Durante a década de 40 processa-se um significativo avanço na tecnificação
do Serviço Social, o que permite a laicização da profissão, ou seja,
fundamentar cientificamente seu referencial teórico, livrando-a da influência religiosa original. A inserção do curso nas Universidades, a aproximação com os debates ocorridos nestes centros, possibilitou o contato com outras disciplinas e com novos referenciais teóricos das Ciências Sociais. A expansão dos cursos de pós-graduação, e o consequente aprofundamento dos estudos, a ampliação das pesquisas e publicações próprias, começam a apresentar novas feições ao Serviço Social. Segundo SANTOS, 1993, p. 188:
“Na América Latina existem atualmente , nove centros de formação superior
com nível de mestrado: seis no Brasil, um na Colombia, um no México, e um de caráter latino-americano, criado através de um convênio entre o CELATS e a Universidade Nacional Autônoma de Honduras (MLATS)
Todo esse processo de desenvolvimento de diferentes etapas da formação
profissional na América Latina foi influenciado pela ALAETS- Asociación Latinoamericana de Escuelas de Serviço Social, que, segundo SANTOS, em 1975 contava com a adesão de 200 escolas, 2000 docentes e cerca de mais de 20.000 estudantes. Esses dados apontam para uma “popularização” da profissão e para sua expansão no mercado de trabalho.
Porém, é com o esgotamento do modelo desenvolvimentista na América
Latina, e com o retorno aos regimes ditatoriais em vários países, e diante do aumento expressivo do volume de “problemas sociais” e de suas expressões políticas, que produz-se uma crise de identidade entre os profissionais, cujas consequências são o Movimento de Reconceituação, que tem início no Cone Sul em 1955, através do qual busca-se a construção de novos projetos profissionais, com base em diferentes referenciais teóricos-metodológicos e ideológicos. Segundo Diego Palma, o surgimento da Reconceituação vai ocorrer através da crítica aos métodos tradicionais na profissão, à ideologia que os sustenta, e frente a sua inadequação à realidade latino-americana. O processo de redemocratização vivenciado por alguns países permitiu a aproximação e expressão de novas correntes de opinião. As críticas às instituições e ao sistema são amplamente permitidas e o marxismo-humanista começa a ser considerado como uma ferramenta para a análise da mudança que se pretende implantar.
Neste cenário, não podemos deixar de considerar as transformações ocorridas
no âmbito da Igreja católica, que a partir do Concílio Vaticano II, realizado no México, aprofunda sua doutrina social, no sentido de um compromisso com os pobres. O surgimento e a rápida expansão da Teologia da Libertação, com novos referenciais teológicos, doutrinários e sociais, vai convocar os leigos para um novo posicionamento religioso, pastoral, político e ideológico, que questionam a sociedade capitalista e as desigualdades por ela geradas, e passam a trabalhar em prol de uma sociedade justa e fraterna, tendo como pauta os problemas sociais das classes oprimidas.
Também nas universidades registra-se um movimento de politização, e em
Córdoba, o I Movimento de Reforma Universitária propunha uma universidade comprometida com as transformações da sociedade, e com a produção de uma nova ciência social, de orientação e conteúdo latino-americano, voltado às especificidades dessa realidade, recusando teorias elaboradas em outras realidade.
“ No campo das Ciências Sociais em geral, e em particular na Sociologia e na
Educação, se processa um rompimento com os sistemas de análise e os corpos conceituais produzidos nos centros hegemônicos e consequentemente surge uma nova ciência social, orientada no sentido da libertação dos oprimidos do continente. Nessa posição teórica cabe destacar as contribuições de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falletto no âmbito da Sociologia, os quais com sua obra Dependência e Desenvolvimento na América latina, podem ser considerados os iniciadores da nova Sociologia. Paulo Freire, no terreno da Educação, com seus livros ‘ Educação como prática da Liberdade” e “Pedagogia do Oprimido”, consegue implantar a tese da conscientização e da libertação, como objetivos que não podem ser conseguidos dentro de uma estrutura de dominação como as vigentes em nossos países.” (CELATS, 1980, p. 100-101)
É neste contexto que o Movimento de Reconceituação do Serviço Social Latino
Americano, aponta para uma ruptura ideológica, teórica, metodológica e operacional com as concepções vigentes até esse momento, e passa a assumir um compromisso com as massas despossuídas.
“O sistema de análise estrutural possibilita uma primeira aproximação com os
aspectos do Serviço Social que até esse momento haviam permanecido como verdadeiros dogmas.(...) A partir desse exame geram-se as bases ideológicas para uma nova orientação, a qual articula-se estruturalmente com a problemática do continente. (...) O Serviço Social reconceitualizado pretende conhecer e abordar o homem por meio de suas relações sociais, por sua inserção de classe. (...) Ao se rediscutir o caráter intrínseco da disciplina ela já não é mais caracterizada como uma função social, mas como uma constituição superestrutural, destinada a reproduzir e legitimar as relações sociais de produção existentes na base econômica da sociedade. Nessa mesma medida, é uma reprodutora da ideologia e do conhecimento científico dominante, e sua ação se insere dentro do espaço social que o aparato de dominação lhe concede, mais do que nas demandas reais dos setores dominados. (....) Cada assistente social deve fazer sua escolha: pela manutenção da dominação e da dependência, ou pela ação de ruptura e libertação. A reconceituação sustenta que o projeto histórico da América Latina é a libertação das massas oprimidas e o fim da dependência, no sentido de uma mudança estrutural e promovem uma nova ordem social. (...) É por isso que o Serviço Social reconceitualizado reclama para si uma atuação dentro do campo da conscientização, capacitação, organização e mobilização social: elementos mediante os quais seja possível visualizar a libertação do homem. (CELATS, 1980, p. 102-103)
Introduz-se no Serviço Social o conceito de PRÀXIS, como a ação
transformadora da realidade, embasada teórica e politicamente. Sustenta-se que a prática é a fonte de todo o conhecimento e é a partir dela e somente dela que se pode alcançar o plano teórico. A prática como atividade do homem e da sociedade é o critério de validade, fonte de teoria e de transformação da realidade.
“Teoria e Prática são os elementos constitutivos de uma unidade dialética,
mas nela a prática ocupa um lugar dominante. O Serviço Social deve então, centrar sua atuação nos marcos da prática social dos grupos com quem trabalha, buscar nessa relação os elementos que possibilitem a estruturação de uma teoria válida para cimentar sua ação.” (CELATS, 1980, p. 104)