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ALFREDO BOST SRIGINAL DA PASTA oe ee LITERATURA E RESISTENCIA ie. ae pei © 200T by Aledo Bos Cops rare Bint soe Smal epee de Alfie Vapi 865m, Cale Ree Schahin magico Valgt Prepac Abe Kyte Migaire lua Casein Carmen’ de Cre “Todos icin deat edit everadoed a Bands Puina 702632 104531.002 — Si Palo— Telefon (1) 3167-001, as(1) 3167-081 comands comb SUMARIO 1. Por um historicismo renovado: Reflexo¢ reflexao em histria literdvia 2.Vieiraco reino deste mundo 3. Assombras das luzes na condigio colonial 4, Nareativae resistencia. 5. Luigi Pieandello: Un, nenbum econ il UB 136 6. Camus na festa do Bom Jesus... sone 144 7. Poesia versus racismo snes 163 8. Figuras do eu nas recordagbes de Islas Caminha acsnnene 186 9.. Canudos nao se rendeu. : 209 10. Accrita do tstemunho em Memdrias do cdrcere 221 11. Um boémio entre duas cidades: 238 244 248 12, Morte, onde estd tua Vit6tia? ne 13, Os estudos literérios na Era dos Extremes... 14, Aescrita ¢ 0s exclufdos. 257 15. Homenagem a mestre Xidich.. 270 Nowa. sees 283 Referéncias| bibliog 295 Sobreo autor se 297 rnhos. Antes que a consolidacio da instrugo permicisse consolidar a difusio da literatura lierdria (por assim dizes), estes vefculos possbili- ‘aram, gragas palavra oral, 3 imagem, a0 som (que superam aquilo que ro texto escrito siolimitagbes para quem no se enquadrou numa cerca tradigfo), que um numero sempre maior de pessoas participassem de smaneira maisficil dessa quotade sonhoe deemogio que garantiao pres- tigio tradicional do live. ‘Osbonscriticos também sio profetas. 256 14 AESCRITA E OS EXCLUIDOS Em meméria de Domingos Barbé Hi pelo menos duas maneiras de considerar a relagio entre aescri- tacosexcluldos. + L ‘A primeira, em geral praticada pelos historiadores de literatura, consiste em ver 0 excluido social ou © marginalizado como objero da cscrita, Objeto compreende temas, personagens, situagbes narrativas. Atarefa do estudioso seria, nesse caso, pesquisar os modos de figu- ragio das camadas mais pobres na poesia, ta prosa narrativa, no teatro, “no repertério de uma literatura ou 20 longo de um ciclo histSrico-cul- tural. Creio que os resultados da sondagem seriam dispares. ‘Algumas amostras. O pobre tipificado pelo romance naturalista (por exemplo, O cortico de Aluisio Azevedo) nao € 0 pobre que sai de tum conto regionalista tocado de profunda simpatia pela cultura popu- lar, como acontece no conto gaticho de Simées Lopes Neto ou no conto caipira de Valdomiro Silveira. Tampouco certas personagens cheias de parhose poesia que encontramos nos Cabeclo de Valdomizo se reduizem a0 Jeca estigmatizado na pena do também pauliste Mon- teizo Lobato. Euclides da Cunha, por sua vez, nos introduz no univer- 27 so da escassezserraneja langando-lhe um olhar ambivalente, ao mesmo tempo distanciado (de repérter cientista) e compassivo (de homem hhumano), deterministac indignado: o massacre de Canudos lhe apa- rece como uma fatalidade étnica e historia, mas 6, afinal, denunciado ‘como um crime contra uma humanidade marginal; que faza grande- 22 ¢0 paradoxo de Or ert. (© marginal de Lima Barreto nao é0 mesmo dos naturalista, sem- pre & beira do patolégico: ¢o intelectual mulato, humilhado e ofendi- do; do seu ressentimento impotence nasce a poténcia da sua critica social e politica Passando a ficeio dos anos 30 ¢ 40: 0 pobre constru(do pelo Gra ciliano de Vidas seeastao-s6 com as pedras da necestidade nao se repe- tid tal e qual, nos viventes do serto mineito plasmados pela fantasia pottica de Guimaraes Rosa. A oposigao entre os dois olhares 6s venes to dristica que quase se poderia exprimir, como tencei fazé-lo certa vez, recorrendo &s figuras extremas do inferno e do eéu. Chegando mais perto do presente e examinando a ficgio brasilei- 14 dos anos 70: apesar das afinidades ideol6gicas, Ant6nio Callado e Darcy Ribeiro diferem entre si ao projetar em forma de romance 0 seu conhecimento do {ndio em Quarup e em Matra. Ainda mais recente- ‘mente, 0 regionalismo do sergipano Francisco Dantas, em Coivane da meméria een Or desvalides, trabalha certos tegistros de estilo bastante diferentes dos modos de expressio que pontuaram os romances do ‘engenho e do cangago de José Lins do Rego, embora ambos sejam esca- vadores da meméria popular e da ua condisio de oralidade, Seassim acontece quando ha contigiiidade de espacossocias, ima- gine-sequio sensivel serd.a diferenga que estrema, por exemplo, aexpe- rincia da vida rural estilizada na prosa goiana de Bernardo Elis e as agruras do operdrio na cidade grande transpostas pelas nartativas de Roniwalter Jatoba, E sem sair do contexto da metrépole, 0 saudoso Joao Anténio soube trazer a0 primeiro plano da escrita uma fusio ori- ginal de pobreza e botmia que provavelmente nio se ajustatia& repre- sentagio do dia-a-dia de um pedo de fabrica 258 ‘A cefcica sociolégica, estimulada pelo assunto eeu eda -se quando enfrenta escritos marginalidade, deve, portanto, acautelar-se q\ freconss, Amenteideologizanceabstracreduzas diferencas na medi- daem que procedea forga de esquemase tipos. Mas as vozes narrativas, quando vivasedenss,relamam aaten¢io para qued comple, ogo singular. De resto, quem garante que o chamado homem simples s¢ja to simples assim? I fo entreo excluidoe Huma segunda maneira de lidar com a relagio en aesctta Ein verde tomara figura do homem sem ltrs como objet, procurase entender 0 plo oposto: 0 excluido enguanto sujito do pre- 0 simbilico. “ e pela cultura dos Esse olhar pode parecer novo, como € 0 interesse p ‘vem dos anos 70 ¢ preparou a vencidos e das minorias (interesse que nogio de “politicamente corteto"), mas na verdade tem raizes antiga, ralzes romanticas, ¢ data do inicio do século xix ‘A Buropaprnapolednica fia ropa das nage do despetar dos poves. Ent, infrghveis erdics patriots, primeieo emacs depots provindos de odoses plses do continent, deveankanama riquenas da emia eda inguagem ataio-pop tat. O temo ole re literalmentesbedoria popula foicunhado not meadosdo seu to. A pando plo isin epeloingtnuo "Todogio€ingtnuo” dca Schill) empolgou nd s6ntlectsis do Velho Mando como tam ibém os estudiosos das novas nagdes americanas, que se puseram cata decantosecontos, provérbios eadivinhas, jogos edanga,ritos emitos, enfim todas as manifestacSes simbélicas capazes de traduair uma iden- tidade étnica ou nacional: um cardter que fosse diverso da forma culca veil pel etratos oft.‘ do poder colonia . smantismo, indianismo, nativismo e paixao pela cultura popu lar aa rno mesmo clima de emancipacio do Antigo Regime. O processo atravessou duas ou tds geragGes e, embora tenha sido mais 259 agudo no perfodo das independéncias, persistiu até 0 século seguinte, resistindo bravamente &s ondas cosmopolitas do pensamento evolu- cionisca, aqui justadase filtradasde tal modo que se misturaram gene- rosamente como folclorismo romantico, ‘No Brasil, trabalhos de levantamento e transcrigéo dos materiais de base foram empreendidos por José de Alencar, Juvenal Galeno, Celso de Magalhaes, Couto de Magalhies, Silvio Romero, Joao Ribeiro e, no século xx, por Amadeu Amaral, Mério de Andrade, Renato Almeida, Lindolfo Gomes, Augusto Meyer, CAmara Cascudo, Gustavo Barroso, Cavalcanti Proenga, Oswaldo Elias Xidieh, Theo Brando, Ariano Suassuna e tantos outros. Colheram todos a relacao centre os agentes da cultura nao letrada, quase sempre anénimos, ¢ palavra oral, pois o imagindrio popular se exprimiu, durante séculos, abaixo do limiar da escrta No conjunto, o que aconteceu foi uma verdadeira operacao de pas- sagem, pela qual o letrado brasileiro foi incorporando 20 repertério do Ieitor culto os signos eas imagens de um estilo de vida interiorano, ris- tico e pobre. Valorizando estética e moralmente as tradigées populares, carreava-se égua para o moinho das identidades regionaise, no limite, daidentidade nacional. Quanto 20 uso ideoldgico dessa valorizacio do popular, dependia e depende, em cada caso, da visada conservadora ou progressista do pesquisador e dos seus leitores;e & por isso que a questéo da cultura popular, em termos ideolégicos de regresso ou resistencia, éainda hoje ‘uma questio aberta De todo modo, formalmente, ¢ como sistema de comunicagio, a oralidade sempre esteve no cerne de toda expressio arcaico-regional. | As presumidas excegdes constituem o que prefiro chamar cultura de | fronting. Ea situagéo, bem conhecida, dos narradores de cordel, que transpGem para letra de forma as histérias que foram outrora apenas recitadas ou cantaroladas por tums ficira de repentistas anénimos. Sé com o tempo, a partir dos fins do século XIX, ¢ que esses cantadores foram assumindo a condigio de autores individualizados.' 260 Outro exemplo notével, e é plenamente urbano, de culeura de fronteira €0 de uma favelada, apenas alfabetizada, que registrou o seu

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