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AULA DO DIA 08/07/2020

Introdução
Aborto (de ab-ortus) transmite a idéia de privação do nascimento,
interrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da
concepção .Sob o nomem juris de aborto, o Código Penal tipifica quatro
crimes diferentes: duas definidas no art. 124, tendo como sujeito ativo a
gestante; outras duas, em que o sujeito ativo é terceira pessoa, descritas
nos artigos 125 e 126, que se diferenciam pela presença ou não do
consentimento da gestante.
Segundo Delmanto, “aborto, para efeitos penais, é a interrupção
intencional do processo de gravidez, com a morte do feto.” (Delmanto,
Celso. et. al. Código Penal Comentado. 8ª ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 467)
A questão da prática do aborto suscita um debate acirrado, permeado
de influências religiosas, há muitos anos. Segundo Delmanto, em diversos
países o aborto é lícito, até a 10ª ou 12ª semana: “Portugal, Itália,
Espanha, Inglaterra, Grécia, África do Sul, Dinamarca, Suíça, França, o
Estado da Flórida nos Estados Unidos.” (Delmanto, Celso. et. al. Código
Penal Comentado. 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015, p.
467)
Há quem afirme que o correto seria que o nome do crime fosse
abortamento, e não aborto, porque esta seria o produto do
abortamento. Contudo, aborto tanto é a “ação ou efeito de abortar;
abortamento” como “feto prematuramente expelido” (Dicionário
Eletrônico Houaiss ). A primeira acepção é a ação de abortar, que é o
sentido da conduta típica. De modo que não há impropriedade em se
falar em aborto ao invés de abortamento, pela simples razão de que
aborto é o ato de expelir prematuramente o feto.
Bem jurídico
Vida humana em formação. No caso de aborto praticado sem o
consentimento da gestante (art. 125), secundariamente, está a liberdade
e a integridade da gestante.
Espécies
1) autoaborto: a gestante provoca o aborto em si mesma (art. 124,
primeira parte).
2) consentimento no aborto: a gestante consente que outra pessoa lhe
provoque o aborto (art. 124, segunda parte).
3) aborto provocado sem consentimento: terceira pessoa provoca o
aborto sem o consentimento da gestante (art. 125). O consentimento de
gestante menor de quatorze anos ou inimputável não será válido; em tais
hipóteses, ainda que haja o consentimento, o agente responderá pela
pena do aborto sem consentimento (art. 126, parágrafo único).
4) aborto provocado com consentimento: terceiro provoca o aborto
com o consentimento da gestante (art. 126).
dica: sempre que a gestante praticar o crime definido na segunda parte
do art. 124 (“consentir que outrem lhe provoque”), haverá uma terceira
pessoa cometendo o crime do art. 126 (“provocar o aborto com o
consentimento da gestante”).
Sujeitos do crime
Sujeito ativo
Art. 124: é a gestante, porquanto apenas ela pratica o autoaborto e
apenas ela consente que outra pessoa lhe provoque o aborto. Poderá
outra pessoa figurar como partícipe desse crime, como na hipótese em
que o namorado auxilia a gestante a praticar o autoaborto, comprando
o remédio abortivo.
Arts. 125 e 126: o sujeito ativo é qualquer pessoa, exceto a gestante, que
só pode ser autora dos crimes do art. 124.
Sujeito passivo
Em todos os tipos é o ser humano em formação (ovo, embrião ou feto).
No aborto não consentido (art. 125) e no agravado pelo resultado, a
gestante também figura como sujeito passivo.
Tipo objetivo
Art. 124
No crime do art. 124, são duas as condutas, uma é o autoaborto outra é
o consentimento no aborto.
Autoaborto: o crime se configura quando a própria gestante provoca o
aborto em si mesma. A gestante realiza as manobras abortivas, ou seja,
ela mesma provoca, causa o aborto. A provocação do aborto pode ser
através de ingestão de substâncias químicas ou por via mecânica, com
a introdução de objetos pontiagudos no útero.
Consentimento no aborto: a gestante não provoca o aborto, mas
consente, ou seja, autoriza, outra pessoa a realizar o aborto. É a hipótese
em que a gestante vai até uma clínica de aborto e contrata os serviços
do profissional; ou solicita que outra pessoa realize as manobras abortivas.
Ressalte-se que nessa conduta, pessoa que realizou o aborto com o
consentimento da gestante, responderá pelo crime definido no art. 126.
Em ambas as figuras do art. 124, temos um crime de ação livre, que é
cometido por qualquer meio.
Arts. 125 e 126
Já nos crimes dos arts. 125 e 126, a conduta é de provocar aborto.
Provocar é dar causa, originar, ocasionar. Trata-se de crime de ação livre,
de modo que existe com qualquer meio executivo que provoque a morte
do feto. Não importa o meio utilizado, se químico ou mecânico, haverá
crime de aborto se houver o resultado naturalístico, morte do feto.
Admite-se o crime cometido por omissão se o agente tinha o dever de
impedir (art. 13, § 2º, CP) o aborto e se omite dolosamente.
A diferença entre os dois crimes é que o crime do art. 125 é cometido
sem o consentimento da gestante, contra a vontade dela. Nesse caso o
crime é mais grave, com pena de reclusão de 3 a 10 anos, pois além da
vida em formação que é afetada, também se viola o direito da gestante
de ter seu filho.
Já no art. 126, o aborto é provocado por terceiro, com o consentimento
da gestante. A gestante consente e comete o crime do art. 124, segunda
parte, e a pessoa que provoca comete o crime do art. 126.
Note bem, a gestante consente e o terceiro provoca. São duas condutas
diferentes, consentir é autorizar, provocar é realizar os atos que matam o
feto.
Se o aborto for cometido em gestante menor de 14 anos, com doença
mental ou se o consentimento foi conseguido mediante fraude, grave
ameaça ou violência, o consentimento não é válido, de modo que o
crime que se configura é o do art. 125.
Tipo subjetivo
Dolo, que pressupõe a consciência da gravidez.
Consumação e tentativa
Consuma-se com a morte do feto.
O aborto se configura com a morte dolosa do feto. A morte tanto pode
ocorrer no ventre, como fora, como na hipótese em que a morte ocorre
poucos minutos após, em decorrência da expulsão do feto. Contudo, se
nascendo com vida, o agente precisa realizar algum ato para causar a
morte do nascente, seja comissivo ou omissivo, o crime será de homicídio.
“A ação de provocar o aborto tem por objeto interromper a gravidez e
eliminar o produto da concepção. Ela exerce-se sobre a gestante ou
também sobre o próprio feto ou embrião. Isto significa que a mulher
engravidada e o fruto da concepção constituem objeto material da
ação de provocar o aborto. Consuma-se o crime com a morte do feto
ou embrião. Pouco importa que a morte ocorra no ventre materno ou
fora dele. Irrelevante é, ainda, que o evento se dê com a expulsão do
feto ou sem que este seja expelido das entranhas maternas” (TJSP – Rec.
– Rel. Onei Raphael – RJTJSP 67/322).
“Ocorrendo o nascimento com vida do feto e verificando-se a sua morte
posterior, em conseqüência de fatores independentes das manobras
abortivas, v.g., a ação ou omissão voluntária do agente, o delito a se
cogitar é o de homicídio e não mais o de aborto” (TJSP – AP – Rel. Mendes
Pereira – RT 483/277)
É admissível a tentativa, pois se trata de crime plurissubsistente, que pode
ter o iter criminis fracionado.
Ocorre o crime impossível (art. 17, CP), não se punindo a tentativa, pela
impropriedade do objeto, quando não há gravidez ou pela ineficácia
absoluta do meio, quando a gestante ingere algo que não é abortivo.
Ex: a) a mulher supõe estar grávida e toma remédios abortivos, nesse
caso o crime impossível ocorre pela impropriedade absoluta do objeto;
b) a gestante usa meios que não são aptos a causar o aborto, ingerindo
ervas, vendidas como se fossem abortivas, mas que são inócuas.
Causas de aumento de pena
Nas hipóteses dos arts. 125 e 126, a pena será aumentada: a) 1/3 se o
aborto causa a lesão corporal grave na gestante; b) duplicada se o
aborto causa a morte da gestante.
Existem aqui duas modalidades de crime preterdoloso. Tanto no caso de
lesão corporal grave, como no de morte, o crime tem dolo no
antecedente e culpa no consequente.
A causa de aumento de pena aplica-se apenas a quem for condenado
com incurso nos arts. 125 e 126. Se a gestante praticar um dos crimes do
art. 124 a gestante não sofrerá com o aumento de pena se ela sofrer
lesão corporal grave. A lei é expressa ao prever o aumento de pena
exclusivamente para os crimes do art. 125 e 126. Isso ocorre porque a lei
penal brasileira não pude a autolesão.
Concurso de crimes
Na hipótese em que o agente mata a mulher, consciente de sua
gravidez, causando a morte do feto, haverá concurso formal de delitos,
entre o homicídio e o aborto sem consentimento (art. 125). Todavia, se
ficar caracterizado o feminicídio (art. 121, § 2º, VI, CP), o aborto fica
absorvido pela causa de aumento de pena.
Aborto legal
O art. 128 contém duas hipóteses em que não será punido o aborto,
desde que praticado por médico:
Aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I): é uma hipótese específica
de estado de necessidade. Em tal situação, entre o confronto entre duas
vidas, se não houver outro meio de salvar a vida da gestante, a opção é
pela vida da mãe em detrimento da vida do feto. É dispensável o
consentimento da gestante. Se cometido por pessoa que não seja
médico, desde que o perigo seja atual, não há crime pela exclusão da
ilicitude, pelo estado de necessidade (art. 24, CP)
Aborto humanitário, sentimental ou ético (art. 128, II): se a gestação é
decorrente de estupro, desde que autorizado pela gestante ou por seu
representante, se incapaz. “O fundamento da indicação ética reside no
conflito de interesses que se origina entre a vida do feto e a liberdade da
mãe, especialmente as cargas emotivas, morais e sociais que derivam
da gravidez e da maternidade” (Régis prado, Luiz. Comentários ao
Código Penal. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 508).
Para que o aborto seja feito, duas são as exigências:
a) gravidez decorrente do estupro e
b) consentimento prévio da gestante ou seu representante legal. A lei
não exige autorização judicial.

Aborto de anencéfalo
Colocando fim a uma demorada controvérsia jurídica, o Supremo
Tribunal Federal julgou a ADPF 54, declarando ser inconstitucional a
interpretação dos arts. 124, 126 e 128, que considere como crime de
aborto a interrupção de gravidez de feto anencéfalo.
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo
absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO
ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE
SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO –
DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se
inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto
anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II,
do Código Penal. (STF — ADPF 54 — Pleno — Rel. Min. Marco Aurélio — j.
12/04/2012, in: file:///C:/Users/Jose/Downloads/texto_136389880.pdf)
O entendimento do STF é no sentido de que não existe bem jurídico a ser
tutelado, pois o feto não tem a menor possibilidade de vida.

COMO ENCONTRAMOS NO CÓDIGO PENAL

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho


provoque: (Vide ADPF 54)
Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide


ADPF 54)

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante


não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o
consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são


aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios
empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de
natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe
sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF
54)

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de


consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante
legal.

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