cas : cap í t u l o 3
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NOTA - Os sumários que se seguem constituem apenas e fundamentalmente um
roteiro de estudo. Não se trata de uma exposição exaustiva da matéria. São, assim, um
instrumento importante mas nunca exclusivo, designadamente para o
acompanhamento tutorial. De modo sintético, indica-se os temas, as referências
fundamentais e, no final de cada capítulo, a bibliografia. O método usado obriga,
assim, a uma preparação e acompanhamento permanentes das aulas e a um contacto
constante com os elementos de estudo (através de apontamentos das aulas, de
sumários, da bibliografia fundamental e de trabalhos práticos). Só considerando os
sumários como um roteiro ou guião poderemos retirar deles a sua plena utilidade.
G.O.M.
Foi na Alemanha, num governo de Otto von Bismarck (1815-1898), que foram lançadas
as bases do moderno Estado Social. Em 1871 foi reconhecido legalmente o princípio
de uma responsabilidade objetiva limitada dos industriais no caso de acidentes de
trabalho. Em 1881 foram lançadas as bases de um sistema de seguro obrigatório para
acidentes laborais. A lei de 5 de Junho de 1883 criou o seguro de doença, visando os
operários assalariados (coberto em um terço pelos empregadores. Foram, assim,
criadas caixas de três tipos: das empresas, profissionais e comunais) A lei de 1884
sobre acidentes de trabalho determinou que os patrões deveriam obrigatoriamente
financiar caixas cooperativas para cobrir a invalidez permanente resultante de
acidentes de trabalho. A lei de 1889 sobre seguro de velhice e invalidez instituiu o
primeiro sistema obrigatório de reformas – financiado metade por metade por
empregadores e operários. Estas três leis seriam reunidas no Código de Seguro Social,
que consolidou o primeiro sistema de cobertura de riscos sociais obrigatório. Estamos
perante a influência do Socialismo Catedrático, de que foram figuras proeminentes
Adolf Wagner (1835-1917), de quem já falámos, Albert Schaeffle (1831-1903) e Gustav
von Schmöller (1838-1917).
O relatório de 1942 («Social Insurance and Allied Services») lançou o moderno sistema
de “Segurança Social” – revolucionando ideias que tinham sido já defendidas por F. D.
Roosevelt (1882-1945) nos Estados Unidos em 1935. Há uma nova conceção do risco
social e do papel do Estado. A Segurança Social tem como objetivo libertar as pessoas
da necessidade, garantindo a segurança do rendimento. É considerado como risco
social, tudo o que ameace o rendimento regular dos indivíduos (doença, acidentes de
trabalho, morte, velhice, maternidade, desemprego). O regime de Segurança Social
passa a ter quatro características fundamentais:
Sem entrar na discussão de como ter “melhor Estado”, a verdade é que todos aceitam
hoje que o aumento de impostos não pode continuar, devendo por isso haver uma
limitação das despesas públicas. O primado de uma sociedade de serviços e o
desenvolvimento de economias do conhecimento exigem um Estado social catalisador
de iniciativas e de energias, o que leva, cada vez mais, a falar de um Estado de cultura,
promotor da diversidade e das iniciativas da sociedade civil – onde a solidariedade
inter-geracional possa funcionar e onde as necessidades sejam satisfeitas com recursos
disponíveis e não apenas à custa de recursos futuros.
O fenómeno financeiro público tem, assim, de ser visto hoje no contexto das
economias mistas, nas quais mercado, regulação, estabilização e proteção social têm
de se complementar. Em lugar do dirigismo ou do planeamento imperativo, do Estado-
produtor ou do Estado-centralizado, impõe-se favorecer a subsidiariedade (decidir o
mais próximo possível do cidadão), a descentralização e a prestação de contas aos
contribuintes (segundo um critério de custo e benefício).
Assim, e como vimos, as decisões financeiras são opções relativas à satisfação pública
de necessidades coletivas, com afetação de recursos e definição das respetivas fontes
e processos de financiamento – devendo ser apreciadas à luz de considerações de
eficiência e de equidade, ora numa lógica de não intervenção, como defende Nozick,
ora numa perspetiva de consentimento redutor dos encargos públicos (Buchanan,
Tullock), ora ainda segundo conceções de proteção social – de “justiça como
equidade” (justice as fairness) de John Rawls ou de “justiça complexa” de Michael
Walzer.
Podemos ainda estar diante da distinção clássica ente justiça comutativa e justiça
distributiva. No primeiro caso, funciona a teoria do benefício segundo a qual deve
pagar ao Estado quem mais dele precisa, numa lógica de utilizador pagador. No Estado
patrimonialista não eram os detentores da terra que pagavam impostos, sem prejuízo
de ter outras obrigações (como ajudar o rei na defesa e na guerra), mas sim aqueles
que beneficiavam dos serviços prestados pelo Estado (taxas e portagens). No segundo
caso funciona a teoria da repartição. No Estado moderno os sistemas fiscais tendem a
ser redistributivos, através da progressividade dos impostos que exige mais a quem
tem maiores rendimentos ou riqueza.
O Estado é o mais importante dos agentes económicos, mas coexiste com outros entes
de natureza privada ou social, que têm também relevância na satisfação das
necessidades coletivas.
Em Estados onde vigora um princípio de separação das Igrejas, como é o nosso caso ou
o da generalidade dos países europeus, não existem poderes financeiros atribuídos às
entidades de natureza religiosa, como muitas vezes aconteceu no passado e ocorre em
regimes teocráticos. O mesmo se diga relativamente a outras entidades de natureza
social que, não estando investidas de poderes de autoridade, não têm poderes
financeiros. A regra é, hoje, assim, a de atribuir poderes financeiros a entes dotados de
jus imperii. Mesmo assim, no caso das concessões do Estado não podemos esquecer
que podem dar lugar ao pagamento de taxas a pagar pelos utilizadores. Nesses casos,
porém, ainda que cobradas pelos concessionários aos utilizadores, apenas podem
existir uma vez que há um contrato de Direito público que o permite.
Ainda se deve referir que hoje na União Europeia existe já um embrião de fenómeno
financeiro público comunitário, sobretudo se pensarmos no financiamento da antiga
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço através de um tributo aplicável diretamente
aos produtores, bem como os recursos financeiros baseados no Imposto Sobre o Valor
Acrescentado cobrado em cada Estado-membro. O fenómeno financeiro público tem
expressão supranacional sempre que se exercer um poder tributário próprio resultante
da partilha de soberanias com expressão própria na União Europeia.
No tocante às leis, refira-se que o regime de finanças das regiões autónomas reveste a
forma de lei orgânica (Artigos 165º, 2; 168º, 5 e 136º, 3). A lei de enquadramento do
Orçamento de Estado reveste um valor reforçado, devendo ser respeitada pelas leis
que sejam aprovadas no seu âmbito, prevalecendo hierarquicamente. A violação da lei
de enquadramento poderá dar lugar a uma inconstitucionalidade material, se se
entender que o legislador ordinário não tinha liberdade para adotar caminho
diferente, na sequência do disposto na lei fundamental (v.g. quanto a princípios e
regras orçamentais). O Orçamento de Estado é aprovado por lei, num sistema monista
parlamentar, que tem uma natureza especial, como veremos, de lei-plano, com
vigência anual, que se traduz numa autorização política, jurídica e económica ao
governo, para cobrar receitas e realizar despesas, concebendo e realizando uma
política de finanças públicas.
A doutrina e o costume não são entre nós fontes de direito; e a interpretação das
normas de Direito Financeiro e a aplicação das leis no tempo não revestem regras
especiais diferentes das que vigoram na nossa ordem jurídica em geral (artigos 9º a
13º do Código Civil).
3.5. Autonomia e natureza do Direito Financeiro.
Estamos perante um muito antigo ramo de Direito, produto do Estado liberal saído da
tripla influência inglesa, norte-americana e francesa. Nele encontramos o
consentimento dos contribuintes, a separação e interdependência de poderes, a
distinção entre poderes de autorização orçamental e de execução orçamental, a
autorização para cobrança de receitas e realização de despesas, a legalidade e o
cabimento orçamentais, o regime tributário, a autorização do crédito público, o
exercício de formas específicas de responsabilidade financeira dos agentes
responsáveis pelos dinheiros e valores públicos correspondentes à jurisdição própria
do Tribunal de Contas. E se virmos bem temos permanentemente uma arbitragem
entre a atividade do Estado e a dos cidadãos, enquanto contribuintes e enquanto
beneficiários dos serviços públicos.
Por outro lado, estamos diante de instituições próprias (imposto, orçamento, crédito
público, tesouro) e vida jurídica autónoma (administração financeira, Tribunal de
Contas). O Direito Fiscal é um sub-ramo do Direito Financeiro, com as mesmas
características deste, mas que se autonomizou em razão da grande relevância social da
tributação – considerando os direitos, deveres e interesses dos contribuintes.
PAULO TRIGO PEREIRA ET ALL., Economia e Finanças Públicas, 2ª edição, pp.21 e ss.