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Ricardo L. C.

Antunes
O QUE É SINDICALISMO
Verso
O ressurgimento da ação sindical foi um fato marcante na história recente do
Brasil. Para entender a importância desse acontecimento ê preciso discutir o
significado da organização dos trabalhadores na história da humanidade. O livro
do sociólogo Ricardo Antunes nos reporta às origens do movimento sindical, analisa
suas várias vertentes e aponta seus limites no interior da sociedade capitalista.
Além disso, o autor faz um balanço do sindicalismo brasileiro, desde o surgimento
das primeiras organizações de auxilio mútuo até a formação das Centrais Sindicais
nos últimos anos.

SUMÁRIO
Apresentação .......................................... 7
PRIMEIRA PARTE
Origens, evolução e importância dos sindicatos
O advento do capitalismo e o papel dos sindicatos. 10 O nascimento do sindicalismo
e das lutas
operárias: os trade-unions ......................14
A evolução do sindicalismo e suas várias concepções: anarquista, reformista,
cristã,
corporativistae comunista ......................19
A importância da atuação dentro dos sindicatos
operários ....................................................26
A luta pelo sindicato único .....................29
Os limites do sindicalismo e o papel do partido político 32
SEGUNDA PARTE O Sindicalismo no Brasil
As origens ................... . . . . . . . . . 38
A superação do anarquismo .......... 42
Getúlio Vargas no comando do Estado . .
O ressurgimento das lutas sindicais no Brasil no período de 1945-64 . . .
. . . . . . . . . . . . . 50
O avanço das lutas sociais durante o Governo
Goulart ......................... . .54
A longa noite do sindicalismo brasileiro . . . . 58
Retomada da luta contra o arrocho salarial ou greves de Osasco e Contagem em
1968 . 60
Maio de 78: as máquinas param; a classe operária volta à cena. Março de 79: os
braços novamente estão cruzados: começa a nascer a democracia . ’
. . . . . . . . . 63
A década de 80: anos de mudança no sindicalismo brasileiro — o nascimento da
CUT e da CGT . . . . . . . . , . • 67
Para onde vão os sindicatos . . . . . . . . . . . . . 76
Indicações de Leitura .................... . . . . . . 80

APRESENTAÇÃO
O ressurgimento da luta sindical no Brasil foi, para muitos, algo inesperado.
Para alguns porque, apesar de interessados, simplesmente desconheciam o que
efetivamente se passava no mundo do trabalho. Para outros porque
premeditadamente faziam questão de ignorar as reais condições de vida dos
trabalhadores. Havia também aqueles que ainda acreditavam, apelando pára afalsa
idéia da “passividade” do povo brasileiro, este encontrar-se resignado com o lugar
que lhe tinha sido destinado na sociedade. A todos eles — e a outros ainda —, o
ressurgimento do movimento sindical foi uma surpresa.
Este pequeno livro pretende destacar que esta “surpresa” era algo previsível no
desenrolar dos acontecimentos que envolviam a classe operária, sua história e seu
sindicalismo. Para tanto, introduz algumas questões preliminares para todos
aqueles que, envolvidos ou não na condição de assalariados, buscam principiar no
entendimento do que é o sindicalismo.
Daí que nos parece desnecessário frisar que ele foge a todas as regras de um
trabalho acadêmico. Se não bastasse o seu caráter meramente introdutório,
destina-se especialmente àquelas pessoas cujo cotidiano se desenvolve fora dos
muros da universidade.
Sob estas condições este texto foi concebido.
Nele se encontram duas partes: a primeira mostra as origens do sindicalismo,
suas várias concepções, sua importância e os seus limites dentro da sociedade
capitalista moderna. A segunda faz um sintético balanço da história do movimento
sindical brasileiro, destacando seus principais momentos, desde a criação das
organizações de auxilio mútuo na segunda metade do século XIX até os embates
mais recentes desencadeados pelo movimento dos trabalhadores.
RICARDO ANTUNESr

1ª Parte ORIGENS,
EVOLUÇÃO E
IMPORTÂNCIA DOS
SINDICATOS"
O advento do capitalismo e o
papel dos sindicatos
"Os sindicatos representaram, nos primeiros tempos do desenvolvimento do capitalismo, um
progresso gigantesco da classe operária, pois propiciaram a passagem da dispersão e da
importância dos operários aos rudimentos da união da classe. ’’
A sociedade capitalista encontrou em meados do século XVIII plenas
condições para a sua expansão. O intenso desenvolvimento das máquinas,
substituindo a produção artesanal e manufatureira, consolidou o capitalismo, que
agora ingressava na fase industrial.
0 maquinismo desenvolveu-se prodigiosamente, tornando-se mesmo uma lei
imperativa para os fabricantes capitalistas na concorrência que faziam entre si,
em busca de maiores lucros. Porém, o emprego da força mecânica e das máquinas
nos novos ramos industriais, assim como a utilização de máquinas mais avançadas
em ramos já mecanizados, deixaram sem trabalho um grande número de operários.
Esse excedente de mão-de-obra substituído pela máquina fortaleceu ainda mais o
capitalista que, a partir de então, passou a pagar um salário ainda mais humilhante
para os operários.
Neste momento a divisão da sociedade atingiu sua plenitude; constituíram-se
as duas classes fundamentais e antagônicas que compõem a sociedade capitalista.
De um lado os capitalistas, que são proprietários dos meios de produção, como as
máquinas, matérias-primas e que vivem da exploração da grande massa da
população, e, de outro, os proletários, que se encontram privados de toda a
propriedade dos meios de produção e que só dispõem de sua força de trabalho,
isto é, da sua capacidade de produzir. Noutras palavras, o produto criado pelo
trabalho do operário passou a ser apropriado pelo capitalista. E subsiste dentro da
sociedade capitalista a Lei do Salário que, como demonstrou Engels em seus
Escritos sobre o Sindicalismo, acarretando cada vez mais a diminuição da
remuneração do trabalhador, reforça as cadeias que tornam cada vez mais o
operário escravo do produto gerado pelas suas próprias mãos. Essa tendência ao
rebaixamento dos salários atinge um nível tal, que só é suficiente para a
reprodução do trabalhador, forçando-o a uma jornada de trabalho extenuante,
cheia de “horas extras”, além de ver sua mulher e filhos, estes na maioria das
vezes ainda em idade precoce, trabalhando sob condições desumanas.
Como decorrência dessa situação, os operários, que inicialmente não dispõem
de outra coisa senão sua força de trabalho, subordinam-se aos interesses e à
força do capital, mantendo com esse uma relação sempre desigual. A grande força
que possuem é, em contrapartida, a sua quantidade.
Essa quantidade, porém, é anulada quando há desunião entre a classe, o que não
acontece com os capitalistas que, facilitados pelo seu reduzido número,
encontram-se sempre organizados e coesos na defesa da propriedade privada e
dos lucros. Os operários encontrarão em suas organizações próprias condições
para dispor de um meio de resistência eficaz contra essa pressão constante pela
baixa de salários.
É neste momento que surgem os sindicatos; estes nasceram dos esforços da
classe operária na sua luta contra o despotismo e a dominação do capital. Os
sindicatos têm como finalidade primeira impedir que os níveis salariais se
coloquem abaixo do mínimo necessário para a manutenção e sobrevivência do
trabalhador e sua família. Os operários unidos em seu sindicato colocam-se de
alguma maneira em pé de igualdade com o patronato no momento da venda de sua
força de trabalho, evitando que o capitalista trate isoladamente com cada
operário. Esta é a função primeira dos sindicatos: impedir que o operário se veja
obrigado a aceitar um salário inferior ao mínimo indispensável para o seu sustento
e o da sua família.
Os sindicatos são, portanto, associações criadas pelos operários para sua
própria segurança, para a defesa contra a usurpação incessante do capitalista,
para a manutenção de um salário digno e de uma jornada de trabalho menos
extenuante, uma vez que o lucro capitalista aumenta não só em função da baixa de
salários e da introdução das máquinas, mas também em função do tempo excessivo
de trabalho que o capitalista obriga o operário a exercer.
A atuação dos sindicatos baseia-se nas lutas cotidianas da classe operária. Mas
além disso, os sindicatos constituem- se também força organizadora da classe
operária na luta pela supressão do sistema de trabalho assalariado. Devem ser
considerados como centro de organização dos operários visando sua emancipação
econômica, social e política.
O sindicato, ao tornar-se representante dos interesses de toda a classe
operária, conseguiu agrupar em seu seio todos os assalariados que não estavam
organizados, evitando que o operário continuasse sua luta isolada e individual
frente ao capitalista. A partir do momento em que os operários constituíram suas
organizações de classe, ficou mais difícil para o capitalista baixar
desmesuradamente o salário ou aumentar excessivamente a jornada de trabalho.
Presentemente os sindicatos são instituições reconhecidas e sua ação é
admitida como fator de regulamentação e fiscalização dos salários, da jornada de
trabalho e da legislação social. E graças à ação sindical que a Lei dos Salários é
controlada pelos próprios operários. Mais ainda: o papel dos sindicatos ó fornecer
aos operários alguns meios de resistência na sua luta contra os excessos do
capitalismo. Essa luta subsistirá enquanto a redução dos salários continuar a ser o
meio mais seguro e mais fácil para o capitalista aumentar seus lucros, ou seja,
enquanto durar o próprio sistema de salário. A simples existência dos sindicatos é
a prova disso: se não lutassem contra a usurpação do capital, diz Engels, para que
serviriam?
Os sindicatos representaram, conforme acrescentou Le- nin, nos primeiros
tempos do desenvolvimento do capitalismo, um progresso gigantesco da classe
operária, pois propiciaram a passagem da dispersão e da impotência dos operários
aos rudimentos da união de classe.

O nascimento do sindicalismo e
das lutas operárias: os
trade-unions
“Se a história das organizações sindicais inglesas teve momentos de derrotas e vitórias, é inegável
que elas constituíram a primeira tentativa efetiva dos trabalhadores de organizarem-se na luta
contra os capitalistas. Ao conseguirem abater a concorrência existente entre os operários
unindo-os e tornando-os solidários em sua luta, ao se utilizarem das greves como principal arma
contra os capitalistas, os operários conseguiram dar os primeiros passos na luta pela emancipação
de toda a classe operária."
A Inglaterra viveu, na segunda metade do século XVIII, um processo de desenvolvimento
intenso. O advento do vapor e das máquinas transformou as manufaturas em grandes
indústrias modernas, criando as novas bases da sociedade capitalista. Vivia-se a etapa da
produção em larga escala. Cada vez mais se acentuava a divisão da sociedade em grandes
capitalistas, de um lado, e proletários, de outro, mediados por uma massa de pequenos
comerciantes e artesãos, segmento flutuante e oscilante da população. O capitalismo
iniciava um processo que ainda haveria de desenvolver, mas já trazia consigo toda uma
gama de transtornos sociais, como a su- perexploração do trabalho, que atingia até 16
horas por dia, a exploração das mulheres e das crianças, o trabalho sem condições
mínimas de salubridade, além da aglomeração da população operária em locais sem as
mínimas condições de vida e habitação.
O intenso desenvolvimento do processo de produção capitalista teve, como já
referimos, a necessidade de recorrer cada vez mais ao uso das máquinas, o que
coadunava com os interesses dos capitalistas que procuravam auferir lucros cada
vez maiores. Vimos também que dentro destas circunstâncias a introdução das
máquinas trouxe a substituição de grandes contingentes de mão-de-obra, que
foram lançados ao desemprego. Oaí as primeiras manifestações de revolta dos
operários visarem a destruição das máquinas, num movimento denominado Ludismo.
Engels, em seu célebre estudo A Situação da Classe Trabalhadora na
Inglaterra, mostrou que a forma mais elementar de luta da classe operária marcou
uma resistência violenta à introdução das máquinas. Os primeiros inventores
foram inicialmente perseguidos e suas máquinas destruídas. Mas essa forma de
revolta era isolada, limitada, e não conseguiu conter o inimigo maior que era o
próprio poder do capitalista. Mais ainda, colocou a sociedade inteira contra os
operários pelo seu gesto considerado brutal. Era pois necessário encontrar uma
forma de oposição mais eficiente e que representasse um avanço nas lutas da
classe operária.
Foi de grande importância para esse avanço a lei votada em 1824 pelo
Parlamento inglês, onde se conquistou o direito que até então era restrito às
classes dominantes: a livre associação. Na verdade as associações sindicais já
existiam na Inglaterra desde o século anterior, mas eram violentamente
reprimidas no desempenho de suas atividades, o que dificultava a organização dos
trabalhadores. Conquistado o direito de livre associação as uniões sindicais —
trade-unions, como as chamam os ingleses — desenvolveram-se por toda a
Inglaterra, tornando-se bastante poderosas. Em todos os ramos industriais, diz
ainda Engels, formaram-se trade-unions com o objetivo de fortalecer o operário
na luta contra a exploração capitalista. As trade-unions passaram então a fixar os
salários para toda a categoria, evitando com isso que o operário atuasse
isoladamente na luta por melhores salários. Passaram também a regulamentar o
salário em função do lucro, obtendo aumentos que acompanhavam a produtividade
industrial e nivelamdo- se a toda categoria.
As trade-unions negociavam com os capitalistas a criação de uma escala de
salários, forçando sua aceitação, e deflagravam greve sempre que esses salários
eram rejeitados. Ante as constantes manobras dos capitalistas, as trade-unions
auxiliavam financeiramente os operários em greve ou desempregados, através das
"Caixas de Resistência”, o que aumentava sobremaneira a capacidade de luta da
classe operária e tornava arriscado para o capitalista diminuir os salários ou
aumentar as horas de trabalho.
Outro avanço que se procurou obterfoi a aglutinação das várias categorias de
uma região numa federação. Em 1830 constituiu-se uma associação geral de
operários ingleses — a “Associação Nacional para a Proteção do Trabalho" — cujo
objetivo era atuar como central de todos os sindicatos. Reuniu operários têxteis,
mecânicos, fundidores, ferreiros, mineiros etc. Na vanguarda deste movimento
encontrava-se o operariado fabril de Lancashire, ocupados nas fábricas de
tecidos. A Associação era liderada por John Doherty (um operário que já nos anos
20 era secretário do Sindicato dos Fiadores de Algodão em Manchester) e reunia
milhares de associados, além de uma publicação periódica, A Voz do Povo. A função
principal da Associação Geral era resistir à diminuição dos salários e dar apoio aos
operáriqé em greve. Uma vez desrespeitado o salário fixado pelas trade-unions,
estas enviavam uma delegação junto ao patronato exigindo a aceitação dos salários
previamente estabelecidos pela escala. Se isso não fosse suficiente a Associação
recorreria à paralisação de todos os operários daquele ramo ou setor. Estas
greves eram parciais, em uma determinada fábrica ou setor de produção, ou
generalizadas, quando atingiam todo um ramo de produção, como os têxteis,
mineradores etc. Estes eram os meios legais utilizados pela Associação Geral e
somente se consolidavam em vitórias quando correspondiam a uma maciça
organização e atuação dos operários.
À medida que surgiam estas associações sindicais, os patrões, através das
demissões, começaram a pressionar e obrigar os operários a renunciar
formalmente a participar da vida sindical. Isso fez com que várias associações
sindicais fossem posteriormente extintas, o que demonstrou quão árdua foi a luta
dos operários pela sua organização nos sindicatos.
Destaque nesta luta das trade-unions inglesas deve ser dado a Robert Owen,
industrial que se tornou posteriormente um dos precursores do socialismo utópico
inglês. Diz Engels em seu ensaio Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico
que, enquanto se limitou ao papel filantrópico e assistencialista, Owen só recolheu
riqueza, aplausos, honra e fama, não só entre os homens de sua classe burguesa,
mas também entre os governantes e o Estado. Contudo, a partir do momento em
que formulou suas teorias socialistas, foi banido e perseguido pelos capitalistas e
peio Estado, além de ser ignorado completamente pela imprensa. Owen
aproximou-se cada vez mais dos interesses da classe operária, onde ainda atuou
durante algumas décadas. “Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais
registrados na Inglaterra no interesse da classe trabalhadora estão ligados ao
nome de Owen. Assim, em 1819, após cinco anos de grandes esforços conseguiu
que fosse votada a primeira lei limitando o trabalho da mulher e das crianças nas
fábricas. Foi ele quem presidiu o Primeiro Congresso em que as trade-unions de
toda a Inglaterra se fundiram numa única e grande organização sindical”: Grande
União Consolidada dos Trabalhadores, criada em 1834 e que se dedicou a
sustentar as greves que eclodiram por toda parte na Inglaterra.
Foi Owen quem organizou as cooperativas de consumo e de produção que
serviram para demonstrar, na prática, que o comerciante ou intermediário e o
proprietário capitalista não são indispensáveis e, por outro lado, organizou ainda
os mercados operários, estabelecimentos de trocas dos produtos por meio de
bônus do trabalho, cuja unidade era a hora produzida. O que Owen não conseguiu
perceber — e por isso foi um socialista utópico — é que a transformação da
sociedade capitalista não seria pacífica e através de reformas, mas sim a partir da
luta violenta entre as classes, conforme mostraram Marx e Engels no célebre
Manifesto Comunista de 1848.
Se a história destas Associações é caracterizada por momentos de vitórias e de derrotas,
é inegável que elas constituíram a primeira tentativa efetiva de organização dos
trabalhadores na luta contra os capitalistas. Ao conseguirem abater a concorrência
existente entre os operários, unindo-os e tor- nando-os solidários em sua luta, ao
utilizarem-se das greves como a principal arma contra os capitalistas, os operários
conseguiram dar os primeiros passos na luta pela emancipação de toda a classe operária.

A evolução do sindicalismo e
suas várias concepções:
anarquista, reformista, cristã,
corporativista e comunista
Desde seu nascimento, os sindicatos mostraram-se fundamentais para o avanço
das lutas operárias. E sua evolução não se limitou à nação inglesa. O crescente
desenvolvimento das atividades industriais em França, Alemanha, E.U.A. e outros
países, já na segunda metade do século passado, fez emergir um proletariado cada
vez mais forte, tanto quantitativa quanto qualitativamente. O movimento sindical
expandiu-se. Floresceram as greves em todo o mundo capitalista, desde os países
mais avançados até aqueles de industrialização mais atrasada. A classe operária
ganhava novas dimensões e avançava na batalha pela sua emancipação; em 1866
realizou-se o Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, reunido
representantes operários de todo o mundo. Lá estavam presentes as idéias
anarquistas de Bakunin, de Proudhon e as idéias comunistas de Marx e de Engels.
Neste Congresso reafirmou-se a importância da criação dos Sindicatos, definida
como uma das taréfas primordiais do proletariado.
“Estas associações devém não só lutar contra os ataques do capital, como
também devem trabalhar conscientemente como locais de organização da classe
operária em busca do grande objetivo que é a sua emancipação radical. Devem
ajudar qualquer movimento social ou político que tenha esta direção.”
O proletariado iniciou um processo de luta, desencadeando desde
reivindicações puramente econômicas até movimentos propriamente políticos,
como o Cartismo na Inglaterra, as Revoluções de 1848 em França e Alemanha e a
célebre Comuna de Paris de 1871. Em todos estes eventos a participação da classe
operária foi decisiva.
No movimento sindical o trade-unionismo, que aspirava a reivindicações
predominantemente econômicas, já não era a única tendência.
Uma segunda tendência emergiu em países como França e Itália, onde a classe
operária ainda não atingira o grau altamente concentrado da indústria inglesa e
onde a exploração capitalista atingia níveis ainda mais violentos. Precursora do
anarquismo, esta segunda corrente se auto-intitulou "revolucionária”. Enfatizando
que a sociedade capitalista não se transformaria através de reformas, os
“sindicalistas revolucionários” acreditavam que somente a greve geral poderia
levar à transformação radical da sociedade. Os principais teóricos desta corrente
foram o francês Georges Sorel e o italiano Arturo Labriola. Eles acreditavam que
a prática da luta exclusivamente econômica, através da ação direta nas fábricas e
da deflagração da greve geral, constituía-se na única forma de ação efetivamente
revolucionária da classe operária. Dizia Sorel que a ação direta violenta e a greve
geral, levando ao conflito as distintas classes sociais, acarretariam uma possível
vitória dos operários, devido à justiça de sua causa, a sua maioria numérica e a sua
superioridade física, esquecendo-se que a isto os patrões contrapõem toda a
violência da força militar e repres- • siva do Estado capitalista. Sorel ainda
rechaçava de antemão a necessidade da luta política, inclusive aquela efetuada no
parlamento, e negava qualquer forma de organização partidária, entendida sempre
como sendo utópica e reacionária. O “mito sorelíano” da greve geral espontânea
caracteriza, segundo o filósofo marxista Georg Lukács, a rebeldia de sua ideologia
pequeno-burguesa e irracionalista, e que cada vez mais se distancia da verdadeira
ideologia do proletariado. Dado o caráter emocional e a ausência do verdadeiro
conteúdo proletário — o que fez com que Lenin o definisse como um “conhecido
confusionista” —, as idéias de Sorel foram demagogicamente exploradas pelo
fascismo de Mussolini.
Uma terceira tendência foi aquela constituída pelos sindicalistas anarquistas
que, coincidindo com os sindicalistas “re- volucipnários”, também negavam
violentamente a luta política e enfatizavam a importância e a exclusividade dos
sindicatos no processo de emancipação da sociedade. Para Bakunin, por exemplo,
os sindicatos, além de “organização natural das massas”, seriam o “único
instrumento de guerra verdadeiramente eficaz” na construção da sociedade
anarquista baseada na autogestão e na negação de qualquer forma de
administração estatal. Proudhon, Kropotkin e Malatesta foram outros teóricos
desta concepção libertária. Embora comportando algumas tendências distintas, o
anarquismo enfatizava o papel do sindicato não só como órgão de luta, mas também
como núcleo básico da sociedade anarquista. A concepção anarquista propagou-se
nos países europeus de menor desenvolvimento capitalista e, consequentemente,
de menor concentração industrial, onde predominavam as pequenas indústrias
como na Espanha, França, Itália, Portugal, e penetrou também na maioria dos
países latino-americanos.
Lenin faz agudas críticas aos anarquistas, mostrando alguns fundamentos de
sua ideologia individualista e pequeno- burguesa: a defesa da pequena propriedade,
a negação da força unificadora e organizadora do poder (os anarquistas
propugnavam a abolição do Estado antes mesmo da supressão das classes
antagônicas) e a incompreensão da verdadeira dimensão política da luta de classe
do proletariado. Tudo isto acarretou a subordinação da classe operária a ideologia
burguesa, sob a falsa aparência de negação da política, apregoada pelos
anarquistas.

Outra corrente do movimento sindical, que tem suas origens no


trade-unionismo inglês, é aquela denominada reformista, uma vez que se opõe à
atuação revolucionária do proletariado. Sem negar o princípio de que os sindicatos
constituem um meio de luta a fim de obter reivindicações justas, os reformistas
pretendem uma simples melhora da situação dos trabalhadores dentro do sistema
capitalista. O maior exemplo dentro desta corrente é o sindicalismo
norte-americano. Na herança das trade-unions, o sindicalismo norte-americano
pauta sua atuação no terreno estritamente economicista e reivindicatório, nunca
abalando, mas sim se ajustando ao sistema capitalista. Sua recusa a um
"sindicalismo político” é violenta e data desde a criação da Federação Americana
do Trabalho, em fins do século passado, quando a luta operária grevista atingiu
ampla repercussão (mais de cinco mil greves em 1886), objetivando conquistar a
jornada de oito horas. Vale lembrar o Dia do Trabalho, universalmente celebrado
pela classe de todo o mundo em primeiro de maio, tem origem nesta luta dos
operários norte-americanos — os Mártires de Chicago — pela redução da jornada
de trabalho. Depois de violenta repressão policial às greves, quatro operários são
condenados à morte e outros à prisão perpétua sob a falsa acusação de terem
cometido um atentado. A partir de então o 1ª de Maio tornou-se um dia de luta de
toda a classe operária.
Apesar destas lutas no fim do século passado, a Federação Americana do
Trabalho pratica, até os dias de hoje, um sindicalismo que nega a luta de classes e
que se limita a uma estreita defesa dos interesses corporativos. O movimento
sindical norte-americano, neste seu apoliticismo, expressa uma ideologia
conservadora e adequada aos interesses do capitalismo e, apesar de ter sua
estrutura sindical totalmente independente do Estado, não consegue exercer uma
atuação autônoma, uma vez que sua prática sindical encontra-se totalmente
subordinada a ideologia capitalista dominante, da qual objetiva extrair algumas
melhorias para o operário norte-americano.
Sem romper com a concepção reformista, encontramos ainda a corrente do
sindicalismo cristão que se inspirou, em sua origem, na encíclica Rerum Novarum
(1891), de Leão XIII. Essa corrente adota uma ampla colaboração social e
reconhece a legitimidade de princípio das organizações sindicais, sem que isto
implique radicais transformações no regime capitalista da propriedade privada. A
concepção cristã atribui ao capitalismo a necessidade de desenvolver sua fiinção
social, tornan- do-o um sistema “justo e equitativo”. A Confederação Internacional
dos Sindicatos Cristãos, criada no Congresso de Haia em 1920, afirmou que “a vida
econômica e social implica a colaboração de todos os filhos de um mesmo povo.
Rejeita, portanto, a violência e a luta de classes, quer do lado patronal, quer do
lado operário". A influência do sindicalismo cristão é ainda hoje bastante grande
em alguns países, como a Itália.
Outra corrente dentro do sindicalismo — a corporativista — datou das
primeiras décadas deste sécUlo, durante a vigência do fascismo. Seu
aparecimento só foi possível através da violenta repressão ao movimento sindical e
operário antifascista, acabando com as verdadeiras lideranças operárias, além de
uma prática de intensa manipulação das massas populares. Em 1927 Mussolini
decretou a Carta dei Lavoro, que organizou os sindicatos italianos nos moldes
corporativistas: as corporações tornaram-se subordinadas e dependentes do
Estado fascista. Expressava a política da paz social, da colaboração entre as
classes, conciliando o trabalho ao capital, negando violentamente a existência da

j
luta de classes, com o nítido objetivo de garantir a acumulação capitalista em
larga escala e com um alto grau de exploração da classe operária. As corporações
italianas aglutinavam representantes dos capitalistas e dos operários, de todas as
categorias que contribuíam para a produção de determinado produto. Por exemplo,
na corporação dos cereais, na Itália, participavam os representantes dos patrões
e dos trabalhadores dos moinhos, padarias, confeitarias, comércio de cereais,
técnicos agrícolas etc. Com isso se evitava a criação de corporações por categoria,
que mais facilmente refletiriam os conflitos de classe, pois que dela participariam
os patrões e os trabalhadores de uma única categoria — por exemplo, os
capitalistas proprietários de indústrias metalúrgicas e os operários empregados
naquelas indústrias —, refletindo diretamente as disparidades existentes entre
eles.
Nos sindicatos fascistas, diz Togliatti em Lições sobre o Fascismo,
participavam conjuntamente patrões e operários, capitalistas e proletários,
fundamento para a implementação da ideologia corporativista. É importante
ressaltar que o corporativismo somente se organizou depois que os trabalhadores
foram privados de qualquer representação, quando foram destruídos todos os
partidos políticos da classe operária, liquidada a liberdade sindical, liberdade de
reunião e demais liberdades democráticas.
Por fim, devemos fazer referência à concepção comunista de sindicalismo.
Lenin, em Que Fazert, demonstrou que o movimento sindical, quando
totalmente isolado das demais lutas de toda a sociedade, acaba incorrendo numa
atuação demasiadamente “economicista", trade-unionista. Daí a importância da
atuação dos comunistas dentro dos sindicatos para transformar a luta
trade-unionista numa luta mais ampla pelo fim do sistema capitalista, aproveitando
os vislumbres de consciência política que a atuação econômica introduz no operário
e elevando esta consciência ao nível de uma consciência revolucionária.
Na Rússia czarista, fase imperial anterior à Revolução Socialista de 1917, os
sindicatos que surgiram nos fins do século XIX foram locais de organização
fundamentais para o avanço da classe operária. Em São Petesburgo, por exemplo, o
movimento sindical foi muito ativo, sendo justamente daí que nasceu a Revolução
de Fevereiro, que antecipou a Revolução Socialista de Outubro.
A partir do momento em que a classe operária tomou o poder através da
revolução, tornou-se necessário alterar o significado e a função dos sindicatos. Os
sindicatos, conforme disse Lenin em Sobre os Sindicatos, tornaram-se uma
organização educadora da massa operária, uma organização que dá instrução, uma
escola de governo, uma escola de administração, enfim, uma escola de comunismo.
É uma escola de tipo completamente desconhecido no capitalismo, pois nos
sindicatos não há mestres e alunos, mas sim uma escola que cada vez mais forma os
setores mais avançados do proletariado.
Durante a ditadura do proletariado, os sindicatos situam- se entre o Partido e
o poder do Estado. Houve inclusive um debate entre Lenin e Trotsky, em 1921,
sobre os vínculos entre os sindicatos e o Estado socialista. Enquanto Trotsky,
naquele momento histórico, defendia a necessidade de estatizar os sindicatos,
isto é, torná-los órgãos estatais (posição que Trotsky abandonou posteriormente),
Lenin demonstrou que os sindicatos, mesmo sob o socialismo, deveriam manter-se
como órgão de defesa dos interesses materiais dos trabalhadores na luta pela
democracia proletária. Ressaltava a dupla tarefa dos sindicatos durante a
ditadura do proletariado: é, de um lado, através das lutas diárias dos sindicatos
que as massas aprendem a caminhar em direção ao socialismo. De outro, os
sindicatos são uma “reserva de força” do Estado. Na verdade, na fase de transição
do capitalismo para o socialismo os sindicatos assumem algumas tarefas
fundamentais, tais como: organização e direção da produção, evitando inclusive as
sabotagens contra-revolucionárias dos inimigos da revolução; a melhoria da
situação econômica dos operários; a melhoria da condição operária dentro e fora
da fábrica, através de garantia do direito ao trabalho, da proteção a acidentes,
além de fornecer condições para a manutenção de atividades culturais, de saúde,
de turismo, visando o bem-estar e a elevação do nível de vida do operário. Os
sindicatos devem também | preocupar-se com a formação ideológica dos
trabalhadores, ^ através do trabalho cultural de massas, fornecendo a educação
política necessária para que os operários entendam e trabalhem pela construção
da sociedade socialista, onde eles são os verdadeiros beneficiados.

A importância da atuação
dentro dos sindicatos operários
“Não atuar dentro dos sindicatos reacionários significa abandonar asmas- sos operárias
insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas à influência dos líderes reacionários, dos agentes da
burguesia, dos operários aristocratas ou aburguesados. ”
Já analisamos a importância dos sindicatos para o avanço das lutas operárias
contra a exploração capitalista. Na verdade os sindicatos tornaram-se
indispensáveis para o desenvolvimento da classe operária nos primórdios do
capitalismo e mesmo na sua fase atual, dominada pelo imperialismo. Foi, porém,
com o surgimento do sindicalismo reacionário que se iniciou uma grande discussão
entre as vanguardas operárias sobre a importância da atuação dentro daqueles
sindicatos.
Foi Lenin, em Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, quem mostrou a
incorreção e inconsequência da luta daqueles que julgavam desnecessária a
atuação dentro dos sindicatos reacionários. Referindo-se aos revolucionários
alemães Lenin disse: “Mas, por muito convencidos que estejam os esquerdistas
alemães do caráter revolucionário de semelhante tática, ela é, na realidade,
profundamente errônea e nada contém, a não ser frases vazias."
Na verdade, toda a discussão de Lenin com os “esquerdistas" alemães mostrou
os equívocos e os desastres para a classe operária quando certos setores
procuraram criar organizações paralelas: não podemos deixar de achar um
absurdo ridículo e pueril, diz ainda Lenin, as argumentações ultra-sábias e
pretensamente revolucionárias daqueles que defendem idéias de que não se deve
atuar nos sindicatos reacionários, e, mais ainda, de que é preciso abandonar os
sindicatos e organizar obrigatoriamente uniões operárias “paralelas e livres."
Mesmo quando comportando certas características reacionárias, como a
estreiteza grupai, o apoliticismo, o reformismo, nem por isso deixou de ser o
sindicato uma “escola de guerra", uma escola preparatória para os operários na
luta contra o capitalismo. Daí a necessidade premente de os operários mais
avançados instruírem, ilustrarem, educarem as camadas mais atrasadas da classe
operária.
Não atuar dentro dos sindicatos reacionários, diz ainda Lenin, significa
abandonar as massas operárias insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas à
influência dos líderes reacionários, dos agentes da burguesia, dos operários
aristocratas ou “operários aburguesados". É uma obrigação da vanguarda mais
avançada dos operários trabalhar obrigatoriamente onde estiverem as massas. É
necessário saber superar todos os obstáculos e barreiras que se colocam entre a
vanguarda e as massas; | necessário realizar uma propaganda sistemática,
pertinaz, perseverante e paciente, exatamente nas instituições, associações e
sindicatos onde estejam presentes as massas, por mais reacionárias que sejam. E
os sindicatos, diz ainda Lenin, são precisamente as organizações onde estão as
massas. Isolar-se deles implica o isolamento das massas operárias,
inevitavelmente uma palavra de ordem “infantil e esquerdista" e que atende aos
interesses exclusivos da burguesia.
Sendo a organização mais massiva e que abarca todos os operários dos
distintos ramos industriais, os sindicatos, mostram-se como um terreno fértil
para o avanço de todos os setores do proletariado, mesmo aqueles mais atrasados
e com : menor experiência de luta, uma vez que é no seu sindicato, junto com os
operários mais avançados, que eles começam a entender toda a complexidade da
luta contra os capitalistas..
Mesmo durante a época do fascismo, quando a ditadura da classe burguesa
assumiu a sua forma mais violenta, o terreno dos sindicatos mostrava-se o mais
vulnerável e onde as contradições de classe penetravam deforma mais imediata.
Foi exatamente a partir de uma atuação lenta e vigorosa dentro dos sindicatos
fascistas e ditatoriais que se conseguiu forjar as grandes.organizações sindicais
necessárias para a derrota da ditadura capitalista.
Não atuar dentro dos sindicatos, a pretexto do seu caráter reacionário,
apolítico, trade-unionista, é o melhor serviço que se pode prestar aos interesses
dos capitalistas.

A luta pelo sindicato único


A luta pelo sindicato único tem sido, desde os primeiros tempos, uma luta
incansável da classe operária visando o seu fortalecimento e união concreta contra
os interesses capitalistas.
Também não é recente o interesse dos capitalistas e dos falsos
representantes da classe operária em dividir de todas as formas o sindicalismo
operário, visando com isso seu enfraquecimento. Quando se propõe o pluralismo
sindical está-se diante de uma tentativa concreta de gerar o divisionismo no seio
da classe operária e da sua luta sindical. O principio do pluralismo sindical garante,
a pretexto de uma falsa liberdade sindical, o aparecimento de vários sindicatos de
uma dada categoria e em uma única base territorial. Esse princípio, que vai ao
encontro dos interesses da burguesia, baseia-se no fato de que não deve haver
adesão de todos os operários de uma mesma categoria a um único sindicato. Com
isso permite-se a criação de vários sindicatos para uma única categoria em uma
mesma região, o que, em vez de fortalecer um único sindicato, cria vários pequenos
sindicatos. Exemplificando: em vez de existir um único sindicato dos metalúrgicos
em uma região, tem-se vários pequenos sindicatos naquele mesmo local. Nada
interessa menos à classe operária...
Outra decorrência do principio do pluralismo sindical é que, em vez de se lutar pela
criação de uma Central Sindical dos trabalhadores, forte e unitária, os adeptos do
pluralismo defendem a criação de várias centrais sindicais independentes entre si,
como acontece em vários países da Europa, onde existe a central sindical
controlada pelos comunistas, outra pelos democratas-cristãos, outra pelos
sociais-democratas, e ainda outras de expressão menor.
Há ainda outro aspecto negativo dentro da concepção de pluralismo sindical e
que precisa ser destacado: não poucas vezes um sindicato, dentre os vários
existentes em um único setor, julga-se no direito de representar toda a categoria,
sendo que ele, por ser um dos vários sindicatos existentes, não tem
representatividade para tal ação.
Ao contrário, o princípio da unidade sindical garante a existência de um único
sindicato representativo para cada ramo de atividade em uma determinada região.
Com isso evita-se a divisão e o consequente enfraquecimento do movimento
sindical que, apesar da existência de várias tendências que atuam dentro do
sindicato, vê garantida a existência de um único sindicato por categoria. Tem-se,
por exemplo, erri uma dada região, um único sindicato dos metalúrgicos, um único
dos têxteis etc., ao contrário da situação onde há pluralismo, onde existiriam
vários sindicatos metalúrgicos, têxteis etc.
Com o princípio da unidade sindical evita-se também outro ponto nefasto para
os opérários: que exista um sindicato para cada empresa. Um sindicato por
fábrica, não é difícil deduzir, permite um controle muito grande da direção da
empresa sobre a direção do sindicato, o que, uma vez conseguido, tolhe a
possibilidade de uma luta autônoma por parte dos operários, além de criar
minúsculos sindicatos em vez de um único e forte para toda a categoria. Ao
contrário, quando existe um único sindicato aglutinando várias empresas de um
mesmo ramo, evidentemente isto o fortalece, aumentando sua força frente aos
patrões, o que faz com que, quando este sindicato obtenha vitórias, elas
beneficiem toda a categoria, indiscriminadamente, e não uma ou outra empresa,
isoladamente. Va|e lembrar que a existência do princípio do sindicato único não
implica a obrigatoriedade da sindicalização; esta sim permanece a critério do
trabalhador que opta ou não pela sindicalização. Mas há ainda outros aspectos
relevantes: a existência de sindicatos únicos possibilita aos operários, na súa luta
pelo fortalecimento sindical, a criação de uma central única dos trabalhadores,
momento maior da unidade orgânica, que aglutina todas as categorias assalariadas
da cidade e do campo. É evidente que uma central unitária e forte constitui-se num
dos baluartes mais importantes da luta da classe operária contra o capital. O que
não impede que dentro dela existam operários de várias tendências, como
comunistas, socialistas, sociais- democratas, democratas-cristãos, reformistas
etc., mas todos eles atuando juntos em torno das reivindicações imediatas da
classe operária na luta contra a exploração capitalista.

Os limites do sindicalismo e o
papel do partido político
Marx, Engels e Lenin sempre enfatizaram a importância da luta econômica
como ponto de partida para o despertar da consciência da classe operária e a
necessidade de transformá- la em uma luta política, onde, além de se reivindicar
maiores vantagens no terreno econômico, pretende-se a conquista do poder
político e o fim do sistema capitalista de produção.
Lenin, em seu artigo Sobre as Greves, tece considerações fundamentais sobre
a importância das greves: estas, “por surgirem da natureza do sistema capitalista,
significam o início da luta da classe operária contra toda a estrutura da
sociedade... Toda greve infunde com enorme força aos trabalhadores a idéia do
socialismo: a idéia da luta de toda classe trabalhadora por sua emancipação do jugo
do capital...
Durante cada greve cresce e desenvolve-se nos operários a consciência de que
o governo é seu inimigo e de que a classe operária deve preparar-se para a luta
contra ele pelos direitos do povo.
Assim, pois, as greves ensinam os operários a unirem-se, as greves lhes fazem
ver que só unidos podem sustentar a luta contra os capitalistas, as greves ensinam
aos operários a pensar na luta de toda a classe operária contra toda classe
patronal e contra o governo autocrático e policial. Por isso mesmo os socialistas
chamam as greves escola de guerra, escola onde os operários aprendem a
desencadear a guerra contra seus inimigos pela emancipação de todo o povo e de
todos os trabalhadores do jugo do governo e do capital.
Porém, a escola de guerra não é ainda a própria guerra.. As greves são um dos
meios da classe operária para sua emancipaçãp, porém não o único, e se os
operários não prestam atenção aos outros meios de luta, com isso demoram o
desenvolvimento e os êxitos da classe operária*.
No mesmo sentido vão as considerações sobre os sindicatos: estes constituem
um momento fundamental de organização da classe operária contra as usurpações
do capital. Mas a luta sindical é limitada na medida em que é uma luta constante
pela melhoria salarial e não diretamente contra o sistema capitalista que gera o
sistema de salários. A luta sindical é uma luta contra os efeitos do capitalismo e
não contra as suas causas.
Marx apontou com lucidez a relação entre a luta econômica e a luta política. A
primeira restringe-se ao terreno econômico, não rompendo com as raízes do modo
de produção capitalista. A classe é ainda uma classe em si, pois que não se constitui
ainda como uma força política eficaz contra o capitalismo. O segundo momento,
mais avançado, é quando a classe formula um projeto político que visa extinguir o
capitalismo, o que implica destruir os antagonismos existentes através da
supressão de todas as classes. Esse momento, o da classe para si, é um momento
nitidamente político e que carece da atuação dos partidos revolucionários, cuja
tarefa é dar direção ao processo revolucionário; é conduzir as explosões imediatas
da massa visando à tomada do Estado e sua transformação, onde a classe
trabalhadora assume a luta pela emancipação humana.
Lenin travou todo um debate com aqueles que acreditavam que a luta econômica
em si já era revolucionária, mostrando que esta interpretação era espontaneísta,
pois acreditava na sublevação instantânea e espontânea dàs massas. Mostrou que
espontaneamente o proletariado não conseguiria afastar- se do trade-unionismo,
do economicismo.
Se a luta econômica é fundamental como ponto de partida para a consciência
operária, a verdadeira consciência de classe revolucionária, de tomada do poder
pelos trabalhadores, é dada pela mediação dds Partidos. Lenin enfatizou que o
movimento de massas, em sua espontaneidade, não conseguiu ir além do
reformismo, o que, por sua vez, limita suas reivindicações ao universo burguês; a
participação propriamente política implica numa concepção de revolução que se
fundamente na luta concreta das massas operárias e que as direcione para a
conquista do socialismo e da emancipação humana. O que significa que, para o
operariado tornar-se revolucionário, é preciso ir além da luta imediata; é preciso
compreender o poder político e o papel do Estado que garante a dominação
capitalista. O que Lenin mostrou em seu escrito Que Fazem é que não se atinge
essa visão ampla através de um processo espontâneo, de luta exclusivamente
dentro da fábrica, mas que é necessária a fusão desta luta imediata, concreta,
com a teoria revolucionária.
Do que se depreende que a luta política é mais complexa e mais ampla que a luta
econômica. Esta distinção, por sua vez, é mais nítida nos países onde existem
liberdades democráticas plenas. Nestes países a luta propriamente política é ainda
mais intensa. Essa distinção tende a diminuir consideravelmente em países onde,
em função da inexistência de liberdades mínimas, tanto a luta sindical quanto a
luta política são consideradas ilegais. Aí, qualquer manifestação, a princípio
econômica, ganha um claro caráter político de confronto com o poder.
De qualquer forma as relações entre os Sindicatos e os Partidos são
fundamentais e indispensáveis para o avanço da classe operária. É dever de todo
operário comunista, diz Lenin, atuar e trabalhar efetivamente nos sindicatos que,
dada a sua abrangência, aglutinam todas as categorias de operários e colocam-se
como locais fundamentais para que os Partidos possam exercer sua influência
junto às massas. Cada partido deve sistematicamente, e com perseverança,
conduzir uma ação no seio dos sindicatos, das comissões de fábricas e demais
organismos dos trabalhadores. No interior destas organizações é necessário criar
núcleos comunistas que, através de um trabalho contínuo, devem conquistar as
direções dos sindicatos e demais organismos para a luta mais ampla visando a
transformação da sociedade.
Essa influência será tão mais significativa quanto mais amplos forem os
sindicatos e maior for a presença de operários avançados politicamente.
Lembre-se, porém, que essa influência não significa um vínculo obrigatório entre
os Sindicatos e os Partidos. O que é necessário, isto sim, é que, sendo um local
fundamental para a organização operária, os sindicatos devem procurar levar sua
luta em consonância com aquela luta política mais ampla de emancipação da
sociedade, cuja direção é dada pelos Partidos Políticos fundados na perspectiva do
trabalho.
2ª Parte O SINDICALISMO NO
BRASIL
As origens
A origem da ciasse operária brasileira remonta aos últimos anos do século XIX
e está vinculada ao processo de transformação na nossa economia, cujo centro
agrário-exportador cafeeiro ainda era predominante. Porém, ao criar o trabalho
assalariado em substituição ao escravo, ao transferir parte dos seus lucros para
atividades industriais e ao propiciar a constituição de um amplo mercado interno, a
economia exportadora criou, num primeiro momento, as bases necessárias para a
constituição do capital industrial no Brasil. 1 com isso criou também os primeiros
núcleos operários, instalados, fundamentalmente, na região de São Paulo e Rio de
Janeiro. Foi no bojo deste processo que surgiram as primeiras lutas operárias no
Brasil.
Suas primeiras formas de organização foram as Sociedades de Socorro e
Auxílio Mútuo, que visavam auxiliar materialmente os operários nos momentos
mais difíceis, como nas greves ou em épocas de dificuldades econômicas. A estas
associações mutualistas sucederam as Uniões Operárias, que por sua vez, com o
advento da indústria, passaram a se organizar por ramos de atividades, dando
origem aos sindicatos.
A greve, forma elementar e indispensável de luta da classe trabalhadora,
eclodiu pela primeira vez no Brasil em 1858, quando os tipógrafos do Rio de
Janeiro rebelaram-se contra as injustiças patronais e reivindicaram aumentos
salariais. A vitória dos tipógrafos foi apenas o início; as greves começaram a
expandir-se para as demais categorias. E junto com as greves surgiram também
outras formas de organização da nascente classe operária: em 1892 realizou-se o
I Congresso Socialista Brasileiro, cujo objetivo, que acabou não sendo atingido,
era a criação de um Partido Socialista. Já nesta época as idéias de Marx e Engels
penetravam no Brasil. Em seu II Congresso, em 1902, a influência do socialismo
era mais marcante; em seu Manifesto aos Proletários diziam, no primeiro
parágrafo:
“A história das sociedades humanas, desde que se constituíram e onde quer que
evolvessem, é a história mesma da luta de classes; e desse pugnar incessante
resultou, com o decorrer dos tempos, a eliminação de algumas dessas classes,
podendo-se atualmente considerar que somente duas permaneceram, extremadas
em campos adversos, inconciliáveis em seus interesses: tais são a classe da
burguesia e a classe dos assalariados.”
E foi dentro deste quadro que nasceram os sindicatos no Brasil, cujo principal
objetivo era conquistar os direitos fundamentais do trabalho. Nos vários
Congressos Sindicais e Operários e nas inúmeras manifestações grevistas
tornaram-se constantes as reivindicações visando a melhoria salarial, a redução da
jornada de trabalho etc. Data de 1906 o Primeiro Congresso Operário Brasileiro
que, contando com 43 delegados representando os centros mais dinâmicos, como
São Paulo e Bio de Janeiro, lançou as bases para uma organização operária sindical
de âmbito nacional, a Confederação Operária Brasileira (C.O.B.), cuja luta era
direcionada para as reivindicações básicas, além de uma intensa campanha de
solidariedade aos operários de outros países. Deste Congresso participaram as
duas tendências até então existentes no movimento operário: a
anarco-sindicalista, que negava a importância da luta política, privilegiando
exclusivamente a luta dentro da fábrica através da ação direta. Repudiava ainda a
constituição de um partido para a classe operária e via nos sindicatos o modelo de
organização para a sociedade anarquista. A outra tendência era composta pelo
socialismo reformista, que buscava a transformação gradativa da sociedade
capitalista, lutava pela criação de uma organização partidária dos trabalhadores e,
a nível do Estado, utilizava-sè da luta parlamentar. Eram, pois, tendências em si
bastante distintas, sendo mais forte a presença dos anarco-sindicalistas.
Em 1913 e 1920 realizaram-se, respectivamente, o II e o III Congresso
Operário tentando reavivar a Confederação Operária Brasileira.
É necessário lembrar que já desde aquela época o Governo procurava controlar
o movimento sindical brasileiro: exemplo disto foi o “Congresso Operário”, de
1912, que teve como presidente honorário Mario Hermes, filho de Hermes da
Fonseca, então Presidente da República, e que criou uma liderança governista
dentro de alguns poucos sindicatos. Estas “lideranças” sindicais governistas,
embora dirigissem categorias combativas como os ferroviários e marítimos,
conciliavam com o Estado e nisto se diferenciavam dos anarco-sindicalistas.
Enquanto estes, ao deflagrarem greves, viam-na como um momento da “greve
geral” que destruiria o capitalismo, aqueles eram imediatistas e em suas greves
não questionavam o sistema. Daí a sua"denominação de sindicatos “amarelos”,
sendo verdadeiros precursores do sindicalismo pelego, dada a sua obediência e
subordinação ao governo.
Mas a combatividade operária era demonstrada através das greves decretadas
seguidamente; o período de 1917/20,^^ em decorrência da crise de produção após
a I Guerra e da vertiginosa queda dos salários dos operários, caracterizou-se por
uma onda irresistível de greves de massas que em muitos lugares assumiram
proporções grandiosas. Foi o caso da greve geral de 1917 em São Paulo, iniciada
numa fábrica de tecidos, e que recebeu a solidariedade e adesão inicial de todo
setor têxtil, seguindo-se as demais categorias. A paralisação foi total, atingindo
inclusive o interior. Em poucos dias o número de grevistas cresceu de 2 000 para
45 000 pessoas. A repressão desencadeada aos grevistas foi violenta levando, não
raro, alguns operários à morte, como foi o caso do sapateiro Antonio Martinez,
atingido por um tiro no estômago durante manifestação operária. Apesar disto as
greves se alastravam; entre 1918 e 1920 elas eclodiram no Rio de Janeiro, em São
Paulo, Santos, Porto Alegre, Pernambuco, Bahia etc., sempre reivindicando
aumento de salários e melhores condições de trabalho.
Esse período correspondeu ao auge do movimento anarquista, que era até então
a liderança mais significativa do movimento operário brasileiro. Mas, ao mesmo
tempo, o anarquismo mostrava os sérios limites que jamais conseguiu superar.
Astrojildo Pereira, então militante anarquista e que posteriormente se tornou um
dos mais importantes líderes comunistas, assim se refere, em seu ensaio A
Formação do PCB, às greves daquela época: “não há dúvida que muitas das
reivindicações pelas quais lutavam as massas trabalhadoras foram alcançadas,
total ou parcialmente. Mas é um fato que a natureza e o volume das vitórias
alcançadas não estavam em proporção com o vulto e a extensão do movimento
geral. Mais ainda, as reivindicações, formuladas por aumento de salários, por
melhores condições de trabalho etc., constituíam como que um fim em si mesmo, e
não um ponto de partida para reivindicações crescentes de nível propriamente
político. E que na realidade se tratava de lutas mais ou menos espontâneas,
isoladas umas das outras, sucedendo-se por forças de um estado de espírito
extremamente combativo que se generalizou entre as massas".

A superação do anarquismo
As limitações do movimento anarco-sindicalista se refletiam nas suas
reivindicações exclusivamente econômicas, negando sempre a luta propriamente
política e sequer exigindo . do Es tado uma legislação trabalhista, dado que os
anarquistas eram contrários às leis do Estado. Também não admitiam a existência
de um partido da classe operária, assim como não aceitavam a política de aliança de
classes com os demais setores subalternos da sociedade, o que acarretou um
isolamento da luta operária, tornando-a presa fácil do Estado e de sua força
policial repressiva. Pode-se inclusive dizer que os anarquistas não conseguiram, na
atuação concreta, ir além dos “reformistas amarelos” pois, repudiando a
participação da luta pelo controle do Estado, limitavam-se ao terreno econômico,
enquanto "os amarelos", embora conciliassem com o Estador também não o
questionavam, limitando sua participação ao nfvel das reivindicações econômicas.
A incapacidade teórica, ideológica e política da concepção anarquista na
condução das grandes greves desse período, acrescida da grande influência
causada pelo vitória da Revolução Socialista na Rússia junto ao operariado
brasileiro, fez com que um grupo de militantes anarco-sindicalistas rompesse com
essa concepção e, em 1922, fundasse o Partido Comunista. Isso sè deu em março
do referido ano, e marcou o início de uma nova fase do nosso movimento operário,
agora organizado politicamente em um Partido, cujo objetivo era dirigifa
Revolução no Brasil.
No Congresso de fundação do PC, com exceção do alfaiate Manuel Cendón,
todos os demais membros eram oriundos do anarco-sindicalismo: Astrojildo
Pereira e Cristiano Cordeiro (intelectuais), Joaquim Barbosa (alfaiate), João da
Costa Pimenta (tipógrafo), Luís Peres (varredor), Hermógenes da Silva
(eletricista), Abílio de Nequete (barbeiro) e José Elias (construção civil). Nos
primeiros anos a tarefa fundamental dos comunistas foi formar quadros para
compor o Partido, estudar e divulgar o marxismo e tentar formular uma linha
política que compreendesse e orientasse a revolução brasileira. Apesar da
condição de ilegalidade que lhe foi imposta alguns meses após sua fundação, o PC
passou a editar, como órgão do Partido, a revista Movimento Comunista, ainda em
1922. Publicou logo em seguida o Manifesto Comunista, de Mane e Engels e em
1925 iniciou a publicação do jornal A Classe Operária, com uma tiragem inicial de 5
000 exemplares, que logo foi aumentada.
Um dos pontos mais importantes da atuação dos comunistas deu-se no
movimento sindical onde, como se viu, predominavam os anarco-sindicalistas. Os
comunistas criaram então a Federação Regional do Rio de Janeiro e, em 1929,
realizaram o Congresso Sindical Nacional, com representantes dos sindicatos de
vários estados, de onde se originou a Confederação Geral dos Trabalhadores do
Brasil, organização que procurava congregar os sindicatos influenciados pelos
comunistas.
É necessário lembrar que paralelamente à atuação dos comunistas e dos
anarquistas, ainda nos anos 20, o Estado esboçou nova tentativa de cooptação
junto a alguns setores da massa operária, e conseguiu ampliar a tendência
“reformista amarela” dentro do sindicalismo. Em 1921 o Estado fundou o Conselho
Nacional do Trabalho, visando controlar os sindicatos e torná-los órgãos de
conciliação entre as classes. Foi criada também a Confederação Sindicalista
Cooperativista Brasileira, de tendência reformista. Os sindicatos “amarelos” '
passaram a ser ainda mais favorecidos pelas vantagens concedidas pelo Estado
republicano. Este, por ser o representante fiel das oligarquias ligadas à produção
de café, tratou de forma distinta a classe trabalhadora; aqueles setores cujas
atividades eram indispensáveis para a exportação do café, como ferroviários e
portuários, eram atendidos em suas reivindicações, uma vez que sua paralisação
estrangularia a economia. Já as categorias vinculadas à indústria, dado o seu
caráter secundário na economia agrário-exportadora, eram tratadas de forma
exclusivamente repressiva. Lembre-se aqui da afirmativa do Presidente
Washington Luís de que “a questão social era simples
caso de polícia.”
Porém, já por esta época, o Estado republicano apresentava seus primeiros
sinais de crise. A criação do PC, se de um lado não se apresentava como uma
alternativa imediata de poder, causou apreensão ao Estado oligárquico. Mas o que
de fato o abalou foi a eclosão do movimento tenentista que, desde 1922, atuou
francamente em oposição ao regime dos burgueses do café. Exemplo mais
marcante do tenentismo foi a chamada Coluna Prestes que, liderada por Luís
Carlos Prestes, percorreu todo o interior do Brasil buscando a adesão dos
trabalhadores, rurais para as transformações necessárias na sociedade brasileira.
Quando a essa oposição militar se somou aquela empreendida pelos fazendeiros
descontentes que não produziam café, aí então o. domínio dos cafeicultores entrou
em sua fase final.

Getúlio Vargas no comando do


Estado
A Revolução de 1930 marcou um momento importante na transição de uma
economia agrário-exportadora para uma economia industrializante. Nelson
Werneck Sodré, um dos estudiosos da história brasileira, assim se referiu ao
fato: “A Revolução de 1930 resultara de uma brecha na classe dominante,
cindindo-se e permitindo a composição de uma de suas frações com os elementos
de classe média presentes em todas as fermentações internas".
. Na verdade, o processo iniciado em 1930 assemelha-se ao que Lenin
denominou de “reformismo pelo alto", ou seja, um acordo entre as frações
dominantes feito pelo alto, conciliando os interesses agrários com os interesses
urbanos emergentes e excluindo qualquer forma de participação efetiva da classe
operária. Esta, por sua vez, tentou isoladamente participar das eleições
presidenciais de 1930, candidatando Minervi- no de Oliveira pelo Bloco Operário e
Camponês, organização parlamentar do então ilegal PC. Embora tenha sido eleito
Júlio Prestes, representante da burguesia cafeeira, deflagrou-se um movimento
militar que barrou a sua posse. O resultado de tudo isto levou Vargas ao poder em
-1930. Iniciou-se então uma nova fase do sindicalismo brasileiro.
Fruto de uma cisão nas classes dominantes, o Estado varguista procurou, numa
primeira fase, controlar o movimento operário e sindical trazendo-o para dentro
do aparelho de Estado. Uma de suas primeiras medidas foi a criação do Ministério
do Trabalho, em 1930, com o nítido objetivo de elaborar uma política sindical
visando conter a classe operária dentro dos limites do Estado e formular uma
política de conciliação entre o capital e o trabalho. Não foi outro o objetivo da “Lei
de Sindicalização” de 1931 (Decreto 19.770) que, contra- j riando a liberdade de
associação sindical existente durante a Primeira República, criou os pilares do
sindicalismo no Brasil.
Na apresentação deste Decreto assim se pronunciou Lindolfo Collor, primeiro
Ministro do Trabalho do governo Vargas:
“Os sindicatos ou associações de classe serão os pára- choques destas
tendências antagônicas. Os salários mínimos, os regimes as horas de trabalho
serão assuntos de sua prerrogativa imediata, sob as vistas cautelosas do Estado."
Este Decreto estabelecia o controle financeiro do Ministério do Trabalho sobre
os recursos dos sindicatos, proibindo a sua utilização pelos operários durante as
greves, e definia o sindi- , cato como órgão de colaboração e cooperação com o
Estado. Permitia aos delegados do Ministério do Trabalho o direito de participar
das assembléias operárias, proibia o desenvolvimento de atividades políticas e
ideológicas dentro dos sindicatos, vetava sua filiação a organizações sindicais
internacionais, negava o direito de sindicalização aos funcionários públicos e
limitava a participação de operários estrangeiros nos sindicatos, visto que boa
parte da liderança operária combativa era ainda, naqueles tempos, de origem
estrangeira. Pode-se dizer que o único ponto favorável para a classe operária
nesta lei — definida pelos operários como a “Súmula da ‘Carta dei Lavoro' do
fascismo italiano” —- foi garantir o sindicato único por ‘ categoria. De resto
atrelava as entidades sindicais ao Estado.
É importante ressaltar a forma como parcelas significativas da classe operária
reagiram frente a esta lei. Suportando a coerção e a pura repressão e, ao mesmo
tempo, a manipulação | ideológica, os operários resistiram aos chamamentos dessa
legislação sindical e não se sujeitaram ãs normas oficiais. A autonomia sindical,
oriunda das primeiras décadas deste século, foi mantida até meados de 30.
Somente 25% dos sindicatos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul aceitaram as normas desta Lei de Sindicalização. O movimento
grevista, ao contrário do que diz a história oficial, foi intenso durante esse
período e, como consequência, o proletariado conquistou inúmeras vantagens
trabalhistas, como a lei de férias, descanso semanal remunerado, jornada de 8
horas, regulamentação do trabalho da mulher e do menor etc. Frise-se que algumas
destas leis já existiam mesmo antes de 1930, porém limitadas a algumas
categorias como ferroviários e portuários. Nestes casos a luta operária visou a
extensão destas vantagens a todas as categorias da classe trabalhadora. Nesta
época predominavam, no seio do movimento operário, algumas tendências: os
anarco-sindicalistas que, embora em decadência, conseguiram agrupar seus
seguidores na Federação Operária de São Paulo; os socialistas, que criaram a
Coligação dos Sindicatos Proletários em 1934 e também lutavam pela completa
autonomia sindical; e os comunistas, que, também em 1934, criaram a Federação
Sindical Regional no Rio e em São Paulo e que, no ano seguinte, realizaram a Ricardo
L. C. Antunes
Convenção Nacional de Unidade dos Trabalhadores, reunindo 300 delegados,
quando reorganizaram a Confederação Sindical Unitária, central sindical de todo o
movimento operário no s Brasil.
Junto com as lutas sindicais, crescia a mobilização das massas trabalhadoras e
em março de 1935 foi fundada a Aliança Nacional Libertadora, frente popular
antiimperialista I dirigida pelo PC, então já tendo Luís Carlos Prestes em suas t
fileiras. Citada inclusive como exemplo de frente púpular de- 11 mocrática pelo
VII Congresso da Internacional Comunista, a ANL em poucos meses atingiu 400
000 membros e a dimensão i I de um amplo movimento de massas.
O Governo, prevendo o avanço popular, iniciou sua ação repressiva. E em 4 qe
abril de 1935, cinco dias após o primeiro comício da ANL, decretou a Lei de
Segurança Nacional, que 1 proibia o direito de greve e dissolvia a Confederação
Sindical Unitária, tida como clandestina por se constituir à margem dos 1
sindicatos oficiais. Alguns meses depois Filinto Muller, chefe ] da polícia do
Distrito Federal e adepto do nazismo, a mando do Governo, decreta a ilegalidade
da ANL. Não podendo mais atuar legalmente os aliancistas optaram pelo levante
armado. Sem o necessário apoio das massas, foram violentamente reprimidos. O
Governo intensificou a repressão e decretou o Estado de Sítio. Criou ainda a
Comissão de Repressão ao Comunismo; as lideranças sindicais e operárias foram
presas, deportadas e mortas e os sindicatos combativos foram sumariamente
fechados. Naquele momento assistiu-se à grande derrota do movimento sindical e
operário no Brasil e à perda de sua autonomia. Com razão disse o'historiador
Edgard Carone: “para o operariado, o Estado Novo começou em novembro de
1935".
A partir de então, o campo sindical ficou ainda mais aberto às associações
“amarelas” já existentes desde as décadas anteriores e intensificou-se o processo
de controle e cooptação de dirigentes sindicais por parte do Ministério do
Trabalho. Criou-se uma burocracia sindical dócil, vinculada e escolhida a dedo pelo
Estado, cujo objetivo não era outro senão o de controlar as reivindicações
operárias. Implantou-se o "peleguismo", configurando um sindicalismo sem raízes
autênticas e que permaneceu distante da classe operária durante os quinze anos
da ditadura do Estado Novo. Em 1939, visando - consolidar ainda mais a estrutura
sindical subordinada ao Estado, promulgou-se o Decreto-lei n.° 1.402 que instituiu
o enquadramento sindical; uma categoria, para ser reconhecida enquanto tal, teria
de ser aprovada pela Comissão de Enquadramento Sindical, órgão governamental
vinculado ao Ministério do Trabalho. Criou-se também neste ano o Imposto
Sindical, estabelecido à revelia do movimento operário e que, através do
pagamento compulsório de um dia de trabalho por ano de todos os assalariados,
constituiu-se numa robusta fonte financeira para a manutenção dos dirigentes
pelegos. Por não ser dinheiro sequer controlado pelos operários e não podendo ser
utilizado nos momentos mais necessários, como durante as greves, o Imposto
Sindical criou as condições financeiras necessárias para a transformação dos
sindicatos, que de órgãos de luta de classes tornaram-se organismos prestadores
de um assistencialismo social, função esta que seria do Estado e não dos sindicatos
operários.
Estava efetivamente constituída a estrutura sindical brasileira, vertical e
subordinada ao Estado. Na base dessa estrutura estão os sindicatos, que podem
representar uma categoria no município, no estado ou mesmo no país. Quem definia
isso era, obviamente, o Ministério do Trabalho. Acima dos sindicatos estão as
federações, que podem abarcar uma região, um estado ou mesmo os trabalhadores
de uma mesma profissão em todo o país. Por fim encontram-se as confederações
nacionais que agrupam os trabalhadores dos vários setores, como a indústria, o
comércio, a agricultura etc. Essa estrutura era essencialmente vertical e não
permitia a criação de organismos sindicais horizontais, como a Central Sindical que
representaria diretamente as bases de todos os sindicatos.
Mas foi dentro desta mesma estrutura sindical e apesar de toda sua rigidez
que a classe operária procurou criar as suas organizações sindicais mais
representativas.

O ressurgimento das lutas


sindicais no Brasil no período de
1945-64
Já nos primeiros anos da década de 40 o Estado Novo mostrava seus primeiros
sinais de debilidade. As forças democráticas da sociedade brasileira lutavam em
duas frentes: no plano externo visando derrotar o nazi-fascismo e no plano
nacional objetivando romper a ditadura estadonovista e caminhar para uma efetiva
democracia. Porém, constituíram-se duas tendências oposicionistas: uma liberal e
burguesa, cujos interesses econômicos estavam vinculados ao imperialismo; e
outra, nacional e popular, que buscava a constituição de uma democracia incluindo a
participação efetiva das classes populares. A primeira limitava-se às classes
dominantes e temia o projeto nacionalista de Vargas. A segunda, liderada pelas
organizações populares como o PC, via no nacionalismo de Vargas um possível aliado
para a resolução dos problemas nacionais. O Manifesto dos Mineiros, de 1943, foi
exemplo típico da oposição liberal. Já a tendência nacional e popular avançava em
conquistas mais profundas. Além das conquistas econômicas, como a construção de
Volta Redonda, houve um avanço na luta pelas liberdades democráticas;
conquistou-se no início de 1945 a anistia ampla e irrestrita aos presos políticos,
libertando os comunistas que estiveram encarcerados durante todo o Estado
Novo. Conquistou-se ainda a lègalizaçâo do Partido Comunista e marcaram-se para
dezembro as eleições presidenciais e a convocação da Assembléia Constituinte.
Vargas, na medida em que perdia apoio de setores dominantes, tentava ampliar
suas bases junto aos trabalhadores. Para tanto, decretou ainda a Lei Antitruste,
que constituía uma comissão autorizada a desapropriar empresas estrangeiras
lesivas aos interesses nacionais, o que causou reação imediata do governo
norte-americano. A organização Sociedade Amigos da América, representante do
imperialismo norte-americano, foi fechada pelo Governo e, no plano da política
externa, foram reatadas as relações diplomáticas com a União Soviética. Por fim,
no mesmo ano em que foi deposto, Vargas eliminou não só os dispositivos legais que
obrigavam a presença de representantes do Ministério do Trabalho nas
assembléias sindicais, como também aqueles que exigiam a aprovação prévia do
Ministério para a realização de eleições e posse das direções sindicais eleitas.
Além de todas estas conquistas, a classe operária avançou em um outro ponto
crucial: o movimento sindical. Depois de uma fase extremamente repressiva para o
movimento sindical, iniciou-se um trabalho de substituição das lideranças pelegas
por lideranças autênticas e representativas da classe operária. Assim foi que, em
1945, criou-se o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), organismo
intersindical de caráter horizontal que rompia com a estrutura vertical e que
proclamava, em Manifesto assinado por mais de 300 líderes sindicais
representantes de 13 Estados, a luta da classe operária, “imediatamente, pela
mais completa liberdade sindical, rompendo com as injustificáveis restrições e
interferências na vida dos nossos órgãos de classe". Propugnava ainda a “extinção
dos órgãos, dispositivos e decretos estranhos e hostis aos anseios democráticos
do povo e comprometedores da segurança e datranquilidade interna, como o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o Tribunal de Segurança
Nacional”, respectivamente, organismos de repressão ideológica e política
existentes durante o Estado Novo.
A luta pelo fortalecimento dos sindicatos avançava. Rea- lizaram-se vários
Congressos Sindicais em vários Estados como Minas, São Paulo e Rio de Janeiro.
Em setembro de 1946 houve o coroamento desse processo com a realização do
Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro, com cerca de 2 400 delegados.
Os comunistas, sendo a maior força sindical, conseguiram, j então, concretizar sua
aspiração maior para o movimento sindical: foi criada a Confederação Geral dos
Trabalhadores do Brasil (1946).
O avanço considerável das classes populares amedron- ", tava os setores mais
reacionários da sociedade brasileira. A permanência de Vargas no poder os
ameaçava, pois temia-se um possível avanço da classe operária. O Golpe de 29 de
outubro de 1945, sob a aparência de uma ação democrática, ; foi, na verdade,
reacionário e antipopular, pois obstaculizou os avanços das classes populares.
Assim se referiu ao Golpe o então deputado do PC João Amazonas: “Cumpre
confessar que nos últimos meses de 1945, o governo do Sr. Getúlio Vargas cedia
em parte, permitindo pouco a pouco que os trabalhadores voltassem a seus
sindicatos... Nosso Partido, que vive ligado às massas, que trabalha junto ao
proletariado, que atua em todas as organizações trabalhistas do país,
desmascarou o caráter do golpe como antidemocrático e, com muita razão, porque
para os trabalhadores o 29 de outubro foi muito pior que aquele breve período que
o antecedeu".
Apesar do Golpe, nas eleições de dezembro de 1945 o PC, que em poucos meses
de legalidade tornou-se o maior Partido Comunista da América Latina, com cerca
de 200 000 membros, conseguiu 10% dos votos do eleitorado para a presidência
da República, elegeu 14 deputados' e um senador, Luís Carlos Prestes, o mais
votado da República.
No plano da organização sindical houve avanços; porém no plano institucional
isso não foi possível, uma vez que, na Constituinte eleita em 1945, o PC era a
quarta agremiação política. Embora contassem com o apoio do PTB, os comunistas
se encontravam em minoria parlamentar frente aos partidos das classes
dominantes, o PSD e a UDN, que juntos alcançavam 70% do Parlamento e tinham
força suficiente para barrar qualquer possibilidade de alteração da estrutura
sindical pelos comunistas.
Mas, ao mesmo tempo em que avançava a organização das massas, não tardaram
as medidas repressivas do Governo antidemocrático de Dutra que, já em 1946,
proibiu a existência do MUT, decretou a intervenção e a suspensão das eleições
sindicais e, em 1947, determinou ailegalidade do PC, cassando também o mandato
de seus representantes no Parlamento. A ilusão institucional não permitiu que o PC
resistisse e impedisse estas medidas.
Foi, sem dúvida, um rude golpe no avanço do movimento sindical e operário
brasileiro.
No início dos anos 50, sob o último Governo de Vargas, o movimento sindical
atingiu novamente grande dimensão. E importante lembrar que a classe operária
brasileira, de 1940 a 1953, dobrou seu contingente e, segundo JoverTelles,
atingiu cerca de 1 500 000 trabalhadores nas indústrias. As greves começavam a
tornar-se constantes; em 1951 realizaram-se quase 200 paralisações atingindo
quase 400 000 trabalhadores. No ano seguinte alastraram-se, totalizando quase
300 em todo o território nacional. Em 1953, a luta da classe operária contra a
fome e a carestia atingiu cerca de 800 000 operários. Somente em São Paulo, diz
ainda Jover Telles, realizaram-se mais de 800 greves abarcando todas as
categorias profissionais. Data deste ano a greve dos 300 000 trabalhadores de
São Paulo, da qual participaram os têxteis, metalúrgicos, gráficos, entre outros.
As várias comissões de fábrica criadas pelos comunistas ampliavam, dentro das
fábricas, a presença dos sindicatos, dando-lhes uma configuração horizontal.
Foram, sem dúvida, anos de avanço, de organização da classe operária. Suas
reivindicações fundamentais voltavam-se contra a fome e a carestia, mas não se
limitavam ao plano econômico.
Não foram poucas as manifestações por liberdades sindicais, contra a presença
das forças imperialistas, em defesa das riquezas nacionais — de que a campanha
pela criação da Petrobás foi a de maior vulto — e contra a aprovação e aplicação do
Acordo Militar Brasil-EUA.
Foi criado o Pacto de Unidade Intersindical, mais tarde transformado no PUA
(Pacto de Unidade e Ação), que avançou na tentativa de romper a estrutura
sindical vertical e englobou mais de 100 organizações sindicais. Foram criados
ainda os Pactos Intersindicais (PIS) que atuaram em várias regiões, sendo o do
ABC o mais combativo. Ressalte-se que tais organizações intersindicais não tinham
caráter de organizações paralelas mas, pelo contrário, nasceram de uma árdua
Juta dentro dos sindicatos oficiais e que visavam, isto sim, a transformação da
estrutura sindical vertical.

O avanço das lutas sociais


durante o Governo Goulart
O avanço das lutas operárias atingiu, no início dos anos 60, o seu ápice quando, após
imensas manifestações grevistas, realizou-se o III Congresso Sindical Nacional,
onde os trabalhadores brasileiros aglutinaram suas forças sob uma única
organização nacional de coordenação da luta sindical: o Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT).
O CGT, cuja direção era constituída por líderes sindicais e tinha na sujDlência
o pessoal diretamente ligado à produção, objetivava combater o peleguismo das
Confederações Nacionais, especiaimente a CNTI* dominada havia décadas pelo
pelego Ari Campista. O CGT visava ainda aglutinar os sindicatos de Norte e
Nordeste que constituíam as bases do peleguismo. Além do CGT, que era o
comando de âmbito nacional, foi intensa a atuação do Pacto de Unidade e Ação
(PUA), intersin- dical que congregava os trabalhadores portuários, marítimos e
ferroviários.
Nestes anos de avanço das lutas populares mereceu destaque ainda o Fórum
Sindical de Debates, que unificava o movimento sindical da Baixada Santista.
O CGT foi, especialmente durante o Governo de João Goulart, a expressão mais
significativa do movimento sindical brasileiro. Sua presença foi decisiva na direção
de grandes manifestações operárias, como a Greve da Paridade em 1960 quando,
objetivando a equiparação salarial aos militares, 400 000 trabalhadores civis
paralisaram os transportes marítimo, ferroviário e portuário emjodo o país.
Também foram de extrema importância política as greves durante a crise entre a
renúncia do Presidente Jânio Quadros e a ascensão do vice João Goulart. Os
sindicatos decretaram greves em solidariedade a Goulart, atingindo
principalmente as atividades industriais e de transportes no Rio de Janeiro. Em
setembro de 1962 nova greve geral pelo plebiscito que derrotou maciçamente o
regime parlamentarista. Reivindicou-se ainda nesta greve geral a revogação da Lei
de Segurança Nacional, o direito de voto a todos os cidadãos, incluindo soldados e
analfabetos, aumento salarial de 100%, concessão do direito de greve, reforma
agrária radical, imediato congelamento de preços dos gêneros de primeira
necessidade, aplicação rigorosa da Lei que controlava a Remessa de Lucros para
fora e direito de organização sindical aos camponeses.
As greves se sucediam com grande rapidez. Em 1963 a célebre greve dos 700
000 que, entre outras reivindicações, pretendia a unificação da data-base dos
acordos salariais, com o fim de evitar que os reajustes fossem realizados em
épocas diferentes para as várias categorias. Se essa reivindicação tivesse sido
vitoriosa, significaria uma mudança importante na legislação sindical vigente desde
o Estado Novo. Apesar disso, a greve conseguiu outras vitórias, obtendo 80% de
aumento para todos os trabalhadores, além de forçar os patrões a dialogar com
várias categorias operárias representadas pelo Pacto de Ação Conjunta (PAC),
intersindical que dirigiu a paralisação. A greve dos 700 mil constituiu-se numa das
maiores manifestações grevistas de toda a história do movimento operário
brasileiro.
Lembre-se, a título de exemplo, que os metalúrgicos de São Paulo atingiram no
período alto grau de mobilização. Segundo o relato de um militante sindical “não
existia nenhuma empresa em São Paulo onde não existissem delegados sindicais”.
Ao que acrescenta que os metalúrgicos não faziam piquetes na sua categoria, pois
a adesão era unânime, mas sim para buscar a adesão de outros setores, como
têxteis, químicos, calçados etc. Cita ainda que, com o Golpe de 64, além de toda
liderança ter sido esmagada, os 1 800 delegados sindicais metalúrgicos de São
Paulo foram denunciados à polícia e perderam seus empregos.
O campo também foi atingido pelo avanço das lutas populares. Os
trabalhadores iniciaram o processo de mobilização desde 1955, com o surgimento
da primeira Liga Camponesa, no Engenho Galiléia. Um ano antes havia sido criada a
União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil (UTAB) e pouco a pouco floresceram
os sindicatos rurais. Era a entrada decisiva do campesinato e dos trabalhadores
rurais no cenário político nacional, exigindo uma radical transformação da
estrutura agrária, através da substituição dos latifúndios pela propriedade
camponesa e pela propriedade estatal. Exigiam o acesso à terra para aqueles que
desejavam trabalhar, além da extensão da legislação trabalhista para o campo,
com o objetivo de garantir alguns direitos mínimos aos trabalhadores rurais.1
No início dos anos 60, através da Ligas Camponesas lideradas por Francisco
Julião e dos Sindicatos Rurais dirigidos pelo Partido Comunista, intensificou-se a
mobilização rural, tendo como bandeira principal a reforma agrária. No ano de
1963 fundou-se a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas
(CONTAG), sendo também elaborado o Estatuto do Trabalhador Rural, que
expressava parte das reivindicações dos trabalhadores do campo. Desta maneira
suas lutas uniam- se às dos trabalhadores urbanos.
A mobilização popular atemorizava cada vez mais os setores conservadores da

1 * Ver o I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em 1961, Belo


Horizonte.
sociedade brasileira; as reformas de base do Governo Goulart, especialmente a
reforma agrária, contavam com o apoio crescente das classes subalternas. O CGT,
revertendo a estrutura sindical criada na década de 30, agora utilizava-a como um
instrumento de pressão junto ao aparelho de Estado, objetivando a consolidação
de um governo democrático e popular.
A 13 de março de 64, mais de 200 000 trabalhadores, convocados por
sindicatos e organizações operárias, dirigiram-se ao Comício na Central do Brasil,
no Rio de Janeiro, visando implantar as reformas de base, a formação da Frente
Popular e Democrática. Entretanto, os setores reacionários procuravam, de todas
as formas, conter os avanços populares. Em São Paulo, por exemplo, contra essas
reformas as camadas médias tradicionais mobilizaram-se através das Marchas da
Família, com Deus, pela Liberdade.
As posições se radicalizavam. Em 31 de março, através de um golpe militar
João Goulart foi deposto. O CGT e as demais organizações populares foram
tolhidas de qualquer possibilidade de atuação, sendo suas lideranças
imediatamente presas. Se de um lado essa liderança sindical tinha laços efetivos
com os interesses populares, ela não soube preparar as bases para uma resistência
mais efetiva. Uma vez contida a liderança, as bases ficaram aturdidas. Rude foi o
golpe sofrido pelas classes populares. Iniciou-se uma longa noite em sua história...

A longa noite do sindicalismo


brasileiro
Viu-se, portanto, que foi durante o período 1945-64 que o movimento operário
atingiu sua fase de maior amplitude. Se, de um lado, a legislação sindical
permanecia intacta, mantendo suas características de tendência corporativista,
na prática fazia-se letra morta a esta legislação, avançando na tentativa de
romper com a estrutura sindical. Quando mais se caminhava nesse processo, foi
desfechado o golpe militar, cujo objetivo foi barrar os avanços até então atingidos
pela classe operária, iniciando-se uma fase extremamente penosa. O medo da
implantação da “República Sindicalista" durante o Governo João Goulart fez com
que uma violenta repressão fosse desencadeada; além da prisão das lideranças
operárias, foram extintas sumariamente as organizações sindicais. Reformulou-se,
redi- namizou-se e, o que foi pior, fez-se cumprir toda a legislação sindical
defensora da “paz social" e da negação da luta de classes. Reforçou-se, através de
novos instrumentos legais, o papel do sindicato como mero órgão assistencialista e
de agente intermediário entre o Estado e a classe trabalhadora. Tratava-se, por
parte do Estado e das classes dominantes, de criar as condições mínimas
indispensáveis para a retomada da expansão do imperialismo no Brasil, que,
durante os anos anteriores a 1964, encontrou sérias barreiras, dada a pujança que
cada vez mais adquiria o movimento operário.
Era premente a criação de instrumentos capazes de garantir a super
exploração da força de trabalho operária.
A nova política econômica, criadora do arrocho salarial, fez-se vingar em cima
de alguns pontos: a proibição do direito de greve, através da famigerada Lei
4.330, de junho de 64, e a fixação dos índices de aumentos salariais, que deixou de
ser feita através da negociação entre operários e patrões — como antes de 64 —
e passou a ser prerrogativa absoluta do Estado. Porém para que o “arrocho”
pudesse ser efetivamente implantado foi necessário acabar com outra conquista
no movimento operário anterior a 64: o regime de estabilidade no emprego.
Criou-se então, em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),
instrumental necessário para grandes empresas despedirem, compulsoriamente e
a seu bel-prazer, grandes contingentes de mão-de-obra em épocas anteriores ao
dissídio coletivo, para sua posterior recontratação em faixas salariais abaixo
daquelas determinadas pelos já irrisórios índices de aumento. Em outras palavras,
criou-se a rotatividade necessária, através do regime de dispensa sem o
pagamento de indenização pelo tempo de trabalho, para a superexplora- ção' da
força de trabalho. Por fim, foi reformada a Lei de Remessa de Lucros, concedendo
ao capital externo uma série de condições vantajosas para que os lucros aqui
extraídos pelas multinacionais fossem levados para fora. Em cima destes pontos
iniciou-se, em 1968, o “milagre brasileiro", que, se assim o foi para as classes
dominantes, para os operários foi a expressão não do “milagre" mas do inferno e da
miséria para a maioria do povo brasileiro.

Retomada da luta contra o


arrocho salarial ou as greves .de
Osasco e Contagem em 1968
Após a ruptura causada pelo Golpe de 64, reiniciou-se lentamente a luta
operária, desta feita contra as danosas con- sequências oriundas do arrocho
salarial. Fruto das mobilizações da massa operária, os dirigentes sindicais, mesmo
aqueles cuja atuação não superou o peleguismo, criaram, em fins de 1967, o
Movimento Intersindical Anti-arrocho (MIA), contando com a participação dos
sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo, Santo André, Guarulhos, Campinas e
Osasco, entre outros-, e cujo objetivo era pressionar o Governo visando o fim do
arrocho salarial.
Estes dirigentes, a exceção do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, eram
favoráveis a um movimento contra a compressão salarial, desde que este
permanecesse dentro dos limites tolerados pelo Ministério do Trabalho da
Ditadura. Já o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, dirigido por José Ibra- him,
avançando com relação às propostas do MIA, enfatizava a necessidade da criação
das comissões de fábricas, de uma Central Sindical e estava convicto de que
somente através da prática de greve seria rompida a política salarial do Governo.
As posições foram-se radicalizando: vivia-se, de um lado, um momento de crise
na ditadura militar. De outro, grupos de esquerda, que permeados pelo radicalismo
pequeno-burguês viam como única alternativa para o fim do regime o levante
armado, isolado e sem o respaldo das massas. Junto a isso, era um momento de
extrema agitação no meio estudantil, que cada vez mais procurava penetrar de
forma vanguardista no seio do movimento operário.
No plano sindical, o próprio José Ibrahim, em entrevista, reconhece os
equívocos da análise de setores vinculados ao movimento sindical: partíamos da
análise, diz ele, de que “o Governo está em crise, ele não tem saída, o problema é
aguçar o conflito, transformar a crise política em crise militar. Daí vinha nossa
concepção insurreicional de greve. O objetivo era levar a massa, através de uma
radicalização crescente, a um conflito com as forças de repressão. Foi essa
concepção que nos guiou quando, em julho de 1968, decidimos desencadear a
greve”.
Antecipando-se à proposta de greve geral prevista para outubro de 68, época
do dissídio coletivo dos metalúrgicos, a direção de Osasco decretou a greve,
acreditando na possibilidade de sua extensão para outras regiões. Iniciada no dia
16 de julho, com a ocupação da Cobrasma, a greve atingiu as empresas Barreto
Keller, Braseixos, Granada, Lonaflex e Brown Boveri. No dia seguinte o Ministério
do Trabalho declarou a ilegalidade da greve e determinou a intervenção no
Sindicato. Houve ainda a presença das forças militares que passaram a controlar
todas as saídas da cidade, além de efetivarem o cerco e ajnvasão das fábricas. A
partir de então, desestruturou-se toda e qualquer possibilidade de manutenção da
greve. No seu quarto dia os operários retornaram ao trabalho. Era o fim da greve
de Osasco. A repressão da Ditadura derrotara o movimento grevista.
Apesar do fracasso em Osasco, deflagrou-se em Contagem outra greve, no mês
de outubro de 1968, também contra o arrocho salarial. Não conseguiu ir além de
quatro dias de paralisação. A repressão foi violenta sobre os grevistas, tendo o
sindicato sofrido intervenção. Era outra violenta derrota para o movimento
operário, que levou dez anos para se recuperar...
Maio de 78: as máquinas param; a
classe operária volta à cena
Março de 79: os braços
novamente estão cruzados:
começa a nascer a democracia
“Eram sete horas da manhã no dia 12 de maio. Uma sexta-feira.
Todo mundo marcou o cartão, mas ninguém trabalhou. Das 7 até às 8 horas nós
ficamos de braços cruzados, ao lado das máquinas sem fazer nada. Às 8 horas
chegou o gerente geral. Pelo que eu fiquei sabendo, ele olhou, viu que tinha luz, que
os cartões estavam marcados, mas que ninguém estava trabalhando. Achou
estranho, mas não pensou que era uma paralisação. Não entendeu nada, como
também jamais poderia imaginar que ocorreria uma greve. Foi uma surpresa!...“
(Relato de um operário da Scania, primeira fábrica a entrar em greve em maio de
1978.)
Era a volta da classe operária à cena política nacional, de onde, aliás, nunca saiu,
mas que, especialmente após a derrota de 68, teve sua atuação extremamente
limitada e isolada, através de lutas esparsas dentro das fábricas, como as
"operações tartaruga". Nestas os operários diminuíam o ritmo de trabalho,
fazendo cair consideravelmente a produção, “amarrando a produção" como dizem,
e com isso forçando o patronato a dialogar e a conceder aumentos salariais. A
"operação tartaruga” foi uma prática largamente utilizada durante os anos mais
violentos do arrocho salarial, quando os níveis de exploração atingiram as formas
mais aviltantes, garantidas por um controle ditatorial sobre quaisquer formas
coletivas de luta operária. E assim se viveu durante os primeiros anos da década de
70.
Em fins de 77 o quadro começou a se alterar favoravelmente para a classe
operária. Não mais aguentando o ônus oriundo do arrocho salarial e
aproveitando-se de uma denúncia do Banco Mundial, veio à tona o que na prática se
sabia. O Governo tinha usurpado e manipulado através de nefastas fórmulas
matemáticas significativa parcela do salário real dos operários (especialmente em
1973, quando se diminuiu em 34,1% o índice de aumento salarial). Foi então que os
trabalhadores iniciaram um intenso processo de mobilização nas fábricas e nos
sindicatos pela reposição salarial. Na verdade, a luta pela reposição salarial
preparou todo o terreno para que, no início de 1978, os operários voltassem com
toda sua força e iniciassem as paralisações de maio, que atingiram centenas de
milhares de trabalhadores metalúrgicos, inicialmente no ABC e depois
estendendo-se para todo o Estado de São Paulo.
São claras as palavras de Luís Inácio da Silva, o Lula: “0 arrocho salarial fez
com que a classe trabalhadora brasileira, após muitos anos de repressão, fizesse o
que qualquer classe trabalhadora do mundo faria: negar sua força de trabalho às
empresas. Era a única forma que os operários tinham de recuperar o padrão
salarial, ou melhor, entrar no caminho da recuperação. Eu digo que para nós, do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, a paralisação não se
constituiu em nenhuma surpresa. Ela estava sendo plantada há anos. O auge foi a
luta pela reposição dos 34,1% no final de 1977.”
É evidente, portanto, que as greves de maio de 78 resultaram de um árduo
trabalho feito dentro de alguns sindicatos, especialmente o de São Bernardo, e o
seu resultado foi uma magnífica vitória para a classe operária. Primeiro porque
pegou os patrões de “calças curtas," paralisando as atividades dentro das
fábricas. Segundo porque, ao serem vitoriosos, iniciaram uma luta profunda contra
o arrocho salarial, pilar fundamental da ditadura instaurada no pós-64. Terceiro
porque fizeram “letra morta” a toda legislação sindical repressiva, rompendo na
prática a Lei Antigreve e iniciando uma atuação que visava, no limite, romper com a
estrutura sindical atrelada ao Estado. Quarto porque incorporava-se
definitivamente como classe fundamental que é, na luta pela democratização da
sociedade brasileira. Quinto porque preparava o terreno para futuras
participações políticas, pois, de uma fase de resistência, iniciaram uma nova e
vindoura fase de amplo movimento de massas, no que foram seguidos por inúmeras
outras categorias, como médicos, bancários, professores, funcionários públicos
etc., segmentos médios dá sociedade que passaram, com o fim do “milagre”, a
sofrer com o ônus da exploração, proletarizando- se cada vez mais rapidamente.
I as greves continuaram; além das de maio, eclodiram manifestações em junho,
julho e em fins de 78, época do dissídio coletivo dos metalúrgicos de São Paulo,
Osasco e Guarulhos. Em março de 1979 as greves voltaram com um novo peso. Aí
encontraram um patronato muito bem preparado para reprimi-las, caso elas se
realizassem novamente dentro das fábricas. Cansados pela intransigência dos
patrões, depois de incontáveis horas de negociações, os operários deflagraram
greve geral nas empresas metalúrgicas do ABC. A adesão foi maciça. E os patrões
acabaram sendo novamente pegos de “calças curtas” pois, em vez de paralisarem
dentro das fábricas como em 78, os operários, através da utilização de métodos
de larga experiência da classe antes de 64, como os piquetes, não adentraram os
locais de produção. E mostraram definitivamente como é mais forte a pressão
operária com as máquinas paradas... E foram nestas condições que os operários
continuaram as negociações.
A greve já ultrapassava seu décimo dia quando o Governo, atendendo aos
interesses dos grandes monopólios nacionais e internacionais, decretou a
intervenção nos três sindicatos metalúrgicos do ABC, acreditando que isso
amedrontaria os operários e esvaziaria o movimento grevista. Deu-se
exatamente o contrário. As forças se acumularam, agora acrescida de nova e
fundamental reivindicação: a exigência da volta das diretorias cassadas pelo
gesto ditatorial e repressivo do Governo. A greve continuou ainda mais forte,
agora com o apoio e solidariedade de todos os setores democráticos da
sociedade brasileira. Os diretores cassados continuaram sendo os verdadeiros
líderes do amplo movimento grevista de massas. Souberam conduzi-lo com a
justeza e maturidade necessárias e condizentes com o grau de desenvolvimento
da consciência operária. Realizaram-se dezenas de assembléias populares com
100 000 operários, coisa inédita na história das lutas operárias no Brasil. O
campo de futebol de Vila Euclides nunca estivera tão cheio. Sua capacidade fora
suplantada em mais de dez vezes, tal foi a quantidade, lá presente, de homens
e mulheres que compõem a jovem classe operária brasileira. E Lula consolidava
sua liderança, contando agora com a solidariedade dos sindicatos de todo país;
todos repudiando a medida arbitrária da intervenção. O maior exemplo deste
avanço foi õ 1.° de Maio Unitário, contando com cerca de 200 000
trabalhadores, que reavivou no seio operário o caráter de luta do Dia do
Trabalho. Os patrões e o governo, apesar da sua radicalização, não conseguiram
amedrontar I derrotar a classe operária. Foram forçados a negociar com os
operários. E o fundamental foi conquistado: a volta das lideranças sindicais.
Junto com isso avançou qualitativamente o movimento operário, desde a sua
organização na base até à luta pelo fortalecimento do sindicato, visando o fim
da estrutura sindical e uma participação efetivamente democrática dos
operários nos destinos da nação em todos os níveis, econômico, social e político.
O ano de 1979 foi um momento de grande importância na luta sindical em nosso
país: ocorreram cerca de 430 greves, abrangendo as mais diversas categorias, o
que colocou o movimento operário num patamar muito superior em sua luta contra o
poder ditatorial.

A DÉCADA DE 80: ANOS DE


MUDANÇA NO
SINDICALISMO BRASILEIRO
— O NASCIMENTO DA CUT
E DA CGT
Os anos 80 foram marcados por significativas transformações no movimento
sindical em nosso país. Com o ressurgimento da ação sindical e grevista, na segunda
metade da década de 70, retomava-se também uma velha aspiração operária,
tentada diversas vezes, mas sempre com vida curta: era preciso caminhar para a
criação de uma Central Única dos Trabalhadores, forte, coesa e de massas, capaz
de se constituir em uma ferramenta a mais na luta dos assalariados em seus
embates contra o capital.
A década de 80 teve início com um ano particularmente difícil: após as greves
vitoriosas do ABC paulista em 78 e 79 e a intensa onda grevista verificada nestes
dois anos, atingindo um amplo conjunto de assalariados urbanos e rurais, a longa
Greve dos 41 Dias, desencadeada pelos metalúrgicos do ABC, terminou sem o
mesmo saldo positivo para os trabalhadores, quando comparada aos embates
anteriores. Este elemento, acrescido à política recessiva e à mudança sistemática
da política salarial feita pela ditadura, entre outros elementos, levou a uma
retração do movimento grevista; se em 1978 pode-se falar, segundo o DIEESE,
em meio milhão de trabalhadores em greve e em 1979 este contingente chegou a
quase três milhões e meio, em 1980 houve uma queda significativa para cerca de
800 mil grevistas. O capital tentava recuperar-se, após os avanços expressivos
obtidos pelos trabalhadores nos anos anteriores.
Outras tendências marcaram os anos 80, tais como a expansão significativa das
lutas dos assalariados médios e a constituição de inumeráveis associações
sindicais e profissionais; vivenciou-se o pipocar de inúmeras greves de
professores, funcionários públicos, médicos, bancários, trabalhadores em serviços
etc., que possibilitaram um grande fortalecimento da luta e da ação sindical. No
mundo rural, o avanço também foi muito expressivo, aumentando a organização e
resistência dos trabalhadores do campo, onde houve greves memoráveis dos
trabalhadores agrícolas, Chamados “bóias frias", em várias regiões do país.
Foi nesta contextualidade da ação sindical que ocorreu, em 1981, a l.a
Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, depois de muitos anos de
resistência dos trabalhadores à ditadura militar, e que reuniu mais de 5 mil
delegados sindicais e de base, representantes dos assalariados urbanos e rurais
(quase mil representavam o campo), operários e assalariados médios, funcionários
públicos e despqssuídos da terra. Foi um dos mais importantes eventos da história
sindical e do trabalho em nosso país; significativo pela representatividade, pela
importância política (era o primeiro encontro nacional desde o golpe de 64 e o
maior de toda a história operária até então). Neste encontro deu-se um passo
efetivo para a criação da Central Única dos Trabalhadores. Mas, paralelamente a
este avanço organizativo, acentuavam-se as dissensões e diferenças no mundo
sindical: de um lado encontravam-se tendências sindicais que desembocaram no
chamado Novo Sindicalismo, que aglutinavam os setores mais importantes do
sindicalismo mais combativo e, de outro, a então chamada Unidade Sindical, que
aglutinava a esquerda tradicional, aliada a setores do peleguismo. E foi dessa
divergência que, em 1983, começaram a nascer as duas principais centrais
sindicais hoje existentes em nosso país: Central Unica dos Trabalhadores (CUT),
nascida no Congresso de S. Bernardo e a Coordenação Nacional da Classe
Trabalhadora (CONCLAT), nascida no Congresso da Praia Grande e
posteriormente denominada Confederação Geral dos Trabalhadores (sua
denominação, ao final dos anos 80, tem oscilado entre “Confederação” e “Central”,
em função dos grupos que a tem dominado).
O que diferencia o sindicalismo praticado pela CUT, frente àquele realizado
pela CGT?
A CGT, que nasceu com o forte apoio da esquerda tradicional, representada
pelòs PCs, é, ao final dos anos 80 e inicio de 90, uma Central engolfada pela
burocracia sindical que procurou modernizar-se e para tanto associou-se ao
chamado "sindicalismo de resultados", tendência que defende enfaticamente o
capitalismo e insere-se na onda neo-liberal, em voga novamente no final dos anos
80. A CGT é uma corrente sindical sem bases expressivas (salvo pouquíssimas
exceções) e que depende, para sua existência, do apoio de inúmeros sindicatos
de “carimbo", ainda existentes em nosso país. Daí a aliança entre esta nefasta
burocracia sindical e o também nefasto “sindicalismo de resultados”. A CGT é
a central sindical da ordem, aberta e dócil ao capital nacional e estrangeiro e
que tem como eixo de sua ação a recusa aos confrontos mais amplos. Sua
liderança estampa a penetração da ideologia burguesa junto ao movimento
operário, quer através da vertente neo-liberal, quer através daqueles herdeiros
do velho peleguismo que agora se pretende moderno. A CGT, agora sem o apoio
da esquerda tradicional, que se aproximou da CUT, tenta consolidar-se através
do “sindicalismo de resultados". Esquece que o capitalismo brasileiro é fundado na
superexploração do trabalho. Sonha, portanto, com uma Suécia num país de imensos
níveis de miserabilidade...Mas conta com o total e irrestrito apoio da mídia (TVs,
rádios, jornais), ávida por divulgar líderes sindicais que defendem o capitalismo...
A CUT, por sua vez, nasceu em torno do novo sindicalismo, do sindicalismo mais
combativo que se constituiu a partir de meados da década de 70 e aglutina
sindicalistas independentes (isto é, sem militância anterior), setores da esquerda
católica, tendências socialistas e comunistas desvinculadas dos partidos da
esquerda tradicional, entre outras tendências. Tendo como eixo de sua ação o
apoio à luta econômica dos trabalhadores contra o arrocho salarial e a
superexploração do trabalho, ampliou-se significativamente ao longo da década de
80. Canalizou também sua luta a favor da plena autonomia dos sindicatos frente ao
estado e desde o seu III? Congresso Nacional, realizado no Rio de Janeiro em
1986, assumiu, em seu Programa, um compromisso de combate ao capitalismo e de
luta pela construção da sociedade socialista. Suas principais tendências são: a
Articulação, grupamento majoritário, mais sindicalista e com menor ênfase
político-ideológica, da qual participam vários dirigentes sindicais que têm
significativa projeção nacional e a CUT peia Base, com uma presença menor, porém
expressiva e que assume um perfil político e ideológico de esquerda mais
acentuado, de inspiração marca- damente socialista.
Nos embates e nas disputas entre estas e outras tendências existentes ou que
se vêm incorporando, a CUT tem avançado em sua trajetória, constituindo-se hoje
em uma Central com forte apoio dos setores mais organizados da classe
trabalhadora. Se é possível estimar a existência, em 1988, de aproximadamente 7
426 sindicatos em nosso país, dos quais 4 277 são urbanos e 3 149 são rurais
(dados extraídos do IBGE, Ministério do Trabalho e da CUT), a Central Única dos
Trabalhadores tem presença junto àqueles sindicatos mais expressivos, mais
organizados, com maior tradição de lutas. A CGT vive, por sua vez, sustentada por
ampla parcela da burocracia sindical àntiga e subserviente, herança do
sindicalismo atrelado da época getulista e daqueles que se proliferam durante a
ditadura militar. E, também, daqueles que, por convicção ideológica, optaram pela
defesa do capital, como fazem os líderes do “sindicalismo de resultados". De modo
que, ao final dos anos 80 e início de 90, o quadro sindical é bastante distinto
daquele existente na década anterior: aqueles que de algum modo estão inseridos
na defesa dos interesses dos trabalhadores, encontram seu leito natural na ação
da CUT. Aqueles que, por sua vez, querem integrar e conciliar a luta entre capital e
trabalho, encontram seu caminho tanto na “moderna” burocracia sindical, quanto
na vertente denominada sindicalismo de resultados. A USI (União Sindical
Independente) é absolutamente inexpressiva em termos de basés sociais efetivas
e controla a maioria das Confederações que ainda praticam o peleguismo arcaico,
totalmente atrelado e contrário aos interesses dos trabalhadores. É a massa
amorfa dos velhos pele- gos que sequer querem modernizar-se. Por tudo isso, o
sindicalismo do final dos anos 80 e começo de 90, além da luta de resistência que
vêm desempenhando desde o nascimento do sindicalismo combativo, terá também
cada vez mais nítida conformação político-ideológica, entre os que defendem a
ordem do capital e aqueles que, de algum modo, inserem sua luta no universo
anti-capitalista.
A década de 80 vivenciou, também, a eclosão de amplos movimentos grevistas,
as greves gerais, que objetivavam exprimir a rebeldia dos trabalhadores à política
de arrocho salarial e de superexploração do trabalho. Exemplos destas foram a
greve geral de 83, contra os decretos que penalizavam os assalariados, e já sob o
Governo Sarney, as greves gerais de dezembro de 86, agosto de 87 e março de 89
que, especialmente neste último caso, contou com a adesão significativa de
trabalhadores em distintas regiões do país, motivados em sua luta contra as
perdas e pela reposição dos salários.
A década dé 80 presenciou um aumento significativo dos índices de
sindicalização, através da expansão do número de trabalhadores urbanos e rurais
que se associaram aos seus respectivos sindicatos. Enquanto em vários países
europeus e nos Estados Unidos tem havido um decréscimo das taxas de
sindicalização, em nosso país deu-se o inverso. Em 1977, o índice de sindicalização
dos assalariados urbanos era de 17% nos sindicatos oficiais e, na zona rural, esse
índice chegou a 35% (IBGE, 1978, 80, citado por Armando Boito). Lembre-se que,
com a conversão de inúmeras associações de classe em sindicatos, ocorrida a
partir da Constituição de 88, aumentou significativamente o número de
trabalhadores sindicalizados, especialmente a partir da ampliação do direito de
sindicalização para os funcionários públicos e da extensão dos direitos sindicais
ao-mundo rural.
Para concluir este sintético balanço dos anos 80, ó necessário ainda responder
à seguinte indagação: o que mudou no sindicalismo depois da Constituição de 88?
Pode-se dizer que a Constituição, promulgada em outubro de 88, consolidou o
trânsito da ditadura militar para o conservadorismo civil no Brasil. A maioria
parlamentar dominante impediu que mudanças substanciais fossem conquistadas e
manteve, no essencial, o caráter conservador da Carta Constitucional. Apeèar
disto, houve pontos de avanço para os trabalhadores que o capital e os seus
representantes procuram obstar e inviabilizar, através da legislação
complementar.
No capítulo dos Direitos Sociais, em especial no que se refere à organização
sindical, está estampada a ambiguidade acima mencionada. Houve avanços
efetivos, porém, em vários pontos, foram mantidos aspectos nefastos anteriores.
Exemplifiquemos.
Um ponto importante obteve-se através da liberdade de associação sindical,
sem que para isso seja necessária a autorização do Estado ou a sua intervenção
(art. 8.°). Trata-se, é evidente, de um passo significativo e de uma conquista do
movimento sindical combativo. Porém, os sindicatos continuam organizados por
categoria profissional e não por ramo de atividade econômica (neste caso se
evitaria que uma mesma empresa tivesse trabalhadores vinculados a diferentes
sindicatos). E, o que é muito pior, manteve-se o nefasto imposto sindical, um dos
pilares mais importantes do sindicalismo atrelado. Foram ampliadas inclusive as
formas de contribuição, visando o fortalecimento das Confederações que, ao invés
de serem eliminadas, saíram fortalecidas. Como já mencionamos anteriormente, a
única Confederação, dentro da estrutura sindical oficial, que nasceu Como
resultado das lutas sociais foi a CONTAG — Confederação Nacional dos
Trabalhadores Agrícolas; as demais são todas parte do que há de mais nefasto no
sindicalismo brasileiro e deveriam ter sido extintas.
Foi também consagrado o direito de sindicalização aos funcionários públicos
que vinham, desde fins da década de 70, ampliando enormemente suas associações
de classe, mas a quem era vetado o direito de criar sindicatos. Foram estendidos
ao campo vários direitos sindicais anteriormente restritos ao mundo urbano. Foi
aprovado o direito de eleição de um representante dos trabalhadores nas
empresas com mais de duzentos empregados; é evidente, entretanto, que este
direito está ainda muitíssimo aquém de constituir-se em uma efetiva
representação dos trabalhadores, o que seria obtido a partir das comissões de
empresas (ver, na coleção Primeiros Passos, O que são Comissões de Fábrica).
A ambiguidade também se estampa com nitidez em dois outros aspectos que
dizem respeito aos trabalhadores: o direito de greve e a questão do sindicato
único. No que diz respeito ao primeiro ponto, embora tenha sido assegurado o
direito de greve — o que é um grande avanço —, há uma artimanha que pode
restringir tal direito. Caberá à lei complementar estabelecer quais são os serviços
ou atividades essenciais e como se procederá em caso de greve nestes setores. E
mais, os “abusos” cometidos serão sujeitos às penas legais. Ou seja, con- cede-se o
princípio do direito de greve e tenta-se restringi-lo ou mesmo inviabilizá-lo na
hora da sua regulamentação complementar. Velha tática constitucional das classes
dominantes brasileiras.
Por fim, a questão do sindicato único. Já expusemos, neste livro, nossa
convicção de que o sindicato único é uma conquista dos trabalhadores, resultado
da sua ação concreta. . Porém, mostramos também que é necessário que exista
ampla liberdade e autonomia sindical frente ao Estado (princípio este consagrado,
por exemplo, pela Convenção 87 da OIT). A Constituição brasileira de 88, ao
mesmo tempo em que consagra a livre associação sindical, proíbe a criação de mais
de um sindicato por categoria. Há, evidentemente, uma contradição. Em nossa
opinião, a aprovação da Convenção 87 da OIT, que permite a liberdade e autonomia
sindicais, não é incompatível com o principio do sindicato único conquistado na
prática pelos trabalhadores. Aquela Convenção possibilita tanto a vigência do
pluralismo sindical (que entendemos como prejudicial para os trabalhadores
brasileiros), quanto a existência do sindicato único, como, aliás, ocorre em
diversos países. Neste último caso, a existência do sindicato único ao invés de ser
uma imposição legal (neste caso trata-se de unicidade sindical), resulta de uma
decisão autônoma e independente dos trabalhadores, em suas lutas históricas pela
ação e organização unitária dos trabalhadores. E será difícil supor que a classe
trabalhadora em nosso país opte pela sua própria fragmentação nas organizações
de base. Ao contrário, sua luta tem-se pautado tanto pela defesa da
independência, autonomia e liberdade sindicais, quanto pelo princípio da
organização e da ação unitárias. Assim ela se tem expressado em vários
congressos, encontros sindicais de âmbitos diversos, desde assembléias de
fábrica ou de base, até seus encontros nacionais. Poderíamos mencionar
recentemente, só para darmos um exemplo, a luta travada pelos metalúrgicos do
ABC paulista, pela reconquista do seu sindicato, nas intervenções realizadas pela
ditadura durante as greves de 79 e 80. Numa das vezes houve inclusive uma
tomada simbólica do sindicato, enfrentando forte aparato repressivo.
Vê-se portanto que, se houve avanços a partir da constituição de 88, como a
possibilidade da criação de sindicatos (sem que seja necessário o reconhecimento
do Ministério do Trabalho), o direito de sindicalização dos funcionários públicos, a
extensão dos direitos sindicais ao campo, a obtenção do direito de greve, houve
também a manutenção de aspectos nefastos como o imposto e as contribuições
sindicais, a persistência das Confederações, a não obtenção da plena autonomia e
liberdade sindical, as possibilidades de restrição ao direito de greve, entre
outros.
Se a década de 80 alterou significativamente o movimento sindical em nosso
país, vê-se, entretanto, que a década de 90 será marcada por muitos outros
embates, ações e transformações. Muito ainda há que fazer. E, para concluir, vale
enfatizar que não basta a autonomia política dos sindicatos frente ao Estado; é
imprescindível também a independência ideológica dos trabalhadores frente ao
capital, condição para que se possa pensar numa sociedade fundada nos ideais de
emancipação humana. E isso implica em reconhecer e enfatizar que o sindicalismo
praticado pelos trabalhadores deva assumir, cada vez mais, um nítido caráter
ofensivo e anticapitalista.

PARA ONDE VÃO OS


SINDICATOS?
A última década vivenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas
transformações no mundo do trabalho, com repercussões diretas nas suas formas
tradicionais de representação, dadas pelos sindicatos e partidos. Creio que se
possa mesmo dizer, sem exagero, que foi a mais aguda crise deste século, que
atingiu de maneira avassaladora o mundo da materialidade e da subjetividade do
ser que vive do trabalho. A apreensão dos elementos centrais deste quadro crítico
mostra- se imprescindível para que se possam visualizar perspectivas para a nova
década.
Não foram poucas as transformações: com a inovação tecnológica, através da
automação e da robótica, desencadeou-se uma metamorfose na forma de ser
do trabalho. Paralelamente ao definhamento do operariado industrial
tradicional, vivenciou-se uma explosão do assalariamento no setor de serviços.
Desproletarização nas fábricas e terciarização do trabalho. As transformações
em curso atingem também o padrão taylorista e fordista, dominantes neste
século. Caminha-se rapidamente, nos países do Ocidente avançado, para a
flexibilização da produção; experimenta-se a desconcentração de grandes unidades
produtivas e flexionam-se os direitos e conquistas (árduas) do trabalho. Transita-se,
em vários ramos da produção, num rumo que vai do fordismo ao “toyotismo". Ao invés
do cronômetro taylorista e da produção em série fordista, movida por enormes
contingentes operários, avança-se, com o Japão na dianteira, para novos padrões de
produção e de gestão da força de trabalho. A experiência dos círculos de controle de
qualidade (CCQ) esparramam-se por todo o Japão e ensaiam experimentos no Ocidente
avançado e no Terceiro Mundo industrializado. Substituem o despotismo taylorista pelo
estranhamento do trabalho levado ao limite. É a apropriação do fazer e do saber do
trabalho.
Não é preciso reafirmar que este quadro penetra até a medula do operariado
industrial dos países avançados, que se reduz significativamente mas resiste
enquanto predominar o (neo) fordismo e o (neo) taylorismo. Desqualificou-se em
vários ramos, diminuiu em outros, como no mineiro e metalúrgico, e requalificou-se
em outros, como no caso dos operários-técnicos da siderurgia. Complexificou-se e
heterogeneizou-se ainda mais. Se a estes elementos estruturais acrescentarmos
aqueles que remetem ao universo da consciência, da subjetividade e da
representação do trabalho, compreende-se o porquê da agudeza da crise. Os seus
organismos tradicionais, como os sindicatos, estão aturdidos. Na defensiva, na
retranca e com vários pontos vulneráveis. Entre o estrago bárbaro do stalinis- mo
e a onda neoliberal, abandonam as perspectivas de emancipação do trabalho e
contentam-se com o bem-estar social- democrata. Distanciam-se dos movimentos
autônomos de classe e subordinam-se, política e ideologicamente, aos valores
existentes na sociabilidade regida pelo mercado. Abandonam o sindicalismo de
classe dos anos 60/70, forte na França e Itália, e optam pelo sindicalismo de
participação, como o alemão. Viram decrescer, nos anos 80, seus níveis de sindica-
lização, perdendo muito de suas bases e de suas forças. Neste quadro adverso,
querem discutir os impactos da automação, da robótica, das novas técnicas de
gestão etc. Como tudo isso tem como mola propulsora a produção para o mercado,
este é o limite que não podem transpor. Esta é a condição para participarem de
tudo. Ou melhor, quase tudo... Da Suécia à Itália, da Alemanha à França, o quadro,
em suas tendências mais gerais, pouco difere disso. E a unificação européia
acentuará essas tendências. Na Inglaterra, laboratório clássico do neoliberalismo
europeu, a ação sindical é ainda mais defensiva. Luta pela preservação de
conquistas sociais e públicas solapadas no fundo durante a vigência da era
Thatcher.
É claro que, nessa contextualidade, há sinais de resistência, dada a
permanência da contraposição entre capital social total e a totalidade do trabalho.
As centrais sindicais espanholas, uma vez contabilizadas as perdas oriundas do
Pacto de Moncloa, ensaiam ações mais ofensivas. Os ainda incipientes COBAS
(Comitato di base), na Itália, questionam fortemente a moderação das centrais
sindicais. A este quadro deve-se adicionar as consequências socialmente graves,
decorrentes da sociedade dual, dada peia presença dos gastarbeiters na
Alemanha (1 milhão e meio ao final da década de 80), do lavoro nero na Itália, isto
é, da presença do trabalho imigrante, que praticam o trabalho parcial, precário,
sub-humano, e que não gozam das benesses do welfare State.
Para apreender o significado da crise do trabalho no Terceiro Mundo
industrializado é preciso, entretanto, fazer mediações. Este vive uma
contextualidade particular que o insere ora no fluxo, ora no contra-fluxo dessas
tendências. México, Brasil, Argentina, Coréia e os países asiáticos de
industrialização recente ilustram bem esse quadro de confluências e dissonâncias.
O nosso país vivência as repercussões e impactos das mudanças estruturais
decorrentes da automação e da robótica. Desenvolvem-se, mais ou menos
ousadamente, novas técnicas de flexibilização e de gestão do trabalho, embora o
binômio taylorismo-fordismo ainda impere, e muito. Mas, no contrafluxo do quadro
do Ocidente avançado, inúmeras transformações fortaleceram o nosso
sindicalismo. As taxas de sindicaiização aumentaram significativamente na última
década, tanto no contexto urbano quanto no rural. Houve uma expansão enorme no
sindicalismo dos assalariados médios; o volume grevista foi intenso e em 1987
alcançou mais de duas mil greves e mais de 130 milhões de jornadas
não-trabalhadas. Ensaiou-se um projeto de organização de base, através das
comissões de fábricas, avançou-se na luta pela independência dos sindicatos em
relação ao Estado e verificou-se o nascimento das centrais sindicais. Este, um dos
pontos mais nevrálgicos do sindicalismo brasileiro, possibilitou o nascimento da
Central Única dos Trabalhadores que, em seus sete anos de existência, é caso
ímpar da nossa histõria do trabalho, só encontrando paralelo, em duração, na
pequena Confederação Operária Brasileira do início do século.
Se foram decisivas as transformações ocorridas em nosso sindicalismo nos
anos 80, o que se visualiza para os primeiros anos da nova década é sombrio:
recessão, mais arrocho salarial, aumento dos níveis de miserabilidade, além da
tentativa de consolidação, neste Terceiro Mundo industrializado, das
transformações vivenciadas no Ocidente avançado. O sindicalismo brasileiro terá,
por certo, uma década duríssima. Teremos que seguir, aqui, os rumos adotados lá
fora ou devemos buscar, em nossas especificidades, as reais saídas para a crise
que atinge o mundo do trabalho?

INDICAÇÕES DE LEITURA
Há um conjunto enorme de livros e artigos que tratam da temática sindical.
Aqui faremos algumas indicações que possibilitem outros passos para o leitor.
Sobre as origens do sindicalismo (na Inglaterra) consultamos bastante o
clássico de Engels, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (Ed. Global),
bem como os ricos artigos de Marx e Engels, sobre o sindicalismo, que o leitor
pode encontrar em El Sindicalismo — Teoria, Organizacion e Actividad (Ed. Laia,
Espanha). Um estudo minucioso o leitor encontrará em E. Hobsbawm, nos livros Os
Trabalhadores e Mundos do Trabalho (Ed. Paz e Terra), bem como nos três
volumes de E. Thompson, A Formação da Classe Operária Inglesa (Paz e Terra).
Pode consultar também A. L. Morton e G. Tate, O Movimento Operário Britânico
(Ed. Seara Nova, Portugal) e o livro de E. Dolléans, História deiMovimiento Obrero
(3 vol., Ed. Zero, Espanha).
Um amplo quadro das tendências do sindicalismo europeu pode-se encontrar em
Jesus Salvador e Fernando Almendros, Panorama dei Sindicalismo Europeo (2 vol.,
Ed. Fontanella, Espanha) e também em W. Abendroth, A História Social do
Movimento Trabalhista Europeu (Paz e Terra). Pode consultar o volume Economia Y
Política en La Accion Sindical (Pasado y Presente 44, México), com os artigos de P.
Anderson, Serge Mallet etc. Sobre o sindicalismo norte-americano ver Florence
Peterson, El Movimiento Obrero Norteamericano (Ed. Mary- mar, Argentina),
entre outros.
Utilizamos bastante vários artigos e textos de Lenin, que podem ser
encontrados na coletânea Sobre os Sindicatos (Ed. Ciências Humanas). De Trotsky
veja-se Escritos sobre Sindicatos (Ed. Kairós) e de Gramsci vejam-se os vários
escritos sobre sindicalismo e movimento operário na Antologia de Gramsci,
organizada por M. Sacristan (Siglo XXI, Espanha).
Em relação, ao Brasil, a bibliografia é também bastante ampla e aqui faremos
algumas indicações. No que tange às origens do nosso movimento sindical e
operário pode-se consultar o livro de Boris Fausto, Trabalho Urbano e Conflito no
Brasil (Difel), de F. Foot e V. Leonardi, História da Indústria e do Trabalho no
Brasil (Ed. Global), o ensaio de Paulo Sérgio Pinheiro “O Proletariado Industrial na
Primeira República”, em História Geral da Civilização Brasileira, Vol. X (Difel,) e
Ligia Osório Silva, O Movimento Sindical Operário na Primeira República
(Dissertação de mestrado, UN1CAMP).
Os livros de Azis Simão, Sindicato e Estado (Ed. Ática), Evaristo de Moraes
Filho, O Problema do Sindicato Único no Brasil (Alfa-Ome- ga), Leôncio Martins
Rodrigues, Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil (Difel) e José Albertino
Rodrigues, Sindicato e Desenvolvimento no Brasil (Difel), são pioneiros no estudo
da temática sindical.
Em relação à Crise de 30, à emergência do Getulismo e ao advento do
sindicalismo de estado consulte-se Ricardo Antunes, Classe Operária, Sindicatos e
Partidos no Brasil da Revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora (Ed.
Cortez) e o de Ângela Castro Gomes, Burguesia e Trabalho — Política e Legislação
Social no Brasil: 1917137, (Ed. Campus).
Da crise do Varguismo até o Golpe Militar de 64 podem-se consultar os estudos
de Luiz W. Vianna, Liberalismo e Sindicato no Brasil (Paz e Terra), de Ricardo
Maranhão, Sindicalismo e Democratização (Brasiliense), de Kenneth Erickson,
Sindicalismo no Processo Político no Brasil, de Sérgio Amad Costa, Estado e
Controle Sindical no Brasil (TAQ. Editor), e de Lucília de A. Neves, O Comando
Geral dos Trabalhadores (1961-64), (Ed. Vega).
Sobre as transformações do sindicalismo no pós-64 e sua evolução deve-se
consultar Heloisa Martins, O Estado e a Burocratização do Sindicato no Brasil e
Armando Boito, O Sindicato de Estado no Brasil (Tese d© Doutorado, USP).
Sobre a emergência do novo sindicalismo e do movimento grevista veja-se o
artigo de Maria Hermínia Tavares de Almeida, “O Sindicalismo Brasileiro entre a
Conservação e a Mudança" em Socie- dade e Política no Brasil Pós-64 (Ed.
Brasiliense), o de J. Chasin, “As Máquinas Param: Germina a Democracia", na
Revista Ensaio 1 (Ed. Escrita), o livro de John Humphrey, Controle Capitalista e
Luta Operária da indústria Automobilística (Vozes), o de Celso Frederico, A
Vanguarda Operária (Símbolo) e o de Leôncio M. Rodrigues, Partidos e Sindicatos
(Ed. Ática).
Uma polêmica sobre o significado das greves do pós-78 e das lutas sindicais e
sociais pode-se encontrar em Ricardo Antunes, A Rebeldia do Trabalho: o
Confronto Operário no ABC Paulista — As Greves de 1978180 (Ed. da UNICAMP),
Amnéris Maroni, A Estratégia da Recusa (Ed. Brasiliense) e Eder Sader, Quando
Novos Personagens Entram em Cena (Paz e Terra).
O leitor ainda encontra um conjunto de depoimentos e entrevistas sobre o
movimento sindical e operário, dos quais mencionamos o volume Por um Novo
Sindicalismo, organizado por Ricardo Antunes (Ed. Brasiliense), “Movimento
Operário: Novas e Velhas Lutas",“0 Arrocho Treme nas Bases do ABC", ambos na
Revista Ensaio. "A Greve na Voz dos Trabalhadores", em História Imediata 2 e
“Greves Operárias: 1968/78", em Cadernos do Presente. Deve consultar também
os diversos volumes da coleção Os Trabalhadores (co-editada pela Associação
Cultural do Arquivo Edgard Seuenroth), que estão voltados para o resgate da
história do trabalho no Brasil.
Sobre as transformações em curso no mundo do trabalho no sindicalismo dos
países avançados, o leitor poderá ler A Revolução dos Robôs, de B. Coriat (Ed.
Busca Vida); A Classe Operária em Mutações, de J. Lojkine (Oficina de Livros); A
Sociedade Informática, de A. Schaff (Ed. Brasiliense/UNESP) e Produção
Destrutiva e Estado Capitalista, de I. Mészáros (Ed. Ensaio), dentre os já
traduzidos em língua portuguesa.

Sobre o autor
Ricardo Antunes nasceu em São Paulo, em 1953. É professor de Sociologia do
Trabalho junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, onde
foi Diretor do Arquivo Edgard Leuenroth (Centro de Pesquisa e Documentação
Social). Foi professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e da UNESP,
Campus de Araraquara.
Doutourou-se em Sociologia pela USP (1986) e, anteriormente, fez
Mestrado.em Ciência Política pela UNICAMP (1980).
Publicou os seguintes livros: A Rebeldia do Trabalho (O Confronto Operário no
ABC Paulista: as greves de 1978180 (Ed. da UNICAMP; Classe Operária,
Sindicatos e Partido no Brasil (Da Revolução de 30 até a Aliança Nacional
Libertadora) (Ed. Cortez); Crise e Poder (Ed. Cortez); O que São Comissões de
Fábrica (Ed. Brasiliense, em co-autoria). Organizou o livro Por um Novo
Sindicalismo (Ed. Brasiliense) e co-organizou A Inteligência Brasileira (Ed.
Brasiliense).
Participou da organização dos volumes Movimento Operário: Novas e Velhas
Lutas e O Arrocho Treme nas Bases do ABC da Revista Ensaio. Colabora
regularmente em revistas e jornais escrevendo sobre política, a temática sindical
e do trabalho. Foi, também, membro do movimento de oposição sindical dos
professores de S. Paulo, Diretor da Associação de Docentes da Fundação Getúlio
Vargas e Diretor da Associação de Docentes da UNESP de Araraquara.

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