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Os contos de Marc Luminaire Bardin

A Máquina de Fisalidas

Marc Lumier Bardin era um jovem genial muito à frente de seu tempo. Suas ideias
inovadoras colocaram no mapa a pacata cidade de Hautesfosses. Teorizou e melhorou
monociclos voadores já aos 19 anos, o que com certeza ajudou em seu ingresso na
universidade de Monde-Lucide em Cícera.

Lá o jovem que já era genial deu saltos tendo acesso a muitos livros, professores e teorias.
Aos 26 anos terminou sua tese que o universo está conectado a outros em camadas como
bolhas, e seu interior é refletido de forma distorcida pelos outros mais próximos. E que
ainda seria possível observar esses universos próximos por meio de eletricidade.

Com a idade de 29 anos, o senhor Bardin, como era conhecido, já fazia parte do mais alto
escalão de engenharia do reino. Possuindo um escritório no Palácio Administrativo do
Reino. Também possuía um cargo de professor na universidade, ensinando calouros sobre
correntes elétricas de Tesla. Após suas cansativas horas de trabalho, Bardin trabalhava em
seu projeto de uma lupa para que pudesse provar sua tese.

Em uma noite fria de início de inverno a lupa ficou pronta. Bardin sentado em uma cadeira
velha debaixo de uma luminária improvisada, para que pudesse ver pela primeira vez as
sombras de sua teoria que ele havia imaginado na universidade. Após o início do
experimento Bardin ficou estarrecido quando por meio de um vidro galvanizado, pôde ver
a imagem de um triciclo velho parado no canto de um porão. O ângulo da imagem mostrava
que aquele porão era idêntico ao dele, porém, visto de uma perspectiva refletida inversa.
Foi possível ver o triciclo, pois as oscilações de eletricidade de sua bobina de Tesla geram
luz que atingem o outro lado do vidro, iluminando o cômodo. Como se a luz pudesse passar
de seu porão até outro porão escuro do outro universo. Ele nunca havia tido um triciclo. E
mesmo que tivesse, não seria possível vê-lo, com todos aqueles aparatos que tanto ocupavam
espaço em seu porão.

Era óbvio para Bardin que se tratava de outro local visto pelo vidro. Um local que não
poderia existir nesse mundo. E após exatos 14 minutos de visão a imagem se foi. Sua “lupa”
não mostrava qualquer outra coisa senão seu próprio porão bagunçado. Bardin quase
enlouqueceu. “Eu vi outro mundo!” Ele repetia em uma voz desesperada. O senhor Bardin
nunca teve uma esposa mesmo já estando velho. Seus empregados já haviam se retirado
para seus quartos nos fundos da casa. Ele não teria como mostrar essa descoberta para
ninguém pois nunca precisou de companhia. E por algumas noites ele quase enlouqueceu
com o segredo de um mundo da bolha.

Após alguns meses insistindo ao Alquimestre e Reitor Philibert Gérin-Trouvé da Universidade


Monde-Lucide, a qual ele dava aulas de Tesla a jovens calouros, teve a permissão de levar
todo seu experimento até sua universidade. E assim preparou a apresentação para seus
colegas e reitores. Os preparos levaram-no a uma exaustão, e na noite da apresentação, o
experimento não funcionou. Aquilo que poderia causar uma catástrofe em sua carreira
quase o destruiu por completo. Ele passou semanas até pôr os pés para fora de casa. E em
uma das longas noites que passou sozinho refletindo o que havia dado errado, balbuciando
e anotando pequenos trechos de cálculos em um papel, ele ouviu a voz de uma mulher lhe
chamando tarde da noite. Olivia Clock Duboisson. A filha de um renomado artista de
relógios ouviu dizer de seu experimento e queria conhecer o jovem professor que se tornou
uma piada. Ela havia estudado seus cálculos como uma obsessão após ter lido sua teoria na
biblioteca da Universidade. Mesmo contrariando avisos de que Bardin havia perdido o
juízo, ela contrariava também os bons modos da sociedade, que diziam para uma dama não
bater na porta de um homem tarde da noite, desacompanhada e sem uma prévia agenda.
Lá estava ela batendo à porta de um homem desconhecido esperando poder dizer a ele o
que havia descoberto.

Bardin nunca recebeu visitas, o que o deixou preocupado em abrir a porta. Olivia se
apresentou e disse que ficou fascinada por seu experimento. Porém viu no relatório algo
que provavelmente o Bardin não havia pensado. Algo que poderia não ser nada, porém
aquilo havia lhe tirado o sono de muitas noites. Disse a ele que por um tempo teve medo
de entrar em contato e ser mal interpretada, ou até parecer uma louca. Bardin não estava
interessado nos motivos por que ela não havia vindo antes. Somente que ela poderia ter
descoberto um erro em seu projeto. Um erro que poderia ter custado toda sua tese.

Olivia entrou na casa a convite de Bardin, se acomodou em uma poltrona massageadora e


com aquecimento, que funcionava a Tesla, e numa noite fria como aquela, não poderia ser
melhor. Após ter recusado pães açucarados, estendeu papéis sobre a mesa de centro da sala,
onde ela ajoelhada no tapete começou a explicar.

Após horas de discussões e vislumbres sobre cálculos intermináveis. Bardin entendeu que
Olívia, mesmo sendo 5 anos mais nova que ele, havia entendido como ninguém sua teoria.
E ela de fato achou algo que explicaria a falha do experimento e por que Bardin não
conseguiu ver novamente o Universo do Triciclo. Após ser observado, aquele universo não
estava mais na mesma localidade em que esteve antes. O que não permitiria vê-lo
novamente. E sua teoria não previa o movimento dessas bolhas. O que dificultaria que visse
o mesmo universo com o mesmo cálculo. E ou ele aprenderia a calcular esse movimento,
que em teoria demoraria 14 minutos de estabilidade, ou ele precisaria apostar em um novo
cálculo de um novo universo para poder fazer sua demonstração.

A felicidade de Bardin foi tanta que ele não se conteve. Colocou uma valsa em seu piano
programado e arrastou Olivia a dançar por sua sala repleta de papéis espalhados. Olivia
tentava ainda falar sobre cálculos enquanto girava pela sala rapidamente guiada pelo
eufórico Bardin, que após a euforia passar a convidou a fazer parte de um novo projeto
mais ousado. Bardin agora não queria mais mostrar à comunidade que o outro universo
existia. Ele queria uma prova mais concreta. Ele queria tocar o outro mundo e trazer uma
prova de que era real, para assim eternizar seus dois nomes na história.

Mesmo após o fracasso de sua primeira demonstração, a universidade estava disposta a dar
recursos para o renomado Bardin poder tentar novamente. Porém Bardin precisou apelar
a seu status social para conseguir um financiamento muito maior do que o primeiro. Afinal
seu novo passo seria muito maior do que o primeiro. O Alquimestre Trouvé prometeu tal
financiamento somente se a demonstração pudesse ser no centro da universidade em meio
a outros catedráticos e alunos e pessoas renomadas da sociedade. Trouvé havia feito tal
exigência para ver se, com medo do fracasso passado, Bardin recuasse quanto à quantia
solicitada. Porém Bardin aceitou com muita certeza em seu olhar. Um homem de tal
posição precisaria estar muito certo para arriscar toda sua carreira e renome daquela
maneira.

Após quase 4 meses de trabalho duro, o projeto estava pronto para ser apresentado à
comunidade. E a data escolhida para o experimento foi o dia em que Bardin completaria
30 anos. Certo de que essa data comemorativa estaria de acordo com tal realização e seria
o maior presente que ele poderia receber. Por ser seu aniversário Olivia lhe presenteou com
um dos relógios que seu pai havia construído a seu pedido. Era certo que esses meses de
trabalho aproximaram Bardin e Olívia muito mais do que deveria. Mas nenhum dos dois
teria coragem de admitir. Bardin via nela uma genial mente e uma possível futura esposa.
Já que nunca havia pensado nisso antes. Olívia via em Bardin um homem corajoso e
brilhante. Porém, ainda lhe faltava alguma prática em cortejos. Mas ambos mantiveram
seus pensamentos sobre tais propostas para si, tinham em mente que o projeto era mais
importante do que qualquer desvio de atenção que essas relações estranhas poderiam
causar.

Assim que Bardin ligasse a chave, teria apenas 14 minutos para vislumbrar o que havia do
outro lado da bolha e nesse tempo trazer algo consigo. Em teoria, a universidade deveria
existir do outro lado. O que era possível ser visto de vidro instalado na máquina batizada
de Fisalidas, uma referência a uma linguagem antiga para a palavra bolhas.

Todos estavam sentados em palanques criados em volta do experimento. Professores,


Alunos, Nobres, Regentes, Governantes e Magistrado. Havia muita discussão sobre o que
fazer se o experimento desse certo.

Olívia deu um abraço em Bardin antes que ele entrasse no maquinário e tentou dizer algo
que o barulho provocado pelas engrenagens não permitiu ser ouvido. Só fizeram um lugar
naquele maquinário de tubos e metais cercavam uma cadeira com alavancas. O vidro para
ver onde a máquina o levaria estava na frente de sua cabeça. E em teoria ele deveria,
enquanto em outro universo, ver a plateia pelo vidro. Ao menos era o que Bardin esperava.
Ele estava eufórico e nervoso, e somente consentiu com a cabeça para que os aparelhos
pudessem ser ligados.

A contagem regressiva começou e a máquina foi ligada. Para o espanto de todos, o centro
universitário era possível ser visto do outro lado do pequeno vidro colocado à frente de
Bardin. Como o evento seria tarde da noite, nesse centro universitário não haviam outras
pessoas vagando. As pessoas ficaram eufóricas quando a máquina se ligava devagar com
cada pulso tesla que ligava cada bobina. Os cálculos estavam corretos. Nenhum dos
participantes ali presente estavam em risco. Todo processo ocorreria somente dentro da
delimitação da máquina. Bardin puxou a alavanca central e em um piscar de olhos todos
haviam desaparecido de sua volta, junto com todo o barulho ambiente.

Era possível ver que os corredores haviam mudado. O piso estava levemente mais claro do
que o de sua universidade. Algo fez com que algumas vidraças quebrassem. Era perceptível
que deveria ser um dos efeitos não planejados da máquina. E depois de alguns segundos
vislumbrando sua volta, Bardin reparou que não era mais possível ver seu universo pelo
vidro. O pânico se instaurou em seu coração enquanto ele percebia que a máquina não
conseguia mais encontrar seu mundo. Ele deixou para trás o objetivo de procurar algum
objeto para que pudesse levar de volta. Ele sabia que tinha menos de 14 minutos para
conseguir recalcular. Minutos que ele estava acompanhando pelo relógio dado por Olívia.

Bardin demorou cerca de 8 minutos para fazer os novos cálculos e reparar algo que mudaria
sua vida para sempre. Era como se uma faca estivesse enfiada em seu coração. Ele gritava
“Pelo amor de Deus não! ” Mas as contas batiam com sua nova perspectiva. Ele encontrou
o motivo dos cálculos não terem batido para encontrar o universo do triciclo novamente.
Em seus novos cálculos ele acabou percebendo que quando se atravessa a bolha mesmo que
com apenas raios de luz provenientes de uma bobina tesla, um dos universos em contato
se colapsa e deixa de existir. Como bolhas de sabão estourando. Então, de acordo com tal
observação. Bardin nunca mais encontrou o universo do triciclo por que ele deixou de
existir no momento em que o vidro parou de mostra-lo. E agora, ele era o responsável pelo
maior genocídio que alguém poderia imaginar. Bardin havia acabado de destruir todo o
universo que conhecera. Todas as pessoas que existiam em sua memória haviam deixado
de existir em um piscar de olhos assim como também fez com o universo do triciclo. E
agora ele estaria preso para sempre nesse novo mundo. Um mundo que não imaginaria o
quanto ele é um monstro perigoso. O destruidor de universos.

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