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PITAGORAS E OS PITAGORICOS

Dirdos lnternacionais de Catalogação na Publicaçáo (ClP) JEAN-FRANÇOIS MATTEI


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Professor da Universidade de Nice
Mattei, Jean-FranÇois
Pitágoras e os pitagóricos / Jean-François Mattéi ; ltradução
ConstanÇa Marcondes Cesarl. São Paulo : Paulus, 2000.
(ColeÇão Filosofia em questão)
- -
Título original : Pythagore et les pythagoriciens.
BibliograÍia.
ISBN 85-349-1688 B

1. Filosoíia antiga 2. Pitágoras 3. Pitagorismo l. Título. ll. Serie.

00-2041 cDD-182.2 PITAGORAS


Índices para catálogo sistemático:
1. Pitagorismo : Filosofia 182.2 E OS PITAGORICOS

Coleção FILOSOFIA EM QUESTAO


. Pensamento ético conten)poráttc'o, Jacqueline Russ
, Pitágoras e os pitagÓicos, Jean François Mattéi
Título original
Pythagore et les pythagoriciens
INTRODUÇAO
O Presses Universitaires de France,.l993
108, boulevard Saint-Germain, 75006 Paris

Tradução
Constança Marcondes Cesar

Revisão
Zolferino Tonon

"O começo é a metade do Todo": tal é uma


das mais surpreendentes sentenças que os
pitagóricos chamavam de hómoia, "similitudes",
e nas quais condensavam sua visão da existência
de uma forma simbólica e freqüentemente enig-
mática.l Se o tomamos ao pé da letra e a pala-
-
vra grega aqui não é neutra: arché, o "começo" eo
"mandamento" de todas as coisas ser-nos-á pre-
ciso reconhecer que o pensamento -, de Pitágoras
comanda a metade do pensamento ocidental, que
se identificou progressivamente com a universali-
dade. Ou talvez seja mesmo a totalidade desse pen-
samento que se mantenha sob o impacto do come-
ço, embora Pitágoras não tenha ousado transpor
tal limite e, assim, aborrecer os deuses. Se é verda-
O PAULUS _ 2OOO de que a filosofia constitui de Platão a Heidegger, e
Rua Francisco Cruz,229
04117-091 Sáo Paulo (Brasil) de Spinoza a Hegel, esse campo único onde o pen-
Fax (G- -11) 570-3627 sdmento se conFronta com a totalidade do ser, en-
Tel. (0--11) 5084-3066
http://www.paulus.org. br tão o conjunto desta reflexão se inscreve necessa-
dir.editorial@paulus.org.br
I Timcu, ci tado por Jâmblico, 74 I 62. Cf , Platão, Leis, Vl, 53 e
lsBN 85-349-1688-8 7

ISBN 2-13-045283-3 (ed. original) 754 a, e Hcsíodo, Os trabalhos e os dias, 40. -


(,.
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. L- ./T " {
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I riamente sob o signô daquele que ioi o primeiro a Esta anedota não remonta, sem dúvida, mais
\\ portar
---"-.-__.- o título de
"lilósolo". longe que a Academia platônica, como A.-J.
Festugiêre mostrou. Tem, contudo, o mérito de lem-
\ S"gunclo o testemunho de Heráclido do Ponto,
brar-nos que somos devedores, ao primeiro filóso-
com eÊcito, Pitágoras teria tido uma conversação
sábia com Leão, o tirano de Flionte.2 Como este fo, deste esforço heróico que impulsiona o amante
último admirasse seu gênio e sua eloqüência, in- da sabedoria a se desapegar do mundo para me-
dagando em qlle artc se apoiava, Pitágoras teria lhqrleqhecê-lo, e lançar, assim, uma ponte entre o
declinado do epíteto de"sâbio" (sophó!) e respon-
dido que não conhccia nenhum'ããíte, mas que era !ome4-e-DSs. As preocupações morais e os pre-
ceitos religiosos do pitagorismo podem parecer-nos,
"
W:"F d-9t::l:::y/zos )' .1-cã o es pa n t o. -sc c o m hoje, bem distantes das exigências de nossa ciên-
esse IeTTno novo e pergunrou qurffirarn,as di[e-
ãtit'õÍ-Eomens. cia. Permanece, contudo, o fato de que a influência
Piiagorã§Tesponaeu quen vida humana era com- histórica da filosofia pitagórica foi considerável em
parável a essas assembléias às quais a Grécia in- todos os campos do saber, das matemáticas e da
teira comparecia, por ocasião dos grandes jogos:
alguns vêm aí lutar para obter uma coroa; outros astronomia à música e à arte. Certos epistemólogos,
tratam dc fazer comércio; outros, enfim, não se g#IgPPs:reconhecem hoje qr-re as teorias
interessam nem pelos aplausos nem pelo ganho, crent i I rcas orocedeffiren-
mas vêm para ver, simplesmente, o que se passa ças q[e poclem-Eõ5trar-se, al'inal, como antgciBa-
nos jogos. Do mesmo modo, na vida, alguns são
i escravos da glória, outros do dinheiro, mas outros,
r mais raros, observam com cuidado a natureza:
i. se reduz a umã,õ-7im-Mtistórico que seria a
n--ão

\"são-csscs qrlg chamamos de amigos 4asíLbcdo- fonte esquecida da ciência moderna. Por-sua'preo-
I
--.:L quer dizcr, dc [ilósofos", comenta Cícero. A
lria, cupação de unilicar as leis fur",dr-.rr fii-
ftãam-mmnoênTÊã-ileus e o homem, o filósofo epen-
§erá doravante este ser enigmático, que lança um
blhar sereno sobre o teatro da existência. Pode-se
imaginar qlle no fim do espetáculo ele saberá jogar modo de pensamento que permanece vivo na maio-
seu manto na espádua direita e partir, com o gesto ria dos homens de ciência; de modo paralelo, sua
soberano de um homem livre. l intuição de que todos os seres da natureza funcio-
l
nam segundo analogias, em uma misteriosa cor-
I
a)
2 CÍcero, Tusculanas, I Cl. K. Poppcr, Conjeturas e Reliltações, Paris, Payot, 1985. Há
V 8-9; Diógenes Laércio, Vidas, VIII, 8, 6 sc-
gundo Sosicratcs; Jâmblico, Vf 58.
I tradução brasileira (N.T.).
i
6
respondência que fascinará Baudelaire, Balzac, Observação
Nerval ou Mallarmé, conserva sua fecundidade, Não existe nenhuma edição trancesa completa-5
para a maioria dos artistas. Será preciso escolher, do conjunto dos escritos pitagóricos. O leitor se re-
como em Poe, entre o poeta e o matemático e dis- portará aos três volumes de Maria Timpanaro
Cardini, Pitagorici. ksÍiruonianz.e e f rammenti,lex-
tinguir as duas metades do Todo? to grcgo, tradr-rção italiana e comcntário. À medida
É esta apreensão original do mundo, sempre qlre csses escritos, de acesso diÊícil, estão dispersos
submetido ao império do começo, que buscamos em um grande número de doxógra[os, de comenta-
redescobri4 retornando aos textos mais antigos que dores e de filósofos da Antiguidade, achamos bom
foram conservados. Sob muitos aspectos, entra o indicar, a cada vez, a despcito das repetições, as
fontes de nossas reÊerências. Para não tornar pesa-
arbitrário, na tentativa de reconstrução de uma fi- do o tcxto e as notas, abreviamos os títulos das obras
losofia, da qual só temos ruínas, acima das quais mais importantes utilizadas, sem os completar com
vela a figura lendária de Pitágoras. Acreditamos, as reterências bibliográticas que sc cncontrarão no
no entanto, ser possível oferecer não só um sim- tim do volume; a Vida de Pitdgoras, de Jâmblico e
ples apanhado das doutrinas pitagóricas mas a ex- de PorÊírio, são citadas comoVP, eVidas, doutrinas
e sentenças dos filósolôs ilustres de cada seita, de
posição de um sistema coerente, arriscando-nos às
Diógenes Laércio, comoVidas. No que concerne às
vezes a propor alguns esclarecimentos pessoais, a traduções Êrancesas, utilizamos principalmente as
partir de certos textos de Platão. O leitor poderá do volr,rme de J.-P. Dumont, Os pré-sctcrtí1ico.s, com
assim ter uma idéia desta mutação única que, há algumas modiÊicações em certos casos. Quanto às
vinte e cinco séculos, fez a Grécia oscilar de um obras de Platão, escolhemos as traduçÕes de Léon
Robin na slra edição das Obras Completas da Pléiade
., modo de pensar religioso a um modo de pensar e na coleção bilíngüe das Universités de France.
I racional: nós o devemos, em grande parte, àquele EnFim, as obras das quais damos as referências
I qr" Hegel via, sem dúvida num espelho escuro, completas em notas não foram retomadas na biblio-
I ccimõ%pÍímeiro mestre universal".4 graÊia seleta.
I

a
Hegel. kçons sur l'histoire de la philosophie, t. I, Paris, Vrin, I 97l ,
s Nem edição brasilcira (N.T.).
pp.72-73.

8 9
Capítulo I

PITAGORAS

A documentação tardia que temos sobre a vida


de Pitágoras permite, com dificuldade, separar a
lenda da história, quanto à personalidade surpre-
endente desse reformador religioso, ao mesmo tem-
po taumaturgo, matemático e filósofo, atento à mú-
sica das esferas bem como à harmonia da cidade,
que os intérpretes modernos, em primeiro lugar E.
R. Dodds e W. Burkert, aproximaram dos xamãs
orientais. gjmg ja notarl Zell:.,u qlalto pals nos
drstancramos da mos
crescer, entre tardios, as informaÇões
sobre o pitagorismõ-re@ê

Apolônio de Tiana, Moderato de Gades ou Nicô-


maco de Geressa, que parecem ter utilizado, sem
grande discernimento, autores do século IV a.C.,
como Aristoxenes de Tarento, Dicearco de Mes-
senia, Heráclides do Ponto, Timeu de Tauromenio

ó E. Zeller; In philosophie des Crecs, p. 57,2 vols., Paris, 1877 c


I 882.

11
para consultar a Pítia, souberam que Partenis esta-
()u, ccrca do século a.C., Antonius Diógenes e
1e va grávida e que poria no mundo um filho belo e
Alcxandre Polistor (suas Sucessões dos filósofos sábio; Menesarco muda então o nome de sua mu-
t,-árn screvdiãm à;:Wfgd*I- lher para Pitais (a "Pítica") e chamou a criança
t"'EI àipioÉs". anunciada pela Pítia de "Pitágoras", o "anunciador
pítico". Na verdade, se Pitágoras tinha heçdado de
Lãêrciõ;Tõimite iâmblico (fim do século 2a
- cffiíiõãõãsçr*üqçntã
ffiêffi@
tostradicionais são compostos segy44r um g?4e-
seu pai

suaffia"dõ ;ió-óiiõ ÂÊõlõ, dã dualTiiã]í ti nIã


àá

ro literário bem conhecido na época helenística, que


íde"iiia, õã*-fi;* ãâããificrçãor-õ'iirtiàtó *oial do pê?túEããorã: segundã Heráclides do Ponto,e
trate d'ê Pitágoras teria sido primeiro Etalides, Êilho do deus
@-gu Hermes, que tinha concedido a seu filho o dom de
bárbaros (egípcios, judeus, essênios, brâmanes, in- se recordar de suas vidas anteriores; depois,
dianos...) ou de gregos. Euforbo, o troiano, que Menelau devia ferir em
Tróia e que teria sido o primeiro homem a traçar
De todos esses testemunhos incertos pode-se ex- figuras geométricas; sua alma teria emigrado, em
trair os principais episódios da vida extraordinária seguida, para o corpo de Hermotimo, o adivinho
\ deste homem-deus, na qual Isidore Lew pôde ver que, para provar sua ascendência, mostrara aos
sacerdotes de Didimos, no templo de Apolo, o es-
cudo consagrado por Menelau no seu retorno de
ria nascido cerca de 580 a.C. em Samos, uma ilha Tróia; escudo apodrecido, do qual só restava o re-
da a do Pa- vestimento de marfim; foi, entim, o pescador Pirro,
vão; sua morte é fiISda cerca-de 497, com mais de na ilha de Delos, antes de renasceL com a morte
oiteitaãnosiei6dõió nos dá o nome de seu pai desse último, sob a forma de Pitágoras, que se re-
na única passagem em que cita Pitágoras (Investi- cordava de todas as suas vidas anteriores. Os
gação,IV 95): Zalmoxis, a divindade trâcta, foi na pitagóricos Androcido, Eubúlides e outros biógra-
iealidade um homem, escravo em Samos, "a servi- fos de Pitágoras, citados pelo Ps.-Jâmblico (Teol.
ço de Pitágoras, filho de Menesarco"'8 Seu pai, gra- ait., 52,8), a[irmavam que suas metempsicoses
vador de pedras-pl-e*cl-q§4s- e sua mãq, Partg+is, a duraram duzentos e dezesseis anos e que depois do
dt do mesmo número de anos ele tinha vindo novamente
hcrói Anceu, filho de Zeus, que fundou a cidade de ' ao mundo, "como se tivesse esperado o primeiro
Samos. Menesarco e Partenis, tendo ido a Delfos retorno cíclico do cubo do número 6, princípio ge-
#l
7
l. Lóry, A lenda de Pitrigoras, p.34O. e Diógcncs Laércio, Vidas,
8 CÍ'. Aristírtclcs, Os Pitagóricos, fr. 191, cm Apolônio, Histórias Ylll,4-5; I{ipólito, Reliuação, l, 3, 3;
Ps.-Jâmblico, Teol. arit., 52.
nnravilhosas, 6; Diógcncs, Vid a s, VlIl, 8,6.

13
t2
rzrdor da alma, ao mesmo tempo que número re- a_d<IJLrLna dos nútmeros e a música. Diodoro dc
corrente, cm virtude de sua esfericidade". Eritréia c Aristoxenes, segundo Hipólito (Relut.,I,
2. l2), atribuem-lhe também Lrm encontro, cntrc
os cald
Trcão-ãe -i m p ii ic 2a*s; teri-a rc_c c b id o o ba t i s m o,n o
Her mas, mos, quc Eulrates e vivido ainda dez anos na Pérsia, dcpois
-.ry'-,?Í'""-":

Homero, llíada dzü õüLtfa-Aô i'iüoo§for-Smêidis. Teria sidó levado


fora hóspede dc ensinou-lhe a ea
Odisséia d" .o..@que ensinava aEffiãiffi ; aÊ la;i ã ê "c o n t ra cl õãÉ'u ã"a ;ãõ[a t o,
numa caverna q.,"@-[ãIia sido o pri- os dois e ns i n a mcntg_s= -3p-ls§-g!!a1n y-r u.1tos pon tos
" ouffio
meiro a susrcntar ôõÍfiiin§i' d;eióminênci a d ó' d cu s-sol, d outri na da
imortãEãiíÍiuenciou profundamente; segundo transm
Tffii&;Gorfírio, VP, 55, 56), Pitágoras teria as- os seres. Lltlerto por Lrm õroõ*nênsõ chá-
sistido aos últimos momentos de Ferécides e, se- iãããõiÍos, segundo Apuléu, Pitágoras retornou a
gundo Aristoxenes (Diógenes, Vidas,I, 118), teria Samos, onde o tirano Policrates continuava reinan-
sido enterrado em Dclos. Talcs de Mileto lhe teria do. Começa a ensinar nun-r anfiteatro a céu abcrto,
ensinado o domínio do tempo, a temperança c a o Hemiciclo, sem grande succsso. Jâmblico rcpor-
verdadeira ciôncia; teria, enfim, conhecido Anaxi- ta que pagou três óbulos pela lição dada a seu pri-
mandro, na mesma cidade. Depois de ter deixado meiro aluno quc, em seguida, o seguiu e manteve.
Mileto, Pitágoras foi a Sidon, na Fenícia, onde en- Teria vivido numa gruta, onde se reuniam vinte e
controu os descendentes do profeta Mopso, que o oito discípulos: evoca a caverna de seu mestre
iniciaram nos mistérios em Tiro e em Biblos. Fa- Ferecícles e principalmente o antro das nin[as de
zendo retiro no templo do monte Carmelo, a mon- que fala a Odisséia (canto XIII). Sabe-se que parq
tanha do Senhor Elias, realizou seu primeiro mila- Porfírio, que narra que os pitagóricos e Platão cha-
gre, transpondo os precipícios da montanha santa ffide "mundo" (cosmos) um antro e uma ca-
para ir a um navio egípcio, ao pé do Carmelo, que o vcrna, esta grtrta é o*.ínhqlg-ç!g gulgliudg_glfç_.9
conduzirá ao Egito. Rscebr.do em Sêís fa"rú mundo e colnpq§llg]! (Antro,5). Em Creta, teria dcs-
Amasis,passalA-y[Lle.g.-dg-§anq-s^+*s§-§§-país-,-a[dE cido ao antro do Ida, onde Rcia, a esposa de Cronos,
Tebasl P teria escondido Zeus, ao nasccr, para subtrailo do
ãíris; os sacerdo- [uror de seu pai, sob a proteção das ninfas Adrastéia
disco alado
de Aton-Rá, dc Êolhas de ouro, o que lhe valerá o
cognome de Pitágoras chrysomero, "da coxa de
ouro". , 3) c teria permanecido aí três vezes nove dias
Prisioneiro de Cambises por ocasião da conquis- @;csünaõHiãroiimo
ta do Egito, em 525, Pitágoras foi levado à Caldéia de Rodes, a alma de Hesíodo,urrando, presa a uma
on«Ic aprcncleu cgm@ coluna de bronze, e a de Homero, suspensa numa

t4 15
da pcla força c dcstrcza dc scus habitantes, qr.rc tri-
/rrvorc c ccrcada de setpentes, tendo assim os dois
lx)clas sido punidos por todas as fábulas quc ti-
ffi Éõa. cõdh êõêfr:ôêã§Ta-
o Êuturo gcnro de
nham inuentado sobre-os dcuses; a anetoda tem pelo
çanfiasffi,
Pitágoras, que obtcve seis vitórias nos Jogos Olím-
menos um tom platôrico.4 tEd&êqtn§tgiggngi1- picos, sctc nos Istimicos, e nove nos Nemeus; se-
y*,-aeçú d" PJ!3 r. o País de
"aa"-"
tffiiciadó nàs práticas órfi-
gundo Pausânias, clc carrcgarva no dorso sua pró-
pria estátua de bronze, fazia o circuito do cstáclio
cas Dor certo AglaoÊanos, se se acredita em Jâm- olímpico com um boi nas cspáduas, antes de matá-
blicó, em Espar-ta, depois enfim em Delfos' Teria lo com Lrm soco e devorá-lo inteiro etc. Tcria siclo
estado em reiação, segundo Diógenes Laércio, ci- um dos mais clevotados discípulos do mestre.
tando Aristoxenes (Vidas, VIII, 8 e 2 I ), com a sacer- Encontranclo
dotisa de Delfos, Temistocleia (Aristocleia, segun- p rr x a r u m a_-Lç § gg 4_-f ggg-P il 1gg-Lq§_gÁ_3
b a ra m cl c ouxar-umá
baram?lõ
do Porfírio, VP,4l) e teria escrito elegias no túmulo
de Apolo.
@çrl.§ç*e-rrsíl!^. r.õ qü ç iE
Banido por Polícrates ou então deixando Samos
i
iõdá 1p_ese,il
ãã màr. õ mil?igrei dô§-liêliei o'piôcecleu em óro-
de bom grado, Pitágoras parle para a Magna Grécia, Tffi'ãõãde logo trir-rnfoir no ginásio. Expôs aosjo-
onde de-sembarca perto de Síbaris, cerca de 512,
.-yens qu.e, é*.p_rgciso lr.o-4-ra1 no mundo, cômó na vida
segundo Timeu, cerca de 536, segund.o Aristoxenes' dos homens, aquilo quc ó anterior e-pre-_fe{{*S.sg.-
Se"m dlvida estava acompanhado de sua mulher
ry_eço,ao, lim, a alu'ora ao crepúrscr-rlo, os membros
Teano, filha de Brontino de Crotona, que teria es- ffiãiilãffi aos cstrangeiros, os deuses aos clcmônios,
nosado em Creta; de seus filhos, sua filha Damo e os demônios aos hcróis c os hcróis aos homens;
ieu Êilho Telaugc, bem como de alguns co-mpanhei- enfim, os pais aos filhos._P:qg*-ilSnp_çm.n"ç3- I o
ros. Diógcnes iaércio conta que Telauge fora o pre- gosto pelo cstudo, que deve completar os exercí-
ceptor dã Empédocles e que, se náo e.screveu nada, tlõs fisicos cT qge ós crotoncnscs sào excelentes.
sua mãe, em compensaçáo, deixou algumas obras' Seu discurso entusiasma Mílon, qtre ofcrecc a Pitá-
Ela respondeu a qlrem lhe perguntgu qm que mo- goras hospedagem cm sua casa, a qual sc tornará,
mento uma mulher estava purificada das relaçÕes em scguida, o lar dos pitergóricos de Crotona até o
com um homem: "Das relações com o marido, ime- incêndio tinal, que marcará o Êim da seita. Todo o
diatamente; das com um outro, nunca". A cidade mundo logo disputa a honra de escutar q
de Síbaris, uma das mais antigas fundadas pelos .!ffivi?! irá

g*gos n. iiaha do Sul, era uma cidade de trezen- ffiãffi)iiãffiG;ãde se scntam os mil cidadãos
ior"-it habitantes, célebre por sua riqueza e refina-
rn".rto; cozinheiros hábeis recebiam aí coroas de -
descendentes dos fundadores de Crotona, ele os
aconselha a construir um santuário para as Musas
ouro e faziam-se com um ano de antecedência os da concórdia e a destruir todas as formas de exces-
convites para os banquetes.-lltilp1e1não se de- so na slla vida comum. Prega em seguida, no tem-
tém aí ,ni puryP,trJ,
"
a,C. -tt'uit plo de Apolo Pítio, às crianças, ondc faz o elogio da
ricq gllo-F!3íCd.ades {o mundo grego, repq-k
t7
t6
obediência, c no tcmplo de Hera, às mulheres' às do-a a não mais tocar nos seres vivos e a se conten-
quais aconselha a fideiidade conjug-al' Paralclamen- tar com fr-r-rtas e doces de mel; a anedota fabulosa
tà, pgde oos anuncia a conversão do lobo de Gubio por São Fran-
tar-asõIiêõãsõ[os efebos c que-[c§Iet.t§!n s 4.19 cisco, no livro XXI dos Fioretti. Pcrsuàde trm boi a
.sagrado da procriqçjlg .grctças-a-o qu'1! tl-ma.alma
por. csses d iscu |sos, não pastar as favas e, como recompensa, o faz esca-
@íê[ôi
os croaônenses"'reformam seus costumes, repll- par do matadouro confiando-o ao templo de Hera
cliam suas amantcs e se engajam na vida da perfei- em Tarento. Comanda também a natltreza inzrnima-
qual ccdo
faà ar,.,.t.iuda por este homem divino, do da, acalmando as tempestades e predizendo os tre-
proibiu-se proÀunciar o nome (Porfírio, segundo mores de terra, bem como zrs epidemias: um dia,
Dicearco, YB 18).
quando atravessa o Kasas, segundo Aristóteles, cita-
Pitágoras funda então sua congregação religio- do por Apolônio (Hist. ntaravilhosas,6), o rio eleva a
sa, o homakoeion, de vida austera e espírito aristo-
voz para saudá-lo na passagem, "o que aterrorizotr
crático, que influenciará tantos filósofos ulteriores, as pessoas presentes". Tem o dom da ubiqüiidade,
de Platãó a Nietzsche. Seiscentos discípulo9-,P9-9m posto que, ao mesmo dia, se acha entre seus compa-
sua vida e seus bens em-õffiffiT-Plãtaõffiíla- *-;
nheiros no Metaponto, na Itália, e em Tauromenio,
"entre amrgos,
tt '
na Sicília. Foi prisioneiro do tirano Falaris, que aca-
voravelmente o provérbio pitagórico:
tuclo é comum (philotàs lsolês) e vão progressiva- bou assassinado, e conheceu Abáris, por ocasião
-
mente difundir o ensinamento do mestre em todo o deste episódio (Jâmbl ico, VP, 215-221). O encontro
sul da Itália. De beleza notável e de rara eloqü-ê-ry911' com o velho sacerdote de Apolo hiperbóreo, mencio-
"ffi '.Iã
át . oããtffi Hüê- ; àü§ t ô iiip âiffi êi ro s, nado quatro vezes por Jâmblico (VP, 91, l3S, 140,
"'*,i,"
õmnre;e.siião de lã branca, nutrindo-se de ple e 215) ficou célebre. Abáris deixou sua pátria, levan-
;Éf Íffi tte'*gis"§it-l;;1. ssb-
s s ln m e n l o s cl a
do do santuário a flecha colossal de Apolo, com a
ajuda da qual transpôs rios e montanhas, expulsan-
.úg [-e* p_gJ Iifm"g s ^e-..9 1 ç a-n tAqr-ç n t9 § -q Q
;iffi; Aà 99-IpQ-.e .e§ggte e -!almen!.a- d3-s ppve es- do doenças e desviando as epidemias, buscando seu
6ril *Êt"íàát quajs tqi a§. nove Musas (PorFí- templo;engolll4Lrdo Pi g._§?cer-
-'i"JP;íó31). Âa"-ãii do dóm da vidência e da dote reconhece nele seu deus e lhe ofêieóà a flàcha;
anamnese, a lenda the atribui uma ascendência so- i.".í-*ósiro o
"r"
bre os animais: faz fugir as serpentes e domestica as
águias; amansa uma ursa ter-rível que, nos ar-redo- @ terra salvar os homens e
res de Daunia, aterrorizava a população, convencen- pedeJhe que o ajude. Abáris deixa então todos os

18 t9
seus bens para a contraria pitagórica e aprende no pitagórico de uma federação de cidades ami-
com seu mestre o conhecimento de Deus e o da na- gas, aplicando os mesmos princípios polÍticos e
ttJreza, bem como a previsão do futuro, não mais religiosos de inspiração aristocrática, acabou por
pela inspeção das entranhas, mas pelo estudo dos fracassa4 numa revolta sangrenra. Çgfçe*d-q ellgI!Q
números. q p a r ! i dg*Lqp"Ular p.q de r- q.r,!,§-í-b-a çi s e p e r-
"lgIL o_U. e
Pousgdep-giq"d-".§-Q9,y1[ylol9lt19-S-9-!l]!oen- §eeuiq,gs"partidários dos pitagórico-s-, ryat4Jrd-g,.1!§,
t.e§ffis-:0i*-"úià"i.pisep-i!ers*f-tg--"41s expulq3-ld,g.ou tros, que se 19 fug!3çqm- gm, Çro ron4.,
frute*idade"i pitugOfi.qs. E certo que estas tinham, Télis, chefe do partido popurlaç enviou uma deie-
ffiénos uma influência Política gação para reclamar quinhentos exilados ao Con-
considerável em Crotona, Síbaris, Tarento e nas selho de Crotona que, às instâncias de Pitágoras,
cidades mais importantes da Magna Grécia; Cícero recusou e declarou guerra a Síbaris.ll Os croto-
pretendia mesmo que o espírito do pitagorismo ti- nenses ganharam facilmente e arrasaram a cidade
,"tt" penetrado até Roma (Tusc., IV 1). 4 tradição inimiga, depois de terem expulsado sua população;
..poriu, aliás, que Pitágoras introduziu a moeda foi só em 443 que os atenienses ajudaram os
na Itália do Sul. E, de fato, encontra-se uma moe- sibaritas restantes a restabelecerem uma cidade que
da particular em algumas dessas cidades, cada peça portará o novo nome de Túrio, nos arredores do
representando em relevo o brasão da cidade e as antigo sítio.
letras principais de seu nome, circundados por um Mas a destruição de Síbaris iria, paradoxal-
debrum em torçal, e trazendo na outra face o mes- mente, dar um golpe fatal nos pitagóricos, como
mo motivo, mas esculpido em entalhe (Síbaris com conseqüência de uma reação democrática. Certo
um touro olhando para trás, Metaponto com uma Cílon,oertçp-_c-ggd.o-;1_r111rê.d,4sf amíliasmaisnobres
espiga de cevada, Caulônia com uma estátua de d"§..-o-tq p.+.irlh-4 áçadsfsrids.pqür. dé$aç hae
apoto). Como os pitagóricos acreditavam que o alto _Lqt Pitá99"Lâ§"s*Iâo."ppd_e^f "ç_+-tIALqq §_e_l!-a, se se crê
e o baixo do cosmos "estavam na mesma relação em Aristoxenes, citado por Jâmblico (VP, 245).Le-
com o centro, mas invertidos" (Estobeu, Seleção,I, vantou contra o partido aristocrático dos pita-
15,7 = Filolau, fÍ. 17), tal moeda, simbolizando a góricos a multidão de Crotona e levou Pitágoras a
unidade pitagórica dos contrários, atesta a impor- fugir da cidade e depois, segundo Diógenes Laér-
tância politi.ã do pitagorismo.l0 É certo que o pla- cio, que reporta o testemunho de Dicearco, a se

f 0 Scltman, Greekcoitts, Lonclres, 1933'pp.76-79. rr Deodoro dc Sicília, Biblioteca


histórica, XIl, 9.

20 2t
refugiar em Metaponto, onde morreria no ternplo Cícero narra, no De finibus (V,2), que, por ocasião
das Musas, após um jejum de quarenta dias; ou- de uma viagem em Metaponto, viu a casa onde a
tros testemunhos inverossímeis pretendem que alma de Pitágoras deixara seu corpo para imigrar
Pitágoras teria sido alcançado, na sua fuga, junto a para a ilha dos bem-aventurados: "illum locum ubi
,.r-, iotnpo de favas e que teria preferido morrer a vitant ediderat sedentq ue" .
pisar as favas. *-C-o-rcor§-11se que os partidários de
^cÍlqeteI"e-!s.*rq."eg9,3*ç"e-q*-d:-MÍLeLs:$ê-§9--X:l Se se scguc a rccapitulação Í'inal do qtre Isidore
Lóvy chzrmou clc "a lcnda dc Pitágoras", tal como
lslgm lncenclla-
niam uns quarcnta pitagóricos c 1-ãõ-niâ3sàcre: crzr contada, scnr clúrvidíl ccrca do fim do sóculo 1a,
Ar- t:ncontramos os scgr-rintcs cpisódios maravilhosos:
1) o nascimcnto, funclaclo na tcorizr dc sua clupla
ãfiir*.'e Lísis, ambos de Tarento, o segttndo tendo nalt.lreza, divina e humana; 2) o encontro t:ntre o
se tornado, em seguida, o mestre de E'paminondas jovcm prodígio c Tales; 3) as viagcns c as puritica-
emrebas.ê-".:{ç,npgl,l,-."*.nilnggll!1fu1§3d?na çÕes de Pitágoras por Zaratustrzr; 4) a voltzr zr Samos,
tt
!.. re-.- t é e no fpó
1---
no s,z a ãxãJlênc
''---'-_
ia e o es fo rçgr!q!at:9u clepois sua expatriação; 5) a descida aos infernos
ffiitri .se dispersou. Todos no monte Ida; 6) a chegada à Itália e o episódio clos
pescadores; 7) a primeira pregação cm Crotona c a
ãiiá fo.a,,
conversão dos habitantcs da cidadc; 8) a con[issão
queimacios, segundo o testemunho de Polibo (Ilis- do saccrdolc Abáris; 9) zr pcrscguição por Falaris;
tória,TI, 39,1); a democracia foi restabelecida nas 10) a fr-rga clc Crotona ao Mctzrponto; 11) a ascen-
cidades e os pitagóricos tiveram que deixar a Itália são dc Pitágoras no stenópo.s. Podc-se aproximar
do Sul, à qual só puderam volterr depois de uma cstzr vida lcndária dc uma obra de Heráclides do
Ponto, a Abtiri.s, dzr qual sri rcstam clois lragn-rentos
anistia, após muitos anos. As diversas versões da
conservados por Bekker. O mais importante nos
morte de Pitágoras, cerca de 500, junto a um cam- mostra um "demônio que se tornou um.iovem" con-
po de favas, no templo das Musas, ou deixando-se duzir aos InÍ'ernos, no ltrgar dos ímpios, um
morrer de fome no Metaponto tanto mais intcrlocutor anônimo e ensinar-lhe os sentimentos
-versão o sui- que é preciso ter pelos deuscs, pcrantc a árworc na
duvidosa dado que o pitagorismo condenava
qual Flomero está penduraclo; esse demônio é aqtri
,í cíclio serão engrandecidas por Filostrato no seu
-
pastiche daVida de Pitágora.s, de Apolônio: o Mes- ' assimilado a Pitágoras. Vcmos arprrrecer; pela pri-
mcira vcz, o par clássico das clescidas ulteriores aos
{..i ire teria desaparecido no stenópos, um estreito ca- inlternos, o Votnnte e setr Guia, que não conhecem
\\-,t minho do Metaponto, que assumiu em seguida o ainda ncm Homero nem Platão; é no AbíLris que se
<l
nome de Mouseion, e dois de seus discípulos, Damis inspiram, pois, tanto Virgílio qlranto Luciano e,
e Demétrio, foram testemunhas de sua ascens"ãJL mais tardc, Dantc. Isidore Lévy seguirá a trajetória

22 23
da lenda de Pitágoras entre os judeus alexandrinos gregos (Investigação, lV, 95). Demócrito testemu-
bem como no Evangelho, reconstituindo um itine- nha sua admiração por ele e consagra-lhe até um
rário cspiritual e histórico que teria conduzido o livro (Diógenes, Vidas, IX, 38). Íon de Qr-rios, que
iniciado, sob os traços de Pitágoras ou de Jesus' teria sido objeto de um epigrama de Ferécides, no
"cla Grécia à PalcstiÁa". Já Hegel assimilava a len-
qual este dizia que Pitágoras, "o primeiro" de todos
da de Pitágoras às "nalrrativas qLle n-os são fcitas da
vida dc Clisto"'r2 Isidorc Lóvy cxplica-rá- paralcla- os seLls alunos, era "ainda mais sábio" qlle ele, diz
ô iist i an i s-
mcnl c "o lato cn íFõ'ãÍTêõ'ZI«l1iiüÀIõ-clô
*Hómim-Der"rs de Ferécides que ele, além da morte, agorzr vive
dc
ffia-m'Aafi;Jõ-a'^.1ô pn rtcn i s, m an i lcs- No maravilhamcnto, sc ao mcnos Pitírgoras
o Sábio disse a vcrdade, cle quc soubc abraçar
tação terrestrc dc APolo".r3
c penetrar melhor as opiniÕes humanas.ls
O que quer que seja 99-g-[iPi-19-q-", é p1eci99
t:
convir que a obscuridade quasg total se vlncuta*a Íon afirma, aliás, nas Triagnta.s, que Pitágoras
-os--!q§l§ll1!l- tinha feito alguns de seus poemas passar por obras
;fios pror;iãúente filosóficos da época são pg9t9o de Orfeu.r6 Empédocles, enfim, que fora aluno de
' Õãmaiúntiãos Pitágoras, louva nesses termos a sabedoria in-
rao *-a; xeruif"nêí Íiéiáôtiiõ, Émpédocles e Íon comum de Pitágoras:
de Quios. Heráclito censura, com um desdém aris- "Dentrc eles sc achava um homem cxtraordinário
tocrático, o "saber universal" (ou "polimatia") de por scLl saber, um gônio quc soubc adqr_ririr
Pitágoras,'o q.r" não distingue de Hesíodo, de um tesouro de sapiôncia, cm todas as disciplinas
Hecãteu e de Xenófanes. O próprio Xenófanes cri- igualmcnte brilhante. Bandando suas taculdades,
podia evocar as recordaçõcs precisas
tica Pitágoras, numa elegia, pela inconstância de de tudo o que, homem ou bcsta l'ora
suas opiniões e ironiza o episódio do cão maltrata- em clez e mesmo cm vinte dias humanas vividas".lT
do, ná qual Pitágoras teria reconhecido a alma
."".r.u.íuda de um de seus amigos, pelo timbre de Da sua parte, Platão só cita o nome "Pitágoras"
sua voz (Diógenes, Vidas, VIII, 36). Em compensa- a,*u
ção, Heródoto vê nele
"o Sábio mais eminente" dos
de vida "pitagórica" e só menciona os "pitagóricos"
l2 Hcgel, Lições,l, P.64. rs
I. Lóvy, A lenda de Pittígoras, p. 343. Diógencs, Vidas, Í, 119-120.
'3 r6
'' óúgJn"", Vidas, lX, i; cf. o-fragmento R 129, sobre o "saber Vitlas,Vttl, S; Clemcnte dc Alcxandr-ia, Estro ruatas, 1, l3l .
Dióge ncs,
dc Pitágoras, Vidas, Ylll' 6'
17
"arte imprópria" PorÍ'írio, VP, 30 = tr. 129.
muito vaslo" c a

24 25
nunrul úrnica passagem (Rep., VII, 530d), a propósi- Da política e Da nalureza. Segundo o mesmo
astrono- Diógcnes (fII, 9), Satiro afirmerva qr_re Filolau tinl-ra
to clas duas ciências irmãs, a harmonia ea
os três "livros pitagóricos" que platào encart.cgou
n.i:,r, enquanto passa por ser o elo essencial da ca- Díon Siracusa dc comprar por ccm minas.
cleia de ouro do pitagorismo;Fócio verá, aliás, nele, Hcráclides Lembo menciona, aclemais, scmpre se-
o nono sucessor do Mestre de Samos na chefia da gundo Diógencs Laórcio, um trataclo Do rnundo, unt
escola pitagórica (Bibl.,l, 438). Aristóteles, ao con- Trqtado_sagrudo, um tratado Dq ttlma, dcpois un-t
Da piedade, um Helótale.s (trata-sc do pai âo pocta
trário, é mais eloqürente sobre o assunto, a tal pon- Epicarmo dc Cós, o inventor cla Êábtrla sesirnclo
to qLle se pode considerá-lo como nossa fonte es- Aristótclcs, qtrc Êora nm ouvirrtc clo círcr-rlã pita-
sencial de conhecimentos sobre a ciência pitagórica. górico), um Crotona e alguns olltros ainda. O mcs_
Infelizmente, sr'la história do pitagorismo, inti- mo Diógencs atribui o Ti.ctÍaclo n.tí.stico a Hipaso e
tulada Sobre os pitagóricos, está quase inteiretmen- nã<t a Pitágoras e assinala qr.re alguns escritos cle
te perdida, exccto alguns preciosos fragmentos. Nas Aston de Crotona toram, por engano, atribuíclos a
Pitágoras.18 Os célebres Versos tle Otrro, pocma de
suas obras clássicas, como a Metafísica, náo fala, sctenta e Llm versos dos quais Hieroclcs Í,ará um co_
contudo, de Pitágoras, nlas "dzrqueles que se cha- mentário, não são dc Pitágoras, mas cle um compila_
mam de pitagóricos" (hoi kalotitnenoi pitagóreioi) e dor tardio do século [V cle nossa erár, qLle .".oih".,
indica, de passagcnt, qlle seu mestre Platão deve- h-agmcntos poéticos do Discurso sagrado, atribuí-
lhe tanto quanto a Sócrates e Heráclito (4, 5, 985á). do zr Pitágorzrs. A. Delattc, qlle,r e*aminou minucio-
samentc, conclui pela atrtcnticidadc de mais de clois
No que conccrne aos escritos prcsumivclmente terços dos fragmentos clLte aprescntam a doutrina
de Pitágoras, estamos bem embzrraçados perante religiosa pitagórica, sob lormzr rnuito antiga. O pri-
os testemunhos contraditórios, clentrc os quais é meiro verso manda honrar "os deuses imórtaisse_
dilícil decidir. Muiters hipótescs são possíveis: 1) gundo o nívcl qr-re lhcs é assinalado pcla lci,'; o úrlti-
Pitágoras não deixou ncnhum escrito, colrlo sLls- mo zrnuncia cl discípulo como nllm eco, quc purili_
tentam Galiano, Flavius Josefo, Claudiano Mamert, ca sLla alma pzrra chegar "ao livre óter", ie tornará
Luciano ou Plutarco, cste últin-ro aproximando, "imortal, deus incorruptível c Iibcrto parzr sempre
quanto a isso, Pitágorars dc Sócrates, Arcesilau c da morte".
Carnéades (De Alex. Íort.,l, 4,328).2) Para Alcxan-
dre Polistor, qr-re cita longamente Diógencs Laórcio
(Vidas, VIII, 25-33), ele teria deixado Memórias !s Constrltar-se-á
a r.cspeito clcsta qrrcstã(), controvcl.sa clcsclc zt
pitagóricas. 3) Segundo Heráclito, que Diógencs Antigtridade,_M. Tin.rpanaro Carclini, l,ilagorici /, pp. 3l_64; A.E.
Laércio utiliza para refutar os quc negam qLle Chaig-net,.P-yltlgore, pp. 165-212: A. Dclattc, Itt vie rl'c'p1,rltngoin, pp.
3.0ss1.!, Dicls, "Ein gcl?ilschtes pyrhagor.asbuch,, , Archiv
Pitágoras tenha deixado escritos (Vidas, VIII, 6-7), líir Císch'ic'h'te
der,,Phibsoplie, 3, 1890, pp. 451-47i; [. Lóvy, Recherclze.s, p. Tlss; E.
existiriam três tratados desse último: Da educação, Zaller, Die Pltilosopltie der Grieschen, I, p. 284ss, Laipzig, tôX, 7, ed.

26 27
Dois argumentos podem fazer a balança pen- Capítulo II
der em favor da tese de uma ausência deliteiacta
de escritos do Mestre de Samos. De um lado, é A ESCOLA PITAGORICA
perturbador que nenhum fragmento da obra de
Pitágoras, por pequeno que seja, tenha chegado até
nós, enquanto um certo número de títulãs é_lhe
atribuído. Os escritos mencionados por Heraclides
ou outros autores podem muito bem só concernir
a obras utilizadas na escola e não a obras próprias
de Pitágoras. De outro lado, o uso constante do se_ Chaignet notava com justiça, em 1874, no seu
gredo, no-pitagori smo ortigffi Pittígoras e a filoso'fia pitagórica,l que a Ordem
t ra nsborclãme ntõ§-lirciãiiô§ dos pi tagóricos
pitagórica tinha analogias com a Ordem dos Jesr-rí-
tar_
dios, nunca avaros de anedotas, paiecelqdicar que tas. De modo similar, quando Nietzscl-re quis unir
Pitágoras nunca teria entregue u ..r""oiããJ"as numa mesma fraternidade heróica a Ordem dos
investisaçoe § a ó]!r-ãõlããõ piéôàni aos. Àiisfôien e s Jesuítas e a dos oficiais prussianos, ou sonhou com
de Tarentô óffi um novo César com alma de Cristo, foi sempre em
ii"'p ed a gó gi c o s
(X), citados por Diógenes Laérc io (Vidas, VIII, I 5): Pitágoras e nos pitagóricos que ele pensou, "Llma
os pitagóricos afirmavam que não se deve .,desve_ ordem de aristocratas, uma espécie de Ordem do
lar tudo a todo o mgnds:(me efrffis pantas pàita Templo".2 De Platão a Hegel e Nietzsche, com efei-
to, encontramos na história da filosofia uma nos-
@zjam entre ly yrt lpl epha
("o mô talgia não dissimulada desta primeira comunidade
fi sgygr_âg^nç
cie pensadores contemplativos e combativos, ao
a d á g i o.. s-i g q i
_q
g1o te mpó /tEIã n ã;ãs _
mesmo tempo filósofos e políticos, cientistas e reli-
creveu
giosos, que souberam unir o conhecimento e a ação
através da amizade que os ligava mutuamente e ao
cosmo inteiro. Hegel, reconhecendo em Pitágoras
"o primeiro mestre universal", confessa sr-ra admi-

I A.E. Chaignct, op.cit., pp.73-74.


2
Nictzsclrc, La naissance de la phibsophie à l'époqtte tle h tragédie
grecque, cd. G. Bianquis, Paris, Gallimard, Idócs, 1969, p. 18.

28 29
r, r\ r,
l )(.1 llr)l(. esl. col_r-runidade
;
vivar que encarnava, como se sabe, depois de Bergson, tendem inevita-
nrotlo lrirrcla ntc.nor do .,aapr"r"ntução,,,
ir( )
a comu_ velmente a se abrir. E, de [ato, apesar de seu amor
rritLrrlc trniver.sal clo Espíriiã pelo sagrado e das proibições ffirelação à pessoa
oürofrro, isto é, em
Icnrro.s hcgelianos, o modo e às palavras do Mestre, o pitagorismo acabou por
totalizaclor da .,espe_
cut:rçiro" que é a Razão se abrir e por fecundar todo o campo daquilo que
r.ra: "pirágoras reporr.,";;;;;;ensa a si mes_ se entende, depois dos gregos, por "filosofia"; o co-
i;.;;;;stavelmente clo nhecimento demonstrativo e desinleressado, críti-
h,gito zr imagem cte uma.;;;i;;;;
estável votzrda à cultura n), deuma vida co e distanciado em relação a todas as coisas, e,
durou a vida inteira,,.3
.;"rtin.l e moral e que primeiro, ent relação a si mesmo.a

Confessarenos o paradoxo: A ConÊraria de Crotona era, em primeiro lu-


foi, para
-.-a"
a escola pitagórica
o.ialr',ãiãffi"i.o ga.ffia sociedacle secreta, mas da qual primei-
"
uma sociedari modelo de ra formulação do paradoxo nem as -mulheres,
ticulqri(lade., llt''"tu e' pois' làclncla t;;;;r;;'
-'" ""' nem os estrangeiros estavam-excluídos; Platão sa-
i"ú ;";;, ;;!;, :,{1,. J:?:l,T I :T:i::Íjã,:íI berá aprofundar e amplificar ainda mais esta aber-
po, o primeiro modelo.de
u n i v e rs ql por se Lr?ap_el
uà ,;-;f"ã^i" riJr,,i?l, tura social graças ao papel essencial que atribui,
p"lÍij;;;;et
a t r.i bu Ída à l-i I osofia.'CoÃã- a i mporrância em seus diálogos, como na sua cidade, tanto ao es-
ri àr"", ! a pi rágoras u
devem,os o próp,o lermo ,,philósoplto.s,,para c e trangeiro quanto à mulher. O grande Catálogo de
nar.o homem deslp_
Jâmblico, no fim de sua Vida pitagórica, que data
a
de",,ã,
; ;
i; ;
l!;
I
r'; H;,;L:xi ;#i".: il,;. xi;
uma sabedor.ia.propriament"
do século 3q de nossa era, ou seja, setecentos anos
ete, ou ao pitagor:is.rà, hlinrunu:é ainda a depois da extinção da escola pitagórica, apresenta
conhecimento ãemonsG;;";;;r;;.uladoã;;;;;;,io. o ideat deste uma lista de duzentos e setenta e oito homens agru-
cr.enÇa relisiosa,,mjstica.
ou ia"ãfàgi.",
de roda pados por cidades, mas também uma lista de
denre chama d",,.ien.io:,;;;;;j:le que o Oci_ dezesseis mulheres, dentre as que "aderiram à dou-
timidade de sua ética teorica exrr.ai a tegi_
ca prdl ica. O oiragorism"
bÉ;;;_, de sua éri_
desses.iogos de oposiçã. "ria
pãi, i_," encruzilhada a
Leia-se, a respeito desse ponto, a obra plovocante do matcmáti-
d e de,,esorer.isn.ro,,,e,,à;;É;i,
q"; ,ã;;;mo,ao mais ra. co anrcricano Eric Ternple Bell, l,a nrugie des nontbres (Paris, Payot,
:iug.uao,,
fano", .,taico,," -,=hgiãrJi'" ;":1, e,,pro_
,,socie_
1952), quc vê o "cspír'ito titâr-rico" de Pitágoras "cobrir-corn sua som-
bla a civilização do Ocidcntc" (p. 9). O autor interprcta a história da
ár";"ii"em as
dades aberras,, e as ,:sociect"aÉ, ciência como oscilação contínua er-rtre o misticismo pitagórico e o ra-
iàirãaas,,, as quais, ciocÍnio experin-rental, entre a mÍstica do númelo e origór do cálculo,
cntre os partidários do dcscontínuo e os do contínuo, tcndo o conjun-
r Hegel,
Icçons, paris, Vrin, to clessas oposiçõcs nascido na própria escola pitagór'ica, que assim
197 I , l, p. 68.
levcia a an'rbigüidade de sua natureza.
30
31
trina de Pitágoras", como a célebre Teano, que foi toca. Caberia a Pitágoras estabeleceç em primeiro
a esposa de Pitágoras e deu-lhe um filho, Telaugío, lugaç qLle as harmonias qlle o ouvido não escuta
e uma filha, Myia (Porfírio, Vn 4). Sob a forma re- são mais belas, segundo a expressão pitagórica de
ligiosa e iniciática, o pitagorismo al?senta tantos Keats, que as que se pode escutar.
pontos comuns com o orfismo que alguns intérpre- A Confraria pitagórica, cuja in['luência foi con-
tes modernos, como Bury (Flisroryt o'l'Greece), pra- sider7vel na Itália do Sul, na primeira metade do
ticamente identificaram as duas fraternidades, os século 5q a.C., em Crotona, Metaponto, Tarento,
sinédria pitagóricos correspondendo ao thiasoi Locros, Régio e na Sicília, antes de se reconstituir
órficos. A analogia já fora destacada por Heródoto em Tarento no começo do século 4q com Arquitas,
(Investigação, II, 8 1 ): iniciações com ritos secretos; era suficientemente importante para exercer um
compromisso de guaiããr o silêncio sobre as dou- ffiel político que nunca outras seitas religiosas ti-
trinas reveladas (o "boi na língua" dos pitagóricos, veram. O número de discípulos de Pitágoras varia
a "porta na língua" dos órficos ou "a chave na lín- segundo os testemunhos: 300, para Apolônio, que
gua" dos mistórios de Elêusis); abstenção de carne, cita Jâmblico (VP, 254, 260); cerca de ó00, para
posto que, para Pitágoras, as almas humanas po- Diógenes Laércio (Vidas, VIII, 15); mais de 2.000
dian-r se reencarnar em tormas animais; crença na para Nicômaco de Gerassa, segundo Jâmblico (Vp,
imortalidade da alma. E recordamos que, segundo 30) e Porfírio (VP,20). Ordem religiosa, agrupamen-
Íon de Quios, Pitágoras atribuiu a Orfeu alguns de to político, sociedade científica, estahetairía muito
sells poemas. Contudo, as diferenças são notáveis. original era regida por regras hierárquicas rigoro-
Ng qr" concerne à prática religiosa, mais aristo- sas e ordenada à imagem do cosmo. Os membros
crática que popular, o deus tutelar dos pitagóricos da comunidade se qualificavam e,itrê si como
era Apolo, de quem o Mestre era a encarnação, e homakooi (de akóos, "ouvinte", e homai, "conjun-
não Dioniso, como para os órficos; ademais, o to") (Jâmblico, VP, 30,74, 185), o "auditório co-
orfismo nunca conheceu prolongamentos políticos. mum". O nome mesmo dos pitagóricos e seu lugar
Quanto à prática teórica, é claro que estamos num de reuniãô testemunham pois a escolha deliberada
terreno radicalmente novo: o misticismo órfico não de-um ensinamento oral que, ao menos nos pri-
teve nenhum eco na ordeníãã matemática, da as- meiros tempos, recusa utilizar a escrita como meio
tronomia ou da Êísica, e a lira de Orfeu não se con- de formulação e de transmissão do pensamento.
funde em nada com a música das esferas, posto que Sob muitos aspectos, a desconfiança de platão
ignora a gama pitagórica sobre a qual, contudo, quanto à escrita, do Fedro à Carta V11, nasceu da
32 33
tradição pitagórica, mais que do modelo socrático. co anos de silêncio (a echemythia), o postulante
Os testemunhos concordam todos quanto a esse deveria escutar as lições sem nunca tomar a pala-
primado do ensino oral no pitagorismo antigo: vra nem ver o Mestre, que falava dissimulado por
Diógenes Laércio, citando Aristoxenes de Tarento, uma cortina. Esta prescrição do silêncio e do se-
Porfírio citando Dicearco, Jâmblico e Plutarco, su- gredo permanecerá muito tempo a marca dos cír-
blinham sem cessar esse traço arcaico em relação culos pitagóricos como Sócrates recorda, num tex-
aos hábitos de ensino de seu tempo. Só existirão to de Isócrates: "Hoje, ainda, os que se consideram
escritos pitagóricos na época de FiloiãI, contem- discípulos deste homem (Pitágoras) fazem-se ad-
porâneo de Sócrates, e eles serão então chamados mirar mais por seu silêncio que os que adquiriram
de hypomnémat a. U m hyp ómnêma é comparável ao glória pela palavra" (Elogio de Busiris,29).8 só no
que chamamos uma "memória", isto é, um conjun- fim desses anos de provas físicas e morais que al-
to de notas próprio para defini4 em grandes linhas, guém poderia se tornar um discípulo esotérico e
uma informação a ser transmitida, sem contudo passar para o outro lado da cortina, para entrar
constituir uma exposição sintética, construída e plenamente na fraternidade. Segundo o testemu-
demonstrativa. nho de Jâmblico (VP,8l), ela era constituída essen-
A iniciação à comunidade pitagórica imporia, cialmente de duas grandes classes: os "Acousmá-
em conseqüência, um número rigoroso de obriga- ticos" ("Ouvintes"), qre mais tarde se chamarão de
ções que concerniam, em primeiro lugar, à pala- "Pitagoristas", dirigidos por Hipásio de Metaponto,
vra. Segundo a expressão de Apuleio, referida a o qual redigiu o Tratado místico, falsamente atribuí-
Pitágoras, "não se esculpe um Hermes em qualquer do a Pitágoras (Diógenes,Vidas,VIII, T), e os "Ma-
madeira" (Non ex omni ligno, ut Pythagoras dicebat, temáticos" ou "Pitagóricos", que trabalhavam no
debet Mercurius esculpi). Jâmblico nos ensina que "conhecimento" verdadeiro (mtíthema) apenas sob
se examinava cuidadosamente a família, a educa- a direção do Mestre. A sociedade inteira era um
ção e o caráter do postulante que era, em seguida, organismo complexo, construído à imagem do
submetido a um período de três anos; parece que mundo e no qual cada grupo, cumprindo sua pró-
Pitágoras teria utilizado técnicas fisiognomônicas pria tarefa, tinha um lugar bem clefinido. O anôni-
para ler, no rosto do jovem, o pendor de sua alma e mo de Fócio (8ib1.,249) distinguia os "Sebásricos",
as aptidões de seu espírito. Se fosse considerado votados às funções religiosas; os "Teóricos", entre-
digno de entrar na confraria,ãnoviço seria recebi- gues à pura especulação; os "Físicos", ligados ao
do na qualidade de discípulo exotérico: durante cin- estudo da natureza, e os "Políticos", encarregados

34 35
das questões sociais. Enfim, os próximos de As regras morais eram extremamentc estritas, a
obediência a primeira das virtudes. Conhecemos Llm
Pitágoras eram qualificados de "Pitagóricos", en-
grande número de prescrições cerimoniais ligadas
quanto seus discípulos assumiam o nome de à purificação dos membros da lraternidade. Por
"Pitagoreus". O conjunto da comunidade era orde- exemplo, era proibido entrar num templo com ves-
nado em torno da pessoa sagrada de Pitágoras, de timentas novas; devia-se penctrar nelc pela direita
quem ninguém nunca pronunciava o nome, como e sair pela esquerda; as mulheres não podiam fazcr
seus leitos no recinto consagrado; cra proibido quei-
o atesta a famosa fórmula: Autós épha, "Ele [o Mes-
mar os mortos, que deviam ser enterrados envoltos
tre] disse". num linho branco etc. Esse regime severo, ao qual
A vida de todos os membros estava submetida, Platão alude naRepública (X, 600 á), mostrando quc
do alvorecer ao pôr-do-sol, a minuciosos regulamen- alguns o seguem "até hoje", ficou tão célebre que os
tos escritos: levantando com o astro de Apolo, o autores cômicos não tardaram a se apossar dele.
pitagórico se recordava, primeiro, dos seus atos do Ateneu e Diógenes Laércio deixaram-nos testemu-
dia precedente na sua ordem exata, às vezes daque- nhos de muitos dramaturgos da comédia média (fim
les da antevéspcra, c meditava no emprego do dia do séc. 5e a.C.) que pintam os "pitagoristas" como
por vir: "assim sc csforçavam para exercer o mais pobres bugres e marginais, reconhecíveis imcdia-
possível sua memória, convencidos de que nada ser- tamente por seu pofte e seu regime. Teócrito grita
ve mais para a ciência, a experiência e a sabedoria, assim nos seus ldílios (XIV 5, 5):
que a memória" (Jâmblico, VP, 1ó6). Depois, vinha "Alguém acabou de chegar! É um pitagorista!
um passeio no campo, antes de ir ao templo escutar Tem a face biliosa, não uszl sapatos!"
uma lição. Os cuidados com o corpo e os exercícios São acusados de negligenciar seu aspecto [ísi-
de ginástica se seguiam, precedendo o primeiro co, recusar vinho e beber água como as rãs, viver
desjejum do dia, composto de tortas de pão e de mel. na sujeira sob "sell eterno manto", usar cabelos lon-
Consagravam-se em seguida aos assuntos comuns e gos, em suma: de se entregarem a todas as extrava-
às questões políticas. A noite, um último passeio aju- gâncias que em seguida se imputará aos cínicos e a
dava os companheiros a recordarem uns aos outros muitos outros movimentos intelectuais na história.
os ensinamentos do dia. Depois do banho, reuniam- É principalmente sua prática alimentar que parece
se para o jantar em comum (slssytie) em torno de ter atraído, muito cedo, a atenção, a ponto de se
mesas de dez convivas. No fim da refeição, o discí- tornar um dos traços mais importantes da seita. O
pulo mais jovem fazia a leitura de um texto de repasto vegetariano era composto de Êrutas, legu-
Homero ou de Hesíodo, antes que a oração coleti- mes, biscoitos borrifados com água e leite. Certos
va viesse a encerrar o dia. Cada um voltava para testemunhos fazem pensar que os pitagóricos po-
seus aposentos, a fim de fazer um último exame de diam consumir peixe, posto qlle a interdição dizia
consciência e recorda4 na ordem exata de sua su- respeito ao salmão e às espécies de cauda negra.
cessão, todas as suas ações e palavras do dia. Segundo Aristoxenes, Pitágoras não proibia, de

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modo geral, a carnc dos animais, exceto o coração, tear os magistrados (VP, p.2ó0). Parece, antes, como
o Êígado, o miolo e os órgãos de reprodução; aliás Porfírio dá a entender (Antro,19), que a ausência
não se entende como seu genro Mílon, que podia de nós na haste das favas provocaria o risco de dei-
transportar um boi nas espáduas, teria podido se xar passar as almas dos mortos do Hades para a
abster de carne como alimento. Talvez exista aí um luz; um vcrso citado por Plutarco (Proposta de mesa,
novo indício do paradoxo do pitagorismo, que as- II, 3, l) enuncia ironicamcnte que "é crime igual
sinalamos supra, dividido entre duas atitudes con- comcr fava e as cabeças de seus pais".
traditórias de abertura e de recusa: proibir a carne
é proibir os sacritícios de animais, devidos aos deu- É claro que esta estrita comunidade de mon-
ses, e com isso romper com a tradição secular dos ges S1ãados, de que alguns membros punham os
gregos. Segundo Diógenes Laércio, aliás (Vidas,
VIII, l3), Pitágoras só fazia suas devoções em Delos bens em comum Platão se recordará disso com
-
a fraternidade rigorosa imposta aos guardiães da
num único altar, o de Apolo geradoç porque aí só
se consagrava trigo, cevada e biscoitos, sem acen- República reforçava os laços pessoais de amiza-
der fogo e nenhuma vítima era imolada (cf. Aris- -,
de e de solidariedade, tanto mais estreitos quanto
tóteles, na sua Constituição deliana). Porfírio assi- o pitagorismo afirmava o parentesco de todos os
nala mesmo que, segundo Eudóxio, na A revolução
da terra, Pitágoras lc'vava a preocupação com a pu- homens e, além disso, de todos os seres vivos:
rcza em relação ao sangue derramado até o ponto "Pitágoras era o mais amoroso dos amigos. Foi ele
de se abster de [reqüentar açougueiros e caçadores que estabeleceu, em primeiro luga4 que'entre ami-
(VP,7). A recusa da carne animal testemunharia gos, tudo é comum' (philotàs isotês) e que afirmou
assim, como Marcel Détiennes sugere, a ambigüi- que 'um amigo é outro e1i' " (VP,33). A amizade
dade de um movimento, marcado pelos dois pólos
opostos, de Pitágoras e Mílon, da renítncia ao mun-
pitagffia também se tornou proverbial na Anti-
do e da aceitação da cidade; em outros termos, da guidade, como o testemunha, entre muitas, a ane-
abertura a uma racionalidade possível e do curvar- dota de Damão e Fíntias que Aristóxenes de Tarento
se à pureza da alma. Testemunha, ainda, este últi- narra.6
mo cuidado a absoluta proscrição das favas, que
deu lugar a muitas interpretações: para Aristóteles, Como certos cortesãos do tirano de Siracusa
citado por Diógenes Laórcio (Vidas, VIII, 34), era acllsavam os pitagóricos de charlatanismo e de fal-
devida à semelhança das favas com os testículos ou ta de civismo, apostando que seu equilíbrio de hu-
com as portas do Hades, que não têm gonzos; mor e sua lealdade eram apenas fachada que se
Jâmblico acredita ver aí a recusa do sÍmbolo da
democracia, posto que as favas serviam para sor- 6
As narativns dc Diodoro de Sicília (Bibl. hist., X, 4, 3), Jân.rblico
(VP,233-236), Cíccrct (Tuscularra.s, V, XX[[, 63; Dos tleveres, III, X, 45)
s Encyclopaedia IJniversalis, art. "Pythagore et Pythagorisme". parcccm provir cla mcsma fonte.

38 39
clcrrctu'ia diante clc trm perigo real, Dionísio, o Jo- se desprovido de recllrsos;o dono do albergue cum-
vcm, para tirar isso a limpo, fez prender certo priu seus deveres de hospitalidade, prestando-lhe
Fíntias c o acllsou de um complô contra sua pes-
soa. A despeito das negações de Fíntias, Dionísio o assistência e emprestando-lhe dinheiro, à medida
condenou à mofie; o pitagórico pediu então que que sell estado se agravava. No momento de mor-
lhe fosse concedido o resto do dia para pôr em or- re4 o homem traçou sobre uma tabuinha um "si-
dem seus assuntos e os de seu amigo Damão, antes nal de reconhecimento" (symbolon), pedindo ao
de sua morte. Damão não se confunda com seu
dono do albergue para pendurar a tabuinha no ex-
homônimo pitagórico,- o professor de música de
Péricles aceitou servir de garantia para seu ami- terior do albergue depois de sua morte; alguém vi-
-
go e de comprometer sua vida por ele, para grande ria quitar sua dívida. O desconhecido morreu, foi
espanto de Dionísio. Scgundo Diodoro, "alguns lou- enterrado, e o dono do albergue, nada convencido,
varam então este excesso de devotamento em rela- tentou contudo a experiência. Depois de um longo
ção a um amigo, enqllanto outros denunciavam a período, um pitagórico de passagem deteve-se para
loucura desse compromisso tenrerário"; outros ain-
da, segundo Jâmblico, apoiaram Damão, "dizendo se informar sobre o símbolo e perguntar que era;
que ele era o bode expiatório trocado pelo verda- logo que soube o que se passou, entregou ao dono
dciro culpado" (VP, 23O. É conheCer mal os do albergue, conclui Jâmblico, "uma soma em di-
pitagóricos; na hora da execução, perante a multi- nheiro bem superior às despesas feitas". Não é difí-
dão, e quando ninguém mais esperava, Fíntias che-
gou correndo, "no momento em que o sol ia quase
cil decifoar a natureza do "símbolo" concernido,
desaparecendo", acrescenta Jâmblico. Dionísio, associado à saúrde e ao reconhecimento dos outros
vencido, agraciou o condenado e felicitou os dois membros da seita. Na sua obra, Sobre uma falta
homens, rogando-lhes que o aceitassem como ter- cometida saudando (5), Luciano indica, com efeito,
ceiro amigo, o que eles recusaram categoricamen- que Pitágoras não começava nunca suas cartas pe-
te. Aristoxenes af'irmava ter ouvido essa narrativa
las fórmulas tradicionais: "Bom dia!" ou "Prosperi-
da própria boca dc Dionísio, depois que este, de-
posto do trono, refugiou-se em Corinto. dade!", mas por "Saúde!" (Hygeia). Ora, o "símbolo
interno da seita"ps-§ociado à saúde, era "o tríplice
A descrição seguinte, que Jâmblico reporta na triângulo estrelado, o pentagrama", que fazia o pa-
mesma passagem (VP,237-238), é mais admirável pel de sinal secreto de reconhecimento dos pita-
ainda à medida que coloca a amizade entre góricos.
pitagóricos desconhecidos sob o signo cósmico do
Para além da intenção ediÊicante de tais anedo-
Todo. Narra-se, com efeito, que um viajante pita- tas, de que Jâmblico e outros atrtores não são ava-
górico, gravemente doente num albergue, achou- ros, notaremos a importância atribuída pelos
40 4t
pitagóricos à ordem dos symbola e dos akoúsmata. desfaças o laço natural entre a alma e o corpo, no
Jâmblico idcntifica duas formas de preccitos, os caminho da perÊeição"; "Náo aticcs o togo com Llma
"sinais de reconhecimento" e as "coisas extensas", espada": "Não provoques o homem irascível com
enquanto é preciso, sem dúvida distingui-los; os tuas palavras"; "Não saltes acima do braço de uma
acousmates eram destinados aos acousmaticos, pri- balança": "Não transgridas a igualdade"; enfim,
meiro nível dos discípulos que chegaram ao ensino "Entre no templo sem se voltar": "Os que se elevam
oral; os símbolos eram reservados só aos matemáti- cm direção ao mundo de cima não devem se incli-
cos, que tinham ido mais adiante no ensino secreto nar em direção ao mundo daqui embaixo".T
da natureza. Armand Delatte fez um quadro deta-
lhado de todas essas fórmulas nos seus Eslados Segundo Jâmblico (VP. 82), o ggnjunto desses
sobre a liÍeratura pitagórica, que não podemos reto- preceitos que ele chamaãqui somente de
mar aqui. A lista que Jâmblico oferece no seu acousmates- divide-se em três categorias: "Uns
Protreptico"(Í) nao conta menos que 39 prescri- -
revelam a essência (ti ésti; "que é?"), outros o abso-
ções concernindo à maneira de se portar no tem- luto (tí málista:"o que é o melhor?"), outros, enfim,
plo, de se calçar e dcscalça4 de arrrmar a cama, de o que se deve ou não se deve làz.er (tí praktéon: "que
andar na r-Lla ou dc partir em viagem. Algumas in- taz.er?"). Estamos, pois, diante dc três grupos de
terdições hoje parecerão ridículas ("Não urine con- questões que testemunham preocupações onto-
tra o sol", "Não limpe latrinas com Llm archote", lógicas, religiosas e éticas. Jâmblico dá muitos
"Cuspa sobre os cabelos que você cortou e sobre as exemplos de respostas às questões do primeiro gru-
aparas dc suas unhas"); outras, insignificantes po: o sol c a lua são "A.r ilhas dos bem-aventurados",
("Cultive a malva, mas não a coma", "Não te olhes a Tctraktys é"o oráculo de Delfos", a harmonia [das
no espelho à luz de uma lâmpada"); outras, ainda, esferas] "o canto das sereias"; Porlírio acrescenta
estranhas ("Não atice o fogo com a faca" , "Não fi- olrtras, de tipo cosmológico: a Plôiade é "a lira das
que sentado na madeira" , "Faça desaparecer o tra- Muses", os planctas são "os cães de Perséf'one" ctc.
ço deixado na cinza pela marmita"); erraríamos (VP,4l). No segundo grLrpo de questões, que Jâm-
negligenciando a dimensão simbólica-ãisso, que blico põe sob a autoridade dos Sete Sábios, q,Ésao
necessita de uma interpretação ao mesmo tempo "bem anteriores a Pitágoras", encontramos: o mais
ética e cósmica, e põe em jogo a potência analógica justo é "o sacrifício", o mais sábio é "o núffio", o
da linguagem. O neoplatônico João Filópono, no mais belo ó "a harmonla", o mais forte é "a razão"
seu Comentd"rio ao "De Anima" de Aristóteles, dâ- etc. Enfim, o último grupo, de longe o mais rico, é
nos alguns exemplos de interpretações alegóriçgs o que sublinha a perfeita conÊormidade desses pre-
requeridas para decifrar o ensinamento <t-rãfãos ceitos com a exigência moral e põe em andamento
pitagóricos, que utilizara principalmente o símbo-
lo. "Não te sentes sobre uma medida" significa "Não 7
Achzrrenros outras coleções dc "símbolos" pitzrgóricos cnr Jâmblico
escondas nem faças desaparecer conscientemente (Ve 82-86,109, 152-153), Porlírio (VP,42-45), Diógenes Laórcio (7r-
a justiça"; "Não fendas madeira no caminho": "Não r/a.s, VIII, 17-19) e Hipólito (Relitação tle todas as heresias,Vl,25-27).

42 43
prescrições rituais: "Não se deve entrar num santu- razã,o. Platão a teorizarâ sob o nome de "lugar visí-
drio por unt desvio" (porque não se deve honrar Deus vel" e "h"rgar inteligível", na sua República, e legará
como que de passagem); "é preciso engendrar filhos à metaÊísica esta dicotomia maior entrc o sensível
para deixar alguém que assegure, depois de nós, o c o inteligível, que o pitagorismo, matriz de toda
serviço aos deuses"; "ttão se deve dar outro conselho filosofia possível, tinha sido o primeiro a fazer apa-
senã.oo melhor, a quern nos solicita" (porquc um recer.
conselho é coisa sagrada) etc.
Compreende-se então a legitimidade do segre-
Grande parte desses acousmates é, efetivamen-
te, de natureza simbólica, à medida que seu enun- do e da exclusão que entre os pitagóricos se impõe
ciado deixa adivinhar duplo sentido, um concer- à maioria dos homens, dado que sua crença na
nente à vida quotidiana, o outro remetendo a um unidade do gênero humano e mesmo de todas as
significado mais alto, que só pode ser apreendido espécies vivas parecia dever incitá-los a praticar um
pelos iniciados. Em outros termos, a dimensão ensinamento universalista. E, num senticlo, como
"enigmática" do ensinamento oral dos pitagóricos
Ateneu, Plutarco, Filópono ou Olimpiodoro
já indicamos, esta é bem uma das dimensões da
-qualificarão maisJoão tarde essas exposições de filosofia pitagórica, sem dúvida a mais nova para a
ainigmata é inseparável da prática do segredo, época, com a presença das mulheres e estrangeiros
- por seu turno, uma linha de fraturaa
qual revela, no seio da Escola. Existe aí como qlle um esboço
entre o que poderíamos chamar de o visível e o in- desta exigência "democrática", transcendente ao
visível. Embora o cosmo seja único e o número seja
o princípio imanente de todas as coisas, o pita- jogo político, que põe o homem na via do univer-
gorismo, tanto por sua exigência científica quanto sal. Mas, num outro sentido, a dimensão "aristo-
por sua preocupação religiosa, veio a desenvolver crâtica" do pitagorismo, já sublinhada pelas lutas
esse dualismo de direito, que constitui o fundamen- políticas que levarão à destruição da seita pela
to de toda metafísica ulterior. A separação entre o multidão de Crotona, provém de uma exigência de
ignorante e o iniciado traduz, com efeito, no plano
quotidiano, a separação entre duas formas de lin- inteligibilidade do mundo qr-re nos cerca; só estão
guagem, a que se esgota num sentido imanente ape- em condições de compreendê-la os que fizeram o
nas à sua formulação e a que remete indefinida- esforço necessário para ser iniciados e partilhar
mente a uma significação mais alta e, para dizer iuntos os mesmos segredos. As duas exigências
tudo, transcendente. Por sua vez, esta separação no podem lutar entre si e até conduzir à morte da Es-
coração da linguagem orienta-nos em direção a uma
separação fundamental, que afeta a própria reali- cola que, pela primeiravez na história, tentou uni-
dade, entre o campo das coisas apreensíveis pelos las; testemunham uma mesma legitimidade: a do
sentidos e o campo das coisas referentes apenas à conhecimento do mundo que nos circunda, e um

44 45
mesmo enraizamento: o do homem, mais, o de todo Capítr-rlo III
ser vivo, num tnundo que, longe de ser o apanágio
de alguns, é dado a todos. O mundo e o bom senso OS PENSADORES PITAGORICOS
são as coisas melhor distribuídas, isso é óbvio; é
preciso, ainda, poder aceder à compreensão do pri-
meiro e saber pôr em prática o segundo. Os
pitagóricos ensinaram, pois, sob uma forma secre-
ta, como o estabelece ainda a famosa carta de Lisis
a Hiparco, na qual o primeiro fica indignado de seu
correspondente admitir todos os alunos sem prepa- Se a figura de Pitágoras, taumaturgo interme-
ração moral.s Como a revelação dos Mistérios de diário entre os deuses e os homens e fundador de
Eleusis, o ensinamento pitagórico impunha o segre- uma seita de iniciados, é praticamente impossível
do quanto a "todos" (prós pántas), embora todos es- de reconstituir hoje, tendo sua Ienda nascido ao
tivessem concernidos. Compreende-se tanto melhor menos depois da obra perdida de Aristóteles, Sobre
que o fundador da seita fosse o único ser que pode os pitagóricos, náo ocorre o mesmo, felizmente,
penetrar nos segredos da natureza. Sem, contudo, quanto aos filósofos ligados à sua escola, a despei-
aproximar-se da sabedoria dos deuses, aphílo-sophia to dos testemunhos raros e incertos. O desenvolvi-
de Pitágoras o distinguia dos outros homens, aos mento das especulações matemáticas, astronômi-
quais, contudo, iria legar os princípios de sua ciên- cas, harmônicas, físicas, médicas, mas também
cia. A estranha hierarquia ternária que Aristóteles morais e religiosas, que se vinculam mais ou me-
atribuía, na sua obra Sobre a filosofia pitagóica, às nos diretamente ao pitagorismo, se estende na An-
"doutrinas esotéricas" da Escola, segundo Jâmblico tiguidade, do século 5e a.C. até o século 3q d.C., na
(VP, 3l),vê-se, assim, plenamente justificada na pers- época do neoplatonismo de Porfírio e Jâmblico, ou
pectiva do segredo, sem contudo pôr em causa a seja, oitocentos anos ao longo dos quais os historia-
unidade comum da vida e da Razão: "IJma espécie dores tentaram estabelecer filiações e reconhecer a
de serüvo racional (toulogikouzõiou) é Deus (théos), contribuição original de cada um dos pensadores
outra é o homem (ánthropos), uma última é como qualificados, com maior ou menos justiça, de
Pitágoras (Pythagóras)" . "pitagóricos". Fora dos diversos renascimentos do
pitagorismo, que se encontram em épocas tardias
8
Cf. Jâmblico (VP,75-78), e Diógencs Laércio (Vidas,Vlll,42). em Roma, Atenas ou Alexandria, distinguem-se

46 47
geralmente três gerações na corrente pitagórica dos mundos (Sobre o desaparecimento dos oráculos,
22, 422 b): cxistiriam cento e oitcnta e três mun-
séculos 5e e 4a a.C.: os pitagóricos antigos, contem- dos, "dispostos scgundo un-r triângulo eqüilátero de
porâneos do Mestre, de Cercopes e Parmenisco; os sessenta mundos de um lado", os três mundos res-
pitagóricos médios, com Alcméon, Ico, Paron e tantes constituindo um ângulo, enquanto os cento
Amínias; os pitagóricos recentes, mais numerosos, e oitenta principais percorriam os lados do triân-
de Menestol Xuto e Boida a Timeu de Locres, Simos
gulo "como na ronda dos coros". Temos aí o mais
antigo testemunho da cosmologia da Escola, com
ou Licon. É óbrio que não enfocaremos, aqui, a suzr estnltura geométrica, constituída por elcmen-
contribuição de cada um deles, mesmo porque tos aritméticos discretos, o qLlc é um dos traços mais
muitos não são nada mais que um nome, extraído importantes das matemáticas pitagóricas. Notarc-
de alguns testemunhos duvidosos. Recordemos que mos qllc o núrmero 60, atribuído a cadzr rrm dos la-
dos do universo, correspondc ao produto do dode-
o catálogo de Jâmblico (VP, 267) conta duzentos e
caedro (o sólido constituído por dozc pentágonos)
dezoito nomes de homens e dezesseis de mulheres, multiplicado pelo número cinco. O Timeu de Platão
qualificados de pitagóricos "conhecidos", dos quais oferece mais que um eco disso: cada corpo físico é
o autor cita a cidade de origem, o que permite apre- constituído por triângulos matcmáticos clementa-
ciar o desenvolvimento do pitagorismo no conjun- res e o dodecaedro, um dos cinco corpos "platôni-
to da bacia mecliterrânea. Nós nos limitaremos, cos", é atribr"rído ao universo (53 d 55 d); e o
pitagórico Timeu de Locres, na hipótese - de uma
pois, antes de focaliza4 mais adiante, as conquis- pluralidade de mundos, afirma que se o universo
tas essenciais da ciência e da filosofia pitagóricas, não é um, foi necessariamentc criado como único.
aos principais pensadores da Escola, a respeito dos Pctron utiliza um simbolismo ao mcsmo tempo
quais é possível apresentar algumas informações geométrico, numérico e religioso, posto que esse
seguras, geralmente confirmadas pela crítica mo- triângulo eqüilátero de cento e oitenta mundos, dis-
postos nos sclls três ângr-rlos, forma a lctra grega
derna. que cncarna ao mesmo tempo o núrmero cinco, o
Sabemos pouco de Cercopes, o mais antigo mundo e Deus (genitivo de Zeus) como Proclo ob-
pitagórico cujo nome é conhecido: quatro testemll- scrwará, com justeza.l
.rhoÀ ap".tus, mas que permitem talvez atribuir-lhe
cerlos escritos órficos, o que reforça a hipótese dos Se não se sabe nada de Brontino (ou Brotino)
laços originais entrc o orfismo e o pitagorismo; se- senão que foi pai de Teano e, Iogo, genro de Pitá-
gundo Dógenes Laércio (Vidas,1l,46), ele teria sido
goras e que talvez tenha escrito uma obra sobre a
ó rival de Hesíodo. Conhece-se a singular cosmo-
logia de Petron de Enera, graças a Plutarco que re-
I Proclo, Contentário sobre o Tinteu.7.96.8.
porta brevemente sua doutrina da pluralidade dos

48 49
natúreza e um tratado Sobre o intelecto e o entendi- Aristóteles atribui a Hipaso, que aproxima de
mento, temos melhores informações sobre Hipaso Heráclito3 a tese segundo a qual o princípio de to-
de Metaponto, o pensador mais importante do pri- das as coisas é o fogo, o que Simplício, Aécio, Cle-
meiro círculo pitagórico. Segundo Jâmblico, como mente de Alexandria e Tertuliano confirmam. A
vimos, se Pitágoras se ocupava das matemáticas na alma humana, de natllreza ígnea, é distinta do cor-
Escola, era a Hipaso que cabia dirigir os acous- po, posto qlle, segundo Claudiano Marmetino, que
máticos. Ele se interessava principalmente pelas cita Hipaso (Da alma,II,lT), "a paralisia do corpo
médias aritméticas, bem como por suas aplicaçÕes não tira o vigor da alma: a alma vê no cego e conti-
aos acordes musicais. Sempre segundo Jâmblico nua a viver no cadáver". Mas a alma participa tam-
(yP, 88 e 246), ele teria se afogado no mar para se bém da natureza do número, que é sua estrutura
puni6 seja de ter revelado a inscrição do sólido com- harmônica. Para Jâmblico, de quem um extrato do
posto por doze pentágonos na esfera entenda-se tratado Da alma é citado por Estobeu,a Hipaso vê
-
a construção do dodecaedro, dado que o mérito no número "o órgão de decisão do deus artesão da
cabia a seu mestre seja por ter violado o segredo ordem do mundo (kosmourgou theou)" ou, ainda,
-
da "comensurabilidade e da incomensurabilidade", num outro extrato de Nicômaco de Gerasa, "o pri-
quer dizeç a descoberta da primeira grandezairra- meiro modelo da criação do mundo" Qcarádeigma
cional,\-2pq, obtida pela aplicação do "teorema de proton kosmopoiías).s Segundo um importante
Pitágoras" a um triângulo retângulo isósceles de escólio sobre o Fédon de Platão, Hipaso fabricou
lado 1. Antes, ele teria sido excluído da comunida- quatro discos de bronze, com diâmetros iguais, sen-
de e seus antigos companheiros teriam erguido um do a espessura do primeiro um terço sr-rperior à do
túmulo para ele, como se estivesse morto.2 Na segundo, metade superior à do terceiro e o dobro
mesma linha de uma oposição a Pitágoras, qLle da do quarto, o que produzia, quando se batia nes-
teria assumido politicamente a forma de uma es- ses discos, os três acordes fundamentais de quarta
colha da democracia em Crotona, contra a tradi- (1 + 1/3), de quinta (l + ll2 e de oitava (1 + l/1). Foi
ção oligárquica da Escola (Jâmblico, VP,257), a obseruação dos sons produzidos que deu a certo
Diógenes Laércio narra que Hipaso compôs um Glauco a idéia de utilizar esses discos como instru-
Tratado místico "para caluniar" seu mestre (Vidas,
VIII, 7). 3 Aristótcles,
MeÍ., A^,3,984 u. A Serrla (art. "IIerácliro,,) qualiIica
mcsmo o Efésio de discípulo dc Hipaso.
a Estobcu,
Antologia, 1, 49, 32.
2 Cf. Clementc dc Alexandria, Estromatas,5,58. s Nicômaco
clc Gcras:r, lntroduçito aritntética, 10,20.

50 51
mentos musicais, o que teria dado origem à expres- que ele retornou à vida depois de ter esperado o
são "arte de Glauco" para designar, na Grécia, uma primeiro retorno do cubo do número 6 uma or-
obra executada com grande cuidado. dem dos cinco acordes fundamentais,T -diferentes
Um testemunho semelhante, onde os vasos do de Filolau e Arquitas: "oitava, quinta, oitava e
substituem os discos, acha-se em Téon de Esmirna.6 quinta, quarta, oitava dupla" e não "oitava, oitava e
Hipaso ter-se-ia se serwido de vasos para obter as quinta, dupla oitava, quinta e quarta". Ao aumento
relações numéricas entre os acordes musicais. To- aritmético 2,3,4,5, com efeito, deveria responder
mando dois vasos idênticos, deixou, inicialmente, uma diminuição do epimorios (ou "superparcial"),
o primeiro vazio e encheu o segundo de água pela a grandeza que contém o todo, aumentado com
metade; fazendo-os ressoar juntos, produziu o acor- uma fração cujo numerador é 1 (em notação mo-
de da oitava. Em seguinda, deixou o primeiro va- derna: 1 + 1/x), segundo a seguinte progressão: 1 +
zio, mas enchendo um quarto do outro, produziu o 1l2l + 113,1 + ll4,l + l/5, donde se extrai 1 + 112 =
acorde de quarta, chocando-os. Enfim, o acorde de 312, aquinta; 1 + ll3 = 413,a quarta; I + l14 = 514, a
quinta foi obtido enchendo um terço do segundo oitava e a qr-rinta etc. Embora não saibamos mais
vaso. As relações de cada vaso vazio com o vaso sobre Hipaso, ele parece ter sido uma figura filosó-
cheio ofereceram, assim, ll2 para o de oitava, 1/3 fica decisiva, posto que Aristóteles não hesita em
para o de quinta e 314 para o acorde de quarta. Tra- situá-lo no mesmo plano que Heráclito; ademais,
ta-se dos primeiros testemunhos sobre as descober- sua escolha do fogo como princípio do Todo anun-
tas acústicas dos pitagóricos, a partir de investiga- cia,talvez, a tese central de Filolau. É, em todo caso,
ções experimentais, concernindo à rapidez das um dos primeiros pensadores gregos a ter posto a
vibrações de um corpo, e sobre ateorizaçáo possí- questão do princípio, se se aceita associá-lo ao ter-
vel da música a partir de medidas numéricas; mo aristotélico utilizado por Simplício (ten archen).8
retornaremos a isso adiante, detalhadamente. Em De Califonte e de Demócede, seu tilho, tcmos
seu Instituição musical, Boécio, cuja fonte é Ni- pouco a dizer, exceto que o segundo foi pai dc
cômaco de Gerassa, atribui a Hipaso e a Eubúlides Asclépio de Cnido, e que esse médico célebre, do
um dos que afirmavam que as metempsicoses qual Heródoto fala, deixa r.rma obserwação geral
-de Pitágoras duraram duzentos e dezesseis anos e sobre o desenvolvimento do espírito, a par do dc-
senvolvimento do corpo: "Quando o corpo envclhe-

7
6
Téon de Errnir-na, ExposiçiÍo dos conhecimenlos nrutemáticos úleis Ps.-Jâmblico, Théologonrena arithnrct icae, 52, B.
8
para a leitura de Platão,ll, 12. Simplício, Corltentririo sobre a Física tle Aristóteles,23,33.

52 53
ce, o espírito igualmente envclhece, e perde sua nomo e teólogo, é o primeiro pitagórico do qual
acuidade para todos os tipos de atividade" (lnvesti- temos fragmentos, só cinco, ademais dos diversos
gação,lII, 125-137). Quanto ao primeiro, Flávio testemunhos qLle chegaram até nós. No campo
Josefo o apresenta como Lrm filósoto e associa seu
nome a Pitágoras, qLle sustentou, depois da morte médico, alguns intérpretes vêem nele o pai da fisio-
de seu amigo, que sua alma o acompanhava sem logia e o fundador da medicina científica. Parece
cessa4 dia e noite (Contra Apio,I, 164). Atora esta ter sido "o primeiro a ousar praticar uma disseca-
anedota, a passagem é interessante porque o histo-
riador assegurou, apoiando-se no erudito ção", seguindo a observação de Calcídio;ll anali-
sou a circulação do sangue, distinguiu as artérias
alexandrino Hermípo de Ermirna, que "os atos e as
palavras" de Pitágoras eram "a imitação de crenças das veias ligando seu fluxo ao sono e à vigília, estu-
trácias e judias".e Parntenisco (ou Parmisco) de dou particularmente os órgãos dos sentidos: o ou-
Metaponto, enfim, o úrltimo pensador do pita- vido, o nariz, a língua, e principalmente o olho, no
gorismo antigo, só deixou uma anedota. Perdeu a qual distingue as quatro membranas e o chiasma
faculdade de rir clepois de ter subido do antro de
ótico.r2 Não limitava sua teoria do conhecimento a
Trafônio, um dos arquitctos do templo de Apolo em
Delfos, mofto nLrma gruta da Jônia. Depois de ter Llma concepção sensualista da visão, posto que,
consultado a Pítia, quc o aconselhou a venerar "a segundo Teolrasto (Do sentido, 25), afirmava que
mãe em sua casa", visitou o templo de Leto em Delos "o que distingue o homem dos outros animais é que
onde, em vez de encontrar uma estátua da mãe de ele é o único a dispor de consciência, enquanto os
Apolo, só viu um vtrlgar pedaço dc madeira que o
tez cair na riserda. Ofcreccu, cntão, à deusa, pre- outros têm sensações, sem a consciência".
sentes magníticos, por tê-lo curado de sua enfermi- É, sem dúvida, seu interesse pela vida orgâni-
dade.lo ca que conduziu Alcméon a se interrogar sobre a
natureza da alma e de sua imortalidade, estabele-
O pitagorismo médio, da geração seguinte, cendo um laço entre as concepções físicas, demons-
oferece um pensador de nível totalmente diverso, trativas e experimentais do pitagorismo, e suas preo-
com Alcméon de Crotona, do qual Aristóteles faz cupações místicas. Partindo do embrião, do qual
caso, posto que o menciona seis vezes. Antes de mais afirmava conhecer a formação a partir das duas
nada médico, mas também biólogo, Êísico, astrô-
f r Cirlcídio, Conrcnttírio sobre o Tinreu,279.
l2 "Esscs [dois] condutos que, partindo dc um ponto úrnico, sc con-
e
Cf . Contra Celso,7, 15,647 ,27 , onde Orígenes dá o título do livro fundem a certa distância na parte mais profuncla da fronte, sc scpa-
de Hermipo, os Legisladores. ranl cm dois ramos para alcançar as órbitas oculares segundo um tr.a-
r0
Ateneu, Deipnosolistas, XlY, 614 a. çado oblíquo, que é o das sobrancelhas", escrcve ainda Calcídio.

54 55
" t .- /- rí'.
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sementes paterrla e materna, situava a alma no cé- Alcméon teria sido o inventor do gênero da fábula,
rebro (Empédocles a situará no coração, como embora fosse "o foígio Esopo qLlem levou a arte da
Aristóteles, mais tarde) e pensava que ela se forma, fábtrla à perfeição" . Talvez, efetivamente, a fábula
primeiro, no ventre da mãe.13 Dado que o movimen- seia um meio privilegiado de nos aproximarmos
to permanente dos seres da natllreza era associado analogicamente das verdades da natureza que es-
por ele à vida, Alcméon afirmava o movimento eter- capam à sagacidade humana. Diógenes Laércio nos
no da alma: "Ela é imortal Dor causa de sua seme- faz saber, com efeito, que Alcméon escrevia, no iní-
lhança com hãàça cio de sua obra Sobre a natureza, primeiro tratado
deCorre de ããl-mCnao cessar de se mover".l4 Reco- de física qr-re foi composto, segundo Clen-rente de
al de Platão lbfiedro Alexandria (Estr.,I, 78): "Tanto no domínio do invi-
\ "'
\às /-eis, a favor da imortalidade da alma, apoiando a sível quanto no das coisas mortais, os deuses de-
Ynetafísjca e a ética numa argumentação física. Se têm o conhecimento imediato. Mas nós, por nossa
qs nomens morrem, para Arcmeon, e porque nao condição humana, estamos reduzidos às conjetu-
llres é possível juntar o começo e o fim",ls isto é, ras" (Vidas, VIII, 83). Isto explica a escolha do mé-
cumprir, como os astros, esse movimento circular todo analógico porAlcméon, característico do modo
eterno em que consiste o conhecimento. A tese não de pensar pitagórico, que o conduz a aproximar os
deixa de terrelação com a doutrina órfico-pitagórica fenômenos animais dos fenômenos vegetais, por
da palingênese. Ele se interessou também, em con- exemplo a propósito da semente das plantas, que
seqüência, por astronomia, afirmando que os pla- aparece após a floração, e a do jovem púrb".", pio-
netas tinham "um movimento contrário ao das es- duzida depois da primeira pilosidade,rT ou da nu-
trelas fixas, do oeste para o este",l6 obseruação que trição do embrião, cujo corpo ftlnciona como uma
contém em germe a hipótese de um movimento da esponja.l8 No que concerne à concepção alcmeo-
Terra, presente ulte rio rmente em Fil ol au, ç.!qgg-t-t-o, niana dos contrários e do equilíbrio das potências
p3rao eitagorismo é inlóvel. (isonontia), presente na slla medicina como na sua
Enfim, num outro campo, sê se acredita em cosmologia, e na qual Aristóteles vê a fonte da tá-
Isidoro de Sevilha nas suas Etimologias (I, 40), bua pitagórica dos dois princípios, trataremos des-
ta questão adiante, com detalhe.
l3Aécio, Opiniões rlos
lilósol'os,v, 17, 3.
laAristóteles, Da alma,l,2,405 a; cf. Aócio, Opiniões,Y,2,2. !7 Aristótclcs, História tlos aninnis, Vtl, l, 581 a.
ls Ps.-Aristóteles, Problenns XVIII, 9l ó a. l8
, Aécio, opiniões, V 16, 3.
ló Aéciq Opiniões,ll, 16,2-3.

56 57
Temos pouco a dizer sobre os últimos pensado- temperatura muito elevada".2r Me nestor aplica esta
res do módio pitagorismo: Ico de Tarento, médico e teoria ao junco e ao caniço qlte, em virtude de sua
vencedor do pentatlo nos jogos Olímpicos, conhe- tcmperatura elevada, não congelam no inverno, o
cido por seu regime dietético; Paron, para quem o que é também o caso do pinhciro, do abeto, ou da
tempo era "ignoranÍe" (amathéstaton) e não "sábio" hera, tão quente que a neve não se mantém em
(sophataton), como pretendia sell contemporâneo suas folhas . Xuto é conhecido através da Física dc
Simônides de Quéos, porque leva ao esquecimen- Aristóteles e do Comentário de Simplício; susten-
to;le Amínias, homem pobre, mas reto, de quem tava a existôncia do vazio (kenón) no universo, a
Diógenes Laércio diz que foi o professor de filoso- partir das catcgorias do raro e do denso, segundo
fia de Parmênides e o conduziu a "uma vida de me- um raciocínio por absurdo: sem vazio, com efeito,
ditação" (Vidas, IX, 2 l). não existiria nem contração nem compressão e,
Em compenszrção, o pitagorismo recente ó rico seÍn csses fenômenos, o mundo não teria mais
em informações e nomes importantes, dos quais nenhum movimcnto, ou entãro "o Todo ondulará".
dcstacaremos os mais relevantes. Menestor de Síba- Simplício interpreta a citerção de Aristóteles, indi-
ds, o pai da botânica, é conhccido através dc Teo- cando que o Todo (tô pan) "se inflará e diminuirá
frasto.20 Distinguia as plantas quentes, férteis e as sempre mais, como o mar qlle, em vagas ondulan-
plantas frias, estéreis, segundo o jogo de oposi- tes, vem recobrir as praias", o que ó uma possível
ções que Alcméon utilizava em zoologia: "E a mes- antecipação das teorias modernas da expansão e
ma coisa entre os animais, férteis ou estéreis, e da contração incessantcs do universo.
üúparos ou oúparos" (Das causas, I, 21, 5).A natu- Ión de Quíos, autor dc poemas líricos e de tragé-
reza dos solos, quentcs ott frios, intervinha também dias, contemporâneo de Sófocles, escrevell uma
no crescimento das plantas de natureza oposta, "as cosmogonia, Os kiagmas, isto é, as "triplicaçõcs",
quentes em terreno frio ou as frias em telTeno quen- que começava assim: "Todas as coisas são trôs e
te" (ibid.), porqlle as plantas morrem num solo que nada é mais nem menos que três. O que constitui o
tem a mesma temperatura que elas; trata-se aí da valor de cada ser particular é a tríade formada pela
primeira tese ecológica conhecida sobre a idéia de inteligência, a torça e o acaso" (Harpocrátio, Iéxi-
"meio" biológico. Reencontramos a influência de co, "Ion"). João Filopono esclarece qLle, se para
Alcméon no equilíbrio das potências (úmido/seco, Parmênides os elementos eram o fogo e a terra, Íon
frio/quente, amargo/doce), mas também, nota de Quios acrescentavalhes o ar.22 Esta tese da Tríade
Teofrasto, a influência de Empédocles, que afirma- é eminentemente pitagórica, como o atesta
va que "a nafireza colocou na água os animais de Aristóteles numa passagem cólebre do Tratado do
Céu:"Porque-é também a opinião dos pitagóricos
re Aristótelcs, Física,IY, 13,222 b; Simplício, Coruentário à Física
de Aristóte\es,754,9. 2f Aristóteles, Da respiração, 14,477 a.
22
20
Tcofrasto, Das cousas das plantas,l,l,YÍ; História das plantos, Filopono, Contentdrio ao tratado tla geração e da corntpçtio de
I, V. Aristóte\es, 207 , 18.

58 59
é o número 3 quc define o Todo e todas as coi- ainda senso de justiça, o qr-rc não deixa de evocar o
-sas, posto
que são os constituintes da Tríade: fim, Platão da República. Em compensação, se é verdade
meio e comcço, quc definem também o Todo" (I, l, quc inventou o modo lídio, rclaxado, que o próprio
268 a).Ion, que foi objeto do epigrama de Ferécides, Platão condena, compreende-se quc esse último cri-
de que falamos no primeiro capítulo, se ocupava tique, no ktques (197 d) Dámoncs de Pródicos, "o
também de música: tala da "lira de onze cordas mâis habil dos sofistas". É a Dámones qLre Sócrates
cujos dez intervalos bastam para abrir as três vias se dirige sempre na República (III, 400 a) para co-
consonantes da harmonia".23 Recordamos que ele nhecer "as medidas que convêm à bzrixeza da alma,
afirma que Pitágoras tinha teito passar alguns de ao descomedimento, à loucura e a oLltras cspécies
seus poemas como obras de Orfeu. de más condutas, e os ritmos que é preciso reservar
Sempre no campo da música, deve-se reter o às condutas contrárias". Platão citará, cm conseqtiên-
nome de Ddmones de Oé, que Platão chamava de "o cia, Dámones quando se interrogar sobre a adoção
mais gracioso múrsico do mundo".2a Era um múrsi- de um novo modo musical em slla Calípolis: "Em
co que exercia uma atividade de sofista, talvez como nenhuma parte se mudam os modos musicais sem
conselheiro de Péricles, o que lhe valeu o ostracis- que se mudem também :rs lcis mais importantes
mo, segundo Aristóteles e Plutarco.2s Ele estabele- qlre regem a cidade" (República,lV,424 c).
cia uma série de correspondências entre a música, Hípon de Melaponlo (ou de Santos ou de Régio) é
a psicologia, a pedagogia e a legislação, porque ó a considerado como Llm pitagórico, em virtude da
melodia que forma o temperamento das crianças. importância que atribui aos núlmcros e aos opos-
Aristides Quintilhano assinala que "nas gamas das tos, principalmente cm biologia; o pouco que sabe-
notas harmoniosas que ele transmitiu à posterida- mos da sua doutrina filosóÊica dos princípios o apa-
de, é possível descobrir que ora são as notas femi- renta, antes, a Tales, posto qlle toma como callsa
ninas, ora as notas masculinas que predominam ou única de todas as coisas a água ou "o elcmento
se tornam raras, até desaparecer totalmente; isto Írmido",27 o que lhe valeu o epíteto de "ateu". Pare-
mostra com evidência que o temperamento de cada ce que se interessou muito pcla geração e a gravi-
alma reclama uma harmonia particular".26 dez, insistindo na presença do número 7 e de scus
Dámones via na música o meio de conduzir às vir- múltiplos em todos os cstágios da evolução huma-
tudes, porque a criança que canta e toca a cítara na: o cmbrião está pronto ao Êim de sete mcscs, o
manifesta não só coragem e sentido da medida, mas bebê se mantém sentado a partir da idade de sete
meses; é no sétimo môs que os dentes nascem, e no
sétimo ano que os primeiros dcntes caem; a puber-
23
Cleônidas, Introdução hannônica, 12. dade sc situa aos qllatorze anos etc.28
2a
Platão, Alcebíades Maior, 118 c; Inques, 180 d;197 d', República,
4OO a-
2s Aristóteles, Constitttiçiío de Atenas,276, 4; Plutarco, Vida de 27
Alcxanclrc dc Afrodisias, Contenltirio à Metalísica tle Aristóteles,
Péricles, 4. 26,21.
26
Aristides Quintilhano, Da ntúsica,ll, 14. 28
Censorino, Do dia do nascimenlo,Yll,2.

60 61
Reencontramos a influência do número, des- tórios por "sim" ou "não", esse sistema triádino
ta vez sob forma política e social, com o grande permitia adotar uma posição intermediária e, logo,
arquiteto Hipódamos de Mileto, fundador de Rodes assegurar o justo meio, próprio da verdadeira jus-
e renovador do Pireu, do qual construiu os bairros tiça. Este ideal arquitetônico de uma razão que
como tabuleiros. Aristóteles admite que esta dis- constrói o homem e a cidade tnore geométrico, isto
posição regula4 "ao gosto moderno", é a mais cô- é, more pythagorico, se reencontrará em Platão, com
moda, mas que a "disposição antiga" convém mais as três classes da cidade da República.
em tempos de guerra;ze náo foi o sentimento de O renome de Enópides de Quíos, de Hipócrates
Haussmann, quando traçou as avenidas retilíneas de Quíos e deTeodoro de Cirene vem de seus traba-
de Paris por razões de segurança interna. lhos científicos em geometria c em astronomia. Para
Hipódamas era também um reformador político, Teón de Esmirna, na slra Exposição (III, 40), onde
que tinha predileção pela tríade , talvez sob a influ- ele se rcfere à Astronontia de Eudemo, é Enópidcs
ência de Íon de Quíos. Seu urbanismo geométrico
quc teria descoberto em primeiro lugar a
obliqüidade do Zodíaco e o período do Grande Ano
estava ligado a um projeto de constituição ideal (a revoluçãro completa dos planetas). Eliano preci-
posto que sua cidade,limitada a dez mil habitantes sa a slla duração quando nota que Enópides fez
(notemos a presença da dócada pitagórica), estava colocar no santuário de Olímpia "a tábua de bron-
dividida em três classes: artesãos, agricultores e ze na qual tinha figurado os movimentos dos as-
guerreiros. Paralelamente, seu território estava di- tros durante um ciclo de cinqtienta c nove anos"
(Histórias variadas, X, 7). Tcria calculado, com gran-
vidido em três partes: o domínio sagrado, o domí- de exatidão, a duração do ano trópico: "trezentos e
nio público e o domínio privado. Havia, igualmen- sessenta e cinco dias e vinte e dois cinqüenta nonos
te, três tipos de leis, os delitos também em número de dia", segundo o testemunho de Censorino.30 Te-
de três: ultrajes, danos e assassinatos. A cidade ti- ria admitido como princípios o fogo e o al segun-
do Sexto Empírico3r e protessado, no dizer de Aécio
nha uma única Corte Suprema, onde os juízes con- (Op. I, 7, l7), que "Deus é a alma do mundo". No
signavam suas sentenças em tabuinhas, em caso plano matemático, Proclo32 lhe atribui as soluções
de simples condenaçáo', a tabuinha permanecia de dois problemas do primeiro liwo dos Elemen-
vazia em caso de absolvição; em terceiro lugar o /os, de Euclides: por um ponto fora de uma reta,
juiz precisaria se condena sob tal autoridade e ab-
solve, sob outra. Evitando os veredictos contradi- 30
Ccnsorino, Do tlia do nascintenlo, XIX, 2.
3r Sexto Empírico, Esboços pirroníanos, lIÍ,30.
32
Proclo, Corttenltírios ao primeiro livro tlos Eleruenlos de Euclkles,
2e
Aristóteles, Política, VIl, I l, 1330 lr. -333, l.

62 63
levar uma pcrpendicular a esta reta (I, l2); cons- vincular a csse meio de geômetras pitagóricos
truir um ângulo igual a um ângulo dado, sobre um Teodoro de Cirene, que ensinou na Academia e Êoi
ponto tomádo nLrma rcta (I, 23). Hipócrates de posto em cena por Platão em três ocasiões (keteto,
Quíos, célebre geômetra e astrônomo, teve a idéia Sofista, Político). Fez progredir muito a teoria dos
de demonstrar o conjunto das proposições matc- poliedros regulares (os cinco corpos "platônicos")
máticas a partir dc pequeno número de "princí- e a das grandezas irracionais: segundo Platão, de-
pios" (archai): definições, postulados e axiomas. Foi, monstrou a irracionalidadc de 3 atô 17 ("a raiz do
àssim, "o primeiro a escrcver os Elementos" (Proclo, quadrado de dczessete pós de lado", Teet.,147 d).
Com., 66,7) c estuclou principalmente a geometria
do círculo, da qual é o fundador, sem dúvida. Des-
cobriu a quadratura do menisco (ou da lÚrnula), isto Encontramos em Filolau de Crotona o maior
é, o cálculo de sua ârea, e teria se voltado para a pensador da Escola pitagórica, como o testemu-
quadratura do círculo. Devemos-lhe uma tentativa nham a riqueza de sua doxografia e a importância
de solução do problema délico da duplicação do das descobertas que lhe são atribuídas; ademais,
cubo pelo método da redução (apogogà): consistc esse contemporâneo de Sócrates é um dos raros
em ir de um problema a outro e assim por diante,
até que a solução do último problema desencadeie pitagóricos de quem dois títulos de obras são ates-
necessariamente a dos precedentes. Os habitantes tados, por Hermipo, Sátiro e Neanto (em Diógenes
de Delos receberam do oráculo de Delfos a ordem Laércio), Xenócrates (em Jâmblico), Timn (em Aulo
de duplicar um altar de forma cúrbica; Hipócrates Gélio), Aécio (em Estobeu), Teón de Esmirna, o Ps.
reduziu esse problema ao cálculo das duas médias Jâmblico e Lido: Danatureza (Perí Physeos), do qual
proporcionais entre duas retas, das quais uma é o
dobro da outra. No campo astronômico, Hipócrates restam dezessete fragmentos, em dialeto dório, e
interpretou o fenômeno da "cauda" do cometa como As bacantes (Haí Bálckai), do qual só restam três
uma aparôncia devida à rcflexão em direção ao sol fragmentos. Segundo Diógenes Laércio, ele era au-
dos raios luminosos em mcio úmido; dava-se o tor dos tratados pitagóricos qr-re Platão pediu a Dion
mesmo quanto à Via Láctea.33 Olimpiodoro, no seu
de Siracusa para comprar por cem minas (Vidas,
comentário à obra de Aristóteles (45, 24), faz este
esclarecimento: "Se Pitágoras considerava que o III, 9 e VIII, 84); Diógenes diz adiante (VIII, 85)
astro e sua cauda eram Êormados de quinta essên- que Platão comprou a "única obra" por quarenta
cia (pemptà ousíct)" o quinto elemento de Ocelo e minas de prata e inspirou-se nela para o Timeu;
de Filolau -
"Hipócrates pensava que só o astro Platão, em todo o caso, menciona Filolau no Fedon
era formado-,por quinta essência, enquanto sua cau- (61e) e faz uma alusão apoiada em seu ensinamen-
da pertencia ao mttndo sublunar". Pode-se, enfim,
to no Górgias (493 a) a propósito do "corpo" que é
33
Aristóteles, Metereológicas, l, 6, 342 b; 8, 345 b. o "túmulo" da alma (sôma sêma).

64 65
Scu trzrtado de física começava assim: "São os licação dos múltiplos e um acordo entre os opos-
ilimitados (ápeirci e os limitantes Qteraínonta) que, tos" (Exposição, Introd.).
se harmonizando, constituíram no seio do munclo Esta tese, n-ratemático-ontológica cle uma har-
(cosmos) a natureza, bem conlo a totalidade do monia única clo universo, traÇo essencial de todas
mundo (pantc) e tudo o que ele contém" (Diógenes, as formas do pitagorismo, assLlme uma dimensão
Vidas,VIII, 85). Esses dois seres matemáticos opos- cosmológica com a tese filolaica do centro do mun-
tos são ainda chantados, segundo Estobeu, de "par" do. Jogando com as pzrlavras, sem dúrvida, antes do
e "ímpar", revestindo, cada uma dcssas formas, as- Platão do Crátilo (401 c), Filolau identifica a essên-
pectos múltiplos na natureza. Todas as coisas sâo cia (ousía) e o centro do lar (Hestia): "O primeiro
pois números, na sua essência particular: "Todo ser composto harmonioso, o lJno, que ocLlpa o centro
ãonhecido tem um número; sem este, não se pocle- da esfera, chama-se Héstia" (Estobeu, Antologia,I,
ria nem conceber nem conhecer nada"'34 Pode-se 21,8). Esse fogo central era ainda chamado de "Casa
concluir que o "número" é, âo mesmo tetnpo, um de Zeus", "mãe dos deuses" e ainda "alta4 uni[icador
princípio ontológico e um princípio gnosiológico, o e medida da nzrtureza" (Aécio, Op.,II,7): as teses
princípio da essência e o do conhecimento sendo mais inovadoras do pitzrgorismo se acham aqui es-
um. Esse dualismo oculta, na realidade, um mo- treitamente ligadas à sua especr-rlação mística. Com
nismo, posto qr-le os dois princípios matemáticos efeito, Filolau parece ter sido o primeiro pensador
contrários são as formas inteligíveis, sob as quais a afirmar que a Terra não está no centro do univer-
nos aparece "o IJno, princípio de todas as coisas".35 so, mas que este é ordenado, hicrarquicamente, em
Em sua dupla forma, musical e cósmica, aharmo- torno de um fogo central úrnico: esse sistema
nia nasce somente dos contrários, como comentzr- pirocêntrico põe em questão o sistema geocêntrico
rá Nicômaco, citando Filolau, porque "a harmonia tradicional que se imporia até a revolução de
é a unificação dos complexos e acordo entre os Copérnico, como se a intr-rição religictsa guiasse a
opostos";36 Téon acrescenta, no mesmo sentido: "Os hipótese propriamente científica, o qlle será o caso,
pitagóricos, que Platão segue em várizrs ocasiões, ainda, sob muritos aspectos, de Copérnico, Tico
também afirmam que a mÚtsica é uma combinação Bralre e Kepler. O cosmos é loriado continuamente
harmônica (suntamogen) de contrá-rios, uma uni- por uma aspiração do vazio ilimitado, situado fora
da esfera, sob a ação do fogo central; no alto o in-
3a Estobeu, Antologia,l,2l ,7 c;7 b. vólucro do universo é um fogo, que responde ao
3s
Jâmblico, Cotrtenttírkt à lttlro(luÇão arílnútica de Nicôrttttcrt,77 ,9 '
36 Nicômzrco, I n t rodt rç ítct a ri I rtt é I icn, 11' 1 9, 1 1 5, 2. precedente ; mas o meio é, por natllreza, primeiro"

66 67
(Aécio, ibid.). Em torno dele corre a ronda dos dez especulações místicas sobre os dez primeiros nú-
corpos divinos: a esfera dos fixos, os cinco planetas meros se revelam indissociáveis dos cálculos arit-
conhecidos pelos antigos, o Sol, a Lua, a Terra e, méticos e das construções geométricas ligadas à
sob a terra, por razões de simetria e de harmonia própria constituição do Todo; retornaremos a isso
com o número perfeito da Década, a Anti-Terra. A no capítulo VI. Quanto à alma humana, que é uma
parte superior do universo, onde se acham os ele- harmonia, como toda a realidade, é análoga à na-
mentos mais puros, é chamada de "Olimpo"; de- Lureza do Todo, que pode apreender pelo logos.
pois, vem o "cosmos", onde se acham os cinco pla- Quando o espírito contempla esta natureza, "apa-
netas, o Sol e a Lua; enfim, o "céu" é a região renta-se a ela, posto que, por natLlreza, o semelhante
é percebido pelo semelhante", declara Sexto a pro-
sublunar, nas proximidades da Terra. Segundo
Estobeu,3T Filolau admitia cinco corpos na esfera
pósito de Filolau, retomando uma velha fórmula
do Todo; "o fogo, a âgua, a terra e o ar" , contidos homérica (Odisséia, XVII,218). Em sua antropolo-
na "esfera", ao qual se acrescentava "um quinto, a gia, Filolau distinguia uma tétrada, com quatro
casca (holktís) da esfera", Que só pode ser o princípios: o cérebro é o princípio da inteligência;
dodecaedro; Aécio (Op.,II,6, 5), identifica, aliás, o coração, o da alma; o umbigo, o do enraizamento
explicitamente, esses cinco elementos com os cin- do embrião e o sexo, o da geração.38 A própria alma
co poliedros regulares. Voltaremos a esta questão é necessariamente imortal, sem dúrvida porque é
que terá importância decisiva para o pensamento semelhante ao mundo que pode contemplar e com-
de Platáo e de Aristóteles, como para a cosmologia preender. Mas se ela se acha ligada a um corpo pe-
ulterior. recível, como o testemunham os antigos teólogos,
"é como punição de certas faltas que a alma é atre-
Deve-se, assim, a Filolau a rejeição da hipóte-
se geocêntrica, bem como a idéia do movimento lada ao corpo e enterrada nele, como num
da Terra, o que constitui dupla revolução para a túmulo".3e Sabe-se o uso que Platão fará da atre-
ciência da época. É notável que sua ffsica e sua as- lagem e do túmulo, para fazer compreender a na-
tronomia sejam essencialmente de natureza mate- tureza alada da alma e sua qr-reda terrestre.
mática, embora a intuição que a guia seja de or- Na mesma linha aritmológica, acha-se o discí-
dem religiosa. A confirmação disso é feita por sua pulo de Filolau, Eurito de Crotona (ou de Thrento,
concepção aritmológica do universo, na qual as
38
aritnt., 25, 17.
Ps. Jâmblico, Teol.
37 Estobeu, Ecloga,I, 18, 5 = Filolau, XII.
3e
Clcmentc de Alcxandria, Estronralas, lll, ll.

68 69
ou de Metqponto). Nada sabemos dele, exceto esta Pode-se ver aí, ncssa cstranha prática, tanto o
anedota irônica, narrada por Jâmblico (VP, 148): cfcito do misticismo aritmológico dos pitagóricos
como um pastor lhc clisscsse ter ouvido, certo dia, qlranto a pretiguração cla intcligibilidadc mzrtcmh-
ao meio-dia, avoz de Filolau, morto há tempo, que tica do mundo, reduzido ao númcro c à cxtcnsão; o
cantava em seu túmulo, Eurito teria respondido: código gcnético modcrno se inscreve na perspecti-
"Pelos deuses, diga-me, em qlle tom?" TeoÊrasto va dessa coditicação primitiva, cuja intuição pcr-
conta que, segundo Arquitas, Eurito atribuía um manece sempre fecunda. Dc modo análogo, Lísias
nírmero a cada serl utilizando um jogo de calhaus, de Thrento e Ôpsimo de Régio aplicav;tm ao próprio
antecipando, assim, o duplo scntido do ctilculo la- Deus o podcr do número, pois o clefiniam, o pri-
tino: tal nírmero ao homem, tal número no cavalo mciro, como "o nírmero incfávcl" (árretos), qter
etc. Eurito não se lin-ritava, pois, a cnunciar o prin- dizel tendo o termo grcgo cssc duplo sentido
cípio geral dos pitagóricos, segundo o qual o nú- tanto "indizível" quanto "irracional"; o segundo-o
mcro ó o princípi<l dc todas as coisas; ordenava delinia como "o exccsso que separa o maior clos
concretamente os números, dispondo os calhaus de números dc scu vizinho mais próximo".al O maior
modo geomótrico, o que é a mancira mais simples dos números era, como sc sabc, o 10 ou a Década,
de representar o espaço como grandeza descon- qLre cncarna a Tétraktys, à qual retornaremos
tínua. Aristóteles o testemllnha, no livro V de sr,ra adiante. O número vizinho mais próximo sendo o
Metafísica (5,1092 b): "Eurito rccoÍ'ria a fichas para 9, Deus é, assim, comprecndido como o exccsso qlle
reproduzir as formas dos animais e das plantas, separa a Enéada da Década, ou seja, a Mônada ou
como quando se remetem os núrmeros às figuras o Uno.
do triângulo e o quadrado". Por slla vez, o Ps.-Ale-
xandre dá como exemplo da "medida" do homem o Filósofo e homem de estzrdo, Arquitas de Thrento
número 250: ó, com Filolau, a figura mais importante do pita-
"Eurito tomava duzentos e cinqiienta tichas ver-
gorismo. Eleito sete vezes para o comando supremo
des, negras e vermelhas, e de todos os tipos de co-
res. Recobria, em scguida, o muro de cálcio para de sua cidade, amigo de Platão, para quem teria
desenhar aí a silhucta de um homcm ou a de uma buscado os textos de Filolar-r, antcs de arancá-lo das
planta, e colocava alguns de seus calhaus no lugar garras de Dionísio, o Jovem,42 bt'ilhou tanto em arit-
do rosto, outros no lugar das mãos e outros cm mética e em geometria quanto em mecânica, em
outros lugares, até ter preenchido a silhueta que
imitava o homcm com um número de calhaus igual música, em física ou em biologia. Escreveu nume-
ao das unidadcs que, segundo ele, definiam o ho- rcisas obras: Dos princípios, Do toC,t, Do ser, Dos con-
mem".4o lró.rios, Da alma, Da agricukura, Das flautas, das qLlais

ar Atcnágoras, A
lavor do crislianisnro,6, 15.
a0 Ps.-Alcxanclrc, Contentário à Metalísica de Aristóte\es,827,9. a2 Platãro,
CarraVlt,338c-341 b;345c *350«.

70 71
só restam fragmentos. Atribui-se a ele grande nú- percebemos e distinguir a acuidade dos sons, ligada
mero de invenções, desde o catavento, destinado a ao movimento rápido e sua gravidade, ligada ao
acalmar as crianças, a uma pomba de madeira que movimento lento. Em música, há três tipos de me-
voava.43 Esse Leonardo da Antiguidade era não só diações: aritmética, geométrica e subcontrário ou
um mecânico, mas um matemático de primeira or- harmônica (ibid.,92). Arquitas afirmava a preemi-
dem: trabalhou nas duas médias proporcionais a nência da "arle do cálculo" (Halogistikà) em relação
duas retas dadas, que obteve a partir dos meio-cilin- à sophia, sobre todas as outras artes e até sobre a
dros, as três secções cônicas (elipse, parábola, geometria, porque a arte do cálculo pode se alçar ao
hipérbole) e aplicou, principalmente, suas reflexões nível das "formas" (tà eídea). Trata-se aí, sem dúvi-
à harmonia. Porfírio conselvou extratos importan- da, dos princípios supremos do Número, quer dizer,
tes de seu tratado Da harunonia, que começa assim: da Mônada e da Díada, identificadas com o Limite e
o Ilimitado. Nesta mesma perspectiva, parece ter
"Os matemáticos bem sabem discernir e com-
isto náo é absoluta-
meditado sobre a dialética entre o finito e o infinito,
preender como é necessário
mente surpreendente -
a natureza de cada coisa; aplicada aos limites do céu: segundo Eudemo, cita-
porque, como têm um-conhecimento detalhado do do por Simplício,as ele perguntava se, chegado ao
Todo, devem ver bem também a essência dos obje- limite da esfera dos fixos, poderia estender para o
tos particulares. No que tange à velocidade dos as- exterior "a mão ou um bastão". Parece absurdo res-
tros, seu nascer e seu pôr, eles nos deram um co- ponder pela negação; mas uma resposta positiva
nhecimento claro, como em geometria plana, em
aritmética e em esférica, sem esquecer a música. implica que há algo de diverso fora do mundo, "cor-
Porque essas ciências são irmãs, posto que se ocLl- po ou lugar", onde ficam o bastão e a mão. Continua-
pam das primeiras formas do ser o número e a gran- remos, pois, avançando em direção ao limite, afas-
deza que são irmãs".aa tando-o e colocando a mesma questão, o bastão
indicando, a cada vez, aexistência de um "outro tam-
Se os ruídos produzidos pelo choque dos cor- bém ilimitado" etc. Temos aqui o esboço das anti-
pos em movimento nem sempre são percebidos por nomias kantianas, a primeira hipótese de um uni-
causa da fraqueza do choque, de seu afastamento verso infinito que não tem nada mais em comum
ou de sua intensidade, podemos estudar aqueles que com o mundo fechado e hierarquizado do pitago-
rismo e com o pensamento grego em geral.
a3 Aristótcles, Política, VIII, 6, 1340 b 7; Aulo Gélio, scgttnclo
Favorino, Noites áticas, X, 12,8.
aa as
Porfírio, Comenttirio aos Harmônicos de Ptolomeu,56. Simplício, Cortrentário à Física de Aristóte\es,467,26.

72 73
Dentre os pitagóricos da última geração (princí- do século lq a.C., que conta com aLltores como Eudoro,
pio do século IV a.C.), rctel'emos apenas dois, dos Moderato de Gades, Nigídio Fígulo, Nicômaco de
quais temos algnma idéia da doutrina. IceÍa de Gerassa e Numênio de Apaméia. As mais interessan-
Siracusa foi a origcm da hipótese da Anti-Terra, gc-
ralmente atribuída a Filolau (Aécio, Op. ,III,9,l' tes, dessas obras zrpócrilas, são os dois tratados atri-
2); pensava que só a Terra sc move, enquanto o buídos a Arquitas, Sobre as categorias, que teria sido
mundo pcrmanece fixo; o movimento do Sol e das a fonte das dez categorias de Aristóteles, e Sobre os
estrelas é, pois, só uma ilusão.46 Eclànto de Siracusa pincípios, que distingue três princípios: deus, a for-
parece ter profcssado um atomismo de inspiração
ma e a matéria dos seres. Encontramos também o
pitagórica, tornanclo as mônadas corporais, gover-
nadas, contudo, por uma Providôncia (Aécio, Op., tratado Sobre a nat ure?.a do un iverso, atribuído a Ocelo
II, 1, 2); afirmou a rotação da Terra, de oeste a les- de Lucano, por Fílon de Alexandría(Da etemidade do
te. Miônides eEu[rânor, enfim, descobriram quatro ntundo,5,2), que seria a origem da tese aristotélica
novas mediações harmônicas.a7 Quanto ao botâni- do caráter não-engendrado e incorr-uptível do mun-
co Lícon (Licos) de Thrento, compôs uma das pri-
do, bem como o tratado Sobre cLnatureza do universo
meiras vidas de Pitágoras.
e da alma, atribuído aTlmeu de Incrcs, que foi o origi-
nal do Tfmeu de Platão. De [ato, trata-se de uma inter-
Terminaremos esta revisão dos principais pen-
pretação tardia, de inspiração aristotélica, do diálogo
sadores vinculados ao pitagorismo com algumas
platônico. Do verdadeiro Timeu de Locres, nada sa-
observações sobre as obras apócrifas, associadas aos
"pseudo-epígrafos pitagóricos". A expressão desig- bemos, senão que escreveLl Llma Vida de Pittígoras,
um tratado Da natureza e obras matemáticas. Quan-
na um conjunto de tratados atribuídos a Pitágoras
to aos três tratados Da Realeza, que chegaram até nós
ou a pitagóricos notáveis: Arquitas, Diotógenes,
sob os nomes de Diotógenes, Ecfanto e Estênidas, iden-
Ecfanto, Eurito, Lísias, Ocelo, Filolau e Timeu, mas
tificam o monarca com a divindade e vêem nele a "lei
que são escritos tardios dos séculos 2q e lq a.C., pro-
viva", garantia da comunidade dos sujeitos; essas
venientes de meios itálicos, atenienses e alexan-
obras, que terão certamente influência sobre Fílon e
drinos. Se a questão pcrmanece controversa entre
Sêneca, são dificilmente datáveis, entre o século 3q
os especialistas, parece, contudo, que esses tratados
a.C. e o século 2a de nossa era.48
se distinguem ao mesmo tempo do antigo pitago-
rismo (anterior a Aristóteles) e do neopitagorismo a8
Encontrarcmos a lista complcta clos filirsofos pitagóricos clo Ca-
tálogo clc Jânrblico, bcm c«rmo o conjunto dos tcstenrttnhos sobrc os

Cíccro, Prinreiros ut'adôrtticos, ll, 39, 123. pitagóricos anôninros na colctânca clc Jcan-Paul Dumont, Os pré-
47
Jâmblico, Co|n. Nic., ll6, l. sctcrríl icos .

74 75
Capítulo IV e os platônicos pitagorizam ou então, ao contrário,
se os neoplatônicos e os neopitagóricosplatonizam.
AS MATEMATICAS PITAGORICAS Qualquer que seja o ensinamento real de Pitá-
goras e sua contaminação recorrente pelo pla-
tonismo, parece que o traço original do pitagorismo
referiu-se à soberania do Núrmero entenda-se do
número inteiro positivo -
como se vê em Petron
de Emera, Íon de Quíos,- Filolau ou Eurito. Aris-
tóteles, que permanece sendo nossa fonte princi-
A crítica moderna estabeleceu que a maior pal sobre o pitagorismo antigo, retorna sem cessar
parte dos escritos "pitagóricos" que chegaram até a esse ponto: para os pitagóricos, "as coisas são
nós resulta essencialmente de compilações números", oll "os números se acham nas coisas",
neoplatônicas e neopitagóricas tardias, da era cris- ou então "os números são as causas e os princípios
tã. Fora do pequeno número de fragmentos reco- das coisas", oll ainda, "as coisas são constituídas
nhecidos como autênticos, dos quais falamos no pelos números".l Esta concepção aritmosólica ou,
capítulo precedente, possuímos poucos documen- antes, segundo o neologismo de Armand Delatte,2
tos indiscutíveis sobre as teses dos primeiros pen- aritmológica, mostra-se inseparável de especula-
sadores da Escola. Toda exposição do pensamento ções, geométricas, harmônicas, físicas e cosmoló-
pitagórico deve, em conseqüência, enfrentar o du- gicas, ligadas, por sua vez, a preocupações morais,
plo risco da desconstrução de doutrinas compos- políticas e religiosas. Estamos, pois, confrontados
tas e da reconstrução aleatória de um "sistema" com um duplo sistema, místico e racional, o que
inicial que não estamos certos de ter existido. A não deixa de perturbar nosso moderno hábito de
mistura entre as doutrinas autenticamente pensar, que distingue cuidadosamente o que é da
pitagóricas e as especulações numéricas da Acade- ordem da demonstração científica e o que é da or-
mia começa, sem dúvida, com a resenha do Ps.- dem da fé religiosa, e que, Êreqüentemente, não re-
Jâmblico, no seu Theologumena arithmeticae, do cenhece a esta o lugar que concede àquela. Tam-
escrito perdido de Espêusipo, sobrinho de Platão e
sucessor deste na chefia da Escola, Sobre os núme-
I Aristótcles, Metol-ísica, A,986 a, 987 a; M,1083 ô; 1090 a crc.
2 A. Delatte, Estudos sobre a literatttra pitagórica , p. I 39. O tcrmo
ro s pit agóricos. Hesita-se, também, freqüentemente, provém da cxpressãro gregaarithmologia ethiké, cncontrada nLlm ma-
consultando todos esses textos, em decidir se Platão t.tr,rscrito clo sóculo XVIII. o Códex Atheniensis.

76 77
bém os modernos historiadores das ciências têm núrmero primo 137, a constantc de estrutr-rra tina
tendência a esvaziar a inspiração mística dos em espectroscopia; o número quc cxprinte a rcla-
pitagóricos, particularmente manifesta na sua teo- ção cla málssa do próton à do elótron; o númcro puro,
fornccido pelas constantes ttrndamcntzris da na-
ria dos números, e a reconstituir seu sistema, puri- tr-rreza). Vô-sc qtre o dcbate é cü-rplo e não somcnte
Íicando-o c1e suas escórias simbólicas, ou então a opõc os cspíritos místicos c os cspíritos racionais,
denunciar, como Léon Brunschvicg fazta, "o peri- mas ainclar, no intcrior cla própria ciôncia, opÕe os
go deste acousmatismo, que nào cessa de projetar partidários dc um conhccimento indutivo e expcri-
mental, considerado Çapaz dc pôr um lrcio aos ex-
sua sombra sobre aluz, perpetuamente renovada, cessos do idealismo lógico. Esse.jogo cle oposiçõcs,
das matemáticas".3 indcfinidamcnte renasccndo, entre um conhcci-
mento "fccl-rado" c um conhccir-nento "aberto", quc
É dcsconhccer o fato de que a dimensão simbó- scm dírvida reproduz inconscicntementc zrs duas
lica do pcnsamcnto humano, ainda viva no jogo de tendência naturais do espírito humano, parccc,
imagens sombra e luz qlle escapa a Llm
racionalista- como Brunschvicg, - não sc deixa redu- contudo, inadequado para aborclar o pensamcnto
original dos pitagóricos. Qr-rer o Iamentemos, qLrer
zir tão lacilmentc, como o testcmunhzrm as diver- o felicitcmos, e pelo qlle sc pode jr-rlgar, pelos clocu-
sas ressllrreiçÕes do "pitagorismo" através da his- mentos existentcs, o pitagorismo foi, inclissolu-
tória. E. T. Bcll sc inquictzr, assim, com o "retorno dc velmcnte, místico e racional, cicntílico e rcligioso,
Pitágoras" em ccrtos homens de ciôncia modernos, tcórico e cxperimcntal e não cxperimcntou nenhum
que sucumbem uma vez mais ao desejo ilusório de remorso cm aproximat, numa mcsma intr_rição, o
"descobrir um sistema de enunciados puramentc
vôo da alma cm direção às altrrras clo mundo e o dc
matemáticos, que contenha todos os c<lnhecimen- uma potnba na supcrlície dzr terra.
tos acessíveis sobre o universo lísico e quc permita
prcdizer todos os arcontccimentos físictls".* O pita-
gorismo cterno diria rcspeito, no fttndo, à vontade Aristóteles o testemunha, no primeiro livro de
clc reduzir o univcrso a Llma Í'órmula matemática. stta Metafísica:
Bell denuncia o dogmzrtismo dcsta ilusão tenaz, "Na ópoca dc Leucipo e cle Dcmócrito, c iá ntcs-
tanto em Laplacc, ctr.ias cquaçÔcs quc "rcsttmian-t
mo írntes dcles, os qllc sc chanram dc piturgóricos
todo o passado" dcviam dcterrninar "todo o futu- são os primeiros a se intcressar pclas matemáticas
ro", qttanto em Eddington, com sells quatro núme- .- e lazô-las progrcdir. Como foram edtrcados nesta
ros puros, obtidos com um cirlculo puramentc teó-
ciôncia, acreditaram quc sells princípios ct-am os
rico (N, o uútmero total dc partículas do univcrso; o princípios de todas as coisas; c, posto qLlc por na-
tureza os númcros são os printciros princípios ma-
3 L. Brunscl.rvicg, O papel tlo pilag;risnto, p.20. tcmáticos, ó nos números qlle pensava ver nLlme-
4 E. T. Bcll, A ntagia dos nrinteros, p.306. rosas semelhanças com os sercs eternos, bem como

78 79
com as criaturas submetidas ao vir-a-ser, mais ain- clos,infinitos e indeterminados. O ímpar; veremos
da que no fogo, na terra e a nágua" (A, 5, 985 á). qlle era considerado como "macho", não podia ser
dividido em duas partes iguais, isto é, pelo "dois",
Parece, com efeito, que Pitágoras inventou, ou número "fêmea", posto que um número ímpar divi-
ao menos sistematizou, a aritmética grega, que é dido por dois produz um resto que não é um inteiro
decimal e nominativa, enquanto a numeração cal- (= ll2, mas pode-se decompô-lo em dois núrmeros
daica era sexagesimal e de posição. O princípio da iguais a partir de uma unidade central: assim, 3 = 1
teoria pitagórica dos nútmeros consiste em elencar + 1 + l',5 =2 + I +2;7 =3 + I + 3;9 = 4 + I + 4.Vê-
os números em categorias determinadas, em fun- se, assim, imediatamente, que no ímpar é uma uni-
çáo de sua forma comum, deixando aparecer o que dade que predomina, embora o Uno não seja, ele
chamaríamos, hoje, de propriedades de classes. próprio, nem ímpar nem pa4 posto que é o princí-
Esse princípio explica o fato de que os pitagóricos, pio que engendra as duas classes de números e que
nas suas especulações aritmológicas, não tenham escapa, a título disso, da multiplicidade numérica.
considerado números superiores à Década, que Em conseqüência, a divisão se limita à unidade no
contém todas as coisas: por exemplo, 11 é igual a caso do Ímpar, assim associada ao limite e ao ma-
10+ 1, 12a10+2,20a(2x 10),26a(2x 10)+6,48 cho, enquanto a constituição do par não é limitada
a (4 x 10) + B etc. Todos os nútmeros naturais são pela unidade e pode reproduzir-se indefinidamente:
divididos em dez classes. A primeira classe contém 4 = 2 + 2, 6 = 3 + 3, 2n = n + n, oque assegura seu
os números naturais que dão 1 como resto, quan- caráter indefinido e fêmea. No domínio cósmico, o
do os dividimos por 10; a segunda classe, todos os ímparé também o princÍpio da totalidade posto que
que deixam 2 como resto, quando os dividimos por
comporta, como obsera Estobeu (Antologia,I, 6),
10 e assim por diante, até a décima classe, a da Dé- "começo, fim e meio", sendo a unidade sempre me-
cada, que contém todos os números naturais divi- diadora entre os dois elementos, inicial e final, da
didos por 10 sem nenhum resto. Tudo, assim, parte paridade que vimos supra (5 = 2 + I + 2). Por sua
de 10 e chega a 10, o que já nos revela a importân- vez, os pares se dividiam em "parmente pares", re-
cia simbólica da Década.
sultando da multiplicação de dois pares (4 x 4);
A partir dessa primeira escolha, os pitagóricos "imparrnente pares", resultando da multiplicação de
dividiam o número, cuia essência é a unidade, se- um ímpar e de um par qualquer (3 x 6), e os
gundo adualidade constitutiva do Ímpar (perissós) e "parmente ímpares", resultando de multiplicação de
do par Qirtios): os números ímpares são limitados,
números ímpares por dois (5 x 2).
finitos e determinados, os números pares, ilimita-
80 81
Posto que tudo é número, torna-se possÍvel logo imperfeita, cujos dois lados dissemelhantes, n
demonstrar que as três dimensões do espaço têm e n + l, têm uma relação mutável com o valor de r.
uma estrutura numérica finita: basta assimilar os Se adicionarmos na ordem dos pares os ímpares
números a pontos geométricos, de uma forma dis- sobre uma [igura em forma de triângulo eqürilátero,
creta, cada classe sendo construída com aiuda de obtêm-se os números "triangulares" (trigonoi).
ttrr. gnómom, isto é, de um esquadro' Encaixando Pode-se adicionerr os núrmeros triangulares sllces-
uma série de gnóntons, cada um deles encerrando sivos (1, 3, 6, 10...) para constituir os números
um número par ou ímpar de pontos, estabelece-se poliédricos ou "piramidais" (1,4, 10, 20...): a uni-
diretamente que a soma dos números ímpares con- dade, que é um triângulo em potência, ocllpa o ápice
secutivos, a partir do Uno primitivo, forma sempre da pirâmide, e o maior triângr-rlo, er base. A figura
quadrados (segundo a equação 1 + 3 + 5 + ... + [2n- cresce indefinidamente pela base, permanecendo
ll = n2), enquanto a soma dos números pares, a semelhante:
partir do Dois primitivo, forma sempre retângulos
(segundo a equação 2 + 4 +6 +... + 2n = n [n + l))'

;l :il

aaa
Vê-se que número ímpar ou "quadrado" Núnrcros triangularcs
(1,3,6)
Números piramidais
(1,4, l0)
(tetrágonos), alinhado segundo um ângulo ímoar, é
representado por uma figura finita, logo perfeita, Não insistiremos nas propriedadcs dos núrmc-
enquanto o número par ou "oblongo" (hetero- ros lincares (ou primos), compostos, abundantes
mékeis), alinhado segundo um ângulo par, é repre- ou delicicntes, perfcitos (iguais à soma dc seus
sentado por uma figura indefinida, "heteromera", divisores: 6 é a soma de sua metade; 3, de seu tcrço,

82 83
paradas por intervalos o qlle sublinha o caráter
2 e de seu sexto, 1) e amigos (cada um é igual à -
,o*u dot divisores de outró: assim 220 = | + 2 + 4 descontinuísta da filosofia pitagórica podem
* lt * 142, divisorcs de 284, e284 = | + 2 +4 + 5 + engendrar o espaço geométrico e tísico.-É preciso
toi tt +20 +22 + 44+ 55 + 1 10, divisoresde220)' fazer aqui apelo aos números planos e aos núrme-
Obsetwemos, antcs, que o Um ou Mônada' enqlran- ros sólidos dos quais Euclides dará a definição no
ú essencia universal-que contém todas as determi-é início do VII livro dos Elernentos: "Quando dois
naçoes, irradia o po. é o ímpar' O um aritmético
que, se intro-
*".*o "um", como o dois ou Díade"oposição..' números, multiplicando-se, fazemum número, este
áur, .o*" sublinhará Hegel, a
;Àíttipti.laade".s Permaneóe, ele próprio, "um": " .? se chama'plano' (epípedos). Quando três números,
multiplicando-se, tazem um número, este se chama
pá.à"É u Díade é.uma díade e, depois dc.la, a Tríade de'sólido' (steréos)". Os pitagóricos identificando a
í*i mod.etc. É por sua "participação" Qnéthexis) linha reta, que para nós é infinita, a um segmento
;; Ú; tudo é o q.r" é, e o que é número é dito
i'um" a lue
iítrlo ú.,i.o, no seio mesmo dos múltiplos' de reta finito, limitavam suas duas extremidades
Or pitugOii.os exprimiam ainda, de modo simbóli- por dois pontos e assimilavam, em conseqtiência,
."-,ã fu?o naturai entre o ímpar, ofimite e o lado a reta ao 2. Nem o ponto 1, nem a linha 2 eram
*áã L o pua o ilimitado e olado fêmea' Todo par ainda o espaço; era preciso fazer intervir o três, para
"', dividido cm duas partes iguais, estas po-
estando
dem ser separadas por uma linha, indefinidamente
obter a superÊície; basta, com efeito, ter três pon-
prolongadà dos dóis lados que um.campo vazio tos quaisquer não alinhados para determinar não
penetrã o ímpar, em compensação, introduz uma importa qual plano: o marceneiro que fabrica um
unidade média que limita a indeterminação' tamborete ou o totógrafo que fixa seu aparelho num
trípode sabem disso intuitivamente. Quando um
triângulo nos é dado, obtemos um plano determi-
nado pelos três ápices do triângulo, o que quer di-
zer que a superfície é o 3. Generalizando as opera-
ções precedentes, pode-se então induzir: que o
Dado que o nútmero é identificado ao ponto' e volume será o quatro: o primeiro sólido regular, o
que o ponto se define somente por sua posição' tetraedro (ou pirâmide), é efetivamente um corpo
posto que nao tem partes nem dimensões, é preci- cujos ápices e as faces são em número de quatro,
io ao-p."ender como essas unidades-pontos' se- cada uma dessas faces sendo constituída por um
triângulo. Assim, o elemento primeiro do espaço, o
ponto, limita o segundo elemento, areta; este, por
s Hegcl, Lições,l, P.84.

84 85
"Nãro, por aquele que revelou-nos
sua vez, limita o tercciro elemento' o triângulo; aTétralctys, que é a lônte e a raiz.
á"ii*, o triângulo lintita o quarto e último elemen- da naturcza inesgotável".8
to, o sólido rágular.6 Podemos recapitular: 1 = o
pã.tto, 2 =arela,3 = asuPerfície,4 = ovolume' oLl É principalmente em geometria qr-re a influên-
"o um é o pon-
oi.,do, como escrevc o Ps' Jâmblico' cia do pitagorisnro foi cleter-minantc para tocla a
a pirâ-
to, o áois a linha, o três o triângulo, o quatro ciência grega e, setrr dúrvicla, par':l o conjtrnto cle
,nid"";'os quatro prin-reiros nÚtmeros constituem o racionzrliclacle ocidcntal. No seu Comentário sobre o
i.iÁng"to sog.a.lá da Tétrade, ou T-étral</ys' cuja primeiro livro dos Elementos de Euclide.s (Prólogo,
.o*u é, bem entencliclo, a Década, cifra perfeita do II, 65, 15), Proclo assegura qtre Pitágoras arrancoll a
Todo. geomctria das meclidas empíricas dos agrimensorcs
para tazer dcla um ensinamento racional: "Pitágoras
cleu à lilosofia geométrica zr torma de uma educa-
ção livre, rctomando as coisas clo comcço, para des-
cobrir scus princípios, por Llnt exantc dos leoremas,
ponclo cnr operação um métoclo não empírico e
plrramente intclcctual". Seguindo Proclo e outros
comentzrclclrcs antigos, podc-se, assir-n, rccapitular
as clescobcrtas clos pitagóricos em gcometria:
Representada s«lb a forma de número triangu- 1. O ponto ó uma unidadc definicla por uma
lar, aTitrakÍys, à qr-ral retornzrremos no capítulo
VI'
cleterminação de posição.
c'ra obieto d" .,- verclacleiro culto, em virtude
de
2. O ponto é análogo à Mônacla, a linha à Díadc,
suzrs notáveis propriecladcs: base dar nltmeração
a superlície àr Tríade, o sóliclo à Tétrade.
decimal, correspondc à progressão 1 + 2 + 3 + 4
e
3. Pode-se construir três cspécies de figuras
encerra tantos nÚtmeros pares como números ím- rcgulares e iguais, reunidas pclo ápice, qllc preen-
pares, nútmeros primos colrto núnleros compostos' chcm exatamcnte os quatro ângulo retos: scis triâr-r-
E.o irlrro.oda, sàb a ógicle de Pitágoras, pelo céle- gulos eqirilírteros, qltatro quaclraclos e três hexá-
bre juramento: Í:onos.

6 Cf. Aristóte lc s, Metal'ísica, N, 3, 1090 ô' 8C[.Aócio, Op.,1,3,8; .lâmblico, yA 150.


7 Ps. Jârr-rblico,'teol. Arit , 84'

86 87
4. Segundo Proclo, que se apóia aqui em Vitrúvio dá uma explicação concreta da origem
da descoberta no De architectura (IX, prefácio): to-
Eudemo (Com.,379,2; prop.32), os pitagóricos memos três róguas, de um comprimento respecti-
teriam sido os primeiros a demonstrar o teorema vo de trôs pós, qr-ratro pés c cinco pés. Pondo cm
segundo o qual todo triângulo tem seus ângulos contato as suas extremidades, formam um esqLla-
internos iguais a dois ângulos retos. Tomavam um dro perfeito. Tracemos em seguida três quadrados,
triângulo ABC e traçavam, pelo ápice A, DE parale- tendo como lado cada um dos lados do triângulo
inicial: o que tivcr três pés de lado terá uma super-
la a BC. Posto que BC e DE são paralelas, e que os fície de nove pés; o de quatro pés de lado, uma su-
ângulos alternos internos são iguais, temos DAB = perfície de dezesseis pés, e o de cinco pés de lado,
ÁÊb ÉÂB = ÃeB. A..escentando aos dois o ângu- uma superfície de vinte e cinco pés. A supertície
"
lo comum ÉÂe , obtém-se então íÂB * ÉÃC * ÕÃE. dos dois primeiros quadrados, sendo igual a vinte e
cinco pés, ó pois igual ao total da do quadrado de
Isto é, 6ÂB * ÉÀ8, dois ângulos retos, ou seja, a cinco pés dc lado, quer dizcr, à do quadrado cons-
soma dos ângulos do triângulo ÁÊe. Tal demons- truído sobre a diagonal do triângr-rlo retângulo.
tração, que supõe que seja conhecida a teoria das
paralelas, anuncia exatamente o tipo de demons- Certamente, pode-se admitir que os egípcios
tração de Euclide s (Elementos, I, 32). iá conheciam intuitivamente a verdade do teorema
5. Pitágoras descobriu o célebre teorema dito de Pitágoras, deixando-se guiar pelos esquadros de
"de Pitágoras", qlle se chama ainda de "o teorema carpinteiros, as pavimentações triangulares de cer-
dos três quadrados". Ele é enunciado nesses ter- tos templos ou os procedimentos de agrimensura dos
mos, segundo Proclo: "Nos triângulos retângulos, geômetras, que utilizavam o "triângulo de ouro" de
o quadrado descrito por meio do lado que sustenta lados 3,4 e 5. Não tinham, contudo, dcmostrado esta
o ângulo reto a hipotenusa é igual aos quadrados constante de experiência, acedendo à ordem abs-
descritos por meio dos lados que circundam o ân- trata do teorema, cuja fecundidade é tanto maior
gulo reto".e Segundo a tradição, Pitágoras sacrifi- quanto seu conteúdo empírico é vazio. Notamos,
cou um boi em honra das Musas, por ocasião de contudo, que os pitagóricos não conheceram a de-
sua descoberta; Plutarco acredita, antes, que se tra- monstração de Euclides (I, 47), que faz apelo a um
tava do teorema sobre a construção de figuras se- método geomético de constmção; encontraram, para
melhantes. zr fórmula Z2= x2 + y2, na qual S é a diagonal, x ey os
lados do ângulo reto, uma solução aritmética do tipo
e
Proclo, Com. Euclitles,426,6, ao livro I, propos' 47; cf' Plutarco, z = 2n (n + l) + I; x = 2n (n + 1);y = 2n + 1, fórmula
Proposta de ttibua, VIll, 72O a e 1094 Ú; Atencu, Deipnosophislai, X'
418 f. extraída do gnómon dos quadrados. Se quisermos

88 89
generalizar o resultado do teorcma de Pitágoras, /fiploun trigonon), do qual f aziam, como vimos com
limitado ao triângulo dc lados 3, 4 e 5, tal que te- I-uciano, seu sinal de reconhecirnento. Retorna-
nhamos a igualdade 32 + 42= 52, é preciso resolver rernos, adiante, a esta figura cósmica.
em números inteiros a equação x' * y'= 42. Ela tem 7. Pitágoras sabia construir uma figura equiva-
uma infinidade de soluções, os nÍtmeros naturais lente a uma ligura dada (Plutarco, Propctsta,YIII,2,4).
x, y e e, que a verificam, sendo chamados de "nít- 8. Euclemo atribuía e\ "Musa dos pitagóricos"
meros de Pitágoras". Introduz-se para tanto dois a "descoberta muito antiga cla pzrrábola dos ares,
núrmeros naturais auxiliares, p e q, tais que Nffi sr-ra hipérbole e sua elipse" (Proclo, Com. Eucl., 419,
seia também Llm número natural. Como o número 15, prop. 44). O problema, qlle concerne aqr-ri à
N2lrlnão pode ser ímpat, estudaremos todos os va- construção plana dos ares, consiste em "aplicar,
lores 2, 4,6,8... que oferecem, respectivamentc, 1, segundo un-ra dada reta, nlrm ângr-rlo figual a Llm
2, 3, 4, soluções. Os nove primeiros con.iuntos de ângr-rlo] retilínco dado, um paralelograma ecluiva-
números dc Pitágor:rs são obticlos pelas fórmul:rs x lcnte a um triângulo dado"; ele se tornaria, mais
= p +V-4tq; y = q +N2w; 7 = p + q +N21tq. larde, o clas secções cônicas. E,n-r lir-rguzrgem ntate-
Notemos, dc Jrassargem, como r-rmar curiosiclaclc mática modcrna, S designando :r área dada, p a reta
l-ristóriczr e matcmíitica, qtle sc pocle indagar se csta clada, a questão consiste em encontrar Llm compri-
cquação x' * y'= z2 cst;i vcrilticacla, quando o expo- nrento Í qlre obecleçzr a essas três cquações: S = pxi
entc é ttm número nzrtltral n sttperior at 2, isto é, se S = pÍ + x2; S = px -r2. Proclo alirma que a solu-
a nova cqttação x" + y" = z" admite rzrízcs inteir-zrs
ção do problema -
geral, tratado por Euclides, já era
para.t, y e z. Estzrn-ros pcrante o Êamoso tcorema de
Fermat, que ninguóm sabc, pôde cstabelecct, cle- conhecida dos pitagóricos, a partir do conhecimen-
pois da clcmonstt'zrção que o mettemático de to da relação das áreas de clois polígonos semelhan-
Toulousc dcscobt'itt, sc sc acredita na notir cleixada [es. Notarnos que Hipócrates de Quíos, no selt tra-
à margcm de scr-r excmplar cla Arí|ruética çlc
balho sobre as lúnulzrs, conhecia a relação das áreas
Diofanto. A prova cra, sem dúrvida, "aclmir/rvel", não
nrenos que zt clcscobcrta inicial clo tcorema cle de duas tiguras semelhantes estendid:r a segnren-
Pitágoras, qtte esth na slla origem, conlo na origcnr tos do círculo.
dc todos os tcorelnírs matcrláticos ultcriores, pela , 9. Os pitagóricos tentaram, sem sllcesso, re-
atcnÇão sistcmática conceclida, pcla primeira vcz, solver o problema dzr quadrzrtura clo círculo, segLln-
à ordem abstrata dar demonstração cicntítica.
clo Jâmblico, citado por Simplício.r0
6. Os pitagóricos sabiam construir o pentagra-
ma formado por três triângulos entrelaçados (ro l0
simplício, Cottt. Fis. Arist., 377 b.

90 91
10. Foram os pitagóricos que demonstraram los; mas pode-se representá-la por um comprimen-
que os cinco poliedros regulares, atribtrídos aos ele- to, o da diagonal do quadrado, cu.io lado é a unida-
mentos cósmicos, são inscritíveis na esfera; o Ps'- de de medida.
Jâmblico atribui esta descoberta a Filolau'll Todas as análises precedentes desembocam na
Retornaremos a esta questão importante no capí- intuição de uma convergência dos números aritmé-
tulo V. ticos, das figuras geométricas e dos elementos físi-
1 1. Enfim, segundo Aristóteles,r2 os pitagóricos
cos, enquanto o número-ponto-elemento encarna
demonstraram a irracionalidade da diagonal do a natureza profunda das coisas, segundo o modelo
quadrado, isto é, a primeira grandezairracionalVZ de um jogo permanente de oposições. Se a Escola
que se obtém aplicando o teorema de Pitágoras a iônia concebeu o mundo a partir de um equilÍbrio
um triângulo retângulo isósceles de lado 1. Esse de determinações contrárias ,Luz e trevas, quente e
termo "irracional", em grego aruêton, "indizível", ou [rio, seco e úmido, a Escola itálica foi mais longe,
álogon, "privado derazáo", implica que dois núme- construindo, no dizer de Aristóteles,l3 uma tabela
ros dados não têm "razáo" comum, isto é, não são de oposições, cujo caráter sistemático é evidente. A
"exprimíveis" a partir da mesma unidade. A prova tradição atribui, aliás, a Pitágoras, como se sabe, a
geral ou "apagógica" da irracionalidade consiste em invenção da tabela de multiplicação com dupla
àemonstrar a impossibilidade de conceber um nú- entrada; sem dúvida, este é um efeito da distribui-
mero ao mesmo tempo par e ímpar. Teodoro de ção pitagórica dos números no espaço. Os dois prin-
Cirene construiu, com Teeteto, a seqüência das cípios irredutíveis do Limit e (péras) e do Ilimitado
(apeiron) comandavam duas séries paralelas de ter-
raízes até a lTapotência (Teeteto, 147 d);depois dos
trabalhos de Teeteto e de Eudoxio na Academia I, mos opostos em cada linha, associadas em cada
Euclides completará esta teoria no livro X dos E/e- coluna, para formar uma tabela primitiva de "cate-
mentos. Esta descoberta constituiu naturalmente gorias", em dez pares:
um escândalo para os pitagóricos, posto que a exis-
l. Lintite llimitado 6. Ent repotrso Em movimento
tência deV 2 abalava sua concepção numérica do 2. Ímpar Par 7. Retílíneo Cuttto
espaço: é impossível encontrar um número igual a 3. Uno Múltiplo 8. Luz Obscuridade
{\logo,é impossível figurar esta grandezapor pon- 4. Direita Esquerda
5. Macho Fêmea
9. Bem Mal
10. Ouadrado Oblongo.

tt Teol. ariutt.,82, l0; c[' Aócio, Op., II, 6, 5'


r Aristótclcs, Metolísica, A,
f 2 Aristótelcs, Prinreiros Analíticos, l' 23,41a.
f
5, 98ó n.

92 93
Contrariamcnte ao que Hamelin pensava,la o
Aristóteles refere esta tabela a Alcméon, sem "finito" e o "infinito" estão ent scLl verdadeiro lu-
poder dizer se Alcméon a emprestou dos pitagóricos gar, encabcçanclo os dez opostos. Se o número é,
à., o. pitagóricos de Alcméon, ou, simplesmente, se dc tato, o princípio das coisas, a origem da distin-
Alcméon teria sido um pitagórico. Mantém-se que çào cntre "lmpar" c "Par", no interior do próprio
esta tabela acaba por afirmar que "os opostos são os númcro, é logicamcnte antcrior a csse princípio
numérico, posto que seu fundamento é o do "Limi-
princípios dos seres". Depois do Estagirita, os intér-
te" c do "Ilimitado". Só se pode distinguir o ímpar
pretes se mostraram severos com esta mistura clo par graças à utilização dzrs catcgorias operatóri-
;rapsódica", como diria Kant, de deterrninações arit-
as do limitc c do ilimitado, como Aristótcles rcco-
méiicas, geométricas, astronômicas, físicas, bioló- nhccia na sLra Física (fII,4, 203 a): "O ilimirado é o
gicas e mãrais, com conotações místicas' Contudo, par, posto quc é ele que, abraçado c limitado pclo
ímpar, confcre sua ilimitzrção aos seres. A prova ó
ósse jogo de analogias, que não deixa de invocar cer-
dada pelo qLre sc produz em aritmética: com efeito,
tos aspectos do pensamento chinês postos à luz por se se acrcscenta os gnóntorts cm torno de unidade,
Marcel Granet, tem legitimidade simbólica, ligada obtém-sc sempre uma figura idôntica, enqLlanto se
às propriedades aritméticas descobertas pelos os acresccntamos sem_partir da r_rnidade, a figura
pitigórlcos e fundada em sua intuição fundamen- scrá sempre diversa". E bem a idéia de construção
operatória que está prescnte na oposição Limite/Ili-
iul, á" uma correspondência universal de todas as mitado, enquanto funda a oposição Ímpar/par; não
forrnas de realidacle. W. Burkert bem viu que o modo se dcvc assimilar tais constrr,rções operatórias só às
de apreender o mundo, dos primeiros pitagóricos, opcraçõcs do matemático, mas, antes, às do pró-
não repousava em princípios "cientÍficos", entendi- prio munclo, enqllanto se engendra sem ccssar, a
dos no sentido de racionalidade anteriol mas numa partir dessc jogo de oposições. Construir o cditício
matemático, para r-rm pitagórico, não é senão imi-
compreensão "simbólica" do Número, obtida de
lar a construção da casa cósmica, edilicada a partir
maneira intuitiva e indutiva; é, pois, errôneo, e con- do "lar do univcrso" e da "casa de Zeus", de que tri-
trário à racionalidade que reclamamos, julgá-la a Iolau falava. O interesse dos pitagóricos pela àrqui-
partir de critérios que não são os seus e que aca- tetura, que o chefe Hipodamos de Mileto testemll-
bam por eliminar o problema, ao mesmo tempo nha, em primeiro luga4 está vinculado a esta visão
"arquitetônica" da realidade, que se enraíza nas
qr" ,ru solução. Não há menos racionalidade na ' categorias operatórias do "Limite" c do "IIimitado".
constituição de tal tabela que na racionalidade que Também Aristóteles pode adiantar, a propósito dos
permite pô-la em questão, desde qLle se ponha a pitagóricos, que "eles constroen,t a totalidade do céu
unidacle do espírito humano, como o fazem tanto
os pitagóricos quanto seus adversários ulteriores'
ra
O. Hamclin, Os lilósolôs pré-socruíticos, p.74.

94 9.5
a partir dos números" (Met', M, ó, 1080 á) e' para- da". No diálogo ao qual dá o nome do filósofo
leiamente, que "elcs dizem que os seres existem por pitagórico, Platão ensinará da mesma maneira que
"cons-
imitaçao áos númcros" (Met., A,6,987 b)' A o círculo do Mesmo gira horizontalmente em dire-
truçãã" de um teorema por.uma demonstração
ção à direita, enquanto o círculo do Outro gira obli-
universal é, para um pitágórico, a "imitação" da
quamente em direção à esquerda (Timeu, 36 c). E
construção do, ,"."t pelo próprio Todo' a partir
desta opàsição criadorado "Limite" e do
"Ilimitado"' Aristóteles, por sua vez, invertendo de ponta a pon-
ta a cosmografia pitagórica, continuará a susten-
O resto segue analogicamente e apresenta a tar o primado da direita e do nascer dos astros so-
mesma coerência operatória. Se a constntção do bre a esquerda e seu pôr-se (Do céu,II,28S b).
ímpar e do par com a ajuda de gnómon's sucessivos Sabe-se, ademais, por Simplício,l-s que os pita-
conduz sempre ora a uma figura única, idêntica' góricos identificavam a clireita com o "alto, o de-
ímpar, ora a uma figura múltipla, di[erente, par' a fronte e o bem", por oposição à esquerda que é o
primeira limitada, a segunda ilimitada, compreen- baixo, o atrás e o mal" e preferiam os termos de
"reta (direita) natureza" e de "reta (direita) fortu-
à"-r. a terceria oposiçáo, nutnérica, entre o "IJno"
e o "Múltiplo", como a décima oposição, geométri'
na" aos de "boa" natureza e de "boa" fortuna. O
ca, enLre á "Quadrado", dotado de uma forma in- primado do "reto" (direito) sobre o "curvo", na sé-
variável, e o "Retângulo", que é sempre diverso' A tima oposição, apresenta o mesmo significado geo-
sexta oposição, entre o "Repouso" e o "Movimen- métrico e, sem dúvida, ético, que a via retilínea,
to", acúava-se, assim, justificada: o quadrado' na sempre semelhante a si mesma, tem sobre os me-
sua determinação fixa e invariável, é imóvel' en- andros da linha curva. Quanto às duas oposições
quanto o retângulo, qlle varia sem-cessar, oferece a tradicionais da "luz" e da "obscuridade" de um lado,
imagem de um movimento indefinido' Ademais' do "macho" e da "fêmea" de outro, presentes nas
drut categorias se aplicam ao próprio cos- formas mais diversas de simbolismo, por exemplo,
"rrui
mos: a esfera dos fixos não se desloca e tem uma nzr China o yin e o yang, a vertente sombria, femini-

rotação uniforme em lorno de um centro imóvel' na, de montanha e sua vertente ensolarada, n-las-
em áposição aos movimentos irregulares dos pla- culina, são evidentes por si mesmas: o Céu apolíneo
netas. A quarta oposição decorre daí, posto que no é de natureza masculina, enquanto a Terra obscu-
eixo nortê-sul do mundo a esfera celeste gira em ra é de essência feminina. Vimos, contudo, que os
direção à "Direita" do universo, enquanto o movi-
*..rio dos planetas se faz em direção à "Esquer- rs
SimplÍcio, Contcntrírio ao De caelo,3g6, 20.

96 97
pitagóricos de certo modo racionalizam a segun- descendência com esta tabela, reconhece que os
à., u assimilação do ímpar ao macho - e ao pitagóricos tiveram "o mérito de sublinhar qlle o
e à curva! Bem existe e que é na coluna do Belo que se desta-
retilíneo! da paridade à fêmea -
- - cam o ímpa4, o retilíneo, o igual e as potências de
reproduze a oposição do elemento ativo e do ele- certos números" (Met.,N,6, 1093 â). Colocando em
mànto passivo que ele fecunda, fixando sua primeiro lugar a questão propriamente filosótica
indeterminação. Pode-se reconhecer aí um eco dos da "essência" das coisas, abriram o caminho à
pares sexuados da física jônica primitiva. A tabela metatísica ulterio4 sem instaurar ainda a separa-
àpresenta, enfim, a dicotomia essencial entre o ção platônica entre a região do inteligível e a do
sensível. Porque o número não existe separadamen-
"Éem" e o "Mal" que, como as precedentes, não é te, fora das coisas sensíveis dadas na éxperiência.
exclusiva, mas complementar: assegura o laço har- É imanente à própria realidade e engendra o
monioso de um conjunto teológico, matemático, go ,e o tempo a partir de um processo operatório"rpu-
ético e político, que se pode colocar apenas sob o dedutivo, de que demonstraçÕes matemáticas são
o análogo, na ordem do conhecimento. pode-se fa-
signo do ,or*ot. lHá', entre os pitagóricos, e de lar, pois, de uma "lógica materialista", na qual "o
*ãdo mais geral entre os gregos, um realismo do mais provém do menos", segundo a expressão de
Bem que, se surpreende nossa concepção "form-al" Hamelin, que se reclama aqui de Aristóteles,l6 para
da étiia, principalmente depois de Kant, não lhe qualiticar esta doutrina de geração das,coisai pe-
legou *"arot sua preocupação com o "universal", los números que lhes são imanentes? É
que os números, cuja natureza inteligível "rqu"ãe.
não cau-
isto é, para o pensamento grego original, com a pre- sa nenhuma dúvida ao pitagorismo, não são "me-
sença constante do Uno no coração do universo' nos", mas "mais" que as coisas sensíveis, e que o
postulado segundo o qual essas mesmas coisas sen-
A tabela dos opostos poderá parecer "obscura", síveis seriam a medida de sua inteligibilidade pos-
como lamentava Aristótéles (Met', A, 5, 986 b), ou sível é, ao contrário, ele próprio, um postulado ori-
"inadequada", segundo a observação de Hegel (Ll- ginal pelo qual o materialismo se define.
um
ções, p.86); nem por isso deixa derepresentar Quando Aristóteles critica os pitagóricos por
notávêl esforço para tentar estabelecen sistemati- definirem superficialmente a essência, ãtendo-sà às
camente, r'r-á Iiôto das forças antagônicas comple- semelhanças de detalhe, em vez de levar em conta
mentares em operação do cosmos. Hegcl não se , as semelhanças essenciais, negligencia o tato de que
enganou po.qtre, apesar de suas reservas sobre essa sua crítica mesma é uma crítica de detalhe, quc nao
"es"tréia imperfeitá de elaboração das categorias", leva em conta a intuição essencial de seus aãversá-
concede aoi pitagóricos terem "antecipado.a.{et91- rios. Não é exato que, para retomar a crítica mais
minação de àonõeitos abstratos e simples" (ibid')'
E o próprio Aristóteles, que mostra alguma con- fó
O. Hamelin, op.cit., p.78.

98 99
importante de Aristóteles ou de Hegel, os Capítulo V
pitagóricos tenham tomado como essência íntima
ãe .ádu ser o qlle é só uma "composição exterior", A MUSICA, A COSMOLOGIA
como diz Hegel. Porque a questão toda, posta pela
primeira vez pelos pitagóricos, é bem a de saber se E A FÍSICA PITAGORICAS
"o número" é só uma determinação abstrata e uma
forma vazia, ou, ao contrário, é o índice do desen-
volvimento "interior" de toda coisa. Mais claramen-
te: o pensamento humano pode ultrapassar a or-
dem da linguagem, qualquer que seja a forma sob
a qual esteja codificada, para atingir na sua mais
prófunda intimidade, a ordem do mundo? A des- Jâmblico conta que Pitágoras, passando diante
peito da ingenuidade de certos argumentos pita- da oficina de um ferreiro, reconheceu os três acor-
góricos, e de sua ausência de método experimen- des de quarta, quinta e oitava, ouvindo os golpes fei-
tal, não é certo que alguns de seus críticos, antigos tos na bigorna. Sr-rpondo qlle as diferenças de som
ou modernos, tivessem chegado mesmo a compre-
estavam ligadas aos pesados martelos, pesou estes
ender a realidade dos processos físicos, como a lonte
dos raciocínios matemáticos correspondentes que, últimos e descobriu que o que produzia o som de
a despeito das luzes renovadas da ciência, perma- oitava pesava a metade do mais pesado, o que pro_
necem ainda largamente na sombra. Quando a bio- duzia o de quinta pesava dois terços do mais pesado
logia contemporânea interpreta o código genético e o que produzia o de quarta pesava três quartos do
de uma forma matemática, está mais avançada que
os pitagóricos sobre a natureza íntima clesse rú-
mais pesado. Teve a idéia de repetir a experiência,
mero, ao qual atribui, contudo, o poder de engen- reproduzindo essas relações harmônicas no mo-
drar a vida? Estamos aqui em presença de um pro- nocórdio. Fixando uma corda estendida no cavalete
cesso cujo mistério não deve nada àquele em que por um peso e dividindo-a em quatro partes iguais,
se criticam os pitagóricos por não terem dissipado.
descobriu que o som produzido por três partes da
corda e a metade dava o acorde de quinta (diapente
relação sesquiáltera = 312); pela corda inteira e a
corda fixa em três quartos, o acorde de quarta (d.ia
tessaron, relação epitrita ou sesquitércia = 413); pela
corda e sua metade, o acorde de oitava (dia pason =
relação dupla = 2ll) (Vp,26,115). Lembramos que
Teón de Esmirna atribuía a Hipaso um procedimento

100 101
análogo para medir os três acordes fundamentais, Notaremos que a tétraktys encerra as três corr_
não com as cordas, mas com os vasos cheios de água soantes fundamentais, a quarta (4/3), a quinta (3/
em alturas diferentes. I 2), a oitava (2ll) e, além disso, a dupla-o itava (4ll),
Os gregos consideravam as relações na ordem como explica Téon de Ermirna no seu capítulo so_
crescente l12, 213,3/4, segundo uma gama indo de bre a tétraktys.2 Pitágoras teria, em seguiáa, conce_
cima a baixo (por exemplo o modo Dórico: Mi, Ré, bido a unidade de medida musical, o tom, como o
Dó, Si, Lá, Sol, Fá, Mi), utilizando cordas de dife- excesso de intervalo entre a quarta e a quinta, ou
rentes comprimentos, enquanto hoje medimos o seja, 312: 413 = 918, tom maior da gama moderna,
número de vibrações: 2ll, 312, 413, segundo uma
gama que vai, ao contrário, de baixo para cima (nos- único conhecido pelos gregos, que não estudaram
so modo é o inverso do modo dórico, segundo as o tom menol isto é, a relação 10/9 correspondente
mesmas medidas: Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó). ao intervalo Mi-Ré na gama de Dó. Chegou, desta
Mas permanece que Pitágoras foi o primeiro que maneira, à constituição da gama natural, atribuin_
fez corresponder relações numéricas a sons, do a cada nota até a oitava superio4 as relações
quantificando, pois, um fenômeno aparentemente
tão qualitativo quanto a harmonia, para constituir seguintes:
a teoria matemática que é o fundamento da músi-
ca ocidental. Segundo o princípio de sua descober- Tônica subtônica Mediante subdominantc Dominanlc hiperdominante
sensíver oitava
ta, engendra-se por quintas exatas ascendentes a | 9/8 81t64 4t3 3t2 27il6 243t128 2
gama natural (ou "gama de Pitágoras"), que é
assimétrica, enquanto a gama temperada dos mo- Todos os intervalos de dois sons consecutivos
dernos procede por intervalos iguais: a partir do são iguais a 9/8 (um tom), enquanto os intervalos
Dó formam-se, assim, doze quintas naturais ascen- do 3q ao 4q e do 7e ao 8q gralrs (um meio_tom) são
dentes (até o Si sustenido), multiplicando cada fre- iguais a2561243 (=1,053); na gama remperada mo_
qüência por 312, e doze quintas descendentes (até o derna, o valor do meio-tom foi elevaào
Ré bemol), multiplicando cada freqüência pela re- a 16115
(= 1,066).
lação inversa 2/3. Esse ciclo de quintas conduz, bem
entendido, a ordem de álteras constitutivas, que se Pode-se ter uma idéia precisa da complexida_
lê da esquerda para a direita para os sustenidos e de das investigações musicais dos pitagóricàs apro_
da direita para a esquerda para os bemóis: ximando dois textos de ptolomeu e de Boécio, res_
Fáo Dó, Sol, Ré, Lâ, Mi, Si, pectivamente, consagrados a Arquitas e a Filolau.
Nas suas Harmônica.s (I, 13), ptolomeu narra que
3t2 t 2t3 (28)2 (28)3 (28)4 (28)s
I Teón de Esmirna, Exposição, I, 1 2 bis, pp. 97 -99. 2
tbid., il,37, p. 153.

102 103
Arquitas, "aquele dos discípulos de Pitágoras que Vê-se que a comensurabilidade dos intervalos é
mais se interessou pela música", tentava manter reconhecida a partir de uma seqüência de cálculos
teóricos, que assegura a harmonia total do coniun-
justa proporção entre os diversos elementos do acor-
!o das relações consideradas. Uma passagem para-
de, como entre as divisões dos dois tetracordes de lela de Boécio, na sua Institttiçã.o musicàl (fII, 5),
gama natural (nossa gama temperada se divide em indica, por outro lado, a maneira complexa pela
um pentacórdio, da tônica ao quinto grau: domi- qual "o pitagórico Filolau" dividia o tom, a pàrtir
nante, e em um tetracórdio, do quinto grau ao oita- do primeiro número que é "o cubo do primeiro
número ímpar". O primeiro ímpar, sabemos, ó 3;
vo: tônica), porque "o que é próprio da música é a multiplicando três vczes 3 por ele mesmo, obtén-r-
comensurabilidade dos intervalos". Estabelecia, se 27, que torma colr:r 24 um interalo de um tom
assim, três gêneros, "o primeiro enarmônico, o se- (27124 = 9/8). "De fato, 3 é a oitava parte do número
gundo cromático e o terceiro diatônico", dividindo 24 que, quando se acrescenta a ele o 3, torna-se o
primeiro cubo de 3, isto é,27 ." Partindo desse cubo
o tetracórdio de cada um deles de tal modo que os
Filolau distinguia duas partes no tom, uma supe-
três intervalos, últimos, médios e iniciais, entre as rior um meio-tom, que ele chamava de apotomé
quatro notas Lá, Sol Fá, Mi, do agudo ao grave, ("ruptura"), a outra inÊerior um meio-tom, que ele
tenham um valor de 514 (Lá-Sol), 36135 (Sol-Fá), chamava de diese ("passagem"); o intervalo que se-
28 127 (Fá-Mi), no gênero enarmônic o; de 321 27 (Lâ- para estas duas partes de tom era chamado decoma
("inciso"). Atribr"ría ao diese treze unidades, para
Sol),243122a (Sol-Fá) ,28127 (Fá-Mi), no gênero cro-
medir o meio-tom, porqlle tal é a diferença entre
mático;9/8 (Lá-Sol),817 (Sol-Fá), 28127 (Fá-Mi), no 256 e 243, e porqLle "esse mesmo núrmcro l3 se de-
gênero diatônico. Ademais, distinguia o sol, no tom compõe em 9, 3 e 1, onde I representa o ponto, 3 a
cromático, da mesma nota no tom diatônico, se- primeira linha ímpar e 9 o primeiro quadrado ím-
gundo o semitom 2561243. Se se representam os par". Vê-se como os pitagóricos sabiam articular o
três sons mais agudos dos tetracórdios (= Lá), pelo cálculo matemático imposto por suas preocupaçÕes
harmônicas e suas especulações místicas sobrê as
número l5l2 e os três sons mais graves pelo núme- dimensões do ponto, da linha, da sr-rperfície, e, em
ro 2O16 (=Mi), obtém-se a relação de 413. Multipli- olltros casos, do volume. Referindo pois esse núr-
quemos enfim cada uma das relações obtidas pelas mero 13 ao diese, Filolau media o apotomé pela sub-
duas outras relações em cada gama, e obteremos, a tração de l3 de 27, ou seja, 14. Posto que a diferen-
partir das relações mais altas: ça entre 14 e l3 é um, atribuía esta unidade ao cotna.
Em conseqüência, "o tom inteiro é para ele de 27
28/27
514 x 36135 x =4l3nagamaenarmônica, unidades, dado que a diÊerença entre 243 e 216,
x 28127
32127 x 2431224 = 413 na gama cromática, distantes por um intervalo igr-ral a lrm tom [243l
9t8 x 817 x28127 --4l3nagamadiatônica. 216 = 918) é precisamente 27".

104 105
Uma longa passagem de Estobeu,'qu" se pode Esta concepção cósmica da harmonia estava
referir a Filolau, sublinha a importância da harmo- fundada em cálculos numéricos complexos, que
nia na concepção pitagórica do "ser das coisas" e permitiam unificar as forças antagônicas em ope-
da "natureza", qrte requerem "um conhecimento ração no universo. Nicômaco de Gerasa atribui,
assim, a Filolau a definição da harmonia, que nas-
divino e não humano":
ce somente dos contrários, como "unificação dos
"Nenhuma das coisas existentes poderia ser co- complexos e acordo dos opostos".4 um texto im-
nhecida por nós se não existisse um ser fundamen- portante de Nicômaco, enriquecido pelo comentá-
tal das coisas, de que o mundo se ache composto:
os limitantes e os ilimitados. Mas, posto que esses
rio que Jâmblico faz dele, permite-nos ter uma idéia
princípios existem enquanto não semelhantes e não da descoberta das "analogias" (ou médias), isto é,
homogêneos, seria impossível que um mundo te- das proporções contínuas utilizadas em matemáti-
nha-se constituído a partir deles, se aí não se tives- ca e em música pelos pitagóricos. Segundo a defi-
se acrescentado uma harmonia, qualquer que seja nição de Euclides (Elementos, V,4), "a proporção
a maneira pela qual ela nasceu".
(analogia) é uma identidade de razão"-, comporta
no mínimo três termos , a, b, c, com os quais se pode
Estobeu faz os seguintes esclarecimentos so-
constituir duas relações iguais, segundo uma pro-
bre a função essencial da quarta e da quinta, pri- porção de quatro termos. Atribui-se ao próprio
meiros intervalos descobertos por Pitágoras:
Pitágoras a descoberta das três primeiras médias:
"A grandeza da harmonia é [constituída pela] aitmética, geométrica e a que se chamará, primei-
quartte a quinta. A quinta é maio4 um tom, do ro, de "subcontrária", antes de chamá-la de harmô-
que a quartá. De fato, uma quarta separa a corda nica,na época de Arquitas e de Hipaso.s Esses últi-
mais alta (hypate) da corda média (màse); uma quin-
mos teriam descoberto três novas médias, depois
ta, a corda média (mése) da mais baixa (rzêre);uma
quarta corda mais baixa (nàte) daterça(trite); e uma os pitagóricos Miônides e Eufrânor acrescentaram
quinta corda terça (trite) da mais alta (hypate).E-n' ainda quatro, o que perfazo total, muito pitagórico,
tre a terça e a média, há um tom. A quarta tem a de dez médias. Nicômaco as ordena no seguinte
relação 314, a quinta 213 e a oitava 1/2. Assim, a quadro, que modificamos, seguindo o uso moder-
harmonia (= aoitava) compreende cinco tons e dois
no, sendo a, b, c, três números tais que a < b < c:
meio-tons, a quinta três tons e um meio-tom, e a
quarla dois tons c um meio-tom".
a Nicômaco de Gerasa, lntr. Arit., II, 19 = Filolau, X.
s Jâmblico, Cont. Nicont., 100, 19.
3 Estobeu, Antologia, l,2l ,7 d.

106 t07
I . Média aitnútíca 1,2,3 b-a-a b=
i
4, 2, ll; nesse caso, o intervalo dos dois termos
c-b-í D
maiores l4l2) é igual ao dos dois menores [posto
2.Média geomética I,2,4 b-a-b c
que 412 = 211 = 2]. Fala-se de média srrbcontrária, a
;5-ã b
que chamamos de harmônica, quando a rclação dos
3. lÁédiahnnnôníca 3,4,ó b-a-a
;5-ã três termos [ex. 6, 4,3) é a segllinte: o primciro ter-
4. Média subcontrdio à hamúnica 3,5,ó b-a-c mo slrpera o segundo por Llma lração dele próprio
c-ba a
15Á b-a-b [6 supera 4 do terço de 6] e a méclia slrpera o tercei-
5. Média subcontráia à geonútríco (l )
t5-; ro pcla mesma Êração do terceiro [4 supera 3 do
tcrço de 3]. Numa tal proporção, o inter-valo entre
6. Média subcontráia à geonútica (l l) 1,4,6 h-a c
c-b b os maiores termos ó maior e o dos menores, menor
c-a_c
7. Média Gem nome) ó,8,9

6,7,9
m-t L6l4 = 1,5 é maior que 4/3 = 1,331".
8. Média (sem nome) l-d
c-b a A proporção "harmônica", descoberta a partir
9. Módia Gem nome) 4,6,7 c-a-b dos intervalos musicais, o qLle explica seu nome,
5;- ã
10. Média (Ntinrcro de ouro) 3,5,8 c-a-b não é senão o que se chama, comumente, de analo-
c-b-a gia, da quzrl Platão fazia uso constante, em primei-
0llc=a+b
ro lugar no nmeu (35 a - 36 b). O demiurgo com-
põe, com efeito, a Alma do mundo a partir de uma
Segundo PorfÍrio,6 Arquitas definia nesses ter-
mos as três primeiras médias descobertas por sábia mistura, em dois tempos, de duas formas cós-
Pitágoras: micas, o Ser permanente, indivisível e o Ser móvel,
divisível, dos quais faz uma terceira forma, à qual
"Fala-se de média aritmética quando três termos acrescente o Mesmo e o Outro, mesclados por sua
mantêm entre si uma proporção segundo um ex- vez no que têm de divisível e de indivisível. Distri-
cedente dado e o excedente do primeiro em relação
ao segundo é o do segundo em relação ao terceiro
bui em seguida a mistura obtida em sete partes,
[ex. 3, 2, 1 onde 3 -2 = 2 - | = l]. Nesta proporção, qlre con'espondem aos intervalos musicais segun-
o interwalo [= a relação] dos dois termos maiores do uma dupla progressão geométrica de raz.áo 2 e
L3l2) é menol, enquanto o dos dois menores l2lll é derazão 3, fazendo assim a parte igual ao par e ao
maior fposto que 312 = 1,5 é menor que 2ll = 2). ímpar: 7 ,2, 3, 4, 9 , 8, 27; os núrmeros 8 e 9 são inver-
Fala-se de média geométrica quando a relação en-
tre os três termos é tal que o primeiro está para o
tidos, para fazer alternar as potências de 2 e as po-
segundo como o segundo está para o terceiro [ex' tências de 3. Esta é uma prática autenticamente
pitagórica, posto que a "gama de Pitágoras" é cons-
6 PorfÍrio, Cont. Harm. Plol.,92. truída apenas sobre as combinações dos números

108 109
Antes, diremos algumas palavras sobre a déci-
2e 3: aprogressão segundo o fator 2 forma as oita- ma média, que não é menos célcbre. Ela é o princi
vas sucessivas (1 ,2,4,8...), enquanto a progressão pio de formação da série aditiva em dois tempos,
segundo o fator 3 forma os duodécimos justos (1 = ou série de Fibonacci, na qual cada número é a soma
oõ r = Sol,9 = Ré, 27 =Lâ,81 = Mi...). o demiurgo dos dois precedentes 1, l, 2,3, 5, 8, 13, 21,34, 55,
89, l44...Com efeito, c-a equivale ac = a + b (8 =
vai então preencher esses intervalos duplos e tri-
3 + 5,21 = 8 + 13...). Parece que Policleto de Sicione
plos com o auxílio de três mediações, a primeira (ou de Argos), o arquiteto e escultor cuja ascendên-
harmônica, a segunda aritmética, de modo a che- cia pitagórica não é duvidosa, tenha utilizado esta
gar auma gama completa. Assim, o intervalo de 1 proporção nas suas duas obras mais importantes:
á 2 será, composto pelos números 1 (tônica), 4/3 i o Cânon ou Doríforo, e o Diadonleno. Segundo
(quarta), 3/2 (quintá), 2 (oitava). O tom, do qual I
Galiano,T ele escreveu um tratado que tinha o mes-
mo nome de sua estátua, o Cânon, onde revelava "a
conhecemos o valor (9/8), aparece entre a quarta e i
; harmonia do corpo", pondo em correspondência "as
a quinta que dão, por si sós, a oitava (413 x3l2 = 2), *
tI relações de um dedo com olltro, do conjunto dos
decompondo-se, cada uma, em dois e três tons s
i
dedos com o metacarpo e o carpo, desses últimos
(sempre o par e o Ímpar), exceto um ligeiro inter- com o antebraço, e do antcbraço com o braço".
,alo [ue resta, o meio-tom, medido pelafraçâo2561
1
Disse, em sua obra, que "a beleza reside na harmo-
i
nia de todas as partes entre si". Por seu lado, Filo, o
243, queencontramos em Filolau e Arquitas' Pode- Mecânico,8 atribuiJhe uma reFlexão eminentemente
mos, ãssim, reconstituir a gama cósmica, na qual pitagórica: "A perÊeição se obtém cada vez mais
atua a Alma do mundo: cinco tons maiores iguais, graças a numerosos cálculos". É principalmente
os quais se intercalam, como "resto" (leimma),in' Luca Pacioli, no seu Da divina proporção (1509),
tervalos de 2561243 = 1,053; esses meio-tons ilustrado por Leonardo da Vinci, que tornou céle-
bre este corte dureo ou proporção divina, especu-
diatônicos, dissemos, são ligeiramente mais fracos lando sobre o dodecaedro platônico. Designado no
que os semitons atuais temperados (16/15 = 1,066)' princípio do século pela letra (por Fídias),e nasceu
Nessa passagem célebre, que Platão põe na boca da série de Fibonacci: dois termos sucessivos quais-
de um pitagórico , o cosmos está inteiramente sob
o signo da harmonia tal é o que Timeu chama, 7
Galiano, Dos dogntas,425,14.
-
uq"i, a" sua "alma" - graças apenas ao jogo do -8
Filo, o Mecânico, Obras, 2,50,5.
e Na
sua obra, De Pittigoras a Euclides, onde encontrarcmos longa
piimeiro par, 2, e do primeiro ímpar, 3, de suas cxposição sobrc o número de ouro (pp. 523-630), P. H. Michel assinala
potências e de suas relações respectivas' Retor- que o símbolo foi empregado pela primcira vez por W Schooling nos
anexos matcmáticos ao livro dc Th. A. Cook, As curas da vida,1914,
iru."-or, adiante, a propósito do "corpo" do mun- que era consagrado à análise da "divina proporção" nos organismos
I vcgetais.
do, à seqüência desse texto. ,É
4

110 &
x
111
t
quer desta série têm, com efeito, tais relações mÚt- monia das esÊeras", cuja primeira ocorrência en-
tuas que tendem a dois limites:0, 618 033 98875... contramos em Platão.10 Posto qlle os corpos celes-
e l, 618 033 98875... Diferindo exatamente de uma tes, de massa prodigiosa, se deslocam no ar segun-
unidade, esses dois números são o inverso um do do leis regulares, devem produzir sons prodigiosos,
outro, escrevendo-sc como: (0, 618 033 98875... x
l, ó18 033 98875...) = l. A Êórmula do número de que consoam segundo suas distâncias e suas velo-
ouro se obtém pela equação = 1 +V 5 = 1, 618, cidades respectivas, no interior da oitava. A corres-
2 pondência entre os intervalos das 7 notas da gama
raiz positivu L 0, 618'.., raiz negativa. de Pitágoras, tocadas nas 7 cordas da lira, e as dis-
" -E=
2
tâncias dos 7 corpos da Terra, no heptacórdio cós-
Esta proporção, que permite dividir uma rcta
em razãô mêd;a e cxtrema, tal como a/b = a + b/a, mico (os cinco planetas conhecidos, o Sol e a Lua),
fascinará muitos espíritos, de Platão a Boécio, de reforçava a intuição segundo a qual os números co-
Hildegarde dc Bingcn e Agripa de Nettesheim a mandam todas as ordens de realidade, mesmo as
Luca Pacioli ou Le Corbusier (o modulor). Como a mais distantes. Não bastará mais, doravante, ob-
seqüência de Fibonacci intervém num grande-nú- servar os fenômenos celestes e medir os movimen-
mero de tcnômenos naturais, desde a fecr-rndidade
de casais de coelhos, a respeito da qual o matcmá- tos aparentes do Sol, da Lua, dos planetas e das
tico italiano trabalhou, no século 13, até a ordem estrelas. O pitagorismo ultrapassa o jogo das apa-
das folhas nas hastes de vegetais e a disposição das rências sensíveis e substitui a cosmologia tradicio-
escamas da pinha, numerosos intérpretes preten- nal, que fazia da Terra o centro do mundo, por uma
deram reconhecet, no número de ouro e sua sime- cosmologia matemática, que prepara os caminhos
tria pentagonal, a periodicidade própria clas formas
vivaÀ. Nós nos reportaremos, sobre esta qr-restão dos do heliocentrismo antes de Nicolau de Cusa e de
ritmos pitagóricos associados ao corte de ouro, às Copérnico. Pitágoras ensinava a esfericidade da
duas obras de Matila Ghvka, O núntero de ouro e Terra e do mundo, não por razões empíricas (os
Filosolia e ruística do núntero. contornos das sombras durante os eclipses, por
exemplo), mas por razões teóricas de ordem har-
É natural que os pitagóricos tenham aplicado mônica, sendo a esfera o mais belo dos sólidos.
seu conhecimento do nÚtmero ao cosmos inteiro Quanto a Filolau, tinha proposto uma concepção
dado que é verdade, como Platão mostrará na Re- pirocêntrica de corpos celestes circulares, fazendo
pública (VII, 530 d) que a astronomia e a harmonia processão em torno de um fogo central invisível
são "ciências irmãs". A redução dos intervalos dos
sons e dos movimentos dos astros a relações nu- r0 Platão, República,X,617 b; cf. Arisrórclcs, Do céu,11,9.
méricas fixas levou a formular a hipótese da "har-
tt2 113
chamado de "o Lar (Héstia) do mundo, Casa de Zeus, as observações astronômicas da época sobre o nas-
Mãe dos deuses, Altar; Unificador e Medida da natu- cer e o pôr-se dos astros. Em seguida vinham, em
reza".1l Embora esse fogo central não seja o Sol, é, círculos cada vez mais distantes, a Lua, o Sol e os
contudo, esta intuição religiosa e cosmológica que cinco planetas conhecidos: Vênus, Mercúrrio, Mar-
conduzirá Copérnico a emitir a hipótese revolucio- te, Júpiter e Saturno. Encerando a marcha, a esfe-
nâriado heliocentrismo, como ele próprio o afirma, ra das estrelas fixas, depois um fogo externo, consti-
na sua dedicatória ao papa Paulo III. Em torno do tuindo o "invólucro do universo" (Aécio , Op., I1,7,
fogo central circula primeiro o décimo corpo celes- 7). Além desse invólucro se estendia o infinito, rrj
te invisível, a Anti-tera, da qual os pitagóricos su- apeíron, esse vazio que o mundo, tal como um vi-
puseram a existência, para completar a Década das vente, respira no ritmo do tempo e que vem separar
esferas celestes. Seria errôneo ironizar uma hipóte- os seres (Aristóteles , Física,' /, 6,213 â). O Sol, teito
se aparentemente tanto mais extravagante quanto a de "cristal", recebia a reverberação da luz do fogo,
Anti-terra era, evidentemente, invisível: Le Verrier, enquanto a Lua, feita de "terÍa", era habitada por
depois Lowell, farão coisa diversa quando descobri- "animais e vegetais ainda maiores e mais belos,,, àos
ram Netuno, em 1846, e Plutão, em 1930, apenas quais Aécio diz-nos, curiosamente, que são ,,quinze
pela potência do puro cálculo? vezes mais fortes" e não expelem "nenhlrm excre-
Em segundo lugar vinha a Terra, que descrevia mento" (II, 30, 1). Como P. Couderc escreve,l2 pode-
em vinte e quatro horas em círculo maior em torno mos admirar este "estranho sistema de Filolau,,,
eue
do fogo, no plano da eclíptica, apresentando sem- teve pouco sucesso em seu tempo, e do qual as três
pre a mesma face voltada para o exterioq, o que ex- "ousadias proféticas" esperarão mil anos para se ve-
plica que os pitagóricos não pudessem ver o fogo rem realizadas: 1) a Terra e todos os astros têm uma
central e a Anti-terra, que um observador dos forma esférica; 2) aTerraé um corpo celeste de segun-
antípodas poderia contemplar. Notemos que esse do plano; 3) a Ter:ra não está em repouso e não ocupa,
movimento atribuído à Terra, bem antes de Galileu, como em Platão e Aristóteles, o centro do mundo.
consistia num círculo orbital em torxo do Fogo e A mecânica celeste de Filolau apresentava um
não uma rotação da Terra sobre si mesma: se a hi- traço ainda mais estranho que o do pirocentrismo.
pótese era falsa, achava-se, contudo, de acordo com Nos seus Comentd.rios ao primeiro livro dos Elemen-
tos, de Euclides, Proclo indica que Filolau associava
f f Aécio, op.,lI,7 ,7, "Fortalcza de Zeus", segundo Aristóteles, Do ,j:

| 2
céu,ll, 13,293 b. ! P. Coudcrc, 11 i s t o i re de l' a s I ronoyn ie, p aris, pUF, 7q ed., I9 g2, p. 50.

t14 115
Também inteiramente obscura é a origem da
divindades às diversas figuras geométricas (triângu-
teoria dos cinco elementos ffsicos, que os historia-
lo, quadrado, círculo, dodecágono), em particular
dores referiram a Ferécides de Siro, Pitágoras, Filolau,
quatro deuses a cada ângulo do triângulo, sem dúvi-
ao Platão de Timeu e do Epímomzs e que encontrará
áu .r*u figura cntciforme, atribuindo-lhe "todo ar-
sua forrnulação definitiva com Aristóteles (Do céu,I,
ranjo quadripartido dos elementos que se estendem
2-4), antes de se impor no pensamento ocidental, até
.ro álto do céu ou os quatro segmentos doZodíaco" '
o aparecimento da ciência moderna. Tiata-se aí da
E Proclo esclarece a tese filolaica: "Crono fez nascer
teoria mais secreta do pitagorismo e, ao mesmo tem-
toda substância úmida e [ria, e Ares toda natureza
po, da mais ambiciosa, posto que trata de explicar a
ígnea. Por outro lado, Hades mantém toda a vida
gênese física do cos mos apartir de considerações geo-
terrestre e Dioniso, de quem o únho, ao mesmo tem-
po úmido e quente, é o símbolo, rege a geração úmi- métricas, aritméticas, harmônicas e, bem entendido,
áa e qr-rente".l3 Ora, se todos esses deuses se diferen- místicas. Para Proclo, como acabamos de ve4 Filolau
ciam por qualidades secundárias, são um, na admitia a existência dos quatro elementos
realidade. Eis por que Filolau confunde esses qua- empedleicos, que associava a quatro diündades e a
tro deuses num só, atribuindo-lhes o patrocÍnio de quatro ângulos, que "estreitavam a união" graças a
"um único ângulo"; ao mesmo tempo, atribuía a sa-
único ângulo (166,25; cf. 130, 8; 173, lll' I74, l2).
Emprestamos de Félix Buffiêrela o diagrama que fi- bedoria do maior dos deuses, Zeus, a um quinto ân-
grr.à ot quatro deuses-elementos e os triângulos de gulo, "o ângulo do dodecágono", o que deixa entrever
a existência de um quinto elemento, cujo nome não é
Filolau; ele sublinha a unidade tetradica do cosmos
sob sua dupla forma, geométrica e física. pronunciado (Plutarco,lsis, 30). Aécio completa esse
testemunho, atribuindo a "Pitág6yas" os historia-
dores lêem sob esse nome genérico ora- a Escola, ora
SECO a

Filolau "slnç6 figuras de voh-rmes que ainda cha-


8"
o F
U
E
s:" R
I
-
ma de matemáticas: o cubo [o hexaédro], que, se-
N o gundo ele, produziu a terra; a pirâmide [o tetraédro],
ô'o,'+
T que produziu o fogo; o octaedro, que produziu o ar;
E u%
:x:l' o icosaedro, que produziu a água, e o dodecaedro,
a .--t-_^ a que produziu a esfera do universo".ls
ÚMIDO
l3 Proclo, Cottt. Euclides, dclinições XXIV a XXIX, pp' 147-148' rs Aócio, Opiniões, II, ó, 5; cf. Tcón dc Esmirna, Exposição, 1g,5.
f a
F. Buffiêre, Os mitos de Honrero' p.592.

11ó 117
Diversamente da física de Empédocles, que dade" (32 a), duas mediações serão indispensáveis
ignora as matemáticas, a física pitagórica só pode para formar "uma naturezasólida" e "harmonizar"
*..o-p.eendida fazendo-se intervir a teoria arit- seus componentes. "Assim, pois, entre o fogo e a
mética àut p.oporções, associada à consideração terra, Deus colocou como intermediários a água e
geométrica ãos't olumes. Como não temos nenhum o ar; e de suas relações mútuas, à medida do possí-
iexto detalhado sobre esta física, devemos nos apoi- vel, realizou Llma proporção; o que o fogo é para o
a4, o ar é para a água, e o que o ar é para a âgua,a água
ar uma vez mais com Platão, cujo Timeu apresenta
uma doutrina autenticamente pitagórica' Vimos é para a tema; unindo-os com tal laço, constituiu
como o Demiurgo compôs a alma do mundo a par- um Céu visível e tangível." A harmonia buscada, onde
se reconhece o "problema de Délos" da duplicação
tir da harmonia cósmica, que dará sentido e movi-
mento ao universo material. Mas esse último, o "cor- do cubo, no qual Hipócrates de Quíos trabalhou,
po do mundo", não se reduz aos triângulos oferece uma proporção contínlla entre os quatro
primitivos aos quais se pode reconduzir toda su- corpos empedocleanos; Platão só tem agora que
perfície plana retilínea; não deixamos então a geo- constituir fisicamente os sólidos em questão.
metriaplana em duas dimensões, enquanto o mun- - Um sólido regular é um corpo, do qual todas as
do posiui Lrma terceira, a da profundidade' Para faces são polígonos regulares idênticos. Os pita-
góricos descobriram, ou talvez esteja aí uma slste-
explicar a gênese do sólido e preparar assim o nas- matização propriamente platônica, fundada sobre
cimento da estereometria, ciência cuja ausência a os trabalhos deles, que cinco poliedros regulares,
República lamenta (VII, 528, a-d), Platáo não se e cinco apenas, eram suscetíveis de ser construídos
,aiirfu, só com a presença do "fogo" e da "terca", em nosso espaço tridimensional, enquanto existe
daluzque dá visibilidade e da rocha que dá a soli- uma infinidade de polígonos regularês (Euclides,
Elementos, XIII). Platão vai construí-los a partir
dez, ou, se se prefere, de dois elementos físicos sus-
de triângulos elementares, reforçando arii- u
cetíveis de entrar numa combinação matemática' precedôncia da Tríade, núrmero do Todo comple-
Não é possível, com efeito, por razóes, desta vez to, enquanto, como veremos, a Tétrade define sua
lógicas, unir dois opostos, água e fogo, sem um ter- progressão e a Pêntade sua geração no curso do
mã médio que assegurasse seu laço. Ora, "o mais tempo. Apresentamos abaixo o quadro dos cinco
poliedros que a tradição chamarâ de "corpos pla-
belo" dos laços será precisamente constituÍdo pela
tônicos", na ordem segundo a qual platão os men-
proporção (ou progressão) geométtica, da qual já ciona; Euclides inverterá a ordem do cubo e do
tula*oi; aí onde só uma única mediação era sufi- icosaedro na sua exposição geral dos Elementos
ciente para definir "uma superfície sem profundi- (livro XIII).

118 tt9
Tetraedro 0ctacdro Icosaedro Cubo Dodccaedro não puderam ignorar; mesmo que não conhecessem
os automorfismos do espaço. Esse grupo finito de
Figuras Triângulos Tliângulos Triângulos Quadrados Pcntágonos
ordem 10, como dizemos hoje, era para eles o sím-
Faces 4 I 20 612
Ângulosporápiccs 3dc60" 4dc60" 5de60" 3 de 90" 5 de 108' bolo perfeito da Década, enqllanto é indefinidamen-
Apices 4 6 12 820 te engendrada pela Pêntade. Encontraremos expos-
Arcstas 6 12 30 12 30
ta nos Iivros IV l1 e XIII, 17, dos Elementos de
Elementos F0G0 AR ÁCUe TERM MUNDO
Euclides, a constmção do pentagrama e do dode-
caedro.
O dodecaedro se distingue geometricamente dos
quatro outros policdros porque cada uma de suas
doze faces é formada por um pentágono, irredutível
aos triângulos de que os outros corpos platônicos
são compostos, inclusive o cubo, cujas faces são di-
vididas em dois triângulos pela diagonal do quadra-
do. Se se acresccntam os cinco ápices do pentágono,
faz-se aparecer cinco triângulos isósceles, forman-
do uma estrela de cinco pontas cujos lados, recor-
tando-se, formam um pequeno pentágono invefti-
do: trata-se do Pentagrama ou Pentalfa ("os cinco A"),
formado por dois triângulos entrelaçados, que se
pode desenhar com um só traço. O papel deste sinal
de reconhecimento era tão importante para o
pitagorismo e a tradição esotérica que dele decorre
(é com a estrela de cinco pontas que Fausto repelirá A atribuição dos qllatro poliedros aos quatro
Mefistófeles), que a relação entre a diagonal do elementos, e o papel original atribuído pelo Timeu
pentágono regular e seu lado é igual à relação do ao dodecaedro, para encarnar a esfera do Todo,
número de ouro: 1,618. Como Hermann Weyl obser- constitui uma das questões mais espinhosas de fi-
va.16 esta estrela se transforma nela mesma graças
às cinco próprias rotaçÕes em torno de seu centro losofia grega e, para muitos, um verdadeiro enig-
de ângulos múltiplos de 3ó0'75, e às cinco refrações ma. Ela remonta ao primeiro pitagorismo, talvez a
em relação às retas, que juntam o centro aos cinco Filolau, ou é uma invenção propriamente platôni-
ápices; o conjunto dessas dez operações forma um ca? O debate consiste em indagar se há quatro ele-
grupo de simetria característico, que os pitagóricos
mentos na natureza, conforme a tradição pitagórica
f ó
H. Weyl, Synútrie et nruthéntatique moderne, Paris, Flammarion,
e empedlóica parece afirma4 a partir da intuição
1964, p.52. da quádruplaraizde todas as coisas" (Empédocles,

120 t2I
6) ou então se há cinco, vindo um elemento suple- entre os cinco corpos, os cinco poliedros e os cinco
mentar coroar o sistema. Em termos pitagóricos, tipos de vivos do Epínome, mas sem saber onde si-
ainda, o mundo é regido pela Tétrade ou obedece tuar exatamente o éter: em quinta posição depois
ao princípio superior da Pêntade, o Ímpar tendo a do fogo, a água, o ar e a terra (Üpin.,981 c), ou em
sua desforra sobre o Par, impondo a Unidade, que segunda posição, "hierarquicamente depois do
sobrepuja o jogo das oPosições? fogo" (Epin., 984 b). Em compensação, Aristóteles
Estamos diante de dupla dificuldade, fisica e imporá a toda tradição a ordem canônica: éteq, fogo,
ar, á.gua, terra; o novo elemento, mais sutil, tornan-
ontológica, que embaraçou, talvez, menos os pitagó-
ricos e Platão que seus comentadores ulteriores. Na do-se o princÍpio do movimento circular dos astros,
ordem ontológica, primeiro, a introdução de um assim como, segundo Cícero,t7 o da alma humana:
quinto termo, o princípio pitagórico do equilíbrio a pémpte ousía ou quintessência tem doravante di-
p".*ur"rte dos contrários no universo, afeta o reito de cidadania na história da Êilosofia.
prestígio da Tétrade, que reinava na ordem do ser, Se a correspondência tardia entre os poliedros
io*o na do conhecimento. Além da assimilação dos e os elementos é manifestamente um problema, a
sólidos geométricos aos elementos fisicos, notare- presença maciça do dodecaedro na teoria cósmica
mos de passagem que, apesar de sua ingenuidade, da Escola parece em todo caso antiga, posto que
não deixa a primeira intuição de uma física mate- Hipaso teria morrido no mar por ter violado o se-
mática de precisar da introdução de um quinto ele- gredo de sua construção. Jâmblico esclarece até que
mento desconhecido para corresponder ao núme- "a potência divina" se desencadeou contra aqueles
ro de poliedros inscritíveis na esfera. A objeção que dir,ulgavam "a doutrina secreta de Pitágoras",
tradicional à identificação entre os elementos e os aproximando esta da descoberta de qLle "o volume
sólidos se apóia no fato que o Timeu não atribui o que comportavinte arestas, isto é, o dodecaedro, uma
quinto poliedro a um corpo físico, mas ao universo das cinco figuras que se chamam de sólidos, era
inteiro, e não distingue ainda o "éter" do "ar" (58 inscritível na esfera" (VP,247). Não parece duvidoso
que o quinto poliedro represente, desde a origem,
ü.É somente no Epínome, que não se sabe se é
(inteiramente) de autoria de Platão, eno Períphilo- um papel mais importante, referente a considera-
sophias de Aristóteles, do qual só restam fragmen-
7 Cíccro, Ttrsculanas, I, lO, 22.
tos, que o éter aparece como quinto corpo. Os mei- Quanto ao quinto elen-rcnto, c[.
f

Aristótcf cs: Do cétr, A, 2-4; Da alnru, B, 7, 418 b; Metalísica, L, 8, I 073


os platônicos da Academia, Espêusipo antes de a; Meteorológicas, A, I ,338 a, 2,339 a,3,339 b; Da geração dos animais,
qrálqr". outro, parecem ter admitido o paralelo 8,3,736b-737 a.

122 t23
ções aritmológicas e cosmológicas que impunham
com a esfera cósmica é também inteiramente
necessariamente sua identificação com o universo. satisfatória, de Pitágoras e Platão a Luca Pacioli ou
Não seria, pois, de modo residual que Platão o teria Kepler. Geometricamente, primeiro, ela se impõe
associado à esfera do mundo, na impossibilidade em posto que o quinto poliedro regular inscritível na
que se encontrava de encontrar um correspondente esfera é o que mais se aproxima dela: a esfera não é
para ele nos quatro elementos, mas de modo inicial: senão, com efeito, o caso limite de um poliedro que
é preciso conceber a identificação entre o dodecaedro comporta uma infinidade de faces e uma infinida-
e o cosmos como primeira, e subordinar-lhe a iden- de de eixos de ordem infinita (eixos de isotropia);
tificação dos quatro elementos e dos quatro poliedros ademais, o dodecaedro tem doze faces que
restantes. Pode-se estabelecer isso por dois argumen- correspondem às divisões cósmicas, dos doze sig-
tos complementares. nos do Zodíaco (espaço) e dos doze meses do ano
Em primeiro lugaç a correspondência do fogo (tempo). Sendo composto por pentágonos regula-
com o tetraedro, do ar com o octaedro, da água res irredutíveis aos triângulos elementares, ele cor-
com o icosaedro e da terra com o cubo se mostra ta os outros corpos físicos que envolve como "a cas-
tão satisfatória para o modo de pensar analógico ca da esfera", segundo a expressão de Estobeu.18
dos pitagóricos, que Llm espírito como Kepler; vin- Aritmeticamente, em segr-rida, o dodecaedro é o
te séculos mais tarde, se vinculará a isso, identifi- único sólido formado a partir do pentágono regu-
cando a terra com a estabilidade do cubo, o ar com lar, cuja relação entre o lado e a diagonal é igual ao
a instabilidade do octaedro, o fogo ao pequeno vo- número de ouro: está, pois, ligado à Pentada, cuia
lume do tetraedro, na sua relação com sua superfí- função essencial, como o pentágono estrelado o
cie, e a âgua no grande volume do icosaedro; a fi- testemunha, consiste em engendrar o universo in-
nalidade do My sterium cosmographicum, 1 595, será, teiro e sua figuração simbólica, a Década. Como o
assim, associar as distâncias do sistema planetário número cinco engendra paralelamente a harmonia
aos cinco poliedros regulares, alternativamente ins- musical posto que, como assinalamos, a gama na-
critos e circunscritos às esferas. Esta idéia incitará tural é construída a partir do "ciclo das quintas",
Kepler a se tornar o assistente de Tico Brahe, e o os-pitagóricos só tiveram que levar às últimas con-
conduzirá, a despeito de suas especulações aritmo- seqüências essas analogias, atribuindo ao quinto
lógicas, à descoberta científica das três leis sobre poliedro o poder de encarnar a estrutura do Todo.
as órbitas dos planetas. Em segundo lugaq é preci-
so observar que a correspondência do dodecaedro r8 Estobcu, Lxtr.,18,5 = Filolau, XII.

124 t25
Vê-se que a "harmonia", compreendida como CAPITULO VI
a justa consonância das partes ao Todo, numa oita-
va celeste, não era uma palavra vã para os pitagó- A TEORIA DO CONHECIMEI{TO,
ricos. Eles levantavam freqüentemente os olhos ao DA ALMA E DA JUSTIÇA
céu estrelado, para tentar ouvir esse coro dos as- PITAGORICAS
tros, que os homens não percebem mais, porque se
acostumaram com ele.le Alexandre de Etólia com-
pôs um poema sobre a harmonia das esferas, que
Téon de Esmirna conservou:2O
A cosmologia pitagórica não se limita a uma
"A Terra no centro produz o som grave do hypato especulação geométrica e aritmética sobre a natu-
A esfera estrelada produz a nete conjunta; reza, à qual a alma, que contempla o mundo, per-
O Sol, no meio dos astros errantes, fazressoaramese;
maneceria estranha. Ela se prolonga numa episte-
A esÊera de cristal é o acorde de quarta;
Saturno é o meio-tom mais baixo; mologia e uma psicologia que afirmam o parentesco
Júpiter se afasta tanto de Saturno quanto entre a alma e o princípio das coisas e, em conse-
do terrível Marte; qüência, com a harmonia original que os une nas
O Sol, alegria dos mortais, é um tom mais baixo; operações do conhecimento. Podemos nos apoiar
Vênus difere um triemitom do Sol esplêndido;
no testemunho de Aristóteles. Quando enfoca as
Mercúrio rola um meio-tom inferior a Vênus;
Vem em seguida a Lua, que oferece à natureza co- concepções de seus predecessores, o autor do tra-
res tão variadas' tado Da alma os reparte em dois grupos: os que
Enfim a Terra, no centro, oferece a quinta ao Sol: vêem na alma sua capacidade de moyer os seres e
Ela tem cinco zonas, zonas brumosas [os pólos] até aqueles que discernem nela sua aptidão para co-
a;zor.a tórrida [os trópicos]
nhecer, esses últimos vindo a identificar a alma com
E se acomoda com o calor ardente e o frio glacial.
O céu, com seis tons, completa esta oitava.
"os princÍpios" (/às archás), seguindo a velha tese
O filho de Zeus, Mercúrio, apresenta-nos uma sereia. homérica segundo a qual "o semelhante é conheci-
Com uma lira de sete cordas, imagem desse do pelo semelhante" (404 â). Aristóteles faz então
mundo divino". alüsão aos pitagóricos, remetendo ao diálogo per-
dido Sobre a filosofia e define nesses termos sua
teoria do conhecimento:
f e
Aristóteles, Do cétr, ll, 29O b.
20
Téon, Exposição, XV I40.

t26 127
'l

"Do mesmo modo também, no que é dito em inesgotável", e de conter o número perfeito da Dé-
Sobre a fitosofia, foi explicadg que o próp.rio-vivo cada. Téon de Esmirna nos ensina, ademais, nos
(autõ mên tó zoon) deriva da idéia mesma do Uno e capÍtulos consagrados à Década em sua Exposição
do comprimento, da largur-a e da profundeza pri- (Il, 37-49), qlre os pitagóricos distinguiam onze
meiras, e as outras realiàades paralelamente' Isso tétradas diferentes:
uí é ainda diversamente: o intelecto (nous)
"*p."rro vai de 1. A primeira é "a adição dos quatro primeiros
é o Uno e a ciência (epistente) o Dois' porque
núrmcros". Trata-se aí da Tétrada frlndamcntal, em
uma só maneira em direção à unidade; o número sua essência original, que sobrcpuja tanto as
àa superficie é a opiniáo (doxa).e o do volume' a tétradas seguintes quanto a primeira das catego-
.ãn.uça". Os númôros, com efeito, eram ditos as rias aristotélicas, a Ousia, sobrcpuja as categorias
;;p;i;t formaspor e os princípios, e são constituídos
outro lado, as coisas são apreen- inferiores. Com eÊeito, condnz progrcssivamente à
oor'elementos; Década (1 + 2 + 3 + 4), ao mesmo tempo, acrescen-
ãidrt, ,-a. p"io intelecto, outras pela ciência' ott- ta Téon, que engendra as qLlatro consonâncias
i.ut uir-,do peia opinião, outras enfim pela sensação' primitivas da gama (qr-rarta, quinta, oitava, oitava
E esses nírmeroi são a forma das coisas" (404 b)' dupla). Seu primeiro nível manitesta de modo mag-
nífico a prccminência da aritmética e da música
Nesse texto freqüentemente comentado' em pitagóricas sobre os outros campos do saber, qtrer
particular por Paul Kucharski,l os quatro primei- se tratc da geometria, da física ou da astronomia.
ios números são identificados aos quatro gêneros 2. A segunda tétrada é constituída pela dupla
de objetos cognoscíveis e às quatro faculdades progressão geométrica de razão 2 (1 ,2,4, 8) e de
razão 3 (l , 3,9,27), que constitui a Alma do mun-
cogniiivas. Para compreender -o princípio desta do, no Tímeu. Esta multiplicação dos pares e dos
ar"ptu identificação, cónvém enfocar os múltiplos ímpares permite construir um diagrama em forma
aspectos que a Tétralctys assume entre os pitagó- de lambda maiúscula, que porta em cada um dos
rióos. O termo grego designa ou um conjunto de dois lados de um ângulo os números respectivos da
quatro coisas ou a seqüência dos quatro primeiros série par e da série ímpar. Notaremos que o último
dos sete números (27) é igual à soma dos seis pre-
.rú*".o. ou ainda o Quatro enquanto princípio de cedentes (1 + 2 + 3 + 4 +8 + 9 = 27).Téonsublinha
toda distribuição quadripartida, isto é, a Tétrada' qlre o crescimcnto dos númcros, tornado aparcnte
no sentido em que falamos de Mônada, de Díada e pela abertura do ângulo cujo ápice encarna a uni-
de Tríada. Já sábemos que os pitagóricos atribuí- '' dade, corresponde ao ponto, ao lado, à superfície e
am à Tétrada, identificada com o oráculo de Delfos' ao volume. Assim, os dois primeiros quaternários
encerram, por adiçáo e multiplicação, "as razões
a potência sagrada do ser, "fonte eraiz'danatureza musicais, geométricas e aritméticas de que se com-
põe a harmonia do universo".
1
Paul Kucharski, A doutrinn ltitagórica da tétrada'

129
t28
ferência no De aninta, a propósito da geração do
vivo: 1. a semente (sperma) corresponde à unidade
e ao ponto; 2. o crescimento em comprimento, à
díade e à linha; 3. o crescimento em largura à tríada
e à superfície; 4. o crescimento em volumc à tétrada
e ao sólido.
7. A sétima tétrada concerne aos quatro elemen-
tos do desenvolvimento gcnético da sociedade, e
testemunha sem dúvida a inÍluência de Aristóteles
noliwol daPolítica: 1 = o homem; 2 = a Família; 3
3. A terceira tétrada abraça, segundo a progres- = o burgo; 4 = a cidade (pólis).
são precedente, "a natureza de todas as grandezas", 8. A oitava tótrada apresenta as quatro Êaculda-
queidizer: 1 = o ponto; 2 = alinha reta; 3 = a linha des cognitivas que nos permitem tomar conheci-
circular (essas duas linhas tendo "a potência do mento das tótradas precedentes, "materiais e sen-
lado"); 4 = a suPerfície plana; 9 = a suPerfície curua síveis": 1 = o pensamento (nous);2 = a ciência
(essas duas superfícies tendo "a potência do qua- (episteme);3 = a opinião (doxa);4 = a sensação
drado"); 8 = o sólido de superfície curva; 27 = o (aisthesis).
sólido de superfície plana. Téon, que segue Platão 9. A nona tétrada distingue as quatro dimensões
aqui, inverteu como ele os números 8 e 9 para al- do ser animado: 1 = a alma racional; 2 = a alma
ternar os números pares e ímpares de cada lado do irascÍvel; 3 = a alma concupiscável; 4 = o corpo como
diagrama e classificar juntos as duas superfícies (4 lugar de residôncia da alma.
e 9) e os dois sólidos (8 e 27). 10. A décima tétrada é a tétrada do tempo, que
4. A quarta tétrada é a tétrada física dos quatro maniÊesta a sucessão das coisas. Trata-se das qúa-
elementos: I = fogo; 2 = ari3 = água; 4 = terra. Téon tro estações do ano: I = primavera;2 = verão; 3 =
redescobre a proporção geométrica do Timeu, ahr- outono;4 = inverno.
mando que o fogo está para o ar como I está para 1 1. A undécima e última tétrada mostra a pro-
2; para a água como I está para 3 e para a terra gressão das quatro idades da vida: 1 = inÊância; 2 =
como 1 está para 4, "segundo a tenuidade ou densi- adolcscência; 3 = idade madura; 4 = velhice.
dade de suas partes".
5. A quinta tétrada, a das figuras geométricas, Téon conclui sua classificação indicando que
associa os quatro primeiros poliedros regulares aos
quatro corpos simples, ou seja: 1. a pirâmide ao todos esses quaternários são "proporcionais entre
fogo;2. o octaedro ao ar; 3. o icosaedro àâgua;4. o si", tomando o exemplo do primeiro núrmero: "por-
cubo à terra. que o que é a unidade no primeiro e segundo
6. A sexta tétrada é a tétrada das "coisas engen- quaternário, o ponto o é no terceiro, o fogo no quar-
dradas" (ton phyoménon), à qual Aristóteles fazre- to, a pirâmide no quinto, a semente no sexto, o
130 131
homem no sétimo, o pensamento no oitavo e as- ao volume, do homem à cidade, e do nascimento
sim outros, que seguem a mesma proporção". Pode- dos seres a seu declÍnio. Quando os pitagóricos a[ir-
se evidentemente suspeitar que esse texto tardio mam que "o ponto é o limite e a extremidade da
(século II da nossa era) foi alterado por adições linha, a linha os da superÊície, e a superfície os do
neopitagóricas misturadas com influências pla- sólido",2 é preciso intetpretar essas definições como
tônicas e aristotélicas; parece, contudo, fundado uma sucessão de operações geométricas onde cada
numa terminologia e temas autenticamente elemento engendra e limita o seguinte. Poder-se-ia
pitagóricos. Nossas fontes mais antigas testemu- dizer que a década revela a unidade estrutural do
nham, com efeito, a associação da tétrada à teoria ser, na harmonia dos princípios do limite e do ili-
do ser e à teoria do conhecimento, entre os pita- mitado, totalmente reconciliados, onde a tétrada
góricos. Um testemunho precioso, de Aécio (Op.,I, desvela a unidade genética das coisas em vias de
3, 8), atribui primeiro a Pitágoras a paternidade real izar sua perleição.
da escolha da década como princípio da natureza É nesse sentido que os pitagóricos viam nela,
do número, argüindo o fato que "os gregos, como como Aécio assinala na mesma passagem, uma
todas as nações bárbaras" o que é, bem enten- "fonte" e uma "raiz" , entenda-se o desenvolvimen-
dido, inexato
-
só conhecem uma numeração de- to imanente da "natureza inesgotável". Logo, "sem-
-
cimal. A tétrada encerra "em potência" o número pre segundo Pitágoras", acrescenta Aécio, é da
10, posto que podemos obter esse número soman- tétrada do intelecto, da ciência, da opinião e da sen-
do os quatro primeiros, enquanto a década encer- sação que nossa alma identificada com os dife-
-
rentes objetos de seu estudo, logo, em definitivo,
ra, "segundo a unidade", o próprio número, na sua
essência. aos números é naturalmente constituída. Que
-
esta teoria da assimilação das modalidades do co-
Temos aí um esclarecimento interessante so-
bre a função operatória da tétrada, que compreen- nhecimento às modalidades do ser seja apresenta-
de conjuntos de quatro termos e, primeiro, o dos da, nos raros textos que nos restam, atravós de uma
quatro primeiros números, não sob a forma de um mistura indiscernível de elementos científicos de
desmembramento estático, mas sob a forma de um tipo platônico e de elementos místicos de tipo
processo dinâmico. Basta considerar a lista de Téon neopitagórico, como observa W. Burkert com ou-
para ver que cada tétrada é uma progressão, náo tros críticos modernos, não põe em questão sua
uma coleção, de ordem aritmética, harmônica, geo-
2Aristótelcs, Metalísica, N, 3, 1090 ô.
métrica, física ou biológica, çlue conduz do ponto

132 133
pio de causalidade: arelação analítica da identidade
origem pitagórica autêntica. O que parece incon- não é distinguida, aqui, da relação sintética da cau-
I
testavelmente estabelecido é, de um lado, a grande
salidade. É nesse sentido qr-re Aristóteles diz, indite-
antiguidade do simbolismo dos números atribuí- rentemente, a respeito dos núrmeros pitagóricos, no
dos às faculdades cognitivas e, de outro lado, a mesmo livro A da Meta"física, que eles são "princí-
fecundidade da intuição pitagórica que volta, fiel à pios" (archas, 985 b), "causas" (aitíai,8, 989 b; N, 6,
sua teoria unitária do Todo, a postular a identida-
1092b), ou "elementos" (stoicltéia,986 a) e que o Ps. -
de entre as estrlltllras do ser e as do conhecimento.
Jâmblico atribui a Filolau a única tese da origemlô-
Numa perspectiva platônica, Aristóteles reconhece gica das figuras abstratas e da geraçã.o física das re-
aos pitagóricos o mérito de terem sido "os primei-
alidades concretas: "A grandeza matemática de três
ros a colocar a questão da essência e a ter tentado
dimensões [o volume] está contida no núrmero 4, a
defini-la" (Met. , A, 5 , 987 a 20); mas censura-os por qualidade e a cor da natureza vísivel no número 5, o
terem dado uma resposta "simplista", identifican- princípio vital no número 6 etc." (Teol. aritm.,74, l0).
do imediatamente a "coisa" e sua "essência" nu- Podemos agora fazer breve recapitulação des-
mérica. Se não separaram os princípios ontológicos
ta teoria dos números, desta vez de um ponto de
e as realidades que estes comandam,3 isto é, o que
vista teológico, menos para insistir no misticismo
a tradição platônica chamará de sensível e inteligí-
aritmológico do pensamento pitagórico que para
vel, é porque não quiseram cavar esta separação
sublinhar a coerência de suas especulações e pre-
entre o "ser" e o "ente" que é constitutiva da meta-
parar sua teoria da alma. Nós nos apoiaremos nos
Êísica, como Alquié bem mostrou a propósito de
Theologoumena aithmeticae, obra composta pelo
Platão, Descartes ou Kant.
Ps.-Jâmblico que cita a obra perdida do matemáti-
Parece, então, fora de dúvida que a intuição es-
co árabe Nicômaco de Gerasa, e no resumo desse
sencial do pitagorismo diz respeito à afirmação de
texto que São Fócio propõe, nasuaBiblioteca (187);
que os números, nascidos da tensão eterna entre o
essas mesm as Theologoumenr conservam, parale-
limitado e o ilimitado, possuem uma força lamente, dez extratos da Introdução à aritmética,
ordenadora imanente que permite assegurar o laço
de.Santo Anatólio de Alexandria.a
entre a matemática e a física, ou, se se prefere, entre
essas duas formas de racionalidade que se chama- aEsscs Íragmentos cle Santo Anatólio, intitul:rdos "Sobre os dcz
rão mais tarde de princípio de identidade e princí- primciros númcros", foram publicados cm grego por J.L. Heibcrg,
Annales internationales tl'histoire, Paris, A. Collin, l90l (pp.27-41), e
traduzidos em francês por P. Tannery @p.27-41).
3Aristótclcs, Física,ltl,4,203 a; Metolísica, A, 8, 989 b.

135
134
-t

A mônada, vimos, é a unidade do ponto arit- as indeterminações possíveis. Com a dualidade nas_
mético, identificada ao fogo, ao tetraedro e ao pen- ce a primeira contradição, posto que dois é o oposto
samento; mas ela é também, em termos teológicos, imediato ao uno. Ligada à mulher e à fecundidrd"
"o Receptáculo universal que contém tudo", "Deus", ilimitada, à díada reproduz indefinidamente a cisão
"o Eixo de todos os seres", "a Torre de Zeus", "o da paridade, enquanto o uno não lhe põe um termo.
Sol" e "Apolo", dentre outros qualificativos que es- Nicômaco a associa tanto a "Ártemis" quanto ao
candalizam São Fócio, para quem "semelhante teo- "Destino" e à "Morte", ou ainda ao "Hermafrodita,,,
logia não exige nem segredo nem respeito" (Bibl., insistindo em seu aspecto discordante, devido a sells
187 , 142 á). Todas essas analogias, aparentemente atributos contraditórios. Hegel discernirá nela o es_
fantasiosas, convergem contudo em direção à in- boço da oposição verdadeira do conceito, determi-
tuição ontológica da unidade primordial e inson- nada pela tensão dialética, e a primeira tentativa de
dável, na origem de todas as coisas; quer dize4 como elaborar uma tabela de categorias.
Hegel reconhecerá, "a essência inteiramente uni- A tríada, cara a Íon de euíos e Hipodamo, é o
versal", apreendida como "o Uno árido, abstrato".s número do Todo, como Aristóteles reconhece:,,É o
Para compensar de algum modo esta abstração que número três que define o Todo e todas as coisas,
os pitagóricos descobrem pela primeira vez no pen- posto que são os constituintes da tríada: fim, meio
samento, a mônada vai aparecer sob uma multi- e começo, que constituem também o Todo,, (Do céu,
plicidade de nomes e de atributos que, excedendo I, I,268 a). Existe aí a evocação de uma velha fór_
a linguagem, revelam, por seu excesso, o caráter mula órfica, que Platão menciona nas lcis, a pro_
insondável do absoluto. Mas, ao mesmo tempo, o pósito da divindade que "tem nas mãos o começo,
Uno permanece pensado como o princípio de limi- o meio e o fim" (715 e), como a sedução da tríada
tação que permite a todas as coisas possuir uma dialética, que Hegel identifica com a verdacleira
unidade, por "imitação" do princípio, o que con- Trindade: "O princípio [o uno] é o simples; o meio
duz a pôr a coesão universal de um mundo no qual é o seu tornar-se outro (díada, oposição); a unida_
cada coisa é o espelho do Todo. de (espírito) é o fim: retorno de seu ser outro nesta
A díada é o princípio do par e a manifestação unidade".6 Os pitagóricos não exprimem outra in_
numérica do ilimitado: a esse título, é "audâcia" tuição, saudando no três, primeiro núrmero ímpar,
(tólma) e matéria (hylé), quer dize4 matriz de todas a reconciliação do um e do dois sob a forma cle

s Hcgel, Lições, p.83. 6 lbid., p.95.

136 137
uma harmonia universal; às três dimensões do es- a contradição manifesta entre a percepção da
paço respondem, assim, os três acordes fundamen- imparidade e da paridade da tétrada, mais ainda da
tais de quarta, de quinta e de oitava, compondo a década, os dois números cósmicos referentes, segun-
gama inteira. Notar-se-á a curiosa observação gra- do a tabela dos opostos, à esfera da imperfeiçãã?
matical de Aristóteles, que atribui aos pitagóricos Os pitagóricos parecem ter contornado a difi_
a equivalência de "três" a "todos", porque os gregos culdade, interpretando a totalização da tétrada (l +
utilizam o dual para exprimir um conjunto de duas 2 + 3 + 4) e a totalidade realizada da década (10)
coisas; é somente com três coisas que a língua exi- como o equilíbrio mesmo dos princípios do par e do
ge o pluraL T Logo a tríada se tornará o modelo de ímpar. É o que subentende o ps.-Jâmblico na sua
toda estrutura estável e completa, como se pode resenha do escrito perdido de Espêusipo, Sobre os
constatar com a divisão triádica da alma em Platão. números pitagóricos. Na segunda parte da obra, que
A tétrada, em compensação, que os pitagóricos era unicamente consagrada à década, Espêusipo, que
adoravam sob o seu nome sagrado de tétraktys, ex- segue de perto Filolau, insiste na perfeição do nti-
prime sempre uma progressão dinâmica em dire- mero 10 ao qual tudo é conduzido e acrescenta:
ção à década. Pode ser considerada como o princí-
pio da gênese de todas as coisas; o nome mesmo de "Primeiro, deve ser um número pa6 para conter
"tétraktys" o prova, como Hegel sublinha corretamen- um número- igual de pares e de ímpares e impedir
um desequilíbrio entre eles [...]. Em seguida, ê p.._
te, posto que designa "o quatro ehcaz, ativo" (de ciso-que esse número contenha uma quantid;de
téttara, ágo).r Ela testemunha simbolicamente a igual de números primos simples U,2, i,5, 7l e de
modalidade operatória de um pensamento que de- números primos compostos 14, 9,9,101. Enàerra
termina a geração dos seres a partir dos números, também, em número igual, múltiplos ã submúl-
concepção que Paul Kucharscki qualifica justamen- jiplos, cujos múrltiplos são, eles próprios, múltiplos
[...]. Ademais, no número l0 eitãocontidas tódas
te de "genética" e de "vitalista".e Também Nicômaco as relações: igualdade, superioridade, inferiorida_
dá à tétrada os nomes de "héracles", de "força", de de, superespacialidade etc., bem como os números
"virilidade" e de "elemento masculino", o que não linear [=1], plano [=4] e cúblico [=6i".to
deixa de surpreender, pois a paridade, no pitago-
rismo, é identificada à feminilidade. Como superar
" Sem retomar o detalhe da argumentação de
Espêusipo, que hauriu nas melhores fontes, posto
7
Aristóteles, Do céu , l, I , 268 a. que Filolau tratava da década no seu Da natireza,
8
Hegel, Lições, p. 95.
e
P. Kucharski , Ensaio, p. 52. f o Ps.-Jâmblico, Teol. arilm., 92, lO.

138
139
que Téon de Esmirna aproxima da obra perdida de menor nas especulações místicas das pitagóricas,
Arquitas, intitulada precisamente Da década,rl ad- faremos particularmente caso do número 5, que
mitiremos a tese do equilÍbrio original dos dois prin- permite Lalvez superar certas dificuldades atinentes
cípios. Fato já observado, os números pitagóricos à natureza da alma e a seu parentesco com a estm-
só são, com efeito, a essência das coisas à medida tura do Todo. É curioso que os intérpretes moder-
que derivam dos princípios irredutíveis do limita- nos tenham atribuído pouco interesse a esse núme-
do e do ilimitado, que não se subordinam à parida- ro, quando ele representa, não somente entre os
de ou à imparidade. Quando Filolau escreve que "o neoplatônicos, mas já no primeiro pitagorismo, um
papel cósmico evidente. O Cinco oupentada ocupa,
exame dos efeitos e da essência do número deve se
fazer em função da potência contida na década",l2 com efeito, o primeiro nível, nos mais antigos teste-
a frase deve ser encarada na perspectiva da decla- munhos que possuímos sobre a época de Pitágoras:
ração de princípio que constitui o fragmento I do l. O dodecaedro engendrado pelos dozc
mesmo autor: "São os ilimitados e os limitantes que, pentágonos é associado ao cosmos, na doutrina se-
se harmonizando, constituÍram a natureza no seio creta do Mestre: a divulgação do princípio de sua
do mundo, bem como a totalidade do mundo e tudo construção ocasionou o suicídio de Hipaso.
2. A estrela de cinco pontas ou pentagrama,
o que ele contém".13 Noutros termos, atribuir à dé- traçada sobre o pentágono, é o sinal de reconheci-
cada o cuidado de encarnar a totalidade do mundo mento da seita.
é reconhecer a "potência" dos dois princípios, so- 3. A demonstração do teorema de Pitágoras par-
beranos e irredutíveis, e não pôr o Todo na de- te do triângulo de lados 3, 4 e 5, no qual a potência
pendência da paridade. A aparente contradição da hipotenusa 5 equilibra a dos dois outros lados;
por esta razão Nicômaco qualiÊicará a hipotenusa
entre a perfeição dedádica do cosmos e a imperfei- de "invencível" (anikétos) e de "concóide" (anikía).la
ção do par é superada se se admite que não é pe- É desse triângulo que Platão parte na República
rante o tribunal do número que o mundo deve ser (VIII) para "a elaboração de sua Êigura nupcial (tô
julgado; é, ao contrário, no tribunal do mundo que garuélion diágramma)", fazendo a hipotenusa 5 re-
o número é chamado a comparecer. presentar o papel determinante dos cálculos, como
Plutarco observa.ls
Sem nos atermos às propriedades simbólicas 4. O silêncio imposto aos noviços , ouechemythia,
dos números ó, 7, 8 e 9, que representam um papel durava cinco anos.
f f Tóon de Esmirna, Exposição,ll, 49. 14
2 Fócio, Biblioteca, 187,144 a,32.
f
Estobeu, Antologia,I, = Filolau, Xl. rs
l3 Diógenes Laórcio, Vidas,Ylll,85 Plutarco, Ísis e Osíris,56,373 f.
= Filolau, L

140 141
5. A quinta, intervalo dominante da gama de Sobre o E de Delfos e Sobre o desaparecimento dos
Pitágoras, é seu princípio de construção. A despei-
oráculos, Plutarco lhe atribui o papel de divisor de
to do sistema "temperado" (a gama do piano e da
harpa), é bem a gama "natural" (a gama dos instm- toda a natureza nas suas repartições (5 sentidos, 5
mentos de corda que com acordes de quinta em dedos, 5 partes do mundo, 5 intervalos harmôni-
quinta violão de quarta em quarta cos, 5 círculos celestes etc.) e coloca esse número
-
contrabaixo) que é melodicamente a mais justa,- e sob a autoridade dos Sábios, originalmente em I

fisicamente a mais exata. O acorde de quinta é, com


número de cinco e não de sete (euilon, Tales, Sólon, I

efeito, o primeiro acorde obtido a partir da suces-


são das harmonias de uma nota fundamental, qual- BÍas, Pítaco); é para protestar contra as pretensões 1l

quer que ela seja, sendo a seguinte a ordem natu- de Cléobulo de Linos e de periandro de Corinto de 1

ral: ll fundamental,2l oitava,3/ quinta, o que quer entrar no seu círculo, que teriam consagrado a
dizer que as duas primeiras consonâncias naturais A-qo-lo, no templo de Delfos, a letra E, quinta do
são o acorde perfeito de oitava (ex. Dó Dó) e o
- alfabeto, que servia também para notaçaã da cifra
acorde de quinta vazio (Dó Sol); em conseqüên-
-
cia, a estrrrtura da gama repousa unicamente na 5. E Plutarco conclui suas especulações aritmo_
tônica (origem da gama) e na dominante (quinta lógicas observando que os antigos tinham o costu-
exata). me de dizer "quintar" Qtenprisasthai) por ,,contar,,
(arithmésasthai).17
A propriedade aritmológica essencial da l

Se esses textos tardios apresentam um conjunto


pentada, que lhe valerá o cognome depente gamos
de interpretações sincréticas, as quais os neópita_
("número nupcial"), diz respeito à comunidade que góricos e os neoplatônicos ampliârão ao infinito, I

instaura entre o primeiro pa4 feminino, dois e o não é impossível discernir neles os elementos que
primeiro ímpa4 masculino, três. Nicômaco pode, remontam ao pitagorismo autêntico. Ora, a quês_
com razão, chamá-la de "reconciliação e diferen- tão da coerência do sistema pitagórico refeie_se
à doutrina da alma e do númeio, Jretl parentesco
ça","aquela que preside às zonas cósmicas", "a que com o cosmo, sobre o qual temos poucoJdocumen_
governa os ciclos" e atribuí-la a "Afrodite", acres- tos antigos incontestáveis. podemos, contudo, apoiar_
centando que "os elementos primeiros do Todo são nos em certos textos de platão, que deixam trans_
cinco".l6 Acrescentada a si mesma, engendra a dé- parecer um número significativo de índices con_
cada, e multiplicada por si mesma é o único núme- cordantes sobre a assimilação da alma ao número
ro a redescobrir sua identidade. Nos diálogos píticos cinco e, portanto, à totalidade do mundo. Sem re_
tornar a um assllnto que tratamos em outros tra_
ló Fócio, Bibl., 187, 144 a. 17
PlLrtârco, Sobre o 8., 385 (l - 429 d; cf. Ísis, 56, 374 a.
t42 143
balhos,ls nós nos limitaremos às passagens de ins- na alma, dispersos através da obra platônica, nós
piração pitagórica, nas quais Platão concorda o nos ateremos a duas ilustraçÕes particularmcnte
destino da alma com o número cinco e a periodi- esclarecedoras, extraídas do mito escatológico do
cidade do cosmos. A pentada intervém, com efeito, Fedro e do mito genealógico do Crítias.
nos diálogos, cada vez que se trata do vir-a-ser da
alma, quer seja sob forma genealógica, quer seja Sócrates estabeleceu a tese da imortalidade da
sob forma escatológica. Um exemplo bem conheci-
alma, no Fedro, a partir do argumento metafísico
do, no limite do logos e do mythos, é fornecido pela
correspondência exata entre os cinco regimes polí- de sua automotricidade, porque "o que move a si
ticos da República e as cinco formas de almas que mesmo é imortal" (245 c).214 essência da alma re-
vão encerrar em si mesmas o destino da cidade.le E side no movimento eterno do cosmos que ela acom-
logo depois da recapitulação da primeira classifi- panha, como num espelho, esboçando o ciclo de
cação ("se há cinco espécies de Estados, deve haver
todo conhecimento verdadeiro. Ora, segundo o en-
também cinco comportamentos da alma") que
Sócrates clá a palavra às musas pitagóricas, para a sinamento do Timeu, esse movimento circular da
exposição do "número nupcial", no qual a diagonal alma obedece a duas condições. De um lado, a alma
5 do triângulo de Pitágoras representa o papel que deve estar associada aos astros que estão inscritos
se conhece. na esfera do Todo: e, de fato, Timeu esclarece que
Pode-se também recordar que, segundo o "há tantas almas quantos astros" (41 d), cada uma
Protágoras, a alma humana tem cinco virtudes (349
b-d;359 a-Ô); segundo as lzis, cinco propriedades sendo afeta a um astro em particular. Mas, de ou-
(X,892 â) e cinco atividades intelectuais (X,987 a), tro lado, a alma deve receber alguns ecos do cinco
enquanto os deuses a manipulam, como uma ma- ou, se se prefere, ressoar a um acorde de quinta,
rionete, com a ajuda de cinco fios (1, 644 a 645 posto que este ressoa no universo inteiro através
a). Segundo o Fédon, ainda, distinguem-se- cinco
da figura do dodecaedro.
tipos de almas dos mortos, em função de seu grau
de culpa (113 d l14 c) e cinco atributos da alma É bem o que Sócrates faz entende4 quando
(ll4 e 11
-
5 a). A isso se poderia acrescentar que o descreve a processão celeste dos astros-deuses no
- geral, segundo Platão, põe em cena cinco
mito em mito do Fedro. Faz apelo, primeiro, à armada dos
formas de almas superiores: os deuses, os demôni- "doze deuses" (dódelca: 247 a 2) do Olimpo, dos
os, os heróis, os habitantes do Hades e os homens.20
Sem multiplicar os exemplos desses ecos do cinco
2f Prcferimos a liçãoaerto&hteÍon,"que move a si mesmo", guarcia-
.
da por L. Robin (Iedro, Les Bclles Lcttrcs), àlição aeikínelon,i'que sc
t8 sirnulacro,ÍY,5; A ordent do numdo, caps. I e2. move scmpre", conservada por oLrtros cditorcs, porquc o princípio do
Cf . O estrangeiro e o
te República,lY,445 d;Ylil,544 e. movimento comanda evidentcmente a etcrniclacle do movimcnto: ó
20
Cf . República, II, IlI, 376 e - 392 e. porquc a alma é seu próprio princípio de movintcnto que cla é eterna.

t44 145
quais somente onze se adiantam, permanecendo no do oleiro, apresentam uma dimensão cósmica
Héstia, a deusa do laç sozinha no centro do cos- tanto mais evidente quanto são configuradas, não
mos, identificado com a terra. Reecontramos aí o por simples demiurgo, mas por um dos deuses
número dos deuses do Olimpo e o das causas do supremos. Clito dará como recompensa, ao irmão
céu, isto é, o número cinco do tempo (os doze me- de Zeus, cinco pares de gêmeos machos, que leva-
ses do ano) e da harmonia (os doze sons da gama rão Posídon a dividir a totalidade da ilha em dez
cromática). Contudo, quando se trata de indicar os porções, unindo assim, de modo inteiramente
nomes dos deuses que cumprem sua ronda no céu, pitagórico, a década à pentada, graças ao papel
Sócrates retém só os cinco primeiros: Zeus (246 e, multiplicador da díada, simbolizada aqui pela geme-
depois 252 b), Ares (252 c), Dioniso (253 a),22 Hera leidade (Crítias,ll3 d lI4 a).É Íacil.onitutu.
(253 b) e Apolo (253 b). E, simetricamente, quando -
que todas as medidas ligadas ao deus ou à sua des-
menciona as formas inteligÍveis que as almas con- cendência, no espaço e no tempo, são vinculadas à
templam na Planície da Verdade, Sócrates só indi- pentada e à Imparidade, à plena luz do dia, enquan-
ca cinco: Justiça, Sabedoria, Ciência, Beleza e Pen- to as medidas ligadas à mulher são vinculadas à
samento.23 Platão e a natureza nunca fazem nada hexade e à paridade, na sombra do santuário onde
em vão. Clito engendrou; também os Atlantes consagrarão
O mito genealógico da Atlântida, no Crítias, que a seu pai uma estátua do deus conduzindo seis ca-
forma a seqüênciadoTímeu, reforça a hipótese pre- valos alados no coro da capela (116 d). O conflito
cedente sobre o laço cósmico entre o "número entre as duas medidas, que conduzirá os reis a se
nupcial" e a alma. Depois de se ter unido a uma reunir "todos os cinco ou seis anos", ocasionará fi-
mortal, Clito, na montanha central da ilha Atlântida, nalmente a morte da Atlântida, que virá a se ofus-
o deus Posídon constituiu cinco rodas de terra e de ca4 por se ter misturado muito ao "elemento mor_
mar em torno da Acrópole, onde devia nascer a li- tal", o lote imortal que os reis deviam a seu pai. A
nhagem real: essas cinco rodas, feitas como no tor- inspiração pitagórica de tal mito, começado na vés-
pera por Timeu, não deixa aqui a menor dúvida.
22
Conservamos de novo a lição de L. Robin (Oeuvres complàtes de Podemos, assim, reconstituiq, sem muitos ris-
Platão, La Pléiade): cf. a nota 3 da p. l4l 5. O cortejo das Bacantes, que
acompanha o terceiro deus nomeado, impõe a lição Diortysort e não
cos, o acordo maior que, para o pitagorismo anti-
Diôs, tanto que Zcus, que não tem nada a ver com as Bacantes, já fora go, ligava a alma, a quinta e a periodicidade do
nomeado em primciro lugar.
23
Fedro,247 d;25Ob;250 d. L. Robin o indica claramentc na sua
mundo. Talvez deva-se interpretar nesse sentido a
tradução da Belles Lettres, p. 38. breve notação de Aécio, para quem, "segundo
146 147
Pitágoras, o tempo é a esfera do invólucro [do mun- lugar, o do retorno da alma sobre si mesma. Tam-
do]2a e a observação geral de Jâmblico, segundo a bém os neoplatônicos qualificarão a pentada de
qual o número é, para alguns pitagóricos, a estral- "número esférico", associando-a sistematicamente
tura harmônica da alma".2s É esta intuição cósmi- aos círculos da alma. Proclo escreveu, por exem-
ca que justifica a teoria pitagórica da alma-harmo- plo, no seu Comentá.rio ao Timeu:
nia, da qual falam tanto Platão (Fédon, S5 e 86 d)
-
quanto Aristóteles (Da alma,l, 4, 407 b; Pol., VIII,
"O número total da alma [...] progrediu segun-
do a pentada, para que a alma se ache voltada para
5, 1340 â), mas que Macróbio não hesitará em atri- si mesma; porqlle a pentada tem a força conversiva
buir diretamente a Pitágoras e Filolau.26 À medida em direção a si mesma".28
que a alma é da mesma nattreza que o Todo, é tão Damácio, da sua parte, mostra-se ainda mais
imortal quanto ele e permanece eternamente em preciso no seu Problemas e soluções sobre os pri-
meiros princípios:2e
movimento, o que é precisamente ensinado pela "A pentada convóm ao diacosmo porqlle reúne
doutrina pitagórica da'metempsicose. Antes do e contém no círculo todo o movimento periférico
Platão do Fedro, Alcméon teria sustentado, no di- desse mundo, e porque ela é a tétrada retornando à
zer de Aristóteles, eue "a alma é imortal por causa mônada".
de sua semelhança com os seres imortais, e esta
semelhança provém de a alma não cessar de se Embora se trate aÍ de interpretações neopla-
mover".27 Mas a teoria desse retorno ao mundo, em tônicas, não deixa de ser verdade qLle esta teoria da
que consiste precisamente o conhecimento e a pu- pentada, como desenvolvimento do fluxo da mô-
rificação da alma, só pode obedecer à potência do nada, não se pode compreender sem fazer apelo a
cinco, do qual já sabemos, pelo ciclo regular das considerações autenticamente pitagóricas. A alma
rotações do pentágono estrelado como pelo ciclo é identificada à pentada, o número que engendra a
harmônico das quintas, que comanda os movimen- década, porque ambos se desdobram neste espaço
tos do cosmos. Cinco é,para os pitagóricos, o nú- intermediário onde o mundo atua. Primeiro núme-
mero do retorno de todas as coisas e, em primeiro ro esférico que reproduz a si mesmo, o cinco é a
24
Aécio, opiniões, l, 21 , I .
28
2s
Estobeu, Antologia, 1, 49, 32. Proclo, Com. Trmeu,l7l,236,1 I; III, p. 281; cf. Il, 454,2g ctc. O

Macróbio, O sonho de Cipido,l, 14,19 = Filolau, XXIII. padre Fcstugiêrc clefinc o númcro esfórico da pcntada como,,o núntc-
27
Aristóteles, Da alma,l, 2, 405 a; c[. Aécio, opiniões,IY, 2, 2; ro cúbico que, a cada progressão, termina conl a mesma citra" (tomo
Cícero, Da natureza dos deuses,l, ll, 27; Clemente de Alexandria, II, p. 337, nota 2).
2e
Protréptico, ó6 = Alcméon, XII. Damácio, Problentas e soluções,265; Chaignet, p. 351.

148 149
representação aritmética do universo, como o do- beleza" ao universo. O movimento cíclico dos
decaedro é a sua figuração geométrica. Em outros -
corpos celestes manifesta a presença de almas in-
termos, o mundo obedece à tetrada (quatro po- teligentes, que presidem o curso de tudo o que vive,
liedros, quatro elementos), se se leva em conta a como do processo de conhecimento: este é, então,
multiplicidade das combinações geométricas e físi- um retorno ao mundo donde a alma saiu, a fim de
cas imanentes às transformações de todas as coi- reencontrar a ordem sagrada da justiça cósmica.
sas; ele se exprime pela pentada (o dodecaedro, o Sabe-se que o Platão do Górgias atribui explicita-
ciclo das quintas), se se presta atenção à unidade mente esta exigência de justiça aos pitagóricos.
dos quatro, reportada à alma (microcosmo) e ao Sócrates recorda, com efeito, a Cálicles, que se
Todo (macrocosmo). Esta hipótese parece-nos a mostra rebelde às "razões de ferro e diamante" nas
única a explicar três traços convergentes do quais a justiça está engastada, o ensinamento dos
pitagorismo primitivo: 1) identificação do cosmos "sábios" pitagóricos:
com o dodecaedroi3o 2) o papel do cinco na forma-
"O céu e a terra, os deuses e os homens estão li-
ção do pentagrama (espaço) e da gama natural
(tempo); 3) a origem estelar da alma e o ciclo das gados entre si por uma comunidade (koinonía) fei-
ta de amizade e de bom arranjo, de sabedoria e de
metempsicoses. É na linha direta desta tradição que espírito de justiça e é a razã.o pela qual, a este uni-
se compreenderá a introdução, por Aristóteles, no verso, dão o nome de 'ordem' (cosmon) e não o de
seu tratado Do céu, deumaquinta-essência, o"étef' , 'desordem' (acosmian)" (508 a).
idenficada com o "curso incessante" (aeí thein) do
céu e, segundo Cícero, com a natureza sutil da alma; O destino das almas submetidas a esta justiça,
esta teria, assim, tomado o novo nome de ende- que Platão chama aqui, de modo inteiramente
lécheia, "quer dizer, uma espécie de movimento pitagórico, de "igualdade geométrica", comanda os
contínuo e eterno" (Tusc., 1,22). ciclos dos nascimentos e dos renascimentos, como
Timeu podia, pois, com razáo, creditar aPitâ- mostra o mito de E4, no décimo livro da República.
goras a aplicação do termo cosmos "s1dg6 s Mas sabemos, ademais, que a tradição pitagórica
- assoÇiava a pentada à justiça, em virtude de suas
30
Proclo atribui primciro a Filolau, antes de aproximála de Platão, propriedades de partilha e de repartição igual no
a tese da divindade do dodccágono associado à totalidade do univer-
so: "Filolau diz que o ângulo do dodecágono ó o de Zeus, porque este universo. Se a justiça encarna bem a ordem
ângulo encerra o número da dezena só pela ação uni[icadora de Zeus. imanente do mundo e, ao mesmo tempo, a força
Ademais Zeus preside também à dezena e rege o universo de um modo
absoluto, em Platão" (Com. Euclides, dcfin. 30 a 34, p. 152). conversiva da alma em direção a si mesma, que lhe

150 151
permite libertar-se do "túmulo" do "corpo" no qual o equilíbrio harmonioso das forças opostas, a fon-
caiu,3l exprime-se por sua vez, por esse "acorde de te longínqua do princípio da separação dos pode-
quinta", segundo a expressão de Proclo (Com. res que as ConstituiçÕes da Filadéltia, através de
Tímeu,lll,236), que acopla o ímpar e o pa1 a tríada Montesquieu, Políbio e Panécio, receberam dos
e a díada, o macho e a fêmea. Segundo o Ps.- Sábios de Crotona. Estes afirmavam uma liberda-
Jâmblico, "os pitagóricos chamavam a pentada de de aristocrática, que prometia a salvação a poucos;
'nêmesis"' (de némein : partilhar),32 enquanto Proclo aquelas defendiam uma revollrção democrática, que
escreve, por sua vez: "A pentada é o símbolo sagra- oferecia a igualdade a todos os homens. Se a hipó-
do da justiça, dado que é a única que divide em par- tese é justa, restaria agradecer o destino fraternal
tes iguais os números de 1 a9" (Com. Rep.,XIl,93). que conduziu o Novo Mundo a pôr sua hegemonia
sob adupla cifra do Antigo: o pentdgono protege na
Comparemos com eteito a enéada aos pratos de
uma balança: os quatro primeiros números terra os segredos da potência americana, e o pen-
correspondem ao prato mais pesado (6 + 7 + 8 + 9); tagrama desfralda, ante o céu, os cinqüenta selos
no centro o 5, gládio ou travessão imóvel da justi- da bandeira estrelada.
ça, restabelecc o equilíbrio subtraindo dos núme-
ros maiores sua própria potência e distribuindo o
resto, na proporção dc sua força, aos núrmeros mc-
nores: 9 - 5 =4, atribr-rído a 1; 8 - 5 = 3, atribuído a
2;7 - 5 = 2, atribuído a 3; 6 - 5 = l, atribuído a4, o
que restitui a cada operação a média 5. Compreen-
de-se que em Nicômaco, como no Ps.-Jâmblico, a
pentada seja chamada de "justiça" (Diké e
Dikaiousune),'justiça distributiva" Qtémesis), ou
ainda de "aquela que ocllpa o céu" (cycliouchos).

Armand Delatte não hesitava em discerniç nes-


ta teoria pitagórica da justiça, compreendida como
3r
Quanto ao "corpo-túm ulo" (sonta senta), cf. Platão, Fédon, 61 d
- 62 b -- Filolau, XV; Górgias, 493 a; Crtít ilo, 400 b - c.
32
Ps.-Jâmblico , Teol. aritm., 19. Sobrc o núrmero 5 e a justiça, cf. A.
Delatte, "Uma série nova do epitheta deonun". Études, pp. 152-155, e
principalmente suas duas obras, Erzsaio sobre a política pitagórica, A
constíttríção dos Estados Unidos e os pitagóricos.

152 153
CONCLUSÃO tarco e toda a escola neoplatônica, de Numênio a
Proclo e Damácio. A cadeia espiritual é mais longa
ainda, da Idade Média aos tempos modernos.
Raimundo Lúlio (Ars compendiosa), Nicolau de
Cusa (De conjecturis), Piero della Francesca (De
quinque corporibus), e Luca Pacioli (De divina
proportione), Johannes Reuchlin (De arte caba-
listica), Francesco Zorzi (De harmonia mundi),
Hegel não escondia sua admiração perante a Agripa de Nettesheim (De occulta philosophia libri
audácia da Spinoza, que abre sua ética com Deus, tres), Paracelso (Archidoxa magiae), Jerônimo
revelando assim que o Todo já está no começo. Cardan (De subtilitate libri )CQ, Giordano Bruno
(Degli eroici furori), ou Tomás Campanella (In" città
Pode-se experimentar o mesmo sentimento peran-
te a humildade de Pitágoras, que coloca sua refle- del sole), dentre muitos outros pensadores, se ins-
xão sob a guarda dos deuses, interditando-se parti- creverão na esteira do pitagorismo.
lhar da sabedoria divina: o começo é só a metade A filosofia moderna não abandonou a velha
do Todo. Da philosophia ao saber absoluto, e das herança pitagórica e pôs-se, por sua vez, à escuta
especulações de Hipaso sobre o número, ,,modelo das harmonias da natureza. Jan Batista Van Hel-
primeiro da criação do universo",l à física mate_ mont (Ortus medicinae), Johannes Kepler
mática, o começo pitagórico permanece vivaz para (Mysterium cosmographicum), João Valentino
as duas correntes nascidas darazão grega. A tiadi- Andrae (Cosmoxene.rs), Athanasius Kircher (Árs
ção simbólica, que Damácio chamava de .,a cadeia magna sciendi), Gottfried Arnold (O mistério da di-
de ouro de Platão" ou "cadeia hermética,,,2 e cujo vina sofia), Emmanuel Swedenborg (Os arcanos
primeiro anel remontava a Hermes Trismegisto, celestes), Johann Georg Hamann (Aesthetica in
passará, naAntiguidade, de Pitágoras a parmênides, nuce), Franz von Baader (Do quadrado pitagórico
Empédocles, Platão, Espêusipo, Xenócrates, na natureza), mas também Fichte (a quíntupla sín-
Aristóteles, Fílon de Alexandria, Nigidio Figulo, tese de sua Doutrina da ciência), Shelling (Bruno),
Virgílio, Ovídio, Moderato de Gades, depois plu- Novalis (Enciclopédia) e toda a Naturphilosophie
alemã, o abade Lacuria (As harmonias do ser ex-
I Nicômaco
de Gerasa, Introdução aritmética, 10,20. pressas pelos números) ou James Anderson e os teó-
2 Fócio, Biblioteca, 346 a. ricos da Êranco-maçonaria farão ressoar os ecos
ts4 155
duráveis da música pitagórica. Quanto a pensado- outro lado, não nos privamos, contudo, de imputar
res da estatura de Leibniz ou Hegel, a influência do a Pitágoras ter cedido a um matematismo que se
pitagorismo em sua doutrina está longe de ser ne- congelou num dogmatismo do número. É, por
gligenciável: a monadologia, além de Giordano Bru- exemplo, a posição de Karl Popper, que admite mal
no, reencontra a unidade entre a alma, o mundo e "esta generalizaçáo um pouco fantasiosa, segundo
Deus através do jogo das operações matemáticas a qual todas as coisas são, por essência, números
("Dum Deus calculat...") e a tríada dialética não ou proporções".5
procurou esconder seu parentesco com a tríada O substancialismo matemático dos pitagó-
pitagórica. Até mesmo obras como as de Nietzsche ricos pode parecer quimérico aos olhos do
e Heidegger deixam às vezes perceber fortes acen- formalismo moderno; não deixou de se revelar de
tos pitagóricos.3 uma fecundidade surpreendente através da histó-
Poder-se-á opor a essas filosofias da revelação ria. Não esqueceremos que todo o empreendimen-
os filósofos da demonstração, que reconhecem, com to de Euclides Popper concorda com isso de
seus adversários, que "o sentimento do mundo en- boa vontade6 - consistiu, não em elaborar "um
quanto totalidade limitada constitui o elemento -
exercício de geometria pura", mas em estabelecer
místico", mas que, segundo a observação de Witt- a verdade da cosmologia platônica sobre funda-
genstein, impõe-lhes calar a respeito daquilo que mentos pitagóricos. Também o edifício dos Ele-
não se pode falar.a O que se critica no pitagorismo mentos culmina no XIII e último livro, que expõe
é principalmente ter rompido o silêncio sobre este a construção dos cinco poliedros regulares. De um
"inexprimível", e as críticas são tanto mais vivas modo geral, a intuição pitagórica de uma
quanto provêm de epistemologias críticas que es- inteligib ilidade mat emátic a do universo constitui
quecem que a corrente matemática remonta tam- o modelo principal do saber demonstrativo entre
bém a Pitágoras. Assim, Léon Brunschvicg exage- os antigos, mesmo se são suas contradições em
rará na oposição entre as formas esotéricas e primeiro lugaq, a descoberta dos irracionais - que
exotéricas do ensinamento pitagórico, para melhor permitiram à ciência grega, e depois à ciência-
lamentar a vitória dos "acousmáticos" sobre os rqoderna, forjar novos paradigmas. De resto, como
"matemáticos". Se a balança pende hoje para o vimos, Copérnico transformou a visão que o ho-
3 Cf. nossa obra L'ordre du monde, caps. 3, 6 e 7.
4
Wittgenstein, Tractatus logico-philosophicus, ó, 45, Paris, s
K. Poppcr; Conjeturas e refutações, p. 121 .
Gallimard, Idées, 196,l, p. 173. (Há tradução brasileira. N.T.) 6 lbid., p. 138.

156 157
lr
mem tinha do universo, tentando reatar com o qLle o começo oculta. A sabedoria pitagórica atém-
pitagorismo e, até sua morte, Kepler sonhará com se, talvez, à intuição irredutÍvel desta verdade que
os cinco sólidos platônicos encaixados nas suas conduzia Alcméon, médico e filósofo, a reconhecer
esferas concêntricas. Quanto aos físicos de hoje, que, se os homens morrem, é porque são incapazes
como Bernard EspagnatT sublinha, são cada vez de luntar o começo e o fim.
mais obrigados a abandonar Demócrito por
Pitd.goras, o "materialismo" pelo "matematismo",
e a dissolver os grãos de uma realidade última em
equações complexas, sempre em busca de uma
teoria unificada.
O que quer que seja da ciência contemporâ-
nea, não se poderia esquecer que Pitágoras, a quem
Timeu atribuía ter sido o primeiro a aplicar ao
mundo o termo cosmos "61dg6 g fg]g24"8
não separou a inquietação - religiosa da -,
exigência
racional, a liberdade polÍtica do homem da salva-
ção mística da sua alma. A Escola pitagórica bem
pode apresentar duas faces, a de Hipaso e a de
Pitágoras, o homem que desvela os segredos da seita
para sacrificar em seguida a sua vida, e o homem
que protege o mistério da alma para ganhar um
novo nascimento; o cosmos é um e só poderia ser
apreendido em sua totalidade pela alma inteira.
Alguns escolherão seguir o homem lógico em de-
trimento do demônio analogia, que também habi-
ta neles; é melhoq, contudo, se se quer aceder ao
universal, não esquecer a outra metade do Todo,
7
B. d'Espagna t, À la rech erche d u réel, paris, Gauthier-Villars, I 979,
cap.2.
8
llmeu, citado por Jâmblico, Vf I 62 Cf. Aócio, Opiniões,II, I , I .

158 159
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162 163
ÍNorcp,

5 Introdução
Capítulo I
11 Pitágoras
Capítulo II
29 A Escola Pitagórica
Capítulo III
47 Os pensadores pitagóricos

Capítulo IV
76 As matemáticas pitagóricas

Capítulo V
101 A música, a cosmologiae a físicapitagóricas

Capítulo VI
127 A teoria do conhecimento, da alma e da justiça
pitagóricas
154 Conclusão
160 Bibliografia
LEIA TAMBEM A EDUCAÇÂO OO HOMEM SEGUNDO PLATÃO

Teixeira, E. F. B. - 1999 - 2O4 pp.

ETtcA E polírrcR EM ARrsrorELES O homem é um ser de relação, vivendo em sociedade,


constrói cultura e Íormas políticas de organização, que se
Vergniêres, S. - 1999 - 304 pp. caracterizam pela instituição de leis e Íormas de governo,
que garantam a vida em comunidade. Tal empreendimen-
Recolhendo uma tríplice herança aristocrática, soÍística e to denominou-se, ao longo dos séculos, de Estado. A edu-
platônica, Aristóteles redeÍiniu a ética e a política, tecendo cação é um elemento importante que possibilita a cons-
entre elas laços que garantem sua respectiva especiÍicidade. trução da unidade cultural de um povo.
A ambição desse livro é mostrar que o conceito de eÍfros é Sem dúvida, um dos grandes méritos de nosso século foi
o lugar privilegiado desta operação: testemunha de uma o de despertar uma consciência, praticamente universal,
antiga herança, torna-se o veículo de inovações decisivas. a respeito da educação e de sua importância para o de-
Aristóteles elabora, assim, sua ética, renovando o signifi- senvolvimento das nações.
cado do conceito: ethos não significa mais apenas o tem- E de nosso interesse pesquisar o pensamento de Platão,
peramento resultante da natureza e da educação, mas o Íilósofo grego que viveu entre os anos 427 e 347 a.C.,
caráter moral que cada um forja por seus atos. A responsa- especificamente seu pensamento sobre a educação. Per-
bilidade humana é claramente aÍirmada, sem que seja gunta-se: não seria desenterrar fósseis ou Íazer arqueo-
mascarada a Íorça dos nossos hábitos. logia Íilosófica? Entendemos que não. Platão tem perma-
Ademais, o ethos adquire um significado político diÍeren- nente atualidade. Apesar de engenhosos esforços de
ciado, seguindo a natureza da constituição política. O grandes estudiosos, ainda não Íoi possível dar conta de
melhor regime, o que melhor realiza a finalidade moral da entender a amplitude de seu pensamento. Aliás, sua filo-
cidade, aparece ao mesmo tempo como a condição do soÍia continua sendo objeto de grandes estudos, discus-
bom eÍhos dos cidadãos e como resultado de seus atos sões e interpretações.
virtuosos. Mas a política deve abordar os homens tais como
eles são e encontrar os remédios para a crise que divide
as cidades. Se o ethos coletivo é o cimento das constitui-
ções retas, a lei, mesmo imperfelta, permanece a salva-
guarda da democracia. Assim, o fundamento de toda práxrb
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não se acha nem na simples tradição, nem numa "ética HOME PAGE: www.paulus.org.br
da discussão", mas na força da lei. E-mail: gerente.vendas@paulus.org.br
A filosoÍia moral contemporânea muito ganharia em pro- A venda em todas as PAULUS Livrarias
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todms os cânlpüs do saber, das matenriáticas e da as-
tronon ria à rnúslca e à ante. N/las o pitagorismo não stl
reçluz a um ílxovirnento histÓnico que seria a fonte es-
quecida çja e;iênrçia nroderna. Por sua preocupaçâo dc:
unifiean as ieis iulrrdarnentais do universo a partir c1e
urna rnaten'látiea puna, independente de toda experiên-
cia sensível, eçnstitui ur"n rnodo de pensamento quo
cont:nu;o vtvo na matoria dtls hornenis de ciência; de
modo paralelm, st-ra intuição de que todos os seres da
natureza furnciorlanr segundo ar"lalogías, ern uma mis-
teriosa tCIrresfloíldêrlcia que fascimará Baudelaire,
Baizac, Nlerval e l\flaliarme, conserva sLla fecundidade
para a nnaiaria eios antistas.
Este livro, retornando aos texX.os rnais antigos que fo
í-arfi conservado§, busca redeseobrir esta apreensãci
originral do rnundo, seí'npre sq:bmetido ao império do
cCImeÇo. CIfereçe não so um sinrples apanhado das
doutninas pitaEÓricas, rnas a exposlçÊle de um siste-
nra coer"ente

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