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Colonial: Consolidação
e Tensões Sociais
Material Teórico
A Crise do Sistema Colonial
Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
A Crise do Sistema Colonial
·· Introdução
·· Conjuntura Mundial: Aspectos Econômicos
·· Revoltas Coloniais
·· Considerações Finais
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Unidade: A Crise do Sistema Colonial
Contextualização
“a substância da nação [portuguesa] e sua riqueza vemos por largo tempo passar aos
estrangeiros, em troca de gêneros que ou de si cresciam em nossas terras ou pouca indústria
precisava para naturalizá-los.”
(Abade Correia da Silva, em 1780, nas “Memórias econômicas” da Academia Real das
Ciências de Lisboa)
“(...) é demonstrativamente certo que, sem o Brasil, Portugal é uma insignificante potência.”
(ministro Martinho de Melo e Castro ao Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa, séc. XVIII)
Todas elas expressam a percepção de homens da época colonial a respeito da crise que se
agigantava em diferentes frentes. Tente preencher as entrelinhas destes documentos, refletindo
sobre que acontecimentos ou processos históricos, nacionais ou mundiais, seus autores estão
falando. Atenção às datas. Suas conclusões serão pistas de quais foram as forças econômicas,
culturais, políticas e sociais que contribuíram para o declínio do mundo colonial, e deverão
acompanhá-los na leitura do material teórico, quando tentaremos ligar esses pontos.
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Introdução
Este material inicia uma série de três unidades que devem ser lidas como parte de um
mesmo tema geral: o longo processo de declínio do mundo colonial e de formação das bases
sobre as quais ocorreu a emancipação política do Brasil. Essa visão de conjunto é necessária
para perceber como os eventos estudados nestas três aulas compõem uma totalidade, uma
articulação histórica que explica o fim da colonização. Nosso esforço deve ser, portanto, o de
abandonar narrativas históricas simplistas, unilaterais, que elegem um único fator como decisivo
para a independência, procurando, ao contrário, estabelecer conexões entre diferentes assuntos
e esferas da sociedade colonial tardia.
Nesta unidade, trataremos da chamada crise do Antigo Regime, examinando, nos planos
nacional e internacional, suas dimensões econômica, cultural e política. Também mapearemos
algumas das revoltas coloniais que antecedem os movimentos separatistas, procurando relações
entre elas e a conjuntura de crise. É recomendável dedicar atenção especial para as datas
mencionadas aqui e no restante do curso. Isso porque organizamos essas aulas de maneira
temática, o que significa que falaremos de eventos dos séculos XVII, XVIII e XIX sem respeitar
necessariamente a sequência cronológica em que eles ocorreram.
Por volta da década de 1750, ocorreu na Inglaterra a chamada Revolução Industrial. Seria
errado imaginá-la como um movimento deliberado de modernização da manufatura, fruto
de alguma vontade política. A Revolução Industrial foi, na verdade, a resultante de uma teia
de processos históricos, alguns conscientes, outros não, que de algum modo se entrecruzaram
naquele período e culminaram nessa alterção profunda da dinâmica econômica mundial.
Alguns desses fatores foram: a facilidade de crédito para a indústria inglesa, dada a profusão
de instituições bancárias fundadas no período; as inovações tecnológicas introduzidas na
produção – como a máquina a vapor e, mais tarde, o uso de combustíveis fósseis; a melhoria
da infra-estrutura para o transporte de matéria-prima e bens manufaturados (canalização de
rios, por exemplo); e a abundância de mão-de-obra barata nas cidades, resultado da política
de cercamento dos campos comunitários que forçou a saída das massas camponesas de suas
terras de origem.
As colônias americanas, incluindo o Brasil, também deram sua parcela de contribuição
para esse quadro: delas vieram boa parte do capital que irrigou os mercados europeus e pôde
financiar a industrialização inglesa – o que já abordamos na aula sobre o sistema colonial.
A revolução britânica abarcou também fenômenos de natureza não industrial. Um deles é a
recuperação da economia global por volta da década de 1730, depois da crise do século XVII.
Outro é a chamada “revolução agrícola”, isto é, o aumento espetacular da produtividade do
campo pela introdução de novas técnicas de cultivo. Esse processo desencadeou ainda um
crescimento da população inglesa, uma “revolução demográfica”, ligada à queda das taxas de
mortalidade infantil por conta da maior abundância dos alimentos.
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Unidade: A Crise do Sistema Colonial
Por fim, é importante entender que a Revolução Industrial, embora capitaneada pelos
britânicos, não foi um fenômeno exclusivamente nacional. No século XVIII, formaram-
se bolsões industriais ou de produção agrícola modernizada na França, na Alemanha e na
Espanha. Portugal também tentou consolidar sua manufatura no fim do século, mas o processo
foi abortado após as invasões napoleônicas e a fuga da família real em 1808.
Esse panorama permite captar três consequências fundamentais da revolução: o aumento
irreversível na produtividade média da indústria; a nova hegemonia global, transferida para a
Inglaterra; e, finalmente, a necessidade sentida por todos os países de reorganizarem seus modelos
econômicos para enfrentarem os desafios impostos pela nova dinâmica mundial. Esses três
elementos são fundamentais para compreender a natureza da crise da colonização portuguesa.
Dessa conjuntura emergiram, no plano das ideias, a doutrina fisiocrática e, principalmente,
o liberalismo econômico, sintetizado por Adam Smith na obra A riqueza das nações, de 1776.
A diferença fundamental entre as duas escolas diz respeito à opinião de seus autores sobre a
fonte primeira da riqueza: para os fisiocratas franceses, era a terra; para os liberais ingleses, a
manufatura. À parte dessa divergência, todos eram unânimes na defesa do livre mercado e da
ideia de que a lei natural de oferta e procura deveria regular os preços das mercadorias. Com
o novo protagonismo britânico, essas ideias anti-intervencionistas passaram a exercer enorme
importância sobre a economia mundial.
É evidente que essa crítica ao mercantilismo se dirigia também a um dos mais importantes
mecanismos protecionistas do Antigo Regime: o pacto colonial. Havia razões bastante concretas
por trás dessa defesa doutrinária: a Inglaterra precisava cada vez mais de novos mercados para
poder escoar sua impressionante produção industrial. Assim, a partir das últimas décadas do
século XVIII, os ingleses pressionaram os países europeus a adotar o livre comércio em seus
domínios de ultramar e abandonar a proteção alfandegária. Firmaram acordos comerciais com
as américas portguesa e espanhola, intensificaram o contrabando e se aliaram aos comerciantes
locais interessados em driblar leis de exclusividade impostas pelas metrópoles. Em Portugal, que
no período era extremamente dependente dos britânicos, o impacto dessas políticas foi enorme.
Outro golpe desferido no sistema colonial português foi a pressão mundial pelo fim da
escravidão, base da produção brasileira. Embora sustentado pela retórica iluminista (o que
veremos adiante), a causa econômica do movimento foi a necessidade inglesa de criar novos
mercados consumidores, o que não poderia existir em regiões sem uma massa trabalhadora
assalariada. A França, em plena revolução, abandonou o trabalho compulsório em 1794 (o que
seria revogado em 1802, já sob Napoleão), e a Inglaterra fez o mesmo em 1807. A campanha
anti-escravista internacional se associava no Brasil à intelectualidade abolicionista e aos próprios
movimentos de resistência negra, embora só fôssemos assistir ao apogeu desses conflitos no
período imperial.
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Por conta da conjuntura econômica das décadas precedentes, a Europa assistiu no final do
século XVIII à consolidação de uma imensa classe burguesa cada vez mais importante política
e economicamente. Por meio dos impostos, ela sustentava, junto com o restante do chamado
Terceiro Estado, isto é, do povo, a aristocracia tradicional que, por sua vez, gozava de privilégios
políticos exclusivos e via-se ameaçada pelo avanço de reformas que beneficiassem a nova elite
empreendedoda. Assim se formou a contradição básica entre nobreza de sangue e burguesia.
Países como a Inglaterra conseguiram acomodar esse conflito, mas não a França, onde eclodiu
em 1789 a revolução. Vale a pena elencar seus resultados políticos diretamente ligados à crise
que estamos estudando: declaração da igualdade perante a lei de todos os membros da nação;
fim dos privilégio de nascimento; eliminação do que restava do ordenamento jurídico feudal;
instituição da representação política dos cidadãos, não dos três Estados, por meio de eleições
(a princípio censitárias); formulação de um conceito inovador de legitimidade dos governos,
baseado na vontade do povo, não no direito de nascença do rei – uma legitimidade que podia,
portanto, ser revogada por esse mesmo povo.
Guardadas as inúmeras diferenças entre cada processo histórico, a Revolução Americana
de 1776 foi inspirada por esse mesmo ideário político geral. Sua singularidade, especialmente
importante para entender seu impacto na relação entre Portugal e Brasil, é a de ser a primeira
independência bem sucedida de uma colônia europeia nas Américas.
Outra emancipação política extremamente importante para o nosso continente, embora não
tanto em escala global, foi a do Haiti, colônia francesa nas Antilhas. A guerra revolucionária,
que durou de 1792 a 1804 e também foi chamada de Revolta de São Domingos, teve impacto
profundo sobre as elites coloniais por três principais motivos: em primeiro lugar, a proximidade
do Haiti com as demais colônias americanas; em segundo, a enorme violência da revolta contra
a antiga elite do país; em terceiro, o fato de ser uma revolução protagonizada pela massa de
escravos, o que explica o temor causado pela independência haitiana num país como o nosso,
com milhões de negros cativos espalhados pelos campos e cidades.
Todos esses elementos compuseram a longa transição de uma sociedade de ordens para uma
sociedade de classes. Os últimos anos do século XVIII foram, portanto, o cenário do fim do Estado
absolutista e do Antigo Regime, modelo político que dava sentido à existência do pacto colonial.
As elites de Portugal e Brasil acompanharam de perto todos esses eventos. Assistiam, portanto,
à infiltração de ideias políticas novas e extremamente sedutoras, que aqui se chocavam com uma
sociedade pré-industrial e atrelada a um ordenamento social arcaico e em franca decadência.
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deixaram o país, a lucratividade da venda do açúcar já havia atingido um patamar estável
e parado de crescer. A partir do século seguinte, o preço do produto entrou em queda, só
interrompida durante uma recuperação curta e passageira nas últimas décadas do século XVIII.
O declínio do ciclo do ouro ocorreu no mesmo período, sem contar as invasões espanholas que
precisaram ser combatidas na região do rio da Prata.
A Coroa precisou responder a esse quadro preocupante. As soluções são conhecidas: aumento
de impostos, controle direto sobre a arrecadação, regulação ainda mais restritiva do comércio
com nações estrangeiras; mas não somente isso, também surgiram medidas politicamente mais
sofisticadas, que buscavam reestruturar e “curar” o sistema colonial desde dentro: as reformas
do período pombalino.
A nomenclatura faz referência a Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de
Pombal, ministro do rei Dom José I. Entre 1750 e 1777, ele introduziu (ou tentou introduzir)
elementos modernizantes no esqueleto arcaico do sistema colonial, conduzindo um programa
essencialmente centralizador e voltado a melhorar a eficácia da máquina de exploração colonial
frente à nova conjuntura política e econômica.
O cerne das reformas pombalinas foi a racionalização do Estado colonial. Sua principal
arma, foi a criação de uma burocracia bem treinada e especializada, oposta à aristocracia que
dominava os cargos públicos. Na esteira desse processo, veio a reforma do sistema judiciário,
cuja principal conquista foi a revisão da lei portuguesa para eliminar privilégios típicos da
sociedade estamentária (não todos, mas somente aqueles que se chocavam com os interesses
do Estado) e aproximar o Direito luso ao modelo das nações liberais.
Do ponto de vista econômico, o período pombalino foi marcado pelas políticas de incentivo.
Elas atingiram, num primeiro momento, os setores de exportação, principalmente os agrícolas,
com a garantia de linhas de crédito, isenção fiscal, regras monopolistas e tudo o mais que ajudasse
a reaquecer esse ramo importante do comércio colonial. Mais tarde, entre 1769 e 1777, essas
políticas incluíram também os setores industriais, com o Estado protegendo financeiramente as
poucas manufaturas da colônia e estimulando a criação de novas. As Companhias Gerais do
Comércio do Grão-Pará e Maranhão, de 1755, e de Pernambuco e Paraíba, de 1759, foram
instrumentos criados justamente para viabilizar esse amplo programa de incentivos. Durante seus
vinte anos de existência, e apesar de muitas controvérsias, elas conseguiram de fato recuperar
parte da pujança econômica daquelas regiões, dominadas no período por comerciantes ingleses.
Por uma série de motivos, a estratégia do Marques de Pombal não surtiu o efeito desejado.
O principal desses motivos é o protagonismo excessivo da burocracia estatal na condução
das reformas de cima para baixo. Uma verdadeira modernização necessitava da participação
ativa da burguesia, classe ainda incipiente tanto em Portugal como no Brasil. Os partidários de
Pombal caíram, assim, na armadilha de fomentar um ensaio de modernização no interior de
uma sociedade presa aos quadros do Antigo Regime. Essa contradição essencial paralisou sua
agenda reformadora.
Portugal não conseguiu, portanto, solucionar a miríade de problemas que enfrentava. Suas
estruturas eram enfraquecidas pela acentuação da crise econômica entre 1766 e 1769 (pior
momento da história econômica do país desde o século XVII), pelo colapso da mineração, pelo
declínio dos preços do açúcar, por conta de gastos com a reforma da burocracia, do combate
às invasões estrangeiras na porção da América que lhe pertencia, entre tantos outros fatores.
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Unidade: A Crise do Sistema Colonial
Da segunda metade do século XVIII até 1808, a história do império foi condicionada a três
problemas sem solução aparente: a dependência em relação à Inglaterra, a dependência cada
vez maior das rendas provenientes do Brasil e os impactos da crise econômica.
Revoltas Coloniais
O último elemento deste panorama são os conflitos que eclodiram na América Portuguesa
ao longo dos séculos XVII e XVIII. Eles contribuíram para o agravamento geral da crise de
várias formas: criaram instabilidades regionais, prejudicaram setores produtivos importantes da
economia colonial, geraram gastos para a Coroa quando precisaram ser reprimidos militarmente.
As causas desses levantes são diversas, e é preciso cuidado para não interpretá-los pela ótica
do conceito contemporâneo de “revolução”. Tratamos aqui de movimentos inseridos no quadro
de relações sociais e de mentalidades do Antigo Regime, cuja especificidade é justamente o
consenso a respeito da natural desigualdade entre pessoas e grupos. Assim, o intuito dessas lutas
era o de corrigir distorções, combater o “mal governo” ou repor uma antiga ordem tida como
mais justa, mas nunca o de defender um ideal iluminista de igualdade. A palavra revolução
equivalia no período a “retornar a um ponto inicial”, em consonância com seu significado na
astronomia. Nesse contexto, a marca do “bom governo” era dar a cada um o que lhe era de
direito, preservando as desigualdades essenciais.
Os próprios métodos adotados acompanhavam essa divisão entre ordens. Os motins e
comoções eram revoltas típicas das camadas baixas. Eram descentralizados, tumultuados,
por vezes violentos, ocasionados por crises de abastecimento, aumento de impostos, isto é,
pelos problemas que sempre afetam mais diretamente os pobres. Outra característica é que se
direcionavam contra administradores locais, já que o rei continuava sendo a encarnação da
nação e da justiça no imaginário popular. Na outra ponta, a elite lançava mão de estratégias
mais adequadas ao ambiente da corte: dissimulação, convencimento, formação de alianças,
aproximação junto ao rei ou figuras importantes do governo. Esse é um tipo de resistência
mais caro a Portugal, já que não houve sociedade cortesã expressiva na colônia. Entre os dois
pólos estava a “conjura”: conspiração planejada nos bastidores, capitaneada por uma elite
cujas intenções permaneciam ocultas até o último minuto, e consumada em revolta de fato
envolvendo setores da população comum.
Examinemos alguns desses movimentos na América Portuguesa.
No Maranhão, em 1684, estourou a chamada Revolta de Beckman. A Coroa portuguesa
instituíra, quatro anos antes, a proibição da escravização dos nativos, o que gerou um grave
problema de falta de mão-de-obra. Para ter uma ideia da importância do trabalho indígena
para o Maranhão, os jesuítas chegaram a ser expulsos de lá em 1661 por conta da sua defesa da
liberdade dos povos autóctones. A Coroa criou em 1682 uma Companhia de Comércio visando
a conseguir bons preços na importação de alimentos para a província e garantir a entrada de
escravos africanos, resolvendo o problema da mão-de-obra e fomentando o desenvolvimento
local. Nenhum desses objetivos foi cumprido a contento e os colonos reagiram.
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Liderada por Manuel Beckman, fazendeiro abastado e liderança política regional, a revolta
uniu membros do clero, parte da elite econômica e a população comum para expulsar
novamente os jesuítas, extinguir a Companhia de Comércio e, finalmente, depor o governador-
geral, fazendo do Maranhão uma província independente, governada por Beckman. A revolta
durou um ano e terminou com a chegada de uma frota portuguesa que retomou o controle do
estado e reinseriu os jesuítas, embora não tenha conseguido refundar a companhia de comércio.
Beckman foi capturado e enforcado.
Décadas depois, já no século XVIII, eclodia em São Paulo um dos conflitos mais importantes
da época colonial: a Guerra dos Emboabas (1708-1709). Essa é uma das lutas ligadas
diretamente ao ciclo do ouro na região de Minas Gerais. Por terem descoberto as primeiras
jazidas, que estavam em terras da sua capitania (as capitanias ocupavam faixas territoriais
enormes que iam do litoral até o extremo oeste da colônia), os paulistas queriam exclusividade
no controle da exploração. Com o afluxo intenso de forasteiros para as zonas mineradoras e a
consequente disputa pelo espaço, começaram as agressões. Esses estrangeiros eram chamados
pejorativamente de “emboabas”, palavra indígena para se referir às aves com as patas cobertas
de penas. Como os recém-chegados protegiam seus pés com botas ou panos enrolados, os
paulistas, acostumados a andar descalços, deram-lhes o apelido.
A guerra foi aplacada com a criação de normas para regular a conceção de minas a paulistas
e emboabas. Os primeiros saíram bastante prejudicados: perderam várias jazidas e precisaram
lançar novas marchas para o sertão que culminaram com a descoberta de ouro no Mato Grosso
em 1718. De um modo geral, a metrópole resolveu o conflito centralizando o controle sobre a
produção aurífera, o que se fez pela instituição da cobrança do quinto, pela criação da capitania
das Minas de Ouro, ligada diretamente à Coroa e independente de São Paulo, e pela fiscalização
direta das terras auríferas. O modelo econômico resultante dessas medidas já foi estudado nas
unidades anteriores do curso.
Um ano mais tarde, em Pernambuco, começava a Guerra dos Mascates (1710). No bojo da
crise do açúcar do século XVII, as lavouras canavieiras do nordeste estavam em decadência e a
elite agrária de Olinda, a mais tradicional da região, viu-se enfraquecida politicamente e coberta
de dívidas. Os comerciantes do Recife, por outro lado, colhiam os frutos das três décadas de
presença holandesa no nordeste e viam seu povoado crescer espetacularmente, passando,
inclusive, à posição de credotes dos fazendeiros olindenses.
A disputa se tornou pública em 1709, quando D. João V elevou o Recife à categoria de vila.
Olinda, a mais antiga e mais importante vila da capitania, protestou, e a guerra explodiu um ano
depois por conta dos impasses a respeito da demarcação das novas fronteiras. A luta armada
durou meses, mas as tensões só foram aplacadas em 1714, com a anistia aos presos políticos
de ambos os lados. O nome do conflito vem do apelido pejorativo dado pelos senhores de
engenho de Olinda aos mercadores recifenses.
Há uma série de outros levantes coloniais documentados. Em 1720, Filipe dos Santos
comandava em Vila Rica (atual Ouro Preto), Minas Gerais, uma revolta contra as recém-criadas
Casas de Fundição reais, instituição por onde deveria passar todo o ouro descoberto a fim de
ser derretido, transformado em barras e devolvido a seu dono com o quinto já devidamente
descontado. Uma década antes, em 1711, ocorriam na Bahia os dois Motins do Maneta –
o primeiro contra um aumento de impostos e o segundo, meses depois, cobrando ações do
governo contra uma ameaça de invasão francesa. Sem contar sublevações mais desconhecidas
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do século XVII, como a Conjuração de Nosso Pai de 1666, em Pernambuco, a revolta contra
Salvador Correia de Sá e Benevides em 1660, no Rio de Janeiro, ou a Aclamação de Amador
Bueno de 1641, em São Paulo, intimamente relacionada ao fim do período de União Ibérica
e de forte caráter religioso ou messiânico. Além, é claro, das incontáveis batalhas dos colonos
contra a resistência negra nos quilombos.
O importante aqui é salientar que nenhum desses acontecimentos tinha uma agenda separatista,
e tampouco podem ser considerados “precursores” dos movimentos de independência do final
do século XVIII e início do XIX. Não são, sob esse aspecto, consequências do quadro geral de
crise que descrevemos ao longo da unidade, mas sim partes constituintes dele, elementos que
se somaram aos demais para desgastar as relações coloniais e enfraquecer o poderio português,
preparando terreno para levantes posteriores que, aí sim, buscavam a emancipação.
A verdadeira articulação entre essas revoltas e a crise do Antigo Regime está no fato de
que elas expressam no plano concreto, dos acontecimentos imediatos, a falência gradual e
oculta das grandes estruturas político-econômicas de uma época, ou simplesmente acusam a
existência de contradições latentes no interior de um sistema social mesmo durante seu apogeu.
Podem ser vistas, portanto, como espécies de “sintomas” da doença que acometia o corpo das
relações coloniais.
Considerações Finais
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Unidade: A Crise do Sistema Colonial
Referências
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Edusp, 2009.
HESPANHA, Antonio Manuel. Caleidoscópio do Antigo Regime. São Paulo: Alameda, 2012.
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa, 1789-1848. 22. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2007.
NOVAIS, Fernando A. O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial. In: MOTA, Carlos
Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. 6. ed. São Paulo: Difel, 1975.
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Anotações
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