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Fé e razão

Existe um equilíbrio bastante grande por parte da Igreja quando se refere à teologia racional, pois,
ela não prega o otimismo racionalista e nem o pessimismo fideísta, pelo contrário, encontra o meio-
termo entre elas, dizendo que ambas devem caminhar juntas em direção ao Pai.
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O Concílio Vaticano I que em 24 de abril de 1870 promulgou a Constituição dogmática Dei
Filius sobre a fé católica, ensina: 
A mesma santa mãe Igreja sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as
coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, a partir das
coisas criadas; “pois o invisível dele é divisado, sendo compreendido desde a criação do
mundo, por meio dele tudo foi feito”; mas ensina que aprouve à sua misericórdia e
bondade revela-se à humanidade a si mesmo e os eternos decretos da sua vontade, por
outra via, e esta sobrenatural, conforme diz o Apóstolo: ‘Havendo Deus outrora em
muitas ocasiões e de muitos modos falado aos pais pelos profetas, ultimamente, nestes
dias, falou-nos pelo Filho. (DH 3004)

A mente humana, portanto, é capaz de conhecer a Deus por meio da criação. Os racionalistas e os
fideístas não creem nisso. Foi contra eles que o CVI se manifestou. Os primeiros são aqueles que
creem que a razão basta. Os fideístas, ao contrário, creem que somente a fé basta e que a razão não
é necessária. A Igreja, por sua vez, crê que fé e razão andam juntas. Mais ainda, crê que
uma ilumina a outra.
Para os protestantes não é possível conhecer a Deus por meio da criação. O famoso teólogo
protestante Karl Barth concluiu em seus estudos que a analogia entis é a razão fundamental pela
qual não é possível ser católico. Ele afirmava que quando homem usa a sua racionalidade para
conhecer Deus por meio da criação a única coisa que ele é capaz de produzir é um ídolo. Para ele, o
único caminho é a analogia fidei, ou seja, a analogia da fé, baseada no fato de que o homem deve
ater-se à revelação produzida por Jesus. O Cardeal Ratzinger empenhou-se a vida toda em mostrar
que a Igreja não aceita essa oposição entre a fé e a razão, pelo contrário, existe coerência no fato de
que ambas conviverem pacificamente. “A fé a razão são como duas asas que nos conduzem no voo
em direção a Deus. Se você tem a fé, mas não tem a razão, a fé é cega, mas se tem a razão e não tem
a fé, a razão enlouquece”, disse João Paulo II, na Carta Encíclica Fides et Ratio.
O pensamento protestante apresenta um erro básico: se é somente por meio da revelação que se
chega até Deus, como é que se dá o reconhecimento dessa revelação, uma vez que ela deve
obrigatoriamente passar pela mente, deturpada pelo pecado original e é capaz somente de produzir
ídolos? De que adianta Deus se revelar em Jesus Cristo de forma extraordinária se não existe uma
racionalidade capaz de acolher essa revelação? Portanto, a fé necessita da razão. Por outro lado, é
necessário também que a fé esteja ao lado da razão, pois somente a razão enlouquece, pois há de
procurar um fundamento para si em si mesma. Impossível. Ainda sobre o conhecimento de Deus, a
encíclica "Humanis generis", diz que:
Se, portanto, o homem é capaz de chegar a Deus, ele é também capaz de falar de
Deus a todos os homens e com todos os homens. "Esta convicção está na base de
seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e com as ciências, como também
com os não-crentes e os ateus."
De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus são
verdades que transcendem por completo a ordem das coisas sensíveis e, quando entram
na prática da vida e a enformam, exigem sacrifício e abnegação própria. Ora, o
entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, quer pela
ação dos sentidos e da imaginação, quer pelas más inclinações nascidas do pecado
original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões, facilmente se
persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja verdadeiro.
Por isso deve-se defender que a “revelação” divina é moralmente necessária, para que,
no estado atual do gênero humano, todos possam conhecer com facilidade, com firme
certeza e sem nenhum erro, as verdades religiosas e morais que não são por si
inacessíveis à razão. Ademais, por vezes, pode a mente humana encontrar dificuldades
mesmo para formar juízo certo sobre a “credibilidade” da fé católica, não obstantes os
múltiplos e admiráveis indícios externos propiciados por Deus para se poder provar
certamente, por meio deles, a origem divina da religião cristã, exclusivamente com a luz
da razão. Com efeito, o homem, levado por preconceitos ou instigado pelas paixões e
pela má vontade, não só pode negar a óbvia existência desses sinais externos, mas
também resistir às inspirações sobrenaturais que Deus infunde em nossas almas.” (DH
3875, 3876)

Conforme se vê no trecho acima, a Igreja defende o diálogo com religiões não-cristãs, por meio da
racionalidade, mas não esconde que há um problema de ordem linguística, pois a linguagem não é
capaz de dizer Deus adequadamente, apenas de apontar para Ele.
As criaturas apresentam uma certa semelhança com Deus. O homem, por sua vez, é imagem e
semelhança de Deus, embora por causa do pecado original, de alguma forma, tenha se tornado
somente imagem Dele. A semelhança é readquirida quando aos poucos, por meio da santidade, ele
se aproxima do modelo ideal de ser humano criado por Deus, que é o seu filho Jesus.
A grandiosidade de Deus é tamanha que o homem precisa constantemente recordar-se de que tem
limites por causa do pecado original. Assim, é preciso uma ascese permanente para que o homem
possa aproximar-se de Deus, cultivando a virtude da prudência, que é a capacidade de enxergar as
coisas sem distorcê-las por causa do desejo ou da repulsa. Por fim, é preciso lembrar que, se existe
uma semelhança entre Deus e o homem, maior ainda é a dessemelhança entre ambos:
Quando a Verdade reza ao Pai em prol dos seus fieis, dizendo: “Quero, Pai, que eles
sejam um em nós, como também nós somos um”, o termo “um” referido aos fieis se
deve entender no sentido de união de caridade na graça, enquanto, referido às pessoas
divinas, indica a unidade de identidade na natureza, como diz a Verdade em outra
passagem: “Sede vós portanto perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste”, como se
dissesse mais claramente: “Sede perfeitos” com a perfeição da graça, “como o vosso Pai
celeste é perfeito” com a perfeição da natureza, isto é, cada um a seu modo. Pois entre o
criador e a criatura não se pode observar tamanha semelhança que não se deva observar
diferença maior ainda. (DH 806)

Existe, portanto, um equilíbrio bastante grande por parte da Igreja quando se refere à teologia
racional, pois, ela não prega o otimismo racionalista e nem o pessimismo fideísta, pelo contrário,
encontra o meio-termo entre elas, dizendo que ambas devem caminhar juntas em direção ao Pai.

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