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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


Vigésima Sétima Câmara Cível Consumidor

Apelação Cível nº 0050983-41.2013.8.19.0002

Apelante: Multiplic Ltda


Apelado: Ronaldo da Silveira Bravo
Relatora: Des. Maria Luiza de Freitas Carvalho

ACÓRDÃO
Apelação. Ação de exibição de documentos c/c pedido de
indenização por danos materiais. Uma vez julgados
improcedentes os pedidos indenizatórios, relativamente
aos quais o pleito de exibição assumia nítida feição
instrutória, é forçoso reconhecer - a par dos princípios
consagrados no Diploma Consumeirista, entre os quais a
necessidade de transparência, do qual decorre o direito
de informação ao consumidor (art. 6º, III,do CDC) -, que
restou esvaziada a utilidade prática que caracteriza o
interesse de agir do pedido de exibição, pois houve
formação de coisa julgada sobre os pleitos indenizatórios.
Extinção do pedido de exibição ante a superveniente falta
de interesse processual. Recurso provido.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 0050983-


41.2013.8.19.0002, em que figuram como apelante Multiplic Ltda, e apelado Ronaldo
da Silveira Bravo

ACORDAM os Desembargadores da VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL


DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por maioria de
votos, em dar provimento o recurso, nos termos do voto da Des. Relatora.

Cuida-se de demanda proposta por Ronaldo da Silveira Bravo em face de


Multiplic Ltda em que afirma ser titular de diversas contas na instituição financeira,
porém ficou sem movimentá-las por motivo de força maior, apesar da existência de
fundo. Narra que, em razão da descoberta de doença em sua esposa e por estar
passando por problemas financeiros, resolveu retirar os valores das contas que sabia
possuir, inclusive sob a modalidade de poupança. Relata que, chegando ao
estabelecimento da referida instituição financeira, não obteve êxito, pois primeiro foi
informado que elas estavam bloqueadas e depois que, na verdade, jamais teriam
existido. Defende que aqueles que possuíam valores em caderneta de poupança em
junho de 1987, janeiro de 1989 e abril de 1990 tem direito à reposição do que deixou
de ser creditado, conforme múltiplas decisões dos Tribunais Superiores. Assim, conclui
pelo interesse em ver exibidos os extratos de conta poupança relativos ao período
indigitado com o objetivo de analisar se a ré aplicou corretamente os índices de
atualização monetária em suas cadernetas de poupança bem como para retirar a
quantia necessária ao tratamento médico de seu cônjuge. Defende a ocorrência de

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MARIA LUIZA DE FREITAS CARVALHO:16078 Assinado em 07/11/2016 12:36:51
Local: GAB. DES(A) MARIA LUIZA DE FREITAS CARVALHO
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danos materiais e morais e a responsabilidade objetiva da ré com fulcro no art. 14 do


CDC.

Assim, pleiteia a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a ré


exiba, no prazo de 05 (cinco) dias, os extratos das contas poupança, em especial a
Conta nº 613.10.017.0129-5 e as ações do acionista nº 01604074 que estavam sob a
responsabilidade da instituição financeira Ré, bem como a condenação da ré a pagar
indenização a título de danos materiais a serem apurados, devolvendo todos os valores
que estejam depositados nas contas supramencionadas, e indenização por danos
morais.

A sentença não acolheu os pedidos de indenização por danos materiais e


morais e julgou procedente em parte a pretensão para condenar o réu a exibir os
documentos pertinente às contas que o autor mantinha na instituição ré, vinculadas ao
seu CPF, em especial a conta 613.10.017.0129-5, além dos extratos das ações do
acionista n° 01604074, sob as penas do art. 359 do CPC, reconhecendo, por
consequência, a sucumbência recíproca.

O recurso de apelação alega que não é possível concluir que as contas


mencionadas pelo apelado de fato existem, pois o extrato dos investimentos de fl. 21,
juntado pelo próprio apelado, indica que os investimentos foram liquidados já àquela
época — ou seja, o saldo foi zerado —, reforçando a falta de verossimilhança das
alegações autorais, além de inexistir fundamento para condenar a apelante na
obrigação de exibir documentos referentes a contas que não administra, mormente
porque o Banco Multiplic foi extinto há quase duas décadas.

Argui a inépcia da inicial ressaltando que a conta poupança é mencionada


diversas vezes, não tendo sido apresentado qualquer documento que comprove sua
existência, sobretudo porque o apelado instruiu sua inicial com documentos referentes
a contas de investimentos.

Suscita a ilegitimidade passiva ad causam, esclarecendo que o Banco


Multiplic tinha suas atividades concentradas na área de banco de investimentos
(conforme carteira de operações autorizada pelo Banco Central do Brasil), em que os
clientes aplicavam em fundos de terceiros e carteiras de ações, não tendo sido jamais
oferecido ao mercado os serviços completos e abrangentes de um banco comercial,
com atividades comuns de varejo bancário, como conta corrente e conta poupança.

Elucida que as atividades do Banco Multiplic encerraram-se muito antes da


data de ajuizamento dessa ação, especificamente em 04.08.1998, sendo que as suas
operações foram adquiridas pelo Lloyds Bank Pie em 1997 e, logo depois, com a
devida autorização do Bacen, a Multiplic deixou de ser uma instituição financeira,

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passando a possuir como objeto social "a participação em outras sociedades, simples
ou empresárias, como sócia, acionista ou quotista".

Nesse passo, arremata que não possui documentos adicionais acerca de


supostos investimentos mantidos pelo Apelado, uma vez que encerrou suas atividades
há quase duas décadas, de modo que eventual saldo remanescente deve ser buscado
junto aos sucessores do Banco Multiplic, na forma da regulação aplicável ao setor, que
foram os Bancos Lloyds TSB Bank Pie e Banco Lloyds TSB S.A. (atual Banco HSBC
S.A.), sociedades que em nada se confundem com a Apelante.

Reitera a prefacial de prescrição, defendendo que não há como aplicar a


regra da imprescritibilidade prevista no art. 2°, §1°, da Lei 2.313/54, porquanto
destinada somente aos depósitos populares. Aduz que o apelado juntou aos autos
algumas correspondências do Banco Multiplic S/A e da Multiplic Corretora de Valores
Mobiliários S/A datadas de 1989 e a presente ação foi ajuizada somente em
07.10.2013, mais de 24 anos depois, quando na época ainda vigorava o Código Civil
de 1916 ("CC/16") que estipulava como regra a prescrição vintenária como limite para o
direito de ação (art. 177 do CC/16).

No mérito, sustenta que da documentação anexada à inicial só é possível


extrair que o apelado, em março e abril de 1989, possuía uma carteira de investimentos
perante o Banco Multiplic — não uma conta poupança, como diversas vezes menciona,
e que tal carteira era aparentemente composta por ações sob custódia e operações
open market. Ou seja, o apelado aparentemente era proprietário de ativos negociados
em bolsas de valores, sendo que o saldo de suas aplicações em Open Market é zero,
não existindo mais investimento algum. Ressalta a natureza aventureira da pretensão
autoral, uma vez que o apelado é litigante inveterado, que coleciona dezenas de ações
contra instituições financeiras.

Contrarrazões em prestígio da sentença.

Recurso tempestivo e preparado.

DECIDO.

De início, consigne-se que a ação foi proposta ao tempo do CPC/73 e a


sentença foi proferida sob a égide do referido diploma processual, de maneira que, em
acordo com o tempus regit actum e o isolamento dos atos processuais, a causa será
examinada à luz do aludido codex e com atenção aos enunciados nº 02 e 07 do STJ, in
verbis:

“Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973


(relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016)

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devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na


forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então,
pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”.

“Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada


a partir de 18 de março de 2016, será possível o
arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na
forma do art. 85, § 11, do novo CPC”.

Insurge-se o recurso de apelação contra a sentença julgou procedentes em


parte os pedidos deduzidos na inicial para condenar o ora apelante a exibir os
documentos pertinente às contas que o autor mantinha na instituição bancária,
vinculadas ao seu CPF, em especial a conta 613.10.017.0129-5, além dos extratos das
ações do acionista n° 01604074, sob as penas do art. 359 do CPC.

Com efeito, é cediço que o direito à exibição tende à constituição ou


asseguração de prova, sendo que o pedido exibitório pode advir de uma ação cautelar
autônoma (CPC/73, arts. 844 e 845) ou de um incidente no curso da lide principal
(CPC/73, arts. 355 a 363).

Como ação autônoma, “essas poderão ter natureza verdadeiramente


cautelar, demanda antecedente, cuja finalidade é proteger, garantir ou assegurar o
resultado útil do provimento jurisdicional; ou satisfativa, demanda principal, visando
apenas a exibição do documento ou coisa, apresentando cunho definitivo e podendo vir
a ser preparatória de uma ação principal - a depender dos dados informados” (REsp
1349453/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
10/12/2014, DJe 02/02/2015)

Como exibição incidental, não se trata de medida cautelar, senão atividade


probatória no curso do processo.

Ressalta-se, por pertinente, que a jurisprudência do STJ é no sentido de que


a natureza jurídica da ação é definida por meio do pedido e da causa de pedir, não
tendo relevância o nomen iuris dado pela parte autora.

No particular, apesar a ação ter sido intitulada de “ação cautelar de exibição


de documentos c/c pedido de antecipação de tutela”, certo é que a parte autora
deduziu, além do pedido exibitório, pretensão indenizatória por danos materiais e
morais com causa de pedir no direito à quantia depositada e à diferença dos índices de
atualização monetária aplicados nas alegadas cadernetas de poupança.

A partir da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, tem-se que o


pedido de exibição, em verdade, destinava-se a demonstrar o direito ao valor sob a

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custódia da instituição financeira, alegadamente desde os idos de 1989, assumindo


nítida feição de atividade probatória em relação ao pedido de indenização por danos
materiais, e não de ação cautelar autônoma.

Ocorre que os pedidos de indenização por danos materiais e morais foram


julgados improcedentes, e o autor não apelou desses capítulos da sentença, os quais,
justo por isto, transitaram em julgado.

Uma vez transitado em julgado a pretensão indenizatória, a par dos


princípios consagrados no Diploma Consumeirista, entre os quais a necessidade de
transparência, do qual decorre o direito de informação ao consumidor (art. 6º, III,do
CDC), é forçoso reconhecer que restou esvaziada a utilidade prática que caracteriza o
interesse de agir do pedido de exibição, pois houve formação de coisa julgada sobre os
pleitos de indenização por danos materiais e morais.

A fim de ilustrar o acerto deste entendimento, seguem-se os julgados do STJ


no sentido de que o interesse de agir na exibição de documentos persiste enquanto
não estiver prescrita a ação pertinente.

A fortiori, se os pedidos indenizatórios que se pretendia provar com a


exibição foram julgados improcedentes, de igual modo não mais subsiste o interesse
processual.

Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR.POUPANÇA. EXIBIÇÃO DE
EXTRATOS BANCÁRIOS. INTERESSE DE AGIR.
1. Não afasta o interesse de agir no pedido de exibição de
documentos a circunstância de a instituição financeira haver
enviado extratos bancários ao titular da caderneta de
poupança.
2. Há plausibilidade no direito de exibição de extratos
bancários, uma vez que esta Corte reconhece o dever que
as instituições financeiras têm de exibir documentos comuns
às partes, enquanto não estiver prescrita a eventual ação
pertinente.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no
AREsp 622.246/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL
GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe
20/03/2015)

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PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXIBIÇÃO DE
DOCUMENTOS COMUNS ÀS PARTES. HONORÁRIOS DE
SUCUMBÊNCIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
INTERESSE DE AGIR. CONFORMIDADE DA DECISÃO
RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
DECISÃO MANTIDA.
1. A simples indicação dos dispositivos legais tidos por
violados, sem que o tema tenha sido enfrentado pelo
acórdão recorrido, impede o conhecimento do recurso
especial, por falta de prequestionamento, a teor das
Súmulas n. 282/STF e 211/STJ.
2. Nas ações de exibição de documento, a instituição
financeira é condenada em honorários advocatícios quando
houver pretensão resistida em fornecer os documentos
pleiteados, aplicando-se os princípios da sucumbência e da
causalidade.
3. A Segunda Seção do STJ, em julgamento submetido ao
rito dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de
que "é cabível a inversão do ônus da prova em favor do
consumidor para o fim de determinar às instituições
financeiras a exibição de extratos bancários, enquanto não
estiver prescrita a eventual ação sobre eles, tratando-se de
obrigação decorrente de lei e de integração contratual
compulsória, não sujeita à recusa ou condicionantes, tais
como o adiantamento dos custos da operação pelo
correntista e a prévia recusa administrativa da instituição
financeira em exibir os documentos" (REsp n. 1.133.872/PB,
Relator Ministro MASSAMI UYEDA, DJe 28/3/2012). 4. "A
entrega de extratos periódicos aos correntistas não implica,
por si só, falta de interesse de agir para o ajuizamento de
prestação de contas, uma vez que podem não ser
suficientes para o esclarecimento de todos os lançamentos
efetuados na conta-corrente" (REsp n. 1231027/PR,
Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 18/12/2012).
5. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no
AREsp 359.527/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS
FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe
13/08/2014)

Assim sendo, voto no sentido de dar provimento ao recurso para julgar


extinto o processo em relação ao pedido de exibição de documentos, por falta de

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interesse processual superveniente, condenando a parte autora ao pagamento de


custas e honorários advocatícios de sucumbência no equivalente a 10% do valor da
causa, observada a gratuidade de justiça deferida às fls. 48.

Rio de Janeiro, 03 de novembro de 2016.

Desembargadora MARIA LUIZA DE FREITAS CARVALHO


Relatora

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