosos Padres, ao contrário, puseram em evidencia a dimensão social da


Eucaristia. Realçaram com vigor como ela é fonte privilegiada de justiça, de partilha, de
paz, de reconciliação e de perdão. Sem esta dimensão social, aliás intrínseca à acção
eucarística, as nossas celebrações correm o risco de se tornarem formais. Em particular
foi realçado o inadiável dever de quem participa da Eucaristia de se preocupar com as
situações de extrema indigência e de miséria endémica nas quais vivem muitos povos
do Sul do planeta, com uma particular referencia às crianças e às mulheres. Uma
partilha autentica dos bens e uma obra incansável de pacificação deve consentir que
todos os cristãos trabalhem para restabelecer a fraternidade e a solidariedade muitas
vezes violadas. O mistério eucarístico, se for autenticamente vivido como comunhão
com a compaixão de Jesus pelas multidões, tem a capacidade intrínseca de mobilizar os
fiéis para uma eficaz iniciativa social em favor de todos os homens, em particular dos
pobres, dos marginalizados e dos presos.

Em relação a isto convém frisar que três Padres sublinharam a questão da coerência
necessária das opções politicas com a participação na Comunhão sacramental,
recordando a grave responsabilidade, sobretudo de legisladores e governantes, em
relação à promoção de uma sociedade justa, solidária e respeitosa da vida e da família.

SEGUNDA PARTE

A ACÇÃO EUCARÍSTICA

I. Em continuidade com a reforma litúrgica

Reforma litúrgica

34. Não poucos Padres recordaram com gratidão a influencia positiva que a reforma
litúrgica, realizada a partir do Concilio Vaticano II, teve para a vida da Igreja. Foi
recordada em particular a riqueza do Missal Romano. Houve quem não deixou de
realçar mal-entendidos e abusos. Verificaram-se no passado mas ainda hoje estão
presentes, embora de maneira limitada. Contudo, semelhantes episódios não podem
obscurecer a bondade da reforma; antes, são urgentes uma maior atenção em relação à
ars celebrandi da qual depende a actuosa participatio.
Celebração eucarística e sentido do mistério

35. Muitos Padres sinodais desejaram a recuperação, a partir da celebração eucarística


como actio Dei, da importância do mistério nas suas diversas acepções: mistério
trinitário, mistério pascal, mistério sacramental, mistério esponsal e, mais em geral,
mistério de amor. Também se insistiu sobre a unicidade da dimensão salvífica do
mistério eucarístico. Por conseguinte, é preciso ajudar os fiéis e vive-lo como fonte de
sentido para o homem contemporâneo. Isto exige que seja respeitada a sua origem
divina que requer a autentica ars celebrandi.

Mistagogia

36. Sobretudo no contexto das numerosas referências à catequese litúrgica, o tema da


mistagogia encontrou um lugar de relevo. Ela permite enfrentar um dos principais
desafios à fé apresentados pela cultura predominante, muitas vezes secularizada, que
tende a não dar real valor ao mistério ou a limitá-lo em termos irracionais. Renovando o
estilo de vida do cristão, a mistagogia permite colocar a Eucaristia no centro da
existência. Para os Padres que defenderam a sua importância a mistagogia permite viver
a liturgia como um conjunto unitário e articulado de gestos, acções, palavras, procissões
que emprega espaços, decorações e alfaias. Ela torna-se assim uma via-mestra para
iniciar o fiel no mistério que é celebrado; permite uma compreensão genuína da
experiência celebrativa de forma que do agir litúrgico brote um aprofundamento do
sentido do agir salvífico de Deus. De facto, a acção litúrgica, se respeitar todas as suas
dimensões, contém já em si a capacidade de introduzir nos mistérios cristãos, mostrando
a sua incidência na vida quotidiana.

Beleza, arte e arquitectura

37. Arte e arquitectura sacra não são elementos secundários para a acção litúrgica. Na
disceptatio sinodal não faltaram exortações a que os projectos de igrejas respeitem e
exaltem a especificidade do lugar de culto cristão, cuja presença no território deve
exprimir a beleza do mistério eucarístico nela celebrado. Na liturgia, a dinâmica do
espaço sagrado transmite uma tradição que nos séculos é garantia da continuidade e
autenticidade da mesma fé apostólica: a beleza e o decoro do espaço sagrado e de tudo o
que diz respeito à Eucaristia comunica de certa forma a própria beleza de Deus, da
Igreja e do encontro com o Amado presente. A organização espacial e o decoro da área
litúrgica, de facto, veiculam a tradição eclesial, mostrando a sua continuidade e
autenticidade.

Um Padre recordou que a verdadeira beleza não a sua superficial redução à estética
desarma; a beleza da liturgia não é culto da aparência, mas é o que permite passar do
"para si" ao "maior de si".

II. A estrutura da celebração litúrgica

Não faltaram na sala referencias à necessidade de respeitar a estrutura celebrativa do


rito eucarístico. Ela, entre outras coisas, representa o caminho objectivo para evitar
abusos.

Liturgia da Palavra
38. A originalidade e a beleza da Liturgia da Palavra na Eucaristia depende do seu ser
sempre memória do acontecimento, que dá origem à própria comunidade que está a
celebrar. Um Padre frisou que a Liturgia da Palavra exige fidelidade ao calendário
litúrgico, à ordem das leituras sobretudo da Eucaristia dominical. Além disso, requer um
adequado conhecimento do leccionário dominical e festivo; exige um cuidado especial
para que a Palavra de Deus seja proclamada do melhor modo possível. A promoção de
grupos bíblicos que desenvolvam as leituras dominicais pode ser uma válida ajuda.
Mais em geral a difusão de grupos de escuta da Palavra de Deus que recorrem às
diversas formas de lectio divina já constitui, observaram alguns Padres, um bom
património para as nossas Igrejas. Houve quem recomendou sugerir aos fiéis que
disponham de um pequeno missal para a meditação pessoal ou comunitária,
possivelmente em família.

Homilia

39. Diversos Padres sinodais falaram acerca da importância da homilia, elemento


constitutivo da Liturgia da Palavra. Ela deve ser sempre objecto de uma adequada
preparação da parte dos ministros e deve introduzir os fiéis que ouvem a Palavra de
Deus no mistério celebrado. Homilias pobres afastam os fiéis. Como realçaram alguns
Padres, isto significa reconhecer o carácter mistagógico da homilia. Mais que uma voz
recomendou que a preparação se baseie num conhecimento adequado da Sagrada
Escritura. Além disso, dois Padres recordaram também a oportunidade de homilias
temáticas ou doutrinais que relacionem o Leccionário com o Catecismo da Igreja
Católica e com o seu Compendio, desejando que sejam preparados a nível nacional
subsídios adequados para o clero. Isto para evitar que a homilia seja substituída pela
catequese.

Apresentação dos dons

40. Alguns Padres realçaram que, sobretudo no momento da apresentação dos dons, se
desenvolveram práticas que exigem uma opinião equilibrada. Assiste-se a uma
ampliação excessiva do número dos dons destinados a simbolizar melhor aspectos e
acontecimentos particularmente significativos para uma determinada comunidade.
Alguns Padres observaram que esta escolha pode favorecer uma inculturação litúrgica
que respeita o mistério celebrado. Mas outros recomendaram que os demasiados
"sinais" não obscureçam a centralidade insubstituível dos dons do pão e do vinho.

Orações eucarísticas

41. Recordou-se que o tesouro litúrgico da Igreja no Oriente e no Ocidente se exprime


de modo particular nas diversas orações eucarísticas. A propósito foram levantadas
algumas questões particulares: a necessidade de uma correcta tradução dos textos
originais nas línguas vernáculas, a possibilidade de enriquecer textos já aprovados, a
necessidade de valorizar a epíclese e a sua relação com as palavras da instituição, a
eventual inserção de outras aclamações por parte do povo...

Acção de graças e envio

42. Duas intervenções convidaram a não descuidar o momento da acção de graças, que
expressa também a etimologia da Eucaristia. Para favorecer ulteriormente a dimensão
de agradecimento da qual brota a missão, alguns Padres realçaram a importância de
fazer mais frequentemente recurso às bênçãos solenes já previstas pelo missal. Um
Padre sugeriu a possibilidade de articular melhor o sentido missionário do ite missa est.

III. Ars celebrandi

Fé e celebração

43. Foi realçado repetidamente na sala que a ars celebrandi depende em grande medida
da maturidade da fé eucarística de quem participa na celebração, sobretudo de quem a
preside. A ars celebrandi requer uma forte espiritualidade eucarística e uma adequada
formação teológico-litúrgica. Não pode ser reduzida ao necessário respeito pelas
rubricas litúrgicas.

Formação litúrgica

44. Com grande insistência foi recordada na sala a necessidade de prover, desde a
educação seminarística, a uma adequada formação teológico-litúrgica dos sacerdotes.
Além disso, esta formação é obrigatória para todos os que são chamados a desempenhar
um serviço litúrgico (diáconos, acólitos, leitores, ministrantes...). Mais em geral deve
ser dirigida, mediante a normal educação catequética, a todo o povo dos fiéis.

Silêncio, palavra e canto

45. Várias vezes foi realçada a importância do silêncio na liturgia. Verificou-se um


excesso de verbalização que pode transformar a celebração num espectáculo e a Sinaxe
Eucarística numa assembleia comum. Alguns Padres evidenciaram certas expressões
musicais que não reflectem a índole litúrgica.

Sinais, gestos e símbolos

46. Alguns Padres sinodais realçaram a importância de uma relação mais equilibrada
entre a dimensão vertical e a horizontal nos gestos e nos cantos da Missa, prestando
atenção à necessária sacralidade das atitudes do corpo. Em relação a isto, alguns Padres
manifestaram perplexidade perante duas situações especificas: as grandes
concelebrações e a comunhão na mão. De modo particular um Padre interrogou-se sobre
a oportunidade de rever algumas normas no caso de concelebrações com notável
participação de povo.

Houve quem insistiu sobre a necessidade de revalorizar os símbolos litúrgicos, a


expressão artística do canto, o decoro do espaço sagrado e das vestes litúrgicas.

Foi também feita uma referencia ao uso da dança na liturgia, tema para o qual ainda
parecem faltar critérios suficientemente claros. Fazendo apelo à dimensão criativa da
liturgia e em relação à inculturação, estes gestos podem constituir uma ajuda para
compreender plenamente o sentido do mistério. Contudo, alguém falou de não poucos
riscos em relação a isto.

IV. Actuosa participatio


Participação dos fiéis

47. Um dos elementos que mais favoreceu a reforma litúrgica foi a participação dos
fiéis, ajudada de modo considerável pela introdução das línguas vernáculas. Contudo, os
Padres afirmaram que se deve vigiar para que tal participação não se limite a uma
atitude exterior mas, no seguimento de Maria, "mulher eucarística", se torne um
verdadeiro "agir" litúrgico, um deixar-se incorporar, através da Eucaristia, na comunhão
da Igreja. Os fiéis participam com plenitude quando toda a sua vida é acolhimento de
Deus, escuta da Palavra, docilidade ao Espírito, quando é adoração e acção de graças,
renovação da nova aliança, quando toda a existência se torna oferenda, comunhão,
sacrifício, impetração e expiação, dom gratuito de si, em Deus, pelos irmãos. Em
síntese, quando a participação na Eucaristia faz da vida dos irmãos uma autentica logikē
latreia.

Inculturação litúrgica

48. Para cada Igreja particular o modo de viver a Eucaristia é inseparável da própria
cultura e história. De facto, a Eucaristia é dada pelo Senhor à Igreja que vive sempre
num determinado povo. Esta é a razão profunda da inculturação litúrgica realçada por
numerosos Padres. Um maravilhoso testemunho vital deste dado histórico é
representado por ritos e tradições das Igrejas Orientais. A tradução dos textos litúrgicos,
a incorporação de gestos e expressões provenientes das culturas em que a Igreja vive e
outros aspectos relacionados com o tema, deveriam sugerir novos elementos que não
alterem contudo a essência do mistério da fé. O tema imprescíndivel da inculturação
exige, segundo o parecer de não poucos Padres, ulteriores aprofundamentos. Sobretudo
mediante a determinação de critérios adequados de discernimento em relação às suas
condições e métodos de concretização. Alguns Padres sugeriram que seja valorizada a
responsabilidade das Conferencias Episcopais a este respeito. Ainda neste âmbito
alguém pediu uma rigorosa fidelidade às rubricas.

Assembleias dominicais na expectativa do sacerdote

49. Uma plena participação é objectivamente impedida a muitos fiéis de comunidades


nas quais não se pode celebrar a Eucaristia todos os domingos. Além da já citada
questão da escassez de sacerdotes, diversos Padres pediram na sala esclarecimentos
sobre a natureza e a estrutura das assembleias dominicais na expectativa de sacerdote,
sobretudo no que se refere à distribuição da Sagrada Comunhão. Sem menosprezar o
seu valor objectivo, interrogámo-nos: como ajudar concretamente o povo cristão a não
as confundir com a Eucaristia?

Transmissão televisiva da Eucaristia

50. Foi realçada a importância da transmissão televisiva da Eucaristia como instrumento


de evangelização, como se viu de modo clamoroso por ocasião da morte do servo de
Deus João Paulo II. Além disso, ela ampara a vida cristã de tantos doentes e idosos. Em
relação a isto recomendou-se a necessidade de um cuidado particular pela celebração,
de modo a favorecer uma ampla difusão da ars celebrandi. Contudo, recordou-se a
importância de lembrar aos fiéis que, em condições normais, a transmissão televisiva
em si não cumpre o preceito dominical.
 

CONCLUSÃO

51. Como os dois discípulos de Emaús também nós, Beatíssimo Padre, Irmãos no
Episcopado, Auditores, Auditoras e Assistentes, tendo reconhecido o Ressuscitado no
partir do Pão, adquirimos força e percorremos uma boa parte do caminho. Admitidos à
Sua presença para cumprir o serviço sacerdotal, preparamo-nos agora para a parte mais
delicada do nosso trabalho.

Surpreendidos pela beleza da forma eucarística queremos assimilá-la melhor através do


exame detalhado de todos os aspectos das maravilhas da graça que brota do Corpo
doado e do Sangue derramado de Cristo. Fazemo-lo para permitir que o povo santo de
Deus, peregrino na história, testemunhe o esplendor de Jesus Cristo morto e
ressuscitado propter nos homines, por todos os nossos irmãos homens, de qualquer
idade, raça, classe e religião. Anunciamos a Sua morte, proclamamos a Sua
ressurreição, na expectativa da Sua vinda. O fruto da segunda parte do nosso caminho
serão as Propositiones, que ofereceremos ao discernimento próprio do carisma do
Sucessor de Pedro. É um trabalho que realizaremos mais uma vez em total liberdade e
parresia, porque pretendemos faze-lo em total humildade. De facto, estamos
conscientes de que a Eucaristia, enquanto dom, está intrinsecamente relacionada com o
testemunho que, como nos foi recordado, pode chegar até ao martírio. Mas o martyrein
é ele mesmo dom que mais uma vez exige humildade. Recorda-nos isto a bela tradução
italiana do prefácio dos mártires: "Pai que revelas nos débeis o Teu poder e doas aos
inermes a força do martírio".

***

Questões para os Círculos Menores

1. Como educar o povo cristão para a fé eucarística com particular referencia ao


anúncio, à pregação, à catequese e ao testemunho, sobretudo no contexto da
globalização e da secularização? Como garantir uma apresentação integral de todas as
dimensões da Eucaristia (mistério pascal e trinitário, sacrifício, presença real, memorial
da nova aliança, banquete e comunhão, dom do Espírito, escatologia, novidade radical
do culto cristão, logikē latreia)?

2. Como ajudar o povo cristão a compreender o vínculo intrínseco entre a Eucaristia e a


vida quotidiana, entre o mistério celebrado e a oferta da própria vida a nível pessoal e
social, entre a fé professada e os comportamentos publicamente relevantes (dimensão
antropológica)?

3. Como responder ao urgente dever de oferecer o dom eucarístico de modo regular a


todos os fiéis, também nos países de missão e com a escassez de sacerdotes? Quais
estrutura e modalidades para as assembleias litúrgicas na expectativa de sacerdote?

4. Como ajudar o povo cristão a promover a adoração eucarística que nasce da


celebração litúrgica e a ela conduz?
5. Como podem tornar-se a Eucaristia e a eclesiologia que dela deriva princípio e forma
para realizar importantes aspectos da vida eclesial (sinodalidade, representação,
ecumenismo e diálogo inter-religioso...)?

6. Como recuperar a integralidade da iniciação cristã (baptismo, confirmação e


Eucaristia) para as crianças, os jovens e os adultos? Como ilustrar, em particular, o
vínculo entre a Eucaristia e a Reconciliação? Como ajudar os fiéis a viver o caminho de
conversão exigido pela Eucaristia?

7. Como promover uma pastoral acolhedora de comunhão para quantos vivem numa
situação que impede o acesso à reconciliação sacramental e à Eucaristia (conviventes,
divorciados que voltaram a casar, baptizados casados só pelo civil...)?

8. Como educar o povo dos fiéis na centralidade da celebração eucarística dominical?


Quais percursos para uma formação teológico-litúrgica mais adequada (ars celebrandi)
dos presbíteros, dos diáconos e dos agentes dos vários ministérios?

9. Quais critérios para melhor ordenar as múltiplas celebrações eucarísticas da parte das
pequenas comunidades no interior da mesma comunidade paroquial (missas com
crianças, jovens, grupos particulares...)?

10. Como pode ser vivida a celebração eucarística pelos doentes e pelos idosos? Em
particular, como fazer participar na Eucaristia os doentes psíquicos e quais os critérios
sobre os quais basear a administração da Sagrada Comunhão?

11. De que modo as nossas celebrações podem favorecer melhor nos fiéis o
compromisso missionário em todos os ambientes de vida através do testemunho? Como
educar todos os fiéis para a relação entre Eucaristia e missão ad gentes?

12. Como podem educar as nossas celebrações a responsabilidade social dos fiéis em
particular nos âmbitos da justiça, da solidariedade, da partilha, da paz, da reconciliação
e do perdão?

13. O que sugerir para educar o povo cristão para a dimensão cosmológica da
Eucaristia?

14. Como educar o povo cristão para uma participação plena, consciente, actuosa e
fecunda da Santa Eucaristia? Como reeducar o povo cristão nos países da nova
evangelização para o sentido do mistério celebrado? Qual o lugar da mistagogia?

15. Que critérios de carácter geral e particular sugerir para o uso da arte e da
arquitectura ao serviço da beleza e da liturgia?

16. Considera-se oportuno rever alguns aspectos particulares do rito romano (ite missa
est, pax...)?

17. Quais os critérios para uma correcta inculturação litúrgica do único mistério
eucarístico que favoreça a actuosa participatio dos fiéis nos diversos contextos
culturais?

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