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A COOPERAÇÃO PROCESSUAL E SUA RELAÇÃO COM O CONTRADITÓRIO

À LUZ DA EFETIVA ANÁLISE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

RESUMO: O artigo tem como objetivo analisar precipuamente a norma inserida no art. 6º
do Novo Código de Processo Civil e sua paridade com o princípio do contraditório,
visando dar efetividade à tutela jurisdicional pela Constituição Federal, sempre à luz das
garantias e dos direitos fundamentais.

INTRODUÇÃO

No âmbito do novo CPC, um dos atributos que mais se destaca e que se mostra
indispensável é o destaque dado aos princípios e garantias fundamentais do processo, sob
uma ótica interpretativa alinhada com os ditames da Constituição Federal. É nesse contexto
que está inserido o dever de cooperação. Segundo dispõe o artigo 6º do Novo Código de
Processo Civil: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha,
em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Questiona-se: o que vem a ser
cooperação?

Fredie Didier Junior (2015, p.76.), afirma que:

“Atualmente, prestigia-se no Direito estrangeiro mais precisamente na


Alemanha, Franca e em Portugal e, já com algumas repercussões na doutrina
brasileira o chamado princípio da cooperação, que orienta o magistrado a
tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo
do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras.”

Segundo o Dicionário Aurélio cooperar significa “operar ou obrar


simultaneamente; trabalhar em comum; colaborar; cooperar para o bem público; cooperar
para o trabalho em equipe”.

Partindo para uma interpretação concretizadora do dispositivo, percebe-se que


o que se almeja é que o processo deve ser encarado como um diálogo entre os sujeitos
processuais, ao contrário de ser um embate entre as partes e a consequente equidistância
do juiz, que é visto apenas como um mero expectador e fiscal.
Verdade seja dita, o processo representa um conflito de interesses, uma
pretensão resistida e só existe por conta disso, então, pensar que esse “processo civil do
arco-íris” seja o modelo ideal nada mais é que uma utopia, conforme afirma Marcelo
Pacheco Machado.

Logo, o dever de cooperação deve ser visto como algo muito mais objetivo do
que simplesmente como uma solução utópica para a celeridade e efetividade da justiça, em
que as partes caminham de mãos dadas para alcançar a solução final, o que se
mostra contraditório visto o espírito de guerra dos litigantes que impede uma
solidariedade no processo.

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E SUA RELAÇÃO COM O PRINCÍPIO DA


COOPERAÇÃO PROCESSUAL

O princípio da cooperação está intrinsecamente ligado ao contraditório. Sobre


este, dispõe o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal da República: “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Alexandre Câmara assim o define:

Tal definição significa dizer que o processo- o qual deve, sob pena de não
ser verdadeiro processo, se realizar em contraditório- exige que seus sujeitos
tomem conhecimento de todos os fatos que venham a ocorrer durante seu
curso, podendo ainda se manifestar sobre tais acontecimentos [...] se no
curso do processo alguma das partes juntar aos autos um documento
qualquer, é preciso intimar a parte adversa, para que esta, tomando
conhecimento da existência do documento, possa sobre ele se manifestar.
(2013, pg.59)

Para que produza efeitos, o processo tem de ser participativo. E não


podemos pensar de forma diferente, porquanto a participação, própria do
contraditório, é condição necessária do regime democrático, e não mais se
apresenta como garantia do direito de resposta, mas sim como direito de
influência nas decisões judiciais.
A decisão do egrégio Tribunal de Justiça de Goiás a seguir reflete tais premissas:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. ESPECIFICAÇÃO DE


PROVAS NÃO OPORTUNIZADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. 1 – O
constitucional princípio do acesso à justiça, é muito mais do que
formulações do tipo 'acesso ao Poder Judiciário' mas sim, acesso a uma
ordem jurídica justa, que é a garantia de efetiva e adequada participação
no processo, com possibilidade de levar ao julgador todas as provas de que
dispuser, relevantes e pertinentes, para ter um julgamento justo(...)(TJ-GO,
APELACÃO CIVEL 303847-35.2012.8.09.0051, Rel. DES. WALTER
CARLOS LEMES, 3A CÂMARA CIVEL, julgado em 02/07/2013, DJe
1340 de 10/07/2013)”

Tal princípio foi objeto de análise em voto do ministro Gilmar Mendes, do


Supremo Tribunal Federal:

Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado.


Apreciando o chamado "Anspruch auf rechtliches Gehör" (pretensão à tutela
jurídica) no direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa
pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação
sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos
contemplados pelo órgão incumbido de julgar. Daí afirmar-se,
correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente
à garantia consagrada no art. 5o LV, da Constituição, contém os seguintes
direitos: 1) direito de informação (Recht auf Information), que obriga o
órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e
sobre os elementos dele constantes; 2) direito de manifestação (Recht auf
Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se
oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do
processo;(...).(MS 24268, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/
Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em
05/02/2004, DJ 17-09-2004 PP-00053 EMENT VOL-02164-01 PP-00154
RDDP n. 23, 2005, p. 133-151 RTJ VOL-00191-03 PP-00922).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É interessante observar que o processo cooperativo não encontra um paralelo
exato no CPC de 1973, representando uma inovação processual, e é possível afirmar que o
mesmo decorre das premissas que emanam da Constituição Federal, que em seu preâmbulo
traz a fraternidade, a harmonia social e comprometida, bem como a solução pacífica dos
conflitos.

Sendo assim, essa postura cooperativa no âmbito do processo civil está justamente
ligada à concretização da liberdade e da igualdade e do compromisso de todos com a solução
pacífica e justa das controvérsias.

A cooperação presume então a ampliação do dever de responsabilidade para que


se obtenha o resultado útil do processo, numa perspectiva em que o direito e o dever de
participação sejam exercidos por todo e qualquer cidadão, em atendimento à democracia
participativa, adotada pela Constituição Federal, a partir da determinação de que a República
Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, no qual todo poder
emana do povo, que tem, dentre seus objetivos, construir uma sociedade livre, justa e
solidária, promovendo o bem de todos (art. 1º, caput e par. único e art. 3º, I e IV, da C.F.).

O Novo Código de Processo Civil é expresso ao dispor que todos os órgãos do


Poder Judiciário, inclusive os tribunais superiores, têm o dever de recíproca cooperação, por
meio de seus magistrados e servidores (NCPC, art. 67). 

Desse modo, os juízes poderão formular, entre si, pedido de cooperação para a
prática de qualquer ato processual (NCPC, art. 68), não se restringindo aos poderes
instrutórios e, sobretudo, dialogando com os demais sujeitos do processo (6). Poderão
estabelecer, pois, procedimentos para a prática de citação, intimação ou notificação de ato;
obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos; a efetivação de tutela
provisória; a efetivação de medidas e providencias para recuperação e preservação de
empresas; a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial; a
centralização de processos repetitivos e a execução de decisão jurisdicional (NCPC, art. 69,
§2º), por exemplo.

Diante do exposto, percebe-se que o principio da cooperação é um principio que


está no NCPC como algo inovador, que visa precipuamente mudar o método de
relacionamento entre as partes e o juiz, e pode-se dizer que, sem sombra de dúvidas, o
principio da cooperação representa uma sub-espécie de um principio salutar do processo
civil, que é o principio do contraditório.

Havendo uma efetiva cooperação entre os sujeitos processuais, os direitos


fundamentais são assegurados, o Estado Democrático de Direito é preservado, além do que o
processo torna-se justo, pois o contraditório está sendo respeitado, e se o mesmo é observado,
pode-se falar que a própria Constituição Federal é respeitada, pois é dela que emana os
princípios e garantias tão importantes para a tratativa processual.

Referências Bibliográficas

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 27
jul. 2016.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v. 1. 25ª ed.  Rio
de Janeiro: Atlas, 2014.
COOPERAÇÃO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário
da língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum., 35.ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1996. p. 533.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito
processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm,
2015, v. 1.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo.  5ª
ed. São Paulo: Malheiros, 1996, n. 36.2, p. 285.

MACHADO, Marcelo Pacheco. Novo CPC, princípio da cooperação e processo


civil do arco-íris, 2016. Disponível em:< http://jota.uol.com.br/novo-cpc-principio-da-
cooperacao-e-processo-civil-do-arco-%C2%ADiris>.Acesso em: 27 de jul. 2016.
SARAIVA. Novo código de processo civil. Colaboração: Luiz Roberto Curia,
Lívia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha. São Paulo: Saraiva, 2015.

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