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4. O PROCESSO TERRITÓRIO-BAIRRO.....................................................................139
4.1 O bairro é o território.................................................................................................140
4.2 A unidade do Movimento Socioterritorial.................................................................147
4.3 O significado do bairro e suas múltiplas escalas.......................................................153
4.3.1 O indivíduo é o território...............................................................................158
4.4 O território dividido....................................................................................................161
5. À GUISA DE CONCLUSÃO.........................................................................................166
6. BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................173
Lista de Quadros, Mapas, Tabelas, Gráficos e Fotos
Quadros
Mapas
Tabelas
Gráfico
A cidade de Araçatuba1, assim como a maior parte das cidades que formam o que hoje
chamamos Oeste Paulista2, teve sua origem relacionada com a expansão da cafeicultura no
início do século XX. Em 1908, foi inaugurada a estação ferroviária de Araçatuba, da Estrada
de Ferro Noroeste do Brasil. No início, um pequeno vagão era utilizado pena CEFNOB
(Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil) como estação.
1
A cidade é sede da 9ª Região Administrativa do Estado de São Paulo. Localiza-se pelas coordenadas: 21°12’ de
latitude sul e 50°26’ de longitude oeste. O município de Araçatuba foi desmembrado do município de Penápolis
em 1921, conforme atesta a Lei 1812 de 08-12-1921.
2
O denominado Oeste Paulista é constituído pelas regiões de Araçatuba, Marília, Presidente Prudente e São José
do Rio Preto. A região de Araçatuba é, tradicionalmente, mencionada como noroeste por causa da sua
associação com a ferrovia Noroeste do Brasil.
3
A respeito do desenvolvimento do “complexo cafeeiro”, ver Silva (1976), Mamigonian (1976) e Cano (1981).
4
Dentre esses elementos, destacam-se: o estímulo à imigração estrangeira, a constituição de um mercado interno,
a implantação de uma rede de ferrovias e de um sistema financeiro.
17
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Ghirardello (2002), ao estudar a constituição das cidades que foram sendo formadas ao
longo da CEFNOB (Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil), a partir de 1905,
quando esta ferrovia começa a ser construída a partir da cidade de Bauru, denominou-as de
formações à beira da linha. Esta denominação busca ressaltar o importante papel da ferrovia
na constituição do traçado urbano e expansão territorial urbana das cidades neste período.
Até a década de 1920, Araçatuba foi a última cidade junto à CEFNOB no Estado de
São Paulo. O povoado junto à linha férrea, nesse período, garantia a segurança do patrimônio
edificado da ferrovia, tais como os trilhos, os armazéns, a própria estação; por outro lado, a
formação desses povoados significava a valorização das áreas próximas, viabilizava o
parcelamento rural e, posteriormente, o parcelamento urbano com vistas ao mercado fundiário
e imobiliário.
Uma importante personalidade desse período foi o “Coronel” Manoel Bento da Cruz.
Suas posses eram de aproximadamente 30 mil alqueires. Além de proprietário de terras, esse
18
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
pioneiro foi prefeito da cidade de Bauru no início da década de 1910, atuando também como
advogado de proprietários que se encontravam em situação de litígio com outros proprietários.
Em 1912, Manoel B. da Cruz funda a The San Paulo Land, Lumber & Colonization
Company, com o objetivo de parcelar e comercializar terras na zona noroeste de forma
empresarial, ao contrário do que vinha ocorrendo até então, já que o comércio de terras se
dava de forma improvisada. Após sua constituição, esta empresa adquiriu 60 mil alqueires de
terras entre os rios Tietê e Aguapeí/Feio. Seu objetivo foi vender lotes de pequenas
dimensões, a partir de 10 alqueires, pagos parceladamente e destinados às atividades rurais.
Até 1920, a empresa de Bento da Cruz já havia parcelado 38 mil alqueires e vendidos a mais
de dois mil compradores brasileiros e imigrantes estrangeiros (Ghirardello, 2002 e Pinheiro,
& Bodstein, 1997) 5.
Ghirardello (2002), assegura que havia uma convergência de interesses por parte da
empresa de Manoel B. da Cruz e da CEFNOB. À primeira, interessava a vantagem em
negociar terras rurais com imigrantes e os núcleos urbanos vinham como suporte para as
vendas. À segunda, interessava o transporte de cargas, nesse período, predominantemente o
café, e o transporte de passageiros.
5
De acordo com Pinheiro & Bodstein (1997), predominou, neste período, a venda de pequenos lotes, de até 10
alqueires, pagos parceladamente e com juros de 10%. Até 1920, a empresa de Manoel B. da Cruz já havia
parcelado 38.434 alqueires, vendidos a mais de 2 mil compradores, brasileiros e imigrantes.
19
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
A particularidade, no caso de Araçatuba, era que a praça não era circular, mas
retangular.
6
Terreno plano e descoberto que se localiza à frente da estação.
20
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
21
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
A década de 1950 é marcada pelo início de uma nova etapa no processo de expansão
da malha urbana da cidade de Araçatuba. Sua principal característica é uma maior
dinamização dos agentes produtores do espaço e maior dinamismo do mercado de terras.
Nesse momento (que vai até o início da década de 1980, quando as empresas loteadoras têm
sua ação limitada, sobretudo após a promulgação da Lei federal 6766/79, que normaliza o uso
e a ocupação do solo urbano), pode-se identificar uma rede de ação7, na qual empresários de
diferentes setores (agrícola, industrial e comercial) organizam-se para dominarem distintas
etapas da realização de empreendimentos imobiliários com o objetivo de lucrar com a
comercialização de parcelas da cidade. A interação desses agentes no mercado imobiliário,
permite a obtenção de ganhos extraordinários com a produção dos loteamentos e a
comercialização de lotes. Um exemplo importante é o caso da Construtora Paulista que
concentra a quase totalidade das etapas do mercado imobiliário, como a propriedade do solo,
a comercialização, o processo de construção da infra-estrutura, tais como guias, ruas,
iluminação etc.
A década de 1950 constitui um período relevante para nossa pesquisa já que nesse
período é implantado o Bairro Alvorada, numa grande gleba que compreende a quase
totalidade da porção sudeste da cidade. Nesse período, a população urbana tem crescimento
acelerado (ver quadro 01 na página 23) por causa das transformações ocorridas na zona rural,
tal como a crescente predominância da atividade pecuária e a implantação de unidades
7
Gottdiener (1993), denomina esta ação conjunta de diferentes atores de redes de crescimento.
22
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
industriais em Araçatuba, vale ressaltar que é nessa década que surge o primeiro distrito
industrial da cidade.
23
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Cabe lembrar que Araçatuba tem seu processo de verticalização iniciado ainda na
década de 1960, concentrado na área central nas imediações da praça Rui Barbosa e nas ruas
Tiradentes, Luís Pereira Barreto e Rodrigues Alves.
8
Segundo o Anexo 1: Diagnóstico do Plano Diretor: Propostas (Prefeitura de Araçatuba/Secretaria do
Planejamento, 1994).
24
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
A ação dos agentes sociais responsáveis pela produção do espaço urbano é complexa e
deriva da dinâmica da acumulação de capital, das necessidades de reprodução da vida no
cotidiano dos moradores e dos conflitos entre diferentes classes sociais. Mesmo destacando as
especificidades da dinâmica da produção espacial de uma cidade, tal como Araçatuba,
podemos identificar grupos de agentes sociais que atuam na produção de diferentes cidades.
Nessa perspectiva, Corrêa (1989), destaca os principais agentes de produção do espaço
urbano: o Estado (neste caso, por meio da Prefeitura Municipal); os empresários dos setores
do comércio, de serviços e industrial; os proprietários de terras; os promotores imobiliários,
incluindo os que atuam nas atividades de incorporação, de financiamento, de estudos e
aplicação técnica, de construção e comercialização; e, por último, os grupos sociais excluídos.
Corrêa (1989), mostra que a estruturação das cidades é realizada por meio da
integração de diferentes grupos que, ao longo do tempo, condicionam diferentes usos da terra
justapostos entre si (p.07).
25
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Foi com a Imobiliária Paulista que a produção dos loteamentos passa a ser ordenada,
predominantemente, pelos empresários do setor imobiliário. Esse capital controla o terreno e
sua transformação em mercadoria, na maioria das vezes, já valorizada depois dos
beneficiamentos, tais como a instalação de infra-estrutura básica, arruamento, canalização de
água e iluminação. Em suma, os capitais de incorporação e imobiliários adquirem a terra, de
maneira concentrada ou dispersa, e aumentam o seu valor ao alterar seu uso. Essa mudança de
uso condiciona a distribuição dos grupos sociais no espaço urbano.
9
Década em que surge o bairro Alvorada.
10
O mapa 02, na página 29, mostra a espacialização, no período aqui tratado, da atuação das duas incorporadoras
imobiliárias citadas neste item.
26
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Foram mais de 15 loteamentos, quase todos localizados no sul e sudeste da cidade. Destaca-
se, entre eles, o loteamento Jardim Nova Iorque13, um dos maiores empreendimentos
imobiliários na época, até mesmo para os padrões nacionais. Este loteamento, com 2.606
lotes, abrange uma área de 1.289.780,32 m² e foi inaugurado em 1952 com toda infra-
estrutura e equipamentos urbanos, incluindo água encanada, esgoto, luz, guias, sarjetas,
arborização, asfalto, escola e praças. Era atravessado pela Avenida Brasília, com 50 metros de
11
Demanda provocada, principalmente, pela migração de pessoas do campo para a cidade.
13
O jornal de circulação nacional, Folha de São Paulo, em 16/06/1996, publicou um artigo elogiando a ação do
proprietário da Imobiliária Paulista, ressaltando a grandiosidade do empreendimento, sendo considerado o maior
investimento imobiliária do país em meados dos anos 1950.
27
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
largura, extensão de 1.620m, ocupando uma área de 81.000m², com canteiro central
ajardinado de 5 metros de largura e duas pistas com 12 metros de largura cada.
28
AEROPORTO Áreas de atuação das empresas
loteadoras de
1940-1960
LEGENDA
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Rod. Elyeser Montenegro Magalhães
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Localização do bairro
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Alvorada
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MAPA DE LOCALIZAÇÃO
Centro
20°
25°
51° 45°
Título:
Áreas de atuação das
empresas loteadoras de
1940-1960
Escala gráfica:
0 Km 1 Km 2 Km 3 Km
Autor: Orientador:
Nelson Rodrigo Pedon Prof. Dr. Eliseu S. Spósito
Fonte: Desenhista:
Prefeitura Municipal de
Araçatuba-SP/Depto. Nelson Rodrigo Pedon
Ro de Planejamento.
d. Planta de Araçatuba,
Ma Figura: Página:
re 2002.
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_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
A ocupação da zona sul da cidade de Araçatuba foi marcada, portanto, pela atuação
das incorporadoras imobiliárias que, conforme Ribeiro (1982), possuem grande poder de
controle ao acesso e à transformação do uso do solo e por ser um agente-suporte do capital de
circulação, necessário ao financiamento da produção, da comercialização e da circulação, pois
está em posição de dominação do processo de produção. No caso da Imobiliária Paulista, sua
influência é ampliada pois concentra, também, a função de construtora, que, tradicionalmente,
ocorre sob a encomenda do incorporador que, por sua vez, é quem define todas as
características dos empreendimentos. Nesse caso, a renda da terra é apropriada quase que na
sua totalidade pela incorporadora, isto ocorre porque ela se apropria dos eventuais sobrelucros
que ocorrem no âmbito da construção.
A diversidade pela qual ocorre a formação do espaço urbano de Araçatuba pode ser
verificada quando avaliamos a atuação dos agentes produtores desse espaço. A moradia é
produzida por sistemas que funcionam segundo racionalidades diferenciadas. No caso de
Araçatuba, a partir da década de 1950, verifica-se a atuação dos empreendedores formando
um complexo de atividades de diferentes formas e de diferentes combinações entre os
diversos agentes produtores do espaço urbano.
14
No texto, o termo racionalidade pode ser entendido como sinônimo de lógica de organização e atuação.
30
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
A Imobiliária Mauá15 adquiriu uma grande gleba de terra que formam, atualmente, os
bairros Alvorada, Umuarama e o Panorama, entre os córregos Baguaçu e Três Sete, numa área
que até então compreendia a zona rural, sendo incorporada ao perímetro urbano no extremo
sudeste da cidade. Se a Imobiliária Paulista teve sua ação circunscrita às áreas centrais e ao
sul de Araçatuba, a Imobiliária Mauá foi responsável por grande parte do loteamento das
áreas ao sudeste da cidade. Tanto o Alvorada quanto o Panorama estão localizados próximos
ao limite do perímetro urbano, em divisa com o município de Birigui, daí a impossibilidade
de expansão para além dessa área.
Até a década de 1950, segundo relatos de antigos moradores, toda a área que deu
origem ao bairro Alvorada era constituída por um conjunto de pequenos sítios e algumas
chácaras, onde predominava o cultivo do café e a criação de gado. A Incorporadora Mauá
comprou as terras pouco a pouco, pois alguns pequenos proprietários resistiram por algum
tempo, mas em 1958 a área toda já pertencia à incorporadora.
15
De propriedade de Gilberto Trivelato e Franklin Leal.
16
A direção predominante da expansão do espaço urbano araçatubense, nesse período, eram essas direções. Para
melhor visualização das direções, veja-se mapa do crescimento urbano da cidade na página 28.
31
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
diz que a sua função chave é a transformação da terra em mercadoria. Para tanto, os
incorporadores realizam um conjunto de atividades17 que se combinam em formas
diferenciadas, gerando uma diversidade relativamente grande dos agentes em questão e das
suas combinações com outros agentes, tais como os construtores, os proprietários fundiários,
se bem que no caso de Araçatuba as incorporadoras também realizavam o papel de
proprietários fundiários.
O Estado, por meio de suas diferentes instâncias – municipal, estadual e federal - atua
como agente organizador do espaço urbano. Essa atuação se dá de forma variada e complexa.
No presente caso, vamos ressaltar a implantação de Conjuntos Habitacionais Populares na
cidade de Araçatuba, já que esse processo constitui um dos principais fatores de expansão da
malha urbana araçatubense, sobretudo porque está diretamente relacionado ao aumento da
densidade populacional nas áreas periféricas, principalmente no período que vai da segunda
metade da década de 1970 até o final da década de 199018.
17
Que já foi apresentado, neste capítulo, de forma sintética.
18
No que diz respeito a atuação do Estado em âmbito federal, as políticas habitacionais devem ser lembradas
desde o estabelecimento da Fundação da Casa Própria em 1946 e do Banco Nacional de Habitação (BNH), em
1964. Segundo Lopes (2000), essas instituições representam as primeiras iniciativas do poder público que
objetivavam tratar da questão da habitação no Brasil.
19
Por meio da alocação diferenciada dos equipamentos de consumo coletivo, o Estado interfere, reforçando ou
minimizando o processo de segregação sócio-espacial (Corrêa, 1989, p.26).
32
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
variada e complexa gama de elementos20 que permite ações como as que foram apontadas,
resulta da forma como se articulam os interesses de diferentes grupos sociais no interior do
Estado, privilegiando os interesses daqueles grupos ou segmentos da classe dominante em
cada momento.
Em Araçatuba, podemos ilustrar esta discussão com a ação da prefeitura que, no início
de 1992, começou a retirada dos trilhos ferroviários da Noroeste do Brasil, que cortava a
cidade no sentido leste-oeste, passando, inclusive, pelo centro histórico, dividindo a cidade
em duas porções, norte e sul, que eram identificados, no nível do senso comum, pelos
tradicionais estereótipos, o lado de lá e o lado de cá da linha.21
Sabe-se que ações desse tipo foram bastante “estimuladas” pelos comerciantes da
cidade, sobretudo aqueles que mantêm seus investimentos localizados nas áreas centrais e
adjacentes. A força política do segmento comercial em Araçatuba é relevante. Prova maior
desta afirmação está contida nos estudos de Filardi (2001) e Silva (2004), onde se afirma que,
desde meados da década de 1970, os prefeitos eleitos na cidade são representantes desse
segmento.
20
Para uma melhor compreensão sobre essas possibilidades, ver Corrêa (1989, p. 25).
21
Esses estereótipos são comuns nas cidades do Oeste Paulista. Isto porque elas têm, em comum, sua malha
urbana marcada pelo traçado das linhas ferroviárias, que divide as cidades em partes que se diferenciam com o
tempo. Não raras vezes, algumas das diferentes porções recebem conotações negativas em favor de outras, mais
valorizadas.
22
Extraído do documento, Diagnóstico da situação de Araçatuba, realizado em 1994 para a formulação do
Plano Diretor da cidade.
33
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
adjacentes, obra que custou muito aos cofres públicos e que merece um estudo mais
específico e mais detalhado de suas justificativas e resultados.
Criada em 1979 pela lei municipal n. 2.169 e sancionada pelo prefeito da época, Sr.
Oscar Cotrim, a CRHIS constituiu-se numa das maiores COHABs do Brasil, atuando em 80
municípios, funcionando nos moldes de uma empresa de economia mista, associada com 34
outros municípios, que detêm 34% de seu capital.
23
Jornal Folha da Região, 28 de dezembro de 1973.
34
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
seja, cerca de 8.045 unidades (ver Quadro 02 na página 34). A COHAB-Bauru, outra empresa
da mesma natureza, foi responsável pela implantação do conjunto Castelo Branco, em 1970,
com 645 unidades, somando 1,68% do total dos domicílios da cidade em 1997.
35
AEROPORTO
COHAB-Bauru
Localização do
bairro Alvorada
açu
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MAPA DE LOCALIZAÇÃO
eirã
Ri b
20°
Centro 25°
51° 45°
Título:
Distribuição dos Conjuntos Habitacionais
em Araçatuba até1999
Escala gráfica:
0 Km 1 Km 2 Km 3 Km
Autor: Orientador:
Nelson Rodrigo Pedon Prof. Dr. Eliseu S. Spósito
Fonte: Desenhista:
Prefeitura Municipal de Nelson Rodrigo Pedon
Araçatuba-SP/Depto.
de Planejamento.
Planta de Araçatuba, Figura: Página:
2002. 03 35
Fundação financiadora: Instituição:
Ro
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_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Grande parte dos novos loteamentos são conjuntos habitacionais construídos por
cooperativas e não por loteadores que comercializavam os lotes, como os negócios realizados
da década de 1940 à primeira metade da década de 1970, período já destacado neste estudo e
24
Além da COHATUBA e da CHRIS, nos últimos anos vem ganhando expressão a atuação da CDHU
(Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), com cerca de 15 conjuntos habitacionais implantados
até 2003. Ocorre que a atuação da CDHU consiste, na maioria dos casos, na ampliação dos conjuntos já
existentes, não alterando a localização dos conjuntos implantados anteriormente pelas outras empresas do setor.
36
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Esta constatação reforça a idéia de que a malha urbana que, se antes seguia o traçado
da ferrovia, agora busca as rodovias25. No caso de Araçatuba, isso fica mais evidente uma vez
que houve a retirada dos trilhos da área urbana e, atualmente, a linha férrea passa a uma
distância de aproximadamente 20 km da cidade.
Araçatuba conta hoje com dois principais distritos industriais (ver suas localizações no
mapa 03 na página 35), ambos às margens da rodovia Elieser Montenegro Magalhães (SP-
463). O distrito industrial Alexandre Biagi, localizado no bairro Verde Parque, dispõe de 152
lotes, dos quais 144 já foram doados pelo município às empresas industriais. Estão instalados,
25
A perda de importância da ferrovia em favor da rodovia tem raízes amplas e profundas, relacionadas,
inclusive, com toda a reestruturação econômica, decorrida da redefinição da Divisão internacional do Trabalho,
que o país viveu após a política de modernização do presidente Juscelino Kubitschek, a partir da década de 1950.
37
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
26
Dois distritos industriais de Araçatuba agora poderão, a partir de 2004, ser utilizadas pelo setor terciário da
economia, como prestadores de serviços, atacadistas e distribuidoras de produtores, o que amplia as chances de
atração de investimentos para o município, segundo alguns técnicos da Prefeitura.
27
Este papel do Poder Público Municipal foi intensificado a partir da Constituição de 1988. Sobre uma
explanação mais ampla do assunto, ver Fernandes in: Beltrão Sposito (2001).
38
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Ao prover tais áreas com infra-estrutura, como água encanada, esgoto, calçamento,
iluminação e asfalto, entre outros, valoriza-se diferencialmente os terrenos intersticiais aos
conjuntos e loteamentos, assegurando a permanência de espaços vazios na mesma proporção
que se impõe um crescimento horizontal mais amplo da superfície urbana.
28
Para uma maior explanação desta problemática, ver Oliveira (1978). Nessa obra, autor faz um estudo
detalhado das táticas das empresas imobiliárias com o objetivo de valorizar seu capital por meio da especulação
com os vazios urbanos.
39
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Não foi só em Araçatuba que a atuação estatal na área da habitação ocorreu, resultando
na implantação de conjuntos habitacionais populares e possibilitando a expansão horizontal da
malha urbana na medida em que tais conjuntos são, via de regra, assentados na periferia das
cidades. Estudos realizados em outras cidades29 comprovam o mesmo padrão. Nesses estudos,
conclui-se que o processo de implantação de loteamentos populares proporciona um
distanciamento cada vez maior entre a área central e as periferias, gerando diferentes
espacializações que, na maioria das vezes, agravam ainda mais as desigualdades
socioespaciais no interior da cidade.
29
Alguns estudos consultados foram: Fernandes (2001), Falconi da Hora (2001), Silveira (2002) e Alvarez
(1994). Todos estes autores estudaram a problemática da atuação do Estado e suas conseqüências em diferentes
cidades.
30
O IBGE, a partir do Censo de 1980, apresenta a categoria “imóveis próprios”, que corresponde às habitações
cuja propriedade foi adquirida pelo morador, incluindo duas modalidades, aquelas habitações já quitadas
(totalmente pagas), e as em aquisição, cujo pagamento se encontra em andamento.
31
A pesquisa foi realizada junto a um universo de 10 mil pessoas na cidade e foi publicada na Folha da Região,
em 06/10/2001. Os dados citados são do BDT (Banco de Dados Toledo), que realizou a pesquisa em parceria
com a Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados).
40
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
1.3 Em suma...
...o objetivo deste primeiro capitulo é fazer uma caracterização do espaço urbano
araçatubense, recompondo, pelo menos em parte, o processo de crescimento da malha urbana
da cidade, oferecendo alguns subsídios para o entendimento da expansão espacial a partir de
dois momentos, bem como buscar alguns elementos que sirvam à explicação da fisionomia
urbana da cidade.
32
No centro deste estudo está a atuação de um agente produtor do espaço urbano araçatubense, a população
organizada. Este agente é alvo de nossos esforços de interpretação. A explanação da atuação do Estado e dos
empreendedores imobiliários é utilizada como complemento ao nosso objetivo principal. Este primeiro item tem,
como principal objetivo, portanto, oferecer subsídios para que possamos montar um quadro que nos permita
contextualizar nosso propósito.
41
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Araçatuba, as duas fases que se referem à predominância da atuação ora de um agente, ora de
outro, já destacados.
Beltrão Sposito (1995), define o processo de expansão da malha urbana das cidades
médias da seguinte forma:
...a cidade absorve progressivamente o espaço rural. Esta anexação
dá-se através da compra de terras, cujo uso era anteriormente agrário, já
refletindo a condição de mercadoria que assumiu o solo no capitalismo.
Este espaço adquirido enquanto espaço rural será vendido já como urbano,
para atender as exigências da expansão urbana, dada pelo aumento das
atividades produtivas na cidade (indústria, comércio e serviços) e pelo da
demanda de habitações, gerada pela concentração populacional (p. 24).
Em Araçatuba, até a década de 1940, a expansão da malha urbana teve, como principal
eixo ordenador, o traçado a Ferrovia Noroeste do Brasil (a antiga CEFNOB). Os proprietários
doavam pequenas porções de suas propriedades para o arruamento, para a instalação de
prédios públicos e até mesmo para a alocação de casas comerciais nos arredores da estação
ferroviária, cujo objetivo era a consolidação da estrutura urbana e das funções realizadas na
cidade, que serviriam de suporte para as atividades agrárias.
42
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
O antigo trecho foi, aos poucos, perdendo importância e toda a ocupação da zona
noroeste continuou a se expandir até atingir a rodovia Elieser Montenegro Magalhães.
Atualmente, o leito do antigo trecho Lussanvira é ocupado por uma grande avenida, a
Waldemar Alves. O trecho construído na década de 1920 ficou conhecido como “variante” e
importantes bairros foram implantados ao longo de seu traçado. Os tradicionais bairros São
João, Vila Carvalho, Jardim América e Guanabara são alguns deles. Após a retirada dos
33
Área plana de pelo menos 200m lineares onde os vagões se movimentavam quando desengatados.
43
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
trilhos, iniciada em 1992 e terminada em 1996, foi construída uma longa e larga via urbana
que, recentemente, recebeu o nome de Av. Mario Covas.
Tanto a Avenida Mario Covas como grande parte das ruas paralelas e perpendiculares
a ela, concentram uma grande variedade de casas comerciais e de serviços. Como exemplo,
citamos a rua Aguapeí, que concentra grande número de oficinas mecânicas automotivas e
lojas de produtos especializados neste segmento.
34
No capítulo IV, desenvolveremos de forma mais detalhada o conceito de bairro que utilizamos neste estudo,
por ora, utilizamos este termo para designar cada uma das partes em que se costuma dividir uma cidade, para
mais precisa orientação das pessoas e melhor controle administrativo dos serviços públicos.
44
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
As maiores densidades em áreas periféricas ficam por conta dos loteamentos e conjuntos
habitacionais populares, que se encontram intercalados com áreas vazias e de menor
densidade populacional. É importante mencionar que, na implantação dos loteamentos e
conjuntos habitacionais populares a partir de 1970, com exceção das áreas a sudeste e ao sul,
houve a instalação destes por toda periferia de Araçatuba, não havendo a concentração da
população de mais baixa renda em alguma área específica, como ocorre em São José do Rio
Preto, por exemplo. A população de mais baixa renda de Araçatuba se encontra distribuída
pelos quatro cantos da cidade, desenhando um verdadeiro cordão que envolve a cidade, com a
única exceção da faixa sul e sudeste como já mencionamos (Vasconcelos, 1992).
Discordamos de Vasconcelos (1992), somente quando este afirma que a área sudeste
da cidade constitui uma exceção no que diz respeito à ocupação de população de baixa renda.
Bairros como o Alvorada, foco de nosso estudo, o Umuarama e o Panorama, localizam-se na
faixa sudeste-leste e são ocupados predominantemente por população de baixa renda, sendo
que o Alvorada até há pouco tempo, sofria com a ocorrência de áreas faveladas, constituindo,
também, o bairro com o maior número de residências desprovidas de sanitários e banheiros36.
A diferença é o processo de sua instalação, que ocorreu num momento anterior à implantação
dos loteamentos e conjuntos populares promovidos pelo Estado a partir de 1970.
35
Segundo Beltrão Sposito (1995, p.12), pousio social corresponde a grandes espaços sem quaisquer melhorias
urbanas, sequer arruamento, encontrados aquém dos novos loteamentos de forma a proporcionar a valorização de
áreas ainda não loteadas.
45
_________________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
parte das empresas privadas. Segundo alguns técnicos da Prefeitura e até mesmo a partir de
documentos elaborados pelo Departamento de Planejamento, um fator importante que
concorreu para esta diminuição foi a promulgação da Lei Federal 6766/79, que objetivava
uma normatização mais criteriosa e sistemática da implantação de novos loteamentos.
Nos últimos anos, Araçatuba passa por um processo de reestruturação de seu espaço.
Este processo está relacionado, principalmente, com a implantação dos condomínios fechados
horizontais. Araçatuba, ao contrário de cidades como São José do Rio Preto e Presidente
Prudente, ambas do Oeste Paulista e que já possuem esse padrão de uso e ocupação da terra
urbana desde meados da década de 1970, só recentemente é que começa a conhecer a
realidade destes empreendimentos. Como este processo é recente, apesar de sua relevância na
diferenciação e valorização de áreas no interior da cidade, não vamos nos dedicar a eles, já
que privilegiamos fases mais remotas do processo de estruturação do espaço urbano
araçatubense.
36
Dados obtidos do PNAD/Estatcart-IBGE.
46
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1
Período que se inicia em 1850, quando a produção de café no Brasil começa a tomar vultuosidade comercial
suficiente para competir no mercado internacional e chega até 1929, quando os “anos gloriosos” do café são
abalados pela crise mundial. Ver Silva (1982), entre outros.
2
Para uma explanação mais detalhada e com reflexões teóricas mais agudas a respeito das escalas geográficas
ver: Guimarães (2004); Smith (1989 e 2000); Castro (2001) e Raffestin (1983).
47
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3
Nos capítulos seguintes retomaremos, mais profundamente, esta questão de cunho teórico. Importante
referencial para desenvolver esta idéia, além de Marilena Chauí (1995), é Elias & Scotson (2000).
4
Utilizamos este termo em seu sentido moderno, o de corresponder a uma visão de mundo, explícita ou implícita
nos discursos, e o de estabelecer o status de existência de um ente, como por exemplo o espaço e/ou a própria
realidade.
48
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
A urbanização do Oeste Paulista, como já foi assegurado, está inserida num contexto
histórico bastante complexo. As intensas transformações ocorridas ao longo da história
definem a distribuição da população no campo e na cidade, de forma a conformar certas
características específicas da relação espaço-tempo num dado momento. O entendimento do
contexto social e econômico no qual se originou o bairro Alvorada ajuda a refletir sobre os
processos de mudança social que caracterizam a constituição da sociedade urbano-industrial
brasileira.
49
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Araçatuba teve grande crescimento da sua população urbana a partir de 1950/60, como
podemos visualizar no quadro 03 (página 51). Desta forma, a população urbana de Araçatuba
já superava a população rural na década de 1950. Santos (1993) sintetiza esse processo no
país em sua totalidade da seguinte forma:
Os anos 60 marcam um significativo ponto de inflexão. Tanto no
decênio entre 1940 e 1950, quanto entre 1950 e 1960, o aumento anual da
população urbana era, em números absolutos, menor do que a população
total do País. Nos anos 60-70 os dois números se aproximavam. E na
década 70-80, o crescimento numérico da população urbana já era maior
que o da população total (p.30).
5
Parcela da população que exerce atividade de caráter rural (agricultura ou pecuária), mas que reside nas
cidades, a exemplo dos bóias-frias.
50
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6
Considerando a rede urbana em formação no Estado de São Paulo, alguns estudos indicam que a concentração
industrial na Grande São Paulo retardou a industrialização do interior paulista - sobretudo o Oeste Paulista -
imprimindo um caráter complementar a esta última, uma vez que a transformação agrícola reforçava e auxiliava
na expansão do setor industrial de bens de consumo não-duráveis.
51
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Outro fator bastante salientado por aqueles que se preocupam com o processo de
urbanização brasileira no período analisado, como Sposito (2001), Davidovich (1993), Faria
(1991) e Santos (1993), entre outros7, é a formação de um mercado consumidor. No que diz
respeito às cidades médias, este fator é de relevância fundamental.
7
Na visão destes autores, que partem da funcionalidade das cidades para o desenvolvimento capitalista
(perspectiva marxista por excelência), a cidade aparece como lócus da acumulação do capital. Por isso, analisam
a rede urbana como sistema de drenagem de recursos do campo para as cidades e o papel de difusão de bens,
serviços e valores, principalmente nos países subdesenvolvidos.
8
Francisco de Oliveira (1982) afirma que, a partir de 1950, importantes mudanças na lógica de funcionamento
do Modo Capitalista de Produção, na sua fase monopolista, vão gerar profundas transformações na estrutura de
classes sociais no Brasil. O aumento da classe média, o aumento das tarefas não produtivas e a ampliação do
consumo vão exigir uma atuação mais forte do Estado, inclusive no que diz respeito à dotação do espaço urbano
de infra-estrutura básica para comportar a nova realidade.
52
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A área que serve de sítio para a implantação do bairro Alvorada faz parte de uma
grande porção de terras localizadas no sudeste da cidade, adquiridas pela Imobiliária Mauá, de
propriedade dos empresários rio-pretenses Gilberto Trivelato e Franklin Leal. A atuação desta
empresa privilegiou o quadrante leste da cidade e a camada da população de mais baixa renda,
enquanto a já citada Imobiliária Paulista privilegiou as porções sul, sudoeste e as
proximidades do centro, assim como as camadas da população de maior renda.
53
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
implantada, na década de 1970, a indústria Paoletti, responsável pela compra da maior parte
da produção de tomate da região. Em 1996, a Paoletti foi incorporada pela multinacional
italiana Parmalat, tornando-se a maior planta industrial da cidade.
A referida área era cortada por um trecho da linha férrea Noroeste do Brasil, depois
que esta teve seu traçado original modificado na década de 1930 (ver mapa 01, página 28).
Contava, também, com uma pequena estação, a Guatambu, que ainda persiste na memória dos
antigos moradores que se recordam de utilizarem o trem que por ali passava para ir fazer
compras na “cidade”. Hoje, as instalações da antiga estação são ocupadas por famílias de
baixa renda.
54
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Segundo Falconi da Hora & Sousa (1995), é na década de 1950 que o modelo urbano-
industrial no Brasil teve seu ritmo acelerado, tomando maior relevância que as atividades
agrárias, impulsionando as mudanças na organização e distribuição da população, tal como
aquelas já mencionadas. No que diz respeito à dinâmica habitacional de Araçatuba, o
crescimento percentual de domicílios ocupados em 1940-50 era de 7.2%, passando para
39.2% em 1950-60. Um número muito grande das pessoas que se deslocam do campo para a
cidade vão encontrar moradia em Araçatuba, ocupando principalmente áreas periféricas, mais
precisamente nos loteamentos populares, tal como o nascente Alvorada.
O quadro descrito acima se deve ao fato de que os municípios que são considerados
sedes regionais, reforçam o papel de pólos catalisadores das atividades responsáveis pelo
crescimento econômico de suas regiões. Falconi da Hora & Sousa (1995) afirmam que é nesse
período que se reforça a tendência de crescimento desses municípios (sedes regionais) em
relação aos demais municípios. O crescimento do número de imóveis não corresponde ao
crescimento populacional, como ressalvam Falconi da Hora & Sousa (1995), isto porque o
aumento da oferta de lotes e imóveis no mercado imobiliário é superior à procura e não é
distribuído eqüitativamente, numa ilustração clara das implicações da especulação imobiliária
reforçada nas cidades9.
9
Segundo dados levantados pelas autoras citadas, a diferença entre crescimento populacional e crescimento
habitacional em Araçatuba passa a ser favorável à segunda já em 1950. A diferença corresponde à ordem de
3,0% em 1950, 5,0% em 1960 e 28% em 1970.
55
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Segundo esse morador, a maioria das propriedades da área era de pequeno porte e a
atividade predominante era o cultivo do café e a criação de gado, que era abatido no
matadouro da prefeitura localizado numa área compreendida pelo bairro próximo ao córrego
Baguaçu, onde era despejado todo o sangue e os demais resíduos resultantes dos abates.
Atualmente, nessa área localiza-se o DAEA, Departamento de Água e Esgoto de Araçatuba,
autarquia responsável pelo tratamento e distribuição de água e esgoto da cidade.
O projeto inicial da Imobiliária Mauá foi totalmente modificado ao longo dos anos de
ocupação do bairro. A ocupação irregular de áreas verdes foi uma das irregularidades não
previstas pelos empreendedores. No projeto registrado na Prefeitura Municipal, datado de
1950, o número de lotes e das áreas destinadas ao poder público está indefinido.
Posteriormente, as áreas destinadas à prefeitura foram definidas como as áreas às margens dos
córregos Alvoradinha e Baguaçu, assim como uma longa faixa, atualmente compreendida pela
rua Uruguaiana, no extremo leste do bairro, numa faixa paralela ao Perímetro Urbano.
Uma estreita faixa ao longo da linha da Noroeste do Brasil, que corta o bairro na sua
extremidade sul, também foi destinada à prefeitura. Até recentemente nessa área eram
56
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
construídos barracos, num incipiente processo de favelização dessa faixa. Em suma, as áreas
destinadas à prefeitura como áreas verdes foram quase totalmente tomadas por ocupações
irregulares (ver mapa 04 na página 75), algumas delas com processos de usucapião tramitando
na justiça.
A ocupação da área que, atualmente constitui o bairro Alvorada, teve início a partir da
década de 1950, como iniciativa da Imobiliária Mauá, empresa que atuou na fase de expansão
da malha urbana de Araçatuba caracterizada pela atuação das incorporadoras privadas, que
compravam extensas áreas destinadas à produção rural, dividia os lotes e implantavam
algumas melhorias.
A conjugação de interesses por parte de vários segmentos sociais importantes fez com
que se instalasse o frigorífico T-Maia, no primeiro distrito industrial da cidade, ao longo da
Av. Baguaçu, logo no início do loteamento. Nesse momento, a região de Araçatuba passava
por profundas mudanças na sua estrutura produtiva; por isso, a instalação do T-Maia é
duplamente emblemática, pois representa uma fase em que a pecuária se consolida como
principal atividade econômica da região e do município, gerando uma incipiente
industrialização vinculada ao campo, a exemplo dos inúmeros curtumes que se instalaram na
cidade a partir desse momento.
Outro processo cuja instalação do T-Maia marca é o impulso dado na ocupação urbana
de uma área da cidade até então ocupada por pequenas propriedades rurais. Este fato se deve à
migração de grande contingente de pessoas antes ocupadas no meio rural e que vêem na
migração para a cidade uma alternativa para a sobrevivência. Parte significativa dos
moradores mais antigos do bairro tem origem rural (aproximadamente 20% dos
entrevistados), e são provenientes da região de Araçatuba ou de regiões próximas.
57
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
O sentido dado à idéia de globalização, neste item, pode ser resumida nas palavras de
Giddens (1990):
...ser definida como a intensificação das relações sociais largamente sobre o mundo que ligam
localidades distantes, de tal modo que os acontecimentos locais são formados por eventos que ocorrem
há milhas dali e vice-versa. Esse é um processo dialético... A transformação local é tanto mais parte da
globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais atravessarem tempo e espaço (p.64).
10
Adiantamos que a temática ora apresentada constitui um elemento estruturador do pensamento em processo no
transcurso desta dissertação. A dialética entre processos de dimensões mais amplas e seus rebatimentos em
escalas menores é preocupação deste capítulo e, de forma mais detalhada, do capítulo seguinte, no qual
58
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
No Brasil, a pobreza se difunde pelo espaço urbano por meio de diferentes situações:
periferias empobrecidas, favelas, áreas degradadas, ocupações irregulares, violência urbana,
desemprego, entre outras. O bairro Alvorada representa uma realidade concreta onde as
características mais gerais de nossa sociedade são filtradas por meio das especificidades do
espaço. Destarte, o atual padrão de desenvolvimento urbano do país, fundado na dinâmica
capitalista de desenvolvimento desigual e combinado11, terá suas conseqüências na escala do
bairro.
Segundo Octávio Ianni (1996), o termo globalização pode ser entendido como uma
metáfora. O que está por trás desta metáfora é o processo de desenvolvimento do Modo
Capitalista de Produção. O período destacado por Ianni como germe da atual configuração
tomada pelo capitalismo é o pós-II Guerra Mundial, período que marca a internacionalização
do capital, quando a organização da Divisão Internacional do Trabalho ganha contornos mais
flexíveis graças às tecnologias na eletrônica e na informática. Neste período, instituições
realizaremos uma análise mais profunda do ponto de vista teórico, tendo o conceito de território como elemento
catalisador de nossa argumentação.
11
Para uma explanação mais detalhada, tanto do ponto de vista teórico quanto suas implicações metodológicas
do processo de Desenvolvimento Desigual e Combinado do Modo de produção Capitalista consultar o trabalho
“O Desenvolvimento Desigual: natureza, capital e produção do espaço” de Neil Smith (1988).
59
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mundiais nascidas no “espírito” de Bretton Woods, tais como o extinto GATT, o FMI, o
BIRD, a ONU, a OCDE, e o surgimento do dólar como a moeda padrão, além de gigantescas
ações de investimentos como o Plano Marshall, vão dar forma ao novo modelo de
organização social, econômica e ideológica12.
Muito desses avanços tiveram como força propulsora a Guerra Fria, período em que a
Geopolítica mundial ficou dividida entre duas grandes matrizes ideológicas: o Socialismo,
representado pela União Soviética, e o Capitalismo, representado pelos Estados Unidos. A
disputa entre essas duas grandes potências mundiais teve seu enfraquecimento após a queda
da União Soviética e dos países do leste europeu. Durante a Guerra Fria, a expansão
capitalista encontrava na expansão socialista um limite, com a transição de grande parte dos
países de economia planificada para uma organização na qual predomina a economia de
mercado livre, o capitalismo se expande por todo o mundo.
12
Para uma explanação mais detalhada deste assunto ver BHIR (1999) e SANTOS (2002 e 1997).
60
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O legado deixado pela Guerra Fria à sociedade mundial no início dos anos 90 teve o
seguinte saldo, apresentado pelo jornal Folha de São Paulo:
... os 20% mais ricos do planeta tiveram a sua renda ampliada de 18
para 30 vezes sobre os pobres. Em 1944 estes 20% mais ricos apropriavam-
se de 86% de todo o que foi produzido no mundo, enquanto, 80%
apropriava-se de 14% do produto mundial (02/08/97).
13
Principalmente aqueles que a vinculam às medidas neoliberais incrementadas nos governos de Ronald Reagan
(nos EUA) e Margareth Thatcher (na Inglaterra).
61
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O que está na origem de toda metamorfose vivida pela sociedade brasileira14, nos
últimos quinze anos, são as mudanças ocorridas na adoção de técnicas e estratégias de gestão
e poupadoras de mão-de-obra, a partir das reestruturações e racionalizações levadas a cabo
depois da rápida abertura comercial e exposição da produção à concorrência externa, junto à
política neoliberal assumida, sobretudo depois do governo Collor de Mello e, posteriormente,
com o governo “privatizador” de Fernando Henrique Cardoso (ambos na década de 1990).
14
Singer (2000) afirma que o termo correto para definir todo esse contexto de mudanças na estrutura do trabalho
no Brasil, como o aumento do desemprego, considerado o evento de maior gravidade nos últimos anos, a
terceirização e o aumento da informalidade, é o de precarização do trabalho. Outros termos também são
empregados pelo autor, tal como o de desregulamentação e flexibilização do trabalho.
62
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Esses três tipos de desemprego apresentados por Maia, são importantes porque
demonstram a complexidade do fenômeno na sociedade atual, pois suas causas estão
relacionadas a processos mais amplos do desenvolvimento capitalista, o que lhe dá conotações
estruturais.
Na trilha das mudanças no mundo do trabalho, Singer (2000), Antunes (1998), Bihr
(1998), Gonçalves & Sposito (2001), vão relacionar o processo de precarização do trabalho a
uma certa crise de representatividade por parte dos trabalhadores. A dissolução das
identidades coletivas, a ascensão do individualismo, perda da direção, são algumas das
conseqüências sociais diretamente ligadas ao enfraquecimento do movimento operário. O
aparato institucional que garante proteção ao trabalhador frente aos ditames do mercado e da
espoliação a que são submetidos os trabalhadores encontra-se minado nas bases pelas
transformações que não são restritas aos condicionantes econômicos, mas principalmente na
sua interface com as condicionantes políticas, principalmente no que diz respeito à atuação do
Estado.
63
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15
A título de comparação, somente no mês de realização da pesquisa de campo desta dissertação, o nível de
emprego da indústria de Araçatuba e região apresentou desempenho negativo de 0,95%, o que significou o
fechamento de 312 postos de trabalho. Em fevereiro, a empregabilidade na indústria voltou a apresentar variação
negativa, de 0,38%, o que equivale a 125 demissões. Os dados são da FIESP/CIESP (Federação e Centro das
Indústrias do Estado de São Paulo).
64
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
anual dos 10% mais ricos é 30 vezes superior a dos 40% mais pobres, sendo que esses 10%
mais ricos possuem 53% da renda nacional e 93% das riquezas do país.
No que diz respeito à ocupação da população pobre no Brasil, 22% estão empregados
no setor informal, 37% são autônomos, 15% inativos, 15% estão ocupados no setor formal
(público e privado) e 5% estão desempregados (CEPAL, 2003).
16
Segundo o Banco Mundial, um indivíduo é pobre se vive num domicílio cuja renda per capita é menor que o
equivalente a 65 reais por mês (custo da cesta básica de alimentos).
17
Carneiro in: CEPAL (2003).
65
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
iniciado no século das luzes, no âmbito da Revolução Industrial, ocupa todos os recantos da
vida social, emergindo daí um novo meio, o técnico-científico-informacional. Nesse meio, os
espaços da racionalidade hegemônica são suporte das principais ações globalizadas.
Por outro lado, para Milton Santos o espaço absolutamente globalizado não seria outra
coisa se não pura abstração. Ele afirma que não há um tempo global, mas, apenas, espaços da
globalização, espaços mundializados reunidos por redes (1996, p.268). Nessa atmosfera,
defrontam-se a Lei do Mundo e a Lei do Lugar (Ibid., p.269).
18
No livro “Por uma outra Globalização” (1999), Milton Santos trabalha a idéia da Globalização que vem de
baixo, numa referência ao processo de resistência à “tirania da globalização associada à tirania do dinheiro”, que
resulta no globalitarismo que se manifesta no pensamento único.
66
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
para interpretar a realidade espacial das cidades, mas que, em nossa opinião, mostra-se
bastante eficiente em nosso estudo a respeito da constituição de toda dinâmica social
específica de um bairro, esta é a teoria dos dois circuitos.
Tudo isso acontece porque há um grande número de indivíduos que não conseguem
sequer se subordinar permanentemente à racionalidade hegemônica. Contudo, para Milton
Santos há um conjunto de coisas irredutíveis à tendência universalista da globalização, nos
dizeres do autor:
67
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
globalização. Um aspecto fundamental aqui é a escala. Isto não sugere que incorramos no erro
de associar o conceito de escala ao conceito de dimensão de um fenômeno, neste caso a
globalização e seus efeitos, tal como a exclusão social, reduzindo assim fenômeno à medida.
A escala não é a medida do fenômeno, mas a dimensão escolhida para observá-lo. A escala
por nós privilegiada é a escala do bairro, num sentido sociológico, o da comunidade.
Roberto Lobato Corrêa (1989) diferencia duas “periferias”, uma com urbanização de
status e outra de urbanização popular. As periferias nobres, valorizadas por amenidades
físicas, ganham infra-estrutura adequada e tornam-se bairros de status, a exemplo dos
condomínios horizontais, que passaram a figurar no espaço araçatubense nos últimos sete
anos, ao contrário de outras cidade de porte médio do Oeste Paulista, como Presidente
Prudente e São José do Rio Preto, cuja existência desse tipo de ocupação do espaço remonta à
década de 1970.
19
Os dados apresentados neste item foram obtidos por meio da aplicação de questionários, cujo modelo pode ser
visto no anexo 1. O universo que corresponde à amostragem é de 10% do total do bairro, garantindo-se, assim, a
representatividade da população. A aplicação dos questionários se deu por meio da amostragem sistemática.
Como pretendíamos contemplar 10% do universo de 1.700 residências (1.700/10% = 170), sorteamos uma
primeira residência e, a partir dela, aplicamos os questionários a cada 17 casas. Outras fontes estatísticas usadas
serão citadas ao longo do texto.
20
Segundo uma classificação encontrada no site da Prefeitura Municipal, que distingue os bairros de Araçatuba
segundo letras que vão de A a E, o Alvorada se encontra numa posição onde há o predomínio de população de
classe E. Os critérios dessa classificação não foram esclarecidos pela Prefeitura.
68
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
centro. Entretanto, nem toda área localizada fora ou nas imediações de algum centro é
considerada periferia, visto que este termo tomou significado sociológico.
Com relação à situação da ocupação dos domicílios, 17% são ocupados de forma
irregular, como podemos visualizar na tabela 02 (página 73). Esses domicílios, na maioria
absoluta, são casas construídas em áreas verdes, com predomínio ao longo do córrego
Alvoradinha (ver foto 01 na página 71), ao longo da rua Uruguaiana, numa faixa limite ao
perímetro urbano, e um conjunto de residências localizadas no extremo sul do bairro, numa
área conhecida como ramal A, antigo trecho da Noroeste do Brasil (ver mapa 04 na página
74). A Prefeitura Municipal não possui cadastro de lotes irregulares, daí esta informação ter
sido obtida no trabalho de campo e na consulta ao Startcart/IBGE.
21
Fonte: Startcart/IBGE (software que apresenta os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar de
2000, georreferenciadas no espaço urbano de Araçatuba).
69
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1 pessoa 44 %
2 pessoas 38 %
3 pessoas 15 %
4 pessoas 03 %
1 pessoa 35 %
2 pessoas 18 %
3 pessoas 02 %
4 pessoas 01 %
Aposentados e pensionistas 44 %
Escolaridade do chefe da
família:
Nenhuma 23 %
1° grau incompleto 47 %
1° grau completo 21 %
2° grau incompleto 02 %
2° grau completo 06 %
Curso superior incompleto 01%
A maior parte das ocupações irregulares são antigas, já que 26% dos moradores são
residentes há mais de 25 anos e 15% há mais de 30 anos. Muitas famílias já estão na terceira
geração. Segundo uma das pessoas entrevistadas:
70
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71
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mais de 40 anos
31-40 anos 0-05 anos
6% 06-10 anos
9% 13%
7%
11-15 anos
26-30 anos 8%
25%
16-20 anos
21-25 anos 14%
18%
Fonte: Dados obtidos por meio da aplicação de questionários aos moradores (trabalho de
campo) em 2004.
No que diz respeito à renda familiar, observa-se, por meio do gráfico 02 que 60% das
famílias vivem com até dois salários mínimos, sendo que 37% vivem com até um salário
mínimo.
72
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
Situação da ocupação:
Proprietário 73 %
Paga aluguel 07 %
Em aquisição 02 %
Cedido 01 %
Ocupação irregular (área 17 %
verde)
Tipo de construção:
Alvenaria 97 %
Madeira 01%
Mista 01%
Barraco 01%
Infra-estrutura básica:
Água encanada 100 %
Luz elétrica 100 %
Esgoto 95 %
Com banheiro 96 %
Com sanitário 98 %
73
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
mais de 6
5 a 6 salários salários
8% 3% até 1 salário
37%
4 a 5 salários
12%
3 salários
17%
2 salários
23%
Fonte: Dados obtidos por meio da aplicação de questionários aos moradores (trabalho de
campo) em 2004.
O baixo percentual de pessoas com registro em carteira (35% das famílias possuem até
uma pessoa registrada), em relação ao percentual de pessoas com renda por família e ao
número de aposentados e pensionistas, permite deduzir que grande quantidade de famílias tem
suas rendas baseadas na aposentadoria e pensões de baixo valor e em trabalhos não
registrados (setor informal), ou seja, é grande o percentual de famílias cuja renda provém dos
empregos informais e autônomos.
74
OCUPAÇÕES IRREGULARES
NO BAIRRO ALVORADA
LEGENDA
Ocupações irregulares
Áreas verdes
uaçu
Rua Bag
Rua José Roberto
Rua Clóvis Be
Rua Eça de Que
Rua Uruguaiana
Vila Feliz
vilaqua
Pontes
u
aç
iróz
gu
Ba
MAPA DE LOCALIZAÇÃO
ão
Cór. Alvoradinha
eir
Rib
N
Rua Clóvis
Bevilaqua
20°
25°
51° 45°
Rua Urugu
Título:
OCUPAÇÕES IRREGULARES NO BAIRRO ALVORADA
Escala gráfica:
aiana
0m 500 m
Autor: Orientador:
76
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
Como podemos ver na tabela 01 (página 70), dos chefes de família entrevistados no
bairro Alvorada, 23% não possuem nenhum grau de instrução escolar, e 47% possuem o 1°
grau incompleto.
Como resultado desse quadro, podemos inferir duas conseqüências que ocuparão
nossa atenção a partir de agora. Primeiro, há uma proliferação do comércio e serviços
oferecidos, expressando, na escala do bairro, o processo estrutural já detalhado neste capítulo,
o do crescimento do setor informal da economia, assim como o número de autônomos. A
segunda conseqüência é o elevado nível de dependência da populaçãoem relação às políticas
públicas de transferência de renda, de caráter imediato na sua maioria, mas que visa amenizar
as agruras da pobreza. Esta segunda conseqüência é chamada, pelos economistas, por
economia sem produção (Gomes, 2001). Uma primeira ilustração desta constatação é o
elevado número de moradores do bairro que têm como única fonte de renda as pensões e
aposentadorias.
77
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
A CEPAL publicou uma série de estudos em 2003 com o título “Pobreza e mercados
no Brasil: uma análise de iniciativas de políticas públicas”, cujo principal interesse é
apresentar um quadro do mercado de trabalho no país assim como a forma pela qual o Estado
busca interferir nesse setor por meio de políticas públicas. Um desses estudos, apresenta
resultados de diversas pesquisas; numa delas, realizada em 2000, num universo de 18 milhões
de pessoas inseridas na PEA (População Economicamente Ativa), 4,5 milhões, ou 27%,
estavam empregados no setor informal, sendo que em 1990 este número era de 17% (CEPAL,
2003; 136).
Isso significa que muitas das informações a respeito da economia informal não podem
ter, como referência, as estatísticas rigorosas tradicionais das ciências chamadas “aplicadas”,
e é certamente por esta razão que não há muitos trabalhos em economia, sobre o
funcionamento dos mercados em que se inserem os pobres (CEPAL, 2003; 236).
Ora, esta dificuldade metodológica nas ciências econômicas é reflexo daquilo que já
foi exposto por Milton Santos (1979) acerca das causas e reflexos da TDC. A vantagem dessa
teoria é que ela incorpora o componente espacial, completando nossa perspectiva a respeito da
realidade urbana e de seu engajamento social e econômico na estrutura produtiva mais ampla
do desenvolvimento do capitalismo.
78
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
O bairro está intimamente ligado à evolução e à natureza da cidade: ele é uma unidade
morfológica e estrutural, caracterizada pela paisagem urbana, por um certo conteúdo social e
por uma função; o bairro é, também, um fato social baseado na segregação de classe ou de
raça, e nas suas funções econômicas. Essas áreas segregadas tendem a apresentar, segundo
Correa (1997), estruturas sociais que podem ser marcadas pela uniformidade da população em
termos de renda, status ocupacional, instrução, etnia, fase do ciclo da vida e migração.
A economia urbana deve ser estudada como um sistema único, mas composto de dois
subsistemas, não constituindo, como sugere o próprio autor, um todo maciço. O que distingue
um circuito do outro são as diferenças de capital, tecnologia e organização. O circuito
superior apresenta grande investimento de capital, resultando em enorme volume de
mercadoria e alta tecnologia, e sua organização é caracterizada por monopólios, preços fixos e
22
O que de forma alguma, acreditamos, não impede de apontar tendências comuns ao sistema de espaços da
escala do bairro.
79
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
pequena margem de lucro por produto, publicidade, auxilio governamental etc. O circuito
inferior apresenta, na maioria das vezes, capital próprio e de baixo volume, baixa densidade
tecnológica, grande margem de lucro por produto, contato direto com o consumidor e renda
voltada essencialmente para a manutenção familiar etc (Santos, 1979).
Santos (1979), afirma, ainda sobre a constituição do circuito inferior, que os pobres
não têm acesso aos produtos modernos e os mais pobres, dentre eles, só podem se
proporcionar consumos correntes por intermédio de um sistema de distribuição particular
freqüentemente completado por um aparelho de produção igualmente específico que é uma
resposta às condições de pobreza das grandes massas.
80
Localizaçao dos
estabelecimentos
comerciais e de serviços no
bairro
LEGENDA
Estabelecimentos comerciais
Serviços
u
Rua Baguaç Escola Estadual
Rua Uruguaiana
Posto de saúde (UBS)
Sede da Associação de Moradores
Rua Clóvis Be
Escola Municipal de Ensino Infantil
Rua Eça de
Pontes
vilaqua
Queiró
u
MAPA DE LOCALIZAÇÃO
aç
gu
Ba
ão
eir
Rib
Rua Cló
vis Bevil
20°
a
25°
qua
51° 45°
Rua Urugu
Título:
Localizaçao dos estabelecimentos comerciais
e de serviços no bairro Alvorada
aiana
Escala gráfica:
0m 500 m
Autor: Orientador:
Nelson Rodrigo Pedon Prof. Dr. Eliseu S. Spósito
Rua No Desenhista:
roeste Fonte:
Planta Municipal de Nelson Rodrigo Pedon
Araçatuba: bairro
Alvoara/trabalho de
campo
Figura: Página:
05 81
Fundação financiadora: Instituição:
unesp
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
Não pretendemos entrar numa discussão mais ampla acerca das novas centralidades
urbanas enquanto processo estrutural da urbanização na atualidade23. O que pretendemos é
valorizar o fato de que na busca pela reprodução da vida, a população de baixa renda do
bairro Alvorada tem, no interior do próprio bairro, uma saída. Neste processo, o espaço
do bairro aparece como um conjunto indutor das ações.
A esse respeito, Castells (2000) disserta sobre a criação dos “minicentros” como a
constituição de um nível relativo de perda de relação direta com o centro tradicional. O autor
coloca a questão de se além da função de serviços, os “minicentros” não representariam a
condensação de um novo meio social característico da difusão urbana. Assim, o importante
seria considerar a estrutura social do meio de habitação no qual os “minicentros” se inserem,
sem perder, é claro, a visão de que eles se situam no contexto mais geral das relações urbanas
da cidade e da região.
Observando o mapa 05, vê-se que a rua Baguaçu é a que mais concentra
estabelecimentos comerciais e de serviços. Sua importância remonta ao período de
constituição da cidade, sendo por muito tempo o único meio de ligação da cidade com a
porção central do Estado de São Paulo. Atualmente, a rua Baguaçu é uma importante via de
ligação com a cidade de Birigui, alternativa à rodovia Marechal Rondon e de acesso mais
rápido para quem está na cidade. Serpa (2001) destaca a importância dos eixos de ligação no
interior do espaço urbano porque eles influenciam a formação e consolidação de áreas de
maior ou menor acessibilidade, tanto nas periferias quanto nas áreas centrais.
23
Sobre esta temática, ver os trabalhos de Beltrão Sposito (1991; 1996), cujos títulos são, respectivamente: O
centro e as formas de expressão da centralidade urbana. Revista de Geografia. São Paulo: UNESP. n. 10,
1991, p. 1-18, e Multi(poli)centralidade urbana em Bauru, São José do Rio Preto e Presidente Prudente.
Projeto de Pesquisa Integrada. Presidente Prudente,1996.
82
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Para Serpa (2001), o raio de atração deste tipo de núcleo não segue a lógica da
proximidade, mas da acessibilidade, pois o próximo constitui o que é de mais fácil alcance,
neste caso. Alguns dos núcleos de periferia exercem influência somente sobre os
83
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consumidores das suas imediações. Essa influência é determinada pelo grau de especialização
de sua estrutura comercial e de serviços, e a especialização é resultado da combinação dos
elementos, acessibilidade e poder de renda dos consumidores. Concluímos que, como os
passantes da rua Baguaçu são mais heterogêneos, os serviços e estabelecimentos comerciais
ali existentes acompanham essa variedade.
Destarte, quanto mais fáceis forem o acesso e a circulação, maior e mais importante
será o núcleo comercial. Já em relação às três ruas citadas anteriormente, a instalação dos
estabelecimentos comerciais está estreitamente relacionada com o maior acesso possibilitado
pela circulação de transporte coletivo, graças aos fatores já citados. Serpa (2001) chama nossa
atenção para o efeito contrário da relação acessibilidade-núcleo comercial, já que a
localização dos núcleos pode influenciar a decisão por onde vão passar os transportes
coletivos. No caso estudado, os estabelecimentos buscam, justamente, as vias de maior
acessibilidade.
84
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menos especializados, pois a diferenciação no valor dos produtos oferecidos não é tão
significativa e a quantidade adquirida pelos consumidores é muito pequena. Outro fator
importante é relação de vizinhança estabelecida entre os comerciantes e os consumidores.
Com seu mercadinho localizado na rua Eça de Queiroz há mais de dez anos, Sr. Pedro
afirma que 50% de suas vendas são feitas por meio das cadernetas, onde se anota o nome e o
valor da compra do consumidor, garantindo assim o pagamento posteriormente. Na verdade o
que garante o pagamento posterior não é a caderneta em si, mas o que ela representa, um
conjunto informal de relações que são consolidadas no cotidiano nas relações estabelecidas
entre o dono do mercado e seus clientes. Sr. Pedro é morador do bairro há muitos anos e sua
residência se localiza ao lado do mercado, que é apenas um entre os outros seis localizados no
bairro.
85
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recorrer aos mercadinhos do bairro, seja na falta do fermento para o bolo, seja para a compra
do gás que acaba no meio do cozimento do feijão etc.
Muitos moradores lembraram, mesmo quando não indagados, que fazem suas compras
no Supermercado Rondon. Este estabelecimento, de capital local, pode ser considerado de
porte médio, e é conhecido na cidade pelos preços baixos que oferta, sendo considerado o
preferido pelas classes populares. A curiosidade é que este estabelecimento se localiza no
bairro Jussara, aproximadamente a 12 km do bairro Alvorada; mesmo assim, muitos
moradores concordam que para a compra grande do mês, compensa o deslocamento.
Alimentos 48 %
Roupas e acessórios 16 %
Alimentos 56 %
Roupas e acessórios 80 %
86
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Na rua Xavier de Toledo, que corta toda a porção sul do bairro, vê-se locado um
conjunto de estabelecimentos comerciais, com destaque para um mercado de porte pequeno e
alguns bares instalados nas frentes das residências. Nesses estabelecimentos não há um perfil
definido de produto oferecido, pois no mesmo bar se encontra desde bebidas alcoólicas a
pequenas peças de vestuário.
Este fato favoreceu o desenvolvimento dos serviços de moto-táxis. Muitos dos moto-
taxistas são pessoas, na maioria do sexo masculino, que sofrem com o processo crescente de
desemprego e vêm neste tipo de serviço uma saída pra a obtenção de uma renda que lhes
permita sobreviver. Somente no Bairro Alvorada são quatro os pontos de serviços de moto-
táxi, e cada um deles reúne vários moto-taxistas, sendo que nos quatro pontos os responsáveis
são moradores do bairro. Cabe salientar que, em alguns casos, as motos empregadas são
emprestadas ou até mesmo alugadas, revelando o caráter muitas vezes improvisado pelo qual
as pessoas se inserem nesse tipo de atividade.
Outro tipo de serviço prestado que chama a atenção pelo número é o conjunto de
salões de cabeleireiro. Ao contrário dos moto-taxistas, onde predominam pessoas do sexo
masculino, nos salões de cabeleireiro predominam as mulheres. São sete os pontos que
oferecem este tipo de serviço. Desses, três estão alocados no fundo das residências: o que
aponta a oferta do serviço são placas e faixas fixadas na frente das moradias, sendo que
algumas das placas e faixas são bem mal feitas.
Na cidade de Araçatuba, a expansão do setor terciário não ocorre apenas nas áreas de
maior concentração comercial das cidades, como o calçadão da Rua Princesa Isabel e suas
áreas adjacentes. A expansão difunde-se, também, pelo tecido urbano junto aos bairros mais
populosos e às áreas de concentração da população de maior renda. Já o comércio popular
forma pequenos centros comerciais de bairro, instalados na malha urbana de maneira
diferenciada, atraídos por densidade populacional, por vias de circulação intensa e pelo
potencial de mercado.
87
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A Teoria dos Dois Circuitos de Milton Santos permite compreender a discussão que
estamos realizando, no contexto mais amplo do desenvolvimento econômico da sociedade
capitalista, privilegiando aquela parcela da população afetada pelo processo de exclusão
social e sua decorrência espacial, a segregação socioespacial.
88
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24
A intervenção do Estado não constitui um mecanismo automático de regulação das contradições, pois resulta
de um processo político, expressão das lutas de classe. A ação estatal não é natural, o ponto de partida para sua
compreensão não é o próprio Estado, pois se assim fôssemos argumentar, incorreríamos no erro alertado por
Bhir (2000), o da “fetichização do Estado”, entendendo-o como uma força metafísica. O ponto de partida para a
sua compreensão é o conflito de classes.
89
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Bolsa escola 9%
Bolsa alimentação 6%
Medicamento (UBS) 43 %
Não recebem nenhum tipo de auxílio 67 %
Escola estadual 40 %
Posto de saúde (UBS) 70 %
EMEI (Escola Municipal de Ensino
Infantil) 20 %
Recorremos a Castells por um motivo bastante óbvio para aqueles que conhecem a
obra deste autor. Ocorre que, para ele e, em parte, para nós também, o conjunto de problemas
que recebe o status de “urbano” está diretamente relacionado ao campo da reprodução da
força de trabalho, para usar uma terminologia marxista. Assim, as questões que envolvem o
problema do consumo coletivo está, por definição, na “essência”25 de toda questão urbana.
25
Utilizamos o termo essência entre aspas porque reservamos algumas críticas ao essencialismo que vigora no
pensamento científico. A este respeito, ver Popper (1974).
90
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91
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
Dos 170 questionários aplicados, 44 % foram respondidos por famílias cujo chefe é
aposentado ou pensionista, ou seja, são residências onde a principal renda provém da
previdência social. Desse grupo, 10% alegaram possuir necessidade periódica de
medicamentos cedidos pela UBS do bairro.
Dos 9 % das famílias que fazem parte do programa Bolsa Escola, 2% alegaram que
esta é a única fonte de renda da família. Com relação a este programa, a CEPAL (2003)
afirma que ele constitui um dos programas de políticas públicas que vai além do caráter
imediatista de grande parte dos programas de auxílio social existentes no Brasil. Isto porque
segundo o estudo publicado pela CEPAL (2003), a educação é uma das principais causas da
atual crise de emprego vivida pelo país, já que a população não possui formação suficiente
para exercer o novo perfil de emprego em tempos de globalização. De acordo com Barros
(CEPAL, 2003), a educação é o mais importante fator para explicar a determinação de
salários e a desigualdade no Brasil, assim o programa Bolsa Escola teria um caráter
imediatista, mas, ao garantir a educação básica para a população de baixo poder aquisitivo
estaria ampliando as possibilidades dos contemplados em ascender socialmente.
Podemos observar, na tabela 01 (página 70), que 70 % dos chefes de família não
possuem o 1° grau completo, sendo que 23 % não possuem instrução nenhuma. Das
entrevistas realizadas, somente 1% dos moradores possui curso superior incompleto.
92
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chama de “mercadorização” das pessoas, já que elas estão despojadas das camadas
institucionais que garantam a reprodução social fora do contrato de trabalho. Marx chama este
processo de “fetichização”, quando os indivíduos ganham status de mercadoria e as
mercadorias passam a ser as protagonistas do processo social.
A autora se baseia nos estudos do alemão Claus Offe (in Chauí, 2000), cujo
pensamento central se funda na idéia de que a contradição entre processos controlados pelo
valor e processos controlados pelo poder, resulta num fenômeno de relativa atualidade em
nossa sociedade, o do crescimento do setor de bens de serviços face ao setor de produção de
mercadorias26. Neste contexto, a prestação de serviços e a racionalidade administrativa do
Estado tornam-se ponto chave para a legitimação estatal27, num momento em que o mercado
não tem tanta força, já que com o crescimento do setor de serviços aumenta o contingente de
pessoas cuja vida não está organizada pela produção de mercadorias, constituindo um
elemento de desestabilização social e política.
26
Segundo Furini & Góes (2002), o pensamento desse autor tem como fulcro a crise da sociedade do trabalho.
Claus Offe coloca em questão a centralidade da categoria trabalho para a análise sociológica, por causa do
caráter crescentemente heterogêneo do trabalho social.
O setor de serviços e a informalidade mostram-se como um corpo estranho no capitalismo. Para Furini &
Góes (2002), a grande quantidade de pessoas que não são incorporadas pelo mercado de trabalho capitalista
(formando uma reserva de mão-de-obra), passam a apresentar características particulares quando compreendidas
numa escala local. De acordo com suas palavras, é evidente que com tantos “caindo fora” da formalidade e da
possibilidade de trabalho, o “coro de atingidos“ pelo processo de exclusão social começa a erguer a voz e
buscar “novos ritmos e novos cantos” (p.194).
27
Desta forma, a função do Estado não pode se reduzir à mera regulação do mercado.
93
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28
A propósito, este termo é apresentado por autores que se preocupam com a atualização conceitual do
pensamento sociológico, como um termo a ser reinterpretado, já que com as transformações ocorridas no Modo
Capitalista de Produção, o trabalho, em seu sentido lato, apresenta novas conformações diferentes daquela
analisada pela sociologia do século XIX.
94
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Para terminar este item, lembramos que o mercado de consumo individual, assim
como a oferta de bens e serviços coletivos, acompanhou o desenvolvimento desigual que
resultou na enorme heterogeneidade da estrutura ocupacional no Brasil. A este respeito, Faria
(1991) afirma que a expansão do mercado interno de consumo individual é o fundamento do
processo de crescimento da economia brasileira29. Um de seus efeitos é a disseminação dos
padrões ideais de comportamento típicos da classe média consumidora, principalmente por
meio da expansão dos meios de comunicação, em especial do rádio e da televisão.
29
Já comentamos, no capítulo anterior, a relação da constituição do mercado de consumo interno e a urbanização
brasileira, sobretudo a importância deste vínculo com o crescimento das cidades médias. Para uma melhor
explanação ver Faria (1991) e Sposito (2001).
95
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Pari passu ao crescimento da cidade, como não poderia deixar de ser, cresceu a oferta
de bens e serviços por parte do poder público. Ocorre que esta oferta se dá de forma desigual
no espaço urbano, como veremos em capítulos seguintes, pois a mobilização da população
constitui fator importante na escolha do poder público pelo lugar de locação das ofertas.
Iniciamos o desfecho deste capítulo com uma frase de Pierre Bourdieu, pois uma das
importantes questões que esse autor enfrentou e que aparece em muitos de seus trabalhos, é
desvendar os mistérios do que ele chama de modus de análise, ou seja, como se constrói o
objeto nas ciências humanas.
30
Frase proferida por Maria de Jesus, aposentada e moradora do bairro há mais de 30 anos, ao tecer juízo a
respeito da qualidade dos serviços ofertados pelo poder público.
96
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
Por meio de um olhar criterioso lançado sobre o Alvorada, podemos inferir que as
forças sociais que condicionam as transformações da sociedade brasileira tendem a produzir,
para a porção mais pobre da população urbana, condições de existência que são, ao mesmo
tempo, semelhantes e diversas. A uniformização do consumo decorrente do nível dos salários,
os problemas comuns nas áreas de habitação, educação, saúde e acesso ao mercado de
trabalho, suscitam, em conjunto, o desenvolvimento de tipos de sociabilidade, modos de
consumo e trabalho e formas de percepção, que lhe são próprios.
97
______________________________________________________________________PEDON, Nelson Rodrigo
Teorias como a TDC de Milton Santos, que buscam fazer uma ponte entre explicações
mais universalizantes, notadamente de ordem econômica, com ordenamentos conceituais
constituídos mediante uma aproximação mais direta com a realidade concreta, permitem
entender, de forma mais satisfatória, a dialética entre o geral e o singular .
O mundo cabe num bairro, mas o bairro, diante desse complicado e intrincado jogo de
escalas, possui status ontológico? O que é o bairro em tempos de globalização e, como nada é
tão ruim que não possa ser piorado, qual a relação de um possível status ontológico do bairro
com as especificidades da cidade média (leia-se Araçatuba), seria, a dimensão política, a
chave para este ignoto? Seria o bairro um território? Ou seria o bairro um lugar?
98
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Com a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei 10.257, em julho de 2001, foi retomada,
no Brasil, a discussão sobre a função social do espaço urbano e da participação popular, que
havia sido iniciada na década de 1980 pelo Movimento da Reforma Urbana, e que agora tem
seu respaldo em lei e na atuação do novo Ministério, o das Cidades, único da América
Latina1. Nessa conjuntura, colocaremos em tela algumas das principais questões que surgem
quando buscamos atravessar o complexo cipoal teórico e metodológico da problemática da
participação popular no Brasil.
1
Criado no governo do presidente brasileiro eleito em 2002, Luís Inácio Lula da Silva.
99
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
para uma nova realidade, próxima daquela promulgada pela física quântica do início do
século XX2, ressuscitando a máxima heraclitiana de que tudo muda, nada permanece.
2
O princípio da incerteza afirma que não existe meio de medir com precisão as propriedades mais elementares
do comportamento subatômico. Ou melhor, quanto mais precisamente se mede uma propriedade - digamos, o
movimento de um elétron - menos precisamente se pode conhecer outra - nesse caso, sua posição. Mais certeza
de uma, mais incerteza de outra.
3
A exemplo de Eder Sader, Arlete Moysés Rodrigues, Álvaro Moises, Edgar Dedecca, Paul Singer, Lúcio
Kowarick, Marcelo Lopes de Souza, Maria da Glória Gohn entre outros.
100
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François Dosse (1993), em sua obra que trata da história do estruturalismo, assinala que
a Geografia é a convidada de última hora das ciências sociais, isso porque enquanto as outras
ciências estão preocupadas com correções epistemológicas, buscando se atrelar às
atualizações teóricas, a Geografia relutava em incorporar novas formulações e perspectivas,
assim, seu pescoço estaria sempre voltado para trás4.
A afirmação de Dosse (1993) elucida o fato de um tema como o dos movimentos sociais
só passarem a fazer parte dos estudos geográficos a partir de 19785, mais precisamente
quando a Geografia passa a se preocupar com o fato de que o materialismo de cunho marxista
não mais se apresentava como um eficiente meio de análise da realidade social brasileira. É
nesse momento que a Geografia assume a sociedade como objeto central, sendo que sua
objetivação se daria por meio da análise do espaço produzido por essa sociedade, dando forma
ao que se convencionou chamar de Geografia Crítica.
4
Neste mesmo sentido, Rogério Haesbaert (1990) faz uma crítica ao distanciamento que a Geografia conservou
durante um relevante período em relação às bases filosóficas que norteiam o processo de elaboração do
conhecimento. A Geografia Crítica teria contribuído enormemente para reverter este quadro.
5
Este período é lembrado por renomados geógrafos que se preocuparam em elaborar um quadro da evolução do
pensamento geográfico brasileiro. Nesse período é que ocorre uma ruptura com a Geografia de cunho
Neopositivista e se assume o materialismo histórico dialético como aporte teórico e filosófico da produção
geográfica nacional. Para essa discussão ver Sposito, 2002; Moraes, 1989 e Santos, 1979.
101
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Junto a essa nova forma de encarar o espaço geográfico adota-se todo o arsenal
marxista, como por exemplo seus conceitos e sua postura axiológica. É a partir da Geografia
Crítica que o pesquisador se comprometia axiologicamente com seu objeto de estudo e
passava a defender a ação do pesquisador militante, um sujeito comprometido com a
transformação social. Um exemplo é o trabalho de Arlete Moysés Rodrigues (1988), que trata
da ação organizada dos favelados na cidade de Osasco/SP.
6
Esta visão vai fundar o que se convencionou chamar de Geografia Cultural, que tem Paul Claval como um de seus
principais representantes.
102
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7
É proveitoso preenchermos nossa análise mostrando o reflexo dessa concepção de Estado unilateral, portador
de uma racionalidade pasteurizadora, no campo da arte, mais precisamente na música. Tal fato nos revela o
quanto esta visão de “Estado monolítico e abstrato” ou “fetichizado” do ponto de vista político, para usar um
termo empregado por de Bihr (2000), está disseminado no imaginário social. Exemplo relevante são as letras de
músicas portadoras de caráter reivindicatório, como o rap. Uma dessas letras, de autoria do grupo Racionais Mc,
vocifera: O robocop do governo é frio, não sente pena, só ódio e ri como a hiena. Aqui o termo governo
representa o Estado, de racionalidade gélida, é comparado a um robô (personagem do cinema norte-americano)
cuja ação é indiferente às necessidades disseminadas no cotidiano das classes oprimidas, ou ainda, a um Estado
que mais parece uma espécie canina carniceira esfomeada pela carcaça proletária.
8
Esta hipótese é apresentada de forma sintética e só ela mereceria a atenção de uma tese.
103
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O movimento social mencionado pelo autor é o mesmo lembrado por Thompson (1978),
Castoriadis (1975) e Popper (1974). O que une o pensamento dos autores citados é o fato de
que todos partem de uma análise do período histórico que serve de base à suas próprias
experiências com o marxismo. O contexto social e histórico (as duas últimas décadas da
Guerra Fria) constitui o pêndulo de Foucault desses críticos. Repensa-se o projeto socialista
pós Kruschev, tendo como pano de fundo a pobreza instalada no leste europeu e a rigidez do
Estado centralizador do socialismo real, tão mortificante para os grupos trabalhadores quanto
a denúncia da “fetichização” do Estado no ocidente capitalista feita por Bihr (2000).
Lipietz (1991) faz referência ao problema da autonomia das instâncias. Cita a ruptura
com a teoria marxista causada pela Revolução Cultural Chinesa de Mao Tsé Tung na década
de 1950, uma vez que este evento inverte a seqüência histórica pronunciada por Marx na qual
as forças produtivas determinam a consciência, ou melhor, a estrutura (leia-se: economia)
determina a superestrutura (leia-se: campo das idéias e da cultura).
O socialismo passa ser considerado não como o ponto de chegada, mas como meio.
Assim, Lipietz (1991) lembra o filósofo Ernest Bloch, para quem o socialismo deveria
funcionar como um princípio, o Princípio da Esperança.
104
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conseqüência natural do movimento histórico. O socialismo, para os dois autores, não deve
mais ser entendido como uma descontrolada mutação de estilo darwinista, que abole o estado
concreto das coisas existentes.
Já para Karl Popper (1974), o erro da previsão histórica marxista, herança patológica
do totalitarismo hegeliano9, fez da escatologia marxista uma prisão, inclusive do ponto de
vista epistemológico.
Alguns temas antes ignorados, como o dos movimentos sociais, chegam à Geografia
junto ao marxismo já em crise. Qual seria, então, as implicações destas discussões
(atualizações) no âmbito da pesquisa geográfica? O reflexo deste movimento que conjuga
ação e pensamento vai além das alusões teoréticas e das pretensões acadêmicas10. Na verdade,
esta turbulência é fruto do próprio movimento científico que não está desvinculado da
realidade social na qual está inserido, ele espelha a contradição “ontologia-epistemologia”11.
9
Para Karl Popper (1972), o êxito de Hegel marca o começo da “era da desonestidade”, bem como denominou
Schopenhauer. Segundo este último, a força hegeliana já fez mal que basta, pois a teoria de Hegel, a do
movimento da história rumo a idéia absoluta serve de fundamento a todo tipo de totalitarismo (numa direta
inferência a respeito das implicações políticas do hegelianismo).
10
Sobre uma visão sociológica do desenvolvimento da ciência ver, Paul Feyraband, em Contra o método e/ou
Thomas Kuhn, em A estrutura das revoluções científicas.
105
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Drummond de Andrade com sua inspiração poética, coloca-nos diante de uma questão
de amplitude filosófica e que, por extensão, alcançam aqueles incumbidos de fazer ciência. A
questão é a da relação entre o ser e o saber, ou, como preferimos, a dialética ontologia-
espistemologia (ontus/epistême).
11
Utilizamos esta idéia para fazer referência à interminável busca dos instrumentos da razão pela compreensão
de uma realidade ontologicamente dialética. O ponto de partida e de chegada é sempre a relação entre ser e
pensar.
12
Sua psicanálise epistêmica pode ser conferida no livro A formação do espírito científico: contribuição para
uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro; contraponto, 1996.
13
Complexo no sentido que Edgar Morin (complexus) dá ao termo. É complexo o que se dá na forma de uma
teia, onde múltiplas determinações se combinam para dar status ontológico ao ente inquirido. É complexo não o
que está inserido num contexto relacional, mas é complexo o que é relacional na sua constituição, enquanto algo
que é.
106
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
A pesquisa passa a dar relevo aos aspectos que iluminam os modos pelos quais os
trabalhadores experimentam sua condição de vida, revelando os padrões de comportamento
presentes no cotidiano de onde os movimentos sociais populares extraem suas energias. A
politização do cotidiano é fundamental. Sader sugere o caminho que deve ser seguido na
reconstituição da dinâmica dos movimentos15. O autor ao examinar as modalidades
particulares de reelaboração da experiência dos trabalhadores e a configuração de novos
padrões de ação coletiva16, problematiza a análise sociológica tradicional, afirmando que ela
reduz a ação social à pesquisa da posição do ator no sistema, em suas palavras: é sempre
possível relacionar os processos sociais concretos a características “estruturais”, só que esse
procedimento não adiciona uma vírgula à compreensão do fenômeno (p.38).
14
No próximo capítulo, veremos mais implicações desse apontamento sobre o título da discussão a cerca do
conceito de movimento sócio-territorial.
15
Sader acompanha a história de quatro movimentos sociais na metrópole paulistana, a sabe; o sindicato
metalúrgico de São Bernardo, a Oposição Metalúrgica de São Paulo, o Clube de Mães da periferia de São Paulo
e a Comissão de Saúde da periferia de São Paulo.
16
No que se refere às implicações técnicas da abordagem sugerida há a utilização da coleta de depoimentos
pessoais, dados estatísticos, reportagens jornalísticas e relatórios de pesquisa, alem da sempre importante
exposição e interpretação de outros pesquisadores. O intuito é o de captar os significados presentes nas
experiências.
107
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Junto aos estudos de Sader surgem no cenário científico brasileiro alguns autores antes
relegados ao ostracismo. Alguns deles como Cornélius Castoriadis, cujas idéias vão encontrar
eco nos trabalhos de geógrafos de peso, como Rogério Haesbaert e Marcelo José L. de Sousa,
este último desenvolvendo estudos importantes na problemática do ativismo de bairro17.
Thompson, Eric Hobsbawn e Alain Touraine, salvo as diferenças muitas vezes abissais entre
eles, vão ajudar a fundamentar novas preocupações, como por exemplo a maneira pela qual se
articulam objetivos práticos a valores que dão sentido à existência dos grupos de ação assim
como a valorização das experiências vividas que são formuladoras de representações.
Acreditamos que a contribuição mais ampla dos autores citados está relacionada com o
papel das determinações sobre o fazer histórico. Tais determinações, apreciadas no cotidiano,
constituem uma dimensão da realização dos novos sujeitos. É na prática cotidiana que a
reelaboração imaginária constitui, por meio das experiências, significados que vão gerar
práticas políticas e/ou ações modificadoras a realidade desses grupos.
Sader (1998) busca identificar as identidades dos sujeitos meio dos seus discursos:
Quando uso a noção de sujeito coletivo é no sentido de uma
coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através
das quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar
suas vontades, constituindo-se nestas lutas (1988 p.55-6).
As implicações desta abordagem não são importantes somente no âmbito teórico, mas
também, no que se refere aos procedimentos científicos nas ciências sociais18. A análise e
17
Como por exemplo, sua dissertação de mestrado, O que pode o ativismo de bairro: reflexões sobre as
limitações e potencialidades do Ativismo de bairro à luz de um pensamento autonomista. Rio de Janeiro: UFRJ,
1988, 241p.
18
Ciências sociais, entendida como o campo do conhecimento científico que abarca tanto a Sociologia como a
História e a Geografia. Na tradição positivista de divisão disciplinar do conhecimento, tais
108
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
interpretação das falas vão constituir uma importante forma de abordagem dos discursos dos
sujeitos coletivos. Os relatos dos sujeitos são analisados não como fontes individuais
representantes de um projeto de vida particular, mas são entendidos como expressões de
relações sociais, pois partem de uma história comum de formação das identidades. Os relatos
individuais (lançaremos mão desse procedimento em nosso estudo) estão vinculados à
realidade social (socioespacial), isto porque as histórias de vida, interpretações e
rememorações, foram forjadas de acordo com as experiências ocorridas na interação entre os
indivíduos e seu contexto.
disciplinas/disciplinadoras tomam a sociedade como objeto de estudos, mesmo que pese as diferentes formas
pelas quais realizam esta difícil tarefa.
19
Muitos destes estudos se assentam na visão da crise do mundo do trabalho e as implicações desta na
organização política dos trabalhadores, exemplos interessantes são os trabalhos de Offe (1989); Antunes (1998) e
o próprio Sader (1989), aqui supracitado.
20
Contraditoriamente, o cotidiano não pode ser pensado como um lugar mítico, como sugere Chauí (2000), onde
em sua pureza as classes populares se apresenta livres de toda carga ideológica encetada pelos grupos elitizantes.
Melhor seria, adverte Chauí, vê-lo em sua ambigüidade de conformismo e resistência, visualizados, por exemplo,
na “consciência fragmentada” da “cultura popular”. Voltaremos a este aspecto no próximo item, quando nos
reteremos de forma mais detalhada às falas dos moradores do bairro Alvorada e dos dirigentes da associação de
moradores.
109
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Para Telles (in: Schere-Warren & Krischke, 1987), a novidade está na nova concepção
do lugar onde se articulam as práticas coletivas dos trabalhadores. Segundo a autora:
Trata-se de um novo critério de inteligibilidade social, de tal forma
que a noção de autonomia...tornou-se possível de ser elaborada na medida
em que se passou a pensar a “classe” -e a construí-la como objeto- enquanto
sujeito (s) constituído (s) a partir de suas práticas na dinâmica mesmo do
conflito social (in: Schere-Warren & Krischke, 1987p.65).
Ora, responder as questões colocadas parece ser o grande desafio daqueles que
propuseram a explicar o complexo liame social da ação política das camadas populares no
final da década de 1970, como por exemplo o trabalho de Sader. Vale ressaltar que esses
estudos surgiram num momento em que o Estado brasileiro deixava de se constituir enquanto
um regime ditatorial concomitantemente a emergência de novos núcleos de resistência que
dilataram ainda mais as brechas no “muro”21 (construído pelos militares juntamente à elite
brasileira e com apoio do governo norte-americano, como a história nos ensina). Esta
contextualização histórica é muito complexa, e só ela demandaria um ou mais trabalhos
aparte, na verdade nem teríamos propriedade para realizá-la, cabendo aos historiadores esta
difícil tarefa.
O que pretendemos, para finalizar este item, é ressaltar que as relações de poder na
nossa sociedade são indissociáveis de sua representação, e a experiência que delas temos é
21
De forma metafórica, “dilatar as brechas no muro” representa aquilo que os historiadores identificam como
período de transformações sócio-políticas, de transição autoritária para prenúncios de um despertar democrático.
Gohn (1983) identifica este período no inicio do ano de 1979.
110
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
constitutiva dos projetos que os grupos se põem a realizar, assim também é na constituição de
suas identidades.
Chauí (2000), nos instrui que o real não é nem o dado empírico nem ideal, não é o
material nem o ideal, mas o trabalho pelo qual uma sociedade se institui, construindo seu
imaginário e simbolizando sua origem sem cessar de repensar essa instituição. Este é o
sentido dado à constituição imaginária da sociedade, também lembrada pelo filósofo grego
Cornélius Castoriadis.
Perceber que, o que antes não era percebido faz parte da dialética ontologia-
epistemologia, na qual ser e pensar são arrolados num processo que não pára. A propósito,
não é essa a lição poética de Drummond?
111
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
A longa citação tem por objetivo mostrar o que há de mais atual no que se refere à
produção intelectual preocupada em focar a problemática da mobilização social no espaço
urbano.
É claro que para uma geografia do bairro, não se deve negar a existência das
denominadas determinações gerais, tais como a estrutura econômica, a idéia moderna de crise,
o Estado, as classes sociais, exploração, espoliação e segregação urbana, todos são fenômenos
e processos que por meio de seus conceitos explicativos constituem referências fundamentais.
O que não podemos incorrer é no erro de considerá-los como entidades metafísicas.
Isso não significa ignorar o fato de que estes sujeitos de experiências vividas em
espaços e tempos singulares se cruzem e interajam na constituição de novas ações. O Fórum
112
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Social Mundial que levou o nome da cidade de Porto Alegre para o conhecimento de “todo” o
mundo é emblemático dessa nossa ressalva.
De forma geral, os movimentos sociais urbanos podem expressar das formas mais
variadas a crise das formas tradicionais de realização da política. Um exemplo é a recusa em
se caracterizar enquanto mobilização de caráter político presente na fala de alguns líderes de
movimentos, como o presidente da Associação dos Moradores do Bairro Alvorada, o
comerciante Manoel dos Santos, que em entrevista concedida fez as seguintes afirmações: A
SABA -Sociedade dos Amigos do Bairro Alvorada- não faz política, somos uma comunidade,
queremos o bem dos moradores e não fazer política. Tal fala se funda numa concepção de
política que se aproxima da política realizada pelos partidos, onde o lob e a demagogia são
entendidos pelos movimentos como algo ruim, intrínseco ao ato de se fazer política.
Está explícita na fala de nosso colaborador a idéia de comunidade. Esta é vista como
algo apolítico pelos membros da associação, o que os deixam estranhos à visão de política
predominante. A proposta da associação não é a politização da cotidianidade, mas sim um
conjunto de ações que se encontram fora do circuito da política porque ela pertence
predominantemente ao campo do Estado.
Os problemas mais lembrados pelos moradores com relação à descrença nas formas
pelas quais os vereadores e prefeitos conduzem a política foram: a manipulação da confiança
dos eleitores, e a irresponsabilidade frente às promessas realizadas no período da campanha,
22
No próximo capítulo trabalharemos um pouco mais o que chamamos de essencialismo, sobretudo, baseando-
nos no pensamento filosófico do austríaco Karl Popper e do pensamento sociológico relacional de Nobert Elias.
113
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
gerando expectativas junto aos eleitores que eram frustradas em seguida. A imagem do
político interesseiro e carreirista, preocupado em manter seu poder de influência e defender
seus interesses pessoais também foi lembrada na pesquisa.
Mencionam
atuação do
vereador Atuam de frma
Claúdio satisfatória
Atuam de
5% 19%
forma pouco
satisfatória
16%
Não atuam
60%
Souza (2002), argumenta que a compreensão deste fenômeno tem raízes históricas.O
desinteresse pela política, pelo menos pela política de feição partidária, é reflexo de uma
sociedade heterônoma e de vida política marcada por intransparência e corrupção, induzindo
ao escapismo e ao declínio do homem público.
114
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
O vereador Cláudio possui várias estratégias que fortalecem a associação de seu nome
com o bairro, firma-se, de certa forma, uma “identidade”. Cartões de felicidades nas datas
comemorativas são enviados aos moradores, inclusive nos dias de seus aniversários, há a
distribuição de panfletos apresentando um conjunto de intervenções do poder público no bairro
que teriam sido conseguidas graças a atuação do vereador, outra estratégia de marketing são as
visitas esporádicas do vereador à algumas famílias do bairro.
No primeiro bimestre de 2003 foram distribuídos panfletos pelo bairro com título “O
que o professor Cláudio já conseguiu para o bairro Alvorada”, o objetivo era mostrar um
conjunto de melhorias realizadas pelo poder público que seria resultado da ação do vereador
no legislativo. O panfleto termina com a seguinte transcrição:
Continue confiando neste vereador que têm vocês no coração q que
ama este bairro onde morou durante 25 anos e constituiu sua história junto
com este povo sofrido, trabalhador e honesto. Deus os abençoe (sic).
Obras iniciadas antes da gestão do vereador, como o asfaltamento de ruas e uma gama
imensa de projetos que estariam garantidos, como a iluminação e asfaltamento das inúmeras
vielas do bairro, mas que até a data da redação deste texto não havia nem sinal do início
destas obras, formam o conteúdo do panfleto. O interessante é que material de propaganda o
vereador ignora a ação da SABA, apresentando declarações de membros da associação
ratificando a importância da ação do vereador. A inserção de pessoas em programas federais
23
Morador do bairro Alvorada a trinta anos, Sr. Moringa foi um dos fundadores da Associação dos Moradores
do Alvorada, que depois veio a constituir a Sociedade dos Amigos do Bairro Alvorada, e que atualmente, por
motivos legais estabelecidos no Código Civil, voltou a receber a denominação de Associação de Moradores. Sr.
Moringa sempre fez parte da cúpula da associação, sendo considerado por muitos moradores o mais atuante do
bairro.
115
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
como o Bolsa Escola, que foram realizadas em todo o município e não de forma exclusiva no
Alvorada são atribuídas à ação do vereador.
O caráter clientelista expresso por meio do vínculo assumido pelos moradores e pela
própria associação com o vereador, o Sr. Cláudio, fica patente na fala de alguns moradores e
nas publicações difundidas de forma planfetária pelo maior interessado em fortalecer este
vínculo, o vereador. Ele aparece como doador de serviços e obras. Alguns moradores
chegaram a afirmar que a Prefeitura não faz nada, mas o Cláudio faz. Um dos feitos mais
lembrados pelos moradores são as cestas básicas (420 em 2001) doadas nos finais de ano às
famílias carentes.
Contradições desse tipo podem fazer parecer que a associação de moradores não teria
legitimidade ou que o espaço político por ela dimensionado é ínfimo frente às estruturas
sociais já consolidadas. As contradições constituem elementos existenciais dos movimentos
sociais já que estes não são puros, tais contradições são recorrentes e faz parte do próprio
processo de constituição do espaço político buscado pela mobilização.
Para nós, a dimensão política desses movimentos reside no fato de se constituírem numa
força que visa transformar a realidade daqueles que compõem esse campo de realizações. A
associação de moradores politiza o espaço na medida que remete à espacialidade de modo
direto e simbólico.
Hannah Arendt (in: Rezende 2001) se insere no rol de pensadores que desafiam as
dificuldades de se compreender a contemporaneidade. Em seu diagnóstico, nosso tempo é
marcado pela identificação das crises que abalam os sustentáculos da civilização ocidental,
entre estas está a crise da autoridade política, para a autora, os regimes totalitários a exemplo
do liderado por Stálin, na União Soviética, anulam a experiência humana já que instaura o
116
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
isolamento entre os homens extirpando tudo o que é público. Fugindo das visões
escatológicas, Arendt sublinha a dimensão inventiva e espontânea contida nos movimentos
revolucionários do século XVII (as revoluções francesa e americana, mais precisamente). A
autora enfatiza o papel dos conselhos, dizendo que eles representam a vontade de participar,
de debater, a vontade de ser ouvidos, em seus dizeres:
...se apenas dez de nós estivermos sentados em volta de uma mesa,
cada um expressando sua opinião, cada um ouvindo a opinião dos outros,
então uma formação racional de opinião pode ter lugar através da troca de
opiniões (Arendt em Crises da república”, citado in: Rezende 2001).
É por esse motivo que o bairro constitui enquanto espaço da vida, o referencial da ação
política, já que entendemos por ação política toda e qualquer relação social que visa
estabelecer, por meio da mobilização, que inclui a interação, critérios de orientação da vida
social, buscando um equilíbrio entre a vida do grupo ou comunidade em questão, com a
sociedade da qual fazem parte e ajudam a construir. Na mobilização existe a possibilidade de
se abrir espaço para dialogar, inclusive, com os poderes cristalizados.
117
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
O bairro é o lugar onde os indivíduos experienciam as mais variadas situações que vão
convergir no sentido de formar uma representação desse espaço. Esta representação ajuda a
organizar e impulsionar a ação política, e nos serve de orientação para o entendimento da ação
das associações de moradores.
No Brasil, o sociólogo Eder Sader, ganhou notoriedade justamente por abordar novas
formas de organização da ação política, que eram negligenciadas pelas ciências sociais. Sader
nos mostra a trajetória de alguns movimentos populares na metrópole paulistana que fizeram
com que emergissem novos personagens no quadro político brasileiro a partir de 1970. A
prática destes novos personagens contesta formulações teóricas predominantes, isso porque
tratam se de um sujeito coletivo e descentralizado, despojado de um papel histórico pré-
determinado e universalizante.
Confirmado o que foi dito anteriormente, fazemos menção a uma frase proferida pelo
ex-presidente da SABA25, o Sr. Moringa, ao se referir a um dos papéis dessa associação:
24
No capítulo IV realizamos uma nova incursão a este tema, já que a dimensão a politização do espaço é um
elemento que transversa todo este estudo.
25
Sociedade dos Amigos do Bairro Alvorada. De acordo com o novo Código Civil (em vigor desde 2002), estas instituições
devem tomar o caráter de Associações uma vez que configuram agremiações de utilidade pública.
118
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Rapaz, a gente quando vai atender algum morador temos antes que
explicar a forma de se chegar ao poder público -a prefeitura-, às vezes a
pessoa mal entende sua situação, como é o caso, por exemplo, do pessoal
que ocupa as áreas verdes. O trabalho é conscientizar mesmo sabe.
Quando podemos marcamos algumas reuniões com o pessoal da prefeitura
que vem aqui e passa algumas informações pra gente.
Inúmeros autores que tratam do caráter comunicativo dos movimentos sociais buscam a
contribuição de Jürgen Habermas. Souza (2002) afirma que para Habermas, a ação
verdadeiramente comunicativa se funda na crítica de razões que sustentam ou rejeitam
proposições e argumentos específicos, buscando chegar a acordos voluntários em nome da
cooperação. Tal idéia se firma no poder da conversação argumentativa em gerar consenso,
dando caráter “mais” legítimo à ação proposta.
Sr. Moringa lembra das sucessivas reuniões que mobilizaram grande número de
moradores que resultou num abaixo assinado que rapidamente ganhou o engajamento dos
moradores. O resultado foi a revisão por parte da prefeitura da cobrança do serviço em
119
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
O espaço aberto pela associação de moradores é uma condição básica para a ampliação
da vida pública e da emergência de representações sociais vinculadas a esta última
(Jovchelovitch, 2000). As representações sociais irrompem em espaços de realidade
intersubjetiva, são sendo produtos de ações e mentes individuais, ainda que suas expressões
são encontradas nestes. Neste caso, o espaço do bairro é o território do “eu” e do “outro”, e
desse encontro emerge a vontade para a ação política, podendo transcender às fronteiras
sociais institucionalizadas e/ou instituindo novas fronteiras.
Outro exemplo lembrado diz respeito ao asfaltamento de algumas vias. Sr. Moringa
sublinha que o “asfalto”26 é uma reivindicação bastante antiga da associação. O problema
tomou maior proporção quando moradores que ocupam áreas verdes e que por isso não
possuem a legalidade da ocupação do lote, passaram a exigir o asfaltamento das vias cujas
residências estavam (estão) localizadas.
Um exemplo do problema em tela é o das casas localizadas na rua Noroeste, metade das
quadras localizadas nessa rua possuem asfalto na outra metade das quadras as casas são de
ocupação irregular, consideradas áreas verdes, nestas o asfalto inexiste.
26
Decidimos inserir esta nota porque verificamos, não somente no bairro Alvorada, mas na cidade em sua
totalidade um fenômeno que decidimos chamar de “Ideologia do Asfalto”. O asfaltamento das vias aparece
como o problema mais importante, sempre lembrado pelos moradores quando inquiridos a respeito dos
principais problemas de seus respectivos bairros. Analisando o discurso de alguns candidatos a cargos políticos
na cidade, constatamos que a “bandeira do asfalto” constitui elemento importante e sempre lembrado.
No caso do bairro Alvorada, grande parte dos moradores lembram com certo préstimo da “época do
Andorfato”. Domingos Andorfato foi o Prefeito da cidade na gestão 1994-1998 e uma de suas maiores proezas
foi asfaltar 40% das vias do bairro Alvorada. Por fim, cabe salientar que a cidade de Araçatuba antes de se
aconchegar no cognome de “Cidade do Boi”, recebia o título de “Cidade do Asfalto”, já que o fato de possuir
uma jazida basáltica, elemento básico do asfalto, facilitava a ação de asfaltamento das vias da cidade,
constituindo uma das cidades mais asfaltadas do interior do estado de São Paulo já nos idos de 1950.
120
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
27
Ver sua localização no mapa 05 na página 81.
121
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
utilização do prédio para a realização de dois velórios dois meses antes da realização da
entrevista com o Sr. Moringa (junho de 2003). As famílias não podiam pagar o aluguel
exigido para o velório e também não podendo realizá-lo nas próprias residências puderam
contar com a sede para a realização dos mesmos.
Seja para velar as pessoas que partiram seja para a realização de festas com fins
solidários, o fato é que a construção da sede constituiu um grande feito e legitima a ação da
SABA. Estes exemplos de encontros, interação e comunicação, verificados nas falas dos
moradores e dirigentes, assim como nas ações da associação, têm seu contraponto.
Reconhecemos nas falas e em nossa pesquisa de campo, a presença de paradoxos que, se
vistos de forma isolada e simplista, pode levar a conclusão de que a SABA não tem relevância
(legitimidade) alguma na comunidade.
28
Não vamos desdobrar este tema aqui. Para mais detalhes ver: Hobsbawn, E. J. A invenção das tradições. Rio
de Janeiro: Paz e terra, 1984.
122
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29
No que se refere à estrutura organizativa a da Associação de Moradores, o estatuto versa o seguinte:
CAPÍTULO X: Da Diretoria Executiva
Artigo 22 – A Diretoria Executiva é composta de:
a) Presidente; b) Vice-Presidente; c) Secretário; d) Segundo Secretário; e) Tesoureiro e; f) Segundo Tesoureiro.
123
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
de associação de moradores, o componente espacial deve ser destacado, senão pra afirmar
uma possível identidade pelo menos para afirmar que esta não existe.
Importante fato a ser lembrado para corroborar nossas afirmações, foi o consenso entre
os moradores do bairro e a associação com referência a mudança de nome da rua A, que
passou a se chamar rua José Renato. Esta mudança de nome serviu para homenagear, e, nas
palavras do Sr. Moringa, para enraizar no bairro, o nome de um dos fundadores da
associação, e que mais tarde, depois de ter ajudado a fundar outras tantas associação, deu os
primeiros passos para a constituição da CONSAB (Conselho das Sociedades dos Amigos de
Bairro de Araçatuba), que reuniria todas as associações da cidade na tentativa de articular as
ações delas.
30
Souza (1988) usa a denominação “ativismo”, contudo achamos que no correr de seu texto, não há uma
diferenciação entre sua denominação e o que estamos chamando de movimento social e/ou movimento de bairro.
124
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
125
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
assim como no aumento do número de vagas nas duas creches do bairro que, inclusive,
atendem inúmeras famílias não moradoras do Alvorada. Problemas habitacionais como a
legalização de parte das ocupações alocadas de forma irregular em áreas verdes, assim como a
alocação de 30 famílias em um conjunto de casas construídas na forma de mutirão e com a
utilização de materiais cedidos pela prefeitura, pela Igreja e por empresas privadas, em 2001.
Esta última resultou num conjunto de residências que atualmente recebem o nome de “Vila
Feliz”.
126
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A ação política não pode ser vista somente como espontânea, emergindo como
reações naturais às carências que avançam sobre a população, outros elementos entram nesse
intrincado processo. No caso citado, a legitimidade32 da instalação de uma ponte sem o menor
consentimento da comunidade gerou um fortalecimento da legitimidade da SABA que
fortaleceu seu papel de mediadora junto à prefeitura.
31
Germínia Venturoli foi prefeita da cidade de Araçatuba na gestão 1996-1999.
32
Sobre tal fato, não ouvimos a justificativa dos responsáveis por esta intervenção, contudo, não achamos um
desvio muito grande considerar a fundamentação desta ação centralizadora como expressão de um processo mais
amplo denominado de discurso competente, baseada no trabalho de Marilena Chauí, Ribeiro (1986, p.6) afirma:
...em nossa história, política urbana foi desde muito cedo investido pelo discurso competente: a partir do final
do século passado, com efeito, os higienistas impuseram uma visão sobre as cidades que fundamentou
importantes intervenções do Estado na cidade, em seguida, os médicos sanitaristas dão lugar aos engenheiros
que assumem a tarefa de pensar a cidade física e morfologicamente requerida pela acumulação industrial;
recentemente sobretudo a partir dos anos 60, entra em cena um novo personagem – o planejador urbano – que
passará a construir um complexo aparato governamental que objetivava traduzir na cidade a ideologia do
desenvolvimento.
127
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O desmoronamento ocasionado pelas chuvas fez com que o restante das famílias fosse
colocado de forma improvisada num assentamento distante do bairro. Alocadas num conjunto
de barracas de lonas doadas pela Defesa Civil, algumas famílias, segundo o padre Paulinho
em entrevista concedida, ficaram instaladas nas salas de aulas da escola estadual do bairro e
utilizavam o salão paroquial como cozinha. A SABA atuou na mediação dos interesses das
famílias com o poder público, sobretudo na reivindicação de uma área no interior do bairro
para que estas famílias pudessem construir suas casas de forma segura. A SABA conseguiu
reunir diferentes agentes como a Igreja, o Rotary Clube, que doou recursos utilizados na
construção das moradias, a Defesa Civil e alguns pequenos empresários donos de
estabelecimentos comerciais que doaram alimentos e materiais de construção para as famílias
desabrigadas.
128
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Atualmente, algumas moradias foram construídas por pessoas que não fazem parte do
grupo que inicialmente foram desalojadas. Isto ocorre porque algumas famílias de habitavam
irregularmente outras áreas da cidade tiveram conhecimento da doação da área pela Prefeitura
e se dirigiram à Vila Feliz no intuito de conseguirem um espaço para viverem.
Rodrigues (1988) nos ajuda a entender que nas cidades capitalistas, a propriedade da
terra não garante o direito à cidade, mas ao menos confere o direito de lutar por ele e a
certeza de não ser expulso pelo aumento de aluguel. A aspiração pela propriedade da moradia,
condição concreta da sobrevivência, constitui um elemento disseminado no modo de viver
urbano, as políticas habitacionais da década de 1960 são reflexos deste processo. As práticas
cotidianas de apropriação e produção do espaço urbano deixam, por meio dos processos
organizativos, como no caso da atuação gerida pela SABA, de ser entendidas apenas como
resultado de um esforço segmentado para assumir sua verdadeira feição de uma luta pela
produção do espaço não segmentado, cuja produção é social (p. 238).
A constituição da Vila Feliz e todo o processo de aglutinação por meio do qual surgiu
uma rede social cuja finalidade era o de proporcionar o direito à cidade a um grupo de
famílias expressa a capacidade dos agentes sociais envolvidos, sobretudo a SABA, na
composição de uma ação forjadora de uma resistência às determinações da sociedade urbana
capitalista.
Junto à Vila Feliz, constituiu-se uma espécie de contra-espaço que nega as ordens
sociais majoritárias. Negou-se a negligência cada vez maior das pessoas com relação aos
problemas daqueles mais carentes.Também houve uma superação do localismo comumente
atribuído às associações de moradores, já que existiu uma integração entre diversos agentes
sociais articulados pela ação da SABA, Igreja, Estado, Agremiações Civis, a exemplo do
Rotary Clube, e empresas privadas.
129
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
33
Legislação trabalhista, salário, regulação dos custos da força de trabalho, provimento dos meios de consumo
coletivo, entre outros.
130
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Os espaços de atuação que são abertos (ampliação do espaço público) por meio da
ação dos movimentos que agora (a exemplo dos novos personagens que entram em cena a
partir da década de 1980) não têm grandes preocupações revolucionárias como eixo
ordenador da ação e da própria existência, faz da escala municipal a dimensão privilegiada.
Isto se deve ao fato de que na escala municipal existe uma aproximação mais direta com os
responsáveis pela gestão destes espaços.
A gestão pública entra num processo crescente de flexibilização diante das demandas
da sociedade, redimensionando a relação Estado-sociedade. O reflexo deste processo é patente
131
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
na Lei Orgânica do Município de Araçatuba, que preza por um maior controle social e pela
busca por possibilidades cada vez maiores de influir nas decisões34.
Com relação às teorias que buscam dar conta do complexo vínculo entre Estado e
sociedade, e mais especificamente, entre Estado e espaço urbano, temos em Lefebvre (1999 e
1991) e em Castells (1977 e 2000) duas concepções que, salvo diferenças abissais,
consideram o plano existencial do Estado indissociável das questões urbanas.
Ficamos por ora com Castells, deixaremos Lefebvre para o capítulo IV, onde nos
desdobramos sobre dimensão ontológica do espaço e do território, preocupação que falta a
Castells.
34
Vide artigos 39; 76; 136 e 165 da Lei Orgânica do Município de Araçatuba.
35
Da Assistência Social; dos Direitos da Criança e do Adolescente; Tutelar; da Saúde; da Educação; do Idoso;
do Meio Ambiente; do Esporte; do Turismo; do Desenvolvimento Comercial e Industrial; da Segurança
Alimentar e Nutrição; Antidrogas; do Desenvolvimento Rural; da Cultura; da Pessoa Portadora de Deficiência;
da Alimentação Escolar; da Segurança; e do Trânsito.
132
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
O Estado deixa de ser o ponto de partida, este papel é exercido pela relação fixada no
processo de interlocução. A intervenção estatal não é um mero mecanismo de regulação
automático das contradições sociais, já que na interlocução com outros grupos sociais
politiza-se as questões do planejamento e da intervenção. Estas questões não se dão a partir do
aparelho estatal de forma linear, há inflexões históricas consideráveis em função das forças
entre os grupos sociais, suas orientações e alianças.
Por meio de sua fala, nosso colaborador explicita que em diferentes momentos,
dependendo da forma pela qual são articuladas as relações de poder local, ou dependendo do
perfil apresentado pela gestão de determinado grupo36, a interlocução atinge ou não os
objetivos desejados pela associação. De fato, as decisões políticas procedidas da prefeitura
(expressão política do poder local por excelência) são constituídas pelo entrechoque de uma
gama variada de micro-políticas que transversa o poder político local.
36
Numa cidade como Araçatuba, onde tradicionalmente os governantes provêm das elites locais (Gomes, 2003),
tende-se a prevalecer uma postura que reforça as culturas políticas das elites, onde a cuja participação popular
não têm espaços amplos de atuação. O compromisso com as organizações das camadas populares muitas vezes
toma escopo de posturas populistas36, realçando ainda mais os entraves no interior do aparelho administrativo e
legislativo.
133
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Demo (2001), ao estudar alguns traços gerais do associativismo no Brasil, tendo como
base de dados pesquisas elaboradas pelo IBGE, distingue três categorias desse fenômeno; os
sindicatos, as associações órgão de classe (categorias profissionais) e os órgãos comunitários.
Para este autor, as filiações à órgãos comunitários expressa uma cidadania tipicamente
voluntária e geralmente mais consciente.
Ao frisarmos a formação de uma identidade dos moradores com seu espaço de vivência
não ignoramos o papel que as carências têm nesse processo. O sentido de carência pode ser
definido de várias formas, daí a multiplicidade dos movimentos que define a coletividade
efetiva de cada ação; homossexuais, mulheres, negros, moradores etc.
134
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Segundo informações obtidas por meio de entrevistas, o Sr. José Renato possui sua
história na cidade vinculada a ação política. Vindo da metrópole paulistana em meados da
década de 1970, conhecedor das vias legais da formação e legalização de associações e,
posteriormente, militante do Partido dos Trabalhadores, o Sr. Renato colaborou na
mobilização inicial dos moradores do bairro Alvorada e mais tarde colaborou na mobilização
de pelo menos dez associações de moradores em Araçatuba. As informações referentes a este
importante personagem da história política de Araçatuba são escassas, isto se deve ao fato
dele ter falecido há mais de dez anos e de seus familiares não residirem na cidade, mesmo
quando acionados desconhecem sua atuação em Araçatuba.
No início, a criação da SABA estava relacionada com o fato de que o bairro Alvorada,
apesar de já existir há trinta anos no final da década de 1970, carecia de uma série de
elementos de infra-estrutura que implicaria na melhoria na qualidade de vida dos moradores.
A implantação de elementos como água encanada, iluminação pública, asfalto e abertura de
algumas vias que já possuíam residências, somente fora iniciadas neste período.
A colaboradora Maria de Jesus lembra das inúmeras vezes que ia buscar água no
córrego Alvoradinha que corta o bairro para lavar roupa, tomar banho e para beber. Maria
recorda: me lembro das máquinas da prefeitura que vinham abrir as vias e que nunca
passavam na frente de minha casa. E continua: ...me lembro de uma vez que dei duas
garrafas de pinga para o maquinista passar na rua aqui do lado que era um barrancão só.
É claro que a postura isolada de nossa colaboradora não pode ser associada ao
coletivismo ao qual nos referimos linhas acima, mas sua fala nos serve para ilustrar que a falta
de uma atuação mais efetiva da prefeitura na implantação de melhorias para o bairro
contribuiu para a formação de uma força aglutinadora pela qual a formação da SABA se
nutre. Os indivíduos mais diversos tornam-se iguais na medida que sofrem da mesma falta.
Submetidos a carência, todos se tornam portadores de uma identidade no sentido concreto, a
representação de que algo falta ao espaço da vida e que se deve fazer alguma coisa da base à
noção de comunidade.
135
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
A prática fundada na busca pela satisfação das carências cria uma prática coletiva que
passa a fazer parte da vida social e fundamenta suas representações, amplia e reformula a
vida. O reconhecimento da carência passa para o reconhecimento da identidade e do direito
legal das exigências. Thompson (1981), afirma que para compreendermos a formação da
classe operária na Inglaterra, deve-se realizar uma verdadeira inversão na lógica interpretativa
promulgada por Karl Marx no século XIX. Thompson destaca a formação da classe operária
para depois compreender a formação da indústria moderna, o autor enfatiza o auto-
reconhecimento dos trabalhadores como classe. Em suma, o que o historiador inglês propõe é
entender a formação da classe operária como condição e não mais como um simples resultado
da grande indústria, há uma inversão de perspectivas.
136
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Não tem
problemas Terrenos
9% baldios
Marginalidade 21%
2%
Falta
policiamento
26%
Falta de
Falta serviços asfalto
2% 23%
Limpeza
Animais
Falta de pública
soltos
iluminação 12%
1%
4%
Problemas que tradicionalmente entrariam na pauta das reclamações, tais como falta de
escola, creches, posto de saúde, não são lembrados. Isto de deve ao fato de que estes serviços
são atendidos de forma relativamente satisfatória. O aumento do número de salas de aula na
escola estadual Altino Arantes, o aumento do número de vagas nas duas creches localizadas
no bairro, a instalação da Unidade Básica de Saúde em meados de 1990, a implantação de
sinalização nas ruas, segundo relatos de entrevistados, foram problemas que sempre entravam
na pauta das reuniões e reivindicações da SABA. Se muitas das intervenções do poder público
no bairro não estão diretamente vinculadas à ação reivindicatória da SABA, a forma pela qual
estas são implementadas não escapam à observação da associação e crítica da associação.
Como o caso da cobrança da taxa de asfaltamento aos moradores que foi suspensa após a
mobilização dos moradores, havendo inclusive a elaboração de um abaixo-assinado. Nesse
caso a prefeitura deixou de asfaltar parte das ruas, completando a implantação deste serviço
somente no momento que contava com recursos conseguidos juntos ao governo federal.
137
______________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Tidas como ações coletivas de natureza política, que buscam um certo grau de
autonomia de ação, o movimento em pauta mostra um exagerado conteúdo de contradições.
No conjunto das múltiplas determinações do fenômeno, a busca pela identidade exige que
encontremos uma unidade. Esta unidade, reside justamente no campo relacional. É justamente
onde a Geografia, de forma tradicional, mais se debruçou, na relação sociedade-espaço, que a
identidade dos sujeitos (ou personagens, para lembrar Eder Sader) se fundam. Desta relação
origina-se o território.
Da mesma forma que ser e pensar constituem o processo pelo qual as múltiplas
determinações geram o concreto, o território é a mediação pela qual os moradores do
Alvorada experienciam seu espaço. Daí brota a complexidade geradora da ação política que
está disseminada no cotidiano, não confinada a uma dimensão específica. É esta
complexidade, capaz de causar úlceras aos adeptos da preguiça intelectual, que nos estimula
a entender a forma pela qual o bairro, enquanto lugar da vida, passa a configurar o espaço da
ação política, constituindo, portanto, o território. Este processo é o que marca a especificidade
do que chamaremos de Movimento Socioterritorial.
138
___________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
4. O PROCESSO TERRITÓRIO-BAIRRO
139
___________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Existe um certo consenso entre esses autores que esta concepção de território foi
difundida, sobretudo, a partir de Friederich Ratzel, no século XIX. Naquele contexto, o
território estava diretamente vinculado à preocupação de se estabelecer uma justificativa para
as pretensões imperialistas nos Estados-nações nascentes, principalmente a Alemanha. Assim
sendo, o território estava comprometido com o espaço, mas com o espaço no qual imperava o
poder do Estado, ou como Raffestin (1993) propõe, o Poder com P maiúsculo, do poder
estatal.
1
O território era visto como o espaço demarcado pela existência ou predomínio de uma espécie específica, seja
da fauna ou da flora, em um determinado espaço, a exemplo do território demarcado por um leão e seu grupo na
savana africana.
140
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Inserido nesta discussão, Souza (2001) afirma que a incorporação de novos referenciais
no trabalho de precisão do conceito de território deve ter o fim de romper com a velha
identificação do território com seu substrato material, o que o autor chama de
“hipostasiamento”. O território não é só substrato, espaço social em si, mas deve ser
considerado como um campo de forças
141
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Direcionando sua crítica a Raffestin, Souza afirma que o autor de “Por uma Geografia
do poder” não atinge o ponto necessário para romper com a visão tradicional de território
enquanto substrato material. Ao que parece, pelo menos para Souza, Raffestin não consegue
atingir a proposta de realizar uma abordagem relacional.
Vamos agora prestar atenção na leitura mais transigente de Haesbaert (2004) sobre
Raffestin. Para Haesbaert (2004), até mesmo a visão de Raffestin sobre o território, visto
como trunfo, comporta um caráter relacional, nem muito materialista, nem muito idealista. O
espaço é tanto suporte quanto trunfo, trunfo porque abarca uma dimensão política projetada
sobre um aporte que nos serve de recurso. O território é um trunfo particular, recurso e
entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é o espaço por excelência,
o campo de ação dos trunfos (Raffestin, 1993, p. 60).
Esta leitura de Haesbaert acerca das formulações de Raffestin está associada a sua
preocupação de inserir novas dimensões na composição do conceito de território. Para
2
Entendemos que as divisões apontadas por Raffestin são aquelas estabelecidas pelo poder institucional nos
parâmetros de uma determinada jurisdição legal. Exemplo ilustrativo deste conflito pode ser buscado no
processo de constituição dos Estados-nações africanos, no qual territorialidades – os limites estabelecidos pelos
diferentes grupos étnicos, na maioria dos casos, não condizia com as fronteiras marcadas pelas potências
imperialistas européias - distintas se chocaram resultando em conflitos de ordem civil e geopolítica.
142
___________________________________________________ PEDON, Nelson Rodrigo
Haesbaert, o território perde muito quando é entendido como uma mera demarcação espacial
na qual impera o poder de um grupo3. Outras dimensões se articulam, a exemplo do político, o
econômico, o simbólico e o natural, que fazem parte do processo de constituição do território.
3
Rogério Haesbaert vê três vertentes básicas de leitura a respeito do território: uma política ou jurídica-política,
relativa à relação espaço-poder, institucionalizado ou não; a segunda de caráter cultural ou simbólica-cultural, na
qual o território é visto como produto da apropriação/valorização simbólica em relação ao espaço vivido; e a
terceira vertente, a econômica, muitas vezes economicista, que enfatiza a dimensão espacial das relações
econômicas, o território como fonte de recurso incorporado na relação capital-trabalho, posteriormente o autor
insere uma interpretação naturalista, que se utiliza do território com base nas relações entre sociedade e natureza.
4
Sobre esta problemática, ver Bonaccini (2000). Em seu trabalho, o autor busca apresentar a contraposição
existente entre as perspectivas kantiana e hegeliana acerca do significado da Dialética. Para Bonaccini, o
monismo ontológico tutelado por Hegel funda-se principalmente numa crítica ao dualismo de Kant, para quem a
realidade é exterior ao sujeito. Em Kant, sujeito e objeto possuem status completamente diferentes, daí a
dialética ser encarada por ele como uma penumbra ao conhecimento, o que em Hegel representa o próprio
processo do conhecimento.
143
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contornos mais abstratos. Para este último mais produtivo seria... encarar a territorialidade à
semelhança de outros substantivos como brasilidade, sexualidade e tantos mais.
O que Souza tem em mente é um certo tipo de interação entre homem e espaço, a qual
é, aliás, sempre uma interação entre seres humanos mediatizada pelo espaço.A idéia de que o
território se constitui na medida que o espaço emerge como elemento que medeia a interação
entre seres humanos é adotada neste estudo. Em Raffestin, esta idéia também aparece.
Enquanto espaço da ação, o território passa a ser a mediação entre dois indivíduos ou
grupos. É uma relação triangular, pois a relação entre os sujeitos sociais é mediada pelo
espaço que, nesse processo toma status de território. O território tem, nestes termos, uma
dimensão política intrínseca, pois tem a dimensão do poder no centro de sua constituição.
O território é, nesses casos, uma relação política. Tem em seus limites, seja de um
bairro, de um assentamento rural ou de uma nação, uma relação política com a alteridade. É
uma relação entre grupos sociais mediada pelo espaço. Raffestin cita René Girard, ao afirmar
que a territorialidade, de forma ampla, procede de uma problemática relacional. Aqui o autor
menciona a relação triangular à qual já fizemos referência.
De forma geral, entender o território como espaço da ação implica em buscar valorizar
as especificidades de cada caso, seja a atuação de uma associação de bairro, seja no caso do
movimento dos sem terra, dos atingidos por barragens, dos punks ou dos quilombolas. Desta
forma, devemos compreender a territorialidade como conjunto daquilo que se vive no
144
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O que de fato presenciamos é que, ora Raffestin promulga por uma abordagem
relacional, ora Souza critica Raffestin justamente por não alcançar a desejada abordagem
relacional. Salvo as diferenças entre os autores, concordamos com ambos no sentido de que o
território só se constitui enquanto realidade concreta na medida que nos atentamos ao que este
tem de material e imaterial. O território concreto constitui a soma de múltiplas determinações
que somente a abordagem relacional, do ponto de vista epistemológico, dá conta de uma
aproximação mais coerente com a realidade em movimento constante.
Para Friederich Hegel, o não é nada, e deve vir a ser algo, sendo que o começo não é o
nada puro, mas um nada do qual algo deve surgir. O ser está contido já no início. Em suas
palavras, a verdade é completa apenas na unidade da identidade com a diferença. O
complicado jogo de palavras do filósofo nos serve de base filosófica para assegurar o que
estamos propondo elucidar sobre a forma do juízo, é o território o próprio movimento da
realidade do cotidiano das pessoas que, na sua relação entre si e com o espaço da vida,
dá os contornos de uma identidade que também é movimento.
O território sintetiza em seu interior o intrincado jogo de relações que formam a unidade
da relação sociedade-espaço. A unidade não é a busca pela identidade estática, mas é a busca
pela compreensão do movimento, de uma identidade que está num eterno devir. É por isso
mesmo que discordamos de Raffestin quando sublinha em seu texto o caráter de trunfo do
território. As dificuldades que uma afirmação deste tipo nos impõe para compreender a ação
dos movimentos sociais como a associação de bairro dilatasse de tal forma a impedir qualquer
tentativa de achar uma unidade (movimento) para o conceito de território, assim como para o
conceito pelo qual nos debruçamos a partir de agora; o de Movimento Socioterritorial. Este
145
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último é definido por nós como aquela ação social que tem no território o espaço da mediação
política.
Seja no campo, seja na cidade, acreditamos que o fator que dá unidade aos movimentos
sociais chamados de Movimentos Socioterritoriais não está associado aos recursos ou às
características peculiares da população rural ou urbana, daí não concordamos com a
formulação raffestiniana de ver o território como trunfo, onde se assenta um conjunto de
recursos ou uma população específica. O que dá unidade a estes movimentos sociais é o fato
de na sua constituição o espaço apresenta-se como mediador da ação. Sendo o território,
portanto, um elemento que reside no próprio status existencial destes movimentos, como
afirmou Hegel, seu ontus reside já no seu início e não depende exclusivamente de seus fins ou
para onde vai.
Esses movimentos sobrevivem mesmo sem o trunfo, pois sua identidade se firma no
território como resultado da relação e não como mera área onde se disputa a constituição dos
limites. Desta forma, resgatamos, inclusive, a visão do próprio Raffestin, quando ele afirma
que o território pode ser analisado a partir de relações de poder mas também como palco de
ligações afetivas e de identidade entre um grupo social e seu espaço.
146
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Fernandes (2000) lança seus esforços à difícil tarefa de entender os movimentos sociais
para além de suas formas de organização. Sua tentativa é a de abarcar os espaços construídos,
ou melhor, o território dominado pelos movimentos. Este autor busca fundamentar os
conceitos de movimento socioespacial e movimento socioterritorial, utilizado para denominar
os movimentos que têm o espaço como trunfo, citando Martin (Fernandes,1997, p.26).
Assim, Fernandes afirma que os movimentos sociais que têm o território como trunfo
são de interesse particular da Geografia, pois organizam suas formas e dimensionam-se a
partir desse referencial. Vale a ressalva de que este autor analisa o caso específico do
Movimento do Sem Terra. O autor ressaltar as particularidades dos movimentos que possuem
o espaço ou território como objeto de disputa política da seguinte forma:
O autor também afirma que existem movimentos sociais desde uma perspectiva
sociológica e movimentos socioterritoriais ou movimentos socioespaciais numa perspectiva
geográfica, sendo portanto, a diferença entre os movimentos que não carregam a denominação
de socioterritoriais e os movimentos que têm, em seu julgamento, todas as características para
serem denominados como sendo socioterritoriais, uma diferença de perspectiva; isso significa
que o que existe não é uma diferença ontológica, no que se refere aos diferentes movimentos
sociais estudados pela Sociologia e pela Geografia, mas sim que ambas as ciências devem
construir diferentes referenciais para a análise de um mesmo problema. A diferença seria,
147
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Nossa afirmativa pode, inclusive, de forma bem simples, ser verificada no nome que é
dado aos movimentos sociais que têm o espaço como mediação, assim é com o Movimento
dos Sem Terra, assim é com as Associações de Bairro. A terra, assim como o bairro, são
referências que identificam estas forças mobilizadoras com um espaço específico, o da vida
cotidiana, o espaço da identidade que forma o território, mesmo que este não seja
juridicamente pertencente aos sujeitos que formam os movimentos Assim não é, por exemplo,
com os movimentos estudantis, com o movimento de apoio aos cegos, com o movimento dos
vales leite e transporte, assim não é também, com o movimento sindical, cuja problemática
maior não tem no território nenhuma referência específica, mas sim as condições de trabalho e
a remuneração.
Isto não significa dizer que achamos que esses problemas não tenham algo de comum,
mas que cada caso é um caso específico e que somente um olhar vertical sobre cada
movimento, suas razões, limites e potencialidades, pode nos dizer algo sobre sua verdadeira
identidade.
148
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Deve-se adotar o espaço como mediador de uma ação, sendo ele próprio uma relação,
como objetivamos entender a relação sociedade-espaço no ato da ação política reclamada
pelas associações de moradores.
Isso significa dizer que: o que dá identidade aos Movimentos Socioterritoriais é o fato
de que o componente espacial se apresenta como elemento mediador, sendo o próprio espaço
uma relação. A luta só existe porque o espaço se apresenta, não como base onde se fixam
objetos, ou como uma área ou sítio a ser delimitado, ficando a partir de então sobre a tutela de
um grupo. A mobilização existe porque há uma identidade do grupo com o espaço, é isto que
permite o movimento sobreviver e atuar em espaço alheio, quando o espaço ainda se constitui
como território de outrem. Tal definição também nos ajuda a entender a diferenciação que
Souza (2001) faz entre território e territorialidade já citada anteriormente. A partir da qual o
espaço passa ser entendido como um campo no qual coexistem várias territorialidades
conflitantes.
Nas associações de moradores, o espaço do bairro não é nem trunfo, porque se o bairro
existe significa que ele já constitui um espaço apropriado pelo morador, tendo ou não a
escritura que lhe dá direito sobre a posse do imóvel, nem é um mero receptáculo, onde se
fixam estruturas ou luta-se por recursos. Tal é o caso dos inúmeros moradores do bairro
Alvorada que não possuem escritura da residência.
O bairro é um lugar onde se encerra uma representação que faz dele algo que transcende
seus limites. A identidade firma-se não somente a partir do que falta à base espacial da
vivência dos moradores, como já nos referimos por meio da citação de Kowarick (1979) no
capítulo anterior, mas firma-se a partir de uma dialética objetivo-subjetivo (a dialética espaço
da representação-representação do espaço) que confere concretude à realidade dos moradores.
Assim, a luta política não resulta do que falta ao espaço, mas do que é incorporado
e apropriado a ele. O espaço, na mobilização política dos movimentos tidos como
socioterritoriais não é ideal nem material, mas sim relacional.
149
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associação dos moradores do bairro Alvorada, nosso papel é informar, gerar um tipo de
conhecimento do que as pessoas vivem, e correr atrás.
De certa forma, Fernandes (2000) compartilha de nossa idéia ao afirmar que o critério
para o assentamento das famílias sem terra não é mais o limite territorial, mas sim a forma
pela qual a família ou pessoa participa da luta. A ocupação transformou-se numa luta
contínua pela terra, num refazendo constante.... Ou seja, após a conquista do território a luta
continua. Isso só vem a reforçar o que estamos dizendo, pois há processos que mantém a
identidade das pessoas com o espaço da vida, existe uma identidade.
Fica claro nesta passagem que para Martin o movimento de bairro se configura como
um movimento conservador pelo simples fato de não acrescentar nada de inovador ao espaço,
sendo meramente funcional e espacista, não lhe cabendo a denominação “socioterritorial”.
Segundo o autor, para o movimento de bairro o território não é trunfo, o motivo pelo qual se
luta é a fixação de fixos territoriais como água encanada, esgoto, luz elétrica etc.
150
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5
Termo cunhado pó Guatari citado por Haesbaert (2002, p.82).
151
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que os moradores se viram usurpadas das decisões que concernem ao ordenamento do espaço
vivido por elas.
Todo movimento social que tem o espaço como mediador da ação política é ao mesmo
tempo um movimento pela autodefinição. Busca-se afirmar uma representação de si mesmo,
como indivíduo ou grupo que se apropria de um espaço. Esta autodefinição constitui-se dentro
de um espaço maior onde as relações de poder estão arranjadas de forma a dar sentido ao
ordenamento no território.
Um exemplo seria a valorização da cultura hip hop por parte dos moradores da periferia
como forma de autodefinir-se como indivíduos que possuem uma série de características
próprias inseridos num ordenamento sócioespacial.
O cotidiano daqueles grupos que vão formar os movimentos é ao mesmo tempo abstrato
e concreto, é a partir do vivido, do que é experienciado nesse cotidiano que se institui e se
constitui um sujeito social. O cotidiano também é mediação entre o concebido e o vivido, nele
travam-se combates pela apropriação do espaço, mas isso só ocorre porque o sujeito se
reconhece nesse espaço. Para Odette Seabra (1996):
152
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O Movimento Socioterritorial não se define pelo seu objetivo, mas pelo processo de sua
formação, que está na base da constituição de sua própria identidade, mediada pelo território.
Assim é com o Movimento de Bairro. É por isso que não é apenas um movimento social, mas
também socioterritorial, pois luta pelo direito de ser reconhecido por meio da mediação do
espaço da vivência. Como afirma o atual presidente da associação dos moradores do
Alvorada, o Sr. Manoel: ...é pelo bairro que fazemos alguma coisa, pelos moradores, pela
comunidade.
Para Thompson (1981), o objeto real é epistemologicamente inerte, mas isto não
significa que seja inerte de outras maneiras; não precisa, de modo algum, ser
sociologicamente ou ideologicamente inerte. O pensamento e o ser habitam um único espaço
que somos nós mesmos, em suas próprias palavras, a consciência está misturada ao ser.
Assim deve ser o materialismo daqueles que buscam compreender o espaço dos movimentos
sociais na atualidade. A figuração tradicional com seus vícios taxonômicos e sua perversão
em estabelecer dicotomias (como revolucionário-conservador) vela a existência de sujeitos
sociais antes submetidos ao “planetário de erros” denunciado por Thompson.
No que diz respeito a nossos esforços em entender o que está implícito e explícito na
ação de uma associação de moradores de uma cidade média, o bairro é o foco central da
análise/síntese. A mobilização que dá contornos à associação de moradores não se separa do
processo de formação da identidade das pessoas que habitam conjuntamente um espaço,
sofrem as agruras e felicidades, e as dividem com seus vizinhos. Buscamos definir o que
entendemos por bairro na medida que apresentamos um conjunto de práticas que se efetuam
numa determinada porção do espaço araçatubense; o bairro Alvorada.
153
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O bairro em Cândido (1971), é um bairro com feições rurais. Feições que vão
deixando de existir conforme o Brasil vai se inserindo num contexto no qual os espaços vão
sendo reorganizados e adaptados à nova forma de apropriação, esta apropriação é tomada
tanto num sentido econômico, o da produção, quanto num sentido acerca do modo de vida,
cultural e simbólico. Nos dizeres do autor:
...trata-se de definir um fenômeno da maior importância...que
altera a perspectiva segundo a qual estudamos a vida caipira: a sua
incorporação progressiva à esfera da cultura urbana. A marcha deste
processo culminou na ação já anteriormente exercida por outros fatores,
como o aumento da densidade demográfica, a preponderância da vida
econômica e social das fazendas, a diminuição das terras disponíveis
(Cândido, 1971, p. 173).
É evidente que a forma generalizada pela qual tratamos a obra de Cândido, nem de
longe se aproxima de representar a riqueza de sua contribuição. Contudo, nos damos por
6
Utilizamos a 2ª edição publicada em 1971 pela livraria Duas Cidades (São Paulo).
154
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155
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um conjunto de proposições que são apresentadas como sendo respostas das vontades dos
moradores em relação ao bairro.
Os limites do bairro (forma espacial do bairro) se dão de forma arbitrária, são lugares
de tensão onde relações entre vizinhos são testadas ofensivamente e defensivamente. A partir
da dinâmica interna de cada pedaço deve-se considerar a estreiteza ou largueza espacial e
também a energia de coesão que mantém o pedaço como unidade e/ou identidade. A
associação de moradores representa a busca por parte dos moradores pela fixação de
conteúdos, integrando o conceber e o pertencer, já que constitui um “ponto” no qual se fixa
interesses e vontades dos membros de um grupo de clara significação social.
O discurso sobre o bairro está para o autor, impregnado de ideologia que fetichiza o
espaço. De forma resumida, o que Scarlato propõe é o entendimento de uma contradição
existente entre viver no bairro e viver o bairro. Uma contradição existente entre o discurso
que se funda sobre o bairro e a apropriação do mesmo.
Seabra (2001), numa perspectiva que concorda com Scarlato, afirma que o bairro e o
não-bairro formam uma unidade. Junto às práticas que firmam e aprofundam o sentido de
pertencimento ao lugar arrolam movimentos que negam o próprio bairro. Para a autora, a
difusão das estruturas do mercado capitalista fragmenta e faz com que o bairro seja entendido
somente na sua funcionalidade.
156
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Seabra coloca este problema ao afirmar que é uma prerrogativa da Geografia das
cidades discernir o como se representa a vida, o que vale dizer que, a Geografia ganha muito
ao incorporar ao seu rol de preocupações a fruição dos sentidos por sobre os espaços
concebidos. A autora coloca a problemática sobre as representações que são construídas no
transcurso da apropriação. Volta-se ao problema da relação conceber-apropriar, ou nas
palavras de Seabra, da dialética representação do espaço-espaço da representação.
Um exemplo que pode ser tratado neste trabalho e que mostra o quanto é complexo a
problemática da definição do bairro, já que sua constituição se dá no “entretanto” da
representação do espaço e do espaço da representação, é a existência de representações
negativas em relação ao bairro Alvorada e que estão, inclusive, na base da formulação da
pauta de discussão da associação de moradores.
157
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É bastante conhecido dos geógrafos, ou daqueles que se interessam pelo que é feito no
campo disciplinar da Geografia, o trabalho de Y-fi Tuan. Nesse trabalho, que recebe a
7
Optamos por este efeito ortográfico no intuito de explorar o duplo sentido no termo. A criminalização do
bairro, configurada na forma de uma discriminação em relação aos moradores do Alvorada, é corrente até hoje.
A representação de um espaço no qual prolifera a violência, o roubo, brigas e o tráfico de drogas, está associada
ao fato de existir durante muito tempo no extremo sul do bairro um conjunto de casas que se configurava como
uma favela. Era muito comum ouvir expressões discriminatórias como; “a favelinha do Alvorada” ou “o
mangue do Alvorada”, esta última, fazendo referência ao sítio no qual se localizava a favela, uma área de várzea
próxima ao córrego Alvoradinha que corta o bairro no sentido leste-oeste.
158
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Para Tuan (1980; p. 04), Topofilia é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou o
conceito. Da mesma forma que existe a relação de empatia, existe a antipatia, expressa nas
formas de medo, desprezo ou vergonha, por exemplo. Ocorre que no caso do Alvorada,
constatamos que este sentimento resulta de uma representação que povoam a mente dos
moradores dos demais bairros da cidade.
O colaborador Rodrigo, morador do bairro há vinte anos, nos relata uma situação de
sua vida que nos ajuda a explicar o que denominamos no título do subitem de: “o individuo é
o território”.
Rodrigo nos relata que quando cursava o ensino primário8 num colégio localizado em
outro bairro, por várias vezes mentia aos amigos de sala onde morava, isso porque o bairro
onde morava constituía um lugar no qual a pobreza e a violência eram imperiosas. Rodrigo
afirma que tinha vergonha de dizer o nome do bairro que morava, o Alvorada, até mesmo há
poucos anos, quando ia preencher alguma ficha no intuito de conseguir emprego, colocava o
endereço de um parente que mora em outro bairro.
8
Hoje denominado por ensino fundamental.
159
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9
Para uma explanação rigorosa sobre o tema ver: “O obscuro sentimento da vergonha” em Maria Faller Vitale
(2000).
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Neste estudo, o autor concluiu que existe uma divisão social bem definida entre os
moradores do bairro, e que esta divisão está alicerçada em um critério, o do tempo de
moradia. Existe para Elias, um preconceito dos moradores mais antigos em relação aos
moradores de instalação mais recente, tal configuração social influi na forma como o espaço é
apropriado. Essa configuração expressa a diferença (relação incluídos-excluídos) que se
mantém pelo fato de que parte da comunidade, os estabelecidos, compartilham a idéia de que
são realmente diferentes, possuindo virtudes e características próprias. O fato interessante
constatado por Elias é que não havia nada que diferenciasse os moradores no sentido étnico,
nacional, ou instrucional, critérios que são levados em consideração nos estudos tradicionais.
Para o autor, o medo por parte dos moradores mais antigos fez com que emergisse um
161
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preconceito em relação aos moradores mais recentes, tal preconceito serve como uma
estratégia social de proteção à coesão social do grupo de moradores mais antigos, já que são
estes que regem as organizações que comportam uma série de atividades representativas do
bairro, como por exemplo a associação de moradores.
Nossa atenção por este trabalho de Norbert Elias reside no fato de acharmos que este
estudo representa um exemplo íntegro de como se realiza uma análise acerca do complexo e
dialético processo de formação da identidade territorial, numa abordagem coerentemente
relacional.
Em duas entrevistas realizadas por nós, uma com o atual presidente da associação de
moradores do Alvorada e outra com um dos fundadores da associação, uma mesma afirmação,
feita pelos dois dirigentes, nos chamou atenção. A de que existe uma certa diferença entre os
moradores do lado de cá do córrego e os moradores do lado de lá.
Como podemos observar no mapa anexado ao segundo capítulo (ver página 75), o
bairro Alvorada é cortado no sentido leste-oeste pelo córrego Alvoradinha. Tal córrego é de
lembrança recorrente na fala (memória) dos antigos moradores, isso porque até meados da
década de 1970, o córrego constituía a única fonte de água do bairro. É ao longo de suas
margens que um número considerável de moradores se assentaram, aumentando o número de
áreas verdes ocupadas.
162
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Soma-se aos relatos dos colaboradores, o fato de que todos os presidentes eleitos para
presidir a associação, são moradores da vertente esquerda do córrego. Área que, segundo Sr.
Moringa, tem mais problemas como a falta de asfalto e com as moradias em áreas verdes. O
padrão arquitetônico das casas também é revelador de diferenças.
Ocorre que as duas partes do bairro foram sendo ocupadas ao mesmo tempo e na
mesma intensidade. Não havendo a possibilidade de estarmos diante de um problema que,
apesar de semelhante, tenha as mesmas causas como no trabalho de Norbert Elias. De acordo
com os questionários aplicados, o valor dos lotes da vertente esquerda do bairro, teve seus
preços com menor valor, já que estavam mais distantes da rua principal que liga o bairro ao
restante da cidade. Outro problema que fez com que o valor dos lotes desta área do bairro
tivesse uma menor valorização foi o fato de que esta vertente apresenta uma menor
declividade, o que até meados da década 1970, antes do aprofundamento do canal do córrego,
fazia com que houvesse sucessivos alagamentos dos lotes mais próximos ao córrego. Um
terceiro fator de desvalorização dos referidos lotes era a passagem de um ramal da linha férrea
da Noroeste que cortava o extremo sul do bairro, o barulho e os riscos da passagem do trem
nesta área pode ser considerado para justificar o fato de que o valor do preço dos lotes da
referida área era bem menor do que os lotes mais próximos à rua Baguaçu, principal via de
ligação do bairro com o resto da cidade.
Também na pesquisa de campo verificamos que; dos 40% que afirmaram conhecer a
ação da associação de moradores, 30% são moradores do lado sul.Ou seja, ¾ dos
entrevistados que declararam ter conhecimento de que o bairro possui instância legal de
representação política e cultural são moradores da vertente esquerda do córrego Alvoradinha,
como já afirmamos, área do bairro que possuiu maior carência de recursos em relação ao
restante do bairro.
163
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Não ignoramos o fator carência, o que propomos é buscar elucidar a complexa trama
de contradições que contém o processo de formação do território-bairro. Ocorre que até
mesmo as condições que são consideradas pelo pensamento científico tradicional como sendo
exclusivamente materiais, não estão totalmente desprovidas de significação.
Ora, como algo que já existe, e que inclusive “passa na porta de casa”, diante aos
olhos, pode se constituir problema. Duas justificativas; a primeira está associada à já
denominada “ideologia do asfalto” que impregna a fala dos moradores. É só nos atentarmos
para a pauta de promessas dos candidatos a cargos políticos locais que verificaremos que o
asfaltamento das vias se apresenta como “compromisso” obrigatório. Na imprensa, o
problema também é tratado de forma estafante, é só abrir o “Caderno Cidades” do jornal de
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maior circulação na cidade10 que a questão do asfalto está lá, seja com referência a falta deste
ou a má qualidade do “ouro negro” em algumas das vias da cidade.
10
O jornal “Folha da Região”.
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5. À GUISA DE CONCLUSÃO
Problematizar o espaço urbano é prestar atenção na relação do ser humano com seu
espaço de vivência. Deve-se partir de várias contradições que só podem ser entendidas
dialeticamente: inclusão-exclusão, local-global, estrutura-indivíduo, todas sob o jugo da lógica
capitalista de desenvolvimento social. Nosso estudo constitui, de forma modesta, uma reflexão
acerca da importância da organização social que se faz na própria constituição dos sujeitos, num
processo que traz à superfície um complexo conjunto de formas de comportamento e
entendimento do mundo. As cidades, de forma ampla, revelam as contradições próprias do
processo de constituição dos sujeitos, ao mesmo tempo em que cristalizam a forma hegemônica
do modo de produção.
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pertinentes a vida moderna. E as formas de amenizar esses impactos emergem das mais diversas
maneiras.
No capítulo II, por exemplo, auxiliados por importantes autores da Geografia brasileira,
como Milton Santos, realizamos o exercício de introduzir ao conceito de Globalização a
dimensão tempo-espaço. Destacamos, assim, a interconexão entre eventos de diferentes escalas,
do local ao global, cujas relações não estão mediadas necessariamente pelo Estado, como no
caso da estruturação interna do bairro no qual se destaca a ação dos moradores associados ao
circuito inferior da economia. Desse modo, as transformações globais, tal como a
desregulamentação da economia e a flexibilização do trabalho, tratados no capítulo citado, são
partes do processo de estruturação do bairro, bem como ajudam a explicá-lo no nível global.
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cotidiano de inúmeros locais onde predominam altos níveis de exclusão. Como afirmou Henri
Lefebvre:
...o cotidiano se define como lugar social do feedback...é o resíduo (de
todas as atividades determinadas e parcelares que podemos considerar e
abstrair da prática social) e o produto do conjunto social. Lugar de equilíbrio, e
também o lugar em que se manifestam os desequilíbrios ameaçadores (1991b,
p. 39).
Em sua crítica à verborréia, Karl Popper afirma que o essencialismo predominante nas
ciências se apresenta como um verdadeiro obstáculo epistemológico para a compreensão da
realidade. A máxima aristotélica de que todos os corpos buscam seus próprios lugares naturais
não ajuda mais. Em vez de buscar definir o território em sua essência, buscamos elucidar o
complexo jogo de contradições que reside numa unidade que é momentaneamente definida: a
forma-processo-bairro, assim como sua interação com o espaço urbano no qual se insere.
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Afinal, o que adiantaria constituir uma identificação com o espaço e com aqueles que o
dividem comigo, se isso não se refletir na forma pela qual eu me aproprio deste espaço e o
organizo para melhor vivenciá-lo? O caminho a seguir, cuja direção tortuosa damos o primeiro
passo, é o de entender o sentido que os sujeitos podem sempre produzir por si mesmos na sua
relação com o espaço da vida e na sua convivência com os demais formadores do mesmo espaço
de vivência. A cristalização de estruturas sociais, vistas por muitos como verdadeiras leis
(sobre)naturais, está sempre em andamento, e a participação popular pode representar aquela
parcela da realidade social na qual tais estruturas apresentam brechas.
O problema de se buscar uma essência para nosso objeto principal é o de se admitir que,
de fato, existe um significado para a definição de participação popular, assim como para a
definição de território e, por extensão, para a de movimento socioterritorial. Achamos que o
caminho é justamente o contrário, a definição deve partir do que é definível e nada tem a ver
com o definitivo.
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Quem deve estabelecer o que é bom ou ruim para a vivência de seu espaço são aqueles
que ali vivem e que, de forma interativa, determinam o que pode e o que não pode ser realizado
num determinado momento, dentro dos limites socialmente estabelecidos, já que ninguém é
uma “ilha.” A participação popular não deve ser vista somente como uma questão de “tudo ou
nada”, na qual o trunfo é aquilo que aparece de imediato. O processo de constituição da ação
organizada com todas as suas contradições é muito importante, já que não é o que está no fim
do processo que interessa, mas o “entretanto” deste. É a forma pela qual os indivíduos, vivendo
em conjunto, se relacionam com os mais diversos problemas e a partir daí conseguem gerar
uma força mobilizadora suficiente para estabelecer diálogos entre os diversos sujeitos sociais
que compõem o espaço urbano assim como inserção deste no campo da política.
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aquilo que, na realidade empírica, aparece como uma única coisa, e sua crítica é sempre um
processo de (re)nomeação.
Pensamos que as ciências sociais devem ser filosóficas. Por isso fizemos uma retomada do
materialismo de cunho marxista e buscamos em seus críticos subsídios para pensar a ação
popular organizada. Temáticas importantes, como a de nossa pesquisa, passam a pertencer ao rol
das pesquisas em Geografia a partir da instituição da chamada Geografia Crítica, fundada no
materialismo histórico dialético. Ocorre que este já chega à Geografia num momento em que sua
vertente mais difundida, o marxismo, se encontra numa verdadeira batalha com outras correntes.
Por isso, os vários autores citados ao longo deste trabalho têm em comum a busca pela superação
dos elementos menos dialéticos da teoria marxista.
Ao interlocutor deste estudo pode parecer que nossa única e exclusiva intenção tenha sido
a de fazer um inventário de problemas, sem a preocupação de nos debruçarmos mais
exaustivamente sobre eles; pode até achá-lo eclético demais. Na verdade, a forma pela qual
resolvemos expor nossas idéias expressa o tamanho dos problemas que temos pela frente. Digo
temos, não somente ficando restrito às dificuldades específicas da pesquisa que desenvolvemos
neste trabalho, mas tendo a preocupação de situar alguns dos obstáculos mais amplos da ciência
social, por extensão da Geografia.
De forma ampla, este estudo ajuda no entendimento sobre o valor e os limites das
pesquisas acerca da formação de territórios na escala do lugar. Não faz sentido algum estudar
fenômenos sociais como se eles ocorressem num vazio temporal e espacial, pois os problemas
que ocorrem nas escalas locais, como no do desenvolvimento de uma comunidade, como o
bairro, e os problemas nas escalas nacional e/ou global, são inseparáveis. Considerar o bairro
como foco de investigação de problemas encontrados numa grande variedade de unidades
sociais, mais amplas e diferenciadas, permite a exploração de particularidades que, em estudos
comparativos, pode ajudar a compreender melhor as características estruturais que eles
compartilham e as razões por que, em diferentes e variadas condições, funcionam e se
desenvolvem diferentemente.
Terminamos este texto com a sensação de ter levantado mais dúvidas do que soluções.
Como alertamos no início, nosso objetivo era mais problematizar do que concluir.
172
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