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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas


Escola de Serviço Social
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

Dissertação de Mestra do

O PRO CESSO DE ASSISTENCIALIZA ÇÃ O DA S POLÍTICA S


SO CIAIS E O SERV IÇO SOCIAL

Michelle Rodrigues de Moraes

Rio de Ja neiro
20 09
Universidade Federa l do Rio de Ja neiro
Centro de Filo sofia e Ciências Humana s
Escola de Serviço So cial
Pro grama de Pós-Gra dua ção em Serviço So cia l

Michelle Ro drigues de Moraes

O PROCESSO DE ASSISTENCIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS E O


SERVIÇO SOCIAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, Escola de Serviço Social, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Serviço
Social.

Orientadora: Dra. Alejandra Pastorini

Rio de Janeiro
Agosto de 2009

2
O PROCESSO DE ASSISTENCIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS E O
SERVIÇO SOCIAL

Michelle Rodrigues de Moraes

Orientadora: Dra. Alejandra Pastorini

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social,


Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Aprovada por:

______________________________________
Presidente, Prof. Dra. Alejandra Pastorini

____________________________________________
Prof. Dra. Elaine Behring

____________________________________________
Prof. Dra. Cleusa Santos

Rio de Janeiro
Agosto de 2009

3
Moraes, Michelle Rodrigues.
O Processo de Assistencialização das Políticas Sociais e do Serviço Social. /
Michelle Rodrigues de Moraes, - Rio de Janeiro: UFRJ/ESS, 2009.
x, 200.
Orientadora: Alejandra Pastorini
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ESS/ Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 195-200.
1. “Questão Social”, Políticas Sociais e Assistência Social 2. A
Assistencialização das Políticas Sociais e o Serviço Social. I. Pastorini,
Alejandra. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social,
Programa de Pós Graduação em Serviço Social. III. Título.

4
RESUMO
O PROCESSO DE ASSISTENCIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS E O
SERVIÇO SOCIAL

Esta dissertação discorre sobre o processo de assistencialização das políticas sociais e o


Serviço Social. Busca analisar o destaque que a política de Assistência Social adquire
dentre as políticas de Seguridade Social e os rebatimentos deste fenômeno no exercício
profissional dos assistentes sociais. Num primeiro momento, nos debruçamos na
configuração das expressões da “questão social” e sua administração pelo Estado
através de políticas sociais, buscando desvendar a configuração dos espaços
ocupacionais para os assistentes sociais. Delimitamos como se estruturaram as políticas
sociais no capitalismo, a constituição do Welfare State nos países centrais e as
particularidades do modelo de Seguridade Social brasileiro. Destacamos o processo de
crise capitalista e das respostas engendradas pelo capital por meio da financeirização, da
reestruturação produtiva e da contra-reforma do Estado no bojo do ideário neoliberal.
Num segundo momento, tratamos a trajetória histórica da constituição formal-legal da
Seguridade Social brasileira no contexto da promulgação da Constituição Federal de
1988 e seu desmonte já na entrada década de 1990. Caracterizamos a estruturação das
políticas de combate à pobreza através de modelos de gestão como o Programa
Comunidade Solidária e o Programa Fome Zero, balizados centralmente pelos
programas de transferência de renda mínima e das parcerias público-privadas como
elementos definidores da contra-reforma da Seguridade Social no Brasil. A constituição
da política de Assistência Social, nos marcos da PNAS (2004) e do SUAS (2005), está
perpassada por critérios focalistas e seletivos e se destaca dentre as políticas sociais
como política central no atendimento aos segmentos dos trabalhadores mais
pauperizados, com vínculos precários de trabalho ou desempregados. Apontamos para
as diferentes concepções acerca do processo de assistencialização dentre autores
centrais no debate desta política social, assim como as concepções acerca do objeto de
intervenção do Serviço Social. Em destaque figura a reorientação das políticas sociais
como processo que restringe a atuação do assistente social nos diversos espaços
ocupacionais devido a precarização e desmonte das políticas e da rede de serviços, a
definição do atendimento aos mais pobres e critérios de seletividade cada vez mais
restritos, não só na Assistência Social. Diante disto concluímos com algumas
considerações acerca do reordenamento das políticas sociais e os impactos para o
Serviço Social e destacamos a defesa da Seguridade Social como mecanismo tático
neste estágio do capitalismo extremamente regressivo para a afirmação e consolidação
de direito. A assistencialização das políticas sociais e seus rebatimentos no Serviço
Social constituem um processo que desafia aos assistentes sociais na sua formulação
teórica, intervenção política e prática profissional.

PALAVRAS-CHAVE: Assistencialização; Assistência Social; Políticas Sociais; Serviço Social.

Rio de Janeiro,
Agosto de 2009.

5
ABSTRACT

THE PROCESS OF ASSISTENCIALIZAÇÃO* OF SOCIAL POLICIES AND THE


SOCIAL WORK

The herein dissertation discusses the process of socialização of social policies and the Social
work itself. One tries to analyze the highlights assumed by the Social Assistance policy among
the Social Security ones as well as the reflections of this phenomenon into the professional steps
taken by social workers in their daily tasks. In the first place, one gets down on the features and
expressions of the "social affair" and its management on the part of the State by means of its
social policies, thus, aiming at the enlightenment of the occupational space configurations for
social workers. We have delimited how the social policies are structured in capitalism, the
Welfare State constituition in central countries besides the particularities adopted by the
Brazilian Social Security. One brings out the capitalist crisis process and the responses given by
the capital trend to turn everything into financial affairs, productive restructuring and the State
counterreforms (a set back) within the embodiment of the neoliberal ideology. In the second
place, one tracks down its historical trajectory belonging to the formal-legal constituition of the
Brazilian Social Security in the context of the 1988 Constituition enactment connected to its
dismantling at the threshold of the very 1990's. One has characterized the structuring of policies
towards fighting poverty by menas of program models such as Programa Comunidade Solidária
and Fome Zero (Solidarity in the Community Program and the Zero Hunger Program) – which
adopt as their paradigms the programs meant to transferring minimal income and the public-
private partnershipas defining elements of the Social Security counterreform in Brazil. The
constituition of the Social Assistance policy – given by the patterns of the PNAS , 2004, and the
SUAS – is underlain by focal and selective criteria in the attendance of the pauper segments of
workers subsumed to scarce labor links or even jobless individuals. One has pointed the
different conceptions about the process of assistencialização among cental authors who discuss
such matters of social policies and, furthermore, the underlying concepts on the very object
aimed by the intervention of Social Work itself. On high spot, comes out the reorientation of
social policies which curbs the steps of social workers in their professional fields due the
hindering and limiting caused by the enactment of public policies which led towards the
precariousness and disassembly of service nets, the choose up of poor ones to be reached
entangled with the selective criteria which have become narrower in fields not only concerning
the social work. While beholding such a frame, we have come to some conclusions referred
such policies for reordering the Social Work within these neoliberal patterns inflicting impacts
and reflections into the category of professionals. Besides that, we have also highlighted the
defense of Social Service as a tactical mechanism on a capitalism stage with extremely
regressive features to in right settlement and consolidation. The assistencialização of social
policies - and its reflections into the Social Work - constitutes one process challenging social
workers in order to devise theoretical grounds towards their political and practical intervention.
*Assistencialização: a set of public policies which led towards the precariousness and
disassembly of service nets: the choose up of poor ones to be reached entangled with the
selective criteria which have become narrower in fields not only concerning the social work.
This has urged low income workers to hire private security policies.

KEY WORDS: Assistencialização; Social Assistance; Social Policies; Social Work.

Rio de Janeiro
August, 2009

6
AG RA DECIMENTO S

Agradeço à minha mãe Graça e irmãos, Erick e Cristiane, pelo apoio durante esta
jornada. Agradeço a todos os colegas, professores e alunos com os quais trabalhei na
UERJ (Projeto de Extensão “Políticas Públicas de Saúde), UFF (Projeto de Extensão
“Serviço Social Crítico e o MST”), UFRJ (Projeto de Pesquisa “Trabalho Escravo
Contemporâneo”), Prefeitura de Nova Iguaçu (SEMDES e SEMPCOM), a equipe do
CRAS XV de Maio (Prefeitura do Rio de Janeiro), em especial às parceiras e amigas
Ana Carolina Oliveira e Tatiana Bittencourt e aos colegas do IFRJ, em especial
Fernanda Paixão, Suíze Martinez e Pedro Paulo Merat, valeu a força e incentivo nesta
reta final! Aos camaradas do PCB e da UJC, através dos camaradas e amigos Maria
Fernanda e Heitor César, a minha saudação. Aos companheiros do CRESS-RJ da
gestão “Ética, Autonomia e Luta”, através da conselheira Conceição Robaina o meu
agradecimento e, por meio da assessora de comunicação, minha amiga Cecília Contente,
manifesto meu carinho por todos os funcionários. Aos amigos que fiz durante a
graduação na ESS-UFRJ, Rosângela Oliveira, Sandro Marques, Valéria Silva, Ellen
Zacharias, Wagner Ferreira e Amanda Caldas e a todos os colegas da pós-graduação,
através de Charles Toniolo, Gleyce Lima e Christiane Guimarães. A todos os amigos
que seguiram comigo, obrigada pela atenção, carinho e paciência, os amigos da Penha e
Vila Cruzeiro e em especial aos meus “interlocutores” e camaradas Marcos Botelho e
Jefferson Ruiz, pela generosidade nos debates e pela amizade. Para minha orientadora
Alejandra Pastorini meu agradecimento especial, sobretudo pela confiança e paciência,
e às queridas professoras e companheiras que compuseram minha banca Elaine Behring
e Cleusa Santos.

7
S U MÁ R I O

Introdução ...................................................................................................................... 09

Capítulo 1

“Questão Social”, Políticas Sociais e Assistência Social

1.1 Contexto Histórico da “Questão Social”, Políticas Sociais e Assistência Social .... 20

1.2 Seguridade Social e Assistência Social no Brasil .................................................... 45

1.3 A Política de Assistência Social na Atualidade ....................................................... 61

1.4 Os Programas e projetos de Assistência Social ....................................................... 77

Capítulo 2

A Assistencialização das Políticas Sociais e o Serviço Social

2.1 Caracterização do processo de assistencialização das políticas sociais ................... 96

2.2 Trabalho e Assistência Social ................................................................................ 129

2.3 Rebatimentos do Processo de Assistencialização das Políticas Sociais no Serviço

Social ........................................................................................................................... 143

Considerações Finais ................................................................................................... 180

Referências Bibliográficas ........................................................................................... 195

8
I N T R O D U ÇÃ O

Nosso trabalho é resultado da conclusão dos estudos desenvolvidos no curso de


Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social na UFRJ. As reflexões
aqui apresentadas se inscrevem no âmbito de um processo que tem sido nossa
preocupação ao longo destes anos: o reordenamento das políticas sociais e os impactos
no Serviço Social. Trata-se de um campo de atuação fundamental para a profissão e as
questões que tomam corpo neste estudo expressam a preocupação com as diferentes
dimensões da profissão. Seja no debate teórico, nos processos político-organizativos
profissionais ou na esfera da prática interventiva evidencia-se, nos tempos atuais, uma
forte tendência (neo) conservadora, contraposta ao projeto profissional afirmado da
década de 1990 em diante – denominado projeto ético-político do Serviço Social – que
declara a sua vinculação a uma direção social crítica, que hoje é hegemônica na
profissão.

Nossa inserção profissional foi a primeira fonte das inquietações que inspiraram
o objeto aqui apresentado. A nossa atuação profissional na área da política de
Assistência Social na Prefeitura de Nova Iguaçu e do Rio de Janeiro se organizou em
experiências que suscitaram questionamentos em torno do papel do assistente social na
sua intervenção em face da configuração desta política a partir da implementação do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS)1. O alargamento do campo de atuação
para o assistente social com a expansão da Assistência Social foi notável, observado nos
vários concursos públicos e contratações realizados após a criação do Sistema Único da
Assistência Social (SUAS). O trabalho nestas duas prefeituras nos trouxe parâmetros
para iniciarmos este estudo. Os eixos das políticas de Assistência destas prefeituras (a
primeira, gerida pelo governo do Partido dos Trabalhadores - PT, a segunda pelo
Democratas - DEM, antigo PFL), revelam significativas semelhanças.

1
Trabalhamos no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e no Conselho Municipal de Assistência Social
(como secretária executiva) em Nova Iguaçu (2006/2007) e como técnica do CRAS na Prefeitura do Rio de Janeiro
(2007/2009). Cabe ressaltar que foram dois concursos públicos realizados após a aprovação da Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) e do SUAS, para composição das equipes que atuariam nos equipamentos desta política,
mas não só. Os técnicos aprovados (inclusive de outras profissões) nas duas prefeituras, mesmo sendo direcionados
para as secretarias de Assistência Social (no caso de Nova Iguaçu Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Econômico e Social – SEMDES). Os profissionais foram lotados também em outras secretarias, em Nova Iguaçu,
parte dos concursados foi lotada nos Conselhos Tutelares (também atuamos neste espaço durante o período em que
permanecemos com este vínculo). No caso do Rio de Janeiro os assistentes sociais foram lotados fundamentalmente
na SMAS, mas todos os profissionais de Serviço Social foram vinculados a esta secretaria, mesmo os que tinham
vínculo anterior, através de concurso específico, com áreas como Saúde e Habitação com a criação do Sistema
Municipal de Assistência Social (SIMAS) em 2004 (Cf. Rodrigues, 2007; 2009).

9
O PT, que representa a gestão federal desde 2002, tem em seus quadros os
principais formuladores da política destacada, é responsável pelas alterações na gestão
desta política social e pela implementação nacionalmente da PNAS e do SUAS, em
parceria com as prefeituras. No caso de Nova Iguaçu a pactuação entre os entes
federativos era facilitada pela filiação partidária (e sua coligação2) e compunha um
quadro em que os programas e projetos no âmbito da Assistência Social eram utilizados
como “carro-chefe” do governo municipal, assim como no âmbito federal3.

Nossas primeiras inquietações, portanto, situavam-se na falta de diferenciação


entre dois governos com “parâmetros” e referências díspares, o primeiro considerado de
centro-esquerda (social-democrata) e o segundo de direita (liberal). Por sua vez, a
referência central no Programa Bolsa Família (PBF) pautava as duas gestões relativas à
política de assistência social destes governos. O que nos parece curioso é que mesmo
numa gestão municipal de coligação oposta ao PT estes mesmos programas financiados
pelo governo federal também se constituíam como medidas centrais no âmbito da
Assistência Social4.

O contexto no qual se desenvolve a política de Assistência Social na atualidade


se referencia num cenário regressivo para a consolidação e alargamento de direitos. O
modelo de Seguridade Social constituído na Carta Magna vem sendo desmontado no
processo de contra-reforma do Estado, que implica na precarização e focalização das
políticas sociais, processo que ocorre junto com a precarização das relações e vínculos
trabalhistas, da financeirização e reestruturação produtiva, implementados no bojo do
ideário neoliberal.

A ampliação dos programas e projetos no âmbito da política de Assistência


Social segue a lógica das orientações dos organismos internacionais, que determinam a
constituição de políticas que tem como alvo o combate à pobreza, que se traduz em

2
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Social (SEMDES) era coordenada pelo Partido
Comunista do Brasil (PCdoB) liderada pelo secretário Ricardo Capelli. Na atual gestão é coordenada pelo PT,
liderada pelo secretário Luís Eduardo Soares.
3
Atualmente, no Rio de Janeiro, a gestão municipal encontra-se sob a responsabilidade do PMDB (com uma equipe
experiente, que já coordenou a política de Assistência Social no governo estadual do Rio de Janeiro, liderada pelo
secretário Fernando William) e não se verificam alterações na lógica de implementação da política de Assistência,
seja na forma de organização ou da execução. Um agravante de grande visibilidade é a política promovida pela
secretaria de “Ordem Urbana” e seu projeto “choque de ordem”, que dentre suas atividades promove, junto com a
SMAS o recolhimento da “população de rua” numa perspectiva que criminaliza este segmento da população sem
acesso às garantias de direitos e que reprime os trabalhadores precarizados, especialmente os ambulantes.
4
Haviam projetos promovidos pela SMAS, no Rio de Janeiro, em parcerias com ONGs, mas os programas centrais
eram o Programa Bolsa Família (PBF) e o Cadastro Único ou os vinculados a ele (ProJovem Urbano e Adolescente –
antigo Agente Jovem – e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI).

10
ações, programas e projetos para a administração e gestão da pobreza5. Nossa hipótese
se circunscreve na perspectiva de que os rebatimentos da atual reorientação da
Assistência Social incidem sobre a prática profissional, para além da atuação no campo
específico desta política social. As características determinantes da Assistência Social e
do exercício profissional no âmbito das ações assistenciais e emergenciais se recolocam
na prática profissional, inclusive nas demais políticas sociais.

Neste sentido, esta dissertação busca caracterizar o processo de


assistencialização das políticas sociais e seus rebatimentos no Serviço Social. Sem
esgotar todas as suas mediações, mas ilustrando o desenho das políticas de Seguridade
Social na contemporaneidade e em especial da Assistência Social, procurando elaborar
as formas como a prática profissional também se redimensiona na atual conjuntura.
Tomamos como referência os autores e textos que no interior da categoria orientam o
debate sobre as políticas sociais, a assistência social e o Serviço Social.

Trataremos, no primeiro capítulo, a contextualização do debate sobre a


assistencialização das políticas sociais, para isto, observamos a trajetória da constituição
da Seguridade Social e da política de Assistência Social no Brasil e as particularidades
desta última política pública, destacando como vem se desenhando, desde a década de
1990, a constituição da lógica do combate à pobreza – tendo como eixo central os
programas de transferência de renda e, em particular, os contornos que adquire desde a
implementação da PNAS e do SUAS.

O debate sobre a assistencialização das políticas sociais no contexto da


seguridade social se fundamenta nos elementos da formação da sociedade brasileira,
presentes em sua constituição econômica, social e política, que a nosso ver
(re)atualizam aspectos presentes historicamente em seu processo de desenvolvimento,
fortalecendo as indistinções entre os limites do público e do privado, da cultura do favor
(Cf. Pastorini, 1997).

5
Consideramos a administração da pobreza como a “forma” capitalista contemporânea de trato das refrações da
“questão social” numa perspectiva que as naturaliza como expressão e resultado natural de qualquer ordem social e
que na atualidade devem ser mediadas por ações em conjunto com a “sociedade civil” para garantias dos mínimos de
sobrevivência. Figura como combate à pobreza, mas conforma uma cultura que na verdade objetiva socializar as
conseqüências da crise buscando o consenso e consentimento dos trabalhadores, como destaca Mota: “essa cultura é
formadora da hegemonia do grande capital e também protagonista do consentimento ativo das classes subalternas,
na medida em que seja capaz de elaborar uma visão socializadora da crise, conseguindo estruturar campos de lutas,
formar frentes consensuais de intervenção e construir espaços de alianças” (Mota, 2005, p.108). Trataremos esta
concepção ao longo da discussão do processo de assistencialização das políticas sociais, em particular no item 1.4: Os
Programas e Projetos de Assistência Social.

11
Uma das medidas engendradas pelo Estado como respostas às manifestações das
contradições capitalistas é a constituição de políticas sociais, que figuram como
resultado da luta de classes, como expressão de conquistas da classe trabalhadora para o
atendimento às suas necessidades de reprodução social. A constituição da política de
Assistência Social, política sobre a qual nos debruçamos particularmente, possui
características diferenciadas. Na maior parte das vezes aparece como concessão ou
benesse para segmentos da classe trabalhadora que compõem seus “usuários”,
especialmente por serem, predominantemente, trabalhadores precarizados, sem vínculos
trabalhistas ou desempregados. Esta inserção “instável” no “mundo do trabalho”, por
sua vez, afeta seu nível de consciência e sua capacidade de organização. O caráter das
ações desenvolvidas por esta política é outro elemento que reforça uma lógica
eminentemente emergencial e imediatista, pois seus programas e projetos direcionados
ao atendimento das necessidades de sobrevivência são confundidos com as atividades
realizadas pela filantropia e pela caridade institucionalizada.

A “questão social”, expressão da contradição entre capital e trabalho, é


determinada pelo processo de lutas e se traduz em conquistas dos trabalhadores em
torno do atendimento de suas necessidades à medida que sua pressão “obriga” ao capital
ao atendimento de parte das demandas como forma de obter a manutenção da sua
dominação. Especialmente quando a reprodução dos trabalhadores não está garantida
por sua atividade laborativa, em casos de doença, invalidez, velhice e maternidade,
dentre outros eventos que interrompem sua capacidade de trabalho, são constituídas –
em diferentes níveis, de acordo com as conjunturas que se desenvolvem – garantias de
reprodução fora da atividade estritamente de trabalho. Com o vínculo previdenciário as
interrupções do exercício das funções produtivas não cessam o recebimento dos
proventos uma vez que os trabalhadores recebem benefícios previdenciários enquanto
for necessário (de acordo com avaliação pelo Instituto Nacional de Seguro Social –
INSS). Já para os segmentos precarizados ou desempregados não contribuintes e não
incluídos na previdência social não há garantias sociais a não ser o acesso ao conjunto
de programas assistenciais.

O trabalho no capitalismo tem uma modalidade predominante e específica, trata-


se do trabalho assalariado, trabalho entendido como meio de vida, que limita o
desenvolvimento das capacidades humanas, pela sua parcialidade, fragmentação e
submissão a um modelo de sociedade no qual os meios de produção são apropriados

12
privadamente, assim como as riquezas socialmente produzidas, fundamentado na
exploração da força de trabalho e apropriação da mais-valia.

Em alguns momentos da história do capitalismo, como no pós-guerra, houve


uma aposta na ampliação da intervenção do Estado através da consolidação do Welfare
State na Europa, que teve como mediação a expansão do capitalismo e as políticas de
pleno emprego, como base da constituição dos sistemas de Seguridade Social. O
ascenso organizativo da classe trabalhadora foi fundamental para o estabelecimento dos
direitos constitutivos destes sistemas e a oposição entre socialismo e capitalismo
contribuiu centralmente para o desenvolvimento de ações que consideravam a
possibilidade de um “capitalismo humanizado”. Este período viabilizou o
estabelecimento de um “pacto” entre as classes.

As crises cíclicas do capitalismo conformaram na década de 1970 um cenário


oposto ao que possibilitou a constituição do Welfare e pôs o capital em oposição frontal
às conquistas consolidadas ao longo dos chamados “trinta anos gloriosos”. As principais
medidas de resposta à crise se fundamentam na reestruturação produtiva e flexibilização
das relações trabalhistas; na implementação do ideário (neo) liberal e na financeirização
da economia. O Estado, tomado como grande “vilão”, responsabilizado por gastos que
não seriam utilizados para impulsionar a economia de mercado, seria avistado como
principal responsável pela crise e utilizado como peça chave na recomposição e
retomada das taxas de lucro do capital, que no período de crise decresceram. Assim
sendo, a “reforma” do Estado aparece como medida necessária e fundamental para o
crescimento econômico, principalmente através da redução dos “gastos sociais”.

O desmonte da proteção social6 nos países centrais é uma das propostas para
redução destes gastos e, para os países periféricos que compõem a América Latina e
viviam processos de ditadura neste mesmo período, a implementação destas medidas

6
A noção de “proteção social” se refere ao conjunto de medidas estruturadas pelos sistemas de Seguridade Social,
numa perspectiva de garantias de reprodução social da classe trabalhadora, mediadas pela relação entre capital e
trabalho, fundamentalmente estruturadas pela inserção no mercado de trabalho e estruturadas pelo Estado via
políticas sociais. Estes sistemas possuem características diferenciadas de acordo com as conjunturas em que se
constituem. Dependem fundamentalmente de como se estabelecem as relações entre as classes trabalhadora e
capitalista, do nível de organização e luta dos trabalhadores na disputa por garantias de direitos. Na atualidade, esta
concepção está perpassada por concepções distintas. No bojo do ideário (neo)liberal de “desenvolvimento
sustentado” se baseia em ações com vistas ao provimento de mínimos de sobrevivência para os segmentos mais
pauperizados dos trabalhadores – como as maiores “vítimas” da crise – e desmonte das garantias de direitos oriundos
dos vínculos formais via desregulamentação das relações de trabalho, particularmente, e que, conjugadas ao
desemprego estrutural, configuram um cenário no qual a ampliação dos segmentos sem acesso a direitos torna-se
notável. Por outro lado aparecem também como constituição de redes de auto-ajuda e ajuda-mútua no bojo das
relações da “sociedade civil” (para uma perspectiva crítica Cf. Montaño, 2007 e Iamamoto, 2008).

13
tem impactos ainda mais nocivos, visto que não foram constituídos neles os modelos de
Bem-Estar que estavam em “xeque” no denominado “primeiro-mundo”.

O período de ditadura militar no Brasil foi permeado por lutas e organização dos
movimentos sociais, no qual o Estado autoritário se afirmou por meio de medidas de
repressão e coerção política. Mas com desenvolvimento econômico e constituição de
políticas de corte social durante o período do “milagre econômico”, coordenam-se
medidas de coerção e consenso. A abertura democrática se deu num contexto de
esgotamento deste período, de ascensão dos movimentos sociais, mas já numa
conjuntura de crise internacional e endividamento externo exponenciados.

No Brasil, o germe do processo da constituição de um Estado de Bem-Estar


Social, no período de abertura democrática, com o ascenso organizativo dos
trabalhadores que pautava a constituição de direitos, esbarra no processo de reorientação
social, política e econômica conformada no cenário mundial como resposta à crise
capitalista. O modelo neoliberal implica no reordenamento do Estado e das políticas
sociais e a relação com as orientações dos organismos multilaterais incidindo sobre o
modelo de gestão da força de trabalho, privatização, precarização e desemprego.

O processo no qual se desenha a Constituição Federal de 1988, de ascenso dos


movimentos sociais e de conquistas de direitos no seu marco formal-legal, sofre já na
entrada da década de 1990, um processo de desmonte em face da contra-reforma do
Estado. No início da década de 1990 ainda são constituídas as legislações que
regulamentam as políticas sociais, como nas áreas da Saúde (lei 8.080/90 e 8.142/90) e
da Assistência Social (lei 8.742/93), mas as reformas já começam a ser operadas nesta
década. Temos como exemplo a reforma da Previdência, a privatização de setores
rentáveis da Saúde7 (a participação privada está prevista no texto constitucional) e com
a manutenção da parceria com o setor privado e filantrópico na execução da Assistência,
característica histórica desta política.

A Seguridade Social no Brasil se estabelece neste cenário, as políticas de Saúde,


Previdência e Assistência Social retrocedem aos seus parâmetros estabelecidos na
Constituição e nas leis que regulamentam suas políticas. A implementação de
orientações dos organismos internacionais para as políticas sociais determina reformas

7
A universalização da Saúde implicou na expansão do atendimento antes restrito aos trabalhadores – e seus
familiares – com vínculos formais de trabalho, mas não teve o alargamento necessário para absorver o fluxo, uma
medida que contribuiu para o crescimento da rede privada e constituição de poderosos grupos.

14
que implicam na redução de direitos conquistados, na precarização e desmonte da
proteção social. Estas orientações sustentam a constituição de políticas focalizadas no
combate à pobreza como eixo central por meio de programas e projetos pontuais e
fragmentados, que atuam na forma de administração da pobreza. Predomina a
manutenção do corte assistencial nas políticas sociais e, especialmente, na assistência.
Os programas Comunidade Solidária (governo FHC) e Fome Zero (governo Lula)
consolidam estas orientações ao longo dos anos 1990 e 2000 e são exemplos que
pautam internacionalmente experiências de “sucesso” no marco destas formulações.

No segundo capítulo trataremos mais especificamente sobre o debate a cerca do


processo de assistencialização das políticas sociais e o Serviço Social, com sua
diferenciação a partir da leitura de autores do âmbito do Serviço Social, pontuando a
relação da Seguridade Social – e em particular da Assistência Social – com o trabalho e
a perspectiva de direito ao trabalho. A relação entre trabalho e Seguridade Social esteve
presente como eixo central da constituição dos modelos de Seguridade Social.

A exponenciação do pauperismo e das expressões da “questão social” neste


período de crise, o fim do “socialismo real” e o refluxo dos movimentos organizados
dos trabalhadores compõem também este cenário de regressão nos direitos
conquistados. Num momento em que o capital busca construir consensos em torno das
medidas de manutenção de sua ordem e para administração dos índices de pobreza e
indigência são elementos centrais a naturalização da pobreza e da miséria e sua
categorização como “exclusão”. Estas manifestações da contradição entre capital e
trabalho são escamoteadas no discurso que retoma e exalta o individualismo e o
estabelecimento de estratégias de auto-ajuda e ajuda-mútua solidarista na constituição
de redes de solidariedade.

Entendemos que esta caracterização nos permite levantar algumas considerações


sobre a atual configuração das políticas sociais e dos rebatimentos do processo de
assistencialização das políticas sociais no Serviço Social pela mediação que esta
profissão realiza no acesso aos equipamentos e serviços públicos.

Para isso, retomamos a conjuntura em que surgem as políticas de combate à


pobreza no Brasil e suas características diante da perspectiva das políticas sociais no
neoliberalismo. Consideramos que o processo de assistencialização está articulado ao
contingenciamento das políticas sociais e mediado pelo caráter assistencial e
emergencial dos programas e projetos do âmbito da política de Assistência Social.

15
Contextualizamos a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único
da Assistência Social (SUAS), seus avanços e elementos centrais que caracterizam esta
política e sua implementação nos últimos cinco anos.

A Seguridade Social e Assistência Social no Brasil têm uma trajetória histórica


estabelecida no escopo de políticas de proteção social. A previdência depende da
contribuição prévia e a assistência e a saúde não dependem de contribuição. A
Constituição Federal de 1988 indicava a ruptura da dicotomia saúde-previdência para o
trabalhador e assistência para os “necessitados” e alçou outros avanços com as leis
orgânicas que regulamentam estas políticas.

O Sistema de Seguridade Social se referencia neste processo e a Carta Magna


contém aspectos da concepção de um modelo de bem-estar social, fruto da organização
e luta dos trabalhadores. No entanto, o período de democratização, pontuado acima, se
reflete em diferenciais para a composição das políticas que constituem o sistema de
proteção social, em destaque tratamos a Política de Assistência Social, em especial os
modelos de gestão da pobreza que são fomentados na década de 1990, como o
Programa Comunidade Solidária e, atualmente, o Programa Fome Zero.

Os programas de transferência de renda passam a ser política central de gestão e


administração da pobreza, tendo como foco a intervenção nos índices de pobreza
absoluta e indigência. A Política de Assistência Social na atualidade, com a PNAS, a
NOB e o SUAS, trazem em si contradições entre a afirmação de direitos e a reposição
das expressões da “questão social” nesta perspectiva.

A assistencialização das Políticas Sociais e do Serviço Social tem como medida


a orientação central da focalização no combate à pobreza. Ocorre, a nosso ver, um
superdimensionamento da Assistência Social, expressa na constituição da PNAS e do
SUAS já nos anos 2000, uma política que figura como uma das prioridades de governo
num cenário em que a precarização e focalização das políticas sociais é um processo
contínuo, afinado à uma política econômica restrita, que transfere ao capital renda e
riqueza produzidos socialmente em larga escala e valores mínimos, através dos
programas de transferência de renda, para uma massa da população pauperizada.

Esta centralidade da assistência social e seu destaque dentre as políticas de


Seguridade Social ocorrem junto com o desmonte da legislação trabalhista, com a
contra-reforma previdenciária, com a ampliação das parcerias com o setor privado, não

16
somente nesta política8. Questionamos-nos se a constituição dos direitos expressos na
PNAS e no SUAS são de fato conquistas dos trabalhadores. Em certa medida ainda são
resultado das lutas da década de 1980 que se desenrolou ao longo das últimas décadas,
mas expressam, contraditoriamente, o modelo proposto na década de 1990 para as
políticas sociais e conformam um conjunto de medidas de administração da pobreza que
buscam a coesão e o consenso em torno do atendimento à população mais pauperizada.

Entendemos que este processo expressa avanços, retrocesso e manutenção de


características históricas da política de assistência – que são observadas também em
outras políticas sociais. Buscamos, em autores de referência no Serviço Social,
elementos para caracterizar o processo de assistencialização das políticas sociais, quais
sejam: Sposati, Yasbek, Pereira, Boschetti, Behring, Stein, Rodrigues, Iamamoto, Netto,
Pastorini e Galízia dentre outros pensadores que mesmo não discutindo diretamente o
campo da Assistência e da Seguridade Social, contribuem para a caracterização deste
quadro.

Entendemos que os rebatimentos para o que consideramos assistencialização do


Serviço Social têm sua referência no processo mais amplo que atinge as políticas
sociais. Ele passa pelo destaque da política de Assistência Social dentre as políticas de
Seguridade Social na atualidade como um dos elementos centrais que marcam o
processo. Trata-se, a nosso ver, de uma tendência que pode ser verificada primeiramente
na demanda por uma atuação restrita nos diversos espaços ocupacionais, especialmente
no trato dos pobres e das situações de pobreza, por meio da mediação de critérios sócio-
econômicos na definição do acesso e permanência em políticas sociais.

Em segundo lugar se relaciona a precarização das políticas; restrição da rede de


serviços públicos e uma rede privada e filantrópica focalizada e pontual; enfoque do

8
Na educação, por exemplo, temos dois projetos em implementação no nível superior temos o projeto de
Reestruturação e Expansão do Ensino Superior (REUNI) para as universidades públicas e o Programa Universidade
Para Todos (PROUNI) para as universidades privadas. O primeiro altera a gestão, as contratações e financiamento
das universidades, mais uma contra-reforma implementada no atual governo. O PROUNI abre vagas com bolsas
integrais e parciais nas universidades privadas em troca de subvenções do governo, que garante acesso ao ensino
superior privado ao invés de transferir o investimento que poderia ser feito, caso fossem recolhidos os impostos que
abre mão, na universidade pública para ampliação do acesso a este serviço. Nas palavras do presidente Lula: "’O
ProUni foi resultado de uma inquietação, precisávamos encontrar uma saída para os estudantes que não pudessem
entrar na universidade pública e achar um jeito de terem bolsa de estudo nas universidades privadas", explicou,
destacando a criatividade do ministro Tarso Genro e do secretário executivo do MEC, Fernando Haddad, para realizar
o programa. ‘Tivemos um gostoso prazer de anunciar 112 mil novas vagas nas universidades brasileiras para atender
ao público de classe média, a periferia, os negros e os índios’. Destacou o esforço do MEC no ensino médio e
profissionalizante e os avanços no debate da reforma universitária” (fonte: MEC, portal.mec.gov.br) em declaração
dada pela ocasião do lançamento do ProJovem, que trataremos adiante na caracterização dos programas e projetos da
assistência social).

17
atendimento aos mais pobres e critérios de seletividade. Quatro teses destacadas por
Iamamoto (2008)9 servirão para ilustrar como estas diferentes tendências estiveram – e
estão – presentes no interior da profissão, para caracterização das demandas postas à
categoria e das respostas por elas engendradas.

Nas considerações finais retomamos o debate sobre a constituição da política de


Assistência Social, pontuando alguns aspectos da intervenção profissional nesta política,
seus desafios de ordem prática, particularmente, na mediação com suas dimensões
operativa e política. Retomamos a argumentação da necessária constituição de um
sistema de proteção social com base numa Seguridade Social ampliada, vista como
mecanismo tático para a constituição de direitos e garantias de reprodução social e que
se estruturam na relação entre as classes. Por fim, situamos o debate da direção social
hegemônica da profissão e sua vinculação com um projeto societário solidário ao
segmento dos trabalhadores.

9
As teses abordadas são: da assistência social; da proteção social; da função pedagógica do assistente social; e do
sincretismo e da prática indiferenciada.

18
C a p í t ul o 1

“Questão Social”, Políticas Sociais e A ssistência Social

19
1.1 Contexto Histórico da “Questão Social”, Políticas Sociais e Assistência Social

O debate sobre o processo de assistencialização das políticas sociais compreende


a análise da forma que são constituídas as respostas às expressões da “questão social”,
particularmente a intervenção estatal por meio das políticas sociais. Neste escopo
também são desenhadas requisições para o Serviço Social e rebatimentos deste processo
na intervenção profissional.

Consideramos que a política de Assistência Social adquire centralidade dentre as


políticas sociais na atualidade, pois seus contornos – dos seus programas e projetos –
passam a predominar em meio as políticas de Seguridade Social e apontam para
afirmação de uma perspectiva assistencial10 e emergencial no trato das manifestações da
“questão social” que esteve presente na constituição destas políticas historicamente11.

Esta discussão referencia-se na constituição das políticas sociais no capitalismo


como respostas à contradição entre capital e trabalho no conjunto das relações sociais
que a constituem a ordem do capital. O Estado capitalista expressa as necessidades de
manutenção global do capitalismo, não é independente do capital, mas não concretiza
necessariamente somente seus interesses, ou seja, o interesse das classes dominantes.
“Nem o Estado é independente do capital, nem representa direta e exclusivamente os
interesses da classe dominante: ele expressa as necessidades globais da manutenção da
reprodução do metabolismo social regido pelo capital” (Mészaros apud Lessa, 2006, p.
145).

O Estado expressa a contradição capital-trabalho na qual o interesse da


burguesia predomina sobre o dos trabalhadores nesta ordem societária, mas tende a
garantir predominantemente os interesses da classe dominante, a capitalista. Nesta
relação entre capitalistas e trabalhadores circunscreve-se a contradição desta sociedade
regida pelo capital: a apropriação privada dos meios de produção e a exploração do
trabalho pela classe dominante.

As demandas dos trabalhadores, ora incorporadas à ordem do capital,


fundamentalmente como conquistas resultantes da organização e luta desta classe, são

10
O mecanismo assistencial remete a respostas de caráter político “compensatório de carências”. Toma forma a
identificação do grau de carência demandado através de mecanismos seletivos para determinar o acesso aos serviços
e programas sociais (Sposati, 1986, p. 30).
11
Sposati já destacava, em 1986, que o assistencial era uma das características da ação do Estado nas políticas de
corte social, dimensão esta que imprimia o caráter emergencial no atendimento às necessidades sociais (Cf. Sposati,
1986, p. 22).

20
estabelecidas principalmente através de garantias à reprodução de sua força de trabalho,
especialmente por meio de políticas sociais, a partir do período monopolista (Cf. Netto,
2001), como principal medida estatal no trato da “questão social”12.

As reformas políticas operadas no capitalismo expressam formas de


operacionalização do modo de produção capitalista. Fazem parte da ordem do capital e
de configuração de medidas que permitam seu funcionamento com critérios mínimos de
coesão e consenso. “As reformas políticas podem, no máximo, ser a gênese de novas
formas de regência do capital, aboli-la jamais” (Lessa, 2006, p. 147).

As reformas reivindicadas pelos trabalhadores para alterar o processo de


pauperização provocado pelo capitalismo questionavam o modo de acumulação vigente
e abriam disputa entre a classe trabalhadora e a burguesia. Estas lutas colocavam e
podem colocar em “xeque” a própria ordem burguesa, pois os avanços no campo dos
direitos do trabalho estabelecem limites ao movimento do capital e à exploração do
trabalho (limitação da jornada, política salarial etc.). Segundo Mota,

A questão reside no fato de o capital ser compelido a incorporar algumas


exigências dos trabalhadores, mesmo que elas sejam conflitantes com os seus
interesses imediatos; mas, ao fazê-lo, procura integrar tais exigências à sua
ordem, transformando o atendimento delas em respostas políticas que,
contraditoriamente, também atendem às suas necessidades (2005, p.123).

O Estado busca legitimação política através do jogo democrático e passa a ser


permeável às demandas das classes subalternas. Esta é uma das mediações que
constituem as políticas sociais como medidas de compensação das manifestações da
“questão social”. Dessa forma,

É somente nestas condições que as seqüelas da “questão social” tornam-se –


mais exatamente: podem tornar-se – objeto de uma intervenção contínua e
sistemática por parte do Estado. É só a partir da concretização das
possibilidades econômico-sociais e políticas segregadas na ordem monopólica
(concretização variável do jogo das forças políticas’) que a ‘questão social’ se
põe como alvo de políticas sociais (Netto, 2001, p.29).

A expressão “questão social” se afirma como denominação da burguesia para


dar outro significado às expressões da “pauperização da classe trabalhadora (que)
crescia em contraposição à crescente produção de riqueza no processo de
industrialização europeu no fim do século XVIII numa dimensão diferenciada de sua

12
Articulam-se estas respostas junto com medidas de coerção e violência, que vêm reprimir ações opostas aos
interesses dominantes e que nos diferentes períodos históricos se agudizam de acordo com o nível de ascenso das
organizações dos trabalhadores e do nível em que estas demandas são postas, que podem apontar para reformas ou
até para pôr em xeque a ordem societária vigente.

21
dinâmica como a que havia com a manifestação da pobreza até então” (Netto, 2001, p.
153).

A burguesia, no bojo das lutas travadas entre capital e trabalho no século XIX,
passa a mistificar a pauperização numa perspectiva fragmentária das demandas da
classe trabalhadora, tratando a “questão social” como “problemas sociais” e como uma
questão do âmbito social, dicotomizando as esferas econômica, política, social e cultural
(Netto, 2001, p. 152- 153)13.

As manifestações mais imediatas da “questão social” como a fome, doenças, o


desemprego e a desigualdade são vistas como “desdobramento da sociedade moderna
(...) de características inelimináveis de toda e qualquer ordem social” (Netto, 2001, p.
155). Caberia então o desagravo destas condições através de ações políticas no âmbito
das suas expressões, preservando o cerne da desigualdade determinante das condições
geradoras: a propriedade privada dos meios de produção e o conseqüente acúmulo e
concentração de riquezas (Netto, 2001, p. 155).

A “questão social”, a partir da perspectiva crítica, é entendida como conjunto de


problemáticas e processos próprios e intrínsecos ao modo de produção capitalista,
resultante da contradição entre capital e trabalho. O capital de um lado, necessita
garantir a propriedade privada dos meios de produção e a exploração da força de
trabalho, e os trabalhadores, por outro, precisam lutar para romper com este processo
constituindo um conflito entre estas classes que configura a então denominada “questão
social”.

Sem esta ruptura, a garantia de condições de vida, distribuição de renda e


riqueza em condições de igualdade é inviável. A acumulação e a concentração de
riqueza são alicerces da sociedade capitalista, que se funda na exploração do trabalho a
partir da apropriação privada dos meios de produção.

A emancipação humana – bandeira da classe trabalhadora que só toma vulto


quando esta classe está organizada e em luta – é intrínseca à superação do capital,
13
A “expressão questão social surge por volta da terceira década do século XIX para designar as condições de vida
dos miseráveis às quais foram submetidos os trabalhadores no início do capitalismo”. Todavia, a partir da segunda
metade do século XIX, a expressão desliza para o pensamento conservador (...). No âmbito do pensamento
conservador “a ‘questão social’, numa operação simultânea à sua naturalização, é convertida em objeto de ação
moralizadora. E, em ambos os casos, o enfretamento das suas manifestações deve ser função de um programa de
reformas que preserve, antes de tudo e mais, a propriedade privada dos meios de produção. Mais precisamente: o
cuidado com as manifestações da ‘questão social’ é expressamente desvinculado de qualquer medida tendente a
problematizar a ordem econômico-social estabelecida; trata-se de combater as manifestações da ‘questão social sem
tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. Tem-se aqui, obviamente, um reformismo para conservar” (Netto,
2001, p. 155).

22
portanto, “questão social” e capitalismo coexistirão até que esta ordem seja superada.
Enquanto perdurar este modo de produção o trato das desigualdades sociais, da
pauperização, da concentração renda e de riqueza serão tratadas como questões do
âmbito “social”, como objeto de intervenção descolado das outras esferas da vida e da
dinâmica societária, pois “imaginar a ‘solução’ da ‘questão social’ mantendo-se e
reproduzindo-se o modo de produção capitalista é o mesmo que imaginar que o modo
de produção capitalista pode se manter e se reproduzir sem acumulação do capital”
(Netto e Braz, 2008, p. 139).

Agravadas ou com novas manifestações observamos que o trato da desigualdade


social que já se desenhava no início do século XIX – como problemas sociais, naturais a
qualquer ordem – permanecem nos marcos do capitalismo, com alterações que
acompanham a dinâmica desta ordem societária.

Foram constituídas historicamente respostas conservadoras/reacionárias às


demandas e reivindicações postas pelo conjunto de trabalhadores organizados que, pelo
grau de avanço que apontavam, implicavam no questionamento da ordem burguesa.
Ainda que respondendo a demandas do campo do trabalho se imprimiu uma lógica de
incorporação destas medidas para atender também às necessidades do capital. Foram
desenhadas respostas que pactuassem a relação capital-trabalho, no sentido da absorção
de demandas, numa perspectiva de concessão e favor, naturalizando as desigualdades.

O trato da “questão social” pelos setores hegemônicos é geralmente orientado


pela teoria da integração social; dessa forma, acabam-se naturalizando as
desigualdades sociais, e as políticas sociais perdem seu caráter de conquista
passando a ser concebidas como concessões do Estado e do capital,
reproduzindo a “ideologia do favor”, caracterizada por formas paternalistas e
clientelísticas de relação que se combinam com um tipo de atendimento, por
parte do Estado, orientado pela benevolência e a filantropia (Pastorini, 2004, p.
93).

Esta perspectiva de “integração social” trata as manifestações da “questão


social” como disfunções particulares na ordem capitalista e não como produto das
relações sociais engendradas por ela e nela própria.

A constatação de um sistema de nexos causais, quando se impõe aos


intervenientes, alcança no máximo o estatuto de um quadro de referência
centrado na noção de integração social: selecionam-se variáveis cuja
instrumentação é priorizada segundo os efeitos multiplicadores que podem ter
na perspectiva de promover a redução de disfuncionalidades – tudo se passa
como se estas fossem inevitáveis ou como se se originassem de um “desvio” da
lógica social. Assim a “questão social” é atacada nas suas refrações, nas suas

23
seqüelas apreendidas como problemáticas cuja natureza totalizante, se assumida
conseqüentemente, impediria a intervenção (Netto, 2001, p. 362).

A forma como o Estado capitalista veio responder às manifestações da “questão


social” foi com a adoção de medidas de proteção que garantissem a reprodução social
dos trabalhadores assalariados para o mercado de trabalho, os principais demandatários
de melhores condições de vida e de trabalho, mantendo ainda uma dimensão assistencial
no trato da pobreza e das suas manifestações mais imediatas.

No período monopolista do capitalismo se consolidou a intervenção do Estado


através de políticas sociais. Estas políticas setorizadas e cada qual com sua
especificidade são direcionadas ao atendimento de demandas de forma parcial e
fragmentada, tal como se constituem. As manifestações da “questão social” são
compreendidas e enfrentadas como problemas específicos e particulares através de
ações compensatórias.

Enquanto intervenção do Estado burguês no capitalismo monopolista, a política


social deve constituir-se necessariamente em políticas sociais: as seqüelas da
“questão social” são recortadas como problemáticas particulares (o
desemprego, a fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de
escolas, a incapacidade física etc.) e assim enfrentadas (Netto, 2001, p. 32).

A contradição central que funda o capitalismo é a produção de riquezas


contraposta com a produção de miséria na mesma escala. A incorporação do caráter
público pelo Estado no enfrentamento da “questão social” não significa seu
reconhecimento e enfrentamento na perspectiva de sua superação. O modo de responder
a estas manifestações foi alterado na sua forma adjetiva, inclusive pela pressão dos
trabalhadores que demandavam reformas no capitalismo, no reconhecimento da
necessidade de intervenção do Estado, mas não na sua forma substantiva.

o giro que a organização monopólica da sociedade burguesa conferiu ao


enfrentamento das refrações da “questão social” deriva da contínua, sistemática
e estratégica intervenção estatal sobre elas. Esta inflexão implicou de fato no
redimensionamento do Estado burguês que (...) joga agora uma função coesiva
central: dito em poucas palavras, ampliou-se e tornou-se mais complexa a
estrutura e o significado da ação estatal, incorporando-se os desdobramentos do
caráter público daquelas refrações: as seqüelas da ordem burguesa passaram a
ser tomadas como áreas e campos que legitimamente reclamavam, e mereciam,
a intervenção da instância política que, formal e explicitamente, mostrava-se
como expressão e manifestação da coletividade (Netto, 2001, p. 34).

Ainda assim, em nenhum período histórico nos marcos do capitalismo a pobreza


deixou de ser uma “contra-parte” da produção da riqueza. Aparece como resultado da

24
apropriação privada e da concentração de riqueza, como medida intrínseca ao modo de
produção capitalista.

O desenvolvimento plurisecular do “capitalismo real” (isto é, do capitalismo tal


como ele se realiza efetivamente, e não como o representam seus ideólogos) é a
demonstração cabal e irretorquível de que a produção capitalista é
simultaneamente produção polarizadora de riqueza e de pobreza (absoluta e/ ou
relativa). Ainda se está por inventar ou descobrir uma sociedade capitalista – em
qualquer quadrante e em qualquer período histórico – sem o fenômeno social da
pobreza como contra-parte necessária da riqueza socialmente produzida (Netto,
2007, p. 143).

A tradição marxista na leitura do modo de produção capitalista entende que para


o “desenvolvimento capitalista é, necessária e irredutivelmente, produção
exponenciada de riqueza e produção reiterada de pobreza. (...) que encontra a sua
fundamentação teórica nos desdobramentos da lei geral da acumulação capitalista”
(Netto, 2007, p. 142). Nesse sentido, o mesmo autor afirma que

Nas sociedades em que vivemos – vale dizer, formações econômico-sociais


fundadas na dominância do modo de produção capitalista –, pobreza e
desigualdade estão intimamente vinculadas: é constituinte insuprimível da
dinâmica econômica do modo de produção capitalista a exploração, de que
decorrem a desigualdade e a pobreza. No entanto, os padrões de desigualdade e
de pobreza não são meras determinações econômicas: relacionam-se, através de
mediações extremamente complexas, a determinações de natureza político-
cultural; prova-o o fato inconteste dos diferentes padrões de desigualdade e de
pobreza vigentes nas várias formações econômico-sociais capitalistas (Idem., p.
142).

Destacamos que “a pobreza, na ordem do capital e ao contrário do que ocorria


nas formações sociais precedentes, não decorre de uma penúria generalizada, mas,
paradoxal e contraditoriamente de uma contínua produção de riquezas” (Idem. p. 143).

A pauperização da classe trabalhadora é resultante da exploração do trabalho e


da apropriação/acumulação privada da riqueza socialmente produzida que tem seu
fundamento na política econômica mediada pelo Estado e se reveste de mediações daí
derivadas. A secundarização deste fundamento é o que ocasiona/resulta na naturalização
da desigualdade e da pobreza, como se fossem elementos presentes e permanentes a
qualquer ordem social. Ainda fundamentados em Netto,

É desnecessário salientar que a caracterização da pobreza – e, do mesmo modo,


a da desigualdade – não se esgota ou reduz a seus aspectos sócioeconômicos;
ao contrário, trata-se, nos dois casos, de problemáticas pluridimensionais. Na
análise de ambas, há que sempre se ter presente tal pluridimensionalidade;
todavia, a condição elementar para explicá-las e compreende-las consiste
precisamente em partir do seu fundamento socioeconômico. Quando este
fundamento é secundarizado (ou, no limite, ignorado, como na maioria das

25
abordagens hoje em voga nas Ciências Sociais), o resultado é a naturalização
ou a culturalização de ambas (2007, p. 142).

Os processos de crescimento econômico e as crises capitalistas determinam


sobremaneira o desenvolvimento da relação capital-trabalho e, na mesma medida, as
políticas estatais de cunho social14. Para que o ciclo de crescimento tenha rebatimentos
concretos na redução da pobreza deve ser acompanhado por políticas de caráter
redistributivo, sem este requisito tendencialmente pode acarretar ainda mais
desigualdade e pobreza (Idem. p. 144).

A proteção social destinada ao trabalhador, como conjunto de medidas


reservadas a sua reprodução social no atendimento às necessidades básicas, é
estruturada pelo Estado capitalista por meio de políticas sociais. Os modelos de
proteção estruturados no interior do sistema capitalista e implementados pelo Estado
constituem respostas à crescente desigualdade com o objetivo de reduzir a pobreza ou
amenizar as expressões da “questão social”.

Estes projetos remetem a um período histórico em que se organizaram modelos


de “bem-estar social” no assim denominado Estado de Bem-Estar Social ou Welfare
State “o experimento histórico nele plasmado [foi] um capítulo da dinâmica capitalista
em que o crescimento econômico esteve conectado à diminuição da pobreza absoluta e
à redução de desigualdades” (Netto, 2007, p. 144).

Nos “anos gloriosos do capitalismo”, como afirma Netto, um determinado


modelo de produção que exponenciava a produtividade foi articulado com a intervenção
do Estado via políticas sociais.

Uma simbiose entre taylorismo/fordismo e macroorientação econômica


keynesiana (vale dizer: com uma ativa intervenção do Estado) garantiu, na
Europa Nórdica e Ocidental (excluída a Península Ibérica), uma significativa
redução da pobreza absoluta e uma diminuição das desigualdades (2007, p.
145).

A proposta keynesiana de intervenção do Estado na economia se contrapunha


em seus princípios ao liberalismo econômico. A primeira defendia a interferência do
Estado na economia no sentido de desenvolver políticas de bem-estar social para os
trabalhadores e assim também estimular o aquecimento da economia (com parte dos

14
O crescimento econômico não é a única condição para enfrentar o pauperismo resultante da contradição capital-
trabalho, mesmo os organismos internacionais relativizam a apologia do crescimento econômico no combate às
desigualdades nas suas orientações para o direcionamento das políticas sociais para o combate à pobreza na década de
1990 (Netto, 2007, p. 143).

26
recursos dos trabalhadores sendo destinada ao consumo, já que ao Estado caberia a
administração de políticas que atenderiam a determinadas necessidades de reprodução
destes trabalhadores) e geração de empregos (pleno emprego). “A política keynesiana
de levar a demanda global a partir da ação do Estado, em vez de evitar a crise, vai
apenas amortecê-la por meio de alguns mecanismos, que seriam impensáveis pela
burguesia liberal stricto sensu” (Behring, 2002, p. 166).

O liberalismo tinha como ideário a defesa da liberdade do mercado e a ação da


“mão invisível” que o regularia, com presença mínima do Estado. Esta opção de não-
regulação da economia ficou em segundo plano no período pós-guerra vigorando
predominantemente nos países os modelos de bem-estar (Welfare State).

Não houve “um” modelo de Welfare State, esta experiência teve realidades
diferenciadas, cronológica e territorialmente, mas que se conjugaram com um período
de larga expansão do capitalismo, forte organização operária e a oposição capitalismo-
socialismo (Netto, 2007, p. 145).

Mas é preciso salientar que as experiências de Welfare não expressaram uma


possível “evolução normal” (ou “natural”) do desenvolvimento capitalista. Ao
contrário: elas constituíram uma excepcionalidade (cronológica, espacial e
sociopolítica) na processualidade multissecular do capitalismo. Não foram
mais que episódios, descartados após uma curta existência de três décadas
(Netto, 2007, p. 145).

Fora estabelecido um “pacto social” após o fim da Segunda Guerra Mundial,


com a conjugação de crescimento econômico e expansão da lucratividade do capital
com redistribuição social que deu lugar à constituição dos Estados de Bem-Estar Social
– as experiência de Welfare State, nos países centrais15.

A constituição dos Welfare State se deu nos “anos dourados do capitalismo”


num período de expansão econômica “durante a qual crescimento econômico e taxas de
lucro mantiveram-se ascendentes entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a segunda
metade dos anos setenta” (Netto e Braz, 2007, p. 213). Ao cabo destes anos, enquanto o
avanço da organização dos trabalhadores resulta em conquistas e ampliação de direitos e
o capital obtém aumento das suas taxas de lucro, este “pacto” foi possível e necessário.

15
No pós-guerra, quando se punha a necessidade de reconstrução dos países, que concretamente aumentam a
produtividade do capital na medida em que impulsionam o setor produtivo (para tal reconstrução), torna-se possível
estabelecer este “pacto” entre o capital e o trabalho, no sentido em que se garantem condições de vida no âmbito da
oferta de políticas sociais públicas, ao mesmo tempo em que se desonera o capital da manutenção da força de
trabalho se permite a liberação de recursos destes trabalhadores para participação no mercado via consumo.

27
O avanço das lutas e conquistas obtidas no sentido da garantia e alargamento de
direitos, ocorrida em período posterior à Segunda Guerra Mundial se coordenava com
outro aspecto central: a oposição socialista (Netto, 2007, p. 145). A União Soviética
havia conquistado prestígio na luta contra o nazifascismo e acumulado capital político
na Resistência.

A derrota dos países do eixo na Segunda Guerra, a constituição do campo


socialista na Europa oriental, o triunfo da revolução chinesa e o processo de
descolonização da Ásia e da África produzirão um novo campo de
enfrentamentos – com a oposição dos campos socialista e capitalista – e uma
nova relação de forças, com o equilíbrio entre as duas grandes forças. A
constituição do campo do “terceiro mundo” contribuía, assim mesmo, para uma
perspectiva futura favorável à luta antiimperialista e anticapitalista (Sader,
2007, p. 21).

Foram engendradas respostas pelo “campo” capitalista constituindo


contrapartidas no capitalismo para as demandas dos seus trabalhadores que estão
contextualizadas pela polarização com o modelo proposto pelo “campo” do socialismo
real e se ilustravam numa perspectiva de capitalismo humanizado.

A ideologia burguesa tratava de anunciar “um capitalismo sem contradições,


apenas conflitivo – mas no quadro de conflitos que seriam resolvidos à base do
consenso, capaz de ser construído mediante os mecanismos da democracia
representativa” (Netto e Braz, 2007, p.212). Durante este período a relação
capital/trabalho se coloca em outro patamar, no sentido que o capital retoma o
crescimento de suas taxas de lucro e “pactua-se” com os trabalhadores o atendimento de
parte das suas necessidades como garantias de melhores condições de vida (produção e
reprodução da força de trabalho).

A constituição do Estado de Bem-Estar Social nos países capitalistas centrais


garante que, de um lado, os trabalhadores obtenham melhorias na qualidade de vida
através do acesso a um conjunto de bens e serviços públicos e/ou privados, e que, do
outro, o capital avance em sua exploração 16. “É também no período do Estado de Bem-
Estar que, graças aos meios de comunicação de massa recém estruturados, criou-se uma
verdadeira histeria “anticomunista”. E não apenas no Terceiro Mundo. Nos países
centrais predominou uma orientação política conservadora” (Lessa, 2007, p. 284).

16
Para Lessa (1998) o Welfare State deslocou as contradições entre capital e trabalho por um período curto de tempo,
logo posto em xeque pela crise estrutural do capital e a dissolução das sociedades pós-revolucionárias (Lessa, 1998,
p. 142). As políticas desenvolvidas no período “visavam não uma sociedade mais justa, mas sim a incorporação dos
trabalhadores a um mercado consumidor cuja expansão fazia parte da lógica mais global da reprodução destrutiva do
sistema do capital” (Idem)

28
Mas a crise que sucedeu este período se estendeu para além da década de 1970 e
marca um cenário de profundas mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais.

a profundidade da crise que, na transição da década de sessenta à de setenta, pôs


fim aos “anos dourados” levou o capital monopolista a um conjunto articulado
de respostas que transformou largamente a cena mundial: mudanças
econômicas, sociais, políticas e culturais ocorreram e estão ocorrendo num
ritmo veloz (Netto e Braz, 2007, p. 211).

No final da década de 1960 e início da década de 1970 já se delineava o


processo de crise capitalista. O cenário apontava para a necessidade do capital retomar
o crescimento econômico e as taxas de lucro. “As crises episódicas dão lugar a crises
sistemáticas, que demandam respostas ao capital e ao trabalho, no sentido da garantia de
sua reprodução. A onda longa expansiva é substituída por uma onda longa recessiva: a
partir daí e até os dias atuais, inverte-se o diagrama da dinâmica capitalista: agora, as
crises voltam a ser dominantes, tornando-se episódicas as retomadas” (Netto e Braz,
2007, p.214).

O período de crise que se instala após estes anos toma forma com a redução do
crescimento econômico e com queda nas taxas de lucro do capital no qual “nenhum país
capitalista central conseguiu manter as taxas do período anterior” (Netto e Braz, 2007,
p. 213)17.

Objetivamente, ao movimento do capital repugna qualquer tipo de controle ou


regulação externa ao jogo do mercado – e os vários modelos de Welfare
consistiam em regulações políticas impostas ao capital. A ofensiva iniciada teve
uma finalidade central – fazer do mercado o único regulador societário. Por
isso mesmo, a retórica do grande capital (vocalizada na ideologia neoliberal)
acerca da necessidade de redução das funções estatais é falsa e mistificadora
porque oculta o seu objetivo real: O Estado mínimo que defende equivale a um
Estado máximo para o capital (Netto, 2007, p. 146).

As respostas do capital se articulam sobre um tripé: “a reestruturação produtiva,


a financeirização e a ideologia neoliberal” (Netto e Braz, 2007, p. 214). A hegemonia
do capital nas respostas traçadas para combater a crise e recuperar as taxas de lucro se
apoiavam também na dissolução do campo socialista soviético. Relacionava-se o fim do
projeto socialista com “crise fiscal do Estado” valendo-se disso para desqualificar a sua
administração.

Aceitou-se o diagnóstico neoliberal sobre a crise fiscal do Estado, com as


necessárias consequências, que terminam priorizando o ajuste fiscal e as

17
Dois elementos são determinantes: a desvinculação do dólar ao ouro pelos Estados Unidos e crise do petróleo no
início da década de 1970. Esta crise já se desenhava no cenário onde elementos da crise já estavam postos (Netto e
Braz, 2007, p. 159 e p. 213).

29
medidas de estabilização monetária. Se abandona a centralidade da reforma
tributária com forte conteúdo redistributivo, para financiar as políticas públicas.
Porque a prioridade de metas monetárias implica o abandono de políticas
monetárias como alavanca de desenvolvimento e de redistribuição de renda. Os
déficits públicos apontam então, como alternativa, os investimentos
internacionais, com os condicionamentos respectivos, além de um caminho do
qual não se pode sair (Sader, 2007, p. 23).

O período histórico anterior aberto pela Segunda Guerra Mundial contrapunha


dois projetos de sociedade distintos, de equilíbrio de forças entre o socialismo e o
capitalismo, foi impactado com a dissolução do campo socialista. Iniciava-se um
período de polarização unilateral, com presença intensa dos Estados Unidos numa “nova
ofensiva política, ideológica e militar” (Sader, 2007, p. 21). Desta forma,

É necessário considerar, antes de tudo, que os avanços antiimperialistas e


anticapitalistas das décadas anteriores se apoiavam – e, ao mesmo tempo, se
reforçavam – nessa polarização, em um período que reverteu a situação
defensiva em que se encontravam as forças de esquerda (Idem).

A crise da década de 1970 afeta também o bloco socialista. Os detonadores da


crise, como a crise do petróleo, o endividamento interno e os juros da dívida, e a
estagnação do desenvolvimento econômico, no fim dos anos 1970 até 1985, além da
solidariedade internacional (aporte de recursos a Cuba, financiamento da guerra do
Vietnã, Afeganistão) e a Guerra Fria, geraram internamente também insatisfação
popular e clima desfavorável para a manutenção do regime (Cf. Frederico, 1994).

A crise global da sociedade contemporânea, que marca peculiarmente as três


últimas décadas [do século XX], revela-se – plena embora não exclusivamente –
na crise do Estado de bem-estar e na crise do chamado socialismo real, as duas
conformações societárias que, cada uma a seu modo, procuram soluções para os
antagonismos (e suas consequências) próprios à ordem do capital (Netto,
2007(b), p. 66).

Nesse período, a internacionalização do capital ocorre com a mundialização do


capital financeiro e a divisão internacional dos mercados e do trabalho, com a
hegemonia dos países centrais e com significativo protagonismo dos Estados Unidos.
Behring (2002), ao caracterizar a fase tardia do capitalismo, destaca o processo
no qual a expansão do capitalismo monopolista criou condições de expansão quase
ilimitada para o capital. No entanto, no capitalismo tardio, além dos elementos de fases
anteriores “tem-se a justaposição industrial global de setores dinâmicos e
subdesenvolvidos num mesmo ramo” (2002, p. 116) que agrega maiores possibilidades

30
de extensão do processo de exploração de mais-valia e composição de “superlucros”18.
Nesse sentido a autora referenciada afirma que

A combinação diferenciada do conjunto de variáveis que envolvem a obtenção


de superlucros está relacionada à existência das ondas longas de aceleração
sucessivas na história do capitalismo. O descompasso entre produção e
realização da mais-valia promove os ciclos longos de estagnação e expansão
do capital. Dentro de um ciclo sucedem alguns momentos: após uma fase de
expansão e crescimento, dá-se a superacumulação – uma linha divisória na qual
a taxa de lucros começa a decair pela dificuldade de realização da mais-valia;
segue, então, a crise e a depressão (Behring, 2002, p. 116).

Esta hegemonia protagonizada pelos Estados Unidos inaugura o que alguns


autores denominam “novo imperialismo”, trata-se da fase que o capitalismo, e sua
classe dominante, se utiliza de estratégias combinadas de coerção e consenso.

Netto considera que


A desconstrução do Welfare adquire o seu verdadeiro significado quando
inserida no processo mais amplo da ofensiva do capital: não se tratou, como
pretenderam alguns socialdemocratas tardios, de uma simples resposta a uma
pretensa “crise de financiamento”, implicando o esgotamento “cultural” de um
determinado “contrato social” (Rosanvallon 1981) – ela assinala a liquidação do
capitalismo “democrático”, que durou trinta anos, revelando a
incompatibilidade de uma conexão durável entre dinâmica capitalista,
supressão de pobreza absoluta e redução de desigualdades (2007, p. 147).

Por sua vez, Mota (1995) afirma que se engendra um processo de construção de
identidade que equaliza os prejuízos ocasionados pela crise para as diferentes classes,
competindo a todos assumirem o ônus da crise para que seja articulada a saída (cf.
Mota, 1995, p. 113).

Esta crise – impactando as taxas de crescimento, expansão e lucro do capital –


gera uma ofensiva do capital que se circunscreve também no âmbito da ideologia, na
construção de consensos. As necessidades do capital são socializadas para os
trabalhadores, assim como os ônus da crise. Para Mota

O primeiro passo [para reverter a conjuntura negativa] é o ataque ao movimento


sindical, um dos suportes do sistema de regulação social encarnado nos vários
tipos de Welfare State – com o capital atribuindo às conquistas do movimento
sindical a responsabilidade pelos gastos públicos com as garantias socais e a
queda das taxas de lucro às suas demandas salariais (Idem., p.113).

18
Estas alterações ocorrem na medida em que as alterações do modo de produção capitalista com a “terceira
revolução tecnológica”, a incorporação de novas tecnologias e aumento da composição orgânica do capital reduz-se a
extração de mais-valia, derivada da exploração do trabalho (trabalho vivo) – produzida na medida em que se
remunera parcialmente o trabalhador pela sua atividade e se apropria do valor produzido por este trabalho não pago –
e com o desemprego estrutural gerado neste período também reduz-se a capacidade de realização da mais-valia
produzida (Cf. Behring, 2002).

31
Junto a este “ataque” se conjuga a alteração do padrão produtivo, do modelo
rígido para o regime de acumulação flexível, caracterizado pela flexibilidade dos
processos de trabalho, mercados de trabalho, surgimento de novos setores e inovações
no campo comercial, tecnológico e organizacional (Netto e Braz, 2007, p. 215).

Para Behring

Nessa nova forma produtiva, forja-se uma articulação entre descentralização


produtiva e avanço tecnológico. Há também uma combinação entre trabalho
extremamente qualificado e desqualificação. Contrapondo-se à verticalização
fordista, a produção flexível é horizontalizada/descentralizada. Trata-se de
terceirizar e subcontratar uma rede de pequenas/médias empresas, muitas vezes
com perfil semi-artesanal e familiar (2002, p. 178)

Ainda que os impactos da crise tenham rebatimentos diferenciados nas


economias centrais e periféricas, no Brasil, a “cultura da crise” e o discurso das soluções
capitalistas também foram disseminadas.

a gestação da cultura política da crise tem suas raízes na necessidade de o


capital não somente realizar a reestruturação técnica da sua base produtiva, mas
de faze-la com o consentimento das classes trabalhadoras; isso significa investir
na neutralização dos processos de resistência e em estratégias persuasivas,
promotoras de adesões ao seu projeto, valendo-se, para tanto das precárias
condições de vida e de trabalho da população brasileira (Mota, 1995, p.111).

A apologia da necessidade de recuo nos direitos conquistados historicamente


pela classe dominante foi uma medida fundamental, pois se tratava de um momento
crucial no estabelecimento de ações que dessem conta das transformações que ocorriam
no mundo.

Nesse contexto de mudanças e estratégias do capital, as políticas sociais passam


por profundas alterações. Podemos dizer que as políticas sociais assumem novos
formatos na medida em que as reformas então propostas para sua operação apontam
para uma lógica diferenciada daquele modelo que orientou a construção do Welfare
State.

As reformas operadas no final do século XX e seus desdobramentos ao longo da


primeira década do século XXI apontam para a consolidação de um modelo de proteção
social aos trabalhadores voltada fundamentalmente para a amenização e administração
da pobreza, com um discurso de combate à ela, como forma de enfrentamento às
expressões da “questão social”19.

19
O reordenamento da forma de enfrentamento da “questão social” toma contornos diferenciados de acordo com o

32
Essas estratégias, que aparecem como “soluções mágicas”, são formuladas tendo
como meta declarada o combate à pobreza. Na prática alteram os sistemas de proteção
social no Brasil e na América Latina, buscando instaurar um modelo único e “moderno”
para as respostas à “questão social”. Conforme destacam Pastorini e Galízia:

Especificamente, a hegemonia das recomendações neoliberais externas foi


conseguida e se conserva a partir de diversas estratégias internas e externas de
diferente natureza, porém ambas importantes. Do ponto de vista teórico-político
o pensamento neoliberal e as ações concretas a respeito da reforma social são
apresentados como modelo único, síntese de valores e supostos básicos da
sociedade moderna com predomínio de análises econômicas e soluções
tecnocráticas, portanto neutras. Toda reforma sugerida pode ser descrita como
naturalização de processos “modernizadores”, noção que indica que o
desenvolvimento histórico da sociedade é produto de tendências espontâneas e
irreversíveis, portanto o projeto se transforma num único, ideal e desejável
(2006, p.85).

O ideário neoliberal20 propunha um modelo de reforma que reorienta a


intervenção estatal, seja na economia, seja no social. Estas reformas têm início na
América do Sul por alterações estruturais nos sistemas de Seguridade Social. No Brasil
a primeira contra-reforma operada foi no sistema previdenciário 21.

Assim, os sistemas de seguridade social de toda a América do Sul parecem ter


vivido os mesmos processos e proteção, pois se oferecem iguais soluções
mágicas para todo e qualquer problema. Entendemos que a apresentação de
estratégias únicas e saídas específicas às tradicionais inibem e/ou anulam
política e ideologicamente qualquer outra opção possível e contribuem para a
homogeneidade dos processos reformadores (Idem., p.85).

As classes dominantes defenderam historicamente a redução da intervenção do


Estado na economia, deixando livre o fluxo do mercado na regulação das relações
sociais. No capitalismo contemporâneo a intervenção do Estado é cada vez mais regular,
inclusive requisitada pelo capital, especialmente em momentos de crise, seja para
garantia crescente de lucros, seja para contribuir com o processo de “passivização” dos

grau de organização e luta dos trabalhadores. A conjuntura de crise estrutural do capitalismo junto com o refluxo
destas forças – partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais – põe um cenário de retração destas políticas,
focalização das mesmas diante da pauperização extrema dos trabalhadores, de formas agudizadas de pobreza
principalmente nos países economia periférica. No Brasil desde a entrada da década de 1990 as orientações dos
organismos internacionais passam a ser seguidas à risca no ordenamento das políticas sociais.
20
Segundo Netto e Braz: “O que se pode denominar ideologia neoliberal compreende uma concepção de homem
(considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e calculista), uma concepção de sociedade (tomada
como um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na idéia da natural e
necessária desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade de
mercado)” (2007, p. 226).
21
A utilização do termo contra-reforma implica no entendimento que este processo retira direitos, reduz
investimentos e retroage em relação a direitos conquistados e é amplamente utilizado pelo Serviço Social e outros
formuladores. Entende-se que reforma visa “melhorar”, ampliar, em contraposição ao modelo de “reformas” operadas
na década de 1990 em diante. A Emenda Constitucional nº 20 foi promulgada em 15 de dezembro de 1998, mas
tramitou como PEC nº33 desde 1995.

33
conflitos. É delegada ao Estado a função de garantir as condições gerais de produção e
reprodução do capital por meio da ampliação da sua intervenção nas garantias de lucro e
concentração de renda e riqueza, assim como a manutenção das medidas de exploração
do trabalho, em contraparte, exige a redução da sua intervenção para garantias de direito
dos trabalhadores por meio da regulação do trabalho e no investimento em políticas
sociais22.

A retomada de uma teoria liberal “atualizada” supunha como “essência do


arsenal do neoliberalismo: uma argumentação teórica que restaura o mercado como
instância mediadora societal elementar e insuperável e uma proposição política que
repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a democracia” (Netto,
2007 (b), p. 77).

O processo de globalização da economia significou um grande processo de


desregulamentação das economias nacionais para dar abertura aos investimentos e
circulação de capital. Netto e Braz (2007) destacam que não se trata apenas de um
processo de desregulamentação das relações de trabalho, mas de uma
“desregulamentação universal” que se fundamentam na garantia de “plena liberdade em
escala mundial, para que os fluxos de mercadorias e capitais não sejam limitados por
quaisquer dispositivos” (Idem, p. 228)23.

Durante a ditadura militar brasileira e em muitos dos países latino-americanos


ocorreu um processo de endividamento externo e interno, pois foram feitos empréstimos
em larga escala e tiveram rebatimentos na entrada dos anos 1990 e seguintes.
Fundamentava-se já neste período, conjugada a crise internacional, o ajuste fiscal e o
redirecionamento das políticas sociais que tensiona a conjuntura em que vão se
estabelecer estas políticas na sua implementação em tempos de neoliberalismo.

Durante a ditadura, na década de 70, os governos militares brasileiros formavam


vultosos empréstimos junto aos bancos estrangeiros, a juros flutuantes. (...)
Assim, ao final da década de 70, os credores quintuplicaram essas taxas, o que
seria ilegal pelo Direito Internacional. Nos anos 90, o País foi submetido a mais
um ciclo de endividamento externo e interno, para financiar a enxurrada de
importações do Plano Real, quando o câmbio permaneceu fixo durante vários

22
O Estado, especialmente em países periféricos, está submetido ao pagamento de dívidas externas impagáveis, repõe
continuamente a condição de subalternidade de suas economias às economias centrais, que impõem a composição do
superávit-primário que contingência especialmente as políticas sociais, como veremos em seguida.
23
Isto não significa que os países centrais desregulamentem seus mercados e fluxos de força de trabalho, pelo
contrário, passam a impor fronteiras cada vez mais limitadas e suas economias enquanto garantem a ruptura de
barreiras que impeçam o fluxo de capitais dos países centrais nas economias dos países periféricos (Netto e Braz,
2007, p. 229).

34
anos. As altas taxas de juros internas, estabelecidas para atrair o capital externo
determinaram também o aumento da dívida interna (Ávila, 2005, p. 24).

O aumento da dívida externa condicionou as medidas que foram adotadas no


período de abertura democrática e a forma como se consolidaram as políticas sociais e
econômicas no Brasil. A entrada da década de 1980 punha no cenário a reivindicação
dos trabalhadores, por meio de partidos, sindicatos e movimentos sociais pela
consolidação de garantias de direitos, mas já se desenhava um cenário de crise e a forma
como se atuaria diante dela.

A conjuntura propícia para a consolidação de direitos já estava tensionada pela


crise mundial. “A relação dos países centrais com os países periféricos se constituiu
historicamente como uma relação de exploração. Mesmo nos ‘anos gloriosos’ esta
relação manteve-se inclusive para financiar os seus ‘Welfares’” (Netto, 2007, p. 148).
Esta exploração intensifica-se ainda mais nos anos de recessão, com ampliação
do endividamento e da subordinação das economias periféricas às economias centrais.

No período subseqüente ao esgotamento da onda longa expansiva, os


tradicionais e intensivamente utilizados mecanismos de sucção de recursos
empregados pelos países centrais foram qualitativamente ampliados com a
entrada em cena dos instrumentos de eternização do endividamento externo de
boa parte dos principais países da periferia; no último terço do século XX, as
imposições derivadas da dívida externa transformaram os países periféricos em
grandes exportadores de capital para os países centrais (Netto, 2007, p. 148).

O ajuste fiscal e a política de superávit primário empreendida desde o final da


década de 1990 no Brasil24 produziram o contingenciamento dos gastos sociais numa
política econômica fundamentada no pagamento dos juros da dívida como prioridade25.
A manutenção do ajuste implica, inclusive, na retração do setor produtivo e da geração
de empregos diretos e indiretos vinculada, visto que a política de superávit primário
implica, inclusive, na redução de investimentos para o “aquecimento” da economia e
impulsionar a geração de empregos.

24
O superávit primário é o cálculo das receitas subtraídas as despesas, não incluídos aí os recursos destinados para o
pagamento os juros da dívida pública interna e externa. O superávit primário foi uma exigência do FMI para a
realização de empréstimo em 1998, com objetivo de pagamento da dívida externa. Nos anos seguintes as metas foram
não somente cumpridas como superadas (Ávila, 2005, p. 9).
25
A definição dos gastos públicos é elencada em prioridades classificadas em gastos com a dívida pública, gasto
prioritário dos governos; despesas obrigatórias (com percentuais definidos por lei) e investimentos de
responsabilidade estatal (infra-estrutura: energia elétrica, transporte ferroviário, rodovias, portos, construção de
equipamentos como hospitais e escolas etc.). As condições do endividamento tiveram momentos centrais: o período
da ditadura no final da década de 1970 e a entrada dos anos 1990 para estabilização do Plano Real (em 1994). (Ávila,
2005, p. 23).

35
Uma das maneiras de aumentar o superávit é “elevar a produção, a renda e,
consequentemente, as receitas geradas para o governo” (Ávila, 2005, p.12) o que
demandaria que o governo aumentasse, num primeiro momento, os investimentos,
reduzindo o superávit primário. Trata-se de uma política de médio prazo, pois somente
num segundo momento aumentaria a arrecadação, no entanto, é uma política oposta às
recomendações dos organismos internacionais (Ávila, 2005, p. 12 – 13).

A direção que os seguidos governos têm adotado e que não sofreu alterações de
fundo, mantendo o corte de gastos e aumento de tributos26. Estes cortes representam,
muitas vezes, o equivalente ao orçamento anual da área de assistência social e
educação 27.

A maior parte do superávit permanece contingenciada nos cofres públicos, como


reserva de confiança para os credores. Não são utilizados para pagamento de juros nem
como investimentos em políticas públicas. Entre 1999 e 2004 este percentual chegou a
60% do superávit primário (Ávila, 2005, p. 16).

Nesse contexto podemos perceber que já se desenhava uma nova orientação para
as políticas sociais. Com o Consenso de Washington28 o reordenamento do Estado e das
políticas sociais se estruturava guiado pelas orientações dos organismos multilaterais e
sua preocupação referenciada no alívio da pobreza.

a continuidade da aplicação dos planos de ajuste viu-se acompanhada por


sugestões de “correções de rota” adjetivas. As mesmas instituições
internacionais que patrocinaram as políticas de ajuste começaram a revelar
“preocupações” com o agravamento do quadro social, manifestamente no
tocante à pobreza (Netto, 2007, p. 151).

O contra-senso gerado pelo ajuste fiscal e suas consequências foram


demonstrados nas orientações para construção de políticas de compensação a estas
sequelas.

Ao ajustarem-se às diretrizes traçadas pelas instituições financeiras no


Consenso de Washington, os países periféricos reformam os sistemas de

26
“Desde 1999, quando começou a política de superávit, os gastos sociais foram reduzidos, se medidos em
porcentagem da arrecadação federal” (Ávila, 2005, p. 14). De 1995 a 2004 a carga tributária aumentou de 29% para
36% do PIB (Idem, p. 17).
27
Em 2005 houve um corte de 15,9 bilhões no orçamento (idem, p. 15), em 2007 o superávit primário foi o maior da
série histórica (iniciada em 1991 pelo Banco Central), na ordem de 101,6 bilhões – equivalente a 3,98% do Produto
Interno Bruto (PIB) superando a meta de R$ 95,9 bilhões (3,75% do PIB) estabelecida para 2006. Em 2008 o
contingenciamento de recursos foi da ordem de R$ 19,4 bilhões (Orçamento Geral da União) equivalente a 3,8% do
PIB (fonte: Agência Brasil).
28
O Consenso de Washington veio designar as medidas orientadas por organismos como Banco Mundial e FMI que
viria definir o combate à pobreza e as políticas sociais na América Latina delimitado em 1989 e posto em prática na
década de 1990.

36
proteção social pela privatização, a descentralização, a focalização e construção
de programas (fundos) sociais de emergência. As privatizações nas áreas da
saúde, previdência e assistência justificam as medidas focalistas das políticas e
o seu caráter filantrópico, reatualizando as formas mais arcaicas de
naturalização das expressões da questão social (Santos, 2006, p. 23).

Passam a vigorar fundamentos de eficiência e eficácia para a avaliação dos


impactos das políticas e serviços estatais no combate à pobreza. A transferência de
responsabilidades estatais para o setor privado passa pela concepção do Estado
ineficiente e ineficaz em contraposição ao privado, o mercado. Segundo este mesmo
autor,

A privatização, desregulamentação e a liberalização, resultantes dos ajustes


estruturais propugnados desde o Consenso de Washington, são responsáveis
pela transferência das funções do Estado para o setor privado. Criaram-se novas
regras econômicas, supondo um Estado que garanta a rentabilidade econômica
das grandes empresas: desregulamenta-se e privatiza-se para garantir a
consolidação da hegemonia burguesa. A economia globalizada concentra o
poder político das organizações internacionais (bilaterais, plurilaterais ou
multilaterais) (Santos, 2006, p. 22).

A redução da intervenção do Estado significa redução de direitos que gerariam


“ônus” ao capital com gastos para a manutenção da reprodução social da força de
trabalho por ele utilizada. A garantia de direitos sociais com base nas contra-partidas do
capital (taxas, impostos e tributos) e do trabalho passa a estar cada vez mais restrita.

Na entrada da década de 1990 no Brasil o ideário neoliberal passa a ser um dos


instrumentos privilegiados para encaminhar este projeto político-econômico do grande
capital, como afirmam Behring e Boschetti (2008) no que denominam de processo de
contra-reforma do Estado. “Os anos 1990 até os dias de hoje têm sido de contra-reforma
do Estado e de obstaculização e/ou redirecionamento das conquistas de 1988, num
contexto em que foram derruídas até mesmo aquelas condições políticas por meio de
expansão do desemprego e da violência” (2008, p.147).

Esta “contra-reforma” pretendia garantir “novos pactos e parâmetros para o


atendimento das necessidades sociais – sem romper com a lógica da acumulação e da
racionalidade do lucro” (Mota, 2008, p. 31) e tem por objetivos29

29
Neste período tem início a desconstrução do que já havia sido constituído em torno da assistência social no Brasil,
com o fechamento da Legião Brasileira de Assistência (LBA) – já tensionada pelos escândalos orquestrados no
governo Collor (Sposati, 2005, p. 21) e segue em processo de refilantropização desta política com a criação no
governo FHC, da “Comunidade Solidária”, consolidando perspectivas históricas presentes na assistência social e
aprofundando os aspectos conservadores da mesma na relação entre Estado, entidades prestadores de serviços e da
“sociedade civil organizada” como veremos adiante.

37
transformar o cidadão sujeito de direitos num cidadão-consumidor; o
trabalhador num empreendedor; o desempregado num cliente da assistência
social; a classe trabalhadora em sócia dos grandes negócios e as comunidades
em células do “desenvolvimento local”, delas surgindo uma “sociedade
solidária e cooperativa” (Mota, 2008, p. 31-32).
Com estas mudanças, orquestradas para retomada do crescimento da
lucratividade do capital, o estabelecimento de orientações macroeconômicas para o
reordenamento das políticas econômica e social colidiam com a perspectiva apontada
pela legislação social e impôs retrocessos já no início de sua implementação.

As medidas de ajuste articuladas como resposta à crise generalizada implicaram


num conjunto de mecanismos para retomada do crescimento do capital e sua
legitimação. Nesse sentido, Mota afirma que

A crise econômica requereu, assim, medidas de ajustes necessárias ao processo


de reestruturação da economia, mas que intensificaram as tensões sociais. Ao
longo das [décadas de 1980 e 90], apesar das diversas iniciativas implementadas
e que apontam para momentos de tênue recuperação da economia, a crise vem
sendo enfrentada valendo-se de uma cruzada contra os mecanismos anticíclicos
de base keynesiana, tendo como contrapartida um programa de corte neoliberal,
marcado pela negação da regulação econômica estatal, pelo abandono das
políticas de pleno emprego e pela redução dos mecanismos de seguridade
social, em prol, é claro, da regulação operada pelo mercado (2005, p.56).

A ideologia neoliberal objetiva centralmente a ampliação do movimento do


capital monopolista rompendo com as restrições sociopolíticas que pudessem reprimi-
lo, começando pela proposta de redução da intervenção do Estado na economia: “o
Estado passou a ser ‘demonizado’ e apresentado como um trambolho anacrônico que
deveria ser reformado” (Netto e Braz, 2007: 227).

Estas reformas não apontavam para a recomposição de direitos, mas ao


enxugamento do Estado na sua função social, e foi denominado “contra-reforma”30 do
Estado, pois tinha como determinantes a redução de prerrogativas e garantias previstas
pelas políticas sociais, não a diminuição efetiva de sua intervenção, pois “o objetivo real
do capital monopolista não é a ‘diminuição’ do Estado, mas a diminuição das funções
estatais coesivas, precisamente aquelas que respondem à satisfação de direitos sociais”
(Netto e Braz, 2007: 227). Tratava-se de manter a intervenção do Estado para a garantia
do aumento dos lucros e uma das contrapartidas era a diminuição dos “gastos sociais”

30
Behring (2008) utiliza o termo de contra-reforma para contrapor o que vinha sendo chamado de reforma no
governo FHC, que ao invés de ampliar e melhorar as políticas no sentido da garantia de direitos, enxugava e retirava
direitos, anulando-os e configurando um cenário regressivo para a consolidação de direitos e novas conquistas.

38
que estariam deixando o Estado “inchado” e sem condições de desenvolver a economia,
responsabilizando-o pelas crises.

Teve início um amplo processo de privatização dos setores e serviços


estratégicos, passando segmentos destes setores e serviços para a exploração e
administração do capital privado, subsumindo a economia nacional aos grupos
monopolistas (Netto e Braz, 2007, p. 228). Dessa forma

trata-se do processo de privatização, mediante o qual o Estado entregou ao


grande capital, para exploração privada e lucrativa, complexos industriais
inteiros (siderurgia, indústria naval e automotiva, petroquímica) e serviços de
primeira importância (distribuição de energia, transportes, telecomunicações,
saneamento básico, bancos e seguros) (Netto e Braz, 2007, p. 228).

Este processo de privatização generalizado que ocorreu na década de 1990


deixou a economia nacional ainda mais dependente e vulnerável em relação às
economias centrais. A hegemonia do capital financeiro no neoliberalismo é um
elemento central, conforme afirma Sader

O neoliberalismo promoveu a hegemonia do capital financeiro, em sua forma


especulativa, praticamente em todas as sociedades latino-americanas.
Desenvolveu-se um processo de financeirização de nossos países, que se
estendeu praticamente por todos os poros de nossas sociedades, incluindo o
Estado, multiplicaram-se o desemprego e as distintas formas de precarização
das relações trabalhistas – todas formas de superexploração do trabalho (2007,
p. 18).

Alterações significativas são consolidadas: desemprego estrutural, maior


concentração de renda, restrição de direitos sociais. As bases do bem-estar social são
derruídas, aumentando a concentração de renda e a desigualdade entre as classes.

O capital financeiro não cria as bases sociais de apoio suficientes para a sua
legitimação no poder. Não gera empregos; ao contrário, elimina empregos. Não
distribui renda, ao contrário, intensifica a concentração de renda. Não amplia
direitos sociais; ao contrário, os debilita. A financeirização faz vítimas os
pequenos e médios empresários. As bases materiais do seu processo de
reprodução permitem, no máximo, arrastar setores do grande capital voltado
para a exploração e para a alta esfera do consumo (Ibidem.).

A base da financeirização é a estabilidade monetária, à custa de vultosos


empréstimos resultantes no endividamento, conjugado a uma política de juros
exorbitantes (Sader, 2007, p. 19). Essa diretriz se consolida com a desregulação dos
mercados e submissão das economias nacionais com fins de manter e aprofundar a
dependência das economias periféricas às centrais, obtendo êxito nos seus objetivos. O
mesmo autor afirma que

39
Em seu ciclo de implementação, o modelo teve êxitos econômicos imediatos,
depois da iniciativa com seus planos de contra-reformas, valendo-se de
desregulação econômica, para transferir a inflação para o imenso déficit público
que, ao levar os Estados latino-americanos à quebra, por sua vez reforça sua
dependência dos organismos financeiros internacionais (Idem., p. 19).

A construção ideológica da perspectiva de um Estado mínimo para o


enfrentamento da “questão social”, no que tange as demandas dos trabalhadores
atendidas pelas políticas sociais, se estrutura no bojo das orientações dos organismos
multilaterais que servem aos interesses defendidos pelos países centrais.

As recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco


Mundial31 (BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), possuem
uma linha comum em suas orientações, que é a desvinculação das políticas sociais, no
sentido da ruptura da integralidade das ações apontada pela Seguridade Social
constituída legalmente, da interlocução entre as políticas sociais e direcionando para a
focalização de cada uma delas (Mota, 1995).

Esta desvinculação está implicada na manutenção de políticas focalizadas nos


mais pobres, ou grupos considerados “vulneráveis”, num processo de desoneração do
capital de sua parcela de contribuição sobre o financiamento destas políticas (Mota,
2005, p. 202-203), na medida em que retrocede na diversificação das fontes de
financiamento, retirando as necessárias contribuições patronais e ampliando a
contribuição dos trabalhadores.

As políticas sociais passam por um processo de mudança e desmonte. Os


serviços que não são rentáveis para o capital têm sua oferta pública, ainda que
precarizada e cada vez mais restrita à população mais pauperizada. Neste período de
crise esta perspectiva se consolida. A respostas à pauperização dos trabalhadores e às
manifestações da pobreza e da “exclusão” foram pautadas na década de 1990 por estes
organismos e até hoje, nenhuma das soluções, planos e projetos orquestrados por eles
atingiu os resultados por eles expressados.

Nas palavras de Behring e Boschetti (2007): “a tendência geral tem sido a de


restrição e redução de direitos sob o argumento da crise fiscal do Estado, transformando

31
A sigla BIRD vem de "Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento", que, em conjunto com a
Associação Internacional para o Desenvolvimento (AID) formam o que é tradicionalmente conhecido como “Banco
Mundial”. O “Grupo Banco Mundial” é formado por BIRD, AID e outras três agências: a Corporação Financeira
Internacional (IFC - que trabalha com o setor privado), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI -
que faz seguros para investimentos nos países em desenvolvimento), e o Centro Internacional para Arbitragem de
Disputas sobre Investimentos (CIADI - que julga disputas sobre investimentos). As cinco agências trabalham em
conjunto para o objetivo final da redução da pobreza. (fonte: Banco Mundial em www.bancomundial.org.br).

40
as políticas sociais (...) em ações pontuais e compensatórias direcionadas para os efeitos
mais perversos da crise” (Idem, p. 156).

Na Constituição Federal de 1988 foram instituídas as bases para a conformação


de um Estado de Bem-Estar Social. No entanto, já no início da década de 1990, o Brasil
– como os demais países de economia periférica – subordina-se à ideologia e às práticas
dos princípios do neoliberalismo (Mota, 2008).

No período anterior, de ditadura militar32, o trato da “questão social” pelo Estado


se dava pelo binômio “repressão-assistência”, com uma política assistencial emergencial
ampliada como medida de atenuação das tensões sociais produzidas pelo regime
autoritário (Cf. Netto, 2001 (b); Bravo, 1996). Como afirma Bravo:
Em face da questão social o período de 1964 a 1974, o Estado utilizou para sua
intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política assistencial
ampliada, burocratizada e modernizada pela máquina estatal, com a finalidade
de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade, suavizar as tensões sociais
e conseguir legitimidade para o regime, como também servir de mecanismo de
acumulação de capital (1996, p. 29).

O processo de abertura democrática teve como elementos a crise econômica, o


endividamento crescente, índices inflacionários altíssimos (em torno de 200%), arrocho
salarial, alto índice de desemprego e o retorno da organização operária ao cenário de
lutas sociais, o que abalou o regime ditatorial (Bravo, 1996 p. 48-49). “A abertura não
almejava entregar o poder à oposição democrática, mas realizar alguns itens de sua
plataforma, a fim de conquistar maioria eleitoral para a ala civil do regime, sem que os
interesses dominantes fossem afetados” (Idem., p. 48).

Este processo esbarrou na refuncionalização do Estado para a garantia dos lucros


do capital e, para atender a estes interesses, cabe ao Estado também instituir estratégias
de consenso entre as classes antagônicas. Não era mais possível responder às
manifestações da “questão social” apenas com ações filantrópicas e repressão.

A Carta Magna expressa o resultado do tensionamento: ao mesmo tempo em que


estão presentes elementos de garantia de direito alguns elementos indicam condições

32
A ditadura militar se configurou como um período de restrição de direitos políticos e em contraposição, de forma
contraditória, ocorreu o crescimento econômico com o “milagre brasileiro” às custas do endividamento que trouxe
rebatimentos que se estendem até os dias atuais, e o alargamento de alguns direitos sociais. O processo de anistia em
1979 começou o período de abertura democrática e em 1983 temos o movimento por eleições diretas, que só
ocorrerão concretamente nas eleições majoritárias em 1989.

41
para o processo de privatização de setores que constituem as políticas de direito, como a
Saúde e Previdência 33.

As políticas que constituem o tripé da Seguridade Social – Saúde, Previdência e


Assistência Social – tornam-se campos privilegiados para o investimento privado,
distorcendo seu caráter público e de direito com uma perspectiva universalizante.
Ocorre em paralelo a desvinculação econômica e política – oposta à relação
orçamentária prevista na Constituição Federal de 1988.

A entrada da década de 1990, diante da conjuntura de crise mundial, trazia uma


contradição para a constituição de políticas sociais e de um modelo de bem-estar social.
O país vivia um processo de abertura e transição democrática que tinha como horizonte
a ampliação das políticas sociais. São estruturadas respostas à crise em diferentes níveis:
econômico, através do processo de reestruturação produtiva; político e social, através da
coerção e repressão do movimento organizado dos trabalhadores e retrocesso no âmbito
da garantia de direitos; e ideológico, através da constituição de consensos que garantam
a manutenção destas estratégias.

Apenas alguns serviços de saúde e de educação, por exemplo, com um


parâmetro cada vez mais rebaixado, continuam sendo oferecidos como resposta às
expressões da “questão social”, cada vez mais precários, esparsos e residuais, na medida
em que o acesso é dificultado e a permanência não é garantida. Com políticas de caráter
cada vez mais pontual e de qualidade rebaixada as garantias de atendimento às
necessidades são parametrados por índices quantitativos e não qualitativos.

São reforçados sistemas duais e fragmentados, nos quais se atende aos


segmentos da população com bases diferenciadas. Para aqueles que podem pagar
existem os bens e serviços “disponíveis” no mercado e para os que não podem pagar por

33
O texto constitucional já previa a “existência de sistemas complementares tanto no caso da saúde como da
previdência” (Mota, 2008, p.139). A precarização dos equipamentos e serviços destes setores se dá na medida em que
passa a ser acessado apenas pela população mais pauperizada. Podemos observar os serviços de ponta na área de
saúde, por exemplo, pelo seu alto custo continuam sendo oferecidos fundamentalmente pelo Estado, muitas vezes em
associação com o serviço privado. Serviços públicos com dupla “porta de entrada” na área saúde existem em
Hospitais Universitários, como o Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF), da UFRJ. Já estão instalados planos de
saúde desde o início do ano 2000, que possuem alas próprias, mas que utilizam equipamentos e recursos humanos
públicos, pagos pelos planos privados, mas que são os mesmos que prestam o serviço público para o qual foram
contratados. Na carência de recursos, num cenário de estagnação e redução dos investimentos, cirurgias e
procedimentos são suspensos com esta justificativa, enquanto são priorizados os procedimentos privados. Mas em
serviços de alta complexidade, que são realizados pelo setor público para os usuários com plano de saúde, não há
relação inversa de remuneração por estes serviços. Os serviços mais básicos de saúde e previdência continuam sendo
oferecidos, como resposta do capital às expressões da “questão social” cada vez mais precários, esparsos e residuais,
na medida em que o acesso é dificultado e a permanência não é garantida.

42
eles existe a possibilidade de requisição ao Estado. Estes serviços, bens e benefícios são
oferecidos de forma direta e/ou em parceria com a sociedade civil como medidas
pontuais/emergenciais, conforme destaca Montaño:

o novo trato da “questão social” deve ser, na moldura neoliberal, dual. Por um
lado tem de atender com serviços de qualidade à população com capacidade de
adquirir serviços no mercado, segundo suas possibilidades econômicas, numa
atividade claramente lucrativa. Por outro, deve intervir, por meio do Estado ou
de entidades filantrópicas, nas demandas pontuais da população carente, com
precários serviços momentâneos. Altera-se a dimensão de seguridade social
como direito do cidadão, a universalidade da prestação do serviço, de qualidade
homogênea para toda a população, o caráter não-contratualista das políticas
sociais e assistenciais (Montaño, 2007, p. 196).

Na configuração do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) foram


desenhados modelos a partir de dois padrões em formas autênticas ou mistas. A
seguridade social brasileira é mista (ou híbrida), uma vez que apresenta características
do modelo bismarckiano e beveridgiano de proteção social. No Brasil a previdência
social num sistema de seguro contributivo, a saúde e a assistência social não-
contributivos (Boschetti, 2003, p. 63).

O modelo bismarckiano (engendrado nos anos 80 do século XIX) é marcado


pela lógica do seguro, de caráter contributivo e proporcional a estas contribuições
anteriores a concessão do benefício (Boschetti, 2003, p. 61-63). Foram criados o seguro-
doença (obrigatório para os trabalhadores da indústria) com custeio compartilhado entre
trabalhador e empregador; o seguro acidente de trabalho financiado pelo empregador e o
seguro por invalidez e velhice mantido por trabalhadores, empregadores e pelo Estado
(Araújo, 2005, p. 4).

O modelo beveridgiano (datado da década de 40 do século XX), caracterizado


como modelo assistencial, condicionava-se ao “teste de meios” para garantia de
mínimos sociais aos necessitados (Boschetti, 2003, p. 61-63). Este sistema previa
mecanismos de “segurança social” para situações de indigência ou incapacidade
laborativa para os que comprovassem estas condições, temporária ou permanentes
(Idem).

Já na contemporaneidade ocorre uma passagem de uma visão não-contratualista


e incondicional de proteção social para visão contratualista, com base no mercado de
bens e serviços em setores fundamentais para a garantia de condições de vida à
população.

43
A oferta de serviços pelo Estado passa a ter cada vez mais e centralmente, a
presença do setor privado, seja na concessão de setores para exploração de serviços, seja
na parceria para prestação destes serviços. Em alguns casos ocorre transferência de
responsabilidades administrativa, de gestão e execução de serviços à população e de
forma cada vez mais pontual e fragmentada. Como explica Montaño,

transfere-se para a órbita da “sociedade civil” a iniciativa de assisti-la [setores


pauperizados da população] mediante práticas voluntária, filantrópicas e
caritativas, de ajuda mútua ou auto-ajuda. É nesse espaço que surgirá o que é
chamado de “terceiro setor”, atendendo a população “excluída” ou
parcialmente “integrada”, um quase “não-cidadão”. Isto cai como “uma luva”
na mão do projeto neoliberal (2007, p. 197).
A constituição da Seguridade Social brasileira se situa nos marcos destas
alterações, balizadas pela conjuntura mundial e nos fundamentos da política social no
capitalismo. Veremos como são assinaladas as tensões para a implementação deste
sistema, no que concerne às garantias de direitos.

44
1.2 Seguridade Social e Assistência Social no Brasil

O contexto histórico da constituição da Seguridade Social brasileira apontou –


em seu marco formal-legal inscrito na Constituição Federal de 1988 e nas leis que
regulamentam as políticas que compõem – para o avanço no trato das expressões da
“questão social”. No entanto a entrada dos anos 1990 demarcou um divisor de águas
entre a sua formulação e seu desmantelamento, durante o período de sua
implementação.

Este processo implica no reordenamento da proteção social e faz parte do


movimento maior denominado, de forma ampla, de processo de assistencialização da
seguridade social brasileira34. A análise desse processo nos obriga a pensar no conjunto
de transformações nas ações na área de assistência social e sua relação com as demais
políticas, assim como as alterações na legislação e suas implicações no ordenamento e
execução desta política social.

Consideramos que o processo de assistencialização não se restringe à política de


assistência social, pelo contrário, a nosso ver, o destaque que esta política adquire em
relação às demais políticas sociais acontece concomitantemente à redução da presença
direta do Estado em outras áreas como: previdência e saúde, políticas sociais que, junto
com assistência social, compõe o tripé da Seguridade Social. Este conjunto de mudanças
relaciona-se, de diferentes formas, com as demais políticas públicas, tais como a
educação, transporte, moradia, saneamento básico, dentre outras, aquelas políticas
sociais que compõem as ações de proteção social do Estado.

Aqui recuperamos a trajetória histórica da construção da Seguridade Social


brasileira e os aspectos que afirmaram seu redirecionamento. Para isto retomamos as
determinações que pautam a Constituição Federal de 1988, no bojo do processo de
redemocratização e os elementos que se conjugaram a esta conjuntura: o neoliberalismo
e a reestruturação produtiva. Ainda neste capítulo trataremos das políticas que tomam
forma como modelos de gestão da pobreza nos governos do período democrático.

Na configuração das políticas de seguridade social na Constituição Federal de


1988 estavam presentes os princípios de universalidade da cobertura dos serviços,
financiamento com diversificadas fontes, benefícios regulados por valores reajustáveis e

34
Em 1995 o termo “assistencialização” é utilizado pela primeira vez na tese de doutoramento da professora Ana
Elisabete Mota, que tem seus resultados publicados no livro “Cultura da Crise e Seguridade Social”, Ed. Cortez,
2005.

45
irredutíveis, que apontavam para a democratização e universalização do acesso e
participação da população na construção, decisão e acompanhamento deste processo.

A Carta Magna de 1988 concebe a constituição de dois regimes: um público


básico, com teto pré-estabelecido e programas de assistência a grupos denominados
como vulneráveis, combinado com políticas na forma de seguro privado (Mota, 2005, p.
204).

O estabelecimento das políticas sociais desenhava a forma pela qual o Estado


deveria responder a “questão social”. Foram estabelecidos naquele momento parâmetros
para as políticas de Seguridade Social e outras políticas públicas que definem a garantia
de condições de vida. Segundo Behring e Boschetti

O texto constitucional refletiu a disputa de hegemonia, contemplando avanços


em alguns aspectos, a exemplo dos direitos sociais, com destaque para a
seguridade social, os direitos humanos e políticos (...). Mas manteve fortes
traços conservadores, como a ausência de enfrentamento da militarização do
poder no Brasil (2008, p.141–142).

Na Constituição de 1988 se rompe com a dicotomia saúde-previdência para o


trabalhador e assistência para os “necessitados”. Estes avanços constam do seu texto e
das leis que regulamentam as políticas de Seguridade Social. Antes desta legislação a
Saúde e a Previdência como política pública era destinada aos trabalhadores com
vínculo formal de emprego e aos seus dependentes, cabia a assistência restrita ao campo
da filantropia e benemerência o subsídio aos “necessitados”.

A previdência regia-se pela cobertura aos trabalhadores com vínculos formais,


mas diferenciava-se dependendo dos setores aos quais o trabalhador estava ligado35.
Aos trabalhadores “informais”, aos desempregados, eram destinadas ações voluntárias e
filantrópicas através do socorro, atendimentos pontuais e emergenciais.

A Constituição Federal, buscando romper com esta lógica discriminatória e


excludente, incorpora elementos de garantias de direitos que seriam, junto com política
de desenvolvimento econômico e pleno emprego, constitutivos de um projeto de

35
A expressão previdência social surge pela primeira vez na Constituição de 1946, quando são criados IAP´s para os
trabalhadores urbanos e o IPASE para os funcionários públicos. Também ocorreu a unificação das IAP´s e
centralização da organização previdenciária no INPS unificando os institutos IPASE, FUNRURAL, SASSE. A
Constituição de 1967 traz como novidade a criação do PIS/ PASEP. Em 1972 ocorre a inclusão dos empregados
domésticos; em 1976 é criada a Consolidação das Leis da Previdência Social que era uma norma que tinha força de
decreto e não de lei e em 1977 a Lei 6.439/77 cria o SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social.
Somente com a Constituição de 1988 se cria o Sistema de Seguridade Social contemplando Saúde, Previdência e
Assistência Social, que é a referência, ainda que no bojo das contra-reformas já empreendidas desde a década de
1990.

46
Seguridade Social que estabeleceria um sistema de proteção social afinado à
constituição de um Estado de Bem-Estar Social.

Na Carta Magna são definidos como direitos sociais “a educação, a saúde, o


trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados” (Art. 6° da Constituição Federal de 1988)
(BRASIL, 1988).

A Previdência Social é organizada na forma “de regime geral, de caráter


contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial” (art. 201) (Ibidem.).

A Saúde é definida como “direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação” (art. 196) (Ibidem.). Já o Artigo 197 da Constituição de 1988
define que

São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder


Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e
controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal ainda define que a “assistência à saúde é livre à iniciativa


privada" (art. 199) prevendo desde o estabelecimento da Seguridade Social a exploração
privada deste serviço com restrições ao capital estrangeiro, mas que, mesmo assim, não
são impeditivas da sua participação, desde que vinculadas aos termos da lei.

A Assistência Social é definida como um direito de “quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social” e tem por objetivos, tal como
previsto no Art. 203:

a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o


amparo às crianças e adolescentes carentes; promoção da integração ao mercado
de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e
a promoção de sua integração à vida comunitária; a garantia de um salário
mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família (BRASIL, 1988).

Presentes como princípios estavam definidas a descentralização político-


administrativa, que implicaria no compartilhamento de responsabilidade, custos,
investimentos e planejamento; e a participação da população por meio de suas entidades

47
representativas na formulação das políticas e no controle das ações (art. 195), que
seriam, mediadas pelos conselhos de políticas e de direitos e pelas conferências de
caráter deliberativo 36.

A Constituição trouxe avanços legais, resultado do processo de disputa


engendrado durante a “abertura democrática”. No entanto, já estava em curso a
necessidade – articulada ao processo global – de colocar o país na “rota” do
neoliberalismo, o que já implicou num intenso embate no que diz respeito ao avanço
legal e a constituição real das perspectivas ali apontadas. O principal eixo de desmonte é
a Seguridade Social, e se dá em dois níveis: restringe a responsabilidade do Estado na
garantia de direitos e transfere as fatias rentáveis dela para a exploração e rentabilidade
do capital.

O ataque do grande capital às dimensões democráticas da intervenção do Estado


começou tendo por alvo a regulamentação das relações de trabalho (...) e
avançou no sentido de reduzir, mutilar e privatizar os sistemas de seguridade
social (Netto e Braz, 2007, p. 228).

Torna-se peça fundamental a transferência de setores rentáveis para a exploração


do capital. A flexibilização das relações de trabalho foi uma das medidas de
desregulamentação da Seguridade Social brasileira. Este processo está implicado pelo
desmonte de medidas de controle e regulação do capital, que tem cada vez mais
liberdade para explorar o trabalhador, complexificando o processo que sustenta a
capacidade de intervenção da classe trabalhadora para efetivar garantias no campo dos
seus interesses.

O marco formal-legal desenhado na Constituição Federal não é concretizado na


totalidade de suas mediações. As políticas sociais na década de 1990 já são ajustadas á
lógica de “combate à pobreza” como medida central no enfrentamento da “questão
social” e caracteriza-se pela partilha da responsabilidade entre Estado e sociedade na
busca de “soluções” para o “problema” da pobreza contribuindo para a conformação de
uma perspectiva conservadora. Tal como afirma Mota, desta forma

[hipoteca-se] à sociedade e às políticas de combate à pobreza a solução para o


enfrentamento do pauperismo. Por isso mesmo, também as novas conceituações
de questão social e das políticas de seguridade social passam a ser chaves para

36
A composição dos conselhos varia entre as políticas sociais. No caso da saúde a participação define representações
paritárias entre os segmentos de gestores, profissionais e usuários dos serviços (Cf. lei 8.142/90). Na assistência
social a composição preconiza o princípio da paridade entre governo e a chamada “sociedade civil”, esta última
dividida entre os segmentos que representam trabalhadores e usuários, que não necessariamente é ocupada por
usuários, mas predominantemente por entidades prestadoras de serviços (Cf. lei 8.752/93).

48
esgarçar qualquer tentativa de vinculação entre pobreza e acumulação de
riqueza (2008, p.143).

As transformações acontecidas na redefinição e implementação das políticas


sociais na passagem dos anos 1980 para os anos 1990 impõem uma contradição entre o
marco legal alcançado com a Constituição Federal de 1988 e nas legislações que
regulamentam as políticas sociais do início da década de 1990. A difusão do ideário
neoliberal é um processo marcado, dentre outros aspectos, pela redução de gastos
sociais e da privatização de muitos dos serviços públicos.

Revigora-se a “mística” da humanização do capital quando se escamoteia a


“questão social”. O deslocamento do eixo da intervenção das políticas sociais passa a
ser a inserção dos “excluídos” e o trato dos riscos e vulnerabilidades sociais,
naturalizando as desigualdades sociais na busca da equidade através da proteção social a
estes (cf. Rodrigues, 2007, p. 120-121).

O processo desencadeado, que consolidou os direitos como fruto das lutas dos
trabalhadores, entra em contradição com o movimento de sua restrição e focalização
numa perspectiva oposta à constituição de políticas de bem-estar. Estas conquistas
históricas recuam nos marcos do neoliberalismo e do refluxo da movimentação e
organização desta classe que até então impulsionava estes ganhos. Segundo Netto

As forças políticas que, entre o segundo pós-guerra e a década de sessenta,


sustentaram a vigência do arranjo próprio do Welfare State não dão mostras
visíveis de manter sequer as regulações até então operantes; mais: seu
comportamento atesta que precisamente elas (geralmente conotadas com o
espectro social-democrata), que erigiram seus exercícios de poder e de governo
implementando políticas de cariz keynesiano, são agora as que, sob os pretextos
os mais diversos, efetivam orientações caras à ofensiva neoliberal (2007(b), p.
82).

Ocorre a restrição do acesso aos benefícios e serviços relativos às políticas de


saúde e previdência, e a implementação de programas e projetos de combate à pobreza
no campo da assistência social como elementos constitutivos da Seguridade Social
brasileira na atualidade. A ampliação da presença da assistência social se estabelece
como “medida que se transforma no principal mecanismo de proteção social no Brasil”
(Mota, 2008, p.134).37

37
Considera-se “proteção social” o conjunto de medidas adotadas pelo Estado na administração das demandas que
configuram a “questão social”, ou seja, trata-se de estratégias para garantia da manutenção da reprodução social da
população para a reprodução do capital e de mediação dos conflitos gerados pela contradição entre capital e trabalho,
mesmo que não seja constituída neste sentido, na medida em que não reconhece esta contradição, e ainda que trate
das seqüelas da mesma.

49
Trata-se de operar um recorte cada vez mais restrito do que cabe ao atendimento
das necessidades sociais: aos mais pobres dentre os pobres, para resguardar patamares
mínimos ou “aceitáveis” de pobreza por meio da administração de índices gerais que
fazem sua medida38. A mensuração da pobreza e a forma como deve ser combatida,
orientada pelos organismos internacionais, não é unívoca. Os critérios que medem a
pobreza e estabelecem seu “combate” de fato tem determinações de cunho neoliberal:
restrito e focalizado.

a mensuração da pobreza é problemática e, por isso mesmo, a adoção de


indicadores de aplicação universal é sempre contestável. No entanto, mesmo
mensurações bastante generosas, como as configuradas na noção de ‘pobreza
relativa’ – isto é: consideram-se pobres aqueles cuja renda é inferior à metade
da renda média – apontam para estimativas surpreendentes para quem pensa a
pobreza como algo pertinente apenas ao que no passado recente se designou por
‘Terceiro Mundo’: com aquele critério, no fim dos anos 80 do século XX
existiam 15% (ou seja: 50 milhões) de pobres entre a população da União
Européia; e fontes oficiais da mesma União Européia indicavam que, em 1994,
11,8% das famílias viviam em situação de pobreza (Netto, 2007, p. 141-142).

A administração da pobreza é uma das características do capitalismo, uma das


medidas para mediar o conflito entre capital e trabalho como forma de manutenção da
acumulação capitalista mantendo “níveis” de coesão social, necessários e que
encontram resultados com a edição de medidas de proteção social. Ainda que sejam
minimalistas e focalizadas atendem a determinadas necessidades de segmentos dos
trabalhadores. Junto a estas ações são promovidos pelos meios oficiais de comunicação
e propaganda governamental a conformação no campo cultural e ideológico de uma
lógica conservadora, que naturaliza as expressões da “questão social” e o trato da
pobreza.

São residuais as políticas estruturadoras na habitação, saneamento, fornecimento


de luz e água, dentre outras, para os segmentos pauperizados da população. A
concretização destes direitos na contemporaneidade esbarra na consolidação da
administração da pobreza como política específica. As medidas de proteção social
constituídas na atualidade, através, principalmente, da política de assistência social, têm,
em sua formulação, a perspectiva de reparação e de “dar mais a quem tem menos”. No
entanto, esta perspectiva, na prática, não se consolida, pois se fundamenta no marco de
políticas sociais minimalistas, que não visam a reparação das desigualdades e a

38
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), por exemplo, é orientado pela medida da riqueza produzida,
educação e expectativa média de vida e estabelece um padrão que mede mundialmente o padrão de vida da
população. Em 2006 o Brasil estava em 70º lugar segundo o relatório do PNUD 2007/2008.

50
redistribuição das riquezas socialmente produzidas, ao contrário, são políticas mínimas
para os mais pobres dentre os pobres.

Aos que “tem menos” são destinadas ações pontuais associadas à concepção que
delimita que o foco das políticas sociais deve se direcionar aos segmentos inscritos em
índices rebaixados de verificação de pobreza e indigência, o que distorce o papel das
políticas sociais, fortalecendo uma perspectiva emergencial no trato das manifestações
da “questão social”.

Uma dimensão redistributiva, baseada na perspectiva reparatória de “dar mais a


quem tem menos”, é contraposta pela naturalização da pobreza e da desigualdade. As
políticas estatais são estruturadas para administras as expressões mais agudas da
pobreza e da miséria com políticas e programas específicos, seletivos e com base no
rebaixamento das necessidades humanas, tal como destaca Stein:

a seletividade apoiada na equidade, visando identificar necessidades particulares


para melhor atendê-las, foi substituída por uma seletividade injusta, centrada na
defesa dos gastos sociais, que exige das políticas sociais, a criação de estratégias
de rebaixamento das necessidades humanas à sua expressão emergencial,
visando assim, diminuir as despesas do Estado (2008, p. 215).

A focalização das ações do Estado nos mais pobres não se direciona pelas
garantias de acesso às demais políticas sociais ou de alteração do quadro de
desigualdade social, mas está estruturada por de níveis de renda rebaixados na
constituição do público-alvo dos serviços sociais e objetiva a alteração de índices que
caracterizam a medida da pobreza e indigência. Dessa forma, não são estabelecidas as
condições necessárias para a manutenção da vida e reprodução social em condições de
igualdade com aqueles que estão estabelecidos no mercado formal de trabalho, numa
perspectiva amparada pela Seguridade Social em articulação com os direitos sociais
previstos na Constituição Federal.

As desigualdades sociais são mantidas, as políticas sociais não funcionam para


alterar suas expressões. As ações estatais de caráter assistencial mantêm
necessariamente este público circunscrito num “círculo” de atenção do Estado, sem
possibilidades de ruptura com estas condições. Ainda que a lógica do Estado esteja
perpassada em suas ações pelo estímulo à criação de redes de solidariedade, ao
empreendedorismo e a ruptura com as condições da pobreza, seus programas e projetos
localizam o rompimento deste “ciclo” na responsabilidade individual e das famílias, o
que reproduz e repõe continuamente as expressões da “questão social”, na medida em

51
que a capacitação dos indivíduos e das famílias para alcançar a autonomia esperada
supõe condições estruturais não oferecidas pelas políticas sociais e econômicas.

As propostas para a organização e implementação das políticas sociais nos


países de economia periférica estão perpassadas por um desmonte generalizado da
Seguridade Social e pelo redirecionamento das perspectivas orientadas pela afirmação e
consolidação de direitos.

No contexto de reestruturação a política de assistência é refuncionalizada,


assumindo o papel de política estruturante da seguridade social, processo acompanhado
da focalização e precarização das políticas sociais. A centralidade que a Assistência
Social passa a ter em detrimento às políticas de Seguridade Social está vinculada ao
reordenamento da proteção social brasileira.

A crise do Welfare State nos países desenvolvidos foi a contra-parte da crise


econômica. Já no Brasil, figura como característica do Estado brasileiro na configuração
emergencial do trato das manifestações da “questão social”, as políticas de “corte
social” (Cf. Sposati et ali, 1986). O que foi característica das políticas sociais brasileiras
até o marco da Constituição Federal de 1988, o trato emergencial e focalizado das
expressões da “questão social”, é retomado de forma “moderna” nos marcos do
neoliberalismo.

A focalização das ações de assistência social na “pobreza” não é uma novidade,


mas os contornos que ela adquire, já nos idos anos 1990, estão na contramão dos
avanços constitucionais, assumindo perspectivas que agudizam este processo e apontam
para novas determinações também nas demais políticas sociais39.

Tal como afirma Mota (2008, p.151), a hipertrofia da assistência não se


caracteriza por sua diferenciação dentre as políticas de Seguridade Social, mas pela
centralidade que adquire, na atual conjuntura, no conjunto das políticas sociais.

A estruturação da Assistência Social destinada aos mais pobres e vulneráveis


neste processo de crise econômica tem por objetivo a definição de compensações a este
segmento da população, definido por critérios rebaixados de renda. Esta política social,

39
As legislações que regulamentam as políticas de seguridade social datam do início dos anos 1990 (Lei Orgânica da
Saúde – 1990 e Lei Orgânica da Assistência Social – 1993) e que, apesar de conterem perspectivas diferentes e em
disputa, ainda apontavam para avanços na perspectiva da garantia de direitos e que, ainda hoje, constituem arcabouço
para reivindicação dos mesmos.

52
assim como as demais políticas sociais, articulam ações com vistas à integração e
equilíbrio social, tal como caracteriza Pastorini:

as políticas sociais apresentam-se como aquelas ações que procuram


restabelecer o equilíbrio social via distribuição de renda. Ou seja, partindo da
idéia de que existem oportunidades díspares, desigualdades econômicas etc.,
entram em cena as políticas sociais com o objetivo de compensar aqueles que
foram “prejudicados” na distribuição (Pastorini, 1997, p. 82).

A compensação dos “prejuízos”, apontada pela autora supracitada, passa pelas


características que sinalizamos anteriormente, não numa perspectiva redistributiva, mas
de integração através de níveis restritos de distribuição de renda. A priorização da
atuação do Estado no combate à pobreza é orientada e operada no sentido de categorizar
os “problemas sociais” e aqueles que são considerados mais “vulneráveis”, conforme
afirma Netto:
a “categorização” dos problemas sociais e dos seus vulnerabilizados, não só
com a decorrente priorização das ações (com sua aparência quase sempre
fundada como opção técnica), mas sobretudo com a atomização das demandas e
a competição entre as categorias demandantes. As implicações são de monta: o
atendimento das demandas também opera na direção de travar representações
menos mistificadas do processo social (Netto, 2001, p. 32-33).

Aos comprovadamente pobres são destinados programas e projetos organizados


pelo Estado, em parceria com a “sociedade civil”, através da subsidiariedade no
financiamento destas ações, que passam a alimentar a orientação histórica da
Assistência Social: o clientelismo e a cultura do favor, conforme assinalam Pastorini e
Galízia:
para as populações mais pauperizadas, os comprovadamente pobres,
historicamente excluídos da proteção social brasileira, coloca-se em
funcionamento um conjunto pouco diversificado de programas assistenciais,
compensatórios, condicionados e focalizados. Estas ações e programas que se
apóiam na idéia da parceria entre o Estado e a sociedade civil contribuem para
que o primeiro delegue parte de suas responsabilidades para a segunda e o
mercado, facilitando ao mesmo tempo, ao setor privado, o acesso aos recursos
públicos, utilizando a subsidiariedade (financeira e jurídica) como principal
mecanismo. Através da subsidiariedade, o Estado (por via das subvenções,
parcerias, convênios e outros tipos de contratos) passa a alimentar a prática e
programas sociais baseados na cultura do favor e do clientelismo (2006, p. 90).

A composição de ações na política de assistência, referenciadas no combate à


fome e à miséria é inserido como prioridade na agenda governamental, orientado pelo
Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) que formalizava, em 1993, esta
perspectiva (Peliano, 1995, p. 2). Nos governos Fernando Henrique Cardoso (1994 -
2002) a política econômica e as políticas sociais tiveram seu direcionamento mais

53
fortemente marcado pela contra-reforma do Estado e já com um processo de
assistencialização das políticas sociais.

Uma das estratégias destas gestões, no âmbito das políticas sociais, foi a criação
do Programa Comunidade Solidária (PCS) que tinha como pilares as ações de combate
a “situações agudas ou extremas de pobreza” destinado a “parcela da população que não
dispõe de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome
e à pobreza” (Silva, 1998, p. 107).

Apesar de se tratar de um “programa”, conduzia-se como estratégia que, no


discurso oficial, tinha como objetivo formal a reversão das situações estruturais que
geram a pobreza (Idem., p. 108). Na sua formulação, o PCS propunha-se a inovar a
condução de políticas de combate à pobreza, considerando que “combater a pobreza e a
desigualdade não é tarefa de uma pasta específica” (Ibidem) propondo a unificação de
programas que tivessem o mesmo público-alvo numa só estratégia: o PCS unificava
programas e ações que antes estavam localizados em vários ministérios, supondo assim
uma alterando na gestão de ações com este mesmo objetivo.

O Comunidade Solidária propõe-se também a introduzir na esfera pública novas


formas de gerenciamento de programas sociais, evitando o clientelismo, a
centralização, a superposição e fragmentação das ações e a pulverização dos
recursos, eliminando a ineficiência, a descontinuidade e o desperdício. A título
de exemplo, no final dos anos 80, o governo federal operava quatro programas
de alimentação e nutrição, em quatro diferentes ministérios, e todos voltados
praticamente para a mesma clientela (Peliano, 1995, p. 3).

Esse programa foi criado com a primeira Medida Provisória aprovada por FHC e
consolida, no conjunto das suas idéias, a perspectiva de “abertura à participação e
parceria com a sociedade na procura de soluções mais adequadas para a melhoria das
condições de vida das populações mais pobres” (Peliano, 1995, p. 3). Os princípios que
orientavam o PCS eram a parceria, a solidariedade, a descentralização e a integração e
convergência de ações (Idem, p. 4).

Esta solidariedade figura como pactuação entre classes opostas, com vistas à
harmonização dos conflitos e manutenção da coesão social. Diferentemente de um
processo de organização dos trabalhadores, onde a perspectiva de solidariedade tem
caráter classista, entre os membros que compõem uma mesma classe e que
compartilham interesses e se caracterizam pelo estabelecimento de pautas de defesa
coletiva de direitos para sua conquista, consolidação e avanço.

54
A parceria e a descentralização das ações compreendem o processo de
terceirização e transferência de responsabilidades estatais como princípio no trato das
expressões da “questão social”. Desta forma, com a criação do PCS, institui-se o
chamado “novo paradigma” das políticas sociais e consolida-se o “compromisso de
todos” com o combate à pobreza e à miséria, sob gerência do Estado. Esta lógica
também compreende o processo de integração, como redução de disfunções à ordem
societária, descolando as expressões da “questão social” das suas determinações e a
convergência de ações no sentido de estreitar as políticas à concepção de combate à
pobreza inscritas nos programas e projetos residuais e específicos.

As ações que já eram desenvolvidas em âmbito local e regional por


“organizações da sociedade civil” foram institucionalizadas, tornaram-se ações
“estatais” em parceria com os setores filantrópico e privado, financiadas com recursos
públicos. Nesta lógica, eram compreendidas também como ação do Estado numa
perspectiva de integração e convergência das ações (Cf. Peliano, 1995).

Neste programa se consolida a concepção da solidariedade baseadas na auto-


ajuda e na ajuda-mútua, perspectiva que passa a orientar as ações do Estado no combate
à pobreza, como destaca Montaño (2007):

as ações desenvolvidas por organizações da sociedade civil, que assumem as


funções de resposta às demandas sociais (antes de responsabilidade
fundamentalmente do Estado), a partir dos valores de solidariedade local, auto-
ajuda e ajuda mútua (substituindo os valores de solidariedade social e
universalidade e direito dos serviços) (Montaño, 2007, p. 184).

Nos anos de 1990, muitos movimentos e organizações da sociedade civil, que


nas décadas anteriores compunham movimentos de resistência e foram sujeitos das
alterações democráticas seguintes, passaram a ser os parceiros do Estado na execução
de programas de cunho “social”. São credenciadas associações de moradores e
organizações não-governamentais para a prestação de serviços40.

40
Em Nova Iguaçu as principais entidades de organização de moradores e trabalhadores estavam vinculadas como
entidades prestadoras de serviço no campo da política de Assistência Social. Os mesmos representantes do segmento
de usuários no conselho municipal desta política prestavam serviço para a secretaria correspondente e dependiam dos
recursos destinados ao financiamento de ações para manter seu funcionamento. Os debates neste conselho, na maioria
das vezes, circunscreviam-se na efetivação de parcerias e financiamento de projetos e, para a consecução dos
mesmos, por vezes, se utilizava como moeda de troca a aprovação de pautas propostas pelos governos, muitas vezes
não apreciadas ou analisadas precariamente pelo segmento “sociedade civil”. O mesmo podia ser observado no
Conselho Estadual de Assistência (CEAS) Social do estado do Rio de Janeiro, durante o período 2006-2007, no qual
acompanhamos as reuniões mensais para repasse de informações aos CMAS acima referido. A crise na gestão dos
recursos e no estabelecimento das medidas que competiam a este ente federativo constituía uma pauta permanente. O
atraso no repasse de recursos era debatido predominantemente na relação entre contratante e contratado e não no
sentido do controle da destinação, administração e aplicação do recursos destinados à esta política social.

55
Sete objetivos norteavam o PCS, quais sejam:

reduzir a mortalidade na infância; melhorar as condições de alimentação dos


escolares, trabalhadores e famílias carentes; melhorar as condições de moradia e
saneamento básico; melhorar as condições de vida no meio rural; gerar emprego
e renda e promover a qualificação profissional; apoiar o desenvolvimento da
educação infantil e do ensino fundamental; e defender os direitos e promover
socialmente crianças e adolescentes (Peliano, 1995, p. 6).

Ainda que a auto-definição do PCS não atribua a si o caráter emergencial e


afirme que o programa combate “às causas da perpetuação da pobreza”, embaraça a
concepção de ação emergencial à “ação imediata” somente, o que não seria o objetivo
do mesmo. No entanto, aqui definimos como emergencial o paliativo, o imediato, no
sentido do trato do aparente, da conseqüência superficial sem mediação com seus
fundamentos.

A pobreza é concebida como resultado natural de qualquer ordem social, não


como expressão da “questão social”. Logo, se a análise parte de um pressuposto
equivocado, a nosso ver, a lógica que comporá as ações destinadas ao trato destas
manifestações será mediada por medidas que venham interferir no que considera
“disfunções naturais” desta ordem, através do fomento a iniciativas parciais, para que a
integração a ordem seja fundamentada pela promoção de potencialidades individuais,
como solução para o “problema da pobreza” numa perspectiva estreita, vinculada ao
ideário neoliberal.

A fome, considerada um dos aspectos centrais que expressa a condição de


extrema pobreza e indigência, é um fenômeno concreto e resultado imediato da carência
material. Resolve-se a fome com alimento, seja através de uma refeição, com gêneros
alimentícios ou com dinheiro para adquiri-los. Estas iniciativas podem resolver a fome
em curto prazo, – e até médio e longo prazo quando se tornam políticas permanentes –
mas não alteram sequer o quadro da pobreza e nem mesmo residualmente tocam nas
condições de desigualdade geradas pela concentração de renda e riqueza.

As ações do PCS, programa que é denominado como “condomínio de múltiplos


objetivos no qual coabitam programas emergenciais e programas de combate às causas
da perpetuação da pobreza” (Peliano, 1995, p. 6) e supõem tocar nas causas da pobreza,
na verdade, escamoteiam e escondem sua razão de ser. Tratam-se de ações que supõem
o enfrentamento das condições de pobreza e como respostas à “questão social”, mas
interferem apenas nas suas consequências mais visíveis e críticas.

56
Crítica do PCS, Sposati (1998) destaca que o modelo empreendido no governo
FHC se baseia numa perspectiva filantrópica assistencial, caracterizada pela apologia
das soluções dadas pelas políticas emergenciais às necessidades da população mais
pobre e com base num modelo populista e personalista na assistência pública. Dessa
forma Sposati afirma que

O movimento Filantrópico Assistencial altera muito pouco a tradicional prática


institucional, estatal e privada. Sua principal marca é não aprofundar uma
política de garantias de direitos. É muito mais marketing do que intenção séria.
Não define padrões de serviço, nem aplica corretamente os princípios
constitucionais relativos à Previdência. O governo FHC, aliás, não inova nada, é
apenas mais um que não cumpre a Constituição. O modelo Filantrópico
Assistencial encontra fortes aliados no jogo político brasileiro. Mesmo os
partidos mais progressistas não têm uma proposta clara de confronto com o
assistencialismo. O Comunidade Solidária por exemplo, é uma demonstração
explícita deste modelo populista, personalista, centrado na figura de Ruth
Cardoso” (1998, p. 24 - 25).

O programa segue uma orientação neoliberal, visto as evidências desenvolvidas


no seu interior para a terceirização dos programas e serviços, a criação das
Organizações da Sociedade Civil de Caráter Público – OSCIPS (Silva, 1998, p. 115). O
Comunidade Solidária é a primeira estratégia sistemática que, em meados dos anos
1990, passa a consolidar a orientação dos organismos multilaterais para as políticas
sociais no Brasil41.
O PCS constitui-se, na verdade, a versão brasileira de um conjunto de
programas de combate à pobreza implementados na América Latina no contexto
da crise econômica e do desenvolvimento das políticas de ajuste estrutural
adotadas, no continente, desde a década de 80 e, tardiamente, em
desenvolvimento no Brasil na década de 90 (Silva, 1997, p. 121-122).

As alterações no âmbito da gestão e gerenciamento das políticas tem significado


maior do que o termo “parceria” pode expressar. “O que na realidade está em jogo não é
o âmbito das organizações, mas a modalidade, fundamentos e responsabilidades
inerentes à intervenção e respostas para a ‘questão social’” (Montaño, 2007, p. 185). O
mesmo autor afirma que

No padrão neoliberal de resposta às demandas sociais a modalidade de


intervenção é setorialista, mas também localizada, e seu fundamento é a
focalização e desconcentração das respostas (cf. Laurell, 1995), sustentadas na
auto-ajuda e na ajuda mútua (“solidariedade local”), sendo assim de
responsabilidade dos próprios portadores de necessidades, de seus pares e de
suas localidades a resposta às suas demandas (Ibidem.).

41
O Programa foi implementado durante o governo FHC e era conduzido pela Primeira Dama, Ruth Cardoso
(antropóloga).

57
A entrada do “terceiro setor42” “encobre um fenômeno que deve ser entendido
como inserido num projeto de reestruturação social e produto dele, pautado nos
princípios neoliberais e/ ou funcional a ele” (Montaño, 2007, p. 186). Não se trata de
mera reprodução do processo que já constituía a política de Assistência Social, mas da
exponenciação da transferência de responsabilidades. Antes as ações assistenciais
circunscreviam-se no setor privado e filantrópico, basicamente como ações paralelas às
desenvolvidas pelo Estado, que atendia predominantemente os segmentos vinculados ao
mercado formal de trabalho. Aos “não-vinculados” restava recorrer aos serviços
prestados nestes setores, ministrados como caridade e benesse.

A instalação destes programas numa lógica em que a transferência de


responsabilidade na execução é predominante (ou hegemônica) na execução das
políticas de combate à pobreza, torna-se fundamento estrutural na década de 1990 em
diante. Esta característica não é menor, compõe o eixo de desmonte do referencial dos
direitos como resultado da conquista da organização dos trabalhadores contribuindo
para a naturalização da “questão social” e seus fundamentos.

A avaliação dos organismos internacionais, que delimitam estes fundamentos


para a estruturação das políticas sociais na década de 1990, é que os oito anos de
governo FHC marcaram avanços na gestão econômica e política e referenda o modelo
de “bem-estar” gestado neste período e aqueles que o sucederam,

Segundo o Grupo Banco Mundial, os avanços das reformas nos oito anos da
gestão FHC criaram uma base sólida para o novo governo, “que demonstrou
notável compromisso com uma firme gestão macroeconômica e com o
progresso social.(...) A nova administração federal se comprometeu com a
austeridade fiscal, com o estabelecimento de metas de inflação e com o
cumprimento dos contratos da dívida” (2003:17). Também se menciona o
compromisso com a melhoria do bem-estar da população, evidenciado, segundo
este documento, por diversas iniciativas sociais, como Fome Zero, Primeiro
Emprego e Bolsa Família (Pastorini e Galízia, 2006, p. 92).

Estas orientações continuam a marcar a organização e gestão das políticas


sociais e, em particular, as de combate à pobreza nos anos seguintes ao governo FHC,
com alterações no âmbito da gestão, organização e implementação, no entanto
preservando as características centrais destacadas acima.

42
Aqui terceiro setor é entendido tal como afirma Montaño (2007): “o que é chamado ‘terceiro setor’, numa
perspectiva crítica e de totalidade, refere-se a um fenômeno real, ao mesmo tempo inserido e produto da
reestruturação do capital, pautado nos (ou funcional aos) princípios neoliberais: um novo padrão (nova modalidade,
fundamento e responsabilidades) para a função social de resposta à ‘questão social’, seguindo os val ores da
solidariedade local, da auto-ajuda e da ajuda-mútua” (2007, p. 186).

58
No Governo Lula há, sem dúvida, uma alteração na lógica de gestão, marcadas
pela racionalização dos benefícios43 e profissionalização do campo da assistência social.
Imprime caráter público na constituição de equipamentos próprios no campo da
assistência social e, a partir daí, são realizados concursos no âmbito municipal para a
composição das equipes responsáveis pela implementação da política nos municípios.´

É importante destacar as alterações que apontam para o sentido de imprimir


caráter público a esta política social, no entanto, são mantidos os eixos e fundamentos
que vinham orientando particularmente a execução da política, a lógica fundamental do
combate à pobreza mediada pela parceria com o setor privado e ações pontuais nas
consequências da pobreza com vistas à redução de seus índices e combate à fome44.
Também se mantém o paralelismo das ações assistenciais vinculadas formalmente e
institucionalmente à assistência e regulamentadas pela LOAS. Por outro lado, o
principal programa de transferência de renda e combate a fome não estão submetidos à
lógica e legislação da assistência social, especialmente ao controle social.

O Programa Bolsa Família unifica os programas de transferência de renda e é


considerado “carro-chefe” do Programa Fome Zero 45. A ele articulados existem outros
programas centrais do governo Lula na Assistência Social, que são financiados por este
ente e executados no nível municipal: ProJovem Adolescente e Urbano 46, Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, dentre outros47.

No governo Lula a legislação da política de Assistência Social toma novos


rumos, articulada, a nosso ver, à continuidade do processo de contra-reforma do Estado,
seguindo as orientações dos organismos internacionais. Na Assistência Social são
constituídas estratégias para o acesso a programas e projetos de enfrentamento da
pobreza. Seus equipamentos são a “porta de entrada” para o acesso aos serviços
ofertados por esta política, principalmente, através da inserção no Cadastro Único de
Programas Sociais e no PBF. O objetivo expresso do programa é a alteração dos
43
O Governo Lula unifica diversos programas de transferência de renda, vinculados à educação, alimentação,
auxílios para a compra de gás, dentre outros e subsume inclusive programas existentes em âmbito local (no estado do
Rio de Janeiro havia o Programa Cheque Cidadão que tinha forte vinculação com o segmento religioso e no ano de
2004 foi extinto migrando seus beneficiários – que ainda não eram contemplados pelo programa federal – para o
PBF), ação que mesmo o governo FHC, com forte corte neoliberal que figurava de forma mais “aparente” não
consolidou.
44
Este governo não apenas respalda, como aprofunda a orientação do governo anterior de FHC, ao qual o PT era o
principal opositor, durante seus dois mandatos e afirma enquanto traço distintivo do atual governo.
45
“O Fome Zero atua a partir de quatro eixos articuladores: acesso aos alimentos, fortalecimento da agricultura
familiar, geração de renda e articulação, mobilização e controle social” (fonte: fomezero.gov.br).
46
Trata-se do Programa Nacional de Inclusão de Jovens nas modalidades Adolescente, para jovens de 15 a 17 anos, e
Urbano, para jovens de 18 a 29 anos.
47
São programas com vínculo direto com a Assistência Social e com condicionalidades vinculadas ao PBF.

59
patamares de pobreza e reversão dos índices de indigência e miséria e de articular
“portas de saída” da proteção social destinada pelo Estado aos mais pobres, por meio do
incentivo ao desenvolvimento de potencialidades individuais e das famílias para a
ruptura dos ciclos de reprodução da pobreza, localizando – da mesma forma que o
programa desenvolvido no governo anterior – a geração da pobreza por “inadaptações”
(ou inadequações) à ordem que podem ser resolvidas na promoção de disposições
“inatas” que levariam a desintegração dos mesmos ao sistema.

A implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como


ferramenta operacional da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) traz
elementos inovadores para esta política social, como destacamos, que, ao mesmo tempo,
modernizam e atualizam esta política, profissionalizam parte do sistema, mas mantêm
na contemporaneidade características que estiveram presentes na trajetória histórica da
mesma.

60
1.3 A Política de Assistência Social na Atualidade

Consideramos que o processo de implementação da Política Nacional de


Assistência Social (PNAS-2004) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
assim como a concretização dos princípios, diretrizes e objetivos propostos no
documento que os concebe, desde a sua publicação em 2004 se baseia em pressupostos
anteriores – àqueles contidos na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) – e que
vêm sendo pensados e debatidos desde o fim da década de 1980 e início da década de
1990 48.

A Assistência Social, enquanto política de Seguridade Social não-contributiva é


por direito reclamável por aqueles que dela necessitam. Nos marcos da legislação atual
este público circunscreve-se em determinadas situações de “vulnerabilidade” e “risco”
e, para alguns programas e projetos, dentro de perfil sócio-econômico específico.

Constitui público usuário da Política de Assistência Social, cidadãos e grupos


que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e
indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e
sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico,
cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela
pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias
psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e
indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e
informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem
representar risco pessoal e social (BRASIL, 2004:33).

O público circunscrito a esta política social tem em sua composição expressões


da “questão social” que são, a nosso ver, concebidas neste documento numa perspectiva
que já fundamenta uma contradição com a perspectiva da Seguridade Social nos seus
marcos regulatórios. O destaque aos vínculos de afetividade, processo de
estigmatização, violência familiar, a precarização do trabalho e a informalidade, assim
como as “estratégias de sobrevivência” criminalizadas têm soluções apontadas no
interior da assistência social, a partir da promoção dos vínculos e desenvolvimento de
potencialidades como medidas “inclusivas” à ordem do capital.

Estas expressões da “questão social”, entendidas como resultado da contradição


entre capital e trabalho, da força destrutiva do capitalismo exercida para a dominação

48
A Política de Assistência Social estabelece princípios e diretrizes para a implementação do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS e é resultado de amplos debates realizados em todos os Estados e no Distrito Federal
durante o ano de 2004, a partir de uma proposta preliminar elaborada pela Secretaria Nacional de Assistência Social –
SNAS/MDS com a participação ativa do CNAS, dando cumprimento às deliberações da IV Conferência Nacional de
Assistência Social (2003) (fonte: CNAS, 2009).

61
dos meios de produção e reprodução da vida social, não podem ser resolvidas no âmbito
de uma política social e mesmo que a Assistência Social preveja a articulação com as
demais políticas sociais esta mediação fica comprometida por uma política econômica
que privilegia o acúmulo e concentração de riquezas pelo capital e comprime cada vez
mais as medidas que estruturam direitos sociais.

Os processos subjetivos – como os estigmas e a afetividade – são fundamentados


em processos concretos que fundamentam esta ordem societária. Ainda que esta
dimensão tenha seu trato exclusivamente no nível que apresenta sua aparência, quando a
dimensão concreta, que determina suas características: a precariedade das condições de
vida e reprodução social de indivíduos e famílias, a produção de riqueza na mesma
medida em que se produz miséria e a acumulação e concentração privada por segmentos
capitalistas restrito a pequenos grupos supõe a reversão da própria ordem societária
vigente.

A constituição da Seguridade Social que contemple o atendimento da classe


trabalhadora nos seus segmentos vinculados formalmente ou não no mercado de
trabalho implica o estabelecimento da luta de classes num patamar que exige sua
organização numa dimensão que tenha como horizonte uma perspectiva emancipatória e
que contemple a consecução de direitos no sentido da constituição de reformas que
permitam estas condições se consolidarem, para que esta mobilização possa ser,
inclusive, promovida.

Trata-se de um movimento intrínseco, alimentado pela organização dos


trabalhadores e que é possibilitado pelo atendimento às suas necessidades sociais de
reprodução em primeira instância. A oferta de serviços no âmbito da assistência se
constitui no nível dos “mínimos sociais”, insumos que garantiriam o acesso a
alimentação, primeiramente, e o acesso pontual e fragmentado às políticas de saúde e
educação na forma de condicionalidades, como veremos adiante.

O destaque da assistência social dentre as políticas sociais segue um processo


que alça os programas de combate à pobreza a condição de principais medidas estatais
no trato da “questão social”. A constituição da Seguridade Social numa perspectiva
ampliada, que preveja o redimensionamento da política econômica praticada nos
últimos governos, ajustadas ao neoliberalismo, junto com a estruturação de medidas no
âmbito das políticas sociais que compõem o sistema de proteção social é condição para
o avanço das mobilizações e das lutas para a consecução de direitos. Como dissemos, é

62
um movimento intrínseco: para o estabelecimento de mobilizações para a afirmação e
consolidação de direitos se faz necessária a organização e pressão dos trabalhadores e
para empreender este processo é fundamental que seus segmentos precisam ter suas
necessidades de reprodução social atendidas49.

A Norma Operacional Básica (NOB-SUAS)50 estabelece o caráter do SUAS; as


funções da política pública de assistência social para extensão da proteção social
brasileira; níveis de gestão do SUAS; instâncias de articulação, pactuação e deliberação
que compõem o processo democrático de gestão do SUAS; financiamento e as Regras
de transição (Brasil(c), 2004, p. 13).

A Norma Operacional Básica (NOB) disciplina a operacionalização da gestão


da Política de Assistência Social, conforme a Constituição Federal de 1988, a
LOAS e legislação complementar aplicável nos termos da Política Nacional de
Assistência Social de 2004, considerando a construção do Sistema Único da
Assistência Social – SUAS, abordando, dentre outras questões, a divisão de
competências e responsabilidades entre as três esferas de governo; os níveis de
gestão de cada uma dessas esferas; as instâncias que compõem o processo de
gestão e como elas se relacionam; os principais instrumentos de gestão a serem
utilizados; e, a forma de gestão financeira que considera os mecanismos de
transferência, os critérios de partilha e de transferência de recursos (fonte:
CNAS, 2009).

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) tem como público-alvo


central os segmentos da população/famílias que se encontram em situação de
vulnerabilidade51 e destina ações para garantia de proteção social (básica e especial)
prioritariamente a este público-alvo. Constituem-se ações no campo desta política nos
marcos do governo Lula que não são consolidados numa perspectiva de afirmação de
49
A mobilização, a promoção de ações de organização dos segmentos mais pauperizados é tarefa das mais difíceis,
pois está perpassada pelas condições destacadas. É necessário que a classe trabalhadora organizada, suas vanguardas,
nas suas bandeira, reivindicações e lutas, contemplem o debate acerca da constituição das políticas de enfrentamento
da pobreza, não apenas através da sua negação, mas para a formulação de estratégias que reconheçam estes
segmentos da classe trabalhadora como parte integrante dela e suas demandas como imperativo “de classe”, não
apenas na forma paliativa que as ações governamentais adotam, mas como necessidades que devem ser atendidas
pela constituição de direitos.
50
Dentre as legislações que regulamentam a Assistência Social destacamos também a Norma Operacional Básica de
Recursos Humanos (NOB/RH) foi aprovada em 2006 como deliberação da 5ª Conferência de Assistência Social
(2005) e define a gestão de recursos humanos nesta política (fonte: CNAS, www.mds.gov.br/cnas).
51
A Norma Operacional Básica do Sistema Único da Assistência Social (NOB-SUAS) estabelece uma combinação
de características das famílias que compõem a “Taxa de Vulnerabilidade” e definem o que define o que seja
“população vulnerável”, quais sejam: famílias que residem em domicílio com serviços de infra-estrutura
inadequados; família com renda familiar per capita inferior a um quarto de salário mínimo; família com renda
familiar per capita inferior a meio salário mínimo, com pessoas de 0 a 14 anos e responsável com menos de 4 anos de
estudo; família na qual há uma chefe mulher, sem cônjuge, com filhos menores de 15 anos e ser analfabeta; família
na qual há uma pessoa com 16 anos ou mais, desocupada (procurando trabalho) com 4 ou menos anos de estudo;
família na qual há uma pessoa com 10 a 15 anos que trabalhe; família no qual há uma pessoa com 4 a 14 anos que
não estude; família com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, com pessoas de 60 anos ou mais;
família com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, com uma pessoa com deficiência. Todos os
indicadores se baseiam em dados do IBGE, Censo Demográfico e PNAD (anos 2000 para o IBGE e 2001 em diante
para os demais índices) (Brasil, 2005, p.135). Tais parâmetros ainda não estão constituídos concretamente como base
para análise do território e planejamento das ações da assistência social.

63
direitos de Seguridade Social. Ainda que se inscrevam garantias neste campo
fundamentadas nos “direitos socioassistenciais” alterações fundamentais no campo da
afirmação e consolidação de direitos articulados não são concretizados. A composição
da assistência social é superdimensionada, ainda que mediada – em sua formulação –
como política balizada pelo “desenvolvimento social”.

O princípio da atenção alcança, assim, um patamar que é balizado pelo esforço


de viabilização de um novo projeto de desenvolvimento social, onde não se
pode pleitear a universalização dos direitos à Seguridade Social e da proteção
social pública sem a composição correta e suficiente da política pública de
assistência social, em nível nacional (Brasil(c), 2004, p. 16).
Este governo possui um projeto de desenvolvimento social e tem por base o
estabelecimento de políticas de “corte social”, que são estruturadas seguindo a lógica
orientada pelos organismos internacionais, como já destacamos. Segundo Netto (2004)

a política proposta pelo segmento parasitário-financeiro do grande capital é, a


partir de então, conduzida, em seu conteúdo determinante, por um governo à
frente do qual encontra-se um partido que, até sua posse, encarnava a sua
negação – e política que agora, com o PT no Executivo federal, não encontra
nenhuma resistência parlamentar-institucional (Netto, 2004, p. 14).

A dimensão política que orienta o governo atual não rompe com os fundamentos
do neoliberalismo e com a condução que privilegia os interesses do capital, mesmo em
seu discurso e na composição das ações e serviços sociais afirmando o privilegiamento
do desenvolvimento social e econômico dos “menos favorecidos”.

A composição da PNAS segue também esta lógica, ainda que contenha


expressões da pressão de segmentos organizados no interior desta política –
profissionais, formuladores e organizações da sociedade comprometidas com o caráter
público desta política52 – no seu texto tem expresso que a assistência social destina-se
aos segmentos vulneráveis da população e que ela deve “prover proteção à vida, reduzir
danos, monitorar populações em risco e prevenir a incidência de agravos à vida face às
situações de vulnerabilidade” (Brasil(c), 2004, p. 16).

Fundamentalmente se afirma a proposição de propor soluções que amenizem as


condições em destaque e que não podem ser alteradas em seus fundamentos apenas pela
política de Assistência Social. A legislação que regulamenta a política nacional

52
Devemos lembrar que parte das vanguardas do Serviço Social, por exemplo, estiveram – e estão – presentes na
disputa de concepções no campo da assistência social, na formulação e gestão desta política social. O conjunto
CFESS/CRESS historicamente promoveu discussões e formulações que fundamentam a concepção de Seguridade
Social ampliada (como expresso na Carta de Maceió, resultante do Encontro Nacional CFESS/CRESS realizado em
2000, que mencionaremos adiante) e são expressão da movimentação, desde a década 1980, para a constituição e
impressão do caráter público nesta política social.

64
superdimensiona, a nosso ver, a capacidade de atendimento a estas demandas na
composição da própria política. A ampliação e o destaque desta política expressa uma
contradição: a precarização dos equipamentos e serviços públicos junto à transferência
de responsabilidades para a “sociedade civil” nas diversas políticas sociais e a
ampliação das ações, programas e projetos focalizados no combate à pobreza nas suas
expressões mais visíveis, num sentido emergencial e focalizado que se localizam na
assistência social.

Esta análise, baseada nos elementos e dados que confirmam este processo,
contribuem para confirmar a existência de um processo de assistencialização das
políticas sociais. Entendemos que a caracterização destas situações como circunstâncias
que colocam indivíduos e famílias em conjuntura de vulnerabilidade são resultado de
uma política econômica neoliberal implementada desde o início da década de 1990 e
que tem continuidade nos governos Lula, assim como a manutenção do ajuste fiscal, da
política de superávit primário e da focalização das políticas sociais. Não será a
ampliação da política de Assistência Social que possibilitará garantia de qualidade de
vida aos segmentos da população mais pauperizados.

As ações estruturadas neste sentido respondem a necessidades fundamentais. A


transferência de renda pode atender a necessidade de alimentação ou pode servir para a
compra de insumos que não seriam possíveis apenas com os recursos que as famílias
tinham acesso antes de serem beneficiárias destes programas, mas estas ações pontuais
não constituem – e não podem constituir, mesmo que aliadas a projetos de promoção e
capacitação dos mesmos – elementos de ruptura com a situação de pobreza e miséria
resultantes da concentração de renda e riqueza e não podem ser entendidas como
medidas que promovem proteção social, pois são apenas paliativos se não articuladas a
um conjunto de políticas garantidoras de direitos.

A concepção de proteção social no âmbito da política de Assistência Social


presente na NOB é denominada como uma fração específica deste sistema, denominada
como “proteção social de assistência social” destinada às famílias vitimizadas e
fragilizadas em sua condição de cidadania e têm como suporte categorias que se
referenciam na vulnerabilidade social como imposições e ofensas à dignidade humana.
Trata-se de uma modalidade de proteção social garantida pela política de assistência
social que se ocupa das vitimizações, fragilidades, contingências, vulnerabilidades,
como destacamos a seguir:

65
A proteção social de assistência social se ocupa das vitimizações, fragilidades,
contingências, vulnerabilidades e riscos que o cidadão, a cidadã e suas famílias
enfrentam na trajetória de seu ciclo de vida por decorrência de imposições
sociais, econômicas, políticas e de ofensas à dignidade humana. O princípio da
atenção social alcança, assim, um patamar que é balizado pelo esforço de
viabilização de um novo de um novo projeto de desenvolvimento social, onde
não se pode pleitear a universalização dos direitos à Seguridade Social e da
proteção social pública sem a composição correta e suficiente da política
pública de assistência social, em nível nacional (Brasil(c), 2004, p. 16).
A concepção de “atenção” prestada pela assistência social a estas características
verificadas na composição das famílias supõe desenvolvimento social, condição
destacada como fundamento para a composição da assistência social. No entanto, este
“desenvolvimento” circunscreve-se quase que exclusivamente nas ações promovidas no
interior desta política social. Mesmo em articulação com outros ministérios, que
coordenam as demais políticas sociais, os projetos são vinculados ao público já restrito
da assistência social e recortados basicamente dentre os beneficiários do Programa
Bolsa Família, num atendimento minimalista de frações dos segmentos pauperizados: os
mais pobres dentre os pobres.

Este modelo está amparado numa perspectiva de garantia da “dignidade


humana” e pode ser verificado nas palavras da Sposati (1998) nas quais destaca que a
população mais pobre tem o “direito de ser gente”. Na compreensão da autora isso
significa a incorporação pela sociedade do que considera “mínimos de dignidade” como
direitos sociais determinantes para a garantia da condição de ser humano decorrente de
um padrão de cidadania. Segundo Sposati,

o que se entende como “direito de ser gente” supõe a incorporação, pela


sociedade, do que considera como mínimos de dignidade que, consignados
como direitos sociais, são condições da cidadania. Isso exige determinado
padrão de atuação, que garanta desenvolvimento humano, equidade, autonomia
e redistribuição de renda (1998, p. 23).

Estes mínimos que constituiriam a dignidade humana são mediados na


assistência social na contemporaneidade por programas e projetos de administração dos
índices de pobreza e indigência, pois significam precisamente um parâmetro de direitos
humanos, que dizem respeito à totalidade da classe trabalhadora ou do atendimento
apenas às necessidades essenciais de sobrevivência?

Não nos debruçamos no debate dos direitos humanos, mas supomos que sejam
constituídos por garantias de patamares dignos de reprodução social, para além da
sobrevivência e sequer podem ser parametrados pelos direitos garantidos pelo trabalho

66
formal, pois, como veremos adiante, a sociabilidade capitalista implica na alienação do
trabalhador do trabalho como meio de responder a necessidades humanas, mas como
meio de vida, que limita as capacidades humanas. A suposição de mínimos de dignidade
no sentido afirmado pelos programas e projetos de enfrentamento da pobreza, a nosso
ver, se constituem pela medida de sobrevivência de indivíduos e famílias em situação de
extrema pobreza ou indigência somente.

A defesa de condições de sobrevivência ultrapassa circunscrita a mera


reprodução cotidiana não supera uma lógica de manutenção da vida, um “quase
consenso” – pois não a destruição em si da vida, sem justificativa e objetivos, não se
constitui como meta explícita mesmo no capitalismo – e implica em ações públicas e do
segmento filantrópico que tanto são voltadas para os seres humanos quanto à defesa da
natureza (plantas, animais, ecossistema etc). O ser humano figuraria “hierarquicamente”
acima das outras formas de vida, mas no capitalismo os seres humanos são mais uma
peça da engrenagem do modo de produção capitalista.

A concepção de ser social, que não prescinde da relação do homem com a


natureza, mas não está implicada por uma essência “natural” própria deste “ser”. A
“composição” do ser social está mediada pela sua constituição como sujeito histórico
perpassados pelas determinações da sociedade em que vive. Lessa (2004) destaca

não há nada semelhante a uma "natureza" humana dada historicamente [para


Lukács],de uma vez para sempre, nos moldes de Rousseau ou do senso comum
da cotidianidade contemporânea (Lukács, 1979, p.14; e tb. Lukács, 1976-81,
vol. III, p.269-74-CLXV-CLXXII). O homem não é necessariamente bom ou
mau, sua história não está traçada a priori por uma força ou tendência
pertencente a uma sua essência mais profunda, a qual apenas de modo
superficial e transitório seria tocada pela história (Lessa, 1994, p. 2)

A constituição do ser social está perpassada pelas contradições do capitalismo,


mediação esta que permite estabelece os patamares de sociabilidade próprios a produção
e reprodução do capital. A afirmação de valores contrapostos à ordem burguesa,
conforme destaca Lessa, citando Lukács, depende da análise do seu desenvolvimento
ontológico e das contradições que perpassam esta composição:

o ser social é o resultado de uma síntese peculiar que converte em totalidade os


inúmeros atos dos indivíduos singulares (Lukács, 1979b, p.95). Afirmamos,
agora, que o desenvolvimento do ser social – a história – é necessariamente
contraditório. Devemos, pois, antes de nos voltarmos à problemática da
reprodução, esclarecer a aparente contradição entre a unidade que o conceito de
totalidade sugere, e a nossa afirmação da ineliminável contraditoriedade do
desenvolvimento ontológico (Lessa, 1994, p. 4).

67
Lessa considera que A postulação, central na ontologia lukácsiana, está
implicada na “radical historicidade e sociabilidade do mundo dos homens” e destaca
que a formação do ser social circunscreve a composição das ações humanas no
atendimento às suas necessidades
a partir da práxis social, o indivíduo, ao agir, ao responder às necessidades
postas ao seu desenvolvimento pela realidade que o cerca, concomitantemente
contribui à construção do ser social enquanto gênero e à construção da sua
individualidade específica. As contradições entre generidade e particularidade,
constituintes essenciais tanto do ato em sua singularidade como da
processualidade social global, compõem as mediações sociais reais da elevação
à consciência, em escala social, da bipolaridade indivíduo/sociedade (Lessa,
1994, pp. 21-22)

Ao ponderarmos as condições de vida e reprodução social da população


pauperizada e das respostas no âmbito da sociedade capitalista para o atendimento às
mesmas devemos considerar as dimensões constitutivas do ser social na sociabilidade
promovida nesta ordem societária. A pobreza é fruto da desigualdade social e o que
figura aparentemente como uma conjuntura adversa é resultado da contradição entre
capital e trabalho e resultado da produção e concentração de riqueza pelo capital. Esta
condição do capitalismo implica na manutenção das causas que produzem a pobreza e
as medidas para o trato desta manifestação da “questão social” não objetiva nesta
sociedade romper com este modo de produção.

Para a Sposati ser pobre é viver à circunstância sem garantias do amanhã


(Sposati, 1998, p. 23), identificando um modelo de Seguridade Social a ser construído
que se configure como um “conjunto das ações estatais que atende às necessidades do
ser humano de segurança na adversidade e de tranquilidade para o futuro” (Sposati,
1998, p. 22). A Assistência Social, neste espectro, deveria se estabelecer como sistema
de proteção e de garantias de cobertura de riscos e vulnerabilidades. Nesse modelo as
redes de seguranças devem garantir o reconhecimento da cidadania dimensionada pela
criação de possibilidades para esta população tornar-se alcançável pelas políticas de
proteção e desenvolvimento social. Na ótica da autora

A Assistência Social deve se constituir no sistema de proteção, garantindo


direitos e fazendo uma política de equidade, principalmente na cobertura de
riscos e vulnerabilidades sociais. Para tanto, as políticas públicas devem operar,
simultaneamente, dois sistemas: o de prevenção e o de uma rede de segurança,
que não permita ao cidadão perder o “direito de ser gente” e, de outro, trazendo
à superfície o destinatário da ação assistencial, tornando-o cidadão alcançável
pelas políticas públicas de proteção e de desenvolvimento social (1998, p. 23).

68
Afiança-se à Assistência Social a responsabilidade pela garantia de direitos à
população sem cobertura previdenciária. Oferece proteção para tornar o seu usuário
alcançável pelas demais políticas de proteção e desenvolvimento social. Mas como estas
políticas não são desenvolvidas no sentido da garantia de direitos, pois se tornam
regressivas no bojo do neoliberalismo, constituindo um ciclo em que se destinam
políticas pobres para os pobres, paliativas e focalizadas, tornando seu usuário refém
desta política social. Propõe-se nos níveis de proteção estabelecidos pela PNAS o
restabelecimento e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários para que se
formem redes de solidariedade e cooperação, como medida para solucionar situações de
risco, vulnerabilidades e para criar condições de auto-sustentabilidade.

A segurança social ancorada numa perspectiva de solidariedade de classe –


através da constituição de seguros sociais co-financiados pelo trabalhador, pelo
patronato e pelo Estado – no qual os fundos cobrem as perdas através da contribuição
dos assalariados que asseguram àqueles trabalhadores com perda de salário devido à
incapacidade temporária ou permanente (Cf. Behring, 2002) é diferente da solidariedade
constituída pela Seguridade Social na atualidade.

Houve pressão do movimento operário em torno da insegurança da existência


que peculiariza a condição operária (desemprego, invalidez, doença, velhice).
Superando o recurso à caridade e à beneficência privada ou pública, o
movimento operário impõe o princípio dos seguros sociais, criando caixas
voluntárias e, posteriormente, obrigatórias para cobrir perdas (Behring, 2002, p.
167).

A proteção social ofertada pela de assistência definida na PNAS e as garantias


de segurança social têm como objetivos: aquisições materiais, ações socioeducativas
com o objetivo de garantir a reprodução social destes segmentos vulnerabilizados na
perspectiva de desenvolver o “protagonismo” e a “autonomia”. Segundo a Política
Nacional de Assistência Social,

A proteção social de assistência social através de suas ações produz aquisições


materiais, sociais, socioeducativas ao cidadão e cidadã e suas famílias para:
suprir suas necessidades de reprodução social de vida individual e familiar;
desenvolver suas capacidades e talentos para a convivência social,
protagonismo e autonomia (Brasil(c), 2004, p. 16).

Desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania são entendidos


como “garantias de segurança” diante de “riscos circunstanciais”. Situa estes riscos na
esfera da capacidade individual de desenvolvimento de potencialidades que rompam
com estas circunstâncias através do protagonismo e da autonomia como se estas

69
características não-desenvolvidas fossem as responsáveis pelos ciclos geracionais de
pobreza e miséria pelos quais estas famílias ou segmentos sociais passam e não como
processo imposto por condições estruturais de nossa sociedade.

A proteção social de assistência social, ao ter por direção o desenvolvimento


humano e social e os direitos de cidadania, tem por princípios: a matricialidade
sociofamiliar; territorialização; proteção pró-ativa; integração à seguridade
social; integração às políticas sociais e econômicas. A proteção social de
assistência social, ao ter por direção o desenvolvimento humano e social e os
direitos de cidadania, tem por garantias: a segurança de acolhida; a segurança
social de renda; a segurança do convívio ou vivência familiar, comunitária e
social; segurança do desenvolvimento da autonomia individual, familiar e
social; a segurança de sobrevivência a riscos circunstanciais (Brasil(c), 2004, p.
17).

O objetivo de alçar ao desenvolvimento humano e social e aos direitos de


cidadania através da acolhida, segurança de renda e de convívio familiar e comunitário
são alvos expressos pela política que busca desenvolver autonomia pela política de
assistência social quando, como dissemos, as demais políticas sociais e econômicas não
estabelecem as condições necessárias para ruptura com uma estrutura social baseada na
exploração do trabalho e reprodução da pobreza e da miséria na medida em que produz
e concentra as riquezas produzidas. Sem a socialização do trabalho assalariado – no
capitalismo –, das condições de proteção aos trabalhadores e a redistribuição de riqueza
não há política social que possa garantir as premissas previstas na PNAS, inclusive a
assistência social.

Esta proteção social define princípios e garantias que não podem estar ancoradas
apenas na Assistência Social ainda que aponte para o reconhecimento de demandas da
população considerada “vulnerável”, que se encontra descoberta pelas demais políticas
sociais e desprovida das condições mínimas de existência. Tratam-se de ações
caracterizadas na PNAS como parte da iniciativa pública, com primazia do Estado em
sua execução, para o atendimento às necessidades básicas da população que não tem
condições de provê-las (Brasil (c), 2004).

Por assim dizer, a PNAS aponta que a “Assistência Social como política de
proteção social configura-se como uma nova situação para o Brasil. Ela significa
garantir a todos, que dela necessitam, e sem contribuição prévia a provisão dessa
proteção” (BRASIL, 2004, p. 15). Mas a centralidade na vulnerabilidade entendida da
maneira que é formulada no próprio documento se contrapõe a idéia de assistência para

70
todos os que dela necessitam, pois suas ações encontram-se ancoradas em critérios
seletivos e focalizados de pobreza e indigência.

Destro dos diferentes “perfis” definidos como público usuário da Assistência


Social destacamos aqueles que “exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais
políticas públicas” e os que possuem “inserção precária ou não inserção no mercado de
trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que
podem representar risco pessoal e social” (Ibidem). É considerado público em situação
de vulnerabilidade aquele que ainda não foi absorvido pelo mercado, por “redução da
capacidade pessoal” ou inabilitado pela conjuntura, ou inapto para o trabalho.

Tal risco pode ser lido de diferentes formas, a nosso ver, considera-se o risco de
não sobrevivência que estes indivíduos ou famílias correm ao não terem acesso a
condições de manutenção de suas necessidades básicas e do risco que oferecem à
sociedade, pois podem utilizar-se de estratégias de sobrevivência criminalizadas, na
medida em que não fazem parte das atividades formais e informais lícitas no mercado
de trabalho.

Importa lembrar que, tal como foi trabalhado anteriormente,

A reestruturação produtiva, as mudanças na organização do trabalho e a


hegemonia neoliberal, (...), têm provocado importantes reconfigurações nas
políticas sociais. O desemprego de longa duração, a precarização das relações
de trabalho, a ampliação de oferta de empregos intermitentes, em tempo parcial,
temporários, instáveis e não associados a direitos, limitam o acesso aos direitos
derivados de empregos estáveis (Behring e Boschetti, 2007, p. 133).

Observamos que os diferentes apontamentos acerca das potencialidades de


superação de riscos e vulnerabilidades estão circunscritos a ações de fortalecimento do
indivíduo/família e busca da autonomia através dos “recursos” existentes nos núcleos
familiares e nas “comunidades” em que vivem, por meio da constituição de redes de
auto-ajuda e ajuda-mútua que já mencionamos. Constituem-se estratégias para
“autonomização” das famílias que se dão no bojo das iniciativas individuais, familiares
e/ou comunitárias. A idéia de autonomia encontra-se fortemente vinculada ao patamar
de renda com base em critérios de ruptura com índices de indigência e se estabelece
como mediação de uma assistência focalizada no combate aos termos absolutos da
pobreza e não fundamenta a política de Assistência pela articulação políticas estruturais.

Neste sentido, está claro no documento da PNAS que o objetivo da Assistência


Social consiste na construção de ações de garantia de proteção social de seus usuários e

71
de condições para sua autonomia baseadas em si e na sua estruturação, como medida de
combate à pobreza focalizada e restrita que se comporta como medida oposta á
constituição de uma perspectiva ampliada de Seguridade Social.

São caracterizadas ações denominadas como estratégias de porta de entrada e


porta de saída53, ou seja, as situações de “vulnerabilidade” tornam uma determinada
população usuária da política de Assistência Social, permitindo o acesso ao conjunto de
ações e projetos integrantes desta política como entrada; por sua vez a saída se
circunscreve na superação (alcance da autonomia) diante das condições que a tornaram
usuária, através do desenvolvimento das suas potencialidades.

A Assistência Social possui relação direta com o mercado de trabalho e com a


criação de ocupações ou “iniciativas” reconhecidas como atividades geradoras de renda.
As vulnerabilidades reconhecidas e atendidas pela via das ações assistenciais dizem
respeito às condições de sustentabilidade dos indivíduos/famílias, que deve se dar
prioritariamente pela inserção no mercado.

Esta “integração” ao mercado formal é dificultada seja pela composição destas


famílias, a reprodução por várias gerações dos ciclos de pobreza e indigência ou pelos
níveis de capacitação de seus membros em sua maioria considerados “inferiores” diante
da oferta de mão-de-obra no mercado e o desemprego estrutural, característico da fase
tardia do capitalismo e, no âmbito da assistência social, são promovidas ações de
capacitação (normalmente para os serviços como manicure, serviço de garçom,
construção civil e até grafite) promovem e estimulam a geração de renda via
empreendedorismo, e não necessariamente via proteção social e da proteção ao
trabalhador com vínculo formal de emprego, via assalariamento, a forma de trabalho
central no capitalismo.

É a esta vulnerabilidade que cabe ao Estado combater por meio da redução de


índices quantitativos que depõem contra esta ordem social e que são transferidos para a
esfera individual e da família, como núcleo de responsabilidade pela reprodução social
dos seus membros ainda que não tenham condições mínimas de fazê-lo a ela cabe a

53
Na SMAS da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro inclusive dentre os instrumentos (formulários) utilizados
no atendimento e acompanhamento dos usuários e famílias atendidos nos CRAS contemplam um “Plano de
Travessia” (formulado pelo setor de Vigilância da Exclusão Social) no qual devem ser sinalizadas as demandas, os
encaminhamentos, seu cumprimento ou não, até que, após a realização de todas as ações necessárias para o
atendimento destas demandas – desde o encaminhamento para atendimento na saúde e políticas de emprego a
atividades esportivas e cursos de capacitação – considere-se que o usuário alcançou sua autonomia e não mais
“depende” da intervenção (ou auxílio) estatal.

72
responsabilidade de manutenção de seus vínculos e da sua subsistência e à assistência
social o fomento de sua autonomia e auto-sustentabilidade.

A idéia é que este público alvo da política de assistência social seja “autônomo”,
ou seja, não mais componha as camadas da população que “dependem” da assistência
social, da proteção social oferecida por ela via ações estatais. Mesmo aqueles que de
forma permanente se encontram inaptos para desenvolver atividades laborativas, caso
integrem um núcleo familiar em condições de garantir a sua sobrevivência através do
desenvolvimento das suas potencialidades permitindo alcançar sua autonomia não são
atendidos, em princípios, pela assistência social, principalmente pelos critérios
rebaixados de renda que são compostos a partir da matricialidade sociofamiliar como
juízo de valor.

Como os critérios geralmente definidos para inserção das famílias nos


programas de assistência social são estabelecidos a partir da renda familiar per capita, é
possível transferir a responsabilidade pela proteção do Estado para a família, desde que
ultrapassem a linha da extrema pobreza e indigência e alcancem, pelo menos, uma linha
de pobreza definida arbitrariamente como “tolerável” pela sociedade, já que esta
expressão da “questão social” é considerada natural a qualquer ordem social. A
desresponsabilização do Estado na estruturação de um sistema de proteção social
constitutivos de cidadania acontece também em núcleos familiares em que existem
integrantes definidos pela LOAS como público-alvo da assistência social, caso se
considere as particularidades presentes nos sujeitos individuais em particular.

A idéia de integração predominante na PNAS e em muitos dos programas


assistenciais passa por formas de inserção no mercado de trabalho sem vínculos formais
de emprego e sem garantias de direitos, como sinalizamos.

Sposati (1998) destaca que este modelo se baseia na idéia de uma política
destinada ao pobre consumidor para atendimento da população usuária numa
perspectiva de constituição de um padrão de consumo de segunda categoria. Dessa
forma afirma que

No modelo do Pobre Consumidor, a população que está no estado informal – no


subemprego ou no emprego precário – não tem a possibilidade de direitos. O
modelo não incorpora os excluídos como sujeitos da questão social. Parte da
concepção de que a Assistência Social é uma política para um segmento de
classe, os mais pobres e os carentes. É uma política que trabalha com os
necessitados e não com necessidades sociais. Dito de outra forma, é destinada
àqueles que não têm condições financeiras para suprir suas próprias

73
necessidades. Então a Assistência Social instala uma forma precária de
consumo de segunda categoria, com a mediação do Estado, seja diretamente, ou
através das organizações de filantropia. É a transformação do cidadão no pobre
consumidor (p. 25).

Mas o provimento de necessidades de reprodução social para os trabalhadores na


sociedade capitalista se dá através da venda da força de trabalho, e esta é a forma
operante neste modo de produção. As contradições em torno das concepções – e das
estratégias sobre elas fundamentadas – acerca do que é trabalho e as formas de acesso a
ele que tensionam a relação da política de Assistência Social enquanto política de
Seguridade Social com as demais políticas sociais.

A restrição de políticas de desenvolvimento econômico e social que possibilite a


geração de empregos formais e das garantias vinculadas a eles delega para a assistência
social a responsabilidade por mediar a reprodução social de amplos segmentos da
população descobertos pelos direitos previdenciários e de conectar esta população a
políticas estruturais que existem residualmente ou que estão completamente
precarizadas, como a habitação, saneamento, saúde, educação dentre outras políticas
fundamentais para a reprodução social destes segmentos e para o estabelecimento de
condições de exercício de cidadania.

Existe uma tensão que se constitui entre o público-alvo da política de assistência


social e a população “empregada” com vínculo formal, ao primeiro pode-se destinar a
assistência social, desde que sejam considerados inaptos ao trabalho de forma
permanente, temporariamente ou conjunturalmente, e a segunda a quem se destina a
cobertura previdenciária em situações de incapacidade temporária ou permanente
(acidentes, doenças, idade etc)54.

No âmbito da política de assistência social se situa o entendimento acerca da


geração de emprego e renda para aqueles que se encontram fora da cobertura
previdenciária por motivo eventual entende-se que a capacitação para retomarem ou se
inserirem no mercado coloca a assistência social como porta de entrada para a inclusão
no mercado de trabalho, a porta de saída da vulnerabilidade como se esta política
pudesse ter condições de oferecer garantias de inserção social num contexto regressivo
de direitos e que as vulnerabilidades estivessem circunscritas à uma dimensão eventual
54
Devemos considerar que os empregados sem cobertura previdenciária podem apenas se enquadrar no perfil de
potencial público-alvo da assistência social, a não ser que contribuam autonomamente para a previdência social. As
famílias que têm dentre seus membros trabalhadores com vínculo formal também podem ser público-alvo, pois
podem estar caracterizadas dentro dos patamares e critérios de renda estabelecido pelos programas e projetos da
assistência, como o PBF.

74
e não estrutural da sociedade e pudessem ser solucionadas através de medidas de
desenvolvimento de potencialidades individuais.

O entendimento de porta de saída inscrito na política de assistência social, a


nosso ver, compreende a idéia que ao Estado cabe, no máximo, assistir àqueles que não
tem condições de alcançar o mercado de trabalho, ou que não podem disponibilizar sua
força de trabalho no mercado, por “ocasião” ou condições permanentes. São o público
considerado vulnerável, ou seja, aqueles que estão em situação de “inaptidão”
temporária ou permanentemente para o trabalho.

A assistência social, a partir dos resultados que produz na sociedade – e tem


potencial de produzir – é política pública de direção universal e direito de
cidadania, capaz de alargar a agenda dos direitos sociais a serem assegurados a
todos os brasileiros, de acordo com suas necessidades e independente de sua
renda, a partir de sua condição inerente de ser de direitos. A assistência social,
assim como a saúde, é direito do cidadão que independe de sua contribuição
prévia e deve ser provido pela contribuição de toda a sociedade. Ocupa-se de
prover proteção à vida, reduzir danos, monitorar populações em risco e prevenir
a incidência de agravos à vida face às situações de vulnerabilidade (Brasil(c),
2004, pp. 15-16).
O trabalho da assistência social se volta para a potencialização das famílias, para
que elas possam atender as necessidades, inclusive, destes considerados inaptos. A idéia
é que todos os que estão circunscritos neste perfil devem deixar de obter benefícios
estatais e terem sua sustentabilidade garantida no interior dec seus núcleos familiares. A
família deve encontrar a porta de saída da “exclusão”. O documento considera que “a
família deve ser apoiada e ter acesso a condições para responder ao seu papel no
sustento, na guarda e na educação de suas crianças e adolescentes, bem como na
proteção de seus idosos e portadores de deficiência” (Brasil, 2004, p. 90).

Para Sposati (1998) há um terceiro modelo de proteção, diverso da filantropia e


do pobre consumidor baseado no direito à seguridade, que implica na elevação da
Assistência Social à política pública que ofereça cobertura independente de contribuição
a todos que dela necessitem. Destaca também a necessidade fortalecer a dimensão
estatal, a responsabilidade pública. Desta forma afirma que,

se quisermos transitar da Assistência Social para a Seguridade Social devemos


fazer dois grandes movimentos. O primeiro é elevar a Assistência Social ao
patamar de política pública. Isso implica na decisão da sociedade de assumir a
universalização dos riscos sociais, não só para o trabalhador contributivo, mas
para o cidadão de modo geral. Nosso modelo, na verdade, distingue o cidadão
entre contributivo e não-contributivo. Uma política de Seguridade deve
estabelecer que todo brasileiro, independente de contribuição, tenha assegurado
um conjunto de atenções. É por isto que devemos lutar. O segundo movimento é

75
garantir que a Assistência Social seja de responsabilidade pública, pois, neste
país patrimonialista, as ações são isoladas, fragmentadas, tanto no campo
público, como nas organizações privadas sem fins lucrativos (Sposati, 1998, p.
24).

Este modelo tratar-se-ia de um campo em construção no qual a Assistência


Social se consolida como política pública que oferece cobertura pública (direta ou em
parceria) a um conjunto de necessidades. “O terceiro modelo, o do Direito à Seguridade
Social, é ainda um campo em construção. Nele, se entende a Assistência Social como
uma política universal de seguridade, responsável pela cobertura pública (direta e/ou em
parceria) de um conjunto de necessidades. Estas consistem em garantir um padrão de
inclusão que assegure a cidadania” (Sposati, 1998, p. 25).

Esta perspectiva acerca do papel das políticas sociais, que tem forte impacto na
construção da política de Assistência Social, compreende, a nosso ver, um conjunto de
ações empreendidas e em desenvolvimento pelo governo Lula. A política central deste
governo se ancora na transferência e geração de renda, mas tocam residualmente no
processo de redistribuição da riqueza socialmente produzida para os trabalhadores,
garantindo a transferência de enormes quantias para o capital e trabalham para
uniformizar um patamar de pobreza e não para reverter desigualdades sociais.

Pontuamos aqui os aspectos presentes na organização dos programas e projetos


no âmbito da Assistência Social nas duas últimas gestões federais da Assistência Social.
Detalharemos em seguida os principais aspectos presentes nos projetos de combate à
pobreza e nos programas conectados especialmente ao programa de transferência de
renda no atual governo.

76
1.4 Os Programas e Projetos de Assistência Social

Os programas e projetos no âmbito da Assistência Social se traduzem em


medidas de enfrentamento da pobreza tratando-a como situação específica e como
expressão natural a qualquer ordem social, pautada pelos eixos abordados no item
anterior. A redefinição do papel do Estado no trato das manifestações da “questão
social”, através da prestação de serviços minimalistas e focalizados, fundamentada na
transferência de responsabilidades para a “sociedade civil” balizam esta programática,
nos marcos do ideário neoliberal.

Netto destaca que o combate à pobreza torna-se uma política específica (Netto,
2007, p. 159). A desresponsabilização estatal se concretiza pelos fundos reduzidos, pela
“responsabilização abstrata da ‘sociedade civil’ e da ‘família’ pela ação assistencial”
com destaque para a participação das ONG’s e do terceiro setor na execução das
políticas (Ibidem). A privatização e mercantilização dos serviços para os segmentos da
população que dispõem de renda para participar do mercado são indicados pelo autor
como os elementos que também pautam o reordenamento das políticas sociais, e se
combinam com a manutenção por parte do Estado de serviços públicos precarizados
para os segmentos mais pauperizados (Netto, 2007, p. 160).

As características destacadas pelo autor determinam fundamentalmente os


programas e projetos que têm por objetivo o enfrentamento da pobreza que estão
localizados na Assistência Social: “a política voltada para a pobreza é prioritariamente
emergencial, focalizada e, no geral, reduzida à dimensão assistencial” (Ibidem).

No atual estágio do capitalismo destaca-se o trato emergencial e focalizado da


pobreza por meio de programas e projetos com estas características, e que convergem às
soluções macro-estruturais engendradas para o trato da “questão social”. Nas palavras
Behring (2002): “Para a política social, [o] conjunto de tendências e contratendências
que constituem o capitalismo tardio traz consequências importantes. O desemprego
estrutural acena para o aumento de programas sociais, inclusive de caráter assistencial
permanente” (Idem, p. 171). Atualmente as ações no âmbito da assistência social se
fundamentam na transferência de renda e na geração de mecanismos de auto-
sustentabilidade sem proteção do Estado.

As análises críticas formuladas no interior do Serviço Social reivindicam –


historicamente – que as políticas de Seguridade Social, especialmente, estejam

77
vinculadas a uma política econômica que concretamente aponte para a superação das
desigualdades, com maior destinação de recursos para estas políticas e para a geração de
emprego e renda formais55. O direcionamento das políticas estatais neste sentido
possibilitariam garantir a inserção dos trabalhadores na Seguridade Social via
previdência e, sendo a Assistência Social uma política compensatória, caberia a ela
suprir “carecimentos” ocasionais e/ou temporários, ou permanentes nos casos previstos
na LOAS através de mínimos sociais56.

A Assistência Social se pauta no estabelecimento de patamares de vida e


definição do que sejam estes carecimentos e os mínimos sociais necessários para
superá-los. Sposati (1997) destaca cinco patamares de padrão de vida para a definição
dos mínimos sociais em torno das seguintes garantias: sobrevivência biológica;
condição de poder trabalhar; qualidade de vida; desenvolvimento humano e
necessidades humanas (Idem, pp. 15 - 16). Estas dimensões apontadas pela autora
constituem-se como parâmetro para a institucionalização da cidadania dos brasileiros.
Tratam-se de condições de manutenção frente à pobreza absoluta, condições para ser
empregado, acesso a serviços e garantias e desenvolver capacidades humanas (Ibidem).

O estabelecimento destes mínimos sociais, a partir da sua relação com suas


determinações causais, pode convergir a uma concepção minimalista na sua constituição
na legislação da Assistência Social, que supõe mínimos de sobrevivência articulados a
políticas mediadas por programas e projetos focalizados e pontuais. Caberia à
assistência social, a nosso ver, em seus programas e projetos a articulação com a saúde,
assim como, educação, habitação, dentre outras políticas sociais que – estruturadas por
investimentos que garantam o acesso a estas medidas na constituição de um sistema de
proteção social – assegurariam o atendimento não só às necessidades imediatas de
sobrevivência e reprodução social consideradas dignas para um “ser humano”.

A ruptura com os ciclos que produzem a pobreza e miséria, como expressões da


“questão social” exige, necessariamente, um sistema de proteção social constituído por
medidas de ampliação e consolidação do conjunto de políticas sociais afiançadoras de

55
Cf. Behring: 2002, 2008 e 2009; Behring e Boschetti: 2007; Iamamoto: 1998; Mota: 2005 e 2008; Netto: 2001,
Pastorini: 1997; Pastorini e Galízia: 2006; Rodrigues: 2007 e 2009; Santos: 2006; Sposati et ali 1986; dentre outros
autores e referências bibliográficas que trabalhamos.
56
Que prevê ações assistenciais de proteção à família, maternidade, infância e adolescência, e velhice para garantia
de necessidades básicas que estes segmentos não tenham como prover. “A assistência social realiza-se de forma
integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza à garantia dos mínimos sociais, ao provimento
de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais” (Parágrafo único dos
objetivos da LOAS, Lei 8.742/1993, artigo segundo).

78
direitos. Portanto, a Assistência Social realizada de forma orientada no que pode realizar
em si, fundamentalmente promovida por meio de ações minimalistas de administração
da pobreza, que conformam o conjunto de ações denominadas como “combate à
pobreza” nos últimos governos, é uma deformidade da constituição de um modelo de
Seguridade que supõe o atendimento do conjunto de necessidades de reprodução social
como direitos.

Entendemos que se constitui um processo no qual as respostas às expressões


mais visíveis da “questão social” têm sua estruturação, para os trabalhadores mais
pauperizados, constituídas e respondidas no interior da política de Assistência Social.
Estas ações não atuam nas suas causas, demandam por respostas compostas por um
sistema de proteção social que articule os setores governamentais e seus ministérios57.
Refletem a precarização e desmonte da rede de serviços sociais, e a quase inexistência
de políticas no âmbito da geração de emprego e renda, cultura, esporte, educação e
saúde.

Atualmente o combate à pobreza é política específica e para o público-alvo das


ações assistenciais, atendido pela política de Assistência Social, são estruturados
programas e projetos focalizados para o reparo pontual de dimensões que deveriam ser
mediadas por políticas estruturantes. Um exemplo que destacamos, de um projeto no
âmbito da Assistência Social na Prefeitura do Rio de Janeiro é o Programa “Dando Asas
para o Futuro”, localizado no nível de proteção especial58 constituído pela liberação de
valores mínimos para a compra de material de construção para realização de “reparos”
nas construções das residências de seus beneficiários59. Um programa de caráter seletivo
e pontual, que define as piores situações dentre as já agravadas condições de habitação,

57
O trato das expressões da “questão social”, como caracterizamos, é parcial e fragmentado e isso se expressa na
constituição da proteção social. Mas a fragmentação de setores (expressa nos governos pela criação de “pastas”
específicas) como assistência, habitação, meio-ambiente, educação etc. implica na estruturação das ações a partir
desta segmentação.
58
A solicitação de “inclusão” no programa também poderia ser solicitada para usuários atendidos pela proteção
básica já que, por vezes, este público também apresenta condições de “vínculos” e “fragilidades” característicos do
público-alvo da atenção promovida pelos níveis de média e alta complexidade. Cabe destacar que a transposição dos
níveis de atendimento do SUS para o SUAS é mecânico e não se adequa mecanicamente na assistência social. Sendo
o CRAS “porta de entrada” desta política social, as situações de vida das famílias, independente da sua
“complexidade”, são manifestadas nos atendimentos. No município referido a rede de proteção social na assistência
ainda não havia se estruturado para atender e mediar estas situações, não oferecia serviços nos níveis de
complexidade mais graves – para além das referências na violência familiar, de gênero e contra a criança e o
adolescente, de forma pontual – e restringia o atendimento às necessidades às ações oferecidas principalmente pelos
programas e projetos existentes basicamente pelos CRAS, particularmente os programas financiados pelo governo
federal.
59
Estes valores tinham um teto (2008) de R$ 900,00. Eram solicitados três orçamentos, levantados pelos
demandantes, que seguiam em anexo ao relatório, elaborado pelo assistente social, que solicitava o benefício
justificando as necessidades apresentadas após visita domiciliar.

79
figura como substitutivo de uma política de habitação inconsistente ou inexistente, neste
caso60.

Junto a esses aspectos, a rede precarizada de serviços sociais e políticas públicas,


dificultava o acesso destes usuários por meio de encaminhamentos. Como destacamos,
o desmonte da proteção social e a busca pela proteção social da assistência social são
processos auto-implicados que escamoteiam a pobreza em ações pontuais e
fragmentadas no interior da própria política de assistência social. Consideramos que este
exemplo ilustra como medidas no campo de outras políticas sociais são operadas no
interior da política de assistência social como medidas compensatórias e extremamente
seletivas. Contemplam alguns beneficiários e, contribuem para camuflar e naturalizar a
ausência de políticas de habitação destinadas à população numa perspectiva
universalista, que atenda aqueles que dela necessitarem.

Ou seja, a Assistência Social passa a estruturar e mediar políticas de geração de


emprego e renda, esporte, cultura, educação e saúde para a população caracterizada
como público-alvo desta primeira. Estes usuários, não tendo suas demandas atendidas
pelas políticas sociais, encontram no campo das ações assistenciais, mediadas pela
assistência, respostas parciais para suas demandas, ou se encaixam no serviço que é
oferecido, simplesmente por serem os únicos existentes61.

A garantia dos direitos sociais previstos no artigo 6º da CF só poderão ser


materializados numa perspectiva de articulação das diferentes políticas setoriais e com
uma política econômica que esteja sintonizada com a busca de esses objetivos. Ainda
que a promoção e a integração ao mercado de trabalho seja um dos objetivos da
Assistência Social (Art. 2º, 3º item da LOAS) esta perspectiva se fundamenta na
60
Este programa é uma parceria entre a referida prefeitura municipal e a aeronáutica. Seu público-alvo inicial era a
“população de rua” que permanecia nos arredores do Aeroporto Tom Jobim, no Centro do Rio de Janeiro. Oferecia
estes recursos para reparos pontuais nas residências como uma das medidas para que este público não permanecesse
naquela localidade. Junto com a Prefeitura tentava-se retomar os “vínculos familiares” e fomentar iniciativas, através
primeiramente da abordagem e depois pelo acompanhamento das famílias. Parte dos recursos, dependendo da
situação das famílias (caracterizado nos relatórios encaminhados pelos assistentes sociais solicitando o recursos),
poderiam ser direcionados a população que não necessariamente estava definida como público-alvo inicial. Havia
grande procura e estabelecia-se uma “disputa” entre os que estavam em piores condições para o recebimento do
chamado “kit construção”. Além das condições da residência – avaliados também por um engenheiro, caso esta
família passasse para uma “segunda fase” – deveria haver disponibilidade de mão-de-obra para a execução dos
reparos, que não era fornecida pelo programa, e que este público estivesse no perfil de renda dos programas sociais,
também definidos de forma rebaixada.
61
Um exemplo: os cursos oferecidos para os jovens entre 15 e 17 anos normalmente se situavam no campo de
atividades esportivas e culturais, como forma de ocupação do tempo. Vemos na concepção do público-alvo da
assistência social que são considerados os riscos da adoção de estratégias de sobrevivência criminalizadas e o uso do
tempo ocioso dos jovens, seja com qual atividade, é promovido para que não se tornem “perigosos” ou ofereçam
“risco” à sociedade. Caso este público não se sinta contemplado pelas atividades oferecidas há duas opções: participar
assim mesmo (concorrendo dentre os critérios de seleção, pois não é garantido o acesso de todos que demandam) ou
não fazê-los.

80
aparência que as ações da assistência promovem ou incentivam que esta população se
torne alcançável por políticas de geração de emprego e renda que atendam às suas
necessidades.

Não se trata do desenvolvimento de ações no interior da assistência mediadas


pela transferência e geração de renda. Uma perspectiva ampliada de Seguridade Social
implica na sua reforma contemplando ações que estruturem um sistema de proteção
social com base em políticas de desenvolvimento econômico redistributivas e garantias
de direitos aos trabalhadores.

O programa de transferência de renda do atual governo62 (PBF) articula-se a


geração de emprego e renda, promovido de forma vinculada a cursos de capacitação
para o desenvolvimento do empreendedorismo, mas também atualmente articulada ao
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Não se define como política estrutural
baseada no desenvolvimento econômico numa concepção redistributiva, pelo contrário,
possui caráter parcial, promovendo vínculos temporários e precários (ainda que
articulada ao Ministério do Trabalho e Emprego TEM, e utilizando recursos do
mesmo63).

Como exemplo dessas ações temos o Plano Setorial de Qualificação


(PLANSEQ)64. O PLANSEQ gera empregos temporários nas obras do PAC, vinculado
ao PBF desenvolvido pelo MTE para inserção profissional em execução pelo Governo
Federal desde 2008. Este programa indica um membro da composição familiar dos
beneficiários do PBF, que seja maior de 18 anos e tenha a 4ª série do ensino

62
Programa de transferência de renda do Governo Federal executado pelos municípios em todo o Brasil
implementado desde 2005 conforme caracterizamos.
63
Este programa é financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com meta de 184.297 pessoas
localizadas em 12 regiões metropolitanas e 08 capitais do Brasil (fonte: MDS).
64
O Programa se inscreve na agenda do “Trabalho Decente” do MTE considerando-o como “um trabalho
adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida
digna.que tem dentre seus objetivos a “disponibilização, em base setorial, com ênfase formal, de oportunidades de
qualificação social (reflexão sobre cidadania, fortalecimento e o mundo do trabalho), profissional (fundamentos
técnico-científicos da ocupação) e ocupacional (atividades específicas à ocupação), em articulação com a
intermediação de mão-de-obra, geração de emprego e renda e elevação de escolaridade, visando apoiar a
manutenção ao emprego, trabalho e renda e/ou inserção desses trabalhadores/as, em base setorial, no mercado de
trabalho e a ampliação de suas oportunidades de geração de emprego e renda, tendo como princípios mecanismos
de concertação e diálogo social. Consubstaciada em Planos Setoriais de Qualificação – PlanSeQs” (fonte: MTE
Programa Nacional de Trabalho Decente – PNTD). O público-alvo do programa contempla vários segmentos de
trabalhadores, ms define seu público prioritário: “Deverão ter preferência de acesso as pessoas em maior
vulnerabilidade econômica e social, populações mais sujeitas às diversas formas de discriminação social que,
conseqüentemente, têm maiores dificuldades de acesso a um posto de trabalho, particularmente os/as
trabalhadores/as desempregados/as com baixa renda e baixa escolaridade, desempregados de longa duração,
afrodescendentes, indiodescendentes, mulheres, jovens, pessoas com deficiência, pessoas com mais de quarenta
anos e outras” (fonte: MTE, manual de orientações para projetos do PLANSEQ, em www.tem.gov.br).

81
fundamental completo para trabalhar em obras da construção civil. O PLANSEQ tem
por objetivo oferecer “qualificação profissional de trabalhadores pertencentes a famílias
beneficiárias do Programa Bolsa Família para inserção em postos de trabalho gerados
pelo setor da construção civil nas obras do PAC”.

Trata-se de mais um programa parcial e fragmentado, com metas quantitativas


restritas para inserção no mesmo, ou seja, não contempla sequer o universo de
beneficiários no perfil que ele mesmo define para o acesso 65. Estes usuários devem
corresponder aos critérios dos “testes de meios”, apresentando as condições de renda
familiar que caracterizam-na dentro do perfil do PBF e cumprir as condicionalidades
dos programas que estejam vinculados a este último, que estão localizadas
fundamentalmente na Assistência Social, Saúde e Educação66.

Na Assistência Social é exigida freqüência mínima de 85% da carga horária


relativa aos serviços socioeducativos para crianças e adolescentes de até 15 anos em
risco ou retiradas do trabalho infantil67 e inseridas no Programa de Erradicação do
trabalho Infantil (PETI) para as famílias beneficiadas pelo PBF. O PETI desenvolve
ações lúdicas e de reforço escolar e culturais e esportivas68. É um programa financiado
por recursos federais, um “dinamizador” é contratado para mediar as atividades69 que
são desenvolvidas no contraturno escolar para ocupar o tempo destas crianças e
adolescentes fora do horário em que estão estudando para que não voltem ao trabalho.
Já houve financiamento com recursos específicos além do PBF, mas hoje este programa
não transfere renda específica, figura como condicionalidade para as famílias
continuarem recebendo os benefícios70.

65
Este membro é selecionado por meio dos dados fornecidos no Cadastro Único de Programas Social que é o
formulário enviado para o governo federal para análise e liberação do benefício vinculado ao PBF e define o
“contemplado” através destas informações. O usuário recebe uma correspondência enviada diretamente por este ente
federativo que o encaminha aos postos de credenciamento, no qual ainda passará por cursos e que não garante seu
posto de trabalho, pois, dentre estes, ainda há outra seleção para a inserção de fato.
66
Para a Educação: freqüência escolar mínima de 85% para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos e mínima de
75% para adolescentes entre 16 e 17 anos; para a Saúde: acompanhamento do calendário vacinal e do crescimento e
desenvolvimento para crianças menores de 7 anos; e pré-natal das gestantes e acompanhamento das nutrizes na faixa
etária de 14 a 44 anos e, para a Assistência Social: freqüência mínima de 85% da carga horária relativa aos serviços
socioeducativos para crianças e adolescentes de até 15 anos em risco ou retiradas do trabalho infantil (fonte: MDS).
67
Fonte: MDS (www.mds.gov.br)
68
Estas atividades variam de acordo com cada pólo e conforme as parcerias que são estabelecidas com a rede, que
pode ser pública ou privada e filantrópica.
69
Profissional com escolaridade de nível médio, não necessariamente vinculado á educação ou a alguma dimensão
específica das atividades. Normalmente a contratação é terceirizada, para não constituir vínculo trabalhista, há cada
três meses este dinamizador deve ser substituído por outro, no caso do Rio de Janeiro.
70
Até a unificação dos programas o PETI transferia bolsas no valor de R$ 45,00 reais por criança retirada do trabalho
infantil.

82
No caso da Saúde as condicionalidades para receber o benefício do PBF são
exame pré-natal, acompanhamento nutricional para determinados membros das famílias
que compõem o domicílio cadastrado. Crianças de zero a sete anos para pesagem e
vacinação, gestantes e nutrizes de 14 a 44 anos para consultas periódicas. Esta
condicionalidade deve ser cumprida uma vez a cada semestre para manutenção do
benefício.

Destacamos que os membros da família, fora do público priorizado na


condicionalidade, e não são previstas iniciativas neste sentido no programa não
incluídos na promoção do atendimento na rede de saúde. Também não existem garantias
de acesso e atendimento na rede para situações fora do atendimento pontual
condicionado ao PBF. Visto, como já destacamos, o desmonte desta rede. Como
dissemos, numa perspectiva de uma saúde como política pública cada vez mais
precarizada e restrita estes serviços não são incluídos na oferta numa perspectiva
universalista e sequer estão presentes pela articulação da assistência como garantia de
acesso aos mesmos.

Na educação há o acompanhamento da freqüência escolar, condição para


manutenção dos benefícios para crianças e adolescentes entre 05 e 14 anos71. As
medidas de ampliação e qualificação da educação não estão compreendidas na
mediação entre condicionalidade e acesso e permanência nesta política pública. Nas
ações da assistência estas medidas não se compatibilizam com as condicionalidades
junto com a avaliação da qualidade dos serviços prestados na educação. A eficácia e
efetividade do PBF e a medida de avaliação do seu sucesso na mediação com a
educação está circunscrito a frequência com vistas à elevação do nível de escolarização
formal, mais uma vez como combate a índices de vulnerabilidade e exclusão.

Ações de recuperação do nível de escolarização dos jovens e adultos (entre 18 e


29 anos) também estão previstas através do Programa Nacional de Inclusão de Jovens72
(ProJovem) na modalidade “Urbano” que oferece ensino fundamental e capacitação
para o trabalho. Durante um ano, em média, o aluno (que deve ser no mínimo

71
Exige-se a frequência de 85% na educação para esta faixa etária e de 75%. Para jovens de 15 a 17 anos para que
recebam o Benefício Vinculado ao Jovem (BVJ) com até dois benefícios por família que tenham membros da família
neste perfil, mas é uma condicionalidade apenas para este benefício, não condiciona o recebimento dos benefícios
básico e variável do PBF (fonte: MDS, www.mds.gov.br).
72
O ProJovem foi lançado em 2005 pelo governo federal. Em abril de 2008 o programa passo a ter quatro
modalidades: Adolescente, Urbano, Campo e Trabalhador e aumenta a faixa etária de abrangência incluindo, agora,
jovens de 15 a 29 anos. O Adolescente contempla jovens entre 15 e 17 anos e o Urbano contempla a faixa etária entre
18 e 29 anos (fonte: MDS).

83
alfabetizado) completa o ensino fundamental e participa de um curso de capacitação
para o mercado de trabalho e realiza coletivamente uma ação comunitária que é
desenvolvida ao longo do período através do desenvolvimento por assistentes sociais do
Plano de Ação Comunitária (PLA)73.

O atual governo coloca em destaque as ações direcionadas para a juventude. Nas


palavras do presidente Lula:

"Desde o início do nosso governo, temos procurado nos empenhar para resolver
os principais problemas da juventude", explicou o presidente. Segundo ele, o
ProJovem vem se somar aos diversos programas e ações do governo, como o
Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Escola de Fábrica, do
Ministério da Educação; o Segundo Tempo, do Ministério dos Esportes; e o
Primeiro Emprego, do Ministério do Trabalho. O presidente falou do orgulho
que teve ao participar (...) da entrega de bolsas do ProUni, em São Paulo (fonte:
MEC, em portal.mec.gov.br)74.

O ProJovem Urbano é realizado em parceria com a educação no que diz respeito


ao espaço físico (unidades escolares) e com recursos humanos terceirizados, mas é
fundamentalmente estruturado pela Assistência Social não pela educação. Atende a
parcela da população que chegou a idade adulta sem escolarização fundamental75, desde
que, mais uma vez, esteja dentro dos patamares de renda que definem sua situação como
“vulnerável” a riscos ou que ofereçam risco à sociedade, visto que, sem dúvida, o
rebaixamento da escolaridade é um dos fatores que os prejudica na disputa por postos de
trabalho “regulares”.

Ns palavras do Ministro da Educação Fernando Haddad:

"O ProJovem é um programa também de educação que inova do ponto de vista


de pedagogia, tem um novo formato e ao MEC caberá a parte educacional,
conveniar com estados e entidades sem fins lucrativos, para atrair os jovens com
um estímulo pecuniário para que voltem aos estudos” A seu ver, é um programa
bem-integrado, inovador em todos os aspectos (fonte: MEC, em
portal.mec.gov.br)76.

73
Podem ser realizadas ações educativas, eventos e outras atividades na “comunidade” de origem destes jovens. Esta
ação, no município do Rio de Janeiro, ficava prejudicada pelo repasse de recursos de responsabilidade das ONG’s
contratadas para a condução do programa. Segundo a página eletrônica do ProJovem “O Plano de Ação Comunitária
(PLA), que se refere ao planejamento, realização, avaliação e sistematização de uma ação social escolhida pelos
alunos, fundamentada no conhecimento de sua realidade próxima (fonte: ProJovem, www.projovem.com.br)
74
Entrevista realizada na ocasião do lançamento do ProJovem, disponível no portal do Ministério da Educação:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1708&catid=209
75
Até 2008 este público contemplava jovens de 18 a 24 anos e foi ampliado, dentro do perfil caracterizado como
“juventude”. A população acima da faixa etária estabelecida, mesmo que dentro dos critérios de escolaridade
incompleta e renda não podem participar do programa.
76
Entrevista realizada na ocasião do lançamento do ProJovem, disponível no portal do Ministério da Educação:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1708&catid=209

84
O Programa objetiva: Formação Básica, para elevação da escolaridade, tendo em
vista a conclusão do ensino fundamental; qualificação profissional, com certificação de
formação inicial; participação cidadã, com a promoção de experiência de atuação social
na comunidade (fonte: MDS)77. É um programa instalado no âmbito da assistência
social e não da educação, estruturado para atender amplamente os setores que estão
dentro do perfil de recuperação da escolaridade, que seria definida pelo nível de
escolarização (como o PROEJA78) e não estabelece uma perspectiva de garantia de
acesso universal para o público em geral, mas com metas pré-estabelecidas79 e público
restrito, pois não garante acesso, no caso do ProJovem Urbano, para pessoais com idade
superior a faixa etária delimitada.

Não são estruturados com qualidade programas no âmbito da política de


Educação e são ofertados através da Assistência Social programas com este título e
objetivo para uma determinada parcela incluída nestes critérios. E, de uma forma geral
como já destacamos, não são vinculados projetos no âmbito da alteração das condições
de habitação, acesso a serviços de saúde e educação de qualidade, saneamento e
transporte, dentre outras políticas públicas fundamentais para a melhoria da qualidade
de vida da população e alteração do quadro de desigualdade, inclusive para o público
que não é considerado pobre ou extremamente pobre.

As primeiras modificações no padrão de proteção social em geral expressam-se


no redirecionamento dos recursos sociais gerais e/ou privados (não mercantis)
para programas focalizados, isto é, direcionados e compensatórios,
emergenciais e temporários, guiados pela “seleção” de beneficiários. São as
primeiras modificações porque respondem às estratégias econômicas mais
gerais de austeridade fiscal, baseadas na idéia hegemônica de evitar o
desperdício e procurar o reequilíbrio das contas públicas. O principal argumento

77
A capacitação para o mercado de trabalho compreende “Formação Técnica Geral, que aborda aspectos comuns a
qualquer ocupação e que permitem ao jovem compreender o papel do trabalho e da formação profissional no mundo
contemporâneo; arcos ocupacionais, em número de 23, que preparam o jovem para atuar no mundo do trabalho, como
empregado, pequeno empresário ou membro de cooperativa, baseando-se em concepções contemporâneas de
organização do trabalho, cada arco desenvolve competências relacionadas à concepção, à produção e à circulação de
bens ou serviços, ampliando e articulando as possibilidades de atuação do jovem no mundo do trabalho; Projeto de
Orientação Profissional (POP), que é um trabalho de cunho reflexivo, ao longo de todo o curso, preparando o jovem
para melhor compreender a dinâmica do mundo do trabalho e planejar o percurso de sua formação profissional e (...)
o componente Participação Cidadã, que também corresponde a uma das dimensões curriculares, compreende dois
conjuntos de atividades” (fonte: ProJovem, em www.projovem.com.br). A matriz curricular do curso pode ser
acessada no página eletrônica acima referida. Destacamos que o município executor escolhe dentre os 23 arcos
ocupacionais aquele que será desenvolvido.
78
Programa de Integração Profissional ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Decreto
5154/05) e faz parte do Programa Brasil Profissionalizado (fonte: MEC). É destinado a jovens a partir de 17 anos e
sem limite de idade. O acesso e a permanência têm critérios diferenciados dependendo da unidade de ensino que o
oferece, mas também não garante acesso universal, depende de processos seletivos que não contemplam o universo
de demandatários, depende das vagas que a rede oferece, assim como nos demais níveis de ensino, médio e superior.
79
Os recursos destinados ao programa são destinados aos municípios a partir de metas definidas entre o ente federal e
a municipalidade. Estas metas já estão condicionadas pela faixa etária definida pelo programa, e são determinadas
pela capacidade instalada no município que atenderá a demanda de parte do público dentro deste perfil.

85
utilizado para isto é que os mais necessitados não são os mais beneficiados
pelas políticas sociais. Portanto, os gastos dever-se-iam redirecionar e
concentrar em programas dirigidos às camadas mais pobres da população. O
problema agrava-se quando se absolutiza a focalização em detrimento de
qualquer outra forma de proteção como, por exemplo, a manutenção e o
melhoramento das políticas de proteção social permanentes (Pastorini e Galízia,
2006, p. 95-96).

Este quadro não é expressão inaugurada pelo atual governo. Ainda que os
programas descritos sejam inovações, seguem a mesma lógica de administração dos
índices que medem a pobreza. Alguns programas têm sua nomenclatura alterada e são
pontualmente reformulados, como é o caso do ProJovem que destacamos aqui nas
modalidades Urbano e Adolescente80.

Retomando um breve histórico dos programas de combate à pobreza nos


governos do período democrático e o escopo em que se desenham verificamos que os
programas de combate à pobreza se configuram como resposta à “questão social” e se
baseiam fundamentalmente através de programas de renda mínima no Brasil a partir da
década de 1990, seguindo orientações dos organismos internacionais. Alteram-se os
fundamentos das políticas sociais e se estabelecem programas e projetos de combate à
pobreza como política específica e adquirem centralidade nos governos democráticos
tornando-se populares entre os segmentos atendidos num processo de naturalização da
pobreza e de manutenção das desigualdades sociais.

Os programas de transferência de renda “têm uma nítida orientação de combate à


miséria e à pobreza extrema, embora não tenha conseguido alterar o quadro de
desigualdade social e concentração da riqueza socialmente produzida” (Boschetti, 2008,
192 - 193). No escopo do neoliberalismo o combate às desigualdades aparece como
combate à pobreza absoluta. Os programas de composição da renda mínima para a
população mais pauperizada são estruturais nestes governos numa perspectiva social-
democrata tardia, como destaca Netto (2007):

Se, de fato, o combate às desigualdades não faz parte do conjunto prático-


ideológico do neoliberalismo, é seu elemento constitutivo um elenco de
programas sociais voltados ao enfrentamento da pobreza. No plano dos
princípios, tais programas até podem contemplar uma proposição que certa
socialdemocracia tardia vem incorporando como progressista: a do rendimento

80
A recuperação da escolaridade era um projeto vinculado ao ProJovem, programa que foi desdobrado, em 2007,
(por meio da Medida Provisória 411/07) nas modalidades Urbano e Adolescente (antigo agente jovem, destinado a
jovens na faixa etária entre 15 e 17 anos); Campo – Saberes da Terra (“programa de escolarização de jovens
agricultores/as familiares em nível fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA, integrado à
qualificação social e profissional” direcionado, assim como o Urbano, para recuperação da escolaridade de jovens
entre 18 e 29 ano) e Trabalhador (fonte: MEC, portal.mec.gov.br)

86
mínimo garantido, compatível com a tese do imposto negativo (Netto, 2007, p.
159).

A transferência de renda retoma o necessário debate acerca de como se operam


medidas no capitalismo para distribuição de renda e riqueza. Este debate se relaciona à
garantia de propriedade e de acumulação privada. Trata-se de uma característica central
na conformação do capital e, tal como afirma Netto (2007), a economia mundial hoje
atinge um grau de concentração e centralização de riqueza ainda não visto e tem
impactos que cada vez mais ampliam a desigualdade entre geração de riqueza,
apropriação e acumulação privada e desigualdade social. Netto sustenta que

A concentração da propriedade conecta-se diretamente aos processos de


concentração e centralização de capitais que se aceleram nos último trinta anos
– com efeito, a economia mundial atingiu um assombroso grau de
concentração e centralização – sem prejuízo da continuidade da concorrência
intercapitalista (2007, p. 157).

A concentração de poder econômico se vê refletida na concentração de poder


político. Operam-se mecanismos no campo cultural e ideológico, fomentado pelos
meios de comunicação oficiais, de desqualificação da política, dos espaços
democráticos e de participação. O formato de democracia no capitalismo
contemporâneo comprime cada vez mais a participação política possível nos espaços
democráticos existentes, seja pelo caráter privado dos mesmos, seja pelas condições de
participação concreta para uma população sem as necessárias condições de reprodução
social ou apenas com acesso a mínimos de sobrevivência.

A concentração do poder econômico conduziu e está conduzindo a uma enorme


concentração do poder político. Aqui, claramente, revela-se o caráter
antidemocrático do capitalismo monopolista contemporâneo: ao mesmo tempo
em que desqualificam a política, ladeando as instâncias representativas
(parlamentos, assembléias legislativas) ou nelas fazendo sentir o peso dos seus
lobbies, essas “elites orgânica” do grande capital – empresários, executivos,
analistas, cientistas, engenheiros – realizam a sua política, tomando decisões
estratégicas que afetam a vida de bilhões de seres humanos, sem qualquer
conhecimento ou participação destes. E não é preciso dizer da característica
corrupta dessa política (Netto, 2007, p. 158).

Entendemos que a alteração do quadro de desigualdade social e concentração de


riqueza não são objetivos dos programas de transferência de renda, como já vimos
debatendo. Instala-se uma lógica oposta a uma perspectiva redistributiva ancorada na
redução da concentração de renda e riqueza socialmente produzida e redistribuição da
mesma, via uma política econômica caracterizada neste escopo e políticas sociais
garantidoras de direito.

87
Permanece uma distribuição extremamente desigual tendo o Estado como
mediador desta distribuição: para as classes dominantes são transferidas vultosas
quantias (investimento no setor privado, política de juros etc.) e parte quase
insignificante para a população que é beneficiária dos programas de transferência de
renda, considerada a proporção de quem recebe e quanto 81.

Dados de 1999 revelam que os 10% mais ricos se apropriam de 47,4% da renda
nacional, cabendo aos 50% mais pobres apenas 12,6% dela – e, particularmente,
que o 1% mais rico se apropria de mais que os 50% mais pobres. Mais
exatamente: o “1% mais rico do Brasil, pouco mais que 1,5 milhão de pessoas
(...) controlam 17% da renda nacional e possuem 53% do estoque líquido de
riqueza privada do país” (Estensoro apud Netto, 2007, p. 139).

A concentração de riqueza no Brasil chega ao ponto que cinco mil famílias se


apropriam de 2/5 do fluxo de renda gerado no período de um ano, o que significa que a
grande maioria da população dentre os 180 milhões de brasileiros divide os demais 3/5,
ainda de forma extremamente desigual, como destaca Netto82.

Estudos recentes mostram que apenas cinco mil famílias, num país de 180
milhões de habitantes, apropriam-se de um estoque de riqueza equivalente a 2/5
de todo o fluxo de renda gerado pela sociedade no período de um ano. Tais
famílias embolsam o equivalente a 3% da renda nacional total, com o seu
patrimônio representando cerca de 40% do PIB brasileiro (Netto, 2007, p. 139).

Enquanto são desenvolvidos programas de transferência e renda para atingir as


famílias “mais vulneráveis”, verifica-se economicamente que o investimento em
serviços de infraestrutura públicos continua insuficiente. Milhões de famílias continuam
sem serviço de água e saneamento básico, educação e outras garantias de direitos, no
Brasil e na América Latina83. As políticas de proteção social e de garantias de direito
permanecem precarizadas.

81
A política de juros altos garante altos lucros aos bancos e pequenos grupos capitalistas se configurando como uma
transferência de renda direta e desproporcional ao que se transfere através dos programas de renda mínima. Dentre os
três maiores bancos privados o Bradesco, fechou 2007 com lucro líquido de superior a R$ 8 bilhões, um aumento de
58,5% em relação lucro obtido no ano anterior (fonte: folha online) No ano de 2007 o valor pago pelo PBF para 9
milhões de pessoas chegou a R$ 15 bilhões. O valor acumulado apenas pelo maior banco representou 53% desse
valor total (fonte: agência Brasil).
82
O autor destaca que estes processos não se restringem ao Brasil – apesar do país ser um dos líderes de concentração
de renda e desigualdade. No mundo se amplia a porcentagem da participação dos 10% mais ricos na distribuição de
renda – de 46,9% para 50,8% – enquanto que os 10% mais pobres tiveram sua participação reduzida –de 0,9% para
0,8% - nos dados referentes ao período de 1988 a 1993 (Entessoro apud Netto, 2007, p. 140).
83
O PAC, como sinalizamos, propõe o “desenvolvimento social” por meio da promoção de ações para melhoria de
infraestrutura urbana, especialmente, no caso do Rio de Janeiro, na área de transporte ferroviário e rodoviário,
saneamento e construção de alguns equipamentos e serviços em “comunidades carentes”, a conclusão dos projetos de
urbanização de Manguinhos, Alemão, Rocinha e dos morros do Pavão/Pavãozinho-Cantagalo, na Zona Sul da capital,
estão previstas para 2010 (fonte: Governo Estadual, www.governo.rj.gov.br). Ao mesmo tempo transfere vultosas
quantias de recursos públicos para o setor privado executar estas obras. Milhões de reais são destinados ao programa
num processo que beneficia este setor e que permanece meio a acusações de superfaturamento, atraso na entrega das
obras. Auditores do Tribunal de contas da União - TCU estão investigando os valores dos contratos, que podem

88
O cenário latino-americando inscreve-se num contexto mais amplo. Relatando,
em 2001, a situação dos clamados “países em desenvolvimento”, o PNUD
relacionava: 968 milhões de pessoas sem acesso a serviços de água potável, 2,4
bilhões sem acesso a saneamento básico, 854 milhões de adultos analfabetos,
325 milhões de crianças fora da escola, 163 milhões de crianças com menos de
cinco anos subnutridas (PNUD, 2001 apud Netto, 2007, p. 141).

Em relatório do Banco Mundial (1995) os dados confirmam esta concentração:


os 10% mais ricos concentram 51% do PIB e os 40% mais pobres apenas 7% do
mesmo.

Segundo relatório de 1995 do Banco Mundial, os 10% mais ricos da população


abocanham 51,3% do PIB. (...) Os 40% mais pobres no Brasil ficam com
apenas 7% do PIB, o índice mais baixo de todos os 145 países incluídos no
relatório do Unicef sobre a Situação Mundial da Infância (1995). E os 20% mais
ricos ficam com 68% da renda nacional, a mais alta taxa de concentração do
mundo. Com esse desempenho, o país é enviado de volta ao Terceiro Mundo e
obrigado a andar na triste companhia de Guiné-Bissau, Guatemala e Panamá
(Helene, 1996, p. 6).

Os governos do período democrático implementaram uma política que reprime


demandas do mundo do trabalho enquanto procuraram estabelecer pactuações com a
população mais pauperizada através de medidas de atendimento destes segmentos, que
têm suas necessidades atendidas parcialmente. Este processo, conjugados a apologia
ideológica dos programas e medidas de combate à pobreza, conformam junta a esta
população o “crédito” das soluções engendradas aos governos ou suas figuras centrais84,
consideradas as possíveis no capitalismo, o modo social naturalizado assim como as
desigualdades por ele geradas.

O Governo Lula recuperou e ampliou o populismo conservador de Collor e de


FHC. As reivindicações dos trabalhadores organizados são preteridas, pois seu
atendimento custaria caro ao capitalismo brasileiro e ao capital financeiro, mas,

conter sobrepreços e estimações excessivas, assim como a participação das empresas nas licitações, para verificar se
são garantidos os princípios da isonomia e igualdade, estabelecido pela Lei de Licitações (fonte: licitações.net.br,
referente às licitações realizadas pela Prefeitura de Várzea Grande). Mas até o momento irregularidades não foram
comprovadas, ainda que tenhamos clareza que no processo de beneficiamento do capital, a implantação do programa
veio responder à demanda do setor industrial e comercial mantendo as características, no que concerne ao
atendimento às necessidades dos trabalhadores, fragmentado e pontual, no que diz respeito a inserção no mercado de
trabalho num processo contraditório com ações concretas no campo da constituição de infraestrutura nos espaços (ou
“comunidades”) onde estes serviços são mais precarizados ou inexistentes.
84
O “senso comum” já convencionou o vínculo do PBF ao presidente Lula. Nos meios de comunicação oficiais e na
grande mídia, especialmente nos debates realizados durante o período eleitoral onde se punha a candidatura à
reeleição do referido presidente a discussão sobre a manutenção ou não do programa contribuiu para mobilizar os
segmentos mais pauperizados em torno de sua eleição, como medida para garantir a manutenção dos benefícios, visto
que os seguidos governos alteram os programas de combate à pobreza e que eles não se constituem como direito e
sim como benefícios, esta cultura é reproduzida e tem seus frutos nestes processos de representação. Atualmente, os
índices de aprovação do governo giram em torno de 84% (Pesquisa CNT/SENSUS, agosto/2009, consultada em
Último Segundo, www.ig.com.br), e nos últimos sete anos, não apresentam sinais de decréscimo, ainda que o corte
social deste governo não estabeleça patamares de consolidação de direitos nos marcos de uma Seguridade Social
ampliada, como já caracterizamos.

89
ao mesmo tempo, passa a fazer demagogia social com os trabalhadores
pauperizados, desorganizados e desinformados (Boito, 2005, p. 9).

Temos convencionado no “senso comum” o vínculo do PBF ao presidente Lula.


Nos meios de comunicação oficiais e na grande mídia, especialmente nos debates
realizados durante o período eleitoral onde se punha a candidatura à reeleição do
referido presidente a discussão sobre a manutenção ou não do programa contribuiu para
mobilizar os segmentos mais pauperizados em torno de sua eleição.

As inovações nos programas adquirem um grande peso político, conforme


sinalizamos, e são parâmetros, inclusive, de debates no período eleitoral85 e adquirem
peso de políticas permanentes na mesma medida em que se expande a crise e as
desigualdades sociais, conforme sinalizam Pastorini e Galízia.

O aumento, a ampliação e as inovações produzidas nos programas assistenciais,


emergenciais, compensatórios são especialmente importantes do ponto de vista
do peso político que adquirem em relação às políticas permanentes antes
predominantes do ponto de vista de quantidade de beneficiários, recursos etc.
Tanto em razão de condições econômico-estruturais externas, quanto devido a
pressões político-sociais internas, bem como ao aumento dos níveis de pobreza
e desemprego, os programas assistenciais aumentaram em quantidade,
modificando-se notavelmente a relação entre eles e os permanentes (2006, p
96).

Sua reeleição, junto com outros fatores, teve presente o apoio deste público
como medida de garantia da manutenção dos benefícios, visto que os seguidos governos
alteram os programas de combate à pobreza e que eles não se constituem como direito e
sim como benefícios, esta cultura é reproduzida e tem seus frutos nestes processos de
representação. Atualmente, os índices de aprovação do governo giram em torno de 84%
(CNT/SENSUS, 2009)86, e nos últimos sete anos, não apresentam sinais de decréscimo,

85
Durante as últimas eleições majoritárias (2006) uma das discussões era se permaneceria, ou não, o PBF. A
continuidade do programa foi um dos pilares de continuidade da atual gestão, visto o público que atinge, a
visibilidade nacional e internacional e o fato de concretamente alterar o patamar de renda de milhões de famílias.
Ainda que o marco das desigualdades permaneça e que a alteração no padrão de vida não seja ampliado por este
programa qualquer transferência de renda para famílias nos patamares de pobreza, ou extrema pobreza significa
alterações no consumo das mesmas. Este público não tem demonstrado potencial de mobilização, pelo menos, não há
registro de que ocorra qualquer tipo de pressão, seja para garantia do benefício, seja para sua ampliação, pois não está
parametrado como um direito, mas como um benefício socioassistencial.
86
Pesquisa CNT/SENSUS, agosto/2009, consultada em matéria da página “Último Segundo” (em www.ig.com.br).
Em seu 95º levantamento, divulgada em agosto deste ano, “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve 84% de
aprovação entre o eleitorado. Em dezembro de 2008, a aprovação do desempenho pessoal do presidente estava em
80,3% e a desaprovação, em 15,2%. Nas últimas treze rodadas da pesquisa, Lula vem apresentando melhora no índice
de aprovação. Em setembro de 2005, durante a crise do mensalão, Lula era aprovado por apenas 50% dos
entrevistados. O governo tinha obtido melhor índice na série histórica da pesquisa, iniciada em 1998, em janeiro de
2003, quando Lula assumiu a presidência com 83,6% de avaliação positiva” (Idem).

90
ainda que o corte social deste governo não estabeleça patamares de consolidação de
direitos nos marcos de uma Seguridade Social ampliada, como já caracterizamos.

Outro estudo do Banco Mundial (2004), delimitava quatro áreas de ação


prioritária para o combate à desigualdade por parte dos governos e da sociedade civil,
quais sejam: Criar instituições políticas e sociais mais abertas; assegurar que as
instituições econômicas e políticas busquem uma maior igualdade; aumentar o acesso
dos pobres a serviços públicos; e reformar os programas de transferência de renda, de
forma que atinjam as famílias mais pobres, inclusive usando medidas condicionando as
transferências à manutenção dos filhos na escola e à utilização dos serviços de saúde,
com vistas a melhorar a sua capacidade de geração de renda no futuro (fonte: Banco
Mundial, www.bancomundial.org.br).

No governo Lula estas orientações são seguidas à risca, como vimos.


Destacamos aqui a avaliação sobre os gastos sociais, realizada pelo Ministério da
Fazenda em 2005, que compreende as ações no período 2001-2004. No documento87
considera a população mais pobre, para a qual são direcionadas as políticas e programas
de combate à pobreza de acordo com a seguinte classificação: os mais pobres na faixa
de renda inferior à R$ 100,00 per capita, localizados assim dentre os 40% mais pobres
categorizados em “classes de renda”88.
Destacamos que as faixas de renda variam entre R$ 50,00 e R$ 789,00, a partir
de R$ 790,00 se localizariam os 10% “mais ricos”. Estas faixas classificatórias não
expressam a concentração de renda.
Para tanto, vamos considerar como “mais pobres” as pessoas que, antes da
interferência do governo, se encontram nos quatro primeiros decis da
distribuição de renda, ou seja, entre os 40% mais pobres. Segundo a PNAD
2003, essa parcela da população corresponde aos indivíduos que têm renda
domiciliar per capita mensal inferior a R$ 100, antes das transferências do
governo (SPE, 2005, p. 11).

O Programa Bolsa Família (PBF) foi lançado em 2003 pelo Governo Federal,
unificando os programas existentes, um programa de transferência de renda
condicionado pela educação (frequência escolar), saúde (acompanhamento de crianças

87
Texto “Orçamento Social do Governo Federal: 2001-2004” produzido pela Secretaria de Política Econômica do
Ministério da Fazenda em 2005, disponível em www.fazenda.gov.br.
88
“As classes de renda são construídas ordenando-se os indivíduos de acordo com sua renda domiciliar per capita. A
população assim ordenada é então dividida em dez grupos de igual tamanho, de forma que o primeiro grupo contém
os 10% mais pobres da população; o segundo grupo, os próximos 10% mais pobres, e assim por diante, até que o
último grupo seja formado pelos 10% mais ricos. De acordo com a PNAD 2003, o limite superior de renda domiciliar
per capita mensal desses grupos, convencionalmente denominados decis, são: R$50, R$82, R$115, R$150, R$197,
R$253, R$332, R$471, R$789” (SPE, 2005, p. 11).

91
até sete anos, pré-natal e acompanhamento de nutrizes entre quatorze e 44 anos) e
assistência social (freqüência nos programas socioeducativos), conforme abordamos. O
programa transfere valores de até R$ 182,00 famílias de acordo com sua renda e
composição familiar89.
Em outubro de 2003 foi lançado o Programa Bolsa Família, que unificou quatro
programas de transferência de renda, a saber: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação,
Auxílio-Gás e Cartão Alimentação (...). O programa procura incentivar ações
positivas para o rompimento do círculo da miséria e para a inclusão social. Para
isso, são estabelecidas algumas condicionalidades para receber o benefício, tais
como: exame pré-natal, acompanhamento nutricional e freqüência escolar. O
Programa Bolsa Família também tem ampliado o número de famílias
beneficiadas e quase triplicou o valor médio do benefício pago, que passou de
R$28,00 para R$75,00. Até o final de 2006 pretende-se atender 11,2 milhões de
famílias em situação de pobreza (SPE, 2005, p. 25).

Os programas de transferência de renda “não garantem o direito à segurança


econômica, senão uma renda, o que é radicalmente distinto” (Lavinas, 2007, p. 59). A
autora destaca que caso haja aumento de demanda por estes benefícios a tendência é que
haja déficit de cobertura, o que implicaria que nem todos os elegíveis seriam atendidos
(Idem).

A existência de programas focalizados e condicionados à comprovação da


insuficiência de renda tem como finalidade a restrição do acesso e de certa maneira
estigmatizador dos beneficiários (somente os mais pobres são os que podem acessar ao
benefício) (Idem, p. 60). Os programas de transferência de renda, como o PBF,
costumam deixar de atender segmentos que estariam “habilitados” a receber o benefício,
e vemos que segue a orientação dos organismos internacionais na reforma operada no
governo Lula para unificar e racionalizar os benefícios dos diversos programas que
existiam antes do PBF, com vistas a atingir as famílias mais pobres dentre os pobres.

Lavinas (2007) destaca dados que revelam a seletividade e a cobertura parcial do


público-alvo no perfil do BPC, benefício reclamável e garantido como direito para os
que estiverem dentro do perfil:

89
São beneficiárias do PBF 11.233.127 de famílias em 5.564 municípios (referência ao mês de julho de 2009
segundo dados disponíveis no Sistema de Benefícios ao Cidadão (SIBEC), da Caixa Econômica Federal). Atualmente
os valores dos benefícios variam de R$ 22,00 à R$ 200,00 por famílias de renda entre R$ 70,00 e R$ 140,00 per
capita (informações com base no decreto 6.917/09 que passará a vigorar em 1º/09/2009 fonte: MDS). Atualmente o
valor médio dos benefícios é de R$ 85,00, a partir de 01º/09/09 as famílias receberão os benefícios reajustados: o
Básico (R$ 68,00 apenas para famílias que recebem até R$ 70,00 per capita), o Variável (no valor de R$ 22,00 para
crianças de até R$ 15 anos incompletos com até três benefícios por família com renda até R$ 140,00 per capita) e o
Variável Vinculado ao Adolescente de até 17 anos – BVJ (com até dois benefícios por família no valor de R$ 33,00).
A composição da renda para o cálculo inclui renda formal (salários, aposentadorias e pensões) e informal (do trabalho
informal e outras atividades geradoras de renda, que são declaradas pelo responsável familiar (titular do benefício)
das pessoas que moram no domicílio de referência (fonte: MDS).

92
A Pnad 2004 revelou o problema: do total de famílias com renda familiar per
capita inferior a um quarto do salário mínimo – aquelas, portanto, em situação
de indigência, pois essa é a linha de indigência considerada para habilitação [ao
BPC] –, metade não havia sido contemplada por nenhum tipo de auxílio.
Significa, portanto, dizer que o déficit de cobertura costuma afetar mais
gravemente aqueles grupos mais vulneráveis, mais desprotegidos, o que não é
exatamente o melhor meio de se combater a iniqüidade e a miséria (Lavinas,
2007, p. 61).

A autora ainda destaca a necessidade de assegurar essa transferência de renda


como um direito para que se evite o uso assistencialista destes benefícios com a redução
da “fila” e dos critérios restritos de acesso ao benefício, como uma medida de
consolidação desta transferência como garantia de segurança socioeconômica para a
população mais pobre (Lavinas, 2007, p. 65)90. Com dados destaca que no mesmo
período em que houve alterações na renda também houve recuo nos investimentos em
serviços básicos como coleta de lixo e acesso à rede de esgoto, por exemplo, para os
domicílios caracterizados como referência pelas famílias abaixo da linha da pobreza
(2007, pp. 65 – 66).

Como vimos na caracterização dos atuais programas existentes consolida a


lógica de estruturação das políticas sociais para os trabalhadores pauperizados por meio
de medidas no campo da Assistência Social por meio de ações assistenciais de caráter
emergencial. Seu caráter compensatório é central na concepção e formulação dos
programas através do estabelecimento de metas de redução de índices quantitativos que
medem a pobreza apenas economicamente (renda) em nível rebaixado e não nas suas
mediações com o acesso a bens e serviços essenciais.

Pastorini e Galízia (2006) destacam como funciona a relação entre os


organismos internacionais na formulação das medidas de combate à pobreza que são
condicionantes dos empréstimos – e do endividamento – para o país, que fortalecem
fundalmentalmente as parcerias entre o estado e o setor privado (Parcerias Público-
Privado - PPP).

Ainda hoje existe um trabalho conjunto entre o Grupo Banco Mundial, FMI e
BID. Os empréstimos programáticos de ajuste e os de assistência técnica,
segundo os próprios relatórios de EAP, contribuem para atingir as metas
previstas nos programas controlados pelo FMI, como gestão da dívida e das
despesas públicas. Por sua vez, o BID prioriza as áreas de ensino médio e
superior e o setor urbano (saneamento, rodovias etc.) para realizar um forte
investimento no país (mais de 50% dos projetos em execução no Brasil),
90
Lavinas (2007) destaca que em 2004 14% das famílias (quase 7 milhões de famílias) saíram da faixa de renda
abaixo de R$ 100,00 per capita e que ainda permanecem os demais 43 milhões de pessoas ainda neste perfil - 86%
(p. 64).

93
apoiando de forma intensa o Programa de “Parcerias Público-Privado” (PPP).
Também existe uma divisão de responsabilidades e competências entre as cinco
entidades que integram o Grupo Banco Mundial, dentre elas, mencionaremos:
empréstimos, assistência técnica, financiamento de investimentos do setor
privado, programas de estímulo para atrair investimento estrangeiro,
consultorias para privatização, garantias contra riscos políticos para os
investidores estrangeiros, assessoramento para empresas comprometidas com o
social e com a questão ambiental, dentre outras (Pastorini e Galízia, 2006, p.
94).

O debate sobre processo de assistencialização das políticas sociais no Brasil se


orienta pelas alterações nas políticas sociais e na contra-reforma do sistema de
Seguridade Social. Por um lado, estas alterações refletem na política de Assistência
Social, nos moldes em que ela se estabelece: uma política específica de combate à
pobreza compreendendo uma dimensão emergencial no trato das expressões da “questão
social” em suas manifestações mais agudas e visíveis. Por outro lado, o Serviço Social,
que atua predominantemente nas políticas sociais – e que hoje tem um campo de
trabalho expandido no campo da Assistência Social – enfrenta os rebatimentos da
assistencialização das políticas sociais na sua prática profissional, produzindo o que
denominamos como uma tendência: a assistencialização da prática profissional.

94
Capítulo 2

A s s i s t e n c i a l i z a ç ã o d a s P o lí t i c a s S o c i a i s e o S e r v i ç o S o c i a l

95
2.1 O processo de assistencialização das políticas sociais e a proteção social no
Brasil

O estudo sobre processo de assistencialização das políticas sociais no Brasil


contemporâneo tem como foco o debate teórico no interior do Serviço Social, onde a
Assistência e a Seguridade Social são interpretadas sob diferentes perspectivas em
autores que já trabalhamos no capítulo anterior. Teceremos algumas considerações
acerca do rebatimento deste processo na política de assistência social, em particular e
assim como no Serviço Social, expresso na demandas à profissão e na sua intervenção,
produzindo o que denominamos aqui como uma tendência de assistencialização do
exercício profissional.

Entendemos que o processo de assistencialização das políticas sociais no Brasil


está pautado na forma como elas se organizam desde finais do século XX, referenciada
nas orientações dos organismos internacionais que apontam para a focalização das
políticas sociais, seus programas e projetos no combate à pobreza91.

Como pudemos observar na análise do capítulo anterior, a mundialização do


capital sob hegemonia das finanças, acompanhado da reestruturação produtiva e difusão
do ideário neoliberal, se refletiu numa nova formatação para as políticas sociais. As
políticas de ajuste de orientação neoliberal (com importante participação dos
organismos internacionais) agravaram as condições de produção e reprodução das
classes trabalhadoras (aumento de pobreza, miséria, desemprego, precarização e perda
de direitos etc).

Esses processos foram acompanhados de intervenções no social direcionadas


para o combate à pobreza através de programas focalizados, seletivos, assistencialistas
(orientados pela lógica da parceria entre o Estado e a sociedade civil, do voluntariado,
da solidariedade e o fomento do “terceiro setor”) numa perspectiva de administração e
alteração dos índices de pobreza e indigência. Dentro dessa dinâmica, o “lugar” da
assistência passa a ser redimensionado.

Iamamoto observa que não houve mudanças substanciais na condução política


nos últimos governos para as políticas sociais. A direção que estrutura a gestão do
Estado para estas políticas indica que “só há ‘gestão responsável’ com a política

91
Para uma compreensão histórica deste processo ver: Capitulo 1 – seção 1.3.

96
neoliberal, que mantenha o ajuste fiscal duro, o juro real elevado, a política monetária
concentracionista, o câmbio flutuante e a livre movimentação de capitais” (2008, p. 36).

No atual contexto político-econômico trata-se de garantir a manutenção de


níveis de exploração, baseado na precarização e flexibilização das relações trabalhistas
para garantia crescente dos lucros do capital mantendo a “coesão social”. Ainda que
haja um aumento no “investimento social”92, mantêm-se a concentração de riquezas e o
repasse orçamentário para pagamento de juros da dívida, assim como o apoio aos
programas peças centrais da contra-reforma, pois “essa mesma política (...) é o
pressuposto dos programas sociais, na tentativa de compensar o que está sendo
agravado pela política econômica e pela ausência de efetivas reformas” (Ibidem)93.

O Estado premido pela necessidade de favorecer as finanças e garantir elevados


níveis de superávit primário tem estreitado seu espaço para realizar
investimentos públicos e oferecer políticas sociais públicas essenciais ao
desenvolvimento, em favor de sua privatização. São instituídos critérios de
seletividade para o atendimento aos direitos sociais universais,
constitucionalmente garantidos, expressando um efetivo desmonte do legado de
direitos conquistados nos últimos séculos. Esse processo se expressa em uma
dupla via: de um lado na transferência de responsabilidades governamentais
para as “organizações sociais” e “organizações da sociedade civil de interesse
público”; e de outro lado em uma crescente mercantilização do atendimento às
necessidades sociais, abrindo espaços ao capital privado na esfera da prestação
de serviços sociais (Iamamoto, 2008, p. 39).

Quando analisam as políticas sociais em países de América Latina, Pastorini e


Galizia (2006) destacam a pauta dos organismos internacionais que orientam a
focalização das políticas sociais. As orientações destes organismos, por sua vez, não
rompem totalmente com a responsabilidade estatal, mas conformam uma perspectiva de
manutenção do ajuste fiscal focalizando o combate à pobreza, segundo as autoras
supracitadas:
na entrada dos anos 90, o BIRD, além da imposição dos programas de
estabilização econômica (controle do déficit fiscal, cortes nos gastos públicos,
reformas tributária e da previdência, abertura do mercado etc.), pagamento da
dívida externa e políticas de ajuste, determina a implementação de programas
paliativos e focalizados para o alívio da pobreza (2006, p. 77).

92
Esse aumento do investimento não se dá em todas as áreas. Pesquisas de Sicsú, Salvador, Boschetti, dentre outros,
indicam que esse aumento dos recursos – ainda aquém das necessidades da população – concentra-se em algumas
áreas e programas específicos.
93
Atualmente a proposta de criação das organizações sociais (que cria as fundações sociais para administrar os
hospitais etc) qualifica entidades privadas sem fins lucrativos (associações e fundações dentre outros), para
desenvolverem atividades consideradas de “interesse público”. Com esta qualificação estas organizações podem
habilitar-se para receber recursos públicos e administrar serviços, instalações e equipamentos através de contratos de
gestão com os governos. Trata-se de mais uma medida em que o Estado transfere para o setor privado a
responsabilidade de gestão e execução de políticas públicas de sua alçada e tem medidas encaminhadas no âmbito da
Saúde para a gestão dos equipamentos e serviços públicos da área.

97
É importante ressaltar que este processo de mudanças tem início nos anos 1980,
mas, devido o ascenso dos movimentos organizados dos trabalhadores, instalou-se uma
contradição entre garantias conquistadas no marco formal-legal e a implementação do
ideário neoliberal, na entrada da década de 1990, como vimos no caso brasileiro. Este
tensionamento não teve continuidade nos moldes do período de abertura democrática e a
concretização formal disputava com a grande pressão do capital internacional no sentido
dos ajustes neoliberais94:
Desde finais dos anos 80 o combate à pobreza transformou-se numa
condicionalidade dos empréstimos do BIRD. Ele está subjacente ao objetivo do
serviço da dívida: a redução da pobreza, sob o domínio dos organismos
multilaterais, implicando uma redução dos gastos sociais públicos e o
redirecionamento das despesas (focalizando as ações sociais para os pobres). A
criação do Fundo Social de Emergência (FSE) é um exemplo de mecanismo
flexível para “administrar a pobreza”, proposto por esses organismos
(Chassudovsky apud Pastorini e Galizia, 2006, p. 78).

Este sistema de proteção construído legalmente no final da década de 1980


continha como horizonte determinações de uma perspectiva social-democrata,
contemplando direitos para os trabalhadores contemplada na perspectiva de concessões
do capital e de conquistas desta classe95. Mas, ainda que na Constituição Federal de
1988 e nas legislações que regulamentam as políticas sociais estejam contidos
elementos de garantia de direitos, não se constituiu uma direção redistributiva, mas um
arranjo político compensatório das desigualdades sociais.
Não podemos entender estas características como distorções do sistema de
proteção, pois nunca a universalização redistributiva foi colocada como o
objetivo primordial da sua organização. Isto se articula com a constituição do
caráter seletivo do Estado protetor brasileiro, que incluiu apenas parte dos
grupos de trabalhadores urbanos com vínculo formal de emprego que poderiam
ter um papel ativo de transformação social (real ou potencial) (Idem, p. 81).

94
Este processo implicou, inclusive, na cooptação de grandes lideranças dos movimentos que na década de 1980
expressaram-se como força política que mobilizou as conquistas que a classe trabalhadora (ainda) tem até hoje. Fica
mais claro, com o advento do governo petista – partido criado em 1980 no bojo das lutas entre capital e trabalho –
que segmentos comprometidos com uma programática anti-neoliberal, adotam uma medidas em consonância com o
ideário neoliberal. Ainda que haja tensões e contradições observáveis neste governo (diferente do anterior, vinculado
ao PSDB, partido social-democrata em sua composição), como já foi destacado se trata de uma gestão que se situa no
espectro de uma social-democracia tardia correspondente aos tempos atuais e marcada pela regressão de direitos e
garantias para a reprodução social da classe trabalhadora.
95
A social-democracia se fortalece no período “dourado” do capitalismo – quando havia a oposição entre modelos
societários opostos, capitalismo e socialismo – no qual foi possível avançar em conquistas para a classe trabalhadora.
Neste período de expansão do capital foi estabelecido um pacto entre classes, possibilitado pela superprodução e
necessidade de concretização da mais-valia extraída, no qual os partidários da social-democracia criam que os
avanços legislativos e graduais possibilitariam para uma transição societária (não necessariamente vinculada ao
socialismo, mas minimamente inscrito na lógica de um “capitalismo humanizado” para avançar em conquistas) sem a
necessidade de um processo revolucionário e de ditadura do proletariado (onde a maioria oprime a minoria, e o
conjunto de trabalhadores é responsável pela transição).

98
Já no atual contexto brasileiro, o trato das expressões da “questão social” se
estrutura no alívio da pobreza e na “parceria” com a iniciativa privada. É importante
destacar que no caso da assistência a significativa inserção do segmento do privado na
provisão da atenção aos setores que não têm acesso da proteção do Estado sempre
esteve presente. Entretanto, hoje, ela intensifica-se, expande-se, consolida-se,
assumindo em alguns casos características diferentes. Segundo Iamamoto (2008), as
políticas sociais, num processo de privatização e delegação de atribuições, passam a ser
co-executadas fundamentalmente sob a lógica da parceria entre o Estado e a sociedade
civil:

As múltiplas manifestações da questão social, sob a órbita do capital, tornam-se


objeto de ações filantrópicas e de benemerência e de “programas focalizados de
combate à pobreza”, que acompanham a mais ampla privatização da política
social pública, cuja implementação passa a ser delegada a organismos privados
da sociedade civil, o chamado “terceiro setor” (2008, p. 36).

A configuração da Assistência Social como “a” política de proteção social,


especialmente para aqueles que não são segurados pela previdência social, se desenha
nas orientações dos organismos internacionais nas legislações vigentes. Mesmo que a
PNAS não a afirme como tal, sua implementação, sem poder fugir dessa lógica, segue
este caminho pré-determinado.

Na contemporaneidade esta política na sua prática concreta veio se consolidar


como uma política para os mais pobres, focalizada e emergencial, orientada para atender
as famílias em situações de risco ou vulnerabilidade social. As manifestações da
“questão social” que configuram estas circunstâncias são consequências características
dos ajustes neoliberais implementados como resposta à crise. Nesse sentido Behring
afirma que

Tratou-se de desencadear políticas voltadas às vítimas mais visíveis do ajuste


fiscal neoliberal, para os mais pobres dentre os pobres, os mais “vulneráveis”,
“excluídos” ou em “situação de risco”, segundo os termos em voga. Essa
espécie de “política social ambulância” e preventiva de situações de irrupção
frente à dramaticidade das condições de vida e trabalho das maiorias no Brasil
seria a única compatível com a lógica macroeconômica do Plano Real, a lógica
da estabilidade a qualquer custo e da “responsabilidade fiscal” (2009, p. 8).

É neste contexto de desmonte da seguridade social e expansão da dimensão


assistencial no combate à pobreza que podemos caracterizar o que aqui denominamos
de processo de assistencialização das políticas sociais.

99
A política social bem focalizada e de natureza assistencial – a assistência ganha
paradoxalmente um estatuto maior nesse novo contexto e é a este paradoxo que
se refere a tese da assistencialização – é atribuída a capacidade de administrar
de forma tecnicamente competente os elementos que geram a pobreza e a
miséria, expressões mais agudas da questão social, inerente ao capitalismo e, em
geral, dramática na periferia do capital (Idem., p. 9).

A terminologia (ou “termo síntese”) assistencialização é uma das polêmicas que


tem orientado o debate dentro e fora do Serviço Social acerca das alterações nas
políticas sociais nos últimos anos e, em particular, da política de Assistência Social. Por
remeter-se a esta política entende-se, por um lado, que implique na sua desqualificação
(Sposati, 2009), especialmente no que tange sua estruturação a partir da estruturação da
Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e do Sistema Único da Assistência
Social (SUAS). Da mesma maneira Sposati (2009) destaca que o termo não
compreenderia a totalidade do processo de desmonte e resignificação da Seguridade
Social.

Entendemos que a assistencialização das políticas sociais se refere ao processo


em que, na Seguridade Social, a Assistência Social passa a adquirir centralidade dentre
suas políticas sociais, e sua dimensão assistencial passa a ter conexão com as demais
políticas sociais, na medida em que o combate à pobreza torna-se política específica e
prioritária (mediada pela assistência social) e o processo de precarização e privatização
dos serviços sociais estruturante, como vimos, é a lógica instalada no trato das
expressões da “questão social”.

São características do processo de assistencialização das políticas sociais: o


reordenamento da Seguridade Social no sentido da focalização, precarização e
privatização, conjugado com uma perspectiva assistencial no campo da assistência,
caracterizada pelas respostas estatais de caráter emergencial, contingenciadas e
fragmentadas para o enfrentamento da pobreza e traduzem-se, junto a este processo,
pela naturalização das manifestações da contradição entre capital e trabalho.
Em face da crescente desigualdade há um cenário de redefinição político-
institucional, para além da programática econômica no espectro do ajuste neoliberal. “A
figura do pobre [é situada] no centro das políticas focalizadas de assistência. Ocorre,
então, um deslocamento da função assistencial, que se torna instrumento essencial de
legitimação do Estado” (Netto, 2007, p. 150).
A administração da pobreza passa a ser orientação central da política de
Assistência Social em seus programas, projetos e benefícios. A construção de uma

100
dimensão setorial desta política, articulada às demais políticas sociais, para mediar o
acesso dos usuários à rede de serviços é rompida, funcionando numa lógica restrita às
ações desenvolvidas no seu interior.

Ainda que não haja relação direta entre focalização na pobreza e desarticulação
das políticas sociais, entendemos que o destaque dado à Assistência Social, nos moldes
do combate à pobreza focalizado, acontece em correspondência a desarticulação das
demais políticas sociais. Portanto, há uma participação central da Assistência Social
como medida de gestão da pobreza, sem que esta medida, que figura como
administração dos índices de indigência e pobreza absoluta compreenda a articulação
com políticas sociais de direito e garantias para além dela mesma, ou seja: habitação,
educação, saúde, trabalho e emprego etc.

A articulação da Assistência Social com estas políticas sociais fica subsumida ao


processo de precarização e secudarização destas últimas em relação ao foco estrito na
administração da pobreza. São estabelecidas no interior da assistência medidas
destinadas aos segmentos da população que são atendidas por meio de programas
compensatórios no trato da pobreza com transferência de renda mínima, principalmente,
que referenciam o acesso a educação e a saúde na forma de condicionalidades pontuais
e fragmentadas96.

Ao mesmo tempo em que nas políticas sociais ocorre um processo de


precarização e focalização, priorizam-se as ações em parceria com o setor privado na
prestação de serviços sociais. Aos segmentos da classe trabalhadora que podem pagar
por medidas de proteção no mercado destinam-se um conjunto heterogêneo de serviços
e bens – planos de saúde, escolas e/ou universidades particulares, previdência
complementar, por exemplo – com diferentes níveis de qualidade que serão
acessados/comprados de acordo com o poder de compra. Para aqueles que não tem
condições de "consumir” estes serviços privados a alternativa concreta é buscar
acesso/atendimento via serviços públicos ou nas entidades filantrópicas97.

A oferta pública torna-se cada vez mais restrita à população mais pauperizada,
sendo a ela destinados serviços assistenciais básicos e fundamentalmente emergenciais.

96
Conforme caracterizamos no Capítulo I, item 1.4 – Programas e Projetos da Assistência Social.
97
A alternativa de não ter acesso a nenhum serviço existe um compasso de espera de soluções “vindas do alto” que
não trazem mudanças significativas ao modelo implementado, mas se legitimam na lógica do neoliberalismo, como
“concessão”, “ajuda”, ou “favorecimentos” individuais e personalistas. Caso não haja mobilizações que impulsionem
alterações no sentido da afirmação de garantias e ampliação de direitos a tendência é que este processo se mantenha,
consolide e amplie.

101
Esta é uma característica histórica da Assistência Social e que não conseguiu ser
rompida pelos avanços pós-regulamentação98.

Em suma: o processo de assistencialização das políticas sociais se caracteriza


pela compressão das políticas sociais públicas garantidoras de direito em contrapartida
ao destaque da Assistência Social como principal mecanismo de combate à pobreza,
pela ampliação do setor privado e das parcerias com ele, assim como da garantia de
serviços públicos e gratuitos focalizados e emergenciais.

Com o advento do neoliberalismo este movimento é evidenciado na legislação


pro meio de medidas para inserção dos “excluídos”, nas palavras de Pastorini e Galízia
(2006):

Como já fora colocado, os programas assistenciais não tiveram importância


estrutural nem política até finais da década de 80. E isso foi entendido como um
problema, cuja solução foi dada através da criação de mecanismos
constitucionais que permitissem incluir no sistema de proteção as populações
historicamente excluídas. No entanto, a partir da hegemonia das reformas
neoliberais, os programas assistenciais passam a adquirir uma importância
financeira e política sem precedente, transformando-se em definidores dos
sistemas de proteção social em detrimento de qualquer outra forma e opção.
Assim, este movimento evidencia uma debilidade geral das políticas
permanentes e universais, pois sobrepõe a “assistencialização” da proteção
social. Vale a pena ressaltar: o problema não reside unicamente no aumento dos
programas assistenciais focalizados, e, sim, na desconsideração,
despreocupação e redução das políticas de proteção social de caráter
permanente (Pastorini e Galízia, 2006, p. 96).

A debilidade das políticas sociais de caráter permanente e universal como


destacam as autoras citadas, se conjugam a ampliação da assistência em sua dimensão
assistencial que passam a predominar sobre as políticas garantidoras de direitos nas
várias dimensões da vida e das necessidades de reprodução social. O que antes era uma
característica parcial adquire status de política permanente resultando num
enfraquecimento político e social, como destacam as autoras.

Produz-se, então, uma mudança na relação de importância ou predominância


política entre as diversas formas de proteção social. Enquanto o tradicional
padrão de proteção definia-se pelo predomínio político-social das políticas
sociais permanentes de saúde e aposentadorias – que, embora excludentes,
garantiam direitos sociais e, sobretudo certa força política às categorias de
trabalhadores protegidas –, os programas assistenciais eram considerados
“complementares”. No padrão que se está constituindo, estes últimos adquirem
um status político diferenciado superior, enquanto os permanentes e unificados
experimentam estratégias diversas de privatização, redução, seletividade,

98
A regulamentação da Assistência Social com a Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8.742/1993), na PNAS
(2004) e no SUAS (2005), não avançam neste sentido, como vimos no Capítulo I.

102
desresponsabilidade e desoneração pública na execução direta, resultando no
seu enfraquecimento, tanto político quanto social (2006, p. 97).

Estas características compreendem um amplo processo de redefinição das


políticas sociais contrário ao definido pela Constituição Federal e pelas legislações que
regulamentaram a Seguridade, “a expansão dos programas e políticas denominadas de
assistência é uma das faces do processo de ‘assistencialização’ da proteção social que
tem como par dialético a privatização da previdência social, da saúde e da educação”
(Pastorini e Galízia, 2006, p. 100).

As recentes aprovações da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e


implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) recolocaram no centro
do debate as discussões acerca dos avanços e possibilidades da proteção social no
Brasil, reavivando polêmicas e debates, tanto dentro quanto fora da categoria dos
assistentes sociais. Estas análises são ainda parciais no sentido que o SUAS e a PNAS
começam a ser praticados a partir do ano de 2005, portanto, sua forma e suas
determinações estão em processo de definição, ainda que sejam fortemente
determinadas pelos aspectos que já trabalhamos no capítulo anterior.

Situamos estas polêmicas especialmente na orientação e consolidação do modelo


de gestão que a PNAS e o SUAS apontam para o combate à pobreza. Entretanto, devem
ser caracterizadas por uma análise de conjuntura que contemple uma perspectiva de
totalidade, ou seja: devemos observar estas mudanças na sua relação com as políticas de
Seguridade Social e com as políticas sociais e econômicas de forma geral, considerando
as mediações que conformam o trato da “questão social” na sociedade capitalista”.

Nesse sentido Rodrigues (2009) afirma o caráter parcial de muitas das análises
sobre o SUAS e ressalta que sua consolidação como política de Seguridade Social está
vinculada e mediada pelas ações presentes que determinarão sua construção tendo como
horizonte esta perspectiva.

este sistema é até a presente data um nascituro, um ser que, embora já


concebido, ainda está para nascer. A garantia de seu nascimento, como um fato,
está hipotecada ao futuro. Em outras palavras, o SUAS é, até então, uma
promessa. Há algumas ações que apontam no horizonte de sua construção, mas
o SUAS ainda não está construído. Portanto, qualquer balanço deste nascituro
tem que basear-se em tendências, ou seja, numa análise prospectiva. É óbvio
que uma análise neste sentido só pode apontar esboços – ainda não muito
delineados – do que poderá vir a ser o SUAS e de qual poderá vir a ser seu
significado (Rodrigues, 2009, p. 21).

103
Consideramos que o processo de assistencialização, e as mediações que já
sinalizamos, situam os avanços que podem ser construídos no campo da Assistência
Social numa arena de disputas na qual o peso maior é dado pelo direcionamento dos
organismos internacionais, implementadas com “sucesso” nos últimos anos, no que diz
respeito ao atendimento aos mais pobres dentre os pobres e a conformação de consensos
em torno desta perspectiva. A conjuntura de contra-reforma do Estado, engendrada na
década de 1990 e que continua em curso, e de desmonte da Seguridade Social brasileira
balizada na Constituição Federal de 1988 configura um cenário adverso para a
constituição de políticas públicas garantidoras de direito, conforme sinaliza Behring:

Já é amplamente reconhecido e tratado na literatura que houve uma verdadeira


desconstrução da seguridade social a partir dos anos 90, sobretudo com a
contra-reforma do Estado, desde 1995 (...). O caminho de reformas
democráticas – possibilidade aberta com a Constituição de 1988 – não foi
retomado no contexto de um governo de centroesquerda, a partir de 2003,
apesar de algumas inovações, a exemplo do próprio SUAS (2009, p. 7).

A mesma autora destaca que as principais inovações nas políticas sociais se


situam no campo da Assistência Social, especialmente com a PNAS e a constituição do
SUAS. Mas a recomposição do Estado e acréscimo de parcela de responsabilidade na
constituição do SUAS (constituição de equipamentos públicos como os Centros de
Referência de Assistência Social – CRAS e Centros Especializados de Referência de
Assistência Social – CREAS, realização dos concursos etc.) se conjuga ainda com a
precarização dos equipamentos, serviços e das contratações dos recursos humanos
(Idem, p. 7).

Na verdade, vimos sustentando que se mantiveram muitos elementos de


continuidade e que dificultam as possibilidades de consolidação da seguridade
social como reforma democrática. Houve, de fato, alguma recomposição do
Estado, com a realização de concursos públicos em várias áreas e instituições
que estavam praticamente desprofissionalizadas e sem quadro próprio. Vemos
aqui a área ambiental, a assistência social e a previdência social, especialmente.
As principais inovações no campo da seguridade social se deram na assistência
social: a construção do SUAS e de todo o seu marco regulatório, o Estatuto do
Idoso e a implementação da idade de 65 anos para acesso ao BPC, o Cadastro
Único e o Programa Bolsa Família (Ibidem.).

Entendemos que a relação da Assistência Social com as demais políticas sociais


e com a política econômica deve ser o ponto de partida para a compreensão do sistema
de Seguridade Social e sua funcionalidade. Analisar a política per si não compreenderá
os elementos necessários para encaminhamentos que se contraponham à direção da

104
restritividade e da focalização da Assistência Social no combate à pobreza. Nesse
sentido,

é fundamental avaliar o SUAS frente à trajetória da assistência social brasileira.


Porém há, aqui, um grande risco: a tentação de aprisionarmos a avaliação do
SUAS apenas ao âmbito da política de assistência social. Evitar este risco exige
ampliarmos nosso horizonte de análise, impõe vislumbrarmos não apenas o
rebatimento do SUAS na assistência social, mas, também, nas demais políticas
sociais, naquele escopo da seguridade social possível, conquistada na
Constituição Federal de 1988. Avaliar o SUAS nesta direção requer mais:
implica considerar a relação entre as políticas sociais e a política econômica.
Esta última demonstra a reiteração e o aprofundamento de uma política a favor
dos interesses do capital parasitário e financeiro (Rodrigues, 2009, p. 22).

As tendências operacionais constituídas no SUAS significam avanços na


construção da Assistência Social mas refletem igualmente o quadro histórico da
construção desta política social. É necessário, portanto, avaliar as tendências postas para
esta política nesta nova fase de gestão no cenário em que ela se coloca para não
superestimar seu papel e, inclusive, sua funcionalidade na relação, e disputas, entre
projetos de classe.

Esta funcionalidade que mencionamos diz respeito à composição da relação


entre as classes sociais, o público-alvo da Assistência Social, e à conformação político-
ideológica que ela desenvolve. Das interpretações do desenvolvimento deste processo
de implementação “nacituro” da PNAS e do SUAS e, portanto, da construção da
Assistência Social brasileira no século XXI, temos, em resumo, duas grandes
interpretações. São estas interpretações que nos remetem ao debate do processo de
assistencialização das políticas sociais no Serviço Social99.

Por um lado uma possível leitura sustenta que a PNAS e a constituição do


100
SUAS estabelecem para esta política um patamar diferente do que constituiu a
trajetória da Assistência Social até então. Destaca a necessidade de ampliação das
medidas de proteção social desenvolvidas no âmbito desta política como ações que
reconhecem e reparam desigualdades, ao atender aos segmentos pauperizados “dano

99
Sabemos que o agrupamento destas interpretações pode produzir equívocos, mas se trata de um exercício teórico
que visa ilustrar e situar o debate, conhecer seus parâmetros e conhecer tendências. Não se trata de compor campos
em oposição ou de opor propostas distintas para a Assistência Social e para a Seguridade Social, ainda que estejam
presentes análises que partem de perspectivas e pontos de partida que não são unívocos. Entendemos que a
assistencialização é uma preocupação dos diferentes grupos de análise e situar de onde parte esta preocupação
contribuirá para pensarmos como se situa a intervenção no campo do Serviço Social e os desafios que são postos
neste processo para a profissão que atua predominantemente no campo das políticas sociais e, em especial, na
Seguridade Social.
100
O SUAS é sistema que operacionaliza a PNAS e é constituído pela esfera pública.

105
mais a quem tem menos” o que firma sua posição como política pública e de Seguridade
Social.

Consideramos que esta interpretação, presente em documentos do MDS e


apontada pelos técnicos do MDS, gestores da política, dentre outros101, não reconhece
os elementos com os quais caracterizamos o processo de assistencialização das políticas
sociais. A concretização normativa da PNAS e do SUAS dá suporte à lógica do combate
à pobreza (como política específica), e, por sua vez, não rompe completamente com
características históricas desta política social: a aparência filantrópica, mesmo quando
administrada pelo Estado, o trato emergencial dos fenômenos mais aparentes da
“questão social”, e administração da pobreza absoluta e da indigência como principais
metas. Esta constituição se consolida junto com o processo de precarização e
privatização do sistema de proteção social, configurando as políticas estatais como
medidas paliativas e pontuais.

Considerar – e consolidar – que os aspectos de gestão pública da assistência


social, da profissionalização dos quadros, da avaliação da qualidade dos serviços são
inovações constituídas pela Assistência Social (com a PNAS e o SUAS), deve ser
ponderado no bojo das transformações societárias e nas determinações que implicam
limites estreitos para o processo de constituição desta política como mecanismo
articulado a um sistema de proteção social nos espectro de uma Seguridade Social
ampliada.

Netto (2001) destaca que historicamente o capitalismo tem se constituído por


experiência que ora privilegiam o privado e ora o público na constituição de respostas à
“questão social” e dependem fundamentalmente do potencial coesivo que alcançam
estas ações e do nível organizativo dos trabalhadores.

A experiência histórica revela, contudo, que não temos invariavelmente uma


seqüência regular, antes se configurando em situações complexas: a perspectiva
“privada” pode ganhar destaque em fases de crescimento, quando não há
políticas sociais setoriais suficientemente articuladas ou ainda quando suas
potencialidades coesivas não se mostram com um mínimo de eficácia;
alternativamente, a perspectiva “pública” pode manter-se dominante em fases
de conjunturas críticas, quando a intercorrência de agudas refrações da “questão
social” com rápidos processos de mobilização e organização sócio-política das
classes subalternas sinaliza possibilidades de ruptura da ordem burguesa (Netto,
2001, p. 37).

101
Cabe destacar formuladores de “peso” como Sposati, que possuem expressivas contribuições para esta política e,
neste caso, também para o Serviço Social.

106
Consideramos que o modelo implementado no governo Lula articula – diferente
do governo anterior – características dos dois modelos apontados por Netto (2001). No
âmbito da Assistência Social constitui um sistema público combinado com a execução
de serviços pela rede privada e filantrópica e, na constituição de suas ações, tem como
eixo central o combate à pobreza. Mesmo não estabelecendo novas garantias de
direitos102 esta gestão alcança um nível de coesão social que freia, inclusive, a
mobilização de segmentos que atualmente são aliados na garantia desta perspectiva para
as políticas sociais.

Esta perspectiva seria uma segunda referência, pois, por outro lado, a
Assistência Social ancorada na perspectiva da Seguridade Social, fundamentada numa
perspectiva redistributiva, que exige uma política econômica sintonizada com este
objetivo, não se pode focar no alívio da pobreza nem se consolidar como uma política
específica de caráter permanente. A administração da pobreza, determinação sob a qual
tem se desenvolvido esta política, não corrobora com constituição de políticas de
direito, do desenvolvimento de uma política econômica redistributiva, a geração de
empregos e de vínculos com a Seguridade Social que ofereçam proteção social no seu
espectro.

Consideramos que diante das experiências já empreendidas durante estes cinco


anos de implementação da PNAS/SUAS são vislumbrados limites e possibilidades que
podem alçar a assistência social a estatutos distintos. De uma política compensatória e
transitória, visto seu papel articulador com as demais políticas sociais constitutivas de
cidadania, passa a política estruturadora, base de suporte às “carências” dos
“necessitados”. Naturaliza-se a própria constituição da Assistência Social, ainda que
desde 2004 mudanças importantes tenham sido operadas que não podem ser
desconhecidas.

A consolidação de um destaque da assistência na Seguridade Social está


coordenada com a retração daquelas políticas sociais sem as quais ela não pode ser
materializada. A legislação da Assistência Social caracteriza-a como uma política
pública que se realiza de forma integradas às políticas setoriais – Saúde, Educação,
Habitação, Trabalho, Previdência etc. No entanto na prática na Assistência Social passa
102
Na Assistência basicamente o único direito garantido por lei é o BPC, que pode ser “reclamado” numa perspectiva
que “tende a universalidade”, visto que atende a todos que se circunscrevem ao perfil delimitado, diferente de outros
programas e projetos com metas limitadas e pontuais no público que assiste.

107
a imperar a lógica da administração de recursos mínimos de combate à pobreza
passando a caracterizar também as demais políticas que atendem a população mais
pauperizada. Uma necessária análise crítica deve apontar para um redirecionamento e
reformulação que garanta a implementação da Seguridade Social de forma que suas
políticas interajam, inclusive com outras políticas sociais.

Considerar o processo de assistencialização das políticas sociais é um momento


necessário para avançarmos nas formulações e contribuições para a constituição da
Assistência Social nos marcos da constituição de um sistema de proteção social
ampliado em sua concepção de direitos. Mas a formulação e a estruturação do SUAS,
sua execução e relação com as demais políticas sociais, não dependem somente da
reformulação da política de Assistência Social ou apenas da articulação de forças no
interior da categoria dos assistentes sociais, mas de uma conjunção de fatores que
historicamente esteve vinculada à mobilização de forças políticas e das “partes
interessadas”, como resultado de lutas, como conquistas destes segmentos.

É importante mencionar que não se localiza na Assistência o desmonte da


Seguridade Social, mas o redirecionamento e a centralidade que adquire a assistência no
bojo da Seguridade Social é suporte de uma perspectiva que a superdimensiona em face
às demais políticas sociais. A PNAS e o SUAS não são soluções que redimensionam a
política de Assistência Social no sentido da sua edificação como política articulada às
demais políticas sociais, este nem pode ser seu objetivo, na medida em que ele só se
realiza com a alteração dos processos de privatização e precarização da Seguridade
Social, com uma política econômica que rompa com a submissão nacional e que aponte
para reformas contrapostas a contra-reforma do Estado.

É fundamental entender que o SUAS abre margem para um redirecionamento


das políticas sociais. Ele é, na verdade, uma grande ferramenta gerencial, que
inova na gerência da política de assistência social. Mantida a política de contra-
reforma do Estado – as privatizações da saúde e da previdência –, tal ferramenta
gerencial pode ser utilizada na direção da edificação de uma seguridade social
pública meramente assistencial (Rodrigues, 2009, p. 23).

Entendemos que o destaque desta política não aponta necessariamente para um


fortalecimento da Assistência Social como política pública de Seguridade Social. Na
nossa apreciação, por um lado, predomina uma perspectiva fortemente
assistencial/emergencial em que se pauta e, principalmente, pelas retrações das demais
políticas que a compõem, mantendo e consolidando características da Assistência Social

108
historicamente estabelecidas103 – anteriores e posteriores ao seu reconhecimento e
operacionalização como política pública. Não se empreende um processo de
fortalecimento da Seguridade como um todo, da sua consolidação, mas, pelo contrário,
ocorre o aumento de programas e projetos assistenciais que vêm acompanhados de uma
redução do investimento público na política de saúde e de previdência social, políticas
integrantes da Seguridade, peça central do sistema de proteção social no Brasil.

Lembramos que o cenário de constituição da PNAS e do SUAS é diferente do


que pôs os marcos regulatórios desta política social no final da década de 1980. A
contra-reforma do Estado e o neoliberalismo são componentes constitutivos da política
de Assistência Social.

Dessa forma Behring afirma que

o SUAS está sendo concebido e operacionalizado num contexto histórico


diferenciado daquele que propiciou a formulação do conceito de seguridade
social da Constituição de 1988 e da LOAS em 1993, esta última já numa fase de
esgotamento das conquistas democráticas das lutas sociais do período anterior e
de ascensão da contra-reforma do Estado preconizada pela avalanche neoliberal
(2009, p. 8).

Ainda nesta linha, faz-se necessário compreender outro fenômeno: a


assistencialização tem como foco uma política de assistência resumida à transferência
de renda. É no atual contexto de crise econômica e de difusão do ideário neoliberal em
que os programas de transferência de renda assumem papel protagonista como
estratégia de enfrentamento e combate à pobreza, aparecendo como principal foco de
ação estatal.

os programas de transferência de renda ganham notoriedade, e transferem


prestígio aos governantes cujos países caracterizam-se por ampla cobertura
social, financeira e política. Entretanto, analisados sob o prisma das
necessidades básicas, os Programas revelam que o atendimento se restringe à
sobrevivência, destituídas do caráter de direito social (Stein, 2008, p. 201).

Uma contradição que tensiona a redemocratização e a construção da Seguridade


Social se caracteriza pela participação subalterna do país na economia mundial – e a
dependência dos empréstimos e financiamentos dos organismos internacionais – e está
subsumida ao que determinam as orientações dos organismos internacionais para as
ações estatais. Não há ruptura com a responsabilidade estatal, mas se consolidam o

103
São características presentes dede antes do reconhecimento desta política: a parceria com o setor privado, a
desvinculação orçamentária, a ausência do controle social (vários programas têm suas fontes de recursos
desvinculadas do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS).

109
ajuste fiscal e a focalização das políticas sociais no combate à pobreza estabelecido
como um dos traços do ideário neoliberal nos anos 1990. Com o ajuste fiscal as políticas
sociais passam a ser duramente afetadas e diminuídas, por terem seus recursos
reduzidos e/ou redirecionados, o que implica na focalização e seletividade dos
programas de corte social.

na entrada dos anos 90, o BIRD, além da imposição dos programas de


estabilização econômica (controle do déficit fiscal, cortes nos gastos públicos,
reformas tributária e da previdência, abertura do mercado etc.), pagamento da
dívida externa e políticas de ajuste, determina a implementação de programas
paliativos e focalizados para o alívio da pobreza (Pastorini e Galizia, 2006,
p.77).

O sistema de proteção social erguido no aspecto legal-formal no final da década


de 1980 tinha como horizonte os modelos de seguridade social orientados por uma
perspectiva social-democrata. A Constituição Federal de 1988 e as legislações
complementares que regulamentam as políticas sociais setoriais (LOAS, LOS, ECA
etc.) sem dúvida estão formuladas numa perspectiva de garantia de direitos, mas ainda
que apontassem para um modelo de “bem-estar” não havia uma perspectiva
redistributiva, mas sim compensatória das desigualdades sociais.

Segundo Pastorini e Galízia (2006), este sistema de proteção se caracterizou


como um sistema “misto” ou “híbrido” no qual conviviam numa mesma estrutura o
público e o privado. Afiançava-se, a priori, garantias de direitos para o trabalhador
formal e políticas universalistas no campo da Saúde e da Assistência Social para a
população em geral e para os não formalmente empregados, conforme cada
necessidade. Manteve-se, como afirmam as autoras, os traços assistenciais
característicos da proteção social destinada à população mais pauperizada.

As estruturas e desenvolvimento econômicos, assim como interesses políticos


diversos, construíram um sistema de proteção social numa combinação de
formas institucionais públicas e privadas (tanto em financiamento como em
prestadores de serviços) que permitiram defini-lo como “misto” ou “híbrido”.
Caracteriza-se pela convivência, de certa forma “equilibrada”, de estruturas
público-universais de saúde e estruturas particulares, contributivas, com
provedores públicos e privados, e regimes de aposentadorias e pensões de
repartição simples e obrigatórios, mas excludentes dos trabalhadores não
formalmente empregados. Isso juntamente com um forte conteúdo assistencial e
traços compensatórios para os setores mais empobrecidos, não incluídos como
beneficiários dos programas de previdência social (Idem, p. 81).

Portanto, as características de sistema misto, que parecem contraditórias entre si,


já estavam pautadas na legislação que alça a Seguridade Social como sistema de

110
proteção social no Brasil. Reiterou-se uma leitura da realidade dicotomizando as esferas
da economia, da política e do “social” na formulação e execução desta última como se
estivesse desvinculada da política econômica que vem sendo empreendida nos últimos
anos.
Não se apontou para a alteração do quadro de desigualdade através de políticas
redistributivas, visto que para que esse modelo funcione é necessário que sejam
desenvolvidas políticas de “pleno emprego” orientadas numa perspectiva de proteção ao
trabalhador104.
Não podemos entender estas características como distorções do sistema de
proteção, pois nunca a universalização redistributiva foi colocada como o
objetivo primordial da sua organização. Isto se articula com a constituição do
caráter seletivo do Estado protetor brasileiro, que incluiu apenas parte dos
grupos de trabalhadores urbanos com vinculo formal de emprego que poderiam
ter um papel ativo de transformação social (real ou potencial) (Pastorini e
Galízia, 2006, p.81).

A redistributividade não esteve presente no sistema constituído, permaneceu o


caráter seletivo e os desdobramentos seguintes, ancorados na contra-reforma do Estado,
apoiaram-se, inclusive, nestas características.

Para os trabalhadores com vínculos formais de emprego, diferente daqueles sem


vínculo formal ou sem empregos, não se alterou, mesmo com a constituição da
Seguridade Social o lugar destinado pela proteção social brasileira, que determinou
vínculos, programas, serviços e benefícios diferenciados. Entretanto, para os
desempregados, sem vínculo formal de emprego ou vínculo precário, considerados
concretamente como pobres ou extremamente pobres, foram penadas outras estratégias
de proteção social como a política de Assistência Social. No entanto o seu papel de
articulação com as demais políticas que seria o caminho para tornar seu usuário
alcançável por elas (inclusive às políticas de geração de emprego e implicação na
previdência social) fica cada vez mais subsumido e sob a responsabilidade quase que
absoluta dos programas de transferência de renda, que condicionam a participação e o
acesso aos programas de Assistência Social à renda familiar.

104
Enquanto a Seguridade Social possui um desenho que tende a amparar de forma regular os trabalhadores com
vínculo formal, a Assistência Social é uma política que, no bojo da Seguridade, atende aos que dela necessitam dentro
de um perfil da população que se encontra em situação de vulnerabilidade pela não-cobertura previdenciária. Ficam
de fora os trabalhadores pobres que não têm direito à previdência por não contribuírem ou que não podem acessar à
assistência porque, teoricamente, “podem trabalhar”. Isto ocorre num universo em que “40,6 milhões de pessoas não
são seguradas pela previdência (57,7% dos 70,5 milhões de ocupados: 10 anos ou mais), ou seja, 58 em cada 100
pessoas. Entre estes, 20,4 milhões (50,12%) não têm ou seus rendimentos são inferiores a um salário mínimo. Destes,
5 milhões são trabalhadores rurais e 15,4 milhões são urbanos” (fonte: Boschetti, 2003: Assistência Social no Brasil
após Dez Anos de LOAS: Tendências no Âmbito Federal).

111
Entendemos que não houve rupturas nos fundamentos que compõem a
perspectiva de combate à pobreza nos seguidos governos democráticos. As mudanças
nos programas centrais trouxeram algumas inovações para sua gestão e implementação
105
que não refletem alterações de fundo na condução das políticas sociais . Há uma
subversão dos valores e princípios constitutivos da regulamentação das políticas sociais
aliados a uma política econômica que submete reiteradamente as necessidades do
trabalho ao capital.

É nesse escopo que se alicerça grande parte da discussão de assistencialização


das políticas sociais. A referência na Assistência Social se pauta na concepção restrita e
emergencial que esta política tem em seu interior como perspectiva de construção da
cidadania para os pobres. Esta identificação se fundamenta em componentes ídeo-
políticos e materiais. Sem dúvida são articuladas respostas concretas que atendem às
necessidades objetivas e emergenciais através da transferência de renda, mas, junto a
isso se consolida a naturalização da pobreza e das respostas consideradas “possíveis”
nesta ou em qualquer sociedade, naturalizando as desigualdades sociais.

As formulações de Sposati e do grupo de pesquisadores da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) no fim da década de 1980, antes da
Constituição Federal de 1988 e da LOAS, já demarcava os rumos que tomaria a
Assistência Social no Brasil. Este grupo de pesquisadores e professores foi precursor na
discussão da assistência social e sua vinculação com a cidadania no interior do Serviço
Social, e é, ainda nos dias atuais, referência incontestável e importante na formulação
desta política.

A preocupação com o reconhecimento os direitos de cidadania para os cidadãos


pobres, com as estratégias de enfrentamento da miséria e da pobreza já caracterizava
objetivos da assistência mesmo antes da Constituição Federal de 1988, e o
reconhecimento desta política como direito social. Nos inícios da segunda metade dos
anos 1980 estes intelectuais afirmavam que,

Romper com a situação atual de miséria do povo brasileiro deve implicar um


saldo que o fortaleça, que signifique um avanço na constituição de sua
cidadania. É neste contexto que se resgata a assistência como política

105
Os programas e projetos de enfrentamento da pobreza começam a tomar forma no governo FHC, seguindo as
orientações dos organismos internacionais, criando o Comunidade Solidária. O governo LULA cria o Programa
Fome Zero, que coordena os programas de enfrentamento da pobreza, tendo como carro-chefe o Programa Bolsa
Famílias. Mesmo com a regulamentação da Assistência Social com a PNAS e o SUAS não se rompe com a
focalização, como vimos no capítulo 1.

112
governamental, essa forma histórica com que a sociedade enfrentou a miséria, a
pauperização (Sposati et ali, 1986, p. 13).

A história brasileira demonstra que em momentos de crise, de aguçamento das


manifestações da “questão social” e de agravamento da pauperização dos trabalhadores,
a Assistência Social passa a ser uma das principais respostas às necessidades sociais e à
pauperização; funcionando também como estratégia de construção de consensos em
torno do trato destas manifestações. Segundo Sposati et ali,

Enquanto a crise econômica evidenciará nos países desenvolvidos a crise do


Welfare State entende-se que, em contrapartida, evidenciará nos países
subdesenvolvidos, como o Brasil, o emergencial das políticas sociais. O
assistencial é uma das características em que se expressa a ação do Estado
brasileiro nas políticas governamentais de corte social. Uma das formas através
das quais se pretende demonstrar esse assistencial consiste em evidenciar a
emergência da qual se revestem as ações estatais, no campo social. É o
assistencial que imprime o caráter de emergência às políticas sociais (1986, p.
22).

Esta dimensão assistencial à qual as autoras se referem é base da estruturação


das ações estatais e é parâmetro que guia as políticas governamentais de corte social.
Elementos de ruptura legal-formal com este referencial foram sinalizados na
Constituição Federal e nas leis que regulamentam as políticas sociais setoriais que
consolidam subsídios numa perspectiva que não correspondeu à realidade concreta de
sua operacionalização.

O emergencial continuou a ser a “tônica” das políticas sociais, inclusive as


políticas de caráter universalista – como a saúde – são perpassadas pelo corte da
emergencialidade; caráter que esteve presente historicamente na assistência e se
consolida com o destaque desta dentre as políticas de Seguridade Social quando a
assistência passa a compor seu “tripé”, junto com a Saúde e a Previdência Social.

Como afirma Mota (2009) se antes da Constituição Federal de 1988 a posição da


assistência era residual agora, com a reorganização das políticas de Seguridade sua
ampliação numa perspectiva focalista passa também a recompô-la na sua totalidade:
“Mas, se historicamente a política de Assistência, no caso da Seguridade, ocupava uma
posição residual, a sua ampliação e reorganização em tese estariam recompondo toda a
articulação do amplo arco da Seguridade” (Mota, 2009).

Atualmente os programas de combate à pobreza adquirem centralidade na


política de Assistência Social, rompendo com sua dimensão setorial dentro da
Seguridade Social e estabelecendo-a como política central no seu bojo. Significa dizer

113
que a Assistência constituída como política de Seguridade Social deve estar articulada
no interior da perspectiva de Seguridade e da sua relação mais ampla com as políticas
sociais garantidoras de direitos, mediadas por uma política econômica redistributiva e
com as demais políticas setoriais.

A Assistência Social vem se estruturando com medidas focalizadas no seu


interior e através das ações que são realizadas através de seus programas e projetos. Na
atual conjuntura são estruturados programas e projetos que se constituem nos vários
setores governamentais: trabalho e emprego, cultura e esporte, educação e saúde a partir
da Assistência Social para os seus usuários, mediados principalmente pelas
condicionalidades do Programa Bolsa Família, principal programa assistencial.

Esta política social se estabelece como política compensatória das carências


resultantes da restritividade no atendimento às necessidades localizadas no âmbito das
garantias de condições de vida e reprodução social dos segmentos por ela atendidos.
Para os usuários da Assistência Social são destinados programas no âmbito dos setores
destacados acima, no interior de seus equipamentos ou oferecidos em parceria com
entidades não-governamentais e, as garantias de acesso aos serviços públicos, através de
articulação e encaminhamentos, estão perpassadas pela a precarização da rede de
serviços106.

O processo de precarização e focalização que decorre do enxugamento das


políticas sociais provocados em grande medida pelo redimensionamento dos gastos
sociais face uma política econômica restritiva, junto com o crescimento do setor privado
e seus pacotes de serviços. A oferta de serviços públicos torna-se cada vez mais restrita
à população mais pauperizada – que não pode pagar por serviços privados no mercado –
que tem acesso a pacotes assistenciais mínimos, assim como na Assistência Social107. O
público-estatal passa a ser predominantemente entendido como serviço destinado aos
pobres, salvo o caso da previdência social, política contributiva, que depende
fundamentalmente de vinculação formal ao sistema previdenciário. Para aqueles que
não podem pagar pelos serviços privados ofertados no mercado, são destinados
essencialmente “pacotes” emergenciais e focalizados.

106
Verificar Capítulo 1, quando caracterizamos os programas e projetos da Assistência (item 1.4).
107
Como já caracterizamos no Capítulo 1 – O Contexto Histórico do Debate sobre a Assistencialização das Políticas
Sociais.

114
O cuidado e o desafio para a análise da política de Assistência Social hoje são
vislumbrar a sua relação com as demais políticas sociais e econômicas e não restringir
apenas a ela própria. Nesse sentido Behring alerta,

não podemos correr o risco de isolar a política de assistência social, vê-la em si,
a partir de um ângulo interno, fora das relações sociais que a circunscrevem e
tensionam, eliminando do cenário as contradições, os projetos, a política e a
relação com a economia e a luta de classes (2009, p.10-11).

Não cabe à Assistência Social a responsabilidade por atribuições que são das
políticas sociais em seu conjunto e, menos ainda, imputar competências e conseqüências
da política econômica. No entanto, a ausência de respostas via políticas sociais
afiançadoras de direitos, que garantem condições básicas de produção e reprodução –
tais como saúde, habitação, saneamento, iluminação, alimentação, educação, dentre
outras – se conjuga com o repasse da atribuição e da responsabilidade pela proteção
social à Assistência Social.

Dessa forma os benefícios e serviços assistenciais passam a ser entendidos como


a única alternativa para a população descoberta pela proteção social e impossibilitada de
aceder ao conjunto de bens e serviços públicos, assim como da cobertura previdenciária,
ou de acessá-los no mercado. Essa realidade leva alguns autores e técnicos a
redimensionar a Assistência Social atribuindo-lhe funções e característica que ela não
pode ter, como entende Behring

uma espécie de atribuição heróica da função de proteção social à assistência


social, quando seus benefícios e serviços devem ser pensados numa perspectiva
mais ampla de seguridade social, aqui vista para além do conceito restrito da
Constituição brasileira. Concordamos aqui com Boschetti, para quem a
assistência social não se pode atribuir a tarefa de realizar exclusivamente a
proteção social. Esta compete, articuladamente, às políticas de emprego, saúde,
previdência, habitação, transporte e assistência, nos termos do artigo 6º da
Constituição Federal (Behring, 2009, p.10-11).

Em sentido semelhante Rodrigues (2009) destaca que a Seguridade Social que


tem sido constituída tem condições apenas de responder a determinadas situações de
pobreza absoluta, configurando uma seguridade focalista, centrada na assistência como
âncora de outros direitos.

aquela seguridade social centrada na assistência que se expande e se torna


âncora dos outros direitos – e que, na verdade, toma o lugar dos outros direitos
– é uma seguridade focalista! No máximo ela tem condições de responder à
pobreza absoluta, mas não de diminuir ou mexer minimamente com a pobreza
relativa e com a desigualdade social (Rodrigues, 2009, p. 24).

115
A concepção de Seguridade Social pautada pelos autores que citamos se ancora
na vinculação das políticas sociais, com base em um orçamento inconsistente para a
estruturação de programas, do desenvolvimento para geração de empregos, que implica
numa política econômica, diversa da encaminhada pelos últimos governos, oposta aos
pressupostos que hoje a orientam: ajuste fiscal e contingenciamento de recursos para
composição de superávit primário, que restringe os investimentos para acúmulo de
reservas para o pagamento de juros da dívida.

Estes autores entendem que o processo de destaque da assistência dentre as


políticas de Seguridade Social e a centralidade que adquire dentre elas reorienta os
marcos da Seguridade postos na Constituição Federal de 1988 e nos seus marcos
regulatórios. A assistencialização é caracterizada como um fenômeno ancorado nestas
características que vem assumindo a Seguridade Social e com o aprofundamento da
dimensão assistencial nas políticas sociais.

Sabemos que a utilização do termo assistencialização não é consenso entre os


diferentes autores e teóricos preocupados em reflexionar acerca da Seguridade Social e
da Política de Assistência. Por exemplo, Sposati (2009) considera que o termo
assistencialização – e seu conteúdo – significa uma “negação” da Assistência Social. A
autora discorda da pertinência do uso da terminologia “assistencialização” para
significar o processo de precarização e focalização das políticas sociais e enumera duas
posições que referenciam este debate. Uma delas é denominada pela autora de
“idealista” e a outra de “niilista”.

A primeira (entendida como idealista) a seu ver exaltaria a capacidade de


“resolutividade” que a política de assistência social teria em sua competência de
atendimento, e a definiria como a política capaz de mediar os direitos que são do âmbito
das políticas sociais e não apenas da Assistência Social (Sposati, 2009).

A segunda posição que referencia o debate da assistencialização (chamada por


Sposati de niilista), na perspectiva da autora, reduz o papel da política de Assistência
Social e seu potencial concreto, considerando a “presença” desta política um fator
destrutivo da cidadania e dos direitos sociais. A autora supracitada define este campo
niilista como fatalista, pois estaria responsabilizando à assistência pela diminuição de
direitos no âmbito da Seguridade Social.

116
Segundo Sposati (2009) as duas posições estariam equivocadas ao referenciar a
assistencialização na Política de Assistência Social (Idem), pois entende que os avanços
que vêm sendo constituídos no campo desta política social constituem a consolidação de
conquistas históricas para os segmentos mais pauperizados da população.

A nosso ver o debate acerca da assistencialização da Seguridade Social não se


restringe a essas duas posições108. Entendemos que a orientação da política de
Assistência Social e seu destaque em face às políticas de Seguridade Social não podem
ser secundarizados em nossa análise. O papel que os programas assistenciais adquirem
na atual conjuntura responde a um processo de reorientação das políticas sociais.
Através de programas e projetos de administração dos índices de pobreza e miséria a
assistência vem se consolidando como medida de proteção social central na Seguridade
Social, assim como o combate à pobreza se torna uma política específica, mediado pela
política de Assistência Social.

O processo crescente de pauperização, precarização do trabalho e desemprego


estrutural, amplia cada vez mais os segmentos descobertos por medidas de proteção ao
trabalhador, mediadas pela previdência social. Para os trabalhadores sem acesso à
proteção social, dentro dos perfis de pobreza e pobreza absoluta são destinadas ações
pontuais e emergenciais.

Estas medidas se configuram em estratégias de administração da pobreza se


constituem como característica central da Assistência Social. As demais políticas
sociais, as quais os usuários desta política têm acesso por meio de outros programas, ou
mesmos por meio do acesso aos serviços localizados em outras políticas sociais,
também são mediados pela lógica do combate à pobreza. A precarização da rede de
serviços, com a qual poder-se-ia referenciar o público-alvo atendido pelas ações no
campo da assistência, sofre um processo contínuo de precarização e privatização,
conforme já sinalizamos.

Consideramos que a racionalidade presente na formulação da Política de


Assistência Social nos dias de hoje e os impactos da sua gestão – assim como o
redirecionamento que é operado face ao seu destaque em relação às demais políticas
sociais – também são elementos determinantes para a afirmação da existência de um
processo de assistencialização da Seguridade Social.

108
Afirmação que se referencia nos autores trabalhados anteriormente, especialmente Behring, Boschetti, Mota,
Pastorini e Galízia, e Rodrigues.

117
Aspectos presentes nas duas perspectivas apontadas por Sposati (2009) estão
inseridas no contexto de assistencialização das políticas sociais. O
superdimensionamento da capacidade resolutiva da assistência no combate à pobreza é
um traço que pode ser evidenciado na prática e no discurso dos técnicos defensores das
diretrizes propostas pelos organismos internacionais, diretrizes estas que orientam o
redimensionamento das políticas sociais e põem os programas, projetos e benefícios de
assistenciais de combate à pobreza como eixo central das ações.

O destaque da Assistência no interior da Seguridade Social é um fator que


expressa a reorientação da Seguridade, junto às reformas da Previdência e a restrição
dos serviços de Saúde. A Assistência Social é uma política que tem um impulso
diferenciado na entrada dos anos 1990 e continuando nos anos 2000, no sentido de sua
ampliação focalizada no combate à pobreza, ainda como política pública de Seguridade,
mas nos marcos do processo de contra-reforma do Estado, que reorienta as políticas que
a compõe (e as demais políticas sociais).

O trato das expressões da “questão social” adquire um caráter cada vez mais
emergencial, no sentido de articulação de respostas fragmentadas e compensatórias por
todas as políticas e a Assistência Social passa a cumprir papel preponderante no
atendimento das populações mais pauperizadas, constituindo-se como a porta de
entrada das ações assistenciais e para as demais políticas sociais para este público. Esta
política tem se constituído por um conjunto de programas e serviços paliativos, com
características históricas que se rearranjam e tomam novas denominações, mas que
consolidam práticas próprias do trato da “questão social” pelo Estado capitalista
baseadas na seletividade, na emergencialidade, na focalização na pobreza e nos
vulneráveis.

Sposati, ainda em 1986, ao caracterizar o caráter emergencial das políticas


estatais já destacava estes aspectos e, ainda que a autora não os reconheça hoje como
elementos centrais da Assistência Social, entendemos que estas características são
retomadas com outro “fôlego” no bojo das estratégias baseadas no ideário neoliberal.

Nas palavras de Sposati (1986):

É preciso tornar claro que não se está tomando a emergência como a análise da
capacidade governamental em responder com prontidão e rapidez de ação. O
caráter de emergência é aqui conotado como respostas estatais eventuais e
fragmentadas. Com isto, as políticas sociais brasileiras terminam sendo mais um

118
conjunto de programas, cuja unidade se faz a reboque dos casuísmos de que
surgiram (Sposati, 1986, p. 23).

Embora o termo “assistencialização” esteja em discussão no interior da categoria


de forma mais explícita na atualidade, com a promoção da PNAS e do SUAS109, este
termo foi utilizado em 1995 por Mota, quando publicou sua tese de doutoramento
“Cultura da Crise e as tendências da Seguridade Social”. A autora na época identificava
algumas tendências na Seguridade Social que apontavam para este processo,
conjugando a expansão da Assistência Social com a privatização da Saúde e da
Previdência Social, marcando alterações significativas neste “tripé” da proteção social
desde a década de 1990 (Mota, 2009).

Segundo a autora esse processo remetia à desregulamentação do trabalho,


consolidando o trabalho precarizado e sem o reconhecimento de direitos sociais,
projetando políticas sociais de “cobertura assistencializada e conjunturais” (Mota, 1995,
p. 228). Em seu texto de 2009, Mota reafirma que a assistencialização das políticas
sociais se consolida pela centralidade da Assistência Social como política responsável
pelas respostas às expressões da “questão social”. Nas palavras da autora: “identifico a
assistencialização não como um retrocesso em relação à existência ou não da
consolidação de direitos, mas sim pela centralidade que tem a assistência social hoje nos
embates e enfrentamentos da questão social no Brasil” (Mota, 2009).

Numa perspectiva diferente Sposati destaca que esta política “não se identifica
nem com a resolutividade das desigualdades sociais e nem com a confirmação ou
alimentação das mesmas” (Sposati, 2009). A própria autora considera que a análise da
política per si, e as constatações advindas das ponderações circunscritas a ela, não são
suficientes para compreender as consequências do processo de assistencialização, ainda
que não o reconheça enquanto tal. Assim afirma,

Não basta a constatação empírica dos assistentes sociais de que a assistência que
acontece se reveste de um caráter paliativo, não resolvendo os problemas de
força de trabalho, que aumentam cada dia. Impossível uma leitura de assistência
de per si, sem atentar para as determinações sociais e históricas do significado
da assistência como política governamental, de sua imbricação com as relações
de classe e destas com o Estado (Sposati, 1986, p. 25).

A autora destaca que o planejamento do Ministério de Desenvolvimento Social


difere do que é realizado pelas gestões municipais (Sposati, 2009), pois é perpassado
109
Em abril de 2009 ocorreu o Seminário Nacional “O Trabalho do Assistente Social no SUAS”, organizado pelo
conjunto CFESS/CRESS, no Rio de Janeiro, que teve uma de suas mesas centrais intitulada: Assistência Social:
garantia de direitos ou assistencialização?”. Dentre seus debatedores estiveram Aldaíza Sposati e Ana Elisabete Mota.

119
pelo processo de disputa de concepções no interior das gestões nos diversos níveis de
governo. Destaca que iniciativas realizadas no âmbito das gestões municipais podem
superar o que considera limites postos pelo governo federal e que podem apontar para
soluções de referência para alterações na política de assistência, trabalhando na
perspectiva de explorar possibilidades e potencialidades desta política social.

O MDS realiza o monitoramento dos equipamentos públicos da Assistência


Social (CRAS e CREAS) e pretende ampliar o acompanhamento dos serviços prestados
por eles. De acordo com Simone Albuquerque (2009):

O fundamental é garantir que os serviços e benefícios fortaleçam o caráter de


proteção das famílias brasileiras (...) A proposta de avaliação não é apenas
contabilizar, ma, também, conhecer detalhes, como estrutura física, atividades
realizadas no local, recursos humanos disponíveis, além do funcionamento dos
serviços de atendimento (fonte: Jornal MDS, 2009, p. 4)110.

Consideramos, ainda que as tendências mais gerais apontem para um processo


de assistencialização, a perspectiva de buscar estratégias “criativas”, situadas por
Sposati (2009) na esfera da gestão – seja municipal ou federal – identifica a
possibilidade de impulsionamento da política de assistência social por meio de
iniciativas localizadas nesta esfera particularmente, que indicariam possibilidades de
ruptura com os limites ainda presentes na formulação da política, por parte
especialmente de assistentes sociais que estão no âmbito da gestão111.

É necessário, a nosso ver, analisar a política de Assistência Social de forma


crítica e incentivar iniciativas e formulações nas diferentes esferas governamentais que
apontem para o campo da consolidação de direitos. No entanto, estas ações não são
suficientes para sinalizar rupturas com um processo estrutural às políticas sociais e,
inclusive, à política de Assistência Social. As alterações necessárias para o conjunto de
políticas sociais não estão circunscritas apenas à vontade dos sujeitos, seja na
formulação, na gestão ou execução dos serviços oferecidos.

Os elementos que estruturam a política de Assistência Social, ainda que a


implementação do SUAS altere em alguns patamares a relação das parcerias público-
privado, com a estruturação de equipamentos e serviços públicos, como referimo-nos

110
O primeiro levantamento foi realizado em 2008, que identificou 5.142 centros em todo país. Em 2009 será
realizado o segundo levantamento incluindo a perspectiva de avaliação dos serviços prestados (fonte: Idem).
111
As intervenções realizadas por assistentes sociais que estão no MDS no Seminário supracitado e de outros gestores
do nível municipal apontava para uma defesa dos avanços e conquistas nos últimos cinco anos – de implementação
da PNAS e do SUAS – e para o caminho que está sendo trilhado pela assistência Social, seu crescimento e
fortalecimento no combate à pobreza.

120
anteriormente, mantêm a relação de serviços e benefícios destinados a sua população
usuária no escopo dos parâmetros de administração da pobreza.

A diferenciação da política de Assistência Social das ações filantrópicas e da


caridade institucionalizada não rompe as “parcerias” com entidades caracterizadas por
esta finalidade e que são estruturais na execução112. A execução dos programas e
projetos inscritos na Assistência Social, desde o fornecimento de insumos materiais a
contratação através da terceirização de recursos humanos etc., tem por orientação
central, ditada pelos organismos internacionais, que ao Estado cabe o papel de
“supervisor”113 e de principal responsável por esta política social através do repasse de
recursos financeiros administrados por elas.

O uso de um termo assistencialização se relaciona diretamente com a política de


assistência social e na sua mediação com as demais políticas sociais, mas é resultante da
caracterização de um processo de assistencialização e se deve em princípio aos
fundamentos sobre os quais esta política se assenta – filantropia, pareceria com serviços
privados, administração por ONG’s, etc – e que se conjugam, numa perspectiva mais
ampla, ao desmonte das demais políticas de Seguridade Social114. Apesar de sinalizado
na Constituição de 1988 um modelo de Estado de Bem-Estar, esta perspectiva não se
consolidou, por conta do desmonte de direitos, aprofundamento da precarização das
relações de trabalho por meio dos processos de contra-reforma. A Seguridade Social
figura como um dos principais eixos de desmonte e, neste processo, a Assistência Social
passa a ter destaque, através de seus programas e projetos, como principal medida de
proteção social115.

112
Os dados mais recentes apontam para o quantitativo de 6.942 instituições com Certificado de Entidade
Beneficente de Assistência Social – CEBAS. Destas 64% no âmbito da Assistência Social, 16% na Saúde, 14% na
Educação e 6% não enquadrado. Este quantitativo só representa entidades com atuação em âmbito nacional (fonte:
CNAS em www.mds.gov.br/cnas).
113
O Estado possui agentes públicos para atuar na política, no entanto a execução dos programas no âmbito dos
municípios se dá através de contratações realizadas por ONG’s, que, no ProJovem Adolescente executado na
Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, contratam “orientadores sociai” para fazerem atividades com estes jovens,
são responsáveis pela compra e fornecimento de lanches para os mesmos, os recursos materiais, etc. Estas
contratações são precarizadas, há poucos profissionais que “supervisionam” e são contratados estagiários pelo prazo
de três meses, para que não sejam estabelecidos vínculos. A prestação de contas não é transparente e o próprio
programa vem como “pacote fechado” através do Governo Federal. O mesmo processo ocorre, como sinalizamos no
Capítulo I, no ProJovem Urbano e no PETI. Cabe aos agentes públicos “conferir” o andamento, sem gerência direta
sobre sua execução.
114
Estes fundamentos não sofrem ruptura significativa com as legislações que vieram regulamentá-la. Pelo contrário,
vêm se consolidar referendadas pela LOAS, pela PNAS e pela NOB, pois embora sua gestão caiba ao Estado, em
nenhum momento a legislação garante que ela seja executada por ele, pois as parcerias são mantidas nos
estabelecimento da relação público-privado na execução ações e serviços.
115
No Governo Lula, a formulação e implementação do Programa Fome Zero, tendo como principal medida o
Programa Bolsa Família, é modelo com status internacional, pela inovação na gesta e pela racionalização de recursos
e benefícios que segue, com “sucesso”, as orientações dos organismos internacionais para as medidas de combate à

121
Sposati (2009) entende que com a PNAS e o SUAS são rompidos paradigmas
históricos que estiveram presentes na trajetória da assistência e que o “fortalecimento da
política de assistência social [contribui] para que as outras políticas atinjam seus
objetivos quando ela deixa de ser o remendo das demais políticas sociais” (Idem.).

Entendemos que a articulação que esta política faz com as demais está
perpassada pelos aspectos do processo de precarização e focalização das demais
políticas sociais, como apontamos, e, ao invés de “potencializa-las”, imprime
características assistenciais para elas.

Programas e projetos assistenciais sustentam o acesso aos seus beneficiários aos


serviços sociais através de vinculação pontual, com a saúde, por exemplo, através das
condicionalidades dos programas de transferência de renda ou mesmo por conta da
precarização da saúde de uma forma geral e da educação também pelos critérios
quantitativos (frequência) que são parâmetros destas mesmas condicionalidades.

O MDS sustenta que o Programa Bolsa Família eleva o acesso à saúde116 por
meio da condicionalidade vinculada ao programa, pois, para o publico vinculado às
contrapartidas117, são destinadas ações para o cumprimento do calendário de vacinação,
verificação de peso em consultas semestrais. A Saúde, defendida como política que
atende preventivamente e “curativamente”, compreende medidas de atenção para além
das medidas estabelecidas nas condicionalidades, insuficientes para dar conta dos
diversos aspectos que compreendem uma concepção de saúde inscrita na Seguridade
Social118.

Ainda que algumas ações possam ser e venham sendo articuladas no âmbito da
Assistência Social para além dos programas de transferência de renda, as medidas
destinadas aos seus usuários restringem-se às suas ações e articulações internas, nos
próprios programas que oferece no âmbito da cultura, esporte e até de geração de
emprego e renda, subsumindo-a a ela mesma.

pobreza que devem ser estruturadas no cenário atual de crise capitalista.


116
Conferir o Jornal do MDS nº 17, publicado em julho/2009.
117
Conferir Capítulo I, 1.4 Programas e Projetos, no qual caracterizamos brevemente os beneficiários do PBF e os
destinatários das condicionalidades, que se localizam em segmentos da família, especialmente as crianças e
gestantes/parturientes.
118
O princípio de universalidade do acesso não é promovido pelo PBF, visto a característica do recorte do público-
alvo. A articulação da Assistência Social não está perpassada apenas pela condicionalidade do programa mencionado,
mas pelo encaminhamento para garantia de acesso para esta política pública, contraposto ao entendimento pontual da
saúde. Esta perspectiva é permeada pela precarização dos serviços de saúde, dificultando o acesso aos diversos níveis
de atendimento, não encontrando afirmação destes possíveis encaminhamentos na estruturação da rede.

122
O público usuário da política de Assistência Social permanece
fundamentalmente circunscrito às ações desta política social, pois a rede de serviços
públicos não oferece condições para o atendimento às suas necessidades quando a eles
encaminhados, visto o processo de seletividade diante da precarização já caracterizada.
Seria necessário o desenvolvimento de políticas que estruturassem, desde serviços
básicos – como saneamento, água, rede elétrica – a serviços estruturais – como
habitação, por exemplo – como medidas de proteção social na perspectiva de uma
Seguridade Social ampliada.

Sposati (2009) destaca que as considerações que apontam para um processo de


assistencialização se fundamentam em “mistificações” e que as mesmas podem ser
dissolvidas considerando a trajetória histórica da política de assistência e os avanços
postos pela legislação recente e sua implementação.

Todas estas mistificações: Serviço Social como Assistência Social, pobreza e do


pobre como objeto de uma política social, Assistência Social como proteção
social, exige uma outra desmistificação que é o entendimento que no processo
histórico da Assistência Social no Brasil existe em várias culturas. O que
tratamos é uma ruptura de paradigmas que ocorre a partir da Constituição ou
mais especificamente a partir da PNAS de 2004 e do SUAS (Sposati, 2009).

Mota (2009) afirma que a assistência social, dependendo da direção em que se


estrutura e se implementa, pode se constituir, ou não, num “mito”. O destaque da
Assistência Social no enfrentamento da desigualdade social estabelecido como principal
mecanismo no interior das ações estatais rompe com a perspectiva de que seja “um
direito que em determinadas conjunturas pode se traduzir num mito pela dimensão que
ela ocupe, não no interior específico na engenharia da seguridade, mas que ela adquire
no cenário mais amplo da sociedade” (Mota, 2009).

Para Mota, a Assistência Social estabelece-se como mecanismo privilegiado na


esfera da cultura e da ideologia como principal meio de combate ao crescimento da
desigualdade. A autora enfatiza que o processo de assistencialização não pode ser
confundido com o “assistencialismo” (Mota, 2009). Para ela a assistência se consolida
como política pública, mas seu destaque em face da Seguridade Social como medida de
proteção social, define sua orientação na “forma” do combate à desigualdade, que
destaca a Assistência Social como meio de combate à pobreza através de ações pontuais
e fragmentadas afinadas ao destaque desta política e a precarização da Seguridade
Social como um todo.

123
Os mecanismos de proteção social no âmbito da Assistência Social, assim como
seus serviços e benefícios, caracterizaram-se historicamente como constitutivos de uma
perspectiva seletiva e fragmentada de acordo com o grau de necessidade demandada
dentre o público com maior grau de pobreza, numa perspectiva de benefício-privilégio.

É a presença do mecanismo assistencial nas políticas sociais que a configura


como compensatória de “carências”. Com isso torna-se justificatório para o
Estado selecionar o grau de carência da demanda (financeira, nutricional, física,
etc.) para incluí-la / excluí-la dos serviços ou bens ofertados pelos programas
sociais. Mesmo os serviços produzidos pela Previdência Social aos securitários
recebem a tipificação de benefícios (Sposati et ali, 1986, p. 30).

Um dos efeitos do mecanismo assistencial é o rebaixamento das demandas, a


partir da configuração pontual dos atendimentos, um processo que pode ser observado
na Seguridade Social na contemporaneidade, conforme já indicamos anteriormente, e
que a nosso ver não é rompido na Assistência Social com a PNAS e o SUAS.
Consideramos, ao contrário, que as recentes alterações e mesmo que em muitos casos
constituam importantes avanços para a política de Assistência Social, não fazem frente
aos processos de privatização e precarização das políticas que integram a Seguridade
Social no Brasil.

Outro efeito da presença do mecanismo assistencial consiste em permitir a


justificativa de um rebaixamento na qualidade dos serviços. Enquanto dirigidos
a pessoas de “poucas exigências”, “ignorantes”, os programas sociais podem ser
reduzidos a soluções precárias. Na perspectiva assistencial, os serviços públicos
se destinam a uma população dita “carente e minoritária”. Neste sentido são
prestados em condições precárias quantitativa e qualitativamente, e estabelecem
clientelas elegíveis dentre os demandatários (Sposati et ali, 1986, p. 30 – 31).

Importa destacar a atualidade desta colocação das autoras uma vez que são
políticas precarizadas, características dos serviços público-estatais ofertados, mesmo nas
políticas de corte universal (como a saúde) que condicionam a sobrevivência, a vida ou
a morte da população pauperizada que as acessam e delas depende. As características
históricas das ações assistenciais pontuadas por Sposati et ali (1986) passam a estar
cada vez mais presentes na Seguridade Social. Ainda que a Saúde, por exemplo, não
seja destinada legalmente de forma exclusiva aos mais pobres, com a precarização deste
serviço no âmbito da esfera pública-estatal e a oferta de planos privados para as mais
diferenciadas faixas de renda acabam determinando o público que acessa
substancialmente a Saúde Pública.

Os benefícios, que foram se desqualificando e reduzindo-se no sistema de


atendimento à saúde público-universal, estão sendo dirigidos para os setores
mais pobres da população. Embora não explicitamente, o desinteresse, a

124
despreocupação e a desvalorização pública dos sistemas de saúde público-
universais acabaram por produzir uma adaptabilidade da política de saúde como
um todo, orientando os benefícios para os setores mais pobres. O
redirecionamento de recursos públicos e/ou privados para programas
focalizados de todo tipo acaba, portanto, “assistencializando” alguns setores das
políticas permanentes (universais ou contributivas), fragilizando-as. Produz-se,
então, uma mudança na relação de importância ou predominância política entre
as diversas formas de proteção social. Enquanto o tradicional padrão de
proteção definia-se pelo predomínio político-social das políticas sociais
permanentes de saúde e aposentadorias – que, embora excludentes, garantiam
direitos sociais e, sobretudo certa força política às categorias de trabalhadores
protegidas –, os programas assistenciais eram considerados “complementares”.
No padrão que se está constituindo, estes últimos adquirem um status político
diferenciado superior, enquanto os permanentes e unificados experimentam
estratégias diversas de privatização, redução, seletividade, desresponsabilidade
e desoneração pública na execução direta, resultando no seu enfraquecimento,
tanto político quanto social (Pastorini e Galízia, 2006, p 97).

A previdência, após vários processos de privatização119, mesmo num espectro de


cobertura aos trabalhadores com vínculos formais, ainda supõe um recorte que atende a
determinadas faixas salariais restritos, pois além de um determinado teto a cobertura
tende a ser fomentada a autoproteção, por meio do incentivo a aquisição de serviços
privados, e do discurso da ineficiência do Estado, do déficit previdenciário, e das
“inseguranças” localizadas na proteção estatal.

As características apontadas120 coadunam com a afirmação de Sposati (2009)


que há uma “mistificação” que tensiona a indicação que a política de assistência social
se ocuparia somente dos pobres e das situações de pobreza. A autora considera que estas
são expressões da “exploração, concentração de riqueza e da sua não-distribuição” e
ainda que sejam objeto da Assistência Social não são exclusivas dela (Sposati, 2009).

Ainda que as camadas de salários mais baixos sejam as demandatárias da


Assistência Social – e de outras políticas públicas – a autora considera que a crítica à
assistência social apontaria para uma concepção equivocada quando afirma que esta
direção fundamenta as políticas sociais e significa uma banalização do processo
(Sposati, 2009). Mesmo reconhecendo que “a demanda pela política de assistência
social, saúde e demais políticas seja por camadas de menores salários”, entende estas
políticas não são, de fato, destinadas apenas para estas camadas (Sposati, 2009).

De forma diversa, Mota afirma que

119
A previdência social vem passando por inúmeros processos de privatização desde a década de 1990 e que tem
como principal determinação tornar o acesso aos benefícios cada vez mais restritos, baseado no discurso do déficit
previdenciário e das fraudes no sistema.
120
Já trabalhadas no capítulo anterior quando discorremos sobre a contra-reforma da Previdência Social.

125
Neste momento, diante da precarização do trabalho e, sem dúvida, diante da
ausência de políticas estruturadoras, na maioria dos pequenos municípios
brasileiros, o trabalhador precarizado, informal, necessita remercantilizar o seu
acesso a determinados bens e serviços: transporte, infraestrutura, educação,
saúde. E neste sentido a assistência não se restringe mais da visão do que seria o
pobre. Hoje é o trabalhador pobre, é o trabalhador que tem renda, é ele também
usuário da política de assistência (Mota, 2009).

Desta forma é possível afirmar que no nosso entender a Assistência Social vem
se consolidando como substitutivo à proteção social, movimento contraposto aos
princípios defendidos amplamente no interior da categoria dos assistentes sociais como
a Seguridade Social necessária121.

Sposati (1986) afirma que as políticas estabelecidas no aparato estatais e as


respostas para as demandas da esfera do trabalho se reproduzem e são atualizadas
mantendo características que são, inclusive no caso da Assistência Social, anteriores e
posteriores a sua regulamentação e implementação por diferentes governos:

O assistencial é uma forma de caracterizar a exclusão com a face de inclusão,


pela benevolência do Estado frente à “carência dos indivíduos”. Não é ele, de
per si, a exclusão. Esta se dá também nas políticas sociais das sociedades
capitalistas desenvolvidas, uma vez que, no limite, o conflito capital-trabalho
permanece mantendo a desigualdade social. Mesmo ampliando-se a qualidade
do usufruto de bens e serviços pela força de trabalho o Estado burguês
permanece pautando a “distributividade” das soluções nos limites dos interesses
do capital (Sposati et ali, 1986, p. 31).

A autora supracitada defende que os “testes de meios”122 sejam reduzidos como


medida de acesso aos serviços no âmbito da assistência social (2009), no entanto, a
realidade tem demonstrado que nesta política estes testes se consolidaram e se tornaram
aspecto central para acesso, continuando como atribuição demandada para a
administração dos assistentes sociais.

Para Sposati (2009) é a redução dos parâmetros rebaixados para o acesso aos
serviços que garante a ruptura com categorias depreciativas do público usuário.

121
As indicações contidas na Carta de Maceió, documento resultante do XXIX Encontro Nacional CFESS/CRESS
realizado no ano 2000 e que aponta para um outro modelo de Seguridade Social e que, ainda hoje, é referência para a
categoria dos assistentes sociais na discussão dos princípios orientadores da proteção social no Brasil, indicam para
uma posição firme contra a perspectiva da focalização e denúncia pública propostas restritivas do acesso aos direitos
constituídos; considera que o desvio de recursos da seguridade social para a sustentação da política macroeconômica
faz parte de uma política regressiva do governo federal. Esta última característica que perdura aos dias atuais. A
defesa de uma proteção social implica, superar a fragmentação setorial engendrada à revelia do princípio
constitucional da Seguridade Social, a partir de sua tematização por meio dos eixos da gestão, controle social e
financiamento e de propostas no sentido da articulação das três políticas. A Carta de Maceió aponta, inclusive, para
um conceito mais amplo de seguridade social, que incorpore outras políticas sociais, constituindo um verdadeiro
padrão de proteção social no Brasil (CFESS, 2009).
122
Os “testes de meios” são a verificação das condições de vida particularmente vinculada à renda familiar e per
capita que determinam pelos programas e projetos para que o acesso seja viabilizado ou não.

126
Avançar a assistência social no campo dos direitos significa a crescente redução
dos testes de meios. Significa a prevalência da necessidade, significa o
abandono / ruptura das categorias: o carente, o necessitado, o excluído, todas
categorias altamente estigmatizadoras (Sposati, 2009).

Na assistência social o público usuário é claramente definido pelo corte de


renda, desde o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao público que pode acessar
aos programas e projetos atualmente existentes. O BPC atende à parcela mais pobre dos
idosos e às pessoas com deficiência123, mas ainda a assistência social é um direito
garantido para aqueles que atenderem os pré-requisitos e requisitos, independente da
situação financeira do governo (Cf. Lavinas, 2007).

Entendemos que se torna cada vez mais difícil romper com os “testes de meios”
quando o direcionamento das políticas sociais e econômicas aponta no sentido da
consolidação dos programas de combate à pobreza e quando a concepção de pobreza
que os orienta se restringe a mensurar estritamente à renda familiar para estabelecer
critérios de “entrada”.

As condições de acesso a bens e serviços a partir da assistência social estruturam


a reprodução dos testes de meios para que apenas os mais pobres dentre os pobres –
localizados na linha de indigência e extrema pobreza – tenham suas necessidades
básicas parcialmente atendidas para alteração de patamares dos famigerados índices de
desenvolvimento humano e social .

As características estigmatizadoras destacadas acima no discurso oficial buscam


ser combatidas numa perspectiva de alteração de patamares mínimos de renda, mas não
se coloca no centro das preocupações a luta contra as contradições que geram as
desigualdades. A preocupação com o atendimento das desigualdades é acompanhada de
uma despreocupação com as suas forças causais.

Desta forma, o conjunto de ações e benefícios direcionados para segmentos da


população que passam por estes testes de meios se conjuga com a assistencialização das
políticas sociais, que tem sua configuração concreta numa perspectiva focalizadora e
privatizante. Como consequência a política de Assistência Social restringe-se a atender

123
Podem acessar o BPC as pessoas com necessidades especiais consideradas incapacitantes para o trabalho e os
idosos maiores de sessenta e cinco anos, que é o primeiro recorte, e que tenham conjugada a estas condições renda
familiar de até um quarto do salário mínimo, hoje de R$ 465,00 (R$ 116,25). Em 2005 o BPC atendia a cerca de 2,2
milhões de pessoas (entre idosos e pessoas com deficiência) dentre os mais pobres, somando cerca de R$ 8,5 bilhões
em recursos (Lavinas, 2007, p. 59). O governo dever arcar com os custos dos benefícios independente do número de
demandantes, desde que estejam “classificados” dentro dos critérios supracitados, diferente dos programas de
transferência de renda, como o PBF, que tem metas limitadas de beneficiários.

127
precariamente aqueles setores da população que não podem acessar estes serviços no
mercado e aqueles que não obtêm proteção social como decorrência do seu vínculo
empregatício.

Constituir políticas de proteção social no bojo da Seguridade Social necessita, a


nosso ver, da retomada da concepção inscrita na Constituição Federal, avançando em
relação aos seus limites. Entendemos que as inseguranças, vulnerabilidade e fragilidades
apontadas pela PNAS/SUAS emergem da contradição entre capital-trabalho, e nesta
leitura não figuram como expressões da “questão social”.

Mas se não se rompem as “inseguranças”, vulnerabilidade e fragilidades


oriundas do conflito capital-trabalho com “uma” política social, não poderão ser
rompidas com a política de Assistência Social mesmo que ampliada. Tal como falamos
anteriormente não existe intervenção no social que possa atingir esse objetivo sem estar
amparada por uma política econômica que lhe garanta funcionamento para atender a
estas necessidades.

Portanto, a nosso ver, não se trata de ressignificar a PNAS e o SUAS, de lutar


por uma “outra” ou uma Assistência Social “melhor”, mas de entender primeiramente:
sua função compensatória e “razão de ser” circunscrita, a sua relação com as demais
políticas sociais. Entendemos que seja necessário propor ações no âmbito da Assistência
Social para além dos programas e projetos a ela circunscritos hoje e, em segundo lugar,
compreender que o processo de assistencialização, conforme o caracterizamos, se dá
concretamente na realidade, e que seus elementos e determinantes encontram-se hoje
pulverizando a Seguridade Social. Reconhecer a existência do processo de
assistencialização nas políticas sociais é condição para acertarmos nas ações que
precisam ser propostas para consolidar a Assistência Social como política de Seguridade
Social, ou seja, é condição da ação a análise que fazemos acerca da configuração das
políticas sociais.

A relação da Seguridade Social, e da Assistência em particular, com o debate do


direito ao trabalho, nos permitirá pontuar brevemente como o processo de
assistencialização das políticas sociais escamoteia as contradições fundantes da
sociedade capitalista e constituem uma cultura da “exclusão” e “inclusão” via políticas
fragmentadas no bojo da reestruturação produtiva e desregulamentação das relações de
trabalho e das garantias de direitos atreladas a esta vinculação.

128
2.2 – Trabalho e Assistência Social

A relação da Seguridade Social com o trabalho e as políticas de proteção social


ao trabalhador passa pela discussão do direito ao trabalho e das garantias vinculadas ao
seu exercício e como se configuram estas medidas no interior das políticas sociais. Na
Assistência Social em particular os programas de transferência de renda adquirem
centralidade como forma de integração dos “excluídos”124.

O desemprego estrutural e a crise são os sintomas mais evidentes de uma


conjuntura de exponencial ampliação das desigualdades. A organização dos
trabalhadores, por sua vez, também está mediada pelas condições de inserção no
mercado de trabalho, na forma em que se estabelecem vínculos e em que estão
assistidos por mecanismos de proteção social e reprodução da sua força de trabalho.

Tendo em vista o entendimento da importância da relação entre Asssitência e


trabalho, faz-se necessário remetermos à sua categorização. Para Lukács (apud Lessa,
1996) o conceito de trabalho é sinônimo da transformação teleologicamente posta da
natureza, ou seja, uma atividade eminentemente humana, com meios e fins, que é
planejada antes da sua execução. Desta forma,

O único pressuposto da ontologia lukacsiana é retirado diretamente de Marx: os


homens apenas podem viver se efetivarem uma contínua transformação da
natureza. Diferentemente do que ocorre na esfera biológica, essa transformação
da natureza é teleologicamente posta; seu resultado final é previamente
construído na subjetividade sob a forma de uma finalidade que orientará todas
as ações que virão a seguir. Essa transformação teleologicamente posta da
natureza, após Marx, Luckács denomina de trabalho (Lessa, 1996, pp. 9-10).

O ser social se produz e reproduz num determinado modelo de sociedade, em


relações mediadas por uma linguagem e por uma forma de trabalho, portanto “já no seu
momento primordial, o ser social comparece como um complexo constituído, pelo
menos, por três categorias primordiais: a sociedade, a linguagem e o trabalho” (Lessa,
1996, p. 10).

Esta atividade põe ao homem a condição de transformar e ser transformado, pois


ao atender suas necessidades o homem cria novas necessidades e habilidades. A forma

124
Entendemos que o conceito de “exclusão” escamoteia a “questão social” ao denominar a população pauperizada
como “excluída” e considerando o “fenômeno” da pobreza sem explicar sua funcionalidade na reprodução a ordem
capitalista, nem como resultado da produção e concentração de riquezas na mesma medida em que produz o
pauperismo. Como afirma Maranhão (2008) “Com a teoria da ‘exclusão social’, temos diante de nós um conceito que
mais obscurece do que esclarece a totalidade das relações sociais em que o fenômeno está envolvido, e, por isso,
deixa de apreender as condições concretas que fazem do desemprego crescente, e da pauperização ampliada, parte
constitutiva da dinâmica social contemporânea” (p. 96).

129
de exteriorização do homem está determinada pela forma de sociedade em que ele vive,
“a exteriorização da individualidade é também uma exteriorização de um dado patamar
específico de desenvolvimento social (...) em poucas palavras: ao transformar o real, o
sujeito também se transforma” (Idem., p. 11).

ao transformar a natureza, o indivíduo também se transforma. Primeiro, porque


desenvolve novas habilidades. Em segundo lugar porque, para vencer a
resistência que o ser opõe à sua transformação em objetos construídos pelos
homens, é decisivo que venha a conhecer os nexos causais e as determinações
mais importantes do setor da natureza que deseja transformar. Toda objetivação
resulta em novos conhecimentos e novas habilidades – sendo breve, em novas
possibilidades, e por isso, ao transformar a natureza, o indivíduo também se
transforma (Idem., p. 11).

O homem é produto da sociedade, das relações sociais que nela se desenvolve e


da forma como se objetiva nela. A contradição fundamental da sociedade capitalista é a
apropriação privada dos meios de produção e a exploração do trabalho que opõe duas
classes fundamentais: os capitalistas por um lado e os trabalhadores por outro.

A dimensão genérica do ser social é dada pelo trabalho, só é possível como


atividade coletiva: o próprio ato individual do trabalho é essencialmente
histórico-social. Ora o trabalho vivo só se realiza mediante o consumo de
instrumentos, matérias e conhecimentos legados por gerações anteriores.
Resultados esses que trazem em si condensação de trabalho corporificado já
realizado ou trabalho passado, atestando o caráter social do trabalho. Este
expressa-se essencialmente no fato de que o homem só pode realiza-lo através
da relação com outros homens. E só pode tornar-se homem ao incorporar à sua
vida, à sua própria atividade formas de comportamento e idéias criadas por
gerações precedentes. É neste sentido que o indivíduo concreto é, em si mesmo,
um produto histórico-social (Iamamoto, 2001, pp. 43-44).

A classe trabalhadora, tendo em vista que possui somente a sua força de trabalho
e depende de sua venda para sua reprodução, é, por isso, a maior interessada na
alteração dos patamares de concentração e de distribuição de renda e da ampliação do
acesso à riqueza socialmente produzida. Mas estas melhores condições, ainda que já
tenham alcançado patamares diferenciados nos países centrais, possuem limites
endógenos ao sistema em que está situada.

Tendo em vista que a concentração de renda é determinada essencialmente pela


natureza da apropriação privada da riqueza produzida, não há, no interior da ordem
burguesa, a possibilidade de um “salário justo”. Como afirmava Marx (s.d.), uma
jornada de trabalho justa e um salário justo é incompatível com a ordem capitalista, é
necessário superá-la, abolindo o trabalho assalariado (Idem):

130
A classe operária deve saber que o sistema atual, mesmo com todas as misérias
que lhe impõe, engendra simultaneamente as condições materiais e as formas
sociais necessárias para uma reconstrução econômica da sociedade. Em vez do
lema conservador de: “Um salário justo por uma jornada de trabalho justa!”,
deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária: “Abolição do
sistema de trabalho assalariado!” (s.d., p.378).

Para o autor, o trabalho assalariado já é a organização vigente no capitalismo,


não pode ser, portanto, esta, a bandeira de luta dos trabalhadores que buscam a ruptura
com a sua condição de opressão. Nesse sentido, concordamos que a idéia de que

o trabalho assalariado já é a organização existente, a organização burguesa do


trabalho. Sem ele não há capital, nem há burguesia, nem sociedade burguesa.
Um ministério especial para o trabalho! E os Ministérios da Fazenda,
Comércio, Obras Públicas não são os ministérios burgueses do trabalho? Junto
a esses, um ministério proletário do trabalho tinha que ser, necessariamente, o
ministério da impotência, o ministério dos piedosos desejos (Marx e Engels,
s.d., p.118).

O primado liberal do trabalho tem como princípio a manutenção da vida através


da venda da força de trabalho, através do salário. Boschetti (2004) destaca que são
contraditórias as iniciativas que não passam diretamente por esta mediação, como a
renda mínima, que fornece recursos para famílias com patamares de renda rebaixados,
caracterizando as linhas de pobreza e indigência.

O primado liberal do trabalho ou, mais precisamente, do trabalho assalariado,


materializou na história o princípio que o homem deve manter a si e à sua
família com os ganhos de seu trabalho, ou com a venda da sua força de trabalho.
(Polanyi, 1980). Visto que este princípio sustenta e funda a organização
socioeconômica capitalista, a perspectiva e as iniciativas de instituição e
garantia de renda por meio de políticas assistenciais, sob a forma de “renda
mínima”, portanto dissociadas do exercício do trabalho, são profundamente
permeadas por debates teóricos tensos, conflituosos e, como não poderia ser
diferente, orientadas por perspectivas políticas e ideológicas antagônicas
(Boschetti, 2004, p.66).

Para Boschetti “[a assistência é] uma política em constante conflito com as


formas capitalistas de organização social do trabalho” (2004, p. 66). A autora questiona
qual é o campo reservado à Assistência numa sociedade fundada no primado liberal do
trabalho: “Direito de cidadania, política compensatória, política de complementação
e/ou substituição de renda, política de promoção e/ou geração de emprego?” (Idem). No
interior da assistência social figuram iniciativas que tem por objetivo conjugar renda
mínima e capacitação para inserção no mercado de trabalho.

131
Nos países centrais, destaca Boschetti (2004), o Estado Social foi orientado pelo
primado do trabalho como direito e foram garantidos direitos derivados do exercício do
trabalho.

As principais políticas que conformaram e consolidaram o Estado Social nos


países capitalistas desenvolvidos foram orientadas pelo primado do trabalho e
instituíram-se como direito do trabalho. Na impossibilidade de garantir o
direito ao trabalho para todos, os Estados capitalistas desenvolvidos
garantiram direitos derivados do exercício do trabalho (Boschetti, 2004, p.
68).

Nos países periféricos, como o Brasil, nunca se estabeleceram condições para a


garantia de pleno emprego, nem para criar mecanismos de proteção social para a
totalidade da população, nem através dos direitos derivados do exercício do trabalho
com vínculo formal, nem através de outras formas que permitissem a garantia de
direitos de cidadania de corte universal. Mesmo com a aprovação da Constituição
Federal de 1988 e o reconhecimento da Assistência Social como um direito de
cidadania, ainda existem importantes setores da população brasileira sem garantias de
proteção social. Uma das causas desta “desproteção” localiza-se na existência de
critérios de inserção utilizados para definir os destinatários dos programas
desenvolvidos no âmbito da política de Assistência Social. Mas como indica Boschetti,
baseada em dados oficiais,

No Brasil, os trabalhadores sem trabalho, somados aos que participam do


chamado “mercado informal” de trabalho e que não estão assegurados pela
previdência social totalizam a metade (em torno de 51 milhões de pessoas) da
população ocupada. E os trabalhadores que não têm acesso a esses direitos
devido a essa lógica perversa são os mais pobres, já que 79% dos trabalhadores
não segurados (em torno de 25 milhões de pessoas) possuem renda inferior a
dois salários mínimos mensais, e 79% dos trabalhadores que possuem uma
carteira de trabalho assinada (em torno de 18 milhões de trabalhadores) recebem
abaixo de cinco salários mínimos mensais (2004, p. 69).

O processo de reestruturação produtiva recoloca em outro patamar a discussão


do direito ao trabalho, pois o avanço das forças produtivas garantiu ao capital a
liberação de trabalho vivo, por conta da incorporação de trabalho morto, via as novas
tecnologias existentes e em desenvolvimento125. Este avanço não se traduz na melhoria
das condições de trabalho e na redução da jornada de trabalho.

125
Iamamoto (2008) destaca esta inversão da incorporação de trabalho morto pela forma de organização do trabalho
pelo capital: “O processo de trabalho organizado pelo capital é presidido por uma inversão: o trabalho vivo é simples
meio de valorização dos valores existentes expressos nos meios de produção. Tem-se o domínio do trabalho
objetivado nos meios de produção, nas coisas, sobre o trabalho vivo, ou seja, sobre o trabalhador” (2008, p. 249).

132
Este avanço das forças produtivas e redução do trabalho vivo na
contemporaneidade implica num desemprego estrutural, o que, por sua vez, contribui
também para a desmobilização da organização dos trabalhadores e conduz a um refluxo
na luta pela reversão das condições precárias de trabalho e da desestruturação dos
direitos de proteção ao trabalho.

Temos presente um processo de intensificação da exploração da força de


trabalho e da redução de direitos. Mas a história nos mostra que a intervenção sobre a
regulamentação do trabalho sempre se deu por meio das tensões no enfrentamento entre
capital e trabalho, o que demonstra as possibilidades de conquistas por parte dos
trabalhadores, ainda que o capital seja “o lado mais forte” nesta disputa.

Pelo que concerne à limitação da jornada de trabalho (...) nunca foi ela
regulamentada senão por intervenção legislativa. E sem a constante pressão
dos operários agindo por fora, nunca essa intervenção se daria. Em todo caso,
este resultado não teria sido alcançado por meio de convênios privados entre os
operários e os capitalistas. E esta necessidade mesma de uma ação política
geral é precisamente o que demonstra que, na luta puramente econômica, o
capital é a parte mais forte (MARX, s.d., p.375).

Parece que o enfrentamento das contradições da ordem burguesa e a disputa


interna esbarram em um limite: o direito ao trabalho nunca se universalizou e não será
universalizado nos marcos do capitalismo, pois a universalização do trabalho significa a
socialização dos meios de trabalho126.

O debate acerca do trabalho assalariado e do direito ao trabalho tem importância


significativa no entendimento acerca do processo de assistencialização das políticas
sociais, na medida em que o histórico da Seguridade Social e da consolidação de
conquistas no âmbito das garantias de proteção social se produziu como fruto das lutas
da classe trabalhadora. Precisamos nos questionar sobre a estruturação dos direitos
numa conjuntura em que as lutas classistas encontram-se num momento de refluxo.
Nesta mesma conjuntura temos a estruturação de medidas de proteção social no campo
da Assistência Social. Estas podem, portanto, serem consideradas conquistas ou
estratégias do capital?

126
O trabalho livre, como meio de atendimento às necessidades e desenvolvimento das capacidades humanas, se
inscreve numa perspectiva emancipatória que supõe o fim do trabalho assalariado, de sua forma alienada, que limita o
desenvolvimento destas capacidades e assume uma função de meio de vida oposta ao trabalho livre, horizonte da
construção de uma nova ordem societária, oposta ao capitalismo.

133
Como vimos, os programas e projetos estruturados no âmbito da Assistência
Social estão perpassados pela lógica da administração da pobreza, respondem às
necessidades fundamentais de reprodução social dos segmentos mais pauperizados da
classe trabalhadora, mas, no entanto, repõem as expressões da “questão social” em
outros patamares, pois não são oferecidas garantias no âmbito das políticas sociais ao
atendimento das necessidades sociais numa perspectiva ampliada da Seguridade Social.

A Seguridade Social, ancorada na proteção ao trabalhador e nas garantias de sua


reprodução social, fundamentalmente, responde parcialmente às necessidades desta
classe. Temos, portanto, uma tensão entre a garantia de atenção a essas necessidades,
sob a perspectiva dos trabalhadores, e seu manejo segundo os interesses do capital.

À política de Assistência Social caberia assistir aos segmentos não contemplados


pelas garantias previdenciárias derivadas dos direitos de proteção ao trabalhador127. No
entanto, num período no qual o desemprego se torna estrutural, as formas de inserção no
mercado de trabalho estão cada vez mais precarizadas, a parcela da população que se
encontra protegida pela Previdência Social e pela legislação trabalhista vem sendo
diminuída substancialmente. A pauperização crescente dos trabalhadores, a ampliação
do exército industrial de reserva, o recrudescimento das lutas e repressão aos
movimentos mais expressivos imprimem uma conjuntura de retrocesso nos direitos e
garantias já conquistados e constituem um momento não muito alentador para novas
conquistas.

Dentre outras determinações, há a necessidade imanente no modo de produção


capitalista de manter uma parcela da classe trabalhadora à margem do “mercado de
trabalho” – de forma permanente e/ou temporária – para que o capital disponha de um
exército industrial de reserva de acordo com suas necessidades. O mais próximo que se
chegou ao pleno emprego ocorreu nos países centrais, com a organização da produção
tendo como base os princípios fordista-tayloristas, articulado a uma forte regulação do
Estado, dando lugar aos chamados Estados de Bem-Estar Social, numa conjuntura
diferenciada, numa fase de expansão do capital e na qual, inclusive, projetos societários

127
O trabalhador precarizado (ou desempregado) sem vínculos previdenciários não possui garantias na ocorrência de
interrupções temporárias e/ou permanentes. Caberia a Assistência assisti-los, quando não houvesse vínculo com a
Previdência Social, política contributiva e destinada somente àqueles que tiverem um mínimo de contribuições ou
estejam cobertos por legislações específicas (como o trabalhador rural e doméstico) provendo-lhe condições para o
atendimento às suas necessidades de reprodução social.

134
distintos conviviam no globo e o capitalismo tinha um modelo societário concreto para
competir: o comunismo.

Hoje, a diferença central, em relação ao passado, é o diminuto e restringido


horizonte economicamente expansivo do capitalismo, no quadro da crise geral
do assalariamento, dos mecanismos públicos de proteção aos riscos sociais do
trabalho e da organização política dos trabalhadores e no marco da expansão e
hipertrofia do capital financeiro, do desemprego massivo e da subtração das
responsabilidades sociais do Estado (Mota, 2008, p. 26).

No centro da resposta em relação à expansão da pauperização coloca-se a


ampliação da política de Assistência Social, que atende ao público mais empobrecido,
com foco no combate à pobreza por meio de programas e projetos focalizados e restritos
a administração de índices que a medem128.

A relação entre Seguridade Social e trabalho na constituição dos Estados de


Bem-Estar Social sempre foi central e no Brasil, mesmo que seus elementos estivessem
presentes apenas no bojo da legislação orientada pela Constituição de 1988, não foi
diferente. No entanto, o desenvolvimento de políticas com objetivo de pleno emprego –
que pode contribuir para ampliar a cobertura previdenciária – não foi desenvolvida em
nenhum momento da trajetória histórica brasileira. Na conjuntura contemporânea,
diante das orientações dos organismos multilaterais, são gestadas diretrizes para que se
constituam políticas de combate à pobreza, junto com as reformas nas políticas sociais.
Mota (2008) entende que uma nova estratégia está em curso, pois

está em processo de consolidação uma nova estratégia de dominação política:


uma nova reforma social e moral da burguesia (...) que se realiza através do
atendimento de algumas necessidades objetivas das classes trabalhadoras,
integrando-as às sua lógica reprodutiva. Essa reforma implica numa
passivização da “questão social”, que se desloca do campo do trabalho para se
apresentar como sinônimo das expressões da pobreza e, por isso mesmo, objeto
do direito à assistência e não ao trabalho (2008, p.142).

A relação entre política social e trabalho, no contexto dos programas de combate


à pobreza, tem uma orientação central: gerar condições de auto-sustentabilidade das
famílias através da geração de renda, por meio da autonomia, solidariedade, construção
de redes de ajuda mútua e outras iniciativas periféricas ao mercado de trabalho chamado
de formal (ou de trabalho protegido ou considerado “decente”).

128
Maranhão (2008) destaca que com “a expansão da superpopulação relativa, cria-se assim tanto uma população
proletarizada, sempre pronta a atender aos anseios do capital por trabalho, como, também, uma massa de
desocupados duradouros e miseráveis que estão totalmente espoliados dos mais básicos meios de subsistência” (p.
105).Estes programas têm por objetivo prestar atendimento no sentido de “aliviar” a pobreza destes últimos.

135
A expansão do direito à Seguridade Social apenas através da Assistência Social
pode significar a perpetuação da segmentação ou dualização da proteção, da reprodução
destas famílias de forma precária e insegura, sem proteção por parte do poder público.
Ainda é a previdência social que garante cobertura nos casos de incapacidade para o
trabalho quando se trata dos contribuintes. Nas formas precarizadas de atividades
econômicas em geral os patamares de renda continuam não alcançando o mínimo que
seja suficiente, inclusive, para contribuir de forma autônoma com a previdência,
passando portanto a serem protegidos pela Assistência Social ou ficando à mercê da
solidariedade social, caso não possam acessar os serviços privados.

O processo que se empreende na década de 1990, e que se aprofunda com os


anos 2000, conjuga privatização/mercantilização de bens e serviços públicos vinculados
à Seguridade Social com a expansão da Assistência Social numa dada perspectiva.
Acerca desta questão Mota manifesta que esta

era uma tendência inscrita na realidade, no processo de restauração capitalista e


de financeirização e de expansão das fronteiras e da supercapitalização.
Momento em que transformam os serviços públicos em serviços mercantis a
despeito da assistência social ser um serviço desmercantilizado e, por isso
mesmo, mantinha uma unidade contraditória. Enquanto se expandia um serviço
desmercantilizado, se aprofundava a privatização de outros que também são
constitutivas de direito e nem por isso deixaram de ser objeto de precarização e
de dificuldade de expansão (Mota, 2009).

É a Assistência Social que vem responder demandas dos trabalhadores


precarizados ou sem qualquer vínculo de trabalho, visto o destaque desta política social.
Estes trabalhadores não acessam aos mecanismos de proteção previdenciários.

Ao lado da mercantilização novo processo se instala e que é a expulsão da


presença da previdência e a inserção no campo da assistência armando
reiteradamente, e a existência do cidadão-pobre, porque apesar de ser
trabalhador ele é precarizado, ele é desprotegido, é temporariamente
desocupado ou ele é definitivamente expulso do campo da produção e, portanto,
também expulso dos mecanismos da previdência social (Mota, 2009).

A política de Assistência Social não necessariamente alcança a este público,


visto que para inserção em determinados programas, projetos e benefícios definem um
determinado perfil de renda que os caracteriza como pobres ou extremamente pobres.
Sem dúvida, esta política não oferece garantias equiparadas às da previdência social
pelos próprios critérios que determinam o acesso aos benefícios e serviços.

A classe dominante denomina, assim, de “excluídos” aqueles que ainda não se


inseriram no mercado, os considerados incapazes para o trabalho, seja por limitações

136
“físicas” permanentes ou temporárias – os idosos, pessoas com deficiência, crianças e
mulheres – e aqueles que por necessidades não-permanentes não tem sua força de
trabalho incorporada no mercado, daí a necessidade de estratégias de “inclusão”, já que
a lógica imprimida pela burguesia qualifica o mercado para “dar conta” da incorporação
de todos e cabe ao Estado capacitar aos “inaptos” ou “incapazes” ou absorver suas
demandas, quando estas limitações forem consideradas irreversíveis.
A lógica imperativa da “inclusão” é dar à população a possibilidade de
qualificação e educação que nunca teve, por meio de capacitação profissional, cursos,
acesso ao ensino básico, dentre outros – resgatando a histórica “dívida social” – para
que sejam equiparadas às condições básicas e permitir a concorrência, seja através da
sua inserção no mercado de trabalho (formal ou informal) ou pela via do consumo 129.

A idéia da mobilização e participação popular é uma das principais temáticas no


debate da Assistência Social, e no âmbito das demais políticas sociais. No entanto, o
público atendido pela política de Assistência Social possui particularidades na sua
trajetória, composição e capacidade concreta de articulação.

As condições para colocar a pauta dos direitos com base em interesses comuns à
classe trabalhadora e que contemplem os diferentes segmentos supõe um nível de
consciência de classe que não restrinja a luta mais geral dos trabalhadores apenas à
manutenção de direitos já conquistados e ameaçados, mas uma característica dos tempos
atuais é a constante ameaça destes interesses, que põem estes movimentos em posição
defensiva, o que também é necessário para a manutenção de conquistas históricas.

Iamamoto (2001) destaca que é o movimento mais amplo de apropriação


coletiva e organização destes interesses que caracterizam o movimento das classes.

A expressão política das classes supõe sua existência social objetiva, isto é,
condições históricas que tornem possível interesses sociais comuns e sua
apropriação coletiva pelos indivíduos sociais. Interesses que ultrapassam a
mera dimensão econômico-corporativa, elevando-se a uma dimensão universal.
Esse movimento dos sujeitos sociais, de apropriação coletiva e organização de
seus interesses, revela-se como processo de luta e de formação da consciência
de classe. Adquire visibilidade pública através da ação voltada à defesa de seus
interesses comuns ante os das demais classes, dotando-os de universalidade
(Iamamoto, 2001, p. 82).

Mota (2008) destaca a Assistência Social, dentre as políticas sociais, passa a ser
operada como “a” medida de proteção social, o que lhe imprime a condição de mito

129
Cf. Capítulo 1, a análise dos programas e projetos de Assistência Social, no item 1.4.

137
social. Infunde-se, portanto, o conteúdo ideológico de que, mesmo restringindo-se à
ampliação desta política, teríamos a alteração da lógica da reprodução da pobreza e da
desigualdade social. Na verdade, as condições em que se inscreve prática e
ideologicamente são determinadas pelas condições estruturais de precarização do
trabalho e desemprego estrutural. Em suas palavras:

A Assistência Social, mais do que uma política de proteção social, se constitui


num mito social. (...) mais pela sua condição de ideologia e prática política,
robustecidas no plano superestrutural pelo apagamento do lugar que a
precarização o trabalho e o aumento da superpopulação relativa tem no processo
de reprodução social (Mota, 2008, p.141).

Outro aspecto destacado pela autora é o momento de refluxo da organização dos


trabalhadores. Inscrito nesta conjuntura, temos o deslocamento do significado fundante
da “questão social”, a contradição entre capital e trabalho, para a naturalização de suas
refrações:

a fragilização do movimento operário, [adquire] um caráter de resistência (...).


Este aspecto implica num “deslocamento” do significado da questão social, que
se afasta da relação entre pauperização dos trabalhadores e acumulação
capitalista, para ser identificada genericamente com as expressões objetivas da
pobreza (Mota, 2008, p.32).

A lógica liberal do trabalho perpassa fundamentalmente as políticas sociais de


previdência e assistência, pois tem sua relação direta com a inserção – ou não –no
mercado de trabalho. Conforme destaca Boschetti (2008), a Seguridade Social no
capitalismo se estrutura com base na organização do trabalho, com diferentes
expressões nas distintas conjunturas.

Nos marcos do capitalismo, a Seguridade Social, em todos os países em que se


desenvolveu, mesmo considerando as diferenças da sua configuração – visto
que não se instituiu da mesma forma em todos os países –, se estrutura com base
na organização social do trabalho. Diante da incapacidade do modo de produção
capitalista de assegurar trabalho para todos os trabalhadores, a seguridade social
assume a função de garantir direitos derivados do trabalho para os trabalhadores
que perderam, momentânea ou permanentemente, sua capacidade laborativa
(Boschetti, 2008, 176).
Na contemporaneidade os processos de desregulamentação do trabalho tornam,
segundo Yasbek (2002), o trabalho assalariado inseguro, o que penalizaria os
trabalhadores. Destaca ainda a Seguridade Social como sistema que oferece proteção
social de acordo com a inserção no mercado.

Nesse novo contexto de precarização e subalternização do trabalho à ordem do


mercado, a questão social se expressa por insegurança do trabalho assalariado e
na penalização dos trabalhadores. Pois é do trabalho, de sua proteção e garantia

138
que se construíram, em um processo de conquistas, os direitos sociais, a
Seguridade Social (Yasbek, 2002, p. 52).
O modelo de Seguridade Social e a proteção social que pode ser oferecida por
ele se ancoram no direito ao trabalho e coloca limites estruturais que não admitem sua
consolidação na sociedade capitalista, visto que pressupõe a universalização deste
direito. Para Boschetti (2008) “este modelo só universaliza direitos sociais se
universalizar, igualmente, o direito ao trabalho, já que ela é condicionada ao acesso a
um trabalho estável e que permita a contribuição à seguridade social” (p. 177).

Nesta lógica, só tem acesso aos direitos da seguridade social os chamados


“segurados” e seus dependentes, pois estes direitos (...), são entendidos como
direitos decorrentes do direito do trabalho, destinando-se apenas àqueles
inseridos em relações formais e estáveis de trabalho ou que contribuam como
segurados especiais (Boschetti, 2008, 176).
Dependendo do mercado de trabalho os países periféricos tem maior prejuízo no
que diz respeito à cobertura por conta da relação entre emprego formal e informal.
“Desde 1993 aumenta a proporção dos empregados sem carteira assinada, destituída dos
direitos trabalhistas (...). O índice dos desempregados sem carteira assinada passa de
21,1% em 1995 para 24,2% do total de ocupados em 2003” (Iamamoto, 2008: 37).

A defesa do direito ao trabalho – da participação no mercado formal de trabalho e


da cobertura/proteção destinada a estes trabalhadores – esbarra no significado do
trabalho na ordem burguesa, que parte de duas premissas: a propriedade privada dos
meios de produção e a exploração da força de trabalho, ou seja, a defesa do direito ao
trabalho implicaria, em princípio, na defesa do trabalho assalariado, trabalho explorado.

Um dos mecanismos em destaque para a participação política dos diversos


segmentos da classe trabalhadora – defendido como espaço estratégico pelo Serviço
Social – são os espaços de controle social que, desde a década de 1980, são definidos
como estratégia de participação popular no controle das políticas sociais públicas e
também na sua formulação e monitoramento. A LOAS preconiza em suas diretrizes “a
participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e no controle das ações em todos os níveis" (Art. 5º, II) estabelecendo
orientações para o exercício do controle social. Estão previstas a participação do

139
governo, trabalhadores e usuários da política de Assistência Social nos conselhos e
conferências da política130.

Martins (2009)131 destaca que é necessário reconhecer os avanços da política,


mas que, no entanto, ainda não rompem com a subalternização dos usuários neste
processo, havendo a necessidade de redesenhar o controle social e sua participação.

É preciso reconhecer que os recentes avanços no campo da política pública de


assistência social têm produzido consideráveis alterações no modo de ver e
tratar a política. Porém, são ainda insuficientes para romper com os processos
de subalternização dos usuários no acesso aos serviços e benefícios, assim como
para a sua participação política nos processos de construção de sua autonomia.
Ainda hoje persiste o uso clientelista da assistência social assim como o
deficitário investimento nos serviços de modo especial. Nessa direção, a
mobilização para a implementação de diversas estratégias que (re) desenhem o
controle social deve ser intensa e urgente (Martins, 2009, p. 8).

A Assistência Social, com a PNAS e o SUAS, nos remete a noções que


fundamentam as possibilidades de concretizar formas de inserção da população atendida
por esta política social. Mas compreendemos que esta participação depende da sua
capacidade organizativa e de mobilização para além do espaço dos conselhos e
conferências. Martins (2009) destaca que

O exercício do controle social não depende apenas da criação de instâncias


institucionais como os conselhos, mas da capacidade dos movimentos,
organizações, fóruns, comissões, grupos e outras formas de articulação, por
meio dos quais os atores da sociedade civil possam debater, alterar e gerar uma
cultura de participação e de construção de direitos (Martins, 2009, p. 14).

Entendemos que não se pode superestimar a capacidade, mesmo com a inserção


organizada destes segmentos nos conselhos, de alteração na lógica dos conselhos, nos
quais o maior peso decisório é do segmento governamental para aprovação de suas
pautas, imprimindo em alguns momentos processos de cooptação das entidades que
participam destas instâncias. O avanço na consecução de direitos está, inclusive, para
além de pautas propostas por estes segmentos de usuários, na luta mais ampla dos
trabalhadores por direitos de caráter permanente, aliados a uma política econômica
redistributiva, como já afirmamos anteriormente.

Sem dúvida é um quadro que se apresenta desde a regulamentação da LOAS


com as entidades representativas atuando nas “vagas” destinadas aos usuários na
130
Os conselhos são órgãos colegiados, de caráter permanente e deliberativo. Um dos desafios históricos e se coloca
até os dias atuais é a garantia da participação dos usuários nos conselhos, normalmente representados pelas
organizações e instituições que lhe prestam serviços, não diretamente pelos que acessam a estes serviços.
131
No Caderno de textos para a Conferência Nacional de Assistência Social com o tema Participação e Controle
Social no SUAS (CNAS /2009).

140
composição dos conselhos, entretanto, o debate dos conselhos também encontra
limitações na medida em que se configuram como esfera de construção da política em
parceria com o Estado e sua representação.

Não consideramos que aos conselhos deva ser atribuído todo o peso de avanço
em conquista ou que se mistifique a participação dos usuários como alavanca para a
conquista e consolidação de direitos, visto as características próprias desta política e,
sobretudo, da concepção e do funcionamento concreto dos conselhos. Por outro lado,
sem fomentar formas de mobilização não será possível avançar concretamente na
direção da afirmação de direitos e garantias de condições de vida para os trabalhadores.
As formas de fomento à mobilização inscritas na dimensão política e educativa da
prática profissional voltadas a população mais pauperizada são limitadas pelas próprias
garantias de reprodução social destes segmentos têm (ou não) acesso e também são
perpassadas pelo processo de assistencialização das políticas sociais.

Como afirmamos anteriormente a composição da organização dos trabalhadores


deve mediar a luta pela afirmação e consolidação de direitos, mas a inserção das
chamadas forças populares ou segmentos subalternos sempre foi um desafio, que há
mais de quinze anos – desde o estabelecimento das legislações que preconizam a
participação popular por meio dos conselhos – não há efetivamente projetos no âmbito
da política de Assistência Social que dêem conta desta inserção parcial, mesmo porque
as condições em que se estruturam esta política estão pré-determinadas pela forma como
é concebida e operacionalizada.

Esta composição tem um determinado sentido, um objetivo, que articulados com


um determinado recorte da Assistência Social voltada para o combate à pobreza
conformam uma ideologia e uma “pedagogia” das políticas sociais, conforme destaca
Mota (2009):

toda Seguridade Social tem uma base material, ela existe a partir de
determinações objetivas na dinâmica da sociedade, que transitam da esfera das
estruturas materiais, econômicas para a esfera da política e quando transitam
para a esfera da política estes mecanismos de reprodução. Embora tenham uma
relativa autonomia, eles reiteram o campo da reprodução social e podem, (...)
sem deixar de ser uma política, sem deixar de ser um direito, também se
transformar numa ideologia (Mota, 2009).

Entende-se, a nosso ver, que esta política não tem a participação efetiva dos seus
usuários no controle social e que esta seria uma das formas de garantir um
tensionamento dentro dela, assim como os avanços necessários para a constituição de

141
direitos, de políticas estatais, para aqueles que necessitam e demandam os programas e
políticas de assistência social.
Ao assistente social, considerado como um dos mediadores do acesso a serviços,
se atribui a responsabilidade pela mobilização dos sujeitos que são atendidos por esta
política através do uso de metodologias participativas no uso de sua “criatividade” para
a formulação de estratégias em seu trabalho cotidiano. É propriamente o rebatimento
das tendências do processo de assistencialização das políticas sociais na prática
profissional (e nas suas estratégias diante dela) o objeto da próxima seção.

142
2.3 Rebatimentos do Processo de Assistencialização das Políticas Sociais no Serviço
Social
Conforme pontuamos o reordenamento das políticas sociais e o processo de
assistencialização das mesmas possui rebatimentos concretos para o Serviço Social,
visto que estas políticas são os principais espaços ocupacionais para a profissão.
Buscamos ilustrar como estas características podem ser observadas na intervenção
destes profissionais relaciona-se com o superdimensionamento da dimensão política
presente na atuação profissional que se expressaria em medidas propostas por estes
sujeitos no fomento da mobilização dos usuários que atende, especialmente na
Assistência Social.
Assim destaca Iamamoto (2004) quando pondera o reordenamento das políticas
públicas e os rebatimentos nos espaços ocupacionais compostos por elas:
Observa-se uma clara tendência de deslocamento das ações governamentais
públicas - de abrangência universal, - no trato das necessidades sociais em favor
da privatização, instituindo critérios de seletividade no atendimento aos direitos
sociais. Esse deslocamento da satisfação de necessidades da esfera do direito
público para o direito privado ocorre em detrimento das lutas e de conquistas
sociais e políticas extensivas a todos. É exatamente o legado de direitos
conquistados nos últimos séculos, que hoje está sendo desmontados nos
governos de orientação neoliberal, em uma nítida regressão da cidadania que
tende a ser reduzida às suas dimensões civil e política, erodindo a cidadania
social. Transfere-se para distintos segmentos da sociedade civil significativa
parcela da prestação de serviços sociais, afetando diretamente o espaço
ocupacional de várias categorias profissionais, dentre as quais os assistentes
sociais. (Iamamoto, 2004, pp. 24-25).

Ainda que o Serviço Social tenha construído um projeto profissional que


apresenta como horizonte uma ordem societária baseada em anti-capitalistas, baseados
no trabalho livre, na socialização dos meios de produção e da riqueza socialmente
produzida, há o desafio do enfrentamento das manifestações da “questão social” ainda
na ordem do capital, que na contemporaneidade subverte a leitura da pobreza e das
desigualdades como constitutivos insuprimíveis do capitalismo.
A permanência da pobreza e das desigualdades no quadro das nossas sociedades
– ou, mais exatamente, nas formações econômico sociais capitalistas – não
resulta da ausência de boa vontade e de esforços ou da fragilidade dos meios
técnicos para uma melhor instrumentalização das políticas sociais a ela
referidas. Pobreza relativa e desigualdades são constitutivos insuperáveis da
ordem do capital – o que pode variar são seus níveis e padrões, e esta variação
não deve ser subestimada quando estão em jogo questões que afetam a vida de
bilhões de seres humanos. Mas as políticas hoje implementadas para o
enfrentamento da pobreza estão longe de afetar positivamente aqueles níveis e
padrões (Netto, 2007, p. 159).

143
Compreendemos que o desafio posto está entre demandas profissionais e os
projetos profissionais que orientam o exercício dos assistentes sociais. No bojo do
processo de assistencialização das políticas sociais ao Serviço Social se põe o desafio de
atuar e formular respostas no espectro do seu projeto profissional, pois este agente
figura, dentre os gestores, formuladores e executores de ações nestas políticas públicas
e, em particular e com expressividade na Assistência Social com inserção nos três níveis
de governo.
É através da compreensão do espaço em que se situa a intervenção profissional e
as mediações pelas quais está perpassada, que poderemos tecer considerações que nos
levem as respostas para as atuais tendências que se apontam para a intervenção
profissional.

No entanto, soluções não serão empreendidas através de alterações de ordem dos


procedimentos interventivos (técnico-operativa). Netto (2007) afirma que neste espectro
para o Serviço Social se coloca uma negação, ou seja, “tais desafios não se situam no
âmbito de técnicas ou procedimentos interventivos – vale dizer, não se inserem no
circuito instrumental” (2007, p. 165).
O autor localiza o que, a seu ver, o aspecto a ser desvelado pela profissão,
localizado no significado social da profissão (ético-político) que estão circunscritos às
condições dadas para a produção e reprodução das relações sociais na
contemporaneidade. “os desafios profissionais do Serviço Social inscrevem-se no
âmbito da compreensão do significado social da sua intervenção, e este significado só é
inteligível se se elucidarem as condições em que as relações sociais se processam (vale
dizer: produzem-se e reproduzem-se) na sociedade contemporânea” (Netto, 2007, p.
165).
Um dos processos em que há alterações no trato da reprodução social é a forma
que o Estado vem responder à “questão social” e suas manifestações. As alterações
recentes na configuração das políticas sociais põem questões em destaque para o
Serviço Social no seu modo de organização e intervenção em face destas políticas. O
processo denominado “assistencialização das políticas sociais” pode ser observado na
sua dimensão concreta no seu reflexo na prática profissional dos assistentes sociais. A
requisição histórica da profissão se reatualiza e repõe a prática localizada no campo da
“assistência social” destinada aos mais pobres dentro das políticas sociais.

144
Referindo-se à dimensão assistencial das políticas sociais, Iamamoto (2000), em
texto redigido em 1981, caracterizava a prática do assistente social relacionando-a
diretamente à prática de assistência, pois a ação profissional, – ainda que perpassada
pela dimensão intelectual na dimensão educativa da prática profissional direcionada a
população atendida (dimensão sócio-educativa) – constituía-se pela prestação de
serviços através dos recursos institucionais disponíveis, através da aplicação de critérios
de acessibilidade e com um caráter predominantemente em torno das necessidades
básicas e urgentes dos mesmos (dimensão assistencial).
se realize através da prestação dos serviços sociais, previstos e efetivados pelas
entidades a que o profissional se vincula contratualmente. Este tipo de prática
faz do Assistente Social um “profissional da Assistência”, já que ele opera com
recursos institucionais para a prestação de serviços, racionalizando e
administrando sua distribuição, controlando o acesso e o uso desses serviços
pela “clientela” (...). A prestação de serviços imediatos em que interfere o
Assistente Social contribui para que sejam atendidas as necessidades básicas e
urgentes de sobrevivência das classes trabalhadoras, especialmente de seus
segmentos mais pauperizados, contribuindo com sua reprodução material. É
acoplado a esses serviços buscados pela população que o profissional
desempenha suas funções tipicamente intelectuais (Iamamoto, 2000, pp. 40-41).

Tal como se organizam as políticas sociais naquele momento e as requisições


postas à profissão determinavam elementos para a construção de um determinado perfil
profissional. Mesmo em processo de ruptura que se desenhava na década de 1960 de
rejeição ao perfil profissional conservador convivia-se – e se convive no interior da
profissão – com perspectivas moralizadoras, com o Serviço Social estava em busca de
seu espaço “próprio” ou de sua especificidade. Naquele momento a autora já
identificava uma contradição interna à profissão pela negação da dimensão assistencial
que a estigmatizava em contraponto à busca de um campo próprio de trabalho ou uma
especialização (pelo campo de atuação) para sua visibilidade adquirir um novo status
(Iamamoto, 2000, p. 41).

Incorporando, freqüentemente, a ótica da compartimentalização das disciplinas


como um dado não-questionável, o Assistente Social tem a sensação de estar
presente em segmentos da realidade particulares e particularizados
“apropriados” pelas várias disciplinas, sem ter reconhecido o “seu” lugar. Sente
a profissão diluída, difícil de ser definida e qualificada (Iamamoto, 2000, p. 42).

A lógica da fragmentação das ciências sociais perpassa também a profissão. A


busca do lugar específico do Serviço Social que figura nas legislações que

145
regulamentam a profissão132 está perpassada pelas mudanças no trato da “questão
social” pelo Estado via políticas sociais. A constituição de projeto profissional que
refletisse a auto-imagem da profissão, em seus objetivos e sua direção social se
processou de acordo com o amadurecimento e acúmulo teórico-político da categoria e
pôde-se ver refletido no conjunto de leis que regulamentam seu exercício atualmente
(código de ética, lei de regulamentação, diretrizes curriculares).

Conforme destaca Netto (1999) a formulação dos projetos profissionais refletem


esta auto-imagem e determinam requisitos e prerrogativas para o exercício profissional.
Estas formulações são estruturas dinâmicas que vêm responder também as requisições
dos empregadores – onde figura o Estado centralmente, por meio das políticas sociais –
no bojo da contradição em que operam as medidas para o trato das expressões da
“questão social”.

Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem


os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e
funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu
exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e
estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as
outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e
públicas (inclusive o Estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos
profissionais). Os projetos profissionais também são estruturas dinâmicas,
respondendo às alterações no sistema de necessidades sociais sobre o qual a
profissão opera, às transformações econômicas, históricas e culturais, ao
desenvolvimento teórico e prático da própria profissão e, ademais, às mudanças
na composição social do corpo profissional. Por tudo isto, os projetos
profissionais igualmente se renovam, se modificam (Netto, 1999, pp. 4-5).

O acúmulo político que se consolida nestas legislações não é suficiente para


dirimir conflitos internos que continuam a conviver nas formulações teóricas e nas
práticas e podem vir a tensionar o projeto que seja hegemônico naquele momento, assim

132
A profissão é regulamentada pela lei 8.662/1993 (resolução CFAS n° 273/1993) e antes fundamentado pelo
decreto nº 994 de 15 de maio de 1962 que regulamentada a lei 3.852/57, que vigorou até 1993. Vigoraram quatro
códigos de ética antes de 1993 nos seguintes anos: 1947, 1965, 1975 e 1986. O primeiro (1947) regia-se pela
moralidade cristã, o assistente social tinha como dever “Cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de
Deus, os direitos naturais do homem, inspirando-se sempre, em todos seus atos profissionais, no bem comum e nos
dispositivos de lei, tendo em mente o juramento prestado diante do testemunho de Deus”. Em 1965, após a
regulamentação da profissão, esta perspectiva não está presente, mas a atividade profissional ainda assume uma
perspectiva conservadora no qual a zelar pela família, pela sua integridade e estabilidade (art. 6º dos deveres)
baseando-se no bem comum e na integração social (art. 7º dos deveres). O código de 1975 é parametrado pela
perspectiva do “bem comum”, “como conjunto das condições materiais e morais concretas nas quais cada cidadão
poderá viver humana e livremente” e a “justiça social” entendendo justiça social como razão deste bem comum
(valores são essenciais à plena realização da pessoa humana). O código de 1986 em sua apresentação afirma que ele
expressa diretrizes para a profissão, que são determinadas socialmente e “traz a marca da conjuntura atual da
sociedade brasileira” e aponta para garantias de uma “nova proposta da prática dos Assistentes Sociais”. Consolida-
se em 1993 o código que orienta o exercício profissional com base em onze princípios fundamentais e na
normatização coerentes com o período histórico e a perspectiva que hegemonizava a categoria e suas entidades
representativas naquele momento.

146
a renovação destas práticas levou ao amadurecimento das reflexões que foram insumos
importantes para a elaboração do código vigente.

todo corpo profissional é um campo de tensões e de lutas. A afirmação e


consolidação de um projeto profissional em seu próprio interior não suprime as
divergências e contradições. Tal afirmação deve fazer-se mediante o debate, a
discussão, a persuasão – enfim, pelo confronto de idéias e não por mecanismos
coercitivos e excludentes. Contudo, sempre existirão segmentos profissionais
que proporão projetos alternativos; por consequência, mesmo um projeto que
conquiste hegemonia nunca será exclusivo (Netto, 199, p. 5).

O código de ética de 1986 133 que era marcado pelo perfil da organização da
categoria e suas entidades representativas, que se alinhavam ao movimento social e ao
processo de abertura democrática, com um claro reconhecimento da sua função social
vinculada a reprodução do trabalhador e uma direção social voltada para a garantia de
seus interesses e direitos. Nesse sentido, Vinagre disse:

No plano da reflexão e da normatização ética, o Código de Ética Profissional de


1986 foi uma expressão daquelas conquistas e ganhos, através de dois
procedimentos: negação da base filosófica tradicional, nitidamente
conservadora, que norteava a "ética da neutralidade", e afirmação de um novo
perfil do técnico, não mais um agente subalterno e apenas executivo, mas um
profissional competente teórica, técnica e politicamente (Vinagre, 1993).

O código foi revisto em curto prazo, visto que deixou de normatizar e


regulamentar dimensões éticas e profissionais, por conta do reduzido acúmulo no campo
da reflexão ética. Naquele momento Netto (1999) destaca que os avanços na direção
política marcaram este código, mas estas duas dimensões – normativa e ética-política –
foram consolidadas no código de 1993 “coroando o rompimento com o
conservadorismo na explicitação frontal do compromisso profissional com a massa da
população brasileira, a classe trabalhadora” (Netto, 1999, p. 14).

O código de ética de 1993 134 reflete o amadurecimento da profissão na definição


de suas atribuições e competências em revisão ao código anterior. Reafirma as
conquistas políticas, mas normatiza e regula esta intervenção em relação aos assistentes
sociais, às instituições que trabalha e os seus usuários. Dois eixos nortearam a
construção deste código: a dimensão política com a reafirmação dos valores centrais e
normativa, regulamentando o exercício profissional.

A revisão do texto de 1986 processou-se em dois níveis. Reafirmando os seus


valores fundantes - a liberdade e a justiça social -, articulou-os a partir da

133
Aprovado em 09 de maio de 1986 pela Resolução CFAS Nº 195/86.
134
Aprovado em 1993 e regulamentado pela Resolução CFESS nº 273, de 13 de março de 1993 e em vigor para
orientar o exercício profissional.

147
exigência democrática: a democracia é tomada como valor ético-político
central, na medida em que é o único padrão de organização político-social capaz
de assegurar a explicitação dos valores essenciais da liberdade e da eqüidade. É
ela, ademais, que favorece a ultrapassagem das limitações reais que a ordem
burguesa impõe ao desenvolvimento pleno da cidadania, dos direitos e garantias
individuais e sociais e das tendências à autonomia e à autogestão social. Em
segundo lugar, cuidou-se de precisar a normatização do exercício profissional
de modo a permitir que aqueles valores sejam retraduzidos no relacionamento
entre assistentes sociais, instituições/organizações e população, preservando-se
os direitos e deveres profissionais, a qualidade dos serviços e a responsabilidade
diante do usuário (Vinagre, 1993).

O referido código retira elementos que estavam presentes especialmente na


relação com os usuários e na organização da categoria que estavam mais localizados no
âmbito da sua mobilização e engajamento nas lutas da classe trabalhadora (art. 5º),
fundamentalmente. O código vigente retoma princípios que orientam esta direção para a
profissão, mas se estrutura como normatização de uma prática profissional, não como
um instrumento para organização dos trabalhadores.
Netto (1999) reflete acerca da relação entre projetos profissionais e projetos
societários e destaca o fato de que os projetos identificados com as demandas dos
trabalhadores numa sociedade de classes sempre estarão contra a corrente no
capitalismo. Isto pode ocasionar tensões e contradições inclusive no corpo profissional
visto que um projeto, mesmo que hegemônico, não homogeneíza o corpo profissional
quando se preserva o pluralismo dentro da macro-orientação que normatiza as
profissões.
A atenção a essas questões se mostra mais importante quando se leva em conta
a relação dos projetos profissionais com os projetos societários. Embora seja
frequente a sintonia entre o projeto societário hegemônico e o projeto
hegemônico de um determinado corpo profissional, podem ocorrer – e ocorrem
– situações de conflito e mesmo de contradição entre eles. É possível que, em
conjunturas precisas, o projeto societário hegemônico seja contestado por
projetos profissionais que conquistem hegemonia em seus respectivos corpos
(esta possibilidade é tanto maior quando tais corpos se tornam sensíveis aos
interesses das classes trabalhadoras e subalternas e quanto mais estas classes se
afirmem social e politicamente). Tais situações agudizam, no interior desses
corpos profissionais, as diferenças e divergências entre os diversos segmentos
profissionais que os compõem (Netto, 1999, p. 6).

Esta marca do código de 1993 era um elemento que indicava a sintonização com
as questões da sua época, a movimentação dos assistentes sociais e sua organização, a
consolidação da Constituição Federal de 1988, o amadurecimento da categoria
profissional na medida em que se pensa o Serviço Social a partir da sua inserção na
divisão do trabalho. A sintonia com os interesses dos trabalhadores sem dúvida é contra-

148
hegemônica, mas a forma como se consolidam os projetos profissionais são intrínsecas
também ao projeto societário vigente.
É necessário observar estas mediações para entender as transformações que
ocorrem na atuação do assistente social, nas demandas, campos profissionais e práticas
concretas. Tensões e divergências que convivem no interior da categoria dos assistentes
sociais têm determinado espaços de disputa, pois tomam fôlego com as alterações
decorrentes da configuração das políticas sociais e rebatem no Serviço Social, pois a
expressão da profissão na realidade e sua intervenção são mediadas pelas conjunturas e
pelo modelo de sociedade.

A caracterização do que seja o objeto de intervenção do assistente social é


retomado na conjuntura da década de 1990 na medida em que a expansão da Assistência
Social e seu destaque se consolidam, face às demais políticas sociais e particularmente à
Seguridade Social. A reatualização de uma perspectiva conservadora no trato das
expressões da “questão social” nas políticas sociais é um fenômeno que se expressa nas
demandas postas à categoria e nas respostas esperadas nesta atuação.

O crescimento da política de Assistência Social também demanda um quadro


maior de profissionais de Serviço Social para atuar nesta política pública (ainda que não
sejam maioria135) para ocupar um espaço central. Esse é um importante dado que marca
uma mudança importante no mercado de trabalho para os assistentes sociais.

Existem contradições entre a imagem profissional para a sociedade e a auto-


imagem da profissão dos assistentes sociais, no entanto, não é possível o descolamento
destas duas dimensões, pois a atuação do assistente social conjuga: as demandas
institucionais e atribuições, e as competências profissionais estruturadas na legislação
que a regulamenta. Netto alerta para “alguns equívocos que estiveram presentes na
trajetória histórica da profissão e que devem ser contextualizados. O primeiro deles é a
confusão entre “a necessária consciência cívico-política com o militantismo e, em não
poucos casos, com a partidarização” (2007, p. 165). Nas palavras do autor

A confusão (ou no limite, a identificação) entre militância profissional e


militância política só pode ser criticada e superada se se conduz a discussão
para o plano do significado social da profissão. É apenas a partir da clareza da
determinação do estatuto do Serviço Social na divisão sóciotécnica do trabalho
e da condição do assistente social como profissional assalariado que se pode

135
Segundo Sposati (2009) 63% da força de trabalho que desenvolve diferentes atividades na Política de Assistência
Social no âmbito da implementação do SUAS possui ensino fundamental e médio.

149
demonstrar com rigor a falácia e o equívoco de subsumir o exercício
profissional a exigências de natureza político-partidária (Netto, 2007, p. 165).

Uma outra questão importante a ser levada em consideração é a idéia que existe
um consenso no interior da categoria, mesmo contemplando sua composição
heterogênea, em torno da pobreza e sobre a forma “conforme a qual deve ser amenizada
e reduzida” (Netto, 2007, p. 165). O mesmo autor destaca que a forma que se
compreende o fenômeno e o analisa vai determinar, também na categoria, a maneira de
se encaminhar a atuação profissional. Diferentes análises levarão as perspectivas
diversas em torno da atuação profissional.

Dependendo, porém, de como o problema da pobreza seja compreendido, em


sua gênese e em seu movimento, o seu trato profissional haverá de variar e hão
de variar os procedimentos para interferir nos grupos humanos por ele afetados.
Se é verdade que o profissional sempre se deparará com pobres, não menos
verdade é que esses pobres só adquirirão um sentido que transcende a sua pura
fenomenalidade se o profissional possuir e souber manejar categorias
heurísticas capazes de qualificar teórica e socialmente a pobreza. Só então há de
se colocar, concretamente, o problema dos instrumentos e das estratégias de
intervenção; e eles não serão os mesmos para um profissional que compreende a
pobreza como natural e insuprimível e para outro, que apreende como uma
resultante necessária da exploração (Idem, p. 165-166).

A institucionalização do Serviço Social e sua relação com a ampliação ou


redução de direitos sociais na atual conjuntura vêem reflexos nas demandas à
intervenção profissional. Dessa forma,

Se é correta a vinculação (...) entre afirmação e ampliação de direitos sociais e


institucionalização do Serviço Social, decorre dela que o desafio profissional
central com que nos defrontamos é a própria ordem social contemporânea: ao
exponenciar a questão social com revigorados dispositivos de produção e
reprodução de pobreza e desigualdade, ela os processa mediante a redução e o
recorte dos direitos sociais (Idem, p. 167).

Esta ampliação do campo de atuação para os assistentes sociais na política de


Assistência Social retoma um debate presente nas discussões das diretrizes curriculares
e no próprio Código de Ética Profissional (em 1986 e 1993) quando foram colocadas
encima da mesa as concepções diferentes acerca do objeto de atuação dos assistentes
sociais, momento em que foi definido como: as expressões da “questão social”.

Em disputa estavam concepções que apontavam para as políticas sociais e


também a assistência social como objeto junto à compreensão da atuação em face das
expressões da “questão social”. O processo de assistencialização das políticas sociais
recoloca de uma outra forma esse debate e coloca em questão concretamente a

150
intervenção dos assistentes sociais e incluindo outras novas questões para o futuro da
profissão. Segundo Rodrigues “poderíamos dizer que esta assistencialização da
seguridade, esta perspectiva de reduzi-la à política de assistência social, não apenas
confronta e destoa com as lutas da categoria: ela também destoa daquilo que pode ser,
no futuro, o próprio trabalho dos assistentes sociais” (2009, p.24).

A discussão sobre os espaços sócio-ocupacionais, sobre a referência do


assistente social e de sua atuação nas demais políticas sociais compreende o debate
sobre atribuições e competências, assim como sobre a “matéria” do Serviço Social136. E
o destaque da política de Assistência Social nos últimos cinco anos, após a instituição
da PNAS e do SUAS, reacende o debate sobre os fundamentos da prática profissional e
de seus espaços ocupacionais. Sposati (2009) destaca que este processo não significa
necessariamente que exista uma identidade entre Serviço Social e Assistência Social.

Consideramos, conforme elementos já sinalizados sobre o processo de


assistencialização das políticas sociais, que este destaque da Assistência Social e a
requisição pela atuação dos assistentes sociais nesta política traz elementos que nos
podem confirmar rebatimentos deste processo na prática e na forma de pensar a
profissão e sua inserção inclusive nas demais políticas sociais.
Os riscos de um “possibilismo prático”137 diante do espaço no mercado criado
pela política de Assistência Social – para formulação, gestão e execução no seu interior
e ao pensar em se executar ações de “assistência social” dentro de qualquer política
social – contrapõe-se ao desenho das políticas sociais que não demonstra alterações
substantivas que indiquem a possibilidade de ruptura com as características históricas
que orientam às políticas sociais no Brasil. As mesmas mudanças da política de
Assistência Social que colocam o assistente social com certa centralidade na sua
execução, formulação e gestão através da profissionalização dos quadros que atuam na
política por meio de concursos públicos e também por contratações (muitas vezes com

136
Em debate atualmente no conjunto CFESS/CRESS está a Resolução que veta as práticas terapêuticas reivindicada
por segmentos profissionais como exercício profissional congruente com o projeto ético-político e que desenvolve
ações no âmbito da terapia de famílias, como especialização da prática (que não é exclusiva de qualquer profissão),
mas que, a nosso ver, tratam a “questão social” fora da leitura hegemônica no Serviço Social – como já sinalizamos –
e é uma distorção de atribuições e competências previstas nos artigos 4º e 5º da Lei de Regulamentação da Profissão
(Cf. Revista Em Foco sobre Serviço Social Clínico, CRESS, 2005).
137
Expressão utilizada por Sposati (2009) citando Netto (2008) no Seminário “O Trabalho do Assistente Social no
SUAS” (CFESS/CRESS, 2009) que caracterizaria a capitulação de segmentos profissionais diante do cenário
regressivo para constituição de direitos numa concepção ampliada. Esta perspectiva se orienta pelo que é possível
articular nos moldes do receituário neoliberal, traduzindo-se numa “social-democracia tardia e impotente” que se
contrapõe a perspectiva de afirmação de direitos como horizonte estratégico (Netto apud Sposati, 2009).

151
vínculos precários de trabalho) interpõem limites que não dependem da vontade e
mobilização somente destes sujeitos profissionais.

No atual contexto no âmbito do processo de assistencialização das políticas


sociais aos assistentes sociais lhes é demandado dentre as suas tarefas, a seleção dos
usuários através da utilização de critérios sócio-econômicos para definir acesso aos
programas. Sem dúvida, quando atuando junto às populações mais pauperizadas
vinculadas à maioria das vezes aos programas de transferência de renda138 –
especialmente na política de Assistência Social que tem uma forte presença de critérios
de elegibilidade para limitar o acesso e de condicionalidades para definir a permanência
– esta demanda profissional torna-se central na lógica que os guia “a administração da
pobreza”. Nas demais políticas sociais, cada vez mais restritas, o assistente social é
demandado para realizar esta mesma função. Esta foi uma requisição histórica que não
foi rompida nas relações institucionais.
Na divisão sócio-técnica do trabalho, o assistente social tem sido demandado
como um dos agentes “privilegiados” pelas instituições geridas diretamente pelo
Estado, ou por ele subvencionadas, para efetivar a assistência. O caráter
histórico de sua atividade profissional em qualquer instituição está voltado
prioritariamente à efetivação da assistência. Via de regra a efetivação das
políticas sociais é o espaço primordial da prática do assistente social, embora
outros profissionais também o integrem. Ele está diretamente vinculado à
efetivação dessas políticas, entendidas enquanto mecanismos de enfrentamento
da questão social, resultante do confronto capital-trabalho (Sposati et ali, 1986,
p. 23).

Esta leitura difere da formulação acerca da prática profissional em suas


expressões concretas (com a inserção dos assistentes sociais em diversas políticas
sociais e segmentos privados, como empresas) que avançou no sentido da compreensão
da intervenção na esfera das expressões da “questão social”, na sua contribuição para a
formulação de políticas para além da dimensão emergencial ou expressamente sócio-
econômica. O assistente social, ao restringir sua prática profissional à prática da
assistência, mesmo atuando no interior das demais políticas sociais, limita, por sua vez,
seu próprio escopo interventivo.
Ocorreu a superação do entendimento do corte assistencial da intervenção do
assistente social, mas não das políticas sociais e a demanda pela atuação deste
profissional ainda reside no escopo desta dimensão presente historicamente na profissão
como assinalou Sposati (1986).
138
Tais critérios são pré-definidos nas políticas e programas sociais, especialmente os programas de transferência de
renda e outros programas no campo da assistência social também estão parametrados pela inserção no Programa
Bolsa Família, por exemplo.

152
Superar a leitura fetichizada do assistencial no Serviço Social é movimento que
vai além da questão profissional. Implica, de um lado, apreender o assistencial
como mecanismo histórico presente nas políticas brasileiras de corte social. De
outro, criar estratégias para reverter essas políticas na conjuntura da crise da
sociedade brasileira para os interesses populares. A nível da prática do
assistente social esta superação implica ainda o desvelamento da assistência
como instância de mediação inerente ao Serviço Social (Idem, p. 53).

Consideramos que estas demandas postas à profissão nas políticas sociais


refletem uma dimensão assistencial que não necessariamente passa pela garantia de
direitos, mas que pode apenas reduzir a atuação profissional a este recorte presente na
assistência social. Não se trata de responsabilizar à política de assistência social por este
processo, mas não podemos deixar de observar a semelhança entre as demandas e
práticas realizadas historicamente no campo da assistência e aquelas que têm sido
demandadas nas demais políticas setoriais. Devemos destacar que estes critérios – com
outros aspectos em jogo – também implicam a participação de outros profissionais, que
atuam na saúde, previdência social, educação, habitação etc.
Nas políticas sociais a atuação dos diversos profissionais passa a ser cada vez
mais pontual, precarizada em seus processos de intervenção pelo desmonte e
focalização que estas políticas estão perpassadas. Com políticas sociais cada vez mais
restritas em critérios de acesso e atendimento os diversos profissionais que atuam nas
políticas sociais têm que, cada vez mais, restringir parâmetros e que estar “preparados”
para justificar estas limitações para os usuários que a demandam.
O assistente social é perpassado por estas determinações, pelo contrário, é cada
vez mais identificado como o “porta voz” e administrador de situações de conflitos de
interesses institucionais e de usuários, uma requisição histórica que se recoloca em
outro patamar com a retração das políticas. Este profissional assume uma posição
central na política de Assistência Social justamente pelos critérios que estão
determinados para o acesso e permanência nos programas e projetos no âmbito da
assistência social.

Uma das medidas para orientar aos profissionais quanto à intervenção do


assistencial na política de Assistência Social foi a edição da cartilha “Parâmetros para
atuação de assistentes sociais e psicólogos na Política de Assistência Social”, elaborada
pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e pelo Conselho Federal de
Psicologia (CFP) que sintetiza o conjunto de discussões dentro da categoria dos
assistentes sociais e psicólogos. Nesse documento são preconizados os princípios
defendidos ao longo de décadas pela categoria através de suas entidades de classe,

153
perspectiva essa orientada pela necessária relação entre as políticas sociais e não na
exclusividade da Assistência Social como política de proteção social.
Para a efetivação da Assistência Social como política pública, contudo, é
imprescindível sua integração e articulação à seguridade social e às demais
políticas sociais. Por isso, a concepção de Assistência Social e sua
materialização em forma de proteção social básica e especial (de média e alta
complexidade) conforme previsto na PNAS/SUAS, requer situar e articular
estas modalidades de proteção social ao conjunto das proteções previstas pela
Seguridade Social. Dito de outro modo, a Assistência Social não pode ser
entendida como uma política exclusiva de proteção social, mas se deve articular
seus serviços e benefícios aos direitos assegurados pelas demais políticas
sociais, a fim de estabelecer, no âmbito da Seguridade Social, um amplo sistema
de proteção social (CFESS /CFP, 2007, p.11).

No entanto o documento, que tem por objetivo estabelecer parâmetros de


atuação dos assistentes sociais e psicólogos no âmbito desta política, estabelece os
princípios que devem orientar a leitura da política e da prática realizadas, o que, sem
dúvida, contribuem para realizar uma análise crítica destes elementos.

A relação entre projeto ético-político e atuação profissional está mediada pelas


condições em que esta prática se desenvolve. Compreendê-las é o primeiro passo para
formulações no âmbito do Serviço Social que contribuam para o desvelamento dos
processos de precarização que perpassam a constituição da política social e seus
determinantes oriundos do pensamento liberal, baseada na igualdade de oportunidades
no sentido abstrato desta expressão.

A concepção presente no projeto ético-político profissional do Serviço Social


brasileiro articula direitos amplos, universais e equânimes, orientados pela
perspectiva de superação das desigualdades sociais e pela igualdade de
condições e não apenas pela instituição da parca, insuficiente e abstrata
igualdade de oportunidades, que constitui a fonte do pensamento liberal
(CFESS /CFP, 2007, p. 16).

Ainda que este código seja orientado por estes princípios, não cabe como
atribuição própria “ao” assistente social articular os direitos nesta perspectiva, mas ao
movimento de trabalhadores organizados a luta por garanti-los, visto que este não é o
objetivo do Estado no capitalismo. A contradição reside entre as respostas que são
operadas pela política e a capacidade de mediar situações fora desta lógica.

Observamos na cartilha acima referida que o enfrentamento das situações, que se


apresentam de forma fragmentada e pontual, organizadas na forma de atendimentos
emergenciais, é situado como uma das atribuições dos profissionais – principalmente os
que atuam nos CRAS, porta de entrada da política de Assistência Social, a “casa das

154
famílias” – mas, uma vez mais, situa uma contradição entre os limites e possibilidades
profissionais, visto a forma como se organizam os serviços e as possibilidades concretas
de reversão desta lógica.

A intervenção profissional, na perspectiva aqui assinalada, pressupõe enfrentar


e superar duas grandes tendências presentes hoje no âmbito dos CRAS. A
primeira é de restringir a atuação aos atendimentos emergenciais a indivíduos,
grupos ou famílias, o que pode caracterizar os CRAS e a atuação profissional
como um “grande plantão de emergências”, ou um serviço cartorial de registro e
controle das famílias para acessos a benefícios de transferência de renda. A
segunda é de estabelecer uma relação entre o público e o privado, onde o poder
público transforma-se em mero repassador de recursos a organizações não
governamentais, que assumem a execução direta dos serviços sócio-
assistenciais. Esse tipo de relação incorre no risco de transformar o(a)
profissional em um(a) mero(a) fiscalizador(a) das ações realizadas pelas ONGs
e esvazia sua potencialidade de formulador(a) e gestor(a) público(a) da política
de Assistência Social (CFESS /CFP, 2007, p. 31).

Em destaque está a dimensão educativa como possibilidade de imprimir outro


ritmo e estabelecer outras formas de interlocução com os usuários da política de
Assistência Social, uma das pautas históricas na luta pela Assistência Social pública,
inscrita na LOAS e hoje presente na PNAS é a inserção dos usuários no controle social
através dos fóruns e conselhos. Trata-se de uma proposição importante, no entanto, dar
voz e visibilidade significa ir além da “mobilização” destes segmentos, que tem que se
preocupar imediatamente com sua sobrevivência diária e assim demandam serviços
públicos para o atendimento às suas necessidades.

Antes de fazer política é necessário comer, beber, se vestir...139 As respostas


imediatas às necessidades destes segmentos atendem, sem dúvida, a demandas que são
fundamentais para que figurem possibilidades concretas de sua mobilização. Sem estas
garantias não se tornará realidade a participação política destes usuários nos espaços de
controle social ou outros espaços construídos para organizar a população.

No entanto, a organização dos trabalhadores para a consecução de garantias de


sua reprodução extrapola bandeiras de segmentos específicos, é necessário impedir
retrocessos e avançar nas conquistas, o que não é possível apenas com a organização

139
Como assinalou Engels, em discurso na ocasião do funeral de Marx: “Assim como Darwin em relação a lei do
desenvolvimento dos organismos naturais, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da História humana: o simples
fato, escondido sobre crescente manto ideológico, de que os homens reclamam antes de tudo comida, bebida, moradia
e vestuário, antes de poderem praticar a política, ciência, arte, religião, etc.; que portanto a produção imediata de
víveres e com isso o correspondente estágio econômico de um povo ou de uma época constitui o fundamento a parir
do qual as instituições políticas, as instituições jurídicas, a arte e mesmo as noções religiosas do povo em questão se
desenvolve, na ordem em elas devem ser explicadas – e não ao contrário como nós até então fazíamos” (Fragmento
do discurso de Engels no funeral de Marx em 18 de março de 1883: arquivo consultado na página eletrônica
http://www.marxists.org/portugues/marx/1883/03/22.htm)

155
dos segmentos “subalternos”. A consciência de classe é determinação fundamental e a
capacidade que cada segmento dos trabalhadores, submetidas às formas como se
inserem no mercado de trabalham, determina também como se estabelece a correlação
de forças políticas para a obtenção das garantias assinaladas.

As classes sociais se diferenciam e se determinam mutuamente pelas respectivas


inserções na estrutura produtiva. Contudo, a relação entre esta determinação e a
atuação das classes nos processos sociais é mediada, necessariamente, pela
consciência dos indivíduos que a compõem (Lessa, 2007, p. 178).

Trata-se de uma dimensão contraditória dentro da luta de classes, pois a própria


dinâmica societária implica aos trabalhadores a dificuldade em agregar pautas de
diferentes segmentos que se situam no campo do trabalho. Mas, não se pode tratar os
direitos no âmbito da assistência social de forma fragmentada, este processo já está
auto-implicado nas orientações dos organismos internacionais na medida em que
pautam o atendimento às necessidades mais básicas para superação de índices de
indigência como medidas centrais para as políticas sociais.

A forma como se organizam estas políticas de combate à pobreza determinam


também como se organizam os segmentos por ela atendidos. As implicações nas
funções desempenhadas pelo Serviço Social no bojo destas estratégias contribuem para
entender possíveis leituras da inserção profissional nesta política social e como são
retomadas teses que fundamentam de forma de atuar deste profissional.

Iamamoto (2008) destacou algumas teses explicativas que orientaram o debate


sobre o Serviço Social e complexificaram as análises acerca das características da sua
inserção no mercado de trabalho, que ilustram como se desenhou o exercício da
profissão dentre formuladores e segmentos profissionais, que ainda mediam o debate,
que é permanente e se reatualiza, de acordo com a dinâmica das sociedades e a
composição dos espaços ocupacionais e requisições.

As referências às teses140: da assistência social, da proteção social, da função


pedagógica e do sincretismo e da prática indiferenciada destacadas por Iamamoto
(2008) nos ajudam a compreender o vulto que a política de assistência social alça na

140
Iamamoto ainda trabalha duas outras teses que aqui não serão detalhadas, quais sejam: a tese da identidade
alienada e da correlação de forças, pois entendemos que ainda que aspectos presentes nestas teses permeiem a
discussão sobre as tendências para o Serviço Social na atualidade, nosso objeto se circunscreve, a nosso ver, no
debate exposto nas demais teses por ela trabalhadas, quais sejam: sincretismo e prática indiferenciada;assistência
social; proteção social; e dimensão pedagógica do assistente social (Cf. Iamamoto, 2008).

156
realidade atual no que concerne a atuação profissional, e a possíveis leituras da sua
forma de intervenção.

No âmbito da assistência social Iamamoto destaca “a tese da assistência social”,


que caracteriza seus determinantes e inflexões para a leitura da prática profissional e
seus espaços ocupacionais, visto que esta política pública tem sido um dos âmbitos
privilegiados de atuação profissional (2008, p. 301). Destaca ainda que as diferentes
referências do debate sobre o tema sustentam teoricamente a sua qualificação no âmbito
das relações entre Estado e sociedade numa perspectiva de direito no bojo da
Seguridade Social (Idem, p. 301-302).

A autora sinaliza que este foi um tema “maldito” no movimento de


reconceituação do Serviço Social (2008, p.302), aspecto ressaltado também por Sposati
(2009).

Preconizavam-se, à época, em nome da educação e politização do povo,


princípios e saídas políticas globais, freqüentemente relegando a um segundo
plano a atenção às reivindicações imediatas da “população” e refutando as
tarefas assistenciais, identificadas unilateralmente com ações a serviço dos
interesses dominantes. Elas eram vistas como um “mal necessário” ou
“atividade-meio” – sem nenhuma validade em si mesma – dotada de caráter
provisório para outra efetivamente relevante: a educação política. Essa era uma
contraposição à versão ingênua do passado em que as ações assistenciais eram
lidas – também unilateralmente, mas com sinal trocado – como um “benefício”
ou “bem” para os segmentos subalternos que figuravam como a “clientela” do
Serviço Social. (Santos apud Iamamoto, 2008, p. 302).

As tendências apontadas durante o movimento de reconceituação ainda têm suas


expressões no debate interno da categoria141, seja, por um lado, pela redução da
dimensão de direito que a assistência social possui em seus programas e projetos, por
exemplo, seja pelo superdimensionamento da capacidade da assistência na
resolutividade das situações de risco e vulnerabilidades, ou a de promover ações
educativas junto a sua população usuária como medida que impulsionaria a conquista de
direitos neste âmbito.

Entendemos que o processo de assistencialização das políticas sociais, e suas


implicações diretas na Seguridade Social imprimem à tese da assistência um caráter
preponderante nos debates da categoria na atualidade. Esta indicação pode ser
observada como fruto da ocupação destes espaços pelos assistentes sociais na mediação

141
Como vimos no item programas e projetos e assistencialização das políticas sociais.

157
dos serviços de assistência social e pela vinculação que a profissão teve historicamente
na formulação e implementação desta política.

Iamamoto (2008) destaca também que a tese da assistência social é identificada


como pioneira na leitura da possibilidade que esta modalidade, que se inscreve o
trabalho assistencial, possui para acumular condições para a “construção de alternativas
cabíveis para a sociedade” (Santos apud Iamamoto, 2008, p. 303). Ao mesmo tempo
sinaliza na tese o “potencial educativo” que pode resultar da atenção aos “problemas
concretos” (Ibidem).

É possível que a retomada desta perspectiva, não na forma que foi fundamentada
por Santos (1982), mas “renovada”, tenha espaço diante da expansão da Assistência
Social como espaço de atuação dos assistentes sociais e, mais, como expressão de uma
prática assistencial nas diversas políticas sociais, visto que, como destacamos no
capítulo anterior, o caráter pontual e fragmentado das políticas sociais demanda uma
ação profissional neste mesmo sentido.

A priorização do atendimento a estes problemas concretos, sinalizados na tese,


na atualidade se expressa pelo atendimento ao imediato e aparente, nas medidas
articuladas para administrar a pobreza extrema. Como vimos o potencial educativo é
limitado pela dimensão ideológica que a cultura fomentada pelos programas e projetos
sociais implica na sua execução. Esta idéia presente nesta formulação, a nosso ver, pode
fundamentar concepções sobre a assistência social e seu potencial no âmbito das ações
educativas, de mobilização dos segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora
para a promoção de ações na defesa de seus direitos. Numa conjuntura em que os
programas e projetos no âmbito desta política social reiteram as condições de pobreza e
a miséria estabelecem, na mesma medida, a construção de consensos em torno do trato
destas expressões da “questão social” num combate focalizado e restrito.

Neste sentido, a inserção do assistente social nesta dimensão educativa é


superdimensionada em sua capacidade profissional de potencializar ações educativas
direcionadas para a ampliação da participação dos usuários da política nos espaços de
representação (como conselhos e fóruns) para sustentar novas aquisições142.

A população-alvo das políticas de assistência social (e, conseqüentemente do


Serviço Social) é lida a partir da categoria de “subalterno”. A subalternidade é

142
Retomaremos o debate da “participação popular” e sobre os conselhos de direitos e de políticas nas considerações
finais

158
parte do “universo dos dominados, dos submetidos à exploração e à exclusão
social, econômica e política” e tem na contraface, o “exercício do domínio ou
direção através de relações político-sociais em que predominam os interesses
dos que detêm poder econômico e a decisão política” (Yasbek apud Iamamoto,
2008, p. 306).

A leitura da subalternidade como situação específica dos segmentos dos


trabalhadores mais pauperizados e da inserção dos usuários da política de assistência
social é polêmica, pois pode descolar suas demandas do movimento mais amplo para a
conquista de direitos, numa perspectiva de classe, enquanto trabalhadores (mesmo que
precarizados ou desempregados). No cenário atual este deslocamento implica na
compartimentação de demandas, determinados direitos às frações “excluídas” e outros
para o segmento que está no mercado formal de trabalho.

Circunscreve-se na luta mais ampla por direitos no âmbito da Seguridade Social


o estabelecimento de reformas que contemplem direitos, e não somente benefícios ou
serviços assistenciais, também para os segmentos da classe trabalhadora “não-inseridos”
no mercado formal de trabalho. Somente com a reforma da Seguridade e a implicação
de uma política econômica redistributiva poderá a Seguridade ser redimensionada no
sentido da garantia de direitos em contraponto ao inchamento da assistência social como
principal política de enfrentamento da pobreza nos marcos dos programas e projetos
pontuais e fragmentados articulados no seu âmbito.

O debate sobre a posição que a política de assistência social ocupa na


Seguridade Social, como “prima pobre” ou dos segmentos atendidos por esta política
passa a predominar nos debates sobre a formulação da NOB (2005) e da PNAS (2004),
que seguem em determinada leitura da realidade e das necessidades deste segmento da
classe trabalhadora. Retomar a Seguridade Social como uma direção tática para a
conquista e consolidação de direitos considera a ampliação da assistência social
necessária, desde que constituída numa perspectiva que contemple a mediação do
acesso a direitos sociais e que dependem, fundamentalmente, da estruturação da rede de
serviços numa perspectiva que tenda a universalização dos direitos.

Uma leitura crítica das políticas sociais e o apoio à Seguridade Social como
direção tática supõem um dimensionamento da assistência social articulado às demais
políticas sociais e implica na sua construção através de ações estatais e direitos que
atendam aos que dela necessitam pela sua condição de inserção no mercado de trabalho
e não por critérios de renda baseados nos índices de indigência e miséria.

159
Esta tese da assistência social responde ainda a alguns segmentos profissionais
que entendem esta política como protagônica da inserção do assistente social. Mas são
programas em que estes profissionais assumem papel central na administração dos
testes de meios e na garantia de acesso aos seus benefícios de acordo com os critérios
definidos por ela, mas reflete somente os limites que situam a intervenção profissional
na dimensão assistencial das políticas sociais.

Na tese da proteção social, defendida por Costa (1995) segundo Iamamoto


(2008) destaca que ela se apresenta em contraposição à política de assistência social
como distintiva da particularidade da profissão (Iamamoto, 2008, p. 311). Esta tese
contribui, a nosso ver, para a perspectiva alçada pela tese da assistência social;
Iamamoto ressalta que

Segundo Costa (1985), a proteção social envolve múltiplas dimensões dos


processos históricos, pois a vida humana não se move apenas por tensões
interclassistas, sendo, a luta de classes, um dentre muitos processos que a
impulsionam. Esta concepção exige mudanças dos “paradigmas envelhecidos”,
de que “parecem tudo explicar” – como, por exemplo, o da polarização entre as
classes sociais – nos quais não se sustenta a abordagem proposta (Iamamoto,
2008, pp. 311-312).

A implicação de novos paradigmas para as políticas sociais, a nosso ver,


contribui nesta tese para uma leitura conservadora da intervenção do assistente social
que já foi ultrapassada nos debates profissionais e pelo movimento de ruptura com o
conservadorismo. Neste sentido, as vanguardas profissionais e seus principais teóricos
estabeleceram parâmetros críticos para a avaliação da configuração das políticas sociais
e da constituição do sistema proteção social brasileiro.

No bojo de uma análise na qual a política de assistência e o atendimento às


necessidades das “classes subalternas” se dão – através de estratégias de proteção social
auto-sustentáveis, pela conformação de redes de ajuda mútua para inserção social – são
retomadas antigas teses de integração social e não superam, numa perspectiva crítica,
uma análise baseada nos paradigmas das contradições entre capital e trabalho que geram
a “questão social”.

A subalternidade é considerada aqui como processo de subjugação de uma classe


por outra, que na sociedade capitalista caracteriza a posição da classe trabalhadora em
sua relação com a burguesia, por conta do poder econômico, político e social que esta
última exerce nesta sociedade, via apropriação, concentração e acumulação privada dos
meios de produção e da riqueza socialmente produzida pelo trabalho – e pela mais-valia

160
– resultante da exploração da força de trabalho da primeira. Diferimos este processo de
uma condição subalterna meramente vinculada às condições mais imediatas de
sobrevivência do segmento mais pauperizado dos trabalhadores, segmentando-os da
classe trabalhadora como “categoria” específica – ainda que tenha especificidades na
constituição do seu processo organizativo coletivo – e com interesses próprios
secundários aos da classe genérica, conformando uma organização específica em defesa
de seus direitos fora da composição de garantias numa perspectiva ampliada de
reprodução social no espectro de uma Seguridade Social ampliada, que exige a
organização dos trabalhadores como classe-para-si, quando interesses em oposição
ganham dimensão política e deixam de ser apenas pelas determinações “comuns” de
vida (classe-em-si) e que suas vanguardas desta classe tomem também para si as
bandeiras de luta em defesa de direitos para todos as suas frações, numa organização
conjunta de demandas143.

Costa (1995) considera “‘seu alinhamento à corrente do pensamento marxista’,


mas repele a onipotência das explicações genéricas. Ela afirma abordar regularidades
históricas de outra forma, mais próxima ao pensamento antropológico, no veio das
indicações de historiografia marxista inglesa” (apud Iamamoto, 2008, p. 314).

Os “velhos paradigmas” destacados por Costa são, a nosso ver, eixos que
fundamentam a ordem capitalista e não são superados sem a superação do seu modo de
produção e reprodução da vida social. A nosso ver, tratam-se de pressupostos essenciais
para o entendimento de como se configuram as demandas postas à profissão e a
configuração dos seus espaços ocupacionais.

É claro que não podemos transpor modelos de análise de outras conjunturas de


forma mecânica para qualquer realidade, no entanto, observamos no pensamento de
Costa (1995), destacada por Iamamoto (2008), que não estão presentes as determinações
econômicas, políticas e sociais necessárias para uma análise que aponte para a
construção das políticas sociais contraposta ao modelo atual e o indicativo da necessária
superação da ordem capitalista como condição para o atendimento das demandas dos
trabalhadores segundo suas necessidades. A vinculação do marxismo a um modelo
economicista e a um superdimensionamento do que a autora denomina como
explicações genéricas são, a nosso ver, constitutivas de uma perspectiva que
compreende a totalidade das determinações do capitalismo.
143
Cf. Lessa, 2007: Trabalho e Proletariado no Capitalismo contemporâneo, editora Cortez.

161
Os ganhos do pensamento marxista para a leitura da realidade nos permitem
alçar formulações que impliquem na constituição de um sistema de proteção social
ancorado lógica diferenciada com conquistas possíveis ainda nos marcos do
capitalismo, mas que apontam para a necessidade de uma nova ordem societária para a
sua realização em sua plenitude.

A proteção social destacada por Costa não aponta para a constituição de um


sistema, mas em experiências de constituição de redes de auto-ajuda e ajuda-mútua. Nas
palavras de Iamamoto (2008):

A concepção de proteção social, apresentada por Costa, não a considera como


política pública, pois não é disso exatamente que se trata, E, sim, de
“experiências autogestionárias ou não de proteção social”, que restaurem o
aparato assistencial no interior das redes de solidariedade, integrando a esfera
pública e privada. A autora propõe como estratégia de um novo sistema de
proteção social “recompor o aparato assistencial com as redes de solidariedade e
os grupos de auto-ajuda admitidos como capazes de conduzir as ações de defesa
dos interesses coletivos”. (Costa, apud Iamamoto, 2008, p. 315).

Nos marcos do ideário neoliberal esta tese vem corroborar com uma perspectiva
que responsabiliza aos segmentos dos trabalhadores sem garantias de proteção social
por meio das políticas sociais por construir respostas às suas necessidades que são
oriundas das condições estruturais que geram a desigualdade e a pauperização.

Esta discussão acerca da proteção social difere da que já abordamos


anteriormente, não se trata do arco de ações e políticas públicas redistributivas que
respondem às necessidades da classe trabalhadora, é aqui destacado numa perspectiva
muito próxima à ancorada pela PNAS nos processos de ajuda mútua circunscrita na
responsabilidade da família e nos circuitos comunitários e seus vínculos para
sobrevivência.

A concepção de proteção social na perspectiva de longa duração é o campo


teórico de interesse profissional. Ele abrange padrões de proteção de formações
pré-industriais, industriais e pós-industriais – para além do Estado de Bem-Estar
Social – envolvendo “processo de auto-ajuda, de diferentes redes de
solidariedade e sobrevivência no interior de vários modos de vida”.
Extrapolando os movimentos sociais, essa proposta afirma a necessidade de
estudo de práticas e processos sociais, silenciosos e invisíveis, mas dotados de
forte significado na vida coletiva, que se encontram nas práticas familiares e
relações de compadrio, nas relações de gênero, etnia e de idade, na vizinhança,
no trabalho e nas religiões. Apresenta, também, novas veredas para apreender
processos como o paternalismo, o mandonismo e o clientelismo presente nas
relações sociais na história política brasileira (Iamamoto, 2008, p. 312).

162
A tese da função pedagógica do assistente social é influenciada, segundo
Iamamoto (2008), por Gramsci e é mediada “pelas políticas públicas – em especial a
assistência social – e pelos processos organizativos e lutas das classes subalternas,
inscrita pelos processos organizativos e lutas das classes subalternas, inscrita nos
processos de organização da cultura por parte das classes sociais” (Iamamoto, 2008,
316). Esta dimensão retoma a participação que o Serviço Social na sua atuação pode
potencializar segmentos que demandam serviços sociais em torno do fomento de
potencialidades de organização.

Por outro lado, o fundamento da formulação de Abreu (2002) retoma, segundo


Iamamoto (2008), o pressuposto da dimensão pedagógica do assistente social
determinado pelos vínculos que a profissão fundamenta junto às classes subalternas
“por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos
envolvidos no processo da prática” (Abreu apud Iamamoto, 2008, p 316). Esta
mediação seria um dos fundamentos da ação profissional e permitiria, no bojo das
contradições das relações entre Estado e sociedade possibilitariam ao Serviço Social
implicar seus usuários em processos de luta por garantias de direitos.

As ações pedagógicas concretizam a ação material e ideológica no modo de


vida, de sentir, pensar e agir das classes subalternas envolvidas nos espaços
ocupacionais, interferindo na reprodução física e subjetiva dessas classes, ao
mesmo tempo que rebatem na constituição do Serviço Social como profissão.
(...) “O princípio educativo na formulação gramsciana consubstancia-se na
relação entre racionalização da produção e do trabalho e na formulação de uma
ordem intelectual e moral, sob a hegemonia de uma classe” (Abreu apud
Iamamoto, 2008, p. 317).

Esta formação intelectual e moral operada pelo assistente social em sua


intervenção pode realmente direcionar a atenção do usuário para uma perspectiva
conservadora ou crítica, mas não há garantias que esta forma de mobilização – ainda
que resulte na participação ativa destes usuários em espaços de reivindicação – fomente
articulação destes demandatários por serviços sociais com este objetivo.

No âmbito da política de assistência social há espaços, como os conselhos e


conferências, que podem contemplar esta participação, assim como fóruns, associações,
dentre outros espaços, no entanto, uma atividade profissional direcionada numa
perspectiva crítica continua circunscrita pelas suas determinações estruturais – dadas
pela configuração das políticas sociais – e continua a repor as expressões da “questão
social” em outro patamar, visto esta configuração no trato da “questão social”.

163
A política de assistência social em seu caráter ressocializador é constitutiva dos
processos de organização da cultura. Ela é vista como uma “modalidade de
acesso do trabalhador a bens e serviços no atendimento de suas necessidades
básicas, cujo componente material é referência determinante de determinada
pedagogia” (Abreu apud Iamamoto, 2008, p. 317).

No âmbito dos programas e projetos de assistência social há espaço para este


tipo de ação educativa com seus usuários, mas a própria forma de atendimento às
necessidades nestes programas e projetos repõe uma determinada ideologia e cultura da
concessão de benefícios.

Para Abreu (2002) a assistência é um campo contraditório no qual se afirmam e


negam direitos e o direito à assistência pública seria uma forma de lutas por direitos na
sociedade capitalista para estas classes subalternizadas (apud Iamamoto, 2008, p. 317).
Entendemos que a forma como se configuram estes direitos no âmbito da assistência
também determinam as formas de acesso, a população que será atendida e capacidade
de mobilização. As demandas que fundamentam a profissão não respaldam esta
perspectiva e ainda que se afirme outra direção no projeto profissional, os limites destas
políticas também desenham os limites profissionais.

Dessa forma, Iamamoto (2008) destaca que esta concepção pode gerar uma
distorção, que ficou clara da década de 80 – na qual o Serviço Social vinculou-se mais
claramente a um projeto profissional alicerçado na defesa e garantia de direitos dos
trabalhadores – que equalizava a intervenção profissional a uma prática de militância
política. Não se trata de uma profissão que está na arena política pela própria
característica da profissão, esta é uma opção política que se inscreve numa dimensão
individual de dimensão coletiva que reconhece a necessidade de lutas numa dimensão
ampliada para articular soluções que são do âmbito da organização coletiva.

A derivação necessária dessa argumentação é a defesa do assistente social como


um “intelectual orgânico” vinculado a um projeto de classe revolucionário de
vocação socialista. Essa perspectiva a um projeto de classe oriundo dos anos 80,
que torna fluidos os limites entre profissão e militância política revolucionária
na defesa da sociedade socialista, por que equaliza inserções e dimensões
diferenciadas vividas pelo assistente social, enquanto profissional assalariado e
enquanto cidadão político, visto não ser a categoria politicamente homogênea,
por tratar-se de uma especialização do trabalho na sociedade e não de uma
atividade que se inscreva na arena política stricto sensu. Esta última observação
é, certamente, um dos fulcros da diferença de interpretação da profissão com a
autora, que tem o Serviço Social como uma forma de práxis (Iamamoto, 2008,
p. 323).

164
O assistente social, vinculado a um projeto profissional com vistas à
emancipação humana, teria como função pedagógica um caráter também “voltado para
a emancipação das classes subalternas” (Iamamoto, 2008, p. 329). Para Iamamoto, a
exposição de Abreu (2002) implica duas questões: a restrita faixa da população inserida
no segmento considerado subalterno que alça um perfil de politizado e que “não
dispõem de ampla representatividade nas condições efetivas em que opera o exercício
da profissão – apresenta-se como um “dever ser” distante da diversidade sociopolítica
que conforma a categoria” (2008, p. 329) e implica também na falta de mediações na
análise da profissão e seu exercício no âmbito do perfil profissional indicado por Abreu
(Ibidem).

Consideramos que a tese de Netto (1992) retomada por Iamamoto (2008) acerca
da estrutura sincrética do Serviço Social é a que nos permite aprofundar as teses
anteriores e explicar fundamentalmente o processo de assistencialização do Serviço
Social. Para o autor, “a funcionalidade histórico-social da profissão é sintonizar,
reproduzir e sancionar a composição heterogênea da vida cotidiana com as refrações da
questão social para situá-las novamente no mesmo terreno, mediante uma modalidade
específica de intervenção: ‘a manipulação de variáveis empíricas’, propiciando o
reordenamento dessas mesmas variáveis, que não são alteradas, resultando numa
‘prática inconclusa’” (apud Iamamoto, 2008, p. 266).
A atuação profissional se situa no âmbito da reprodução das relações sociais e do
atendimento no âmbito das expressões da “questão social”, sua intervenção repõe estas
expressões em outro patamar, na medida em que trabalha por meio de ações de
garantias de acesso a serviços sociais para o atendimento de necessidades postas por
seus demandantes. Na medida em que o assistente social trabalha com a rede de
serviços sociais – seja na articulação com outras políticas sociais em serviços oferecidos
pela rede pública-estatal ou organizações não-governamentais e rede privada
conveniada – atua no bojo de políticas precarizadas e minimalistas no atendimento a
estas mesmas necessidades.

As expressões da “questão social” repostas continuamente no âmbito das


relações sociais no capitalismo, ora perpassadas pela intervenção dos assistentes sociais,
tem nesta atuação um nível de atendimento que objetiva, quando no escopo do projeto
profissional hegemônico, alçar a condição de acesso a direitos, o que esbarra nos
processos, já mencionados, da incapacidade estrutural destas políticas de atenderem a

165
necessidades fundamentais para superação das condições que colocam a “questão
social” e que dariam à profissão, e à sua intervenção, o significado que seu projeto
profissional supõe. Ainda que atuando dentre das contradições desta ordem societária, o
Serviço Social se vê limitado em seus objetivos na medida em que está circunscrito à
reprodução das relações sociais no bojo das determinações da ordem burguesa.

Iamamoto destaca que “como o sincretismo figura como a face aparente da


totalidade do ser social, a natureza da profissão na sociedade burguesa madura é
estabelecida a partir da sua fenomenalidade – aprisionada em sua indissociável
reificação –, pressupondo a ‘ausência do referencial crítico dialético’” (Iamamoto, 2008,
p. 267).

Para a autora a restrição da análise do Serviço Social a formas reificadas de


manifestação dos processos sociais “ainda que esse procedimento possa prevalecer no
universo profissional, denuncia a mistificação, mas não elucida a natureza sócio-
histórica dessa especialização do trabalho para além do universo alienado, em que se
realiza e se mostra encoberta no sincretismo. Em outros termos, o esforço de
desvendamento, ainda que essencial, torna-se parcial e inconcluso” (Iamamoto, 2008,
pp. 267-268).

Iamamoto destaca que a tese do sincretismo não desvela a totalidade das


condições que permitem ao Serviço Social atuar nas contradições em que se apresentam
as expressões da “questão social” e principalmente as determinações de ordem política
que perpassam a atuação profissional. Para a autora há um silêncio na obra de Netto
acerca desta dimensão política na lógica que coloca as relações sociais na ordem
burguesa, que possibilitaram conquistas históricas para a classe trabalhadora como
contra-tendências ao processo de exploração do trabalho no capitalismo se traduzindo
em conquistas de direitos que garantem condições de reprodução para esta classe no
bojo da relação capital-trabalho.

Esse estranho silêncio sobre a política, como instância de mediação da relação


do homem com sua genericidade na análise de Netto (a qual sempre teve
centralidade em sua vida pública), tona opaca, nesse texto, a luta de classes na
resistência à sociedade do capital. Isso deriva em uma visão cerrada da
reificação – forma assumida pela alienação na “idade do monopólio” – e a
alienação tende a ser apreendida como um estado e menos como um processo
que comporta contratendências, porque as contradições das relações sociais são
obscurecidas na lógica de sua exposição (Iamamoto, 2008, p. 269).

166
Iamamoto (2008) ainda destaca os desdobramentos da tese do sincretismo
apontadas por Netto (1992) como “‘prática indiferenciada’, do ‘sincretismo científico’ e
do ‘sincretismo ideológico’”144 (2008, p. 273) e aponta para a necessidade de
aprofundar o debate sobre o “sincretismo da prática indiferenciada” em virtude do foco
que privilegia o trabalho profissional (Idem). Destaca o que Netto (1992) aponta como
uma indiferenciação da prática filantrópica que se expressa ser pelo enquadramento
numa rede institucional, mas que “mantém-se ‘pouco discriminada’, com ‘referencial
nebuloso’ e ‘inserção institucional aleatória’” (Iamamoto, 2008, p. 273).

Mantém-se uma mesma estrutura operacional para a prática profissional similar


às protoformas da profissão. O Estado, na sua expansão monopolista, na medida em que
passa a centralizar as respostas face à “questão social” via políticas sociais mantém o
corte filantrópico junto às suas ações (Netto apud Iamamoto, 2008, p. 273-274) – o que
pode ser verificado em sua expressão mais exponeciada na política de Assistência
Social e a estruturação da rede de atendimento em parceria com a iniciativa privada,
não-governamental e filantrópica. Para Iamamoto (2008), ainda que reconhecendo a
aparência indiferenciada da profissão, entende que há determinações sócio-históricas
nas respostas profissionais e possibilidades de configuração que permanecem
obscurecidas por esta tese (2008, pp. 273-274).

Entendemos que a profissionalização do Serviço Social supera as protoformas da


profissão e dá um salto qualitativo com a perspectiva de ruptura com o conservadorismo
no plano ideal se expressando também na prática profissional, através da incorporação
de um referencial teórico crítico – que não suprime as expressões conservadoras da
profissão – e que garante a hegemonia de um projeto profissional fortemente vinculado,
como vimos, a uma perspectiva de garantia de direitos e alargamento das conquistas da
classe trabalhadora, diferente da perspectiva filantrópica, de ajuda pontual e
fragmentada.

144
O sincretismo ideológico se expressa pela medida de “continuidade visível em face ao passado profissional do
Serviço Social, reiterando aos assistentes sociais a necessidade de verificar a compatibilização do novo âmbito de
intervenção com as suas práticas precedentes e, especialmente, com suas elaborações formal-abstratas” (Netto, 2001,
p. 131). O sincretismo “científico” diz respeito ao “sistema de saber que ancora (...) as suas práticas e, igualmente,
suas representações” (Idem, p. 132) e remonta a constituição de um saber científico próprio da profissão. Para o autor
o ecletismo é reiterado pelas “incidências da tradição positivista (e neopositivista)” (Ibidem, p. 150). ). São
combinadas estratégias na intervenção profissional que remontam o pensamento conservador e que incorporam
elementos da ruptura com esta perspectiva, de acordo com as demandas apresentadas conformando o ecletismo ( que
não pode ser confundido com o “pluralismo”, pois remete a utilização de referências filosóficas oriundas de
pensamentos distintos, as vezes não só contraditórios, mas frontalmente opostos) e o sincretismo (numa fusão
imprecisa de ideologias diversificadas) na prática dos assistentes sociais.

167
Nas palavras de Netto (2001): “a forma da prática profissional, nas suas
resultantes, não obteve um coeficiente de eficácia capaz de diferenciá-la de outras
práticas profissionais ou não, incidentes sobre a mesma problemática” (p. 100). Com
isso o autor destaca os limites na operacionalização de uma formulação com base na
intervenção das refrações da “questão social” (Idem). Entendemos que, com isso, o
autor não afirma determinações fatalistas na inserção do assistente social, mas considera
as possibilidades de ampliação do referencial crítico em suas expressões concretas na
intervenção profissional mediadas pela forma que são ordenadas as políticas com as
quais trabalha.

A lógica fragmentada e regressiva das políticas sociais coloca os assistentes


sociais – que atuam predominantemente no âmbito do Estado – condicionados à lógica
destas mesmas políticas. Queremos dizer com isso que esta lógica delimita as condições
da atuação profissional – assim como determina a de outros agentes profissionais que
atuam nelas – e traz as definições centrais para que o assistente social adote medidas de
garantia de acesso às políticas sociais e aos direitos garantidos por elas, na lógica em
são operados.

Nas palavras de Netto (2001):

Num caso como noutro, na explicação como na intervenção, este referencial


[crítico] não rompe com a positividade com que se apresentam os processos
sociais na moldura societária burguesa – não rompe, fundamentalmente, porque
não supera a sua imediaticidade. No plano da articulação teórica, ultrapassa o
senso comum com uma formulação sistemática, entretanto sem desbordar o seu
terreno; no plano da intervenção, clarifica nexos causais e identifica variáveis
prioritárias para a manipulação técnica, desde, porém, que a ação que sobre elas
vier incidir não vulnerabilize a lógica medular da reprodução das relações
sociais (2001, p. 101).

Dentro dos limites apontados pelo autor que se inscrevem as possibilidades de


intervenção, sem subverter fundamentalmente a lógica em que operam as políticas
sociais. Esta prática indiferenciada condicionada a uma estrutura sincrética admite as
contradições que se colocam nas relações institucionais para a mediação de direitos, no
entanto, consideramos que determinam centralmente os limites postos para a profissão
no âmbito da garantia de direitos que não dependem somente da vontade de seus
agentes profissionais.
Para Iamamoto (2008) a tese de Netto (1992) “não permite vislumbrar nem a
presença dos movimentos revolucionários na história e nem horizontes de ruptura da

168
positividade, em uma análise aprisionada num ‘pessimismo da razão’, que não dá lugar
ao ‘otimismo da vontade política’, parafraseando Gramsci” (Iamamoto, 2008, p. 271).
Mas entendemos que nesta oposição entre a tese de Netto e Iamamoto tem um eixo de
articulação com a dimensão política, como destacado pela autora, que superdimensiona
a capacidade profissional, ainda que a relacionando ao processo mais amplo de
intervenção da classe trabalhadora no âmbito das lutas por garantias de direitos, até
porque o momento regressivo para a garantia de direitos no bojo do neoliberalismo
implica num refluxo destas lutas e influencia, em certa medida, a capacidade de
intervenção profissional para fomentar estas garantias para os demandatários dos
serviços sociais.

Entendemos que o otimismo da vontade está condicionado às determinações


concretas destacadas pelos autores de exponenciação da “questão social” e suas
expressões e recolocam a necessidade de um pessimismo da razão vinculado a estes
condicionantes, para que possamos avançar na reflexão sobre as possibilidades postas
para o Serviço Social nesta conjuntura no que se circunscreve ao âmbito da intervenção,
diante destes limites, na sua relação com o movimento mais amplo da sociedade, que
determina igualmente as condições que vai atuar, visto o projeto profissional afirmado
na direção da garantia de direitos para a classe trabalhadora e que aponta para a
construção de uma outra sociedade parametrada por outros princípios ancorados na
ruptura com a ordem vigente baseada na exploração do trabalho e na apropriação e
acumulação privada dos meios de produção e da riqueza socialmente produzida.

Iamamoto (2008) destaca os vetores da tese de Netto (1992) que seriam dois:
“(a) ‘as condições para a intervenção na sociedade burguesa marcada pela positividade’
ou pseudo-objetividade; (b) ‘a funcionalidade do Estado no confronto das refrações da
‘questão social’’. Essas condições, que extrapolam a prática profissional, aparecem
como se fossem limites endógenos ao Serviço Social” (Iamamoto, 2008, p. 274).

Concordamos com a autora que estas condições extrapolam o âmbito de atuação


do Serviço Social, mas a tese de Netto reforça-as enquanto condicionantes da prática
profissional – na atuação no âmbito das políticas sociais – e alerta quanto ao parâmetro
das políticas sociais, que na atual conjuntura figuram como ações minimalistas no trato
das expressões da “questão social” apenas para a redução de índices absolutos de
pobreza e miséria e tensionam permanentemente as garantias de direitos para os
trabalhadores do mercado formal. Estes limites acabam figurando como condições

169
internas da profissão, ainda que a extrapole, na medida em que configuram o locus no
qual se insere e é demandada a intervenção profissional.

Os limites apontados, ainda que não sejam próprios do Serviço Social,


aparecem como tais, o que torna a especificidade profissional uma incógnita
para seus agentes, segundo o autor, pois: “a profissionalização permanece num
circuito ideal, que não se traduz operacionalmente. As peculiaridades
operacionais de sua prática não revelam a profissionalização: tudo se passa
como se a especificação profissional não rebatesse na prática – o específico
prático-profissional do Serviço Social mostrar-se-ia na fenomenalidade como
inespecificidade operatória”. Em síntese, a profissionalização distinguir-se-ia
das práticas filantrópicas apenas por meio da “sanção social e institucional”,
sem redundar em qualquer diferenciação na forma de operar, ainda que
produzindo efeitos sociais diversos: sua especificidade mostrar-se-ia como
inespecificidade operatória, o que é atestado pela aparente “polivalência” ou
aparente “intervenção indiferenciada do assistente social” (Netto apud
Iamamoto, 2008, p. 275).

Iamamoto destaca ainda outro vetor desta tese que se relaciona às políticas
sociais estatais que repõem de forma ampliada as manifestações da “questão social”
cronificando-as (2008, p. 274). Considerando a atuação profissional no âmbito das
políticas sociais restaria à profissão, na teses de Netto (1992), a “‘racionalização de
recursos e esforços para o enfrentamento das refrações da questão social’. Esse é o ‘anel
de ferro’ que aprisiona a profissão, não lhe permitindo ir além de suas protoformas”
(apud Iamamoto, 2008, p. 274).

Este anel de ferro é o que sinalizamos como condição que condiciona o Serviço
Social na sua intervenção dentro das políticas sociais, superando sim as suas
protoformas – pois é uma profissão formada intelectualmente por meio da universidade,
numa perspectiva generalista e que se inspira predominantemente na superação crítica
da perspectiva conservadora no bojo do projeto profissional hegemônico – mas,
perpassado, em sua intervenção, por estas determinações.

Netto destaca que a aparência do papel social dos assistentes sociais é a


polivalência, consequência da operacionalização prática destes profissionais – atuando
nas políticas estatais, particularmente – e se traduz na sua “intervenção indiferenciada”.

os seus agentes, que se vêem requisitados para um papel social cujo conteúdo
difuso só pode ser preenchido através de uma aparente polivalência que exaure
qualquer diferenciação prático-profissional. A polivalência aparente é a mais
nítida consequência da peculiaridade operatória do Serviço Social –, na sua
intervenção indiferenciada. E, sobretudo, a expressão cabal do sincretismo que
penetra todos os interstícios da sua prática (Netto, 2001, p. 105).

170
Encontramos na atualidade vetores que acompanham estas características
sinalizadas por Netto (2001), que estiveram presentes historicamente no Serviço Social
como prática profissional e são exponenciadas na atualidade. Um exemplo são as
práticas terapêuticas exercidas por profissionais com esta especialização145.

Faleiros destacou em documento público recentemente repassado por endereço


eletrônico intitulada “Considerações sobre a Ementa de Resolução sobre Vedação de
utilização de práticas terapêuticas por parte do CFESS” e destaca que o processo de
aprovação de resolução que veta estas práticas como uma negação da história do
Serviço Social, e determina uma restrição do campo de atuação dos assistentes sociais.
Afirma que “é uma vertente teórico-prática que corresponde à forma do exercício
profissional previsto no inciso V do Art. 4º da Lei 8662/93 para se fazer a intervenção
profissional” e afirma que “Na História do Serviço Social está enraizada a prática
terapêutica e a definição internacional a contempla. O CFESS não pode abolir a história
onde surge inclusive o nome da assistente social Virginia Satir fundadora da prática
terapêutica com famílias”.

Faleiros possui uma ampla produção teórica no Serviço Social, e é considerado


por Iamamoto (2008) como “um dos expoentes de maior peso do movimento de
reconceituação do Serviço Social latino-americano” (p. 293)146. A vertente
“psicologizante” do Serviço Social é expressão que se expressa mais fortemente no
campo da saúde e saúde mental e, a nosso ver, é uma forma de articular respostas –
numa perspectiva conservadora – às expressões da “questão social” quando não
encontram atendimento concreto através da intervenção e dos encaminhamentos
promovidos pelo assistente social. Cabe destacar que não estamos negligenciando a
dimensão subjetiva em que se expressam as condições concretas dos usuários destes
serviços, mas o atendimento clínico cabe às especialidades que têm sua formação
profissional vinculada a esta área e constitui-se como uma distorção do exercício
profissional

Iamamoto destaca que as políticas sociais concretamente não fazem a eversão da


“questão social”, mas destaca que estas mesmas políticas são fruto de conquistas
145
Cf. Nota 131.
146
Iamamoto (2008) trabalha a tese de Faleiros, denominada como “tese da correlação de forças”, não destacada
neste trabalho. Nesta tese “Seu traço distintivo é a preocupação com as relações de poder, que se desborda em uma
importante e pioneira contribuição na temática da política social, considerado o campo em que se situa a profissão.
(...) o eixo central de sua abordagem é a relação do Serviço Social com a política, introduzindo noções gramscianas
de ‘hegemonia’ e intelectual no Serviço Social brasileiro’” (pp. 293-294). Sua tese se situa na mudança dos
comportamentos por meio do paradigma das relações interpessoais (Idem, 294).

171
mediadas pelas lutas sociais no bojo do capitalismo, mas sinaliza que nesta relação entre
as classes o bloco dominante atua no sentido de imprimir-lhes o caráter de concessão e
de ajuda antecipando-se às reivindicações como medidas de desmobilização destas
mesmas lutas (2008, p. 275). Entretanto, “O campo das políticas públicas e dos direitos
sociais é, também, uma arena de acumulação de forças políticas de lutas em torno de
projetos para a sociedade no enfrentamento das desigualdades condensadas na questão
social” (Ibidem.).

Este processo contínuo que se desenvolve na relação entre as classes sociais


determina também a forma como a qual se colocam a organização dos trabalhadores e
as lutas sociais no capitalismo. O influxo destas lutas também está condicionado pelas
políticas sociais articuladas no neoliberalismo.

O mercado de trabalho profissional para o assistente social convive com novas


demandas em condições desfavoráveis (Iamamoto, 2008, 277). A autora circunscreve
estas condições desfavoráveis ao “lastro conservador presente no desempenho de papéis
e atribuições profissionais, de fragilidades de formação, de pouca ousadia na construção
de respostas profissionais, além da baixa remuneração percebida pelos assistentes
sociais” (Ibidem.).

Iamamoto (2008) destaca que há ações desenvolvidas pelos profissionais com


“fecundas experiências inovadoras” que ainda não têm a visibilidade necessária e que
contrapõem as tendências conservadoras presentes nos aspectos mencionados.
Entendemos que nestas afirmações de Iamamoto reside uma polêmica que circunscreve
uma das contradições presentes no debate sobre a profissão e sua intervenção prática: o
destaque que é dado à dimensão política da profissão circunscrita centralmente nas
iniciativas profissionais e no âmbito de experiências que ilustram a garantia da direção
contra-hegemônica do Serviço Social, mesmo contra todas as tendências regressivas que
determinam a profissão.

Consideramos necessário que os profissionais com uma formação qualificada e


uma intevenção competente e conectada com a realidade permite avanços diante das
requisições profissionais que se situam no plano conservador. É possível que projetos de
intervenção possam se circunscrever na direção social hegemônica da profissão e que
apontem para garantias de direitos, no entanto, são as condições que colocam a
demanda pelo Serviço Social, as políticas sociais num processo contínuo de reposição
da “questão social”, que mediam estes projetos e não é o assistente social – ou qualquer

172
outro profissional – que circunscrevendo uma prática inovadora que romperá com um
processo estrutural que fundamenta sua inserção profissional.

Ainda que o desempenho do profissional consiga romper com determinações


institucionais conservadoras – ou ainda que o conjunto de assistentes sociais pudesse
elaborar e implementar projetos profissionais conectados à uma perspectiva crítica, que
aponte para a garantia de direitos – a fragmentação do atendimento às expressões da
“questão social”, a configuração do Estado no atendimento às necessidades do conjunto
da população demandatária de políticas sociais, determina os limites estruturais de
atuação, ainda que estes projetos sejam necessários e fundamentais para o avanço da
profissão e oposto à naturalização das manifestações da “questão social” e para uma
atuação profissional conectada à direção social afirmada pelo Serviço Social.

Para Iamamoto (2008) a hipótese que orienta a formulação de Netto (1992) é o


superdimensionamento da ruptura com o conservadorismo no Serviço Social destacando
que a “‘dinâmica das vanguardas altamente politizadas ofuscou a efetividade da
persistência conservadora’ (Netto, 1996: 112) que dispõe de profundas raízes na
categoria” (Iamamoto, 2008, p. 277). A autora segue destacando que:

Para o autor, o processo de renovação teórica e cultural do Serviço Social, ao


esgarçar o lastro conservador antimoderno que cravou o passado profissional,
resultou na constituição de uma intelectualidade dotada de maioridade no
campo da elaboração teórica, que animou o mercado editorial com dominante
influência da tradição marxista. Assim, a literatura profissional passou a
veicular um conjunto de polêmicas relevantes atinentes ao Estado e movimentos
sociais, à democracia e cidadania, às políticas sociais – e, em particular à
assistência – além dos embates entre teoria e metodologia na formação
profissional, permitindo estabelecer uma interlocução com outras áreas do
conhecimento (Iamamoto, 2008, p. 277).

A construção da perspectiva crítica no campo da formulação teórica no Serviço


Social avançou na compreensão dos determinantes da intervenção profissional e da
conjuntura e estrutura da sociedade nos aspectos atinentes à atuação profissional, no
entanto, a expressão concreta destes elementos esbarra nas próprias determinações das
políticas sociais e do cerne da atuação dos assistentes sociais nestas políticas.

Na assistência social há uma larga formulação, autores que contribuem não só


para a reflexão teórica sobre esta política, mas são agentes centrais na formulação da
política, nos avanços dos marcos regulatórios e na afirmação de perspectiva de garantia
de direitos neste âmbito.

173
Para Iamamoto (2008) um ambiente político marcado pelo colapso do
socialismo real e pela ofensiva neoliberal, junto com a redução da influência de
esquerda marca a cooptação de intelectuais no poder e contribui para a derruição das
bases da hegemonia teórico-cultural que colocaram no cenário os avanços numa
perspectiva de ruptura com o conservadorismo no seio da profissão, sinalizando um
deslocamento destas bases e ameaçando-as (p. 277).

A autora prossegue destacando quais aspectos determinam a preservação de


espaços ocupacionais e a configuração das respostas profissionais que neste processo
serão engendradas, situando-as na necessidade de formação acadêmica, na graduação e
pós-graduação, para romper com o que chama de adestramento teórico.

a preservação dos espaços ocupacionais subordina-se à capacidade demonstrada


pelos assistentes sociais de responder às novas competências: a clareza de como
respondê-las. Isso remete às responsabilidades da formação acadêmica, dotada
de um perfil generalista, complementada pelo fomento de especializações e da
formação continuada no campo da pós-graduação (alternativa à graduação já
especializada), que resulte num intelectual com qualificação operativa para além
do adestramento teórico (Iamamoto, 2008, 279).

Compreender a conexão entre formação e intervenção profissional é


fundamental, a nosso ver, para que possamos identificar os limites e as possibilidades de
atuação, com análises institucionais que reflitam a realidade e suas contradições
conjunturais e estruturais. No entanto estes aspectos continuarão sendo condicionados
pelas condições que os profissionais mesmos identificarão. Consideramos que não
podemos situar no campo da vontade e da capacidade de formulação as condições que
promoverão uma intervenção profissional conectada, ou não, com o projeto profissional
hegemônico.

Segundo Iamamoto (2008) a profissão é tratada por Netto (1996) fundamentada


pela dimensão política
como instância decisiva para assegurar a hegemonia da ruptura com o
conservadorismo e alargar as bases sociais de legitimidade do Serviço Social
junto às classes subalternas. A profissão passa a ser tratada como um campo de
lutas, “em que os diferentes segmentos da categoria, expressando a
diferenciação ideopolítica existente na sociedade, procuram elaborar uma
direção estratégica para a sua profissão” (Netto, 1996 in Iamamoto, 2008, p.
27).

Esta direção estratégica afirmada e determinada pela dimensão política passa


pela mediação interna à profissão, por meio da interlocução de suas entidades
representativas (CFESS/CRESS, ABEPSS, ENESSO), pela articulação da categoria

174
diante de sua intervenção profissional, mas estão mediadas fundamentalmente pelas
condições que se estruturam as lutas sociais e a organização geral dos trabalhadores,
pois a afirmação de um projeto profissional vinculado à garantia de direitos para esta
classe depende fundamentalmente de como esta classe se insere nas relações sociais e
na capacidade de frear a redução de direitos e avançar nas conquistas.
Os limites circunscritos à atuação da profissão de forma organizada se relaciona
às fronteiras que qualquer profissão enfrenta no seu interior, que é o condicionamento
posto pela fragmentação do trato da “questão social” em suas manifestações –
especialmente via políticas sociais – e das respostas articuladas no âmbito do
capitalismo.
Para Iamamoto “A centralidade assumida pelas respostas profissionais, de
caráter teórico-prático, às demandas emergentes – expressão das transformações vividas
pela sociedade nas últimas décadas – mostra um estatuto profissional aberto a novas
possibilidades, o que contrasta com o circuito fechado que informava a análise da
fenomenalidade da prática no debate sobre o sincretismo” (Iamamoto, 2008, p. 280).

Esta autora considera que o diferencial que Netto destaca nos ensaios de 1992 e
1996 se situa na dimensão contraditória das relações sociais e das respostas articuladas
neste âmbito e não apenas como reprodução da lógica reificada do capital (Iamamoto,
2008, p. 280) destaca que estas respostas são “permeáveis a uma direção estratégica
contra-hegemônica. A profissão é atravessada pela luta de classes, o que comparece
diluído na elaboração anterior” (Idem).

Iamamoto prossegue afirmando que a inflexão mediada pela dimensão política


da profissão e destaca que há uma inflexão em 1996 quando Netto sinaliza esta
dimensão para afirmação do projeto profissional hegemônico.

Essa inflexão não pode ser debitada apenas à presença de bases sociais da
categoria voltadas a uma direção social estratégica contra-hegemônica
informada pela tradição marxista, responsável pela renovação da cultura
profissional. Ora, os determinantes societários do sincretismo, tal como
propostos no primeiro texto, transcendem essas injunções, porquanto inscritos
na própria concepção de reprodução social expressa pelo autor na primeira
elaboração comentada. A hipótese é de que há, de fato, nesse segundo
momento, uma revisão do “sincretismo da prática indiferenciada”, ainda que
não explicitada pelo autor. Ela é tributária da análise do processo de reprodução
social saturado de contratendências, tal como expresso na lógica da construção
do texto, inteiramente permeado pelos dilemas contraditórios da história do
tempo presente (Iamamoto, 2008, pp. 280-281).

175
A nosso ver ainda que a dimensão política esteja concretamente inscrita na
profissão na mediação que realiza no bojo das relações sociais e da esfera reprodução
social afinada as contra-tendências que se desenham no seu interior e na qual se
circunscreve a intervenção profissional superdimensiona a capacidade de consolidação
de conquistas ancoradas neste processo, visto a envergadura que o capitalismo toma nos
tempos atuais.

As respostas prático-profissionais são alçadas a um papel de destaque, enquanto


terreno privilegiado do embate ideopolítico, traduzido em “respostas
profissionais de caráter interventivo” às exigências do mercado de trabalho, mas
capazes de se distanciarem dele criticamente. A condição para tanto é que essas
respostas sejam conectadas às tendências dos processos sociais e a um projeto
contra-hegemônico para a sociedade, desafio necessário para o aprofundamento
dos rumos impressos à renovação do Serviço Social no País, norteados pela
teoria social crítica (Iamamoto, 2008, p. 281).

Não se pode confundir o espaço profissional como espaços de militância no que


diz respeito à intervenção profissional, uma prática mediada pela dimensão política
compreende as limitações de ordem institucional para que sejam propostas medidas que
interfiram nas relações nela engendradas, mas vão além do âmbito da prática
profissional stricto sensu 147.

O efeito da atividade profissional no processo de reprodução das relações


sociais não decorre apenas do seu “modo de operar”, que, segundo [Netto],
historicamente pouco se diferenciou das atividades similares que antecederam
essa profissionalização; mas sim de sua funcionalidade social, indecifrável se
pensada como atividade do indivíduo isolado, porque depende dos organismos
aos quais se vincula e das relações sociais que lhe dão vida (Iamamoto, 2008, p.
283).

Estão presentes no interior da profissão perspectivas diversas que são baseadas


em diferentes ideologias, como destaca Netto, que tende a fundir concepções que muitas
vezes sequer dialogam entre si, para estruturar respostas que possam dar conta da
realidade e afirmar o projeto profissional em meio às determinações concretas que
permeiam a categoria. Esta percepção imprecisa que configuram o objeto da profissão e
criam diferentes antagonismos e a busca de sínteses que reimpliquem a profissão no
projeto hegemônico ou em projetos profissionais diversos que estejam mais próximos
das respostas demandadas à profissão.

147
Importante destacar que no âmbito institucional se organizam movimentos e a atuação sindical também e se
circunscrevem na luta mais ampla por afirmação de conquistas institucionais dentre o conjunto de profissionais que
atuam em determinado campo e de segmentos e categorias inscritos nas relações institucionais e de políticas sociais
(também no âmbito privado e não-governamental) em que se circunscrevem os assistentes sociais no bojo da sua
relação com os trabalhadores de forma geral.

176
Netto (1999) já destacava que estas questões não podem ser resolvidas apenas
dentro do corpo profissional e que a análise do movimento real é o que pode imprimir a
indicação de soluções que contribuam, inclusive, com o movimento geral de
organização dos trabalhadores.

É evidente que estas divergências não podem ser resolvidas somente no marco
do corpo profissional. Seu direcionamento positivo exige a análise do
movimento social (que é o movimento das classes e camadas sociais) e o
estabelecimento de relações e alianças com outros corpos profissionais e
segmentos sociais (aqui incluídos os usuários dos serviços profissionais),
principalmente aqueles vinculados às classes que dispõem de potencial para
gestar um projeto societário alternativo ao das classes proprietárias e
dominantes (Netto, 1999, p 6).

Entendemos que estas determinações devem estar presentes para a análise dos
processos sociais que se põem nos espaços profissionais, na formulação, gestão e
execução das políticas sociais para que possamos avançar na direção do horizonte
apontado no projeto profissional dos assistentes sociais, a necessária construção de uma
nova ordem societária, onde direitos sejam garantidos de forma concreta e em que se
supere a exploração e opressão do homem por meio da apropriação a acumulação das
riquezas socialmente produzidas, uma sociedade sem exploração do trabalho e sem
classes sociais.

No campo das políticas sociais, perpassado pelo processo de assistencialização,


reside um dos desafios dos tempos atuais que se situa no campo da profissão (sua
fiscalização, regulamentação e exercício) e na relação com o movimento geral dos
trabalhadores. Superar aspectos das respostas a “questão social” articuladas no
capitalismo não encontra soluções no interior de uma profissão, mas a contribuição que
o Serviço Social pode oferecer situa-se na formulação teórica e política, assim como em
projetos que sinalizem as contradições presentes no interior destas políticas nas quais
atua.

A atuação dos assistentes sociais no campo da assistência foi ampliada nos


últimos anos e sua presença não é o que o caracteriza como “profissional de assistência
social” ou determina sua identidade como profissional “protagonista” desta política
social, no entanto, nos cabe a atenção às demandas historicamente postas à profissão.

O Serviço Social possui relativa autonomia tensionada pelos empregadores e


pelas demandas aos profissionais, particularmente num período de retração de direitos,
reestruturação produtiva e de predomínio do ideário neoliberal e crise, cenário em que

177
se amplia a requisição de serviços sociais e pela mediação do assistente social nas
diversas políticas sociais para consecução destes direitos.

Neste contexto estes serviços mediados pelos assistentes sociais, particularmente


os de assistência social, figuram como benesse, iniciativa de governos que lançam suas
marcar (nos três níveis de governo), sem a característica de conquista resultante da
organização e da luta dos trabalhadores, mas como fruto de concessões que sequer se
caracterizam como direito permanente garantido a quem dele necessitar, mesmo quando
dentro dos perfis e parâmetros estabelecidos, visto as metas baseadas no
contingenciamento de recursos.

O desafio reside em não alimentar o fatalismo, mas estabelecer uma leitura da


realidade crítica e parametradas nas condições concretas que se desenvolve o exercício
da profissão. Como destacamos na análise de Netto (Iamamoto, 2008), o movimento de
afirmação de um referencial crítico de análise foi superdimensionado, frente a uma
inserção prática demandada institucionalmente – especialmente nas políticas sociais –
para mediação e administração de serviços assistenciais, emergenciais e fragmentados,
configurados pela própria rede com a qual o Serviço Social atua.

Podemos observar que no atual contexto de crise a intervenção profissional é


demandada, mas não para fortalecer processos de organização dos segmentos com os
quais atua, mas para mediar os serviços oferecidos pelo Estado. A ultrapassagem do
sincretismo teórico não elimina esta característica sincrética da prática do exercício
profissional, devido a própria inserção do Serviço Social no mercado de trabalho e os
meios e finalidades que lhe são colocados.

A busca por uma especificidade para a profissão encontrou eco na ampliação e


no destaque da Assistência Social dentre as políticas de Seguridade Social e a ampliação
do mercado de trabalho neste campo. Nossas preocupações residem na qualificação
desta política, na retomada da concepção ampliada de Seguridade Social e no
desvelamento do processo de assistencialização.

O assistente social, ao mediar serviços sociais nas políticas sociais em que está
inserido, participa da reprodução e reposição das expressões da “questão social” ainda
que o projeto hegemônico da profissão seja a orientação de sua intervenção. Há de se
dimensionar os aspectos concretos da intervenção – o acesso aos serviços e benefícios
no âmbito das políticas sociais – e a dimensão “pedagógica”, sem superdimensionar esta

178
última como aquela que permite expressar a direção social da profissão, na medida em
que está perpassada pela capacidade circunscrita à formação, análise institucional,
pesquisa e outros aspectos que dependem diretamente dos profissionais.

A mutação do papel da política de Assistência Social enquanto política de


Seguridade Social traduzida numa política de combate à pobreza tem incidência
fundamental na construção de consensos em torno de como devem ser tratadas as
expressões da “questão social” e de como elas aparecem em nossa sociedade. O
processo de assistencialização das políticas sociais implica em rebatimentos concretos
na prática profissional, e não só, marca, em especial na Assistência Social, a formulação
política e teórica em suas fundamentações. Afirmar uma direção crítica no bojo deste
processo significa consolidar direitos para o combate às desigualdades sociais, num
momento que elas se traduzem pela naturalização da pobreza e consolidação de uma
cultura que socializa a crise.
Para que as diferentes dimensões da profissão se expressem de forma articulada
é necessário reafirmar a referência num projeto societário oposto ao capitalismo, tal
qual a direção social da profissão é afirmada pelos segmentos mais críticos. A dimensão
teórica crítica, que se expressa numa ética vinculada aos interesses da classe
trabalhadora não pode ser operada mecanicamente na prática cotidiana por meio de
projetos de intervenção que sinalizem as necessidades do público usuário e, as
dificuldades em garantir acesso. A ruptura com estas condições, que são as mesmas que
estabelecem a requisição profissional: a constituição de políticas estatais que repõem em
bases ampliadas a “questão social”, constituem os limites para a afirmação deste projeto
profissional nesta ordem societária.

179
C on s i d e r a ç õ e s f i n a i s

O processo de assistencialização das políticas sociais tem como marca a


constituição de um modelo de Seguridade Social minimalista e focalizado que, como
vimos tem como pilar a estruturação de programas e projetos de alívio da pobreza que
se traduzem em ações que buscam racionalizar benefícios e serviços voltados para as
populações mais pobres (em termos de renda) dentre os setores pauperizados numa
perspectiva de administração e gestão da pobreza em seus fenômenos mais agudos e
aparentes, como a fome e recursos materiais/econômicos mínimos de sobrevivência
biológica.
Este contexto de reformulação das políticas sociais no Brasil incide no mercado
de trabalho e no exercício profissional dos assistentes sociais, um dos profissionais
diretamente vinculados à formulação e gestão das políticas sociais, e em muitos casos
como agentes mediadores de demandas e, particularmente, dos serviços oferecidos pelas
políticas sociais. O processo de reordenamento da Seguridade Social e especificamente
da Política de Assistência brasileira articula-se de forma direta com a estratégia de
redução dos investimentos nas políticas estruturadoras de direitos, com base numa
política econômica que privilegia, por um lado, o acúmulo e concentração de riquezas
pelo capital e, por outro, o fornecimento de mínimos de sobrevivência para manter
estatisticamente os índices de pobreza e indigência “sob controle”; dessa forma
precariza e privatiza (de forma direta ou indireta) a rede de serviços. Estas mudanças
afetam o Serviço Social uma vez que tornam a intervenção profissional restrita, não por
sua vontade, a reposição das expressões da “questão social” em suas mediações e
encaminhamentos com vistas a garantia de acesso a direitos.
Abordamos no decorrer da nossa exposição à Seguridade Social, não como um
fim em si mesmo, mas como mecanismo tático para a constituição e ampliação de
direitos sociais com vistas à consolidação de um sistema de proteção social universal.
Entendemos que consolidar e avançar nesta perspectiva de Seguridade Social é
necessário, levando em consideração o compromisso profissional com a luta pela
realização plena de direitos e considerando os limites estruturais de sua concretização
numa sociedade composta por classes opostas.
O Serviço Social se insere na maioria das vezes como mediador da relação entre
interesses de classe distintas na sua inserção nas políticas sociais que como vimos vêm

180
se traduzindo em ações estatais que assumem a forma de medidas compensatórias de
necessidades e não no espectro de garantia de direitos de cidadania. A profissão aponta
hegemonicamente na sua legislação profissional, formulação e direção política, na
direção social solidária com a classe trabalhadora e com um projeto societário que, na
sua dimensão estratégica, orienta para o futuro e delimita suas bases no presente. Esta
dimensão da profissão, em sua prática política e interventiva, se circunscrevem nos
marcos dos limites e possibilidades profissionais e no bojo da organização mais ampla
da sociedade e da luta de classes.
No campo das políticas de Seguridade Social e da Assistência Social, em
particular, se inscrevem desafios na ordem de alteração dos quadros em que elas se
estabelecem. Sua implementação é norteada por ações de combate à pobreza, nos
moldes da orientação neoliberal, nas quais serviços e benefícios teriam por objetivo
primário a alteração dos índices de pobreza absoluta e indigência, reafirmando assim
uma perspectiva restrita de Seguridade Social e de Assistência explicitada em seus
critérios de acesso e atendimento.
Os assistentes sociais inserem-se nesse contexto de tensão onde são colocados
diferentes projetos societários e de proteção social, âmbito de disputas para afirmação
da direção social da profissão, diante dos impasses postos pelas demandas, pelos
recursos disponíveis e a necessária afirmação do projeto profissional.
No caso da Política de Assistência Social a principal porta de entrada – para
acesso á benefícios e serviços – são os Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS)148 e os CREAS, centros em que sempre devem estar presentes os profissionais
assistentes sociais como técnico de referência149.
O CRAS (ou Casas das Famílias) entendido como espaço responsável pelos
serviços continuados de proteção social básica, é assim caracterizado como:
espaços físicos localizados estrategicamente em áreas com maior índice de
vulnerabilidade e risco social e pessoal. Prestam atendimento socioassistencial,
articulam os serviços disponíveis em cada localidade, potencializando,
coordenando e organizando a rede de proteção social básica intersetorialmente
com políticas de qualificação profissional, inclusão produtiva, cooperativismo e

148
“O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é uma unidade pública da política de assistência social, de
base municipal, integrante do SUAS, localizado em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social,
destinado à prestação de serviços e programas socioassistenciais de proteção social básica às famílias e indivíduos, e
à articulação destes serviços no seu território de abrangência, e uma atuação intersetorial na perspectiva de
potencializar a proteção social” (fonte: MDS, www.mds.gov.br )
149
Nos municípios de pequeno porte (I) um assistente social por equipamento, pequeno porte (II) dois assistentes
sociais e pelo menos dois destes profissionais em municípios de médio e grande porte, metrópole e Distrito Federal
(fonte: Idem, cf. NOB – SUAS).

181
demais políticas públicas e sociais em busca de melhores condições para as
famílias (fonte: MDS, 2009).

Segundo a legislação vigente, os técnicos lotados em esses equipamentos


públicos devem participam de atividades de recepção e acolhimento de famílias,
realização de procedimentos profissionais relacionados às demandas de proteção social
de Assistência Social, vigilância social: acompanhamento familiar “em grupos de
convivência, serviço socioeducativo para famílias ou seus representantes; dos
beneficiários do Programa Bolsa Família, em especial das famílias que não estejam
cumprindo as condicionalidades; das famílias com beneficiários do BPC”,
encaminhamento para avaliação e inserção dos potenciais beneficiários do PBF no
Cadastro Único e do BPC, na avaliação social e do INSS, dentre outras atividades
(Idem).
Em nossa experiência profissional nos CRAS150 foi possível verificar como estas
atividades, características indicadas pela legislação, podem comprimir o conjunto de
atribuições e competências previstas nos artigos 4º e 5º da Lei de Regulamentação da
profissão e do Código de Ética Profissional, especialmente: o concernente ao
atendimento, pesquisa, orientação dos usuários com vistas a utilização de recursos –
através da rede de serviços sociais para a garantia de direitos (art. 4º da lei
8.662/1993)151. Estas atribuições são comprometidas no bojo do reordenamento das
políticas sociais enquanto espaços ocupacionais e rede de serviços152.
As atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais nos CRAS basicamente
consistem em: atendimento social, visitas domiciliares, reuniões com famílias,

150
Atuamos na área durante o período que compreendeu os anos 2006-2009 em duas prefeituras municipais em Nova
Iguaçu (baixada fluminense) e Rio de Janeiro (capital). Passou não somente pelos CRAS, mas pelo CMAS de Nova
Iguaçu, como secretária executiva.
151
Destacamos os itens V, VI e VII do art. 4º, que delimitam competências profissionais circunscritas na relação com
a rede de serviços, pesquisa e avaliação cabendo ao assistente social a orientação dos usuários para identificar
recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; planejar, organizar e administrar
benefícios e serviços sociais e planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade
social e para subsidiar ações profissionais, o art. 5º refere-se às atribuições privativas, que dizem respeito a ações
exclusivas em matéria de Serviço Social (Lei 8.662/1993).
152
A cartilha “Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos na Política de Assistência Social”
produzida pelo CFESS e o CFP orienta as ações dos técnicos que atuam no CRAS, assistentes sociais e psicólogos,
como nos referimos no Capítulo 2, item 2.3. As orientações compreendidas no Guia de Orientação Técnica do SUAS
(Nº 1) Proteção Social Básica De Assistência Social (2005) supõe Conhecimento da legislação, dos “fundamentos
éticos, legais, teóricos e metodológicos do trabalho social com e para famílias, seus membros e indivíduos” e de
“trabalho com grupos e redes sociais”. E a capacidade de: “executar procedimentos profissionais para escuta
qualificada individual ou em grupo, identificação de necessidades e oferta de orientações a indivíduos e famílias,
fundamentados em pressupostos teóricometodológicos, éticos e legais; articular serviços e recursos para atendimento,
encaminhamento e acompanhamento das famílias e indivíduos; trabalhar em equipe; produzir relatórios e documentos
necessários ao serviço; desenvolver atividades socioeducativas de apoio, acolhida, reflexão e participação, que visem
o fortalecimento familiar e a convivência comunitária” (fonte: Guia de Orientação Técnica do SUAS, 2005).

182
articulação com a rede social e visitas institucionais153. Como já foi destacado no
capítulo que precedeu estas considerações154, e conforme verificamos ocorrer no
cotidiano da prática profissional, existe uma restrição significativa dos atendimentos e
intervenções profissionais às situações emergenciais apresentadas pelos indivíduos,
como, por exemplo: monitoramento, controle e inserção nos programas de transferência
de renda, principalmente no Programa Bolsa Família (PBF), programa que assume um
lugar central na assistência, constituindo-se no “quase tudo” do sistema de proteção
social brasileiro (parafraseando Lavinas).
A crescente demanda pelo programa e por outros benefícios e serviços pela
população mais pauperizada é direcionada para estes equipamentos, o fluxo de
demandatários, as inúmeras tarefas que são colocadas no âmbito da “supervisão” de
programas e projetos (como PETI, ProJovem Adolescente e Urbano) implica na
constituição de “plantões” para que pelo menos o atendimento presencial seja garantido,
ainda que não haja resultados concretos para as demandas destes usuários.
Trabalhar com estas demandas emergenciais e buscar as implícitas é uma tarefa
dos assistentes sociais, no entanto o seu desvelamento não implica necessariamente que
seus encaminhamentos contemplem estes pleitos. Mesmo atuando com a rede de
serviços revelam-se situações de burocratização, quando os desdobramentos das
intervenções profissionais esbarram numa série limitações como: os “testes”
comprobatórios para inserção dos beneficiários em programas e projetos, a precarização
da rede, a falta de recursos humanos, financeiros, infra-estruturais etc., que não
permitem realização dos atendimentos com a qualidade mínima necessária e requerida
para dar resposta às demandas da população.
Essa concentração da assistência social na transferência de renda e desta no PBF
conduz a uma concentração dos esforços nesse programa, uma vez que no PBF há a
necessidade de comprovação de renda familiar (na maioria dos casos, os vínculos
precários de trabalho dos membros que compõem as famílias contemplam-nas como
beneficiárias do mesmo155, mas em casos que há renda formal e ela ultrapassa os valores

153
Também eram realizadas visitas domiciliares encaminhados pelo Ministério Público, Vara da Infância e da
juventude, dentre outros. Devido a precariedade das contratações nestes setores os relatórios eram encaminhados –
em parceria firmada pela Prefeitura e estes órgãos – para que os técnicos dos CRAS realizasses as visitas em seu
território para emissão de parecer e “inserção” na rede de serviços sociais. As medidas sócio-educativas, que
passaram para a responsabilidade municipal, também foram direcionadas para o atendimento nos CRAS sem
qualquer estruturação e direcionamento específico para a realização deste acompanhamento.
154
Observar as considerações no capítulo 2, item 2.3, sobre a Cartilha com os parâmetros de atuação de assistentes
sociais e psicólogos elaborada pelo CFESS e CFP.
155
A inserção não significa “beneficiamento”, visto que existem metas nos municípios que, em caso de
extrapolamento destas metas são priorizadas as famílias com menos recursos (dentre as que já têm menos recursos).

183
per capita definidos pelo programa, não é possível incluí-los, ainda que as diferenças
sejam mínimas); assim como se requere um acompanhamento das condicionalidades
exigidas pelo programa (nas áreas de saúde, educação e assistência social).
Os usuários que procuram ou são beneficiários do PBF na maioria das situações
não acessam o programa como direito, mas como uma ajuda, um auxílio dos
governantes ou profissionais gestores do programa. Observamos isso mesmo em
atividades coletivas, como reuniões com famílias156. A possível defesa de ações
individuais por parte dos profissionais para contemplar famílias neste perfil, que não é
imediatamente “público-alvo”, não é uma solução pertinente, visto que se localiza numa
ação individual que é passível de ser eticamente condenável, ainda que as finalidades
tenha o sentido de garantir melhor condição de vida para aquele usuário ou família157.
Mesmo sendo os CRAS equipamentos públicos, estes não são percebidos pelos
usuários e em alguns casos pelos gestores, técnicos e profissionais como espaços
públicos; essa visão difusa dos CRAS pode estar vinculada ao fato de que os programas
e projetos viabilizados na área de assistência social, em sua maioria, relacionam-se
ainda com as parcerias público-privadas, seja com a própria rede de entidades
assistenciais credenciadas (como as religiosas, filantrópicas, de ajuda em geral etc.) ou
com diferentes ações desenvolvidas pelos governantes orientadas pela lógica da ajuda e
do favor.
Nos locais nos quais os CRAS são instalados convive-se, muitas vezes, com a
existência de “centros sociais” que podem responder com mais rapidez e com maior
concretude às demandas postas pelos usuários que não são respondidas por meio do
158
acesso aos serviços públicos e contam com a parceria das associações de moradores
em pactuação com seus promotores.

No caso de nossa atuação nos municípios do Rio de Janeiro e Nova Iguaçu estas metas ainda não comprometiam o
acesso aos benefícios pelos usuários incluídos dentro do perfil de renda.
156
As reuniões realizadas com as famílias beneficiárias para apresentação de programas e projetos, explicação de
condicionalidades do PBF e para o debate de outras temáticas pode ser considerada uma “ação educativa”, no entanto
as condições de vida precárias, a organização das “comunidades”, suas associações de moradores entre outros
elementos implicavam em dificuldades em reconhecimento de representações e ações coletivas em defesa de direitos.
157
A ampliação de critérios não depende da intervenção individual do assistente social. Ainda que haja margem nas
considerações sobre a renda familiar, principalmente quando é informal, não são as condições gerais que orientam os
programas. A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) filtra os dados dos beneficiários do PBF para verificar
se a renda declarada está em conformidade com os critérios do programa. Caso haja inconformidades o usuário tem
que comprovar sua carência (testes de meios) para permanecer como beneficiário ou tem seu benefício bloqueado.
158
Os centros sociais são espaços privados financiados por políticos em gestões municipais principalmente
(vereadores) que os instalam em localidades carentes de serviços públicos. Oferecem “serviços sociais” que vão de
atendimentos na área médica e odontológica (consultas básicas, exames preventivos etc.) a fotografias para emissão
de documentos, cestas básicas etc. Não há transparência nos recursos utilizados (origem e controle) e estes serviços
vinculam a população atendida aos indivíduos que promovem estas atividades, são utilizados como contrapartida para
o recebimento de votos nas eleições.

184
O encaminhamento das demandas para a rede filantrópica (conveniada ou não)
contribui para a confusão entre público e privado, e favorece a indefinição e
justaposição entre assistência social e filantropia/benesse. O padrão estabelecido na
prestação de serviços no âmbito da Assistência Social atribui responsabilidades
compartilhadas e é baseada na formação de redes de solidariedade, auto-ajuda e ajuda-
mútua (Cf. Montaño, 2007) e esta lógica não foi rompida com a implementação do
SUAS e são estes limites que perpassam a atuação dos assistentes sociais em sua prática
profissional.
As considerações presentes na PNAS sobre a “subalternidade” dos sujeitos, e da
necessidade de criação de espaços de fomento ao seu protagonismo superdimensiona a
capacidade de mobilização destes segmentos nos espaços de intervenção profissional
por meio de ações desenvolvidas pelos assistentes sociais (e outros profissionais).
A direção social hegemônica na profissão aponta para a afirmação de direitos,
mas a atuação nestes espaços lida com uma concepção de administração da pobreza em
seus programas e projetos, na “prevenção” de situações de “vulnerabilidade” e
“exclusão social”, numa orientação afinada ao ideário neoliberal, da afirmação de
parcerias, redes de solidariedade e de ações do estado e da sociedade civil que se
equivalem, pois não oferecem garantias de direitos, apenas ações pontuais e focalizadas.
Não é toda demanda apresentada que recebe algum encaminhamento ou inserção
em algum programa ou projeto, o “acolhimento” pode se resumir ao atendimento
prestado pelos profissionais que compõem as equipes técnicas, como o assistente social.
A Assistência Social historicamente esteve vinculada ideologicamente à caridade
e filantropia pela própria modalidade de ações que desenvolve. A criação de uma
estrutura com os CRAS no nível da proteção básica (e CREAS na proteção especial), a
realização de concursos públicos e composição de equipes técnicas profissionalizadas é
um avanço na direção de ruptura com esta lógica, mas não é suficiente. Atualmente a
filantropia está profissionalizada em seus equipamentos e serviços prestados, com a
contratação de profissionais para seus quadros, inclusive para atender aos requisitos de
certificação para que possam receber recursos públicos por meio do conveniamento para
prestação de serviços para o Estado.
Os conselhos de políticas e de direitos, constituídos a partir da década de 1990
com a regulamentação das leis orgânicas das políticas, são considerados espaços
potenciais para a disputa de concepções e projetos, para a garantia dos interesses dos
usuários dos serviços públicos. Nas formulações do Serviço Social, dentre destacados

185
autores e dentre as ações políticas das entidades representativas da profissão159, se
destaca a evidência destes espaços de controle social como mecanismos de promoção da
“participação popular”, regulamentados por lei para a garantia de representação (e
disputa) de interesses dos segmentos governamental, de trabalhadores e usuários dos
serviços prestados pelas políticas, possibilitando, em princípio, a participação destes
últimos no controle, formulação, definição e na fiscalização das políticas sociais.

Conforme caracteriza Bravo a instalação e implementação destes espaços


configurou-se num período adverso para a consolidação do controle social como medida
efetivamente garantidora dos interesses da classe trabalhadora.

A sociedade brasileira, nos anos 80, ao mesmo tempo em que vivenciou um


processo de democratização política superando o regime ditatorial instaurado
em 1964, experimentou uma profunda e prolongada crise econômica que
persiste até os dias atuais. As decepções com a transição democrática
ocorreram, principalmente, com seu giro conservador após 1988, não se
traduzindo em ganhos materiais para a massa da população (2001, p. 77).

Para Bravo a participação da população no controle social é concebida “como a


gestão nas políticas através do planejamento e fiscalização pela sociedade civil
organizada” (Idem, p.78) no estabelecimento de novas bases na relação entre Estado e
sociedade. Não expressa a perspectiva de controle “coercitivo” exercido pelo Estado,
mas de “participação da população na elaboração, implementação e fiscalização das
políticas sociais” (Ibidem).

No caso dos conselhos de Assistência Social160 há aspectos característicos pela


condição dos usuários dos serviços, em sua maioria representados pelas entidades
prestadoras de serviço em muitos casos vinculadas às práticas de caridade e
filantropia161. Observamos que no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
cada vez mais predominam na representação da “sociedade civil” as entidades religiosas

159
Dentre os autores destacamos Bravo (Cf. 1996; 2001; dentre outros) e os Relatórios dos Encontros Nacionais do
Conjunto CFESS/CRESS (disponível em www.cfess.org.br).
160
Os conselhos e conferências de Assistência Social, regulamentados pela lei 8.742/93, a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) como espaços deliberativos e de participação popular.
161
Na representação titular da “sociedade civil” temos dentre as “entidades e organizações de Assistência Social” a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (organização da Igreja Católica), a Federação Brasileira das
Associações Cristãs de Moços e a Associação da Igreja Metodista; dentre os “representantes dos usuários ou de
organizações de usuários” a Associação para valorização e Promoção de Excepcionais – AVAPE, a União Brasileira
de Cegos – UBC e a Federação Nacional das APAES e dentre os “representantes dos trabalhadores da área de
Assistência Social” a Federação Nacional dos Assistentes Sociais – FENAS, a Federação Nacional dos Empregados
em Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas – FENATIBREF e a Federação Nacional dos Psicólogos –
FENAPSI. Que, junto com a representação governamental (com quatro representantes titulares do MDS, dois do
Ministério Do Planejamento, Orçamento e Gestão – MP e um do Ministério da Fazenda – MF, junto a dois
representantes estaduais, um do Rio de Janeiro e outro do Rio Grande do Sul) compõem os dezoito conselheiros
nacionais (fonte: CNAS, www.mds.gov.br/cnas).

186
(como CNBB e ACM) e, dentre a representação de usuários e suas organizações, as
entidades prestadoras de serviços (como a APAE) como sinalizamos. O exercício do
controle social no sentido de estabelecer garantias para os usuários dos serviços pode
ser comprometido, também, na forma de representação dos usuários nos conselhos de
Assistência Social e pelos interesses que venham prevalecer para estas entidades na sua
relação com o Estado.

Destacamos que até 2008 competia aos conselhos fixar normas para a concessão
de registros e certificado de fins filantrópicos às entidades privadas prestadoras de
serviços e assessoramento de assistência social e a concessão do atestado de registro e
certificado a estas entidades (art. 18, parágrafos III e IV). Ainda que os conselhos sejam
tenham o caráter fiscalizador sobre as entidades de atendimento, assessoramento e de
garantia e defesa de diretos, conforme disposto no decreto 6.308/2007162, recentemente
a edição da Medida Provisória em 2008 (MP 446/2008)163 transfere a responsabilidade
pela certificação para os Ministérios da Saúde e Educação, no caso de entidades
prestadoras de serviço nestas áreas e, no caso da Assistência Social, o Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Segundo esta Medida a certificação para entidades e organizações de assistência


é automática quando possuir vínculo com o SUAS, em seu artigo 21 versa que “a
comprovação do vínculo da entidade de assistência social à rede socioassistencial
privada no âmbito do SUAS é condição suficiente para a concessão da certificação, no
prazo e na forma a serem definidos em regulamento” (Brasil(c), 2008)164.

Estes espaços são um direito conquistado, mas ainda não se consolidaram, a


nosso ver, como espaços públicos de defesa da política de assistência social nem como
espaços de participação dos usuários. A capacidade deliberativa dos conselhos é cada
vez mais limitada e tende a expressar interesses opostos aos das classes trabalhadoras,
programáticas tende a ser desconsiderados165. Ainda que sejam espaços tensos, nos

162
O decreto 6.308/2008 dispõe sobre as entidades e organizações de assistência social de que trata o art. 3o da
LOAS, e dá outras providências.
163
A Medida Provisória 446, de novembro de 2008, dispõe sobre as novas regras para certificação das entidades
beneficentes de assistência social, regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social, e dá
outras providências e dispõe que o CNAS não mais será o órgão responsável pelo processo de certificação de
entidades.
164
Com a alteração dada pelo decreto 446/08 CNAS cabe, neste processo, “acompanhar e fiscalizar o processo de
certificação” junto ao MDS e “apreciar relatório anual que conterá a relação de entidades e organizações de
assistência social certificadas” dando ciência aos conselhos nas demais esferas de governo (Idem). Estas alterações, a
nosso ver, distanciam cada vez mais os conselhos de seu caráter fiscalizador e deliberativo quanto à prestação de
serviços, elas legitimam e referenciam cada vez mais a participação privada na Política de Assistência Social.
165
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) em 2007 conseguiu afirmar posição contrária ao projeto (PLP 92-A/2007)

187
quais diferentes interesses estão em disputa sem mobilização e pressão do conjunto da
classe trabalhadora não são suficientes para garantir posições que afirmem o caráter
público, universal e irrestrito, na contramão da contra-reforma do Estado e do
reordenamento das políticas sociais.

Destacamos dois “eixos” como problemas que também incidem sobre a


organização e participação dos usuários dos serviços de assistência social – e
conseqüentemente na potencialização dos conselhos como espaços para a afirmação de
conquistas de direitos: (a) a lógica de submissão da política de assistência social aos
programas e projetos de combate à pobreza e (b) a relação com a rede de serviços
precarizada ou privada, com caráter fortemente assistencial, marcas da política de
Assistência Social que já caracterizamos nos capítulos anteriores.
O público-alvo das ações desta política se circunscreve a um ciclo de
pauperização crescente, que não encontra respostas consistentes e estruturadora de
direitos nas políticas sociais. É esta fração da classe trabalhadora que tem suas
condições de vida e saúde mais precarizados no capitalismo contemporâneo e, como
afirmamos anteriormente, não tem acesso a direitos estruturais para a garantia de
reprodução social166, substituídos por serviços e ações minimalistas no fornecimento de
insumos para a sobrevivência. A mobilização e participação organizada em associações
e organizações de usuários passa pela mediação dos seus meios de vida precários; pela
fragmentação de demandas por direitos da classe trabalhadora perpassados pelos níveis
de inserção no mercado de trabalho (formal, informal ou desemprego); e, mais, pela
existência deste segmento como classe-em-si e não no espectro do conjunto de
trabalhadores como classe-para-si projetando politicamente seus interesses coletivos.
A constituição da Assistência Social no bojo da Seguridade Social numa
perspectiva ampliada requer o estabelecimento de serviços que atendam com qualidade
as demandas e sejam estruturados como direitos e não como benefícios de caráter
parcial, eventuais e fragmentados. A vinculação precária, informal e o desemprego são a

que autoriza a criação das fundações públicas de direito privado (também rejeitado na 13ª Conferência Nacional) e
ainda assim antido na pauta do Congresso Nacional pelo Governo. Cabe destacar que o CNS promoveu audiências
com as lideranças dos Partidos no Congresso Nacional com o objetivo de ampliar o debate com os parlamentares
sobre o assunto realizou contatos com a OAB, Governadores, Prefeitos, Secretários de Saúde e com Ministros do
Supremo Tribunal Federal – STF (fonte: CNS: consultado em conselho.saúde.gov.br). Em 2009, a matéria vem
tramitando com apreciações em primeiro turno e adiamentos por conta da prioridade de outras pautas. Foi sinalizado
um “recuo” do governo federal diante do projeto, desmentido pelo Jornal o Globo em julho do ao ano corrente,
declarações creditadas a Temporão de que "o modelo atual é ineficiente, anacrônico e do século passado. É preciso
criar metas, contratos, permitir pagamento de salários mais adequados e profissionais mais capacitados". Segundo a
reportagem, Temporão "avisou que mantém a luta pelo projeto, embora reconheça a dificuldade de aprová-lo” (fonte:
Jornal O Globo, 13/07/2009).
166
Conferir nota 130.

188
forma de inserção no “mundo do trabalho” como características predominantes dentre o
público-alvo da Assistência Social. No entanto, a relação desta política com o trabalho,
e com o direito ao trabalho, se dá predominantemente pelo estímulo à criação de redes,
empreendorismo e experiências “inovadoras” fora da formalização que oferece
garantias por meio do acesso à Previdência Social.
Nas palavras de Rodrigues (2009).
[A] concepção de seguridade, fruto da luta da classe trabalhadora, nada tem a
ver com o empreendedorismo e com a economia solidária propostos hoje. Tal
seguridade tem a ver com aquele direito ao trabalho que a classe trabalhadora
reivindicou de forma muito explícita desde 1848 e que irá aparecer na Comuna
de Paris e retornar, com vigor, em 1917. O empreendedorismo e esta economia
solidária têm muito mais similitudes com as propostas do capital de precarizar o
trabalho, ampliando a informalidade e a insegurança, do que com o trabalho
protegido com direitos, reivindicado pela classe operária (Rodrigues, 2009, p.
27).

Para a autora o trabalho é a âncora da concepção de Seguridade e que foi


possível num outro contexto da luta de classes nos países de capitalismo desenvolvido,
quando havia ainda o “socialismo real” que era um freio para o capital (Idem).
Trata-se, portanto, de outro contexto histórico, de outra correlação de forças no
plano internacional entre o capital e o trabalho, no qual o direito ao trabalho,
enquanto âncora de um sistema de seguridade social capaz de alçar patamares
civilizatórios e trazer algumas reformas possibilitava aos trabalhadores
sobreviverem, se educarem, se alimentarem e fortalecerem sua organização
política e seus interesses (Ibidem).

Os recursos limitados e a fragmentação das políticas se opõem a consolidação da


Seguridade Social tal qual inscrita na Constituição Federal e aos necessários avanços
diante desta formulação, ainda parcial na perspectiva ampliada de atendimento às
necessidades. Para reversão do quadro de pobreza e miséria se faz necessária uma
política econômica diversa da que vem sendo desenvolvida e uma outra cultura de
direitos.
a seguridade social é um espaço de disputa de recursos – uma disputa política
que expressa projetos societários, onde se movem os interesses das maiorias,
mas estão presentes as marcas históricas da cultura política autoritária no Brasil,
que se expressa pela pouca distinção entre público e privado, pelo clientelismo e
pelo patrimonialismo. O resultado desse embate tem forte impacto sobre uma
parcela enorme da população que conta com as políticas de seguridade para sua
sobrevivência (CFESS/CRESS, 2000).

Pensamos aqui a Seguridade Social como uma concepção tática e não como um
fim em si mesma. As reformas no capitalismo são necessárias e somente adquirem a
perspectiva de garantia de direito quando são fruto da organização e da luta dos seus

189
demandantes, a classe trabalhadora. A luta dos trabalhadores se estabelece num patamar
de mobilização que pode ser observado ao longo da história nos períodos de ascensão e
refluxo. A crise econômica e os impactos do neoliberalismo têm implicações diretas
sobre os processos que implicam na garantia de direitos, na mobilização social e na
organização dos trabalhadores, não apenas “pano de fundo”.
Compreendemos a Política de Assistência Social como política de Seguridade
Social e que a ampliação da assistência nos moldes em que vêm se constituindo, com
programas e projetos focalizados, que administram os índices de pobreza e miséria
refletem uma conjuntura de crise e das respostas articuladas pelo capital a ela. Os
aspectos da formação social brasileira: sua estrutura econômica-social e o processo de
modernização conservadora põe e repõe contradições e desigualdades sociais e tem suas
determinações expressas na atual conjuntura com o reordenamento das políticas sociais,
o foco no combate à pobreza e a precarização e privatização de serviços.
Pensamos, ainda, que a Assistência Social não é uma política inferior, por tratar
dos segmentos da população mais pauperizados que são fração da classe trabalhadora
com vínculos precários ou desempregados, que não são atendidos por serviços
previdenciários, que oferecem proteção social em caso de necessidades quando os
vínculos com o trabalho precisam ser interrompidos (acidentes, doenças, maternidade,
velhice, etc.). Esta política social faz parte do processo de construção do suporte
necessário para o atendimento às necessidades de reprodução social destes segmentos e
é fundamental para que o enfrentamento à ordem seja uma pauta comum dos
trabalhadores enquanto classe.
Entendemos que a assistência não pode ser apreendida e utilizada como único
mecanismo de enfrentamento das expressões da “questão social” (Mota, 2008, p.145) e
que para avançar em conquistas e consolidação de direitos se faz necessário defender a
Seguridade Social de forma ampla, inclusive para além dos marcos constitucionais. Esta
“bandeira” de luta diz respeito aos trabalhadores que estão inseridos no setor produtivo,
de serviços, funcionalismo público, e também aos que estão desempregados.
Faz-se necessária a organização da classe trabalhadora também à frente das
bandeiras de enfrentamento da retirada de direitos e pela sua ampliação, que significa
pautar também direitos para os segmentos que não são contemplados pela perspectiva
presente na formulação e execução das políticas sociais, os que não são tratados como
fração da classe trabalhadora pauperizada, mas como “excluídos”.

190
Consideramos importante observar que esta política social deve ser base também
para o movimento dos trabalhadores organizados, que devem pautar o atendimento às
necessidades básicas dos segmentos pauperizados como pauta do enfrentamento ao
capital; que faça a discussão das estratégias adotadas pelos governos e que aponte para
alternativas a esta política, para que seja vanguarda de um processo que subverta a
ordem do capital, que aponte para a emancipação humana, deve dar conta de representar
também aos interesses daqueles que não têm suas necessidades básicas garantidas.
Estamos num estágio do capitalismo extremamente regressivo para manutenção de
direitos e para o avanço rumo a novas conquistas. Os movimentos que são
empreendidos para que sejam concretizadas referências para a consecução de direitos
esbarram neste processo de refluxo para sua consolidação 167. Mas, como afirma Netto
(2007) o desafio reside na garantia de direitos, de conter retrocessos para avançar em
conquistas de direitos que já estão fundamentados.
A quadra que estamos vivendo e que se abriu em meados dos anos 70 do século
passado marca um estágio claramente regressivo na história social recente.
Alguém poderia observar que, apesar da regressividades atual (ou precisamente
por causa dela), poucas épocas históricas registraram tantas demandas de
direitos. Porém, se cresceu a consciência acerca de novos direitos, de direitos de
terceira geração, mesmo aqueles que os reconhecem teoricamente têm clareza
de que nem mesmo os velhos direitos desfrutam de condições reais de vigência
– o problema contemporâneo não é o de fundamentar direitos, mas o de garanti-
los (Netto, 2007, p. 161).

Neste período de crise, índices refletem a redução de desigualdades entre ricos e


168
pobres , não implicada na redução da pobreza, mas por conta do aumento do
desemprego –especialmente com a redução de empregos qualificados – que atinge mais
fortemente os segmentos diretamente vinculados aos setores afetados pela crise. A
estabilidade da pobreza se mantém e não há redução na desigualdade real refletida na
distribuição de renda e riqueza, pois ações neste sentido não vão além dos mesmos
programas de transferência de renda mínima.
O alargamento da distância entre ricos e pobres é uma medida necessária à
reprodução do capitalismo e não há elementos que apontem para a reversão desta

167
No âmbito do CNAS temos o encaminhamento de abaixo-assinado para aprovação do PL SUAS, mobilização pelo
conjunto CFESS/CRESS, estabelecimento de parâmetros de atuação para os profissionais de Serviço Social e
Psicologia (CFESS/CFP), as Conferências de Assistência debatendo o fortalecimento do controle social, dentre outras
ações no âmbito da política de Assistência Social.
168
O Índice de Gini (calculado pelo IPEA) em junho de 2009 caiu para o menor patamar desde 2002. Houve um
recuo de 4,1% em relação a 2008, indo para 0,493 e significa uma redução da distância entre ricos e pobres, mas que,
de forma alguma, representa melhoria na vida dos pobres, mas reflete o impacto da crise especialmente na classe
média (fonte: correio braziliense).

191
estrutura “está claro que a ordem social contemporânea não dispõe, conservada a sua
estrutura atual, de qualquer potencialidade para reduzir aquelas distâncias, seja em
escala mundial, seja em escala nacional” (Netto, 2007, p. 161).
As regulações políticas necessárias para, ao menos, atenuar estas distâncias, não
figuram no cenário. Mesmo para os mais otimistas as condições regressivas no âmbito
da garantia de direitos não podem se furtar a uma análise que dê conta dos processos de
longo prazo do capital.

Planetarizado e mundializado, o capital escapa aos controles e às regulações


políticas a que, nas três décadas gloriosas do Welfare, pareceu submisso. Na
verdade, nas atuais condições – socialmente regressivas, culturalmente
deletérias e politicamente excludentes – eventuais alternativas democráticas,
progressistas e humanistas só seriam pensáveis mediante um planejamento e um
controle social racionais; porém, “o capitalismo e a racionalidade do
planejamento social abrangente são radicalmente incompatíveis” (Mészáros,
apud Netto, 2007, p. 162).

O projeto social-democrata se vê hoje enquadrado pela política neoliberal,


expressada nas medidas que determinam os traços regressivos de nossa época para a
consolidação de direitos. A programática neoliberal para a gestão do capitalismo
subsidia a socialdemocracia.

A quadra histórica contemporânea tem seus traços regressivos ainda mais


acentuados na escala em que a alternativa socialista viu-se duplamente
comprometida a partir dos anos 70 – de um lado, o movimento comunista
permanece ainda sob os escombros da queda do Muro e do colapso da União
Soviética; de outro, o chamado “socialismo democrático” capitulou
vergonhosamente em face do capital, com a socialdemocracia hoje plenamente
identificada, do ponto de vista programático, com a gestão neoliberal do
capitalismo (Netto, 2007, p. 162).

No Brasil, o neoliberalismo e os resultados das medidas nele inspiradas apontam


para um cenário regressivo para as garantias de proteção social e afirmam a
consolidação de medidas pontuais e paliativas para a contenção da pobreza e da miséria.
O Serviço Social se vê mediado por estas determinações na sua intervenção cotidiana
nas políticas sociais, trabalhando com uma rede cada vez precarizada e com referencial
mais distante do que figurou como projeto para a proteção social com base na
Seguridade Social.
Neste sentido, se põe a necessária discussão sobre a direção social da profissão,
a necessidade da preservação de valores e sua atualização, tal como afirma Netto (2007)

192
destacando que o projeto profissional aponta para o futuro em solidariedade com uma
perspectiva societária que interessa à classe trabalhadora.

Mas, na medida em que, no Brasil, tornam-se visíveis e sensíveis os resultados


do projeto societário inspirado no neoliberalismo – privatização do Estado,
desnacionalização da economia, desemprego, desproteção social, concentração
exponenciada da riqueza etc. -, nesta mesma medida fica claro que o projeto
ético-político do Serviço Social tem futuro. E tem futuro porque aponta
precisamente ao combate (ético, teórico, ideológico, político e práticosocial) ao
neoliberalismo, de modo a preservar e atualizar os valores que, enquanto projeto
profissional, o informam e o torna solidário ao projeto de sociedade que
interessa à massa da população (Netto, 1999, p. 19).

Esta direção e este sentido não dependem apenas da capacidade da categoria em


se articular, ela depende de um processo que exige determinações de outra ordem: a
pressão dos movimentos sociais e dos segmentos afetos a esta regressão dos direitos. A
afirmação de direitos não depende da vontade dos agentes profissionais e a encruzilhada
que se põe à profissão, frente a outros projetos que são divergentes, e por vezes opostos
à afirmação hegemônica da profissão, coloca outros desafios a ela e às suas
organizações políticas.
A convivência com projetos conservadores está para além do processo de
assistencialização das políticas sociais. A afirmação destas perspectivas, inclusive em
outras políticas sociais que estão cada vez mais precarizadas, põe os profissionais em
busca de respostas para a sua prática que nem sempre estão circunscritas ao avanço
histórico que alçou.
As dificuldades que se põem no cenário implicam que pensemos e formulemos
ações para o presente para que possam refletir resultados num futuro próximo. A
reversão do quadro de desigualdades, de constituição de reformas que impliquem em
políticas para a garantia de direitos sustentada por uma política econômica redistributiva
é pressuposto para a organização e mobilização dos trabalhadores. Netto (2007) afirma
que a reversão deste processo “é possível, embora pouco provável no curto prazo. Mas
ela é possível no médio prazo se não deixarmos para amanhã o que pode ser feito hoje”
(2007, p. 167).
A Seguridade Social como mecanismo tático significa ter no horizonte uma
perspectiva que vá além da sua consolidação, que aponte para a construção de uma
sociedade baseada em parâmetros e valores anticapitalistas. A concepção de Seguridade
que se consolidou na categoria dos assistentes sociais está posta desde a Carta de
Maceió, entendida “como um padrão de proteção social de qualidade, com cobertura

193
universal para as situações de risco, vulnerabilidade ou danos dos cidadãos brasileiros”
(CFESS/CRESS, 2000). Não se limita a uma política social, ou apenas às que se
consolidaram como tal – Saúde, Assistência e Previdência Social – mas a um conjunto
de políticas sociais que tem como parâmetro a participação da população no controle
social.
Compreender o processo de assistencialização das políticas sociais é, a nosso
ver, fundamental para avançarmos no entendimento de como ele se expressa na atuação
do assistente social na política de Assistência Social e nas demais instituições
empregadoras, especialmente no âmbito estatal. A análise destas tendências, da
configuração das demandas institucionais, dos espaços ocupacionais, sem dúvida, é uma
inquietação que permanece. Entendemos que o estudo da configuração dos espaços
ocupacionais dos assistentes sociais, no bojo do reordenamento das políticas sociais,
assim como as características das demandas institucionais e as respostas profissionais
possíveis no arco das possibilidades inscritas nas contradições da sociedade capitalista,
é um passo fundamental para identificar expressões concretas da assistencialização no
Serviço Social e, sem dúvida, nos estimula para a elaboração de nossos estudos futuros.

194
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