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Dissertação de Mestra do
Rio de Ja neiro
20 09
Universidade Federa l do Rio de Ja neiro
Centro de Filo sofia e Ciências Humana s
Escola de Serviço So cial
Pro grama de Pós-Gra dua ção em Serviço So cia l
Rio de Janeiro
Agosto de 2009
2
O PROCESSO DE ASSISTENCIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS E O
SERVIÇO SOCIAL
Aprovada por:
______________________________________
Presidente, Prof. Dra. Alejandra Pastorini
____________________________________________
Prof. Dra. Elaine Behring
____________________________________________
Prof. Dra. Cleusa Santos
Rio de Janeiro
Agosto de 2009
3
Moraes, Michelle Rodrigues.
O Processo de Assistencialização das Políticas Sociais e do Serviço Social. /
Michelle Rodrigues de Moraes, - Rio de Janeiro: UFRJ/ESS, 2009.
x, 200.
Orientadora: Alejandra Pastorini
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ESS/ Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 195-200.
1. “Questão Social”, Políticas Sociais e Assistência Social 2. A
Assistencialização das Políticas Sociais e o Serviço Social. I. Pastorini,
Alejandra. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social,
Programa de Pós Graduação em Serviço Social. III. Título.
4
RESUMO
O PROCESSO DE ASSISTENCIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS E O
SERVIÇO SOCIAL
Rio de Janeiro,
Agosto de 2009.
5
ABSTRACT
The herein dissertation discusses the process of socialização of social policies and the Social
work itself. One tries to analyze the highlights assumed by the Social Assistance policy among
the Social Security ones as well as the reflections of this phenomenon into the professional steps
taken by social workers in their daily tasks. In the first place, one gets down on the features and
expressions of the "social affair" and its management on the part of the State by means of its
social policies, thus, aiming at the enlightenment of the occupational space configurations for
social workers. We have delimited how the social policies are structured in capitalism, the
Welfare State constituition in central countries besides the particularities adopted by the
Brazilian Social Security. One brings out the capitalist crisis process and the responses given by
the capital trend to turn everything into financial affairs, productive restructuring and the State
counterreforms (a set back) within the embodiment of the neoliberal ideology. In the second
place, one tracks down its historical trajectory belonging to the formal-legal constituition of the
Brazilian Social Security in the context of the 1988 Constituition enactment connected to its
dismantling at the threshold of the very 1990's. One has characterized the structuring of policies
towards fighting poverty by menas of program models such as Programa Comunidade Solidária
and Fome Zero (Solidarity in the Community Program and the Zero Hunger Program) – which
adopt as their paradigms the programs meant to transferring minimal income and the public-
private partnershipas defining elements of the Social Security counterreform in Brazil. The
constituition of the Social Assistance policy – given by the patterns of the PNAS , 2004, and the
SUAS – is underlain by focal and selective criteria in the attendance of the pauper segments of
workers subsumed to scarce labor links or even jobless individuals. One has pointed the
different conceptions about the process of assistencialização among cental authors who discuss
such matters of social policies and, furthermore, the underlying concepts on the very object
aimed by the intervention of Social Work itself. On high spot, comes out the reorientation of
social policies which curbs the steps of social workers in their professional fields due the
hindering and limiting caused by the enactment of public policies which led towards the
precariousness and disassembly of service nets, the choose up of poor ones to be reached
entangled with the selective criteria which have become narrower in fields not only concerning
the social work. While beholding such a frame, we have come to some conclusions referred
such policies for reordering the Social Work within these neoliberal patterns inflicting impacts
and reflections into the category of professionals. Besides that, we have also highlighted the
defense of Social Service as a tactical mechanism on a capitalism stage with extremely
regressive features to in right settlement and consolidation. The assistencialização of social
policies - and its reflections into the Social Work - constitutes one process challenging social
workers in order to devise theoretical grounds towards their political and practical intervention.
*Assistencialização: a set of public policies which led towards the precariousness and
disassembly of service nets: the choose up of poor ones to be reached entangled with the
selective criteria which have become narrower in fields not only concerning the social work.
This has urged low income workers to hire private security policies.
Rio de Janeiro
August, 2009
6
AG RA DECIMENTO S
Agradeço à minha mãe Graça e irmãos, Erick e Cristiane, pelo apoio durante esta
jornada. Agradeço a todos os colegas, professores e alunos com os quais trabalhei na
UERJ (Projeto de Extensão “Políticas Públicas de Saúde), UFF (Projeto de Extensão
“Serviço Social Crítico e o MST”), UFRJ (Projeto de Pesquisa “Trabalho Escravo
Contemporâneo”), Prefeitura de Nova Iguaçu (SEMDES e SEMPCOM), a equipe do
CRAS XV de Maio (Prefeitura do Rio de Janeiro), em especial às parceiras e amigas
Ana Carolina Oliveira e Tatiana Bittencourt e aos colegas do IFRJ, em especial
Fernanda Paixão, Suíze Martinez e Pedro Paulo Merat, valeu a força e incentivo nesta
reta final! Aos camaradas do PCB e da UJC, através dos camaradas e amigos Maria
Fernanda e Heitor César, a minha saudação. Aos companheiros do CRESS-RJ da
gestão “Ética, Autonomia e Luta”, através da conselheira Conceição Robaina o meu
agradecimento e, por meio da assessora de comunicação, minha amiga Cecília Contente,
manifesto meu carinho por todos os funcionários. Aos amigos que fiz durante a
graduação na ESS-UFRJ, Rosângela Oliveira, Sandro Marques, Valéria Silva, Ellen
Zacharias, Wagner Ferreira e Amanda Caldas e a todos os colegas da pós-graduação,
através de Charles Toniolo, Gleyce Lima e Christiane Guimarães. A todos os amigos
que seguiram comigo, obrigada pela atenção, carinho e paciência, os amigos da Penha e
Vila Cruzeiro e em especial aos meus “interlocutores” e camaradas Marcos Botelho e
Jefferson Ruiz, pela generosidade nos debates e pela amizade. Para minha orientadora
Alejandra Pastorini meu agradecimento especial, sobretudo pela confiança e paciência,
e às queridas professoras e companheiras que compuseram minha banca Elaine Behring
e Cleusa Santos.
7
S U MÁ R I O
Introdução ...................................................................................................................... 09
Capítulo 1
1.1 Contexto Histórico da “Questão Social”, Políticas Sociais e Assistência Social .... 20
Capítulo 2
8
I N T R O D U ÇÃ O
Nossa inserção profissional foi a primeira fonte das inquietações que inspiraram
o objeto aqui apresentado. A nossa atuação profissional na área da política de
Assistência Social na Prefeitura de Nova Iguaçu e do Rio de Janeiro se organizou em
experiências que suscitaram questionamentos em torno do papel do assistente social na
sua intervenção em face da configuração desta política a partir da implementação do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS)1. O alargamento do campo de atuação
para o assistente social com a expansão da Assistência Social foi notável, observado nos
vários concursos públicos e contratações realizados após a criação do Sistema Único da
Assistência Social (SUAS). O trabalho nestas duas prefeituras nos trouxe parâmetros
para iniciarmos este estudo. Os eixos das políticas de Assistência destas prefeituras (a
primeira, gerida pelo governo do Partido dos Trabalhadores - PT, a segunda pelo
Democratas - DEM, antigo PFL), revelam significativas semelhanças.
1
Trabalhamos no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e no Conselho Municipal de Assistência Social
(como secretária executiva) em Nova Iguaçu (2006/2007) e como técnica do CRAS na Prefeitura do Rio de Janeiro
(2007/2009). Cabe ressaltar que foram dois concursos públicos realizados após a aprovação da Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) e do SUAS, para composição das equipes que atuariam nos equipamentos desta política,
mas não só. Os técnicos aprovados (inclusive de outras profissões) nas duas prefeituras, mesmo sendo direcionados
para as secretarias de Assistência Social (no caso de Nova Iguaçu Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Econômico e Social – SEMDES). Os profissionais foram lotados também em outras secretarias, em Nova Iguaçu,
parte dos concursados foi lotada nos Conselhos Tutelares (também atuamos neste espaço durante o período em que
permanecemos com este vínculo). No caso do Rio de Janeiro os assistentes sociais foram lotados fundamentalmente
na SMAS, mas todos os profissionais de Serviço Social foram vinculados a esta secretaria, mesmo os que tinham
vínculo anterior, através de concurso específico, com áreas como Saúde e Habitação com a criação do Sistema
Municipal de Assistência Social (SIMAS) em 2004 (Cf. Rodrigues, 2007; 2009).
9
O PT, que representa a gestão federal desde 2002, tem em seus quadros os
principais formuladores da política destacada, é responsável pelas alterações na gestão
desta política social e pela implementação nacionalmente da PNAS e do SUAS, em
parceria com as prefeituras. No caso de Nova Iguaçu a pactuação entre os entes
federativos era facilitada pela filiação partidária (e sua coligação2) e compunha um
quadro em que os programas e projetos no âmbito da Assistência Social eram utilizados
como “carro-chefe” do governo municipal, assim como no âmbito federal3.
2
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Social (SEMDES) era coordenada pelo Partido
Comunista do Brasil (PCdoB) liderada pelo secretário Ricardo Capelli. Na atual gestão é coordenada pelo PT,
liderada pelo secretário Luís Eduardo Soares.
3
Atualmente, no Rio de Janeiro, a gestão municipal encontra-se sob a responsabilidade do PMDB (com uma equipe
experiente, que já coordenou a política de Assistência Social no governo estadual do Rio de Janeiro, liderada pelo
secretário Fernando William) e não se verificam alterações na lógica de implementação da política de Assistência,
seja na forma de organização ou da execução. Um agravante de grande visibilidade é a política promovida pela
secretaria de “Ordem Urbana” e seu projeto “choque de ordem”, que dentre suas atividades promove, junto com a
SMAS o recolhimento da “população de rua” numa perspectiva que criminaliza este segmento da população sem
acesso às garantias de direitos e que reprime os trabalhadores precarizados, especialmente os ambulantes.
4
Haviam projetos promovidos pela SMAS, no Rio de Janeiro, em parcerias com ONGs, mas os programas centrais
eram o Programa Bolsa Família (PBF) e o Cadastro Único ou os vinculados a ele (ProJovem Urbano e Adolescente –
antigo Agente Jovem – e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI).
10
ações, programas e projetos para a administração e gestão da pobreza5. Nossa hipótese
se circunscreve na perspectiva de que os rebatimentos da atual reorientação da
Assistência Social incidem sobre a prática profissional, para além da atuação no campo
específico desta política social. As características determinantes da Assistência Social e
do exercício profissional no âmbito das ações assistenciais e emergenciais se recolocam
na prática profissional, inclusive nas demais políticas sociais.
5
Consideramos a administração da pobreza como a “forma” capitalista contemporânea de trato das refrações da
“questão social” numa perspectiva que as naturaliza como expressão e resultado natural de qualquer ordem social e
que na atualidade devem ser mediadas por ações em conjunto com a “sociedade civil” para garantias dos mínimos de
sobrevivência. Figura como combate à pobreza, mas conforma uma cultura que na verdade objetiva socializar as
conseqüências da crise buscando o consenso e consentimento dos trabalhadores, como destaca Mota: “essa cultura é
formadora da hegemonia do grande capital e também protagonista do consentimento ativo das classes subalternas,
na medida em que seja capaz de elaborar uma visão socializadora da crise, conseguindo estruturar campos de lutas,
formar frentes consensuais de intervenção e construir espaços de alianças” (Mota, 2005, p.108). Trataremos esta
concepção ao longo da discussão do processo de assistencialização das políticas sociais, em particular no item 1.4: Os
Programas e Projetos de Assistência Social.
11
Uma das medidas engendradas pelo Estado como respostas às manifestações das
contradições capitalistas é a constituição de políticas sociais, que figuram como
resultado da luta de classes, como expressão de conquistas da classe trabalhadora para o
atendimento às suas necessidades de reprodução social. A constituição da política de
Assistência Social, política sobre a qual nos debruçamos particularmente, possui
características diferenciadas. Na maior parte das vezes aparece como concessão ou
benesse para segmentos da classe trabalhadora que compõem seus “usuários”,
especialmente por serem, predominantemente, trabalhadores precarizados, sem vínculos
trabalhistas ou desempregados. Esta inserção “instável” no “mundo do trabalho”, por
sua vez, afeta seu nível de consciência e sua capacidade de organização. O caráter das
ações desenvolvidas por esta política é outro elemento que reforça uma lógica
eminentemente emergencial e imediatista, pois seus programas e projetos direcionados
ao atendimento das necessidades de sobrevivência são confundidos com as atividades
realizadas pela filantropia e pela caridade institucionalizada.
12
privadamente, assim como as riquezas socialmente produzidas, fundamentado na
exploração da força de trabalho e apropriação da mais-valia.
O desmonte da proteção social6 nos países centrais é uma das propostas para
redução destes gastos e, para os países periféricos que compõem a América Latina e
viviam processos de ditadura neste mesmo período, a implementação destas medidas
6
A noção de “proteção social” se refere ao conjunto de medidas estruturadas pelos sistemas de Seguridade Social,
numa perspectiva de garantias de reprodução social da classe trabalhadora, mediadas pela relação entre capital e
trabalho, fundamentalmente estruturadas pela inserção no mercado de trabalho e estruturadas pelo Estado via
políticas sociais. Estes sistemas possuem características diferenciadas de acordo com as conjunturas em que se
constituem. Dependem fundamentalmente de como se estabelecem as relações entre as classes trabalhadora e
capitalista, do nível de organização e luta dos trabalhadores na disputa por garantias de direitos. Na atualidade, esta
concepção está perpassada por concepções distintas. No bojo do ideário (neo)liberal de “desenvolvimento
sustentado” se baseia em ações com vistas ao provimento de mínimos de sobrevivência para os segmentos mais
pauperizados dos trabalhadores – como as maiores “vítimas” da crise – e desmonte das garantias de direitos oriundos
dos vínculos formais via desregulamentação das relações de trabalho, particularmente, e que, conjugadas ao
desemprego estrutural, configuram um cenário no qual a ampliação dos segmentos sem acesso a direitos torna-se
notável. Por outro lado aparecem também como constituição de redes de auto-ajuda e ajuda-mútua no bojo das
relações da “sociedade civil” (para uma perspectiva crítica Cf. Montaño, 2007 e Iamamoto, 2008).
13
tem impactos ainda mais nocivos, visto que não foram constituídos neles os modelos de
Bem-Estar que estavam em “xeque” no denominado “primeiro-mundo”.
O período de ditadura militar no Brasil foi permeado por lutas e organização dos
movimentos sociais, no qual o Estado autoritário se afirmou por meio de medidas de
repressão e coerção política. Mas com desenvolvimento econômico e constituição de
políticas de corte social durante o período do “milagre econômico”, coordenam-se
medidas de coerção e consenso. A abertura democrática se deu num contexto de
esgotamento deste período, de ascensão dos movimentos sociais, mas já numa
conjuntura de crise internacional e endividamento externo exponenciados.
7
A universalização da Saúde implicou na expansão do atendimento antes restrito aos trabalhadores – e seus
familiares – com vínculos formais de trabalho, mas não teve o alargamento necessário para absorver o fluxo, uma
medida que contribuiu para o crescimento da rede privada e constituição de poderosos grupos.
14
que implicam na redução de direitos conquistados, na precarização e desmonte da
proteção social. Estas orientações sustentam a constituição de políticas focalizadas no
combate à pobreza como eixo central por meio de programas e projetos pontuais e
fragmentados, que atuam na forma de administração da pobreza. Predomina a
manutenção do corte assistencial nas políticas sociais e, especialmente, na assistência.
Os programas Comunidade Solidária (governo FHC) e Fome Zero (governo Lula)
consolidam estas orientações ao longo dos anos 1990 e 2000 e são exemplos que
pautam internacionalmente experiências de “sucesso” no marco destas formulações.
15
Contextualizamos a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único
da Assistência Social (SUAS), seus avanços e elementos centrais que caracterizam esta
política e sua implementação nos últimos cinco anos.
16
somente nesta política8. Questionamos-nos se a constituição dos direitos expressos na
PNAS e no SUAS são de fato conquistas dos trabalhadores. Em certa medida ainda são
resultado das lutas da década de 1980 que se desenrolou ao longo das últimas décadas,
mas expressam, contraditoriamente, o modelo proposto na década de 1990 para as
políticas sociais e conformam um conjunto de medidas de administração da pobreza que
buscam a coesão e o consenso em torno do atendimento à população mais pauperizada.
8
Na educação, por exemplo, temos dois projetos em implementação no nível superior temos o projeto de
Reestruturação e Expansão do Ensino Superior (REUNI) para as universidades públicas e o Programa Universidade
Para Todos (PROUNI) para as universidades privadas. O primeiro altera a gestão, as contratações e financiamento
das universidades, mais uma contra-reforma implementada no atual governo. O PROUNI abre vagas com bolsas
integrais e parciais nas universidades privadas em troca de subvenções do governo, que garante acesso ao ensino
superior privado ao invés de transferir o investimento que poderia ser feito, caso fossem recolhidos os impostos que
abre mão, na universidade pública para ampliação do acesso a este serviço. Nas palavras do presidente Lula: "’O
ProUni foi resultado de uma inquietação, precisávamos encontrar uma saída para os estudantes que não pudessem
entrar na universidade pública e achar um jeito de terem bolsa de estudo nas universidades privadas", explicou,
destacando a criatividade do ministro Tarso Genro e do secretário executivo do MEC, Fernando Haddad, para realizar
o programa. ‘Tivemos um gostoso prazer de anunciar 112 mil novas vagas nas universidades brasileiras para atender
ao público de classe média, a periferia, os negros e os índios’. Destacou o esforço do MEC no ensino médio e
profissionalizante e os avanços no debate da reforma universitária” (fonte: MEC, portal.mec.gov.br) em declaração
dada pela ocasião do lançamento do ProJovem, que trataremos adiante na caracterização dos programas e projetos da
assistência social).
17
atendimento aos mais pobres e critérios de seletividade. Quatro teses destacadas por
Iamamoto (2008)9 servirão para ilustrar como estas diferentes tendências estiveram – e
estão – presentes no interior da profissão, para caracterização das demandas postas à
categoria e das respostas por elas engendradas.
9
As teses abordadas são: da assistência social; da proteção social; da função pedagógica do assistente social; e do
sincretismo e da prática indiferenciada.
18
C a p í t ul o 1
19
1.1 Contexto Histórico da “Questão Social”, Políticas Sociais e Assistência Social
10
O mecanismo assistencial remete a respostas de caráter político “compensatório de carências”. Toma forma a
identificação do grau de carência demandado através de mecanismos seletivos para determinar o acesso aos serviços
e programas sociais (Sposati, 1986, p. 30).
11
Sposati já destacava, em 1986, que o assistencial era uma das características da ação do Estado nas políticas de
corte social, dimensão esta que imprimia o caráter emergencial no atendimento às necessidades sociais (Cf. Sposati,
1986, p. 22).
20
estabelecidas principalmente através de garantias à reprodução de sua força de trabalho,
especialmente por meio de políticas sociais, a partir do período monopolista (Cf. Netto,
2001), como principal medida estatal no trato da “questão social”12.
12
Articulam-se estas respostas junto com medidas de coerção e violência, que vêm reprimir ações opostas aos
interesses dominantes e que nos diferentes períodos históricos se agudizam de acordo com o nível de ascenso das
organizações dos trabalhadores e do nível em que estas demandas são postas, que podem apontar para reformas ou
até para pôr em xeque a ordem societária vigente.
21
dinâmica como a que havia com a manifestação da pobreza até então” (Netto, 2001, p.
153).
A burguesia, no bojo das lutas travadas entre capital e trabalho no século XIX,
passa a mistificar a pauperização numa perspectiva fragmentária das demandas da
classe trabalhadora, tratando a “questão social” como “problemas sociais” e como uma
questão do âmbito social, dicotomizando as esferas econômica, política, social e cultural
(Netto, 2001, p. 152- 153)13.
22
portanto, “questão social” e capitalismo coexistirão até que esta ordem seja superada.
Enquanto perdurar este modo de produção o trato das desigualdades sociais, da
pauperização, da concentração renda e de riqueza serão tratadas como questões do
âmbito “social”, como objeto de intervenção descolado das outras esferas da vida e da
dinâmica societária, pois “imaginar a ‘solução’ da ‘questão social’ mantendo-se e
reproduzindo-se o modo de produção capitalista é o mesmo que imaginar que o modo
de produção capitalista pode se manter e se reproduzir sem acumulação do capital”
(Netto e Braz, 2008, p. 139).
23
seqüelas apreendidas como problemáticas cuja natureza totalizante, se assumida
conseqüentemente, impediria a intervenção (Netto, 2001, p. 362).
24
apropriação privada e da concentração de riqueza, como medida intrínseca ao modo de
produção capitalista.
25
abordagens hoje em voga nas Ciências Sociais), o resultado é a naturalização
ou a culturalização de ambas (2007, p. 142).
14
O crescimento econômico não é a única condição para enfrentar o pauperismo resultante da contradição capital-
trabalho, mesmo os organismos internacionais relativizam a apologia do crescimento econômico no combate às
desigualdades nas suas orientações para o direcionamento das políticas sociais para o combate à pobreza na década de
1990 (Netto, 2007, p. 143).
26
recursos dos trabalhadores sendo destinada ao consumo, já que ao Estado caberia a
administração de políticas que atenderiam a determinadas necessidades de reprodução
destes trabalhadores) e geração de empregos (pleno emprego). “A política keynesiana
de levar a demanda global a partir da ação do Estado, em vez de evitar a crise, vai
apenas amortecê-la por meio de alguns mecanismos, que seriam impensáveis pela
burguesia liberal stricto sensu” (Behring, 2002, p. 166).
Não houve “um” modelo de Welfare State, esta experiência teve realidades
diferenciadas, cronológica e territorialmente, mas que se conjugaram com um período
de larga expansão do capitalismo, forte organização operária e a oposição capitalismo-
socialismo (Netto, 2007, p. 145).
15
No pós-guerra, quando se punha a necessidade de reconstrução dos países, que concretamente aumentam a
produtividade do capital na medida em que impulsionam o setor produtivo (para tal reconstrução), torna-se possível
estabelecer este “pacto” entre o capital e o trabalho, no sentido em que se garantem condições de vida no âmbito da
oferta de políticas sociais públicas, ao mesmo tempo em que se desonera o capital da manutenção da força de
trabalho se permite a liberação de recursos destes trabalhadores para participação no mercado via consumo.
27
O avanço das lutas e conquistas obtidas no sentido da garantia e alargamento de
direitos, ocorrida em período posterior à Segunda Guerra Mundial se coordenava com
outro aspecto central: a oposição socialista (Netto, 2007, p. 145). A União Soviética
havia conquistado prestígio na luta contra o nazifascismo e acumulado capital político
na Resistência.
16
Para Lessa (1998) o Welfare State deslocou as contradições entre capital e trabalho por um período curto de tempo,
logo posto em xeque pela crise estrutural do capital e a dissolução das sociedades pós-revolucionárias (Lessa, 1998,
p. 142). As políticas desenvolvidas no período “visavam não uma sociedade mais justa, mas sim a incorporação dos
trabalhadores a um mercado consumidor cuja expansão fazia parte da lógica mais global da reprodução destrutiva do
sistema do capital” (Idem)
28
Mas a crise que sucedeu este período se estendeu para além da década de 1970 e
marca um cenário de profundas mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais.
O período de crise que se instala após estes anos toma forma com a redução do
crescimento econômico e com queda nas taxas de lucro do capital no qual “nenhum país
capitalista central conseguiu manter as taxas do período anterior” (Netto e Braz, 2007,
p. 213)17.
17
Dois elementos são determinantes: a desvinculação do dólar ao ouro pelos Estados Unidos e crise do petróleo no
início da década de 1970. Esta crise já se desenhava no cenário onde elementos da crise já estavam postos (Netto e
Braz, 2007, p. 159 e p. 213).
29
medidas de estabilização monetária. Se abandona a centralidade da reforma
tributária com forte conteúdo redistributivo, para financiar as políticas públicas.
Porque a prioridade de metas monetárias implica o abandono de políticas
monetárias como alavanca de desenvolvimento e de redistribuição de renda. Os
déficits públicos apontam então, como alternativa, os investimentos
internacionais, com os condicionamentos respectivos, além de um caminho do
qual não se pode sair (Sader, 2007, p. 23).
30
de extensão do processo de exploração de mais-valia e composição de “superlucros”18.
Nesse sentido a autora referenciada afirma que
Por sua vez, Mota (1995) afirma que se engendra um processo de construção de
identidade que equaliza os prejuízos ocasionados pela crise para as diferentes classes,
competindo a todos assumirem o ônus da crise para que seja articulada a saída (cf.
Mota, 1995, p. 113).
18
Estas alterações ocorrem na medida em que as alterações do modo de produção capitalista com a “terceira
revolução tecnológica”, a incorporação de novas tecnologias e aumento da composição orgânica do capital reduz-se a
extração de mais-valia, derivada da exploração do trabalho (trabalho vivo) – produzida na medida em que se
remunera parcialmente o trabalhador pela sua atividade e se apropria do valor produzido por este trabalho não pago –
e com o desemprego estrutural gerado neste período também reduz-se a capacidade de realização da mais-valia
produzida (Cf. Behring, 2002).
31
Junto a este “ataque” se conjuga a alteração do padrão produtivo, do modelo
rígido para o regime de acumulação flexível, caracterizado pela flexibilidade dos
processos de trabalho, mercados de trabalho, surgimento de novos setores e inovações
no campo comercial, tecnológico e organizacional (Netto e Braz, 2007, p. 215).
Para Behring
19
O reordenamento da forma de enfrentamento da “questão social” toma contornos diferenciados de acordo com o
32
Essas estratégias, que aparecem como “soluções mágicas”, são formuladas tendo
como meta declarada o combate à pobreza. Na prática alteram os sistemas de proteção
social no Brasil e na América Latina, buscando instaurar um modelo único e “moderno”
para as respostas à “questão social”. Conforme destacam Pastorini e Galízia:
grau de organização e luta dos trabalhadores. A conjuntura de crise estrutural do capitalismo junto com o refluxo
destas forças – partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais – põe um cenário de retração destas políticas,
focalização das mesmas diante da pauperização extrema dos trabalhadores, de formas agudizadas de pobreza
principalmente nos países economia periférica. No Brasil desde a entrada da década de 1990 as orientações dos
organismos internacionais passam a ser seguidas à risca no ordenamento das políticas sociais.
20
Segundo Netto e Braz: “O que se pode denominar ideologia neoliberal compreende uma concepção de homem
(considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e calculista), uma concepção de sociedade (tomada
como um agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na idéia da natural e
necessária desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade de
mercado)” (2007, p. 226).
21
A utilização do termo contra-reforma implica no entendimento que este processo retira direitos, reduz
investimentos e retroage em relação a direitos conquistados e é amplamente utilizado pelo Serviço Social e outros
formuladores. Entende-se que reforma visa “melhorar”, ampliar, em contraposição ao modelo de “reformas” operadas
na década de 1990 em diante. A Emenda Constitucional nº 20 foi promulgada em 15 de dezembro de 1998, mas
tramitou como PEC nº33 desde 1995.
33
conflitos. É delegada ao Estado a função de garantir as condições gerais de produção e
reprodução do capital por meio da ampliação da sua intervenção nas garantias de lucro e
concentração de renda e riqueza, assim como a manutenção das medidas de exploração
do trabalho, em contraparte, exige a redução da sua intervenção para garantias de direito
dos trabalhadores por meio da regulação do trabalho e no investimento em políticas
sociais22.
22
O Estado, especialmente em países periféricos, está submetido ao pagamento de dívidas externas impagáveis, repõe
continuamente a condição de subalternidade de suas economias às economias centrais, que impõem a composição do
superávit-primário que contingência especialmente as políticas sociais, como veremos em seguida.
23
Isto não significa que os países centrais desregulamentem seus mercados e fluxos de força de trabalho, pelo
contrário, passam a impor fronteiras cada vez mais limitadas e suas economias enquanto garantem a ruptura de
barreiras que impeçam o fluxo de capitais dos países centrais nas economias dos países periféricos (Netto e Braz,
2007, p. 229).
34
anos. As altas taxas de juros internas, estabelecidas para atrair o capital externo
determinaram também o aumento da dívida interna (Ávila, 2005, p. 24).
24
O superávit primário é o cálculo das receitas subtraídas as despesas, não incluídos aí os recursos destinados para o
pagamento os juros da dívida pública interna e externa. O superávit primário foi uma exigência do FMI para a
realização de empréstimo em 1998, com objetivo de pagamento da dívida externa. Nos anos seguintes as metas foram
não somente cumpridas como superadas (Ávila, 2005, p. 9).
25
A definição dos gastos públicos é elencada em prioridades classificadas em gastos com a dívida pública, gasto
prioritário dos governos; despesas obrigatórias (com percentuais definidos por lei) e investimentos de
responsabilidade estatal (infra-estrutura: energia elétrica, transporte ferroviário, rodovias, portos, construção de
equipamentos como hospitais e escolas etc.). As condições do endividamento tiveram momentos centrais: o período
da ditadura no final da década de 1970 e a entrada dos anos 1990 para estabilização do Plano Real (em 1994). (Ávila,
2005, p. 23).
35
Uma das maneiras de aumentar o superávit é “elevar a produção, a renda e,
consequentemente, as receitas geradas para o governo” (Ávila, 2005, p.12) o que
demandaria que o governo aumentasse, num primeiro momento, os investimentos,
reduzindo o superávit primário. Trata-se de uma política de médio prazo, pois somente
num segundo momento aumentaria a arrecadação, no entanto, é uma política oposta às
recomendações dos organismos internacionais (Ávila, 2005, p. 12 – 13).
A direção que os seguidos governos têm adotado e que não sofreu alterações de
fundo, mantendo o corte de gastos e aumento de tributos26. Estes cortes representam,
muitas vezes, o equivalente ao orçamento anual da área de assistência social e
educação 27.
Nesse contexto podemos perceber que já se desenhava uma nova orientação para
as políticas sociais. Com o Consenso de Washington28 o reordenamento do Estado e das
políticas sociais se estruturava guiado pelas orientações dos organismos multilaterais e
sua preocupação referenciada no alívio da pobreza.
26
“Desde 1999, quando começou a política de superávit, os gastos sociais foram reduzidos, se medidos em
porcentagem da arrecadação federal” (Ávila, 2005, p. 14). De 1995 a 2004 a carga tributária aumentou de 29% para
36% do PIB (Idem, p. 17).
27
Em 2005 houve um corte de 15,9 bilhões no orçamento (idem, p. 15), em 2007 o superávit primário foi o maior da
série histórica (iniciada em 1991 pelo Banco Central), na ordem de 101,6 bilhões – equivalente a 3,98% do Produto
Interno Bruto (PIB) superando a meta de R$ 95,9 bilhões (3,75% do PIB) estabelecida para 2006. Em 2008 o
contingenciamento de recursos foi da ordem de R$ 19,4 bilhões (Orçamento Geral da União) equivalente a 3,8% do
PIB (fonte: Agência Brasil).
28
O Consenso de Washington veio designar as medidas orientadas por organismos como Banco Mundial e FMI que
viria definir o combate à pobreza e as políticas sociais na América Latina delimitado em 1989 e posto em prática na
década de 1990.
36
proteção social pela privatização, a descentralização, a focalização e construção
de programas (fundos) sociais de emergência. As privatizações nas áreas da
saúde, previdência e assistência justificam as medidas focalistas das políticas e
o seu caráter filantrópico, reatualizando as formas mais arcaicas de
naturalização das expressões da questão social (Santos, 2006, p. 23).
29
Neste período tem início a desconstrução do que já havia sido constituído em torno da assistência social no Brasil,
com o fechamento da Legião Brasileira de Assistência (LBA) – já tensionada pelos escândalos orquestrados no
governo Collor (Sposati, 2005, p. 21) e segue em processo de refilantropização desta política com a criação no
governo FHC, da “Comunidade Solidária”, consolidando perspectivas históricas presentes na assistência social e
aprofundando os aspectos conservadores da mesma na relação entre Estado, entidades prestadores de serviços e da
“sociedade civil organizada” como veremos adiante.
37
transformar o cidadão sujeito de direitos num cidadão-consumidor; o
trabalhador num empreendedor; o desempregado num cliente da assistência
social; a classe trabalhadora em sócia dos grandes negócios e as comunidades
em células do “desenvolvimento local”, delas surgindo uma “sociedade
solidária e cooperativa” (Mota, 2008, p. 31-32).
Com estas mudanças, orquestradas para retomada do crescimento da
lucratividade do capital, o estabelecimento de orientações macroeconômicas para o
reordenamento das políticas econômica e social colidiam com a perspectiva apontada
pela legislação social e impôs retrocessos já no início de sua implementação.
30
Behring (2008) utiliza o termo de contra-reforma para contrapor o que vinha sendo chamado de reforma no
governo FHC, que ao invés de ampliar e melhorar as políticas no sentido da garantia de direitos, enxugava e retirava
direitos, anulando-os e configurando um cenário regressivo para a consolidação de direitos e novas conquistas.
38
que estariam deixando o Estado “inchado” e sem condições de desenvolver a economia,
responsabilizando-o pelas crises.
O capital financeiro não cria as bases sociais de apoio suficientes para a sua
legitimação no poder. Não gera empregos; ao contrário, elimina empregos. Não
distribui renda, ao contrário, intensifica a concentração de renda. Não amplia
direitos sociais; ao contrário, os debilita. A financeirização faz vítimas os
pequenos e médios empresários. As bases materiais do seu processo de
reprodução permitem, no máximo, arrastar setores do grande capital voltado
para a exploração e para a alta esfera do consumo (Ibidem.).
39
Em seu ciclo de implementação, o modelo teve êxitos econômicos imediatos,
depois da iniciativa com seus planos de contra-reformas, valendo-se de
desregulação econômica, para transferir a inflação para o imenso déficit público
que, ao levar os Estados latino-americanos à quebra, por sua vez reforça sua
dependência dos organismos financeiros internacionais (Idem., p. 19).
31
A sigla BIRD vem de "Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento", que, em conjunto com a
Associação Internacional para o Desenvolvimento (AID) formam o que é tradicionalmente conhecido como “Banco
Mundial”. O “Grupo Banco Mundial” é formado por BIRD, AID e outras três agências: a Corporação Financeira
Internacional (IFC - que trabalha com o setor privado), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI -
que faz seguros para investimentos nos países em desenvolvimento), e o Centro Internacional para Arbitragem de
Disputas sobre Investimentos (CIADI - que julga disputas sobre investimentos). As cinco agências trabalham em
conjunto para o objetivo final da redução da pobreza. (fonte: Banco Mundial em www.bancomundial.org.br).
40
as políticas sociais (...) em ações pontuais e compensatórias direcionadas para os efeitos
mais perversos da crise” (Idem, p. 156).
32
A ditadura militar se configurou como um período de restrição de direitos políticos e em contraposição, de forma
contraditória, ocorreu o crescimento econômico com o “milagre brasileiro” às custas do endividamento que trouxe
rebatimentos que se estendem até os dias atuais, e o alargamento de alguns direitos sociais. O processo de anistia em
1979 começou o período de abertura democrática e em 1983 temos o movimento por eleições diretas, que só
ocorrerão concretamente nas eleições majoritárias em 1989.
41
para o processo de privatização de setores que constituem as políticas de direito, como a
Saúde e Previdência 33.
33
O texto constitucional já previa a “existência de sistemas complementares tanto no caso da saúde como da
previdência” (Mota, 2008, p.139). A precarização dos equipamentos e serviços destes setores se dá na medida em que
passa a ser acessado apenas pela população mais pauperizada. Podemos observar os serviços de ponta na área de
saúde, por exemplo, pelo seu alto custo continuam sendo oferecidos fundamentalmente pelo Estado, muitas vezes em
associação com o serviço privado. Serviços públicos com dupla “porta de entrada” na área saúde existem em
Hospitais Universitários, como o Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF), da UFRJ. Já estão instalados planos de
saúde desde o início do ano 2000, que possuem alas próprias, mas que utilizam equipamentos e recursos humanos
públicos, pagos pelos planos privados, mas que são os mesmos que prestam o serviço público para o qual foram
contratados. Na carência de recursos, num cenário de estagnação e redução dos investimentos, cirurgias e
procedimentos são suspensos com esta justificativa, enquanto são priorizados os procedimentos privados. Mas em
serviços de alta complexidade, que são realizados pelo setor público para os usuários com plano de saúde, não há
relação inversa de remuneração por estes serviços. Os serviços mais básicos de saúde e previdência continuam sendo
oferecidos, como resposta do capital às expressões da “questão social” cada vez mais precários, esparsos e residuais,
na medida em que o acesso é dificultado e a permanência não é garantida.
42
eles existe a possibilidade de requisição ao Estado. Estes serviços, bens e benefícios são
oferecidos de forma direta e/ou em parceria com a sociedade civil como medidas
pontuais/emergenciais, conforme destaca Montaño:
o novo trato da “questão social” deve ser, na moldura neoliberal, dual. Por um
lado tem de atender com serviços de qualidade à população com capacidade de
adquirir serviços no mercado, segundo suas possibilidades econômicas, numa
atividade claramente lucrativa. Por outro, deve intervir, por meio do Estado ou
de entidades filantrópicas, nas demandas pontuais da população carente, com
precários serviços momentâneos. Altera-se a dimensão de seguridade social
como direito do cidadão, a universalidade da prestação do serviço, de qualidade
homogênea para toda a população, o caráter não-contratualista das políticas
sociais e assistenciais (Montaño, 2007, p. 196).
43
A oferta de serviços pelo Estado passa a ter cada vez mais e centralmente, a
presença do setor privado, seja na concessão de setores para exploração de serviços, seja
na parceria para prestação destes serviços. Em alguns casos ocorre transferência de
responsabilidades administrativa, de gestão e execução de serviços à população e de
forma cada vez mais pontual e fragmentada. Como explica Montaño,
44
1.2 Seguridade Social e Assistência Social no Brasil
34
Em 1995 o termo “assistencialização” é utilizado pela primeira vez na tese de doutoramento da professora Ana
Elisabete Mota, que tem seus resultados publicados no livro “Cultura da Crise e Seguridade Social”, Ed. Cortez,
2005.
45
irredutíveis, que apontavam para a democratização e universalização do acesso e
participação da população na construção, decisão e acompanhamento deste processo.
35
A expressão previdência social surge pela primeira vez na Constituição de 1946, quando são criados IAP´s para os
trabalhadores urbanos e o IPASE para os funcionários públicos. Também ocorreu a unificação das IAP´s e
centralização da organização previdenciária no INPS unificando os institutos IPASE, FUNRURAL, SASSE. A
Constituição de 1967 traz como novidade a criação do PIS/ PASEP. Em 1972 ocorre a inclusão dos empregados
domésticos; em 1976 é criada a Consolidação das Leis da Previdência Social que era uma norma que tinha força de
decreto e não de lei e em 1977 a Lei 6.439/77 cria o SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social.
Somente com a Constituição de 1988 se cria o Sistema de Seguridade Social contemplando Saúde, Previdência e
Assistência Social, que é a referência, ainda que no bojo das contra-reformas já empreendidas desde a década de
1990.
46
Seguridade Social que estabeleceria um sistema de proteção social afinado à
constituição de um Estado de Bem-Estar Social.
47
representativas na formulação das políticas e no controle das ações (art. 195), que
seriam, mediadas pelos conselhos de políticas e de direitos e pelas conferências de
caráter deliberativo 36.
36
A composição dos conselhos varia entre as políticas sociais. No caso da saúde a participação define representações
paritárias entre os segmentos de gestores, profissionais e usuários dos serviços (Cf. lei 8.142/90). Na assistência
social a composição preconiza o princípio da paridade entre governo e a chamada “sociedade civil”, esta última
dividida entre os segmentos que representam trabalhadores e usuários, que não necessariamente é ocupada por
usuários, mas predominantemente por entidades prestadoras de serviços (Cf. lei 8.752/93).
48
esgarçar qualquer tentativa de vinculação entre pobreza e acumulação de
riqueza (2008, p.143).
O processo desencadeado, que consolidou os direitos como fruto das lutas dos
trabalhadores, entra em contradição com o movimento de sua restrição e focalização
numa perspectiva oposta à constituição de políticas de bem-estar. Estas conquistas
históricas recuam nos marcos do neoliberalismo e do refluxo da movimentação e
organização desta classe que até então impulsionava estes ganhos. Segundo Netto
37
Considera-se “proteção social” o conjunto de medidas adotadas pelo Estado na administração das demandas que
configuram a “questão social”, ou seja, trata-se de estratégias para garantia da manutenção da reprodução social da
população para a reprodução do capital e de mediação dos conflitos gerados pela contradição entre capital e trabalho,
mesmo que não seja constituída neste sentido, na medida em que não reconhece esta contradição, e ainda que trate
das seqüelas da mesma.
49
Trata-se de operar um recorte cada vez mais restrito do que cabe ao atendimento
das necessidades sociais: aos mais pobres dentre os pobres, para resguardar patamares
mínimos ou “aceitáveis” de pobreza por meio da administração de índices gerais que
fazem sua medida38. A mensuração da pobreza e a forma como deve ser combatida,
orientada pelos organismos internacionais, não é unívoca. Os critérios que medem a
pobreza e estabelecem seu “combate” de fato tem determinações de cunho neoliberal:
restrito e focalizado.
38
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), por exemplo, é orientado pela medida da riqueza produzida,
educação e expectativa média de vida e estabelece um padrão que mede mundialmente o padrão de vida da
população. Em 2006 o Brasil estava em 70º lugar segundo o relatório do PNUD 2007/2008.
50
redistribuição das riquezas socialmente produzidas, ao contrário, são políticas mínimas
para os mais pobres dentre os pobres.
Aos que “tem menos” são destinadas ações pontuais associadas à concepção que
delimita que o foco das políticas sociais deve se direcionar aos segmentos inscritos em
índices rebaixados de verificação de pobreza e indigência, o que distorce o papel das
políticas sociais, fortalecendo uma perspectiva emergencial no trato das manifestações
da “questão social”.
A focalização das ações do Estado nos mais pobres não se direciona pelas
garantias de acesso às demais políticas sociais ou de alteração do quadro de
desigualdade social, mas está estruturada por de níveis de renda rebaixados na
constituição do público-alvo dos serviços sociais e objetiva a alteração de índices que
caracterizam a medida da pobreza e indigência. Dessa forma, não são estabelecidas as
condições necessárias para a manutenção da vida e reprodução social em condições de
igualdade com aqueles que estão estabelecidos no mercado formal de trabalho, numa
perspectiva amparada pela Seguridade Social em articulação com os direitos sociais
previstos na Constituição Federal.
51
que a capacitação dos indivíduos e das famílias para alcançar a autonomia esperada
supõe condições estruturais não oferecidas pelas políticas sociais e econômicas.
39
As legislações que regulamentam as políticas de seguridade social datam do início dos anos 1990 (Lei Orgânica da
Saúde – 1990 e Lei Orgânica da Assistência Social – 1993) e que, apesar de conterem perspectivas diferentes e em
disputa, ainda apontavam para avanços na perspectiva da garantia de direitos e que, ainda hoje, constituem arcabouço
para reivindicação dos mesmos.
52
assim como as demais políticas sociais, articulam ações com vistas à integração e
equilíbrio social, tal como caracteriza Pastorini:
53
fortemente marcado pela contra-reforma do Estado e já com um processo de
assistencialização das políticas sociais.
Uma das estratégias destas gestões, no âmbito das políticas sociais, foi a criação
do Programa Comunidade Solidária (PCS) que tinha como pilares as ações de combate
a “situações agudas ou extremas de pobreza” destinado a “parcela da população que não
dispõe de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome
e à pobreza” (Silva, 1998, p. 107).
Esse programa foi criado com a primeira Medida Provisória aprovada por FHC e
consolida, no conjunto das suas idéias, a perspectiva de “abertura à participação e
parceria com a sociedade na procura de soluções mais adequadas para a melhoria das
condições de vida das populações mais pobres” (Peliano, 1995, p. 3). Os princípios que
orientavam o PCS eram a parceria, a solidariedade, a descentralização e a integração e
convergência de ações (Idem, p. 4).
Esta solidariedade figura como pactuação entre classes opostas, com vistas à
harmonização dos conflitos e manutenção da coesão social. Diferentemente de um
processo de organização dos trabalhadores, onde a perspectiva de solidariedade tem
caráter classista, entre os membros que compõem uma mesma classe e que
compartilham interesses e se caracterizam pelo estabelecimento de pautas de defesa
coletiva de direitos para sua conquista, consolidação e avanço.
54
A parceria e a descentralização das ações compreendem o processo de
terceirização e transferência de responsabilidades estatais como princípio no trato das
expressões da “questão social”. Desta forma, com a criação do PCS, institui-se o
chamado “novo paradigma” das políticas sociais e consolida-se o “compromisso de
todos” com o combate à pobreza e à miséria, sob gerência do Estado. Esta lógica
também compreende o processo de integração, como redução de disfunções à ordem
societária, descolando as expressões da “questão social” das suas determinações e a
convergência de ações no sentido de estreitar as políticas à concepção de combate à
pobreza inscritas nos programas e projetos residuais e específicos.
40
Em Nova Iguaçu as principais entidades de organização de moradores e trabalhadores estavam vinculadas como
entidades prestadoras de serviço no campo da política de Assistência Social. Os mesmos representantes do segmento
de usuários no conselho municipal desta política prestavam serviço para a secretaria correspondente e dependiam dos
recursos destinados ao financiamento de ações para manter seu funcionamento. Os debates neste conselho, na maioria
das vezes, circunscreviam-se na efetivação de parcerias e financiamento de projetos e, para a consecução dos
mesmos, por vezes, se utilizava como moeda de troca a aprovação de pautas propostas pelos governos, muitas vezes
não apreciadas ou analisadas precariamente pelo segmento “sociedade civil”. O mesmo podia ser observado no
Conselho Estadual de Assistência (CEAS) Social do estado do Rio de Janeiro, durante o período 2006-2007, no qual
acompanhamos as reuniões mensais para repasse de informações aos CMAS acima referido. A crise na gestão dos
recursos e no estabelecimento das medidas que competiam a este ente federativo constituía uma pauta permanente. O
atraso no repasse de recursos era debatido predominantemente na relação entre contratante e contratado e não no
sentido do controle da destinação, administração e aplicação do recursos destinados à esta política social.
55
Sete objetivos norteavam o PCS, quais sejam:
56
Crítica do PCS, Sposati (1998) destaca que o modelo empreendido no governo
FHC se baseia numa perspectiva filantrópica assistencial, caracterizada pela apologia
das soluções dadas pelas políticas emergenciais às necessidades da população mais
pobre e com base num modelo populista e personalista na assistência pública. Dessa
forma Sposati afirma que
41
O Programa foi implementado durante o governo FHC e era conduzido pela Primeira Dama, Ruth Cardoso
(antropóloga).
57
A entrada do “terceiro setor42” “encobre um fenômeno que deve ser entendido
como inserido num projeto de reestruturação social e produto dele, pautado nos
princípios neoliberais e/ ou funcional a ele” (Montaño, 2007, p. 186). Não se trata de
mera reprodução do processo que já constituía a política de Assistência Social, mas da
exponenciação da transferência de responsabilidades. Antes as ações assistenciais
circunscreviam-se no setor privado e filantrópico, basicamente como ações paralelas às
desenvolvidas pelo Estado, que atendia predominantemente os segmentos vinculados ao
mercado formal de trabalho. Aos “não-vinculados” restava recorrer aos serviços
prestados nestes setores, ministrados como caridade e benesse.
Segundo o Grupo Banco Mundial, os avanços das reformas nos oito anos da
gestão FHC criaram uma base sólida para o novo governo, “que demonstrou
notável compromisso com uma firme gestão macroeconômica e com o
progresso social.(...) A nova administração federal se comprometeu com a
austeridade fiscal, com o estabelecimento de metas de inflação e com o
cumprimento dos contratos da dívida” (2003:17). Também se menciona o
compromisso com a melhoria do bem-estar da população, evidenciado, segundo
este documento, por diversas iniciativas sociais, como Fome Zero, Primeiro
Emprego e Bolsa Família (Pastorini e Galízia, 2006, p. 92).
42
Aqui terceiro setor é entendido tal como afirma Montaño (2007): “o que é chamado ‘terceiro setor’, numa
perspectiva crítica e de totalidade, refere-se a um fenômeno real, ao mesmo tempo inserido e produto da
reestruturação do capital, pautado nos (ou funcional aos) princípios neoliberais: um novo padrão (nova modalidade,
fundamento e responsabilidades) para a função social de resposta à ‘questão social’, seguindo os val ores da
solidariedade local, da auto-ajuda e da ajuda-mútua” (2007, p. 186).
58
No Governo Lula há, sem dúvida, uma alteração na lógica de gestão, marcadas
pela racionalização dos benefícios43 e profissionalização do campo da assistência social.
Imprime caráter público na constituição de equipamentos próprios no campo da
assistência social e, a partir daí, são realizados concursos no âmbito municipal para a
composição das equipes responsáveis pela implementação da política nos municípios.´
59
patamares de pobreza e reversão dos índices de indigência e miséria e de articular
“portas de saída” da proteção social destinada pelo Estado aos mais pobres, por meio do
incentivo ao desenvolvimento de potencialidades individuais e das famílias para a
ruptura dos ciclos de reprodução da pobreza, localizando – da mesma forma que o
programa desenvolvido no governo anterior – a geração da pobreza por “inadaptações”
(ou inadequações) à ordem que podem ser resolvidas na promoção de disposições
“inatas” que levariam a desintegração dos mesmos ao sistema.
60
1.3 A Política de Assistência Social na Atualidade
48
A Política de Assistência Social estabelece princípios e diretrizes para a implementação do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS e é resultado de amplos debates realizados em todos os Estados e no Distrito Federal
durante o ano de 2004, a partir de uma proposta preliminar elaborada pela Secretaria Nacional de Assistência Social –
SNAS/MDS com a participação ativa do CNAS, dando cumprimento às deliberações da IV Conferência Nacional de
Assistência Social (2003) (fonte: CNAS, 2009).
61
dos meios de produção e reprodução da vida social, não podem ser resolvidas no âmbito
de uma política social e mesmo que a Assistência Social preveja a articulação com as
demais políticas sociais esta mediação fica comprometida por uma política econômica
que privilegia o acúmulo e concentração de riquezas pelo capital e comprime cada vez
mais as medidas que estruturam direitos sociais.
62
um movimento intrínseco: para o estabelecimento de mobilizações para a afirmação e
consolidação de direitos se faz necessária a organização e pressão dos trabalhadores e
para empreender este processo é fundamental que seus segmentos precisam ter suas
necessidades de reprodução social atendidas49.
63
direitos de Seguridade Social. Ainda que se inscrevam garantias neste campo
fundamentadas nos “direitos socioassistenciais” alterações fundamentais no campo da
afirmação e consolidação de direitos articulados não são concretizados. A composição
da assistência social é superdimensionada, ainda que mediada – em sua formulação –
como política balizada pelo “desenvolvimento social”.
A dimensão política que orienta o governo atual não rompe com os fundamentos
do neoliberalismo e com a condução que privilegia os interesses do capital, mesmo em
seu discurso e na composição das ações e serviços sociais afirmando o privilegiamento
do desenvolvimento social e econômico dos “menos favorecidos”.
52
Devemos lembrar que parte das vanguardas do Serviço Social, por exemplo, estiveram – e estão – presentes na
disputa de concepções no campo da assistência social, na formulação e gestão desta política social. O conjunto
CFESS/CRESS historicamente promoveu discussões e formulações que fundamentam a concepção de Seguridade
Social ampliada (como expresso na Carta de Maceió, resultante do Encontro Nacional CFESS/CRESS realizado em
2000, que mencionaremos adiante) e são expressão da movimentação, desde a década 1980, para a constituição e
impressão do caráter público nesta política social.
64
superdimensiona, a nosso ver, a capacidade de atendimento a estas demandas na
composição da própria política. A ampliação e o destaque desta política expressa uma
contradição: a precarização dos equipamentos e serviços públicos junto à transferência
de responsabilidades para a “sociedade civil” nas diversas políticas sociais e a
ampliação das ações, programas e projetos focalizados no combate à pobreza nas suas
expressões mais visíveis, num sentido emergencial e focalizado que se localizam na
assistência social.
Esta análise, baseada nos elementos e dados que confirmam este processo,
contribuem para confirmar a existência de um processo de assistencialização das
políticas sociais. Entendemos que a caracterização destas situações como circunstâncias
que colocam indivíduos e famílias em conjuntura de vulnerabilidade são resultado de
uma política econômica neoliberal implementada desde o início da década de 1990 e
que tem continuidade nos governos Lula, assim como a manutenção do ajuste fiscal, da
política de superávit primário e da focalização das políticas sociais. Não será a
ampliação da política de Assistência Social que possibilitará garantia de qualidade de
vida aos segmentos da população mais pauperizados.
65
A proteção social de assistência social se ocupa das vitimizações, fragilidades,
contingências, vulnerabilidades e riscos que o cidadão, a cidadã e suas famílias
enfrentam na trajetória de seu ciclo de vida por decorrência de imposições
sociais, econômicas, políticas e de ofensas à dignidade humana. O princípio da
atenção social alcança, assim, um patamar que é balizado pelo esforço de
viabilização de um novo de um novo projeto de desenvolvimento social, onde
não se pode pleitear a universalização dos direitos à Seguridade Social e da
proteção social pública sem a composição correta e suficiente da política
pública de assistência social, em nível nacional (Brasil(c), 2004, p. 16).
A concepção de “atenção” prestada pela assistência social a estas características
verificadas na composição das famílias supõe desenvolvimento social, condição
destacada como fundamento para a composição da assistência social. No entanto, este
“desenvolvimento” circunscreve-se quase que exclusivamente nas ações promovidas no
interior desta política social. Mesmo em articulação com outros ministérios, que
coordenam as demais políticas sociais, os projetos são vinculados ao público já restrito
da assistência social e recortados basicamente dentre os beneficiários do Programa
Bolsa Família, num atendimento minimalista de frações dos segmentos pauperizados: os
mais pobres dentre os pobres.
Não nos debruçamos no debate dos direitos humanos, mas supomos que sejam
constituídos por garantias de patamares dignos de reprodução social, para além da
sobrevivência e sequer podem ser parametrados pelos direitos garantidos pelo trabalho
66
formal, pois, como veremos adiante, a sociabilidade capitalista implica na alienação do
trabalhador do trabalho como meio de responder a necessidades humanas, mas como
meio de vida, que limita as capacidades humanas. A suposição de mínimos de dignidade
no sentido afirmado pelos programas e projetos de enfrentamento da pobreza, a nosso
ver, se constituem pela medida de sobrevivência de indivíduos e famílias em situação de
extrema pobreza ou indigência somente.
67
Lessa considera que A postulação, central na ontologia lukácsiana, está
implicada na “radical historicidade e sociabilidade do mundo dos homens” e destaca
que a formação do ser social circunscreve a composição das ações humanas no
atendimento às suas necessidades
a partir da práxis social, o indivíduo, ao agir, ao responder às necessidades
postas ao seu desenvolvimento pela realidade que o cerca, concomitantemente
contribui à construção do ser social enquanto gênero e à construção da sua
individualidade específica. As contradições entre generidade e particularidade,
constituintes essenciais tanto do ato em sua singularidade como da
processualidade social global, compõem as mediações sociais reais da elevação
à consciência, em escala social, da bipolaridade indivíduo/sociedade (Lessa,
1994, pp. 21-22)
68
Afiança-se à Assistência Social a responsabilidade pela garantia de direitos à
população sem cobertura previdenciária. Oferece proteção para tornar o seu usuário
alcançável pelas demais políticas de proteção e desenvolvimento social. Mas como estas
políticas não são desenvolvidas no sentido da garantia de direitos, pois se tornam
regressivas no bojo do neoliberalismo, constituindo um ciclo em que se destinam
políticas pobres para os pobres, paliativas e focalizadas, tornando seu usuário refém
desta política social. Propõe-se nos níveis de proteção estabelecidos pela PNAS o
restabelecimento e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários para que se
formem redes de solidariedade e cooperação, como medida para solucionar situações de
risco, vulnerabilidades e para criar condições de auto-sustentabilidade.
69
características não-desenvolvidas fossem as responsáveis pelos ciclos geracionais de
pobreza e miséria pelos quais estas famílias ou segmentos sociais passam e não como
processo imposto por condições estruturais de nossa sociedade.
Esta proteção social define princípios e garantias que não podem estar ancoradas
apenas na Assistência Social ainda que aponte para o reconhecimento de demandas da
população considerada “vulnerável”, que se encontra descoberta pelas demais políticas
sociais e desprovida das condições mínimas de existência. Tratam-se de ações
caracterizadas na PNAS como parte da iniciativa pública, com primazia do Estado em
sua execução, para o atendimento às necessidades básicas da população que não tem
condições de provê-las (Brasil (c), 2004).
Por assim dizer, a PNAS aponta que a “Assistência Social como política de
proteção social configura-se como uma nova situação para o Brasil. Ela significa
garantir a todos, que dela necessitam, e sem contribuição prévia a provisão dessa
proteção” (BRASIL, 2004, p. 15). Mas a centralidade na vulnerabilidade entendida da
maneira que é formulada no próprio documento se contrapõe a idéia de assistência para
70
todos os que dela necessitam, pois suas ações encontram-se ancoradas em critérios
seletivos e focalizados de pobreza e indigência.
Tal risco pode ser lido de diferentes formas, a nosso ver, considera-se o risco de
não sobrevivência que estes indivíduos ou famílias correm ao não terem acesso a
condições de manutenção de suas necessidades básicas e do risco que oferecem à
sociedade, pois podem utilizar-se de estratégias de sobrevivência criminalizadas, na
medida em que não fazem parte das atividades formais e informais lícitas no mercado
de trabalho.
71
de condições para sua autonomia baseadas em si e na sua estruturação, como medida de
combate à pobreza focalizada e restrita que se comporta como medida oposta á
constituição de uma perspectiva ampliada de Seguridade Social.
53
Na SMAS da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro inclusive dentre os instrumentos (formulários) utilizados
no atendimento e acompanhamento dos usuários e famílias atendidos nos CRAS contemplam um “Plano de
Travessia” (formulado pelo setor de Vigilância da Exclusão Social) no qual devem ser sinalizadas as demandas, os
encaminhamentos, seu cumprimento ou não, até que, após a realização de todas as ações necessárias para o
atendimento destas demandas – desde o encaminhamento para atendimento na saúde e políticas de emprego a
atividades esportivas e cursos de capacitação – considere-se que o usuário alcançou sua autonomia e não mais
“depende” da intervenção (ou auxílio) estatal.
72
responsabilidade de manutenção de seus vínculos e da sua subsistência e à assistência
social o fomento de sua autonomia e auto-sustentabilidade.
A idéia é que este público alvo da política de assistência social seja “autônomo”,
ou seja, não mais componha as camadas da população que “dependem” da assistência
social, da proteção social oferecida por ela via ações estatais. Mesmo aqueles que de
forma permanente se encontram inaptos para desenvolver atividades laborativas, caso
integrem um núcleo familiar em condições de garantir a sua sobrevivência através do
desenvolvimento das suas potencialidades permitindo alcançar sua autonomia não são
atendidos, em princípios, pela assistência social, principalmente pelos critérios
rebaixados de renda que são compostos a partir da matricialidade sociofamiliar como
juízo de valor.
Sposati (1998) destaca que este modelo se baseia na idéia de uma política
destinada ao pobre consumidor para atendimento da população usuária numa
perspectiva de constituição de um padrão de consumo de segunda categoria. Dessa
forma afirma que
73
necessidades. Então a Assistência Social instala uma forma precária de
consumo de segunda categoria, com a mediação do Estado, seja diretamente, ou
através das organizações de filantropia. É a transformação do cidadão no pobre
consumidor (p. 25).
74
e não estrutural da sociedade e pudessem ser solucionadas através de medidas de
desenvolvimento de potencialidades individuais.
75
garantir que a Assistência Social seja de responsabilidade pública, pois, neste
país patrimonialista, as ações são isoladas, fragmentadas, tanto no campo
público, como nas organizações privadas sem fins lucrativos (Sposati, 1998, p.
24).
Esta perspectiva acerca do papel das políticas sociais, que tem forte impacto na
construção da política de Assistência Social, compreende, a nosso ver, um conjunto de
ações empreendidas e em desenvolvimento pelo governo Lula. A política central deste
governo se ancora na transferência e geração de renda, mas tocam residualmente no
processo de redistribuição da riqueza socialmente produzida para os trabalhadores,
garantindo a transferência de enormes quantias para o capital e trabalham para
uniformizar um patamar de pobreza e não para reverter desigualdades sociais.
76
1.4 Os Programas e Projetos de Assistência Social
Netto destaca que o combate à pobreza torna-se uma política específica (Netto,
2007, p. 159). A desresponsabilização estatal se concretiza pelos fundos reduzidos, pela
“responsabilização abstrata da ‘sociedade civil’ e da ‘família’ pela ação assistencial”
com destaque para a participação das ONG’s e do terceiro setor na execução das
políticas (Ibidem). A privatização e mercantilização dos serviços para os segmentos da
população que dispõem de renda para participar do mercado são indicados pelo autor
como os elementos que também pautam o reordenamento das políticas sociais, e se
combinam com a manutenção por parte do Estado de serviços públicos precarizados
para os segmentos mais pauperizados (Netto, 2007, p. 160).
77
vinculadas a uma política econômica que concretamente aponte para a superação das
desigualdades, com maior destinação de recursos para estas políticas e para a geração de
emprego e renda formais55. O direcionamento das políticas estatais neste sentido
possibilitariam garantir a inserção dos trabalhadores na Seguridade Social via
previdência e, sendo a Assistência Social uma política compensatória, caberia a ela
suprir “carecimentos” ocasionais e/ou temporários, ou permanentes nos casos previstos
na LOAS através de mínimos sociais56.
55
Cf. Behring: 2002, 2008 e 2009; Behring e Boschetti: 2007; Iamamoto: 1998; Mota: 2005 e 2008; Netto: 2001,
Pastorini: 1997; Pastorini e Galízia: 2006; Rodrigues: 2007 e 2009; Santos: 2006; Sposati et ali 1986; dentre outros
autores e referências bibliográficas que trabalhamos.
56
Que prevê ações assistenciais de proteção à família, maternidade, infância e adolescência, e velhice para garantia
de necessidades básicas que estes segmentos não tenham como prover. “A assistência social realiza-se de forma
integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza à garantia dos mínimos sociais, ao provimento
de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais” (Parágrafo único dos
objetivos da LOAS, Lei 8.742/1993, artigo segundo).
78
direitos. Portanto, a Assistência Social realizada de forma orientada no que pode realizar
em si, fundamentalmente promovida por meio de ações minimalistas de administração
da pobreza, que conformam o conjunto de ações denominadas como “combate à
pobreza” nos últimos governos, é uma deformidade da constituição de um modelo de
Seguridade que supõe o atendimento do conjunto de necessidades de reprodução social
como direitos.
57
O trato das expressões da “questão social”, como caracterizamos, é parcial e fragmentado e isso se expressa na
constituição da proteção social. Mas a fragmentação de setores (expressa nos governos pela criação de “pastas”
específicas) como assistência, habitação, meio-ambiente, educação etc. implica na estruturação das ações a partir
desta segmentação.
58
A solicitação de “inclusão” no programa também poderia ser solicitada para usuários atendidos pela proteção
básica já que, por vezes, este público também apresenta condições de “vínculos” e “fragilidades” característicos do
público-alvo da atenção promovida pelos níveis de média e alta complexidade. Cabe destacar que a transposição dos
níveis de atendimento do SUS para o SUAS é mecânico e não se adequa mecanicamente na assistência social. Sendo
o CRAS “porta de entrada” desta política social, as situações de vida das famílias, independente da sua
“complexidade”, são manifestadas nos atendimentos. No município referido a rede de proteção social na assistência
ainda não havia se estruturado para atender e mediar estas situações, não oferecia serviços nos níveis de
complexidade mais graves – para além das referências na violência familiar, de gênero e contra a criança e o
adolescente, de forma pontual – e restringia o atendimento às necessidades às ações oferecidas principalmente pelos
programas e projetos existentes basicamente pelos CRAS, particularmente os programas financiados pelo governo
federal.
59
Estes valores tinham um teto (2008) de R$ 900,00. Eram solicitados três orçamentos, levantados pelos
demandantes, que seguiam em anexo ao relatório, elaborado pelo assistente social, que solicitava o benefício
justificando as necessidades apresentadas após visita domiciliar.
79
figura como substitutivo de uma política de habitação inconsistente ou inexistente, neste
caso60.
80
aparência que as ações da assistência promovem ou incentivam que esta população se
torne alcançável por políticas de geração de emprego e renda que atendam às suas
necessidades.
62
Programa de transferência de renda do Governo Federal executado pelos municípios em todo o Brasil
implementado desde 2005 conforme caracterizamos.
63
Este programa é financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com meta de 184.297 pessoas
localizadas em 12 regiões metropolitanas e 08 capitais do Brasil (fonte: MDS).
64
O Programa se inscreve na agenda do “Trabalho Decente” do MTE considerando-o como “um trabalho
adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida
digna.que tem dentre seus objetivos a “disponibilização, em base setorial, com ênfase formal, de oportunidades de
qualificação social (reflexão sobre cidadania, fortalecimento e o mundo do trabalho), profissional (fundamentos
técnico-científicos da ocupação) e ocupacional (atividades específicas à ocupação), em articulação com a
intermediação de mão-de-obra, geração de emprego e renda e elevação de escolaridade, visando apoiar a
manutenção ao emprego, trabalho e renda e/ou inserção desses trabalhadores/as, em base setorial, no mercado de
trabalho e a ampliação de suas oportunidades de geração de emprego e renda, tendo como princípios mecanismos
de concertação e diálogo social. Consubstaciada em Planos Setoriais de Qualificação – PlanSeQs” (fonte: MTE
Programa Nacional de Trabalho Decente – PNTD). O público-alvo do programa contempla vários segmentos de
trabalhadores, ms define seu público prioritário: “Deverão ter preferência de acesso as pessoas em maior
vulnerabilidade econômica e social, populações mais sujeitas às diversas formas de discriminação social que,
conseqüentemente, têm maiores dificuldades de acesso a um posto de trabalho, particularmente os/as
trabalhadores/as desempregados/as com baixa renda e baixa escolaridade, desempregados de longa duração,
afrodescendentes, indiodescendentes, mulheres, jovens, pessoas com deficiência, pessoas com mais de quarenta
anos e outras” (fonte: MTE, manual de orientações para projetos do PLANSEQ, em www.tem.gov.br).
81
fundamental completo para trabalhar em obras da construção civil. O PLANSEQ tem
por objetivo oferecer “qualificação profissional de trabalhadores pertencentes a famílias
beneficiárias do Programa Bolsa Família para inserção em postos de trabalho gerados
pelo setor da construção civil nas obras do PAC”.
65
Este membro é selecionado por meio dos dados fornecidos no Cadastro Único de Programas Social que é o
formulário enviado para o governo federal para análise e liberação do benefício vinculado ao PBF e define o
“contemplado” através destas informações. O usuário recebe uma correspondência enviada diretamente por este ente
federativo que o encaminha aos postos de credenciamento, no qual ainda passará por cursos e que não garante seu
posto de trabalho, pois, dentre estes, ainda há outra seleção para a inserção de fato.
66
Para a Educação: freqüência escolar mínima de 85% para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos e mínima de
75% para adolescentes entre 16 e 17 anos; para a Saúde: acompanhamento do calendário vacinal e do crescimento e
desenvolvimento para crianças menores de 7 anos; e pré-natal das gestantes e acompanhamento das nutrizes na faixa
etária de 14 a 44 anos e, para a Assistência Social: freqüência mínima de 85% da carga horária relativa aos serviços
socioeducativos para crianças e adolescentes de até 15 anos em risco ou retiradas do trabalho infantil (fonte: MDS).
67
Fonte: MDS (www.mds.gov.br)
68
Estas atividades variam de acordo com cada pólo e conforme as parcerias que são estabelecidas com a rede, que
pode ser pública ou privada e filantrópica.
69
Profissional com escolaridade de nível médio, não necessariamente vinculado á educação ou a alguma dimensão
específica das atividades. Normalmente a contratação é terceirizada, para não constituir vínculo trabalhista, há cada
três meses este dinamizador deve ser substituído por outro, no caso do Rio de Janeiro.
70
Até a unificação dos programas o PETI transferia bolsas no valor de R$ 45,00 reais por criança retirada do trabalho
infantil.
82
No caso da Saúde as condicionalidades para receber o benefício do PBF são
exame pré-natal, acompanhamento nutricional para determinados membros das famílias
que compõem o domicílio cadastrado. Crianças de zero a sete anos para pesagem e
vacinação, gestantes e nutrizes de 14 a 44 anos para consultas periódicas. Esta
condicionalidade deve ser cumprida uma vez a cada semestre para manutenção do
benefício.
71
Exige-se a frequência de 85% na educação para esta faixa etária e de 75%. Para jovens de 15 a 17 anos para que
recebam o Benefício Vinculado ao Jovem (BVJ) com até dois benefícios por família que tenham membros da família
neste perfil, mas é uma condicionalidade apenas para este benefício, não condiciona o recebimento dos benefícios
básico e variável do PBF (fonte: MDS, www.mds.gov.br).
72
O ProJovem foi lançado em 2005 pelo governo federal. Em abril de 2008 o programa passo a ter quatro
modalidades: Adolescente, Urbano, Campo e Trabalhador e aumenta a faixa etária de abrangência incluindo, agora,
jovens de 15 a 29 anos. O Adolescente contempla jovens entre 15 e 17 anos e o Urbano contempla a faixa etária entre
18 e 29 anos (fonte: MDS).
83
alfabetizado) completa o ensino fundamental e participa de um curso de capacitação
para o mercado de trabalho e realiza coletivamente uma ação comunitária que é
desenvolvida ao longo do período através do desenvolvimento por assistentes sociais do
Plano de Ação Comunitária (PLA)73.
"Desde o início do nosso governo, temos procurado nos empenhar para resolver
os principais problemas da juventude", explicou o presidente. Segundo ele, o
ProJovem vem se somar aos diversos programas e ações do governo, como o
Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Escola de Fábrica, do
Ministério da Educação; o Segundo Tempo, do Ministério dos Esportes; e o
Primeiro Emprego, do Ministério do Trabalho. O presidente falou do orgulho
que teve ao participar (...) da entrega de bolsas do ProUni, em São Paulo (fonte:
MEC, em portal.mec.gov.br)74.
73
Podem ser realizadas ações educativas, eventos e outras atividades na “comunidade” de origem destes jovens. Esta
ação, no município do Rio de Janeiro, ficava prejudicada pelo repasse de recursos de responsabilidade das ONG’s
contratadas para a condução do programa. Segundo a página eletrônica do ProJovem “O Plano de Ação Comunitária
(PLA), que se refere ao planejamento, realização, avaliação e sistematização de uma ação social escolhida pelos
alunos, fundamentada no conhecimento de sua realidade próxima (fonte: ProJovem, www.projovem.com.br)
74
Entrevista realizada na ocasião do lançamento do ProJovem, disponível no portal do Ministério da Educação:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1708&catid=209
75
Até 2008 este público contemplava jovens de 18 a 24 anos e foi ampliado, dentro do perfil caracterizado como
“juventude”. A população acima da faixa etária estabelecida, mesmo que dentro dos critérios de escolaridade
incompleta e renda não podem participar do programa.
76
Entrevista realizada na ocasião do lançamento do ProJovem, disponível no portal do Ministério da Educação:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1708&catid=209
84
O Programa objetiva: Formação Básica, para elevação da escolaridade, tendo em
vista a conclusão do ensino fundamental; qualificação profissional, com certificação de
formação inicial; participação cidadã, com a promoção de experiência de atuação social
na comunidade (fonte: MDS)77. É um programa instalado no âmbito da assistência
social e não da educação, estruturado para atender amplamente os setores que estão
dentro do perfil de recuperação da escolaridade, que seria definida pelo nível de
escolarização (como o PROEJA78) e não estabelece uma perspectiva de garantia de
acesso universal para o público em geral, mas com metas pré-estabelecidas79 e público
restrito, pois não garante acesso, no caso do ProJovem Urbano, para pessoais com idade
superior a faixa etária delimitada.
77
A capacitação para o mercado de trabalho compreende “Formação Técnica Geral, que aborda aspectos comuns a
qualquer ocupação e que permitem ao jovem compreender o papel do trabalho e da formação profissional no mundo
contemporâneo; arcos ocupacionais, em número de 23, que preparam o jovem para atuar no mundo do trabalho, como
empregado, pequeno empresário ou membro de cooperativa, baseando-se em concepções contemporâneas de
organização do trabalho, cada arco desenvolve competências relacionadas à concepção, à produção e à circulação de
bens ou serviços, ampliando e articulando as possibilidades de atuação do jovem no mundo do trabalho; Projeto de
Orientação Profissional (POP), que é um trabalho de cunho reflexivo, ao longo de todo o curso, preparando o jovem
para melhor compreender a dinâmica do mundo do trabalho e planejar o percurso de sua formação profissional e (...)
o componente Participação Cidadã, que também corresponde a uma das dimensões curriculares, compreende dois
conjuntos de atividades” (fonte: ProJovem, em www.projovem.com.br). A matriz curricular do curso pode ser
acessada no página eletrônica acima referida. Destacamos que o município executor escolhe dentre os 23 arcos
ocupacionais aquele que será desenvolvido.
78
Programa de Integração Profissional ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Decreto
5154/05) e faz parte do Programa Brasil Profissionalizado (fonte: MEC). É destinado a jovens a partir de 17 anos e
sem limite de idade. O acesso e a permanência têm critérios diferenciados dependendo da unidade de ensino que o
oferece, mas também não garante acesso universal, depende de processos seletivos que não contemplam o universo
de demandatários, depende das vagas que a rede oferece, assim como nos demais níveis de ensino, médio e superior.
79
Os recursos destinados ao programa são destinados aos municípios a partir de metas definidas entre o ente federal e
a municipalidade. Estas metas já estão condicionadas pela faixa etária definida pelo programa, e são determinadas
pela capacidade instalada no município que atenderá a demanda de parte do público dentro deste perfil.
85
utilizado para isto é que os mais necessitados não são os mais beneficiados
pelas políticas sociais. Portanto, os gastos dever-se-iam redirecionar e
concentrar em programas dirigidos às camadas mais pobres da população. O
problema agrava-se quando se absolutiza a focalização em detrimento de
qualquer outra forma de proteção como, por exemplo, a manutenção e o
melhoramento das políticas de proteção social permanentes (Pastorini e Galízia,
2006, p. 95-96).
Este quadro não é expressão inaugurada pelo atual governo. Ainda que os
programas descritos sejam inovações, seguem a mesma lógica de administração dos
índices que medem a pobreza. Alguns programas têm sua nomenclatura alterada e são
pontualmente reformulados, como é o caso do ProJovem que destacamos aqui nas
modalidades Urbano e Adolescente80.
80
A recuperação da escolaridade era um projeto vinculado ao ProJovem, programa que foi desdobrado, em 2007,
(por meio da Medida Provisória 411/07) nas modalidades Urbano e Adolescente (antigo agente jovem, destinado a
jovens na faixa etária entre 15 e 17 anos); Campo – Saberes da Terra (“programa de escolarização de jovens
agricultores/as familiares em nível fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA, integrado à
qualificação social e profissional” direcionado, assim como o Urbano, para recuperação da escolaridade de jovens
entre 18 e 29 ano) e Trabalhador (fonte: MEC, portal.mec.gov.br)
86
mínimo garantido, compatível com a tese do imposto negativo (Netto, 2007, p.
159).
87
Permanece uma distribuição extremamente desigual tendo o Estado como
mediador desta distribuição: para as classes dominantes são transferidas vultosas
quantias (investimento no setor privado, política de juros etc.) e parte quase
insignificante para a população que é beneficiária dos programas de transferência de
renda, considerada a proporção de quem recebe e quanto 81.
Dados de 1999 revelam que os 10% mais ricos se apropriam de 47,4% da renda
nacional, cabendo aos 50% mais pobres apenas 12,6% dela – e, particularmente,
que o 1% mais rico se apropria de mais que os 50% mais pobres. Mais
exatamente: o “1% mais rico do Brasil, pouco mais que 1,5 milhão de pessoas
(...) controlam 17% da renda nacional e possuem 53% do estoque líquido de
riqueza privada do país” (Estensoro apud Netto, 2007, p. 139).
Estudos recentes mostram que apenas cinco mil famílias, num país de 180
milhões de habitantes, apropriam-se de um estoque de riqueza equivalente a 2/5
de todo o fluxo de renda gerado pela sociedade no período de um ano. Tais
famílias embolsam o equivalente a 3% da renda nacional total, com o seu
patrimônio representando cerca de 40% do PIB brasileiro (Netto, 2007, p. 139).
81
A política de juros altos garante altos lucros aos bancos e pequenos grupos capitalistas se configurando como uma
transferência de renda direta e desproporcional ao que se transfere através dos programas de renda mínima. Dentre os
três maiores bancos privados o Bradesco, fechou 2007 com lucro líquido de superior a R$ 8 bilhões, um aumento de
58,5% em relação lucro obtido no ano anterior (fonte: folha online) No ano de 2007 o valor pago pelo PBF para 9
milhões de pessoas chegou a R$ 15 bilhões. O valor acumulado apenas pelo maior banco representou 53% desse
valor total (fonte: agência Brasil).
82
O autor destaca que estes processos não se restringem ao Brasil – apesar do país ser um dos líderes de concentração
de renda e desigualdade. No mundo se amplia a porcentagem da participação dos 10% mais ricos na distribuição de
renda – de 46,9% para 50,8% – enquanto que os 10% mais pobres tiveram sua participação reduzida –de 0,9% para
0,8% - nos dados referentes ao período de 1988 a 1993 (Entessoro apud Netto, 2007, p. 140).
83
O PAC, como sinalizamos, propõe o “desenvolvimento social” por meio da promoção de ações para melhoria de
infraestrutura urbana, especialmente, no caso do Rio de Janeiro, na área de transporte ferroviário e rodoviário,
saneamento e construção de alguns equipamentos e serviços em “comunidades carentes”, a conclusão dos projetos de
urbanização de Manguinhos, Alemão, Rocinha e dos morros do Pavão/Pavãozinho-Cantagalo, na Zona Sul da capital,
estão previstas para 2010 (fonte: Governo Estadual, www.governo.rj.gov.br). Ao mesmo tempo transfere vultosas
quantias de recursos públicos para o setor privado executar estas obras. Milhões de reais são destinados ao programa
num processo que beneficia este setor e que permanece meio a acusações de superfaturamento, atraso na entrega das
obras. Auditores do Tribunal de contas da União - TCU estão investigando os valores dos contratos, que podem
88
O cenário latino-americando inscreve-se num contexto mais amplo. Relatando,
em 2001, a situação dos clamados “países em desenvolvimento”, o PNUD
relacionava: 968 milhões de pessoas sem acesso a serviços de água potável, 2,4
bilhões sem acesso a saneamento básico, 854 milhões de adultos analfabetos,
325 milhões de crianças fora da escola, 163 milhões de crianças com menos de
cinco anos subnutridas (PNUD, 2001 apud Netto, 2007, p. 141).
conter sobrepreços e estimações excessivas, assim como a participação das empresas nas licitações, para verificar se
são garantidos os princípios da isonomia e igualdade, estabelecido pela Lei de Licitações (fonte: licitações.net.br,
referente às licitações realizadas pela Prefeitura de Várzea Grande). Mas até o momento irregularidades não foram
comprovadas, ainda que tenhamos clareza que no processo de beneficiamento do capital, a implantação do programa
veio responder à demanda do setor industrial e comercial mantendo as características, no que concerne ao
atendimento às necessidades dos trabalhadores, fragmentado e pontual, no que diz respeito a inserção no mercado de
trabalho num processo contraditório com ações concretas no campo da constituição de infraestrutura nos espaços (ou
“comunidades”) onde estes serviços são mais precarizados ou inexistentes.
84
O “senso comum” já convencionou o vínculo do PBF ao presidente Lula. Nos meios de comunicação oficiais e na
grande mídia, especialmente nos debates realizados durante o período eleitoral onde se punha a candidatura à
reeleição do referido presidente a discussão sobre a manutenção ou não do programa contribuiu para mobilizar os
segmentos mais pauperizados em torno de sua eleição, como medida para garantir a manutenção dos benefícios, visto
que os seguidos governos alteram os programas de combate à pobreza e que eles não se constituem como direito e
sim como benefícios, esta cultura é reproduzida e tem seus frutos nestes processos de representação. Atualmente, os
índices de aprovação do governo giram em torno de 84% (Pesquisa CNT/SENSUS, agosto/2009, consultada em
Último Segundo, www.ig.com.br), e nos últimos sete anos, não apresentam sinais de decréscimo, ainda que o corte
social deste governo não estabeleça patamares de consolidação de direitos nos marcos de uma Seguridade Social
ampliada, como já caracterizamos.
89
ao mesmo tempo, passa a fazer demagogia social com os trabalhadores
pauperizados, desorganizados e desinformados (Boito, 2005, p. 9).
Sua reeleição, junto com outros fatores, teve presente o apoio deste público
como medida de garantia da manutenção dos benefícios, visto que os seguidos governos
alteram os programas de combate à pobreza e que eles não se constituem como direito e
sim como benefícios, esta cultura é reproduzida e tem seus frutos nestes processos de
representação. Atualmente, os índices de aprovação do governo giram em torno de 84%
(CNT/SENSUS, 2009)86, e nos últimos sete anos, não apresentam sinais de decréscimo,
85
Durante as últimas eleições majoritárias (2006) uma das discussões era se permaneceria, ou não, o PBF. A
continuidade do programa foi um dos pilares de continuidade da atual gestão, visto o público que atinge, a
visibilidade nacional e internacional e o fato de concretamente alterar o patamar de renda de milhões de famílias.
Ainda que o marco das desigualdades permaneça e que a alteração no padrão de vida não seja ampliado por este
programa qualquer transferência de renda para famílias nos patamares de pobreza, ou extrema pobreza significa
alterações no consumo das mesmas. Este público não tem demonstrado potencial de mobilização, pelo menos, não há
registro de que ocorra qualquer tipo de pressão, seja para garantia do benefício, seja para sua ampliação, pois não está
parametrado como um direito, mas como um benefício socioassistencial.
86
Pesquisa CNT/SENSUS, agosto/2009, consultada em matéria da página “Último Segundo” (em www.ig.com.br).
Em seu 95º levantamento, divulgada em agosto deste ano, “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve 84% de
aprovação entre o eleitorado. Em dezembro de 2008, a aprovação do desempenho pessoal do presidente estava em
80,3% e a desaprovação, em 15,2%. Nas últimas treze rodadas da pesquisa, Lula vem apresentando melhora no índice
de aprovação. Em setembro de 2005, durante a crise do mensalão, Lula era aprovado por apenas 50% dos
entrevistados. O governo tinha obtido melhor índice na série histórica da pesquisa, iniciada em 1998, em janeiro de
2003, quando Lula assumiu a presidência com 83,6% de avaliação positiva” (Idem).
90
ainda que o corte social deste governo não estabeleça patamares de consolidação de
direitos nos marcos de uma Seguridade Social ampliada, como já caracterizamos.
O Programa Bolsa Família (PBF) foi lançado em 2003 pelo Governo Federal,
unificando os programas existentes, um programa de transferência de renda
condicionado pela educação (frequência escolar), saúde (acompanhamento de crianças
87
Texto “Orçamento Social do Governo Federal: 2001-2004” produzido pela Secretaria de Política Econômica do
Ministério da Fazenda em 2005, disponível em www.fazenda.gov.br.
88
“As classes de renda são construídas ordenando-se os indivíduos de acordo com sua renda domiciliar per capita. A
população assim ordenada é então dividida em dez grupos de igual tamanho, de forma que o primeiro grupo contém
os 10% mais pobres da população; o segundo grupo, os próximos 10% mais pobres, e assim por diante, até que o
último grupo seja formado pelos 10% mais ricos. De acordo com a PNAD 2003, o limite superior de renda domiciliar
per capita mensal desses grupos, convencionalmente denominados decis, são: R$50, R$82, R$115, R$150, R$197,
R$253, R$332, R$471, R$789” (SPE, 2005, p. 11).
91
até sete anos, pré-natal e acompanhamento de nutrizes entre quatorze e 44 anos) e
assistência social (freqüência nos programas socioeducativos), conforme abordamos. O
programa transfere valores de até R$ 182,00 famílias de acordo com sua renda e
composição familiar89.
Em outubro de 2003 foi lançado o Programa Bolsa Família, que unificou quatro
programas de transferência de renda, a saber: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação,
Auxílio-Gás e Cartão Alimentação (...). O programa procura incentivar ações
positivas para o rompimento do círculo da miséria e para a inclusão social. Para
isso, são estabelecidas algumas condicionalidades para receber o benefício, tais
como: exame pré-natal, acompanhamento nutricional e freqüência escolar. O
Programa Bolsa Família também tem ampliado o número de famílias
beneficiadas e quase triplicou o valor médio do benefício pago, que passou de
R$28,00 para R$75,00. Até o final de 2006 pretende-se atender 11,2 milhões de
famílias em situação de pobreza (SPE, 2005, p. 25).
89
São beneficiárias do PBF 11.233.127 de famílias em 5.564 municípios (referência ao mês de julho de 2009
segundo dados disponíveis no Sistema de Benefícios ao Cidadão (SIBEC), da Caixa Econômica Federal). Atualmente
os valores dos benefícios variam de R$ 22,00 à R$ 200,00 por famílias de renda entre R$ 70,00 e R$ 140,00 per
capita (informações com base no decreto 6.917/09 que passará a vigorar em 1º/09/2009 fonte: MDS). Atualmente o
valor médio dos benefícios é de R$ 85,00, a partir de 01º/09/09 as famílias receberão os benefícios reajustados: o
Básico (R$ 68,00 apenas para famílias que recebem até R$ 70,00 per capita), o Variável (no valor de R$ 22,00 para
crianças de até R$ 15 anos incompletos com até três benefícios por família com renda até R$ 140,00 per capita) e o
Variável Vinculado ao Adolescente de até 17 anos – BVJ (com até dois benefícios por família no valor de R$ 33,00).
A composição da renda para o cálculo inclui renda formal (salários, aposentadorias e pensões) e informal (do trabalho
informal e outras atividades geradoras de renda, que são declaradas pelo responsável familiar (titular do benefício)
das pessoas que moram no domicílio de referência (fonte: MDS).
92
A Pnad 2004 revelou o problema: do total de famílias com renda familiar per
capita inferior a um quarto do salário mínimo – aquelas, portanto, em situação
de indigência, pois essa é a linha de indigência considerada para habilitação [ao
BPC] –, metade não havia sido contemplada por nenhum tipo de auxílio.
Significa, portanto, dizer que o déficit de cobertura costuma afetar mais
gravemente aqueles grupos mais vulneráveis, mais desprotegidos, o que não é
exatamente o melhor meio de se combater a iniqüidade e a miséria (Lavinas,
2007, p. 61).
Ainda hoje existe um trabalho conjunto entre o Grupo Banco Mundial, FMI e
BID. Os empréstimos programáticos de ajuste e os de assistência técnica,
segundo os próprios relatórios de EAP, contribuem para atingir as metas
previstas nos programas controlados pelo FMI, como gestão da dívida e das
despesas públicas. Por sua vez, o BID prioriza as áreas de ensino médio e
superior e o setor urbano (saneamento, rodovias etc.) para realizar um forte
investimento no país (mais de 50% dos projetos em execução no Brasil),
90
Lavinas (2007) destaca que em 2004 14% das famílias (quase 7 milhões de famílias) saíram da faixa de renda
abaixo de R$ 100,00 per capita e que ainda permanecem os demais 43 milhões de pessoas ainda neste perfil - 86%
(p. 64).
93
apoiando de forma intensa o Programa de “Parcerias Público-Privado” (PPP).
Também existe uma divisão de responsabilidades e competências entre as cinco
entidades que integram o Grupo Banco Mundial, dentre elas, mencionaremos:
empréstimos, assistência técnica, financiamento de investimentos do setor
privado, programas de estímulo para atrair investimento estrangeiro,
consultorias para privatização, garantias contra riscos políticos para os
investidores estrangeiros, assessoramento para empresas comprometidas com o
social e com a questão ambiental, dentre outras (Pastorini e Galízia, 2006, p.
94).
94
Capítulo 2
A s s i s t e n c i a l i z a ç ã o d a s P o lí t i c a s S o c i a i s e o S e r v i ç o S o c i a l
95
2.1 O processo de assistencialização das políticas sociais e a proteção social no
Brasil
91
Para uma compreensão histórica deste processo ver: Capitulo 1 – seção 1.3.
96
neoliberal, que mantenha o ajuste fiscal duro, o juro real elevado, a política monetária
concentracionista, o câmbio flutuante e a livre movimentação de capitais” (2008, p. 36).
92
Esse aumento do investimento não se dá em todas as áreas. Pesquisas de Sicsú, Salvador, Boschetti, dentre outros,
indicam que esse aumento dos recursos – ainda aquém das necessidades da população – concentra-se em algumas
áreas e programas específicos.
93
Atualmente a proposta de criação das organizações sociais (que cria as fundações sociais para administrar os
hospitais etc) qualifica entidades privadas sem fins lucrativos (associações e fundações dentre outros), para
desenvolverem atividades consideradas de “interesse público”. Com esta qualificação estas organizações podem
habilitar-se para receber recursos públicos e administrar serviços, instalações e equipamentos através de contratos de
gestão com os governos. Trata-se de mais uma medida em que o Estado transfere para o setor privado a
responsabilidade de gestão e execução de políticas públicas de sua alçada e tem medidas encaminhadas no âmbito da
Saúde para a gestão dos equipamentos e serviços públicos da área.
97
É importante ressaltar que este processo de mudanças tem início nos anos 1980,
mas, devido o ascenso dos movimentos organizados dos trabalhadores, instalou-se uma
contradição entre garantias conquistadas no marco formal-legal e a implementação do
ideário neoliberal, na entrada da década de 1990, como vimos no caso brasileiro. Este
tensionamento não teve continuidade nos moldes do período de abertura democrática e a
concretização formal disputava com a grande pressão do capital internacional no sentido
dos ajustes neoliberais94:
Desde finais dos anos 80 o combate à pobreza transformou-se numa
condicionalidade dos empréstimos do BIRD. Ele está subjacente ao objetivo do
serviço da dívida: a redução da pobreza, sob o domínio dos organismos
multilaterais, implicando uma redução dos gastos sociais públicos e o
redirecionamento das despesas (focalizando as ações sociais para os pobres). A
criação do Fundo Social de Emergência (FSE) é um exemplo de mecanismo
flexível para “administrar a pobreza”, proposto por esses organismos
(Chassudovsky apud Pastorini e Galizia, 2006, p. 78).
94
Este processo implicou, inclusive, na cooptação de grandes lideranças dos movimentos que na década de 1980
expressaram-se como força política que mobilizou as conquistas que a classe trabalhadora (ainda) tem até hoje. Fica
mais claro, com o advento do governo petista – partido criado em 1980 no bojo das lutas entre capital e trabalho –
que segmentos comprometidos com uma programática anti-neoliberal, adotam uma medidas em consonância com o
ideário neoliberal. Ainda que haja tensões e contradições observáveis neste governo (diferente do anterior, vinculado
ao PSDB, partido social-democrata em sua composição), como já foi destacado se trata de uma gestão que se situa no
espectro de uma social-democracia tardia correspondente aos tempos atuais e marcada pela regressão de direitos e
garantias para a reprodução social da classe trabalhadora.
95
A social-democracia se fortalece no período “dourado” do capitalismo – quando havia a oposição entre modelos
societários opostos, capitalismo e socialismo – no qual foi possível avançar em conquistas para a classe trabalhadora.
Neste período de expansão do capital foi estabelecido um pacto entre classes, possibilitado pela superprodução e
necessidade de concretização da mais-valia extraída, no qual os partidários da social-democracia criam que os
avanços legislativos e graduais possibilitariam para uma transição societária (não necessariamente vinculada ao
socialismo, mas minimamente inscrito na lógica de um “capitalismo humanizado” para avançar em conquistas) sem a
necessidade de um processo revolucionário e de ditadura do proletariado (onde a maioria oprime a minoria, e o
conjunto de trabalhadores é responsável pela transição).
98
Já no atual contexto brasileiro, o trato das expressões da “questão social” se
estrutura no alívio da pobreza e na “parceria” com a iniciativa privada. É importante
destacar que no caso da assistência a significativa inserção do segmento do privado na
provisão da atenção aos setores que não têm acesso da proteção do Estado sempre
esteve presente. Entretanto, hoje, ela intensifica-se, expande-se, consolida-se,
assumindo em alguns casos características diferentes. Segundo Iamamoto (2008), as
políticas sociais, num processo de privatização e delegação de atribuições, passam a ser
co-executadas fundamentalmente sob a lógica da parceria entre o Estado e a sociedade
civil:
99
A política social bem focalizada e de natureza assistencial – a assistência ganha
paradoxalmente um estatuto maior nesse novo contexto e é a este paradoxo que
se refere a tese da assistencialização – é atribuída a capacidade de administrar
de forma tecnicamente competente os elementos que geram a pobreza e a
miséria, expressões mais agudas da questão social, inerente ao capitalismo e, em
geral, dramática na periferia do capital (Idem., p. 9).
100
dimensão setorial desta política, articulada às demais políticas sociais, para mediar o
acesso dos usuários à rede de serviços é rompida, funcionando numa lógica restrita às
ações desenvolvidas no seu interior.
Ainda que não haja relação direta entre focalização na pobreza e desarticulação
das políticas sociais, entendemos que o destaque dado à Assistência Social, nos moldes
do combate à pobreza focalizado, acontece em correspondência a desarticulação das
demais políticas sociais. Portanto, há uma participação central da Assistência Social
como medida de gestão da pobreza, sem que esta medida, que figura como
administração dos índices de indigência e pobreza absoluta compreenda a articulação
com políticas sociais de direito e garantias para além dela mesma, ou seja: habitação,
educação, saúde, trabalho e emprego etc.
A oferta pública torna-se cada vez mais restrita à população mais pauperizada,
sendo a ela destinados serviços assistenciais básicos e fundamentalmente emergenciais.
96
Conforme caracterizamos no Capítulo I, item 1.4 – Programas e Projetos da Assistência Social.
97
A alternativa de não ter acesso a nenhum serviço existe um compasso de espera de soluções “vindas do alto” que
não trazem mudanças significativas ao modelo implementado, mas se legitimam na lógica do neoliberalismo, como
“concessão”, “ajuda”, ou “favorecimentos” individuais e personalistas. Caso não haja mobilizações que impulsionem
alterações no sentido da afirmação de garantias e ampliação de direitos a tendência é que este processo se mantenha,
consolide e amplie.
101
Esta é uma característica histórica da Assistência Social e que não conseguiu ser
rompida pelos avanços pós-regulamentação98.
98
A regulamentação da Assistência Social com a Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8.742/1993), na PNAS
(2004) e no SUAS (2005), não avançam neste sentido, como vimos no Capítulo I.
102
desresponsabilidade e desoneração pública na execução direta, resultando no
seu enfraquecimento, tanto político quanto social (2006, p. 97).
Nesse sentido Rodrigues (2009) afirma o caráter parcial de muitas das análises
sobre o SUAS e ressalta que sua consolidação como política de Seguridade Social está
vinculada e mediada pelas ações presentes que determinarão sua construção tendo como
horizonte esta perspectiva.
103
Consideramos que o processo de assistencialização, e as mediações que já
sinalizamos, situam os avanços que podem ser construídos no campo da Assistência
Social numa arena de disputas na qual o peso maior é dado pelo direcionamento dos
organismos internacionais, implementadas com “sucesso” nos últimos anos, no que diz
respeito ao atendimento aos mais pobres dentre os pobres e a conformação de consensos
em torno desta perspectiva. A conjuntura de contra-reforma do Estado, engendrada na
década de 1990 e que continua em curso, e de desmonte da Seguridade Social brasileira
balizada na Constituição Federal de 1988 configura um cenário adverso para a
constituição de políticas públicas garantidoras de direito, conforme sinaliza Behring:
104
restritividade e da focalização da Assistência Social no combate à pobreza. Nesse
sentido,
99
Sabemos que o agrupamento destas interpretações pode produzir equívocos, mas se trata de um exercício teórico
que visa ilustrar e situar o debate, conhecer seus parâmetros e conhecer tendências. Não se trata de compor campos
em oposição ou de opor propostas distintas para a Assistência Social e para a Seguridade Social, ainda que estejam
presentes análises que partem de perspectivas e pontos de partida que não são unívocos. Entendemos que a
assistencialização é uma preocupação dos diferentes grupos de análise e situar de onde parte esta preocupação
contribuirá para pensarmos como se situa a intervenção no campo do Serviço Social e os desafios que são postos
neste processo para a profissão que atua predominantemente no campo das políticas sociais e, em especial, na
Seguridade Social.
100
O SUAS é sistema que operacionaliza a PNAS e é constituído pela esfera pública.
105
mais a quem tem menos” o que firma sua posição como política pública e de Seguridade
Social.
101
Cabe destacar formuladores de “peso” como Sposati, que possuem expressivas contribuições para esta política e,
neste caso, também para o Serviço Social.
106
Consideramos que o modelo implementado no governo Lula articula – diferente
do governo anterior – características dos dois modelos apontados por Netto (2001). No
âmbito da Assistência Social constitui um sistema público combinado com a execução
de serviços pela rede privada e filantrópica e, na constituição de suas ações, tem como
eixo central o combate à pobreza. Mesmo não estabelecendo novas garantias de
direitos102 esta gestão alcança um nível de coesão social que freia, inclusive, a
mobilização de segmentos que atualmente são aliados na garantia desta perspectiva para
as políticas sociais.
Esta perspectiva seria uma segunda referência, pois, por outro lado, a
Assistência Social ancorada na perspectiva da Seguridade Social, fundamentada numa
perspectiva redistributiva, que exige uma política econômica sintonizada com este
objetivo, não se pode focar no alívio da pobreza nem se consolidar como uma política
específica de caráter permanente. A administração da pobreza, determinação sob a qual
tem se desenvolvido esta política, não corrobora com constituição de políticas de
direito, do desenvolvimento de uma política econômica redistributiva, a geração de
empregos e de vínculos com a Seguridade Social que ofereçam proteção social no seu
espectro.
107
a imperar a lógica da administração de recursos mínimos de combate à pobreza
passando a caracterizar também as demais políticas que atendem a população mais
pauperizada. Uma necessária análise crítica deve apontar para um redirecionamento e
reformulação que garanta a implementação da Seguridade Social de forma que suas
políticas interajam, inclusive com outras políticas sociais.
108
historicamente estabelecidas103 – anteriores e posteriores ao seu reconhecimento e
operacionalização como política pública. Não se empreende um processo de
fortalecimento da Seguridade como um todo, da sua consolidação, mas, pelo contrário,
ocorre o aumento de programas e projetos assistenciais que vêm acompanhados de uma
redução do investimento público na política de saúde e de previdência social, políticas
integrantes da Seguridade, peça central do sistema de proteção social no Brasil.
103
São características presentes dede antes do reconhecimento desta política: a parceria com o setor privado, a
desvinculação orçamentária, a ausência do controle social (vários programas têm suas fontes de recursos
desvinculadas do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS).
109
ajuste fiscal e a focalização das políticas sociais no combate à pobreza estabelecido
como um dos traços do ideário neoliberal nos anos 1990. Com o ajuste fiscal as políticas
sociais passam a ser duramente afetadas e diminuídas, por terem seus recursos
reduzidos e/ou redirecionados, o que implica na focalização e seletividade dos
programas de corte social.
110
proteção social no Brasil. Reiterou-se uma leitura da realidade dicotomizando as esferas
da economia, da política e do “social” na formulação e execução desta última como se
estivesse desvinculada da política econômica que vem sendo empreendida nos últimos
anos.
Não se apontou para a alteração do quadro de desigualdade através de políticas
redistributivas, visto que para que esse modelo funcione é necessário que sejam
desenvolvidas políticas de “pleno emprego” orientadas numa perspectiva de proteção ao
trabalhador104.
Não podemos entender estas características como distorções do sistema de
proteção, pois nunca a universalização redistributiva foi colocada como o
objetivo primordial da sua organização. Isto se articula com a constituição do
caráter seletivo do Estado protetor brasileiro, que incluiu apenas parte dos
grupos de trabalhadores urbanos com vinculo formal de emprego que poderiam
ter um papel ativo de transformação social (real ou potencial) (Pastorini e
Galízia, 2006, p.81).
104
Enquanto a Seguridade Social possui um desenho que tende a amparar de forma regular os trabalhadores com
vínculo formal, a Assistência Social é uma política que, no bojo da Seguridade, atende aos que dela necessitam dentro
de um perfil da população que se encontra em situação de vulnerabilidade pela não-cobertura previdenciária. Ficam
de fora os trabalhadores pobres que não têm direito à previdência por não contribuírem ou que não podem acessar à
assistência porque, teoricamente, “podem trabalhar”. Isto ocorre num universo em que “40,6 milhões de pessoas não
são seguradas pela previdência (57,7% dos 70,5 milhões de ocupados: 10 anos ou mais), ou seja, 58 em cada 100
pessoas. Entre estes, 20,4 milhões (50,12%) não têm ou seus rendimentos são inferiores a um salário mínimo. Destes,
5 milhões são trabalhadores rurais e 15,4 milhões são urbanos” (fonte: Boschetti, 2003: Assistência Social no Brasil
após Dez Anos de LOAS: Tendências no Âmbito Federal).
111
Entendemos que não houve rupturas nos fundamentos que compõem a
perspectiva de combate à pobreza nos seguidos governos democráticos. As mudanças
nos programas centrais trouxeram algumas inovações para sua gestão e implementação
105
que não refletem alterações de fundo na condução das políticas sociais . Há uma
subversão dos valores e princípios constitutivos da regulamentação das políticas sociais
aliados a uma política econômica que submete reiteradamente as necessidades do
trabalho ao capital.
105
Os programas e projetos de enfrentamento da pobreza começam a tomar forma no governo FHC, seguindo as
orientações dos organismos internacionais, criando o Comunidade Solidária. O governo LULA cria o Programa
Fome Zero, que coordena os programas de enfrentamento da pobreza, tendo como carro-chefe o Programa Bolsa
Famílias. Mesmo com a regulamentação da Assistência Social com a PNAS e o SUAS não se rompe com a
focalização, como vimos no capítulo 1.
112
governamental, essa forma histórica com que a sociedade enfrentou a miséria, a
pauperização (Sposati et ali, 1986, p. 13).
113
que a Assistência constituída como política de Seguridade Social deve estar articulada
no interior da perspectiva de Seguridade e da sua relação mais ampla com as políticas
sociais garantidoras de direitos, mediadas por uma política econômica redistributiva e
com as demais políticas setoriais.
106
Verificar Capítulo 1, quando caracterizamos os programas e projetos da Assistência (item 1.4).
107
Como já caracterizamos no Capítulo 1 – O Contexto Histórico do Debate sobre a Assistencialização das Políticas
Sociais.
114
O cuidado e o desafio para a análise da política de Assistência Social hoje são
vislumbrar a sua relação com as demais políticas sociais e econômicas e não restringir
apenas a ela própria. Nesse sentido Behring alerta,
não podemos correr o risco de isolar a política de assistência social, vê-la em si,
a partir de um ângulo interno, fora das relações sociais que a circunscrevem e
tensionam, eliminando do cenário as contradições, os projetos, a política e a
relação com a economia e a luta de classes (2009, p.10-11).
Não cabe à Assistência Social a responsabilidade por atribuições que são das
políticas sociais em seu conjunto e, menos ainda, imputar competências e conseqüências
da política econômica. No entanto, a ausência de respostas via políticas sociais
afiançadoras de direitos, que garantem condições básicas de produção e reprodução –
tais como saúde, habitação, saneamento, iluminação, alimentação, educação, dentre
outras – se conjuga com o repasse da atribuição e da responsabilidade pela proteção
social à Assistência Social.
115
A concepção de Seguridade Social pautada pelos autores que citamos se ancora
na vinculação das políticas sociais, com base em um orçamento inconsistente para a
estruturação de programas, do desenvolvimento para geração de empregos, que implica
numa política econômica, diversa da encaminhada pelos últimos governos, oposta aos
pressupostos que hoje a orientam: ajuste fiscal e contingenciamento de recursos para
composição de superávit primário, que restringe os investimentos para acúmulo de
reservas para o pagamento de juros da dívida.
116
Segundo Sposati (2009) as duas posições estariam equivocadas ao referenciar a
assistencialização na Política de Assistência Social (Idem), pois entende que os avanços
que vêm sendo constituídos no campo desta política social constituem a consolidação de
conquistas históricas para os segmentos mais pauperizados da população.
108
Afirmação que se referencia nos autores trabalhados anteriormente, especialmente Behring, Boschetti, Mota,
Pastorini e Galízia, e Rodrigues.
117
Aspectos presentes nas duas perspectivas apontadas por Sposati (2009) estão
inseridas no contexto de assistencialização das políticas sociais. O
superdimensionamento da capacidade resolutiva da assistência no combate à pobreza é
um traço que pode ser evidenciado na prática e no discurso dos técnicos defensores das
diretrizes propostas pelos organismos internacionais, diretrizes estas que orientam o
redimensionamento das políticas sociais e põem os programas, projetos e benefícios de
assistenciais de combate à pobreza como eixo central das ações.
O trato das expressões da “questão social” adquire um caráter cada vez mais
emergencial, no sentido de articulação de respostas fragmentadas e compensatórias por
todas as políticas e a Assistência Social passa a cumprir papel preponderante no
atendimento das populações mais pauperizadas, constituindo-se como a porta de
entrada das ações assistenciais e para as demais políticas sociais para este público. Esta
política tem se constituído por um conjunto de programas e serviços paliativos, com
características históricas que se rearranjam e tomam novas denominações, mas que
consolidam práticas próprias do trato da “questão social” pelo Estado capitalista
baseadas na seletividade, na emergencialidade, na focalização na pobreza e nos
vulneráveis.
É preciso tornar claro que não se está tomando a emergência como a análise da
capacidade governamental em responder com prontidão e rapidez de ação. O
caráter de emergência é aqui conotado como respostas estatais eventuais e
fragmentadas. Com isto, as políticas sociais brasileiras terminam sendo mais um
118
conjunto de programas, cuja unidade se faz a reboque dos casuísmos de que
surgiram (Sposati, 1986, p. 23).
Numa perspectiva diferente Sposati destaca que esta política “não se identifica
nem com a resolutividade das desigualdades sociais e nem com a confirmação ou
alimentação das mesmas” (Sposati, 2009). A própria autora considera que a análise da
política per si, e as constatações advindas das ponderações circunscritas a ela, não são
suficientes para compreender as consequências do processo de assistencialização, ainda
que não o reconheça enquanto tal. Assim afirma,
Não basta a constatação empírica dos assistentes sociais de que a assistência que
acontece se reveste de um caráter paliativo, não resolvendo os problemas de
força de trabalho, que aumentam cada dia. Impossível uma leitura de assistência
de per si, sem atentar para as determinações sociais e históricas do significado
da assistência como política governamental, de sua imbricação com as relações
de classe e destas com o Estado (Sposati, 1986, p. 25).
119
pelo processo de disputa de concepções no interior das gestões nos diversos níveis de
governo. Destaca que iniciativas realizadas no âmbito das gestões municipais podem
superar o que considera limites postos pelo governo federal e que podem apontar para
soluções de referência para alterações na política de assistência, trabalhando na
perspectiva de explorar possibilidades e potencialidades desta política social.
110
O primeiro levantamento foi realizado em 2008, que identificou 5.142 centros em todo país. Em 2009 será
realizado o segundo levantamento incluindo a perspectiva de avaliação dos serviços prestados (fonte: Idem).
111
As intervenções realizadas por assistentes sociais que estão no MDS no Seminário supracitado e de outros gestores
do nível municipal apontava para uma defesa dos avanços e conquistas nos últimos cinco anos – de implementação
da PNAS e do SUAS – e para o caminho que está sendo trilhado pela assistência Social, seu crescimento e
fortalecimento no combate à pobreza.
120
anteriormente, mantêm a relação de serviços e benefícios destinados a sua população
usuária no escopo dos parâmetros de administração da pobreza.
112
Os dados mais recentes apontam para o quantitativo de 6.942 instituições com Certificado de Entidade
Beneficente de Assistência Social – CEBAS. Destas 64% no âmbito da Assistência Social, 16% na Saúde, 14% na
Educação e 6% não enquadrado. Este quantitativo só representa entidades com atuação em âmbito nacional (fonte:
CNAS em www.mds.gov.br/cnas).
113
O Estado possui agentes públicos para atuar na política, no entanto a execução dos programas no âmbito dos
municípios se dá através de contratações realizadas por ONG’s, que, no ProJovem Adolescente executado na
Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, contratam “orientadores sociai” para fazerem atividades com estes jovens,
são responsáveis pela compra e fornecimento de lanches para os mesmos, os recursos materiais, etc. Estas
contratações são precarizadas, há poucos profissionais que “supervisionam” e são contratados estagiários pelo prazo
de três meses, para que não sejam estabelecidos vínculos. A prestação de contas não é transparente e o próprio
programa vem como “pacote fechado” através do Governo Federal. O mesmo processo ocorre, como sinalizamos no
Capítulo I, no ProJovem Urbano e no PETI. Cabe aos agentes públicos “conferir” o andamento, sem gerência direta
sobre sua execução.
114
Estes fundamentos não sofrem ruptura significativa com as legislações que vieram regulamentá-la. Pelo contrário,
vêm se consolidar referendadas pela LOAS, pela PNAS e pela NOB, pois embora sua gestão caiba ao Estado, em
nenhum momento a legislação garante que ela seja executada por ele, pois as parcerias são mantidas nos
estabelecimento da relação público-privado na execução ações e serviços.
115
No Governo Lula, a formulação e implementação do Programa Fome Zero, tendo como principal medida o
Programa Bolsa Família, é modelo com status internacional, pela inovação na gesta e pela racionalização de recursos
e benefícios que segue, com “sucesso”, as orientações dos organismos internacionais para as medidas de combate à
121
Sposati (2009) entende que com a PNAS e o SUAS são rompidos paradigmas
históricos que estiveram presentes na trajetória da assistência e que o “fortalecimento da
política de assistência social [contribui] para que as outras políticas atinjam seus
objetivos quando ela deixa de ser o remendo das demais políticas sociais” (Idem.).
Entendemos que a articulação que esta política faz com as demais está
perpassada pelos aspectos do processo de precarização e focalização das demais
políticas sociais, como apontamos, e, ao invés de “potencializa-las”, imprime
características assistenciais para elas.
O MDS sustenta que o Programa Bolsa Família eleva o acesso à saúde116 por
meio da condicionalidade vinculada ao programa, pois, para o publico vinculado às
contrapartidas117, são destinadas ações para o cumprimento do calendário de vacinação,
verificação de peso em consultas semestrais. A Saúde, defendida como política que
atende preventivamente e “curativamente”, compreende medidas de atenção para além
das medidas estabelecidas nas condicionalidades, insuficientes para dar conta dos
diversos aspectos que compreendem uma concepção de saúde inscrita na Seguridade
Social118.
Ainda que algumas ações possam ser e venham sendo articuladas no âmbito da
Assistência Social para além dos programas de transferência de renda, as medidas
destinadas aos seus usuários restringem-se às suas ações e articulações internas, nos
próprios programas que oferece no âmbito da cultura, esporte e até de geração de
emprego e renda, subsumindo-a a ela mesma.
122
O público usuário da política de Assistência Social permanece
fundamentalmente circunscrito às ações desta política social, pois a rede de serviços
públicos não oferece condições para o atendimento às suas necessidades quando a eles
encaminhados, visto o processo de seletividade diante da precarização já caracterizada.
Seria necessário o desenvolvimento de políticas que estruturassem, desde serviços
básicos – como saneamento, água, rede elétrica – a serviços estruturais – como
habitação, por exemplo – como medidas de proteção social na perspectiva de uma
Seguridade Social ampliada.
123
Os mecanismos de proteção social no âmbito da Assistência Social, assim como
seus serviços e benefícios, caracterizaram-se historicamente como constitutivos de uma
perspectiva seletiva e fragmentada de acordo com o grau de necessidade demandada
dentre o público com maior grau de pobreza, numa perspectiva de benefício-privilégio.
Importa destacar a atualidade desta colocação das autoras uma vez que são
políticas precarizadas, características dos serviços público-estatais ofertados, mesmo nas
políticas de corte universal (como a saúde) que condicionam a sobrevivência, a vida ou
a morte da população pauperizada que as acessam e delas depende. As características
históricas das ações assistenciais pontuadas por Sposati et ali (1986) passam a estar
cada vez mais presentes na Seguridade Social. Ainda que a Saúde, por exemplo, não
seja destinada legalmente de forma exclusiva aos mais pobres, com a precarização deste
serviço no âmbito da esfera pública-estatal e a oferta de planos privados para as mais
diferenciadas faixas de renda acabam determinando o público que acessa
substancialmente a Saúde Pública.
124
despreocupação e a desvalorização pública dos sistemas de saúde público-
universais acabaram por produzir uma adaptabilidade da política de saúde como
um todo, orientando os benefícios para os setores mais pobres. O
redirecionamento de recursos públicos e/ou privados para programas
focalizados de todo tipo acaba, portanto, “assistencializando” alguns setores das
políticas permanentes (universais ou contributivas), fragilizando-as. Produz-se,
então, uma mudança na relação de importância ou predominância política entre
as diversas formas de proteção social. Enquanto o tradicional padrão de
proteção definia-se pelo predomínio político-social das políticas sociais
permanentes de saúde e aposentadorias – que, embora excludentes, garantiam
direitos sociais e, sobretudo certa força política às categorias de trabalhadores
protegidas –, os programas assistenciais eram considerados “complementares”.
No padrão que se está constituindo, estes últimos adquirem um status político
diferenciado superior, enquanto os permanentes e unificados experimentam
estratégias diversas de privatização, redução, seletividade, desresponsabilidade
e desoneração pública na execução direta, resultando no seu enfraquecimento,
tanto político quanto social (Pastorini e Galízia, 2006, p 97).
119
A previdência social vem passando por inúmeros processos de privatização desde a década de 1990 e que tem
como principal determinação tornar o acesso aos benefícios cada vez mais restritos, baseado no discurso do déficit
previdenciário e das fraudes no sistema.
120
Já trabalhadas no capítulo anterior quando discorremos sobre a contra-reforma da Previdência Social.
125
Neste momento, diante da precarização do trabalho e, sem dúvida, diante da
ausência de políticas estruturadoras, na maioria dos pequenos municípios
brasileiros, o trabalhador precarizado, informal, necessita remercantilizar o seu
acesso a determinados bens e serviços: transporte, infraestrutura, educação,
saúde. E neste sentido a assistência não se restringe mais da visão do que seria o
pobre. Hoje é o trabalhador pobre, é o trabalhador que tem renda, é ele também
usuário da política de assistência (Mota, 2009).
Desta forma é possível afirmar que no nosso entender a Assistência Social vem
se consolidando como substitutivo à proteção social, movimento contraposto aos
princípios defendidos amplamente no interior da categoria dos assistentes sociais como
a Seguridade Social necessária121.
Para Sposati (2009) é a redução dos parâmetros rebaixados para o acesso aos
serviços que garante a ruptura com categorias depreciativas do público usuário.
121
As indicações contidas na Carta de Maceió, documento resultante do XXIX Encontro Nacional CFESS/CRESS
realizado no ano 2000 e que aponta para um outro modelo de Seguridade Social e que, ainda hoje, é referência para a
categoria dos assistentes sociais na discussão dos princípios orientadores da proteção social no Brasil, indicam para
uma posição firme contra a perspectiva da focalização e denúncia pública propostas restritivas do acesso aos direitos
constituídos; considera que o desvio de recursos da seguridade social para a sustentação da política macroeconômica
faz parte de uma política regressiva do governo federal. Esta última característica que perdura aos dias atuais. A
defesa de uma proteção social implica, superar a fragmentação setorial engendrada à revelia do princípio
constitucional da Seguridade Social, a partir de sua tematização por meio dos eixos da gestão, controle social e
financiamento e de propostas no sentido da articulação das três políticas. A Carta de Maceió aponta, inclusive, para
um conceito mais amplo de seguridade social, que incorpore outras políticas sociais, constituindo um verdadeiro
padrão de proteção social no Brasil (CFESS, 2009).
122
Os “testes de meios” são a verificação das condições de vida particularmente vinculada à renda familiar e per
capita que determinam pelos programas e projetos para que o acesso seja viabilizado ou não.
126
Avançar a assistência social no campo dos direitos significa a crescente redução
dos testes de meios. Significa a prevalência da necessidade, significa o
abandono / ruptura das categorias: o carente, o necessitado, o excluído, todas
categorias altamente estigmatizadoras (Sposati, 2009).
Entendemos que se torna cada vez mais difícil romper com os “testes de meios”
quando o direcionamento das políticas sociais e econômicas aponta no sentido da
consolidação dos programas de combate à pobreza e quando a concepção de pobreza
que os orienta se restringe a mensurar estritamente à renda familiar para estabelecer
critérios de “entrada”.
123
Podem acessar o BPC as pessoas com necessidades especiais consideradas incapacitantes para o trabalho e os
idosos maiores de sessenta e cinco anos, que é o primeiro recorte, e que tenham conjugada a estas condições renda
familiar de até um quarto do salário mínimo, hoje de R$ 465,00 (R$ 116,25). Em 2005 o BPC atendia a cerca de 2,2
milhões de pessoas (entre idosos e pessoas com deficiência) dentre os mais pobres, somando cerca de R$ 8,5 bilhões
em recursos (Lavinas, 2007, p. 59). O governo dever arcar com os custos dos benefícios independente do número de
demandantes, desde que estejam “classificados” dentro dos critérios supracitados, diferente dos programas de
transferência de renda, como o PBF, que tem metas limitadas de beneficiários.
127
precariamente aqueles setores da população que não podem acessar estes serviços no
mercado e aqueles que não obtêm proteção social como decorrência do seu vínculo
empregatício.
128
2.2 – Trabalho e Assistência Social
124
Entendemos que o conceito de “exclusão” escamoteia a “questão social” ao denominar a população pauperizada
como “excluída” e considerando o “fenômeno” da pobreza sem explicar sua funcionalidade na reprodução a ordem
capitalista, nem como resultado da produção e concentração de riquezas na mesma medida em que produz o
pauperismo. Como afirma Maranhão (2008) “Com a teoria da ‘exclusão social’, temos diante de nós um conceito que
mais obscurece do que esclarece a totalidade das relações sociais em que o fenômeno está envolvido, e, por isso,
deixa de apreender as condições concretas que fazem do desemprego crescente, e da pauperização ampliada, parte
constitutiva da dinâmica social contemporânea” (p. 96).
129
de exteriorização do homem está determinada pela forma de sociedade em que ele vive,
“a exteriorização da individualidade é também uma exteriorização de um dado patamar
específico de desenvolvimento social (...) em poucas palavras: ao transformar o real, o
sujeito também se transforma” (Idem., p. 11).
A classe trabalhadora, tendo em vista que possui somente a sua força de trabalho
e depende de sua venda para sua reprodução, é, por isso, a maior interessada na
alteração dos patamares de concentração e de distribuição de renda e da ampliação do
acesso à riqueza socialmente produzida. Mas estas melhores condições, ainda que já
tenham alcançado patamares diferenciados nos países centrais, possuem limites
endógenos ao sistema em que está situada.
130
A classe operária deve saber que o sistema atual, mesmo com todas as misérias
que lhe impõe, engendra simultaneamente as condições materiais e as formas
sociais necessárias para uma reconstrução econômica da sociedade. Em vez do
lema conservador de: “Um salário justo por uma jornada de trabalho justa!”,
deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária: “Abolição do
sistema de trabalho assalariado!” (s.d., p.378).
131
Nos países centrais, destaca Boschetti (2004), o Estado Social foi orientado pelo
primado do trabalho como direito e foram garantidos direitos derivados do exercício do
trabalho.
125
Iamamoto (2008) destaca esta inversão da incorporação de trabalho morto pela forma de organização do trabalho
pelo capital: “O processo de trabalho organizado pelo capital é presidido por uma inversão: o trabalho vivo é simples
meio de valorização dos valores existentes expressos nos meios de produção. Tem-se o domínio do trabalho
objetivado nos meios de produção, nas coisas, sobre o trabalho vivo, ou seja, sobre o trabalhador” (2008, p. 249).
132
Este avanço das forças produtivas e redução do trabalho vivo na
contemporaneidade implica num desemprego estrutural, o que, por sua vez, contribui
também para a desmobilização da organização dos trabalhadores e conduz a um refluxo
na luta pela reversão das condições precárias de trabalho e da desestruturação dos
direitos de proteção ao trabalho.
Pelo que concerne à limitação da jornada de trabalho (...) nunca foi ela
regulamentada senão por intervenção legislativa. E sem a constante pressão
dos operários agindo por fora, nunca essa intervenção se daria. Em todo caso,
este resultado não teria sido alcançado por meio de convênios privados entre os
operários e os capitalistas. E esta necessidade mesma de uma ação política
geral é precisamente o que demonstra que, na luta puramente econômica, o
capital é a parte mais forte (MARX, s.d., p.375).
126
O trabalho livre, como meio de atendimento às necessidades e desenvolvimento das capacidades humanas, se
inscreve numa perspectiva emancipatória que supõe o fim do trabalho assalariado, de sua forma alienada, que limita o
desenvolvimento destas capacidades e assume uma função de meio de vida oposta ao trabalho livre, horizonte da
construção de uma nova ordem societária, oposta ao capitalismo.
133
Como vimos, os programas e projetos estruturados no âmbito da Assistência
Social estão perpassados pela lógica da administração da pobreza, respondem às
necessidades fundamentais de reprodução social dos segmentos mais pauperizados da
classe trabalhadora, mas, no entanto, repõem as expressões da “questão social” em
outros patamares, pois não são oferecidas garantias no âmbito das políticas sociais ao
atendimento das necessidades sociais numa perspectiva ampliada da Seguridade Social.
127
O trabalhador precarizado (ou desempregado) sem vínculos previdenciários não possui garantias na ocorrência de
interrupções temporárias e/ou permanentes. Caberia a Assistência assisti-los, quando não houvesse vínculo com a
Previdência Social, política contributiva e destinada somente àqueles que tiverem um mínimo de contribuições ou
estejam cobertos por legislações específicas (como o trabalhador rural e doméstico) provendo-lhe condições para o
atendimento às suas necessidades de reprodução social.
134
distintos conviviam no globo e o capitalismo tinha um modelo societário concreto para
competir: o comunismo.
128
Maranhão (2008) destaca que com “a expansão da superpopulação relativa, cria-se assim tanto uma população
proletarizada, sempre pronta a atender aos anseios do capital por trabalho, como, também, uma massa de
desocupados duradouros e miseráveis que estão totalmente espoliados dos mais básicos meios de subsistência” (p.
105).Estes programas têm por objetivo prestar atendimento no sentido de “aliviar” a pobreza destes últimos.
135
A expansão do direito à Seguridade Social apenas através da Assistência Social
pode significar a perpetuação da segmentação ou dualização da proteção, da reprodução
destas famílias de forma precária e insegura, sem proteção por parte do poder público.
Ainda é a previdência social que garante cobertura nos casos de incapacidade para o
trabalho quando se trata dos contribuintes. Nas formas precarizadas de atividades
econômicas em geral os patamares de renda continuam não alcançando o mínimo que
seja suficiente, inclusive, para contribuir de forma autônoma com a previdência,
passando portanto a serem protegidos pela Assistência Social ou ficando à mercê da
solidariedade social, caso não possam acessar os serviços privados.
136
“físicas” permanentes ou temporárias – os idosos, pessoas com deficiência, crianças e
mulheres – e aqueles que por necessidades não-permanentes não tem sua força de
trabalho incorporada no mercado, daí a necessidade de estratégias de “inclusão”, já que
a lógica imprimida pela burguesia qualifica o mercado para “dar conta” da incorporação
de todos e cabe ao Estado capacitar aos “inaptos” ou “incapazes” ou absorver suas
demandas, quando estas limitações forem consideradas irreversíveis.
A lógica imperativa da “inclusão” é dar à população a possibilidade de
qualificação e educação que nunca teve, por meio de capacitação profissional, cursos,
acesso ao ensino básico, dentre outros – resgatando a histórica “dívida social” – para
que sejam equiparadas às condições básicas e permitir a concorrência, seja através da
sua inserção no mercado de trabalho (formal ou informal) ou pela via do consumo 129.
As condições para colocar a pauta dos direitos com base em interesses comuns à
classe trabalhadora e que contemplem os diferentes segmentos supõe um nível de
consciência de classe que não restrinja a luta mais geral dos trabalhadores apenas à
manutenção de direitos já conquistados e ameaçados, mas uma característica dos tempos
atuais é a constante ameaça destes interesses, que põem estes movimentos em posição
defensiva, o que também é necessário para a manutenção de conquistas históricas.
A expressão política das classes supõe sua existência social objetiva, isto é,
condições históricas que tornem possível interesses sociais comuns e sua
apropriação coletiva pelos indivíduos sociais. Interesses que ultrapassam a
mera dimensão econômico-corporativa, elevando-se a uma dimensão universal.
Esse movimento dos sujeitos sociais, de apropriação coletiva e organização de
seus interesses, revela-se como processo de luta e de formação da consciência
de classe. Adquire visibilidade pública através da ação voltada à defesa de seus
interesses comuns ante os das demais classes, dotando-os de universalidade
(Iamamoto, 2001, p. 82).
Mota (2008) destaca a Assistência Social, dentre as políticas sociais, passa a ser
operada como “a” medida de proteção social, o que lhe imprime a condição de mito
129
Cf. Capítulo 1, a análise dos programas e projetos de Assistência Social, no item 1.4.
137
social. Infunde-se, portanto, o conteúdo ideológico de que, mesmo restringindo-se à
ampliação desta política, teríamos a alteração da lógica da reprodução da pobreza e da
desigualdade social. Na verdade, as condições em que se inscreve prática e
ideologicamente são determinadas pelas condições estruturais de precarização do
trabalho e desemprego estrutural. Em suas palavras:
138
que se construíram, em um processo de conquistas, os direitos sociais, a
Seguridade Social (Yasbek, 2002, p. 52).
O modelo de Seguridade Social e a proteção social que pode ser oferecida por
ele se ancoram no direito ao trabalho e coloca limites estruturais que não admitem sua
consolidação na sociedade capitalista, visto que pressupõe a universalização deste
direito. Para Boschetti (2008) “este modelo só universaliza direitos sociais se
universalizar, igualmente, o direito ao trabalho, já que ela é condicionada ao acesso a
um trabalho estável e que permita a contribuição à seguridade social” (p. 177).
139
governo, trabalhadores e usuários da política de Assistência Social nos conselhos e
conferências da política130.
140
composição dos conselhos, entretanto, o debate dos conselhos também encontra
limitações na medida em que se configuram como esfera de construção da política em
parceria com o Estado e sua representação.
Não consideramos que aos conselhos deva ser atribuído todo o peso de avanço
em conquista ou que se mistifique a participação dos usuários como alavanca para a
conquista e consolidação de direitos, visto as características próprias desta política e,
sobretudo, da concepção e do funcionamento concreto dos conselhos. Por outro lado,
sem fomentar formas de mobilização não será possível avançar concretamente na
direção da afirmação de direitos e garantias de condições de vida para os trabalhadores.
As formas de fomento à mobilização inscritas na dimensão política e educativa da
prática profissional voltadas a população mais pauperizada são limitadas pelas próprias
garantias de reprodução social destes segmentos têm (ou não) acesso e também são
perpassadas pelo processo de assistencialização das políticas sociais.
toda Seguridade Social tem uma base material, ela existe a partir de
determinações objetivas na dinâmica da sociedade, que transitam da esfera das
estruturas materiais, econômicas para a esfera da política e quando transitam
para a esfera da política estes mecanismos de reprodução. Embora tenham uma
relativa autonomia, eles reiteram o campo da reprodução social e podem, (...)
sem deixar de ser uma política, sem deixar de ser um direito, também se
transformar numa ideologia (Mota, 2009).
Entende-se, a nosso ver, que esta política não tem a participação efetiva dos seus
usuários no controle social e que esta seria uma das formas de garantir um
tensionamento dentro dela, assim como os avanços necessários para a constituição de
141
direitos, de políticas estatais, para aqueles que necessitam e demandam os programas e
políticas de assistência social.
Ao assistente social, considerado como um dos mediadores do acesso a serviços,
se atribui a responsabilidade pela mobilização dos sujeitos que são atendidos por esta
política através do uso de metodologias participativas no uso de sua “criatividade” para
a formulação de estratégias em seu trabalho cotidiano. É propriamente o rebatimento
das tendências do processo de assistencialização das políticas sociais na prática
profissional (e nas suas estratégias diante dela) o objeto da próxima seção.
142
2.3 Rebatimentos do Processo de Assistencialização das Políticas Sociais no Serviço
Social
Conforme pontuamos o reordenamento das políticas sociais e o processo de
assistencialização das mesmas possui rebatimentos concretos para o Serviço Social,
visto que estas políticas são os principais espaços ocupacionais para a profissão.
Buscamos ilustrar como estas características podem ser observadas na intervenção
destes profissionais relaciona-se com o superdimensionamento da dimensão política
presente na atuação profissional que se expressaria em medidas propostas por estes
sujeitos no fomento da mobilização dos usuários que atende, especialmente na
Assistência Social.
Assim destaca Iamamoto (2004) quando pondera o reordenamento das políticas
públicas e os rebatimentos nos espaços ocupacionais compostos por elas:
Observa-se uma clara tendência de deslocamento das ações governamentais
públicas - de abrangência universal, - no trato das necessidades sociais em favor
da privatização, instituindo critérios de seletividade no atendimento aos direitos
sociais. Esse deslocamento da satisfação de necessidades da esfera do direito
público para o direito privado ocorre em detrimento das lutas e de conquistas
sociais e políticas extensivas a todos. É exatamente o legado de direitos
conquistados nos últimos séculos, que hoje está sendo desmontados nos
governos de orientação neoliberal, em uma nítida regressão da cidadania que
tende a ser reduzida às suas dimensões civil e política, erodindo a cidadania
social. Transfere-se para distintos segmentos da sociedade civil significativa
parcela da prestação de serviços sociais, afetando diretamente o espaço
ocupacional de várias categorias profissionais, dentre as quais os assistentes
sociais. (Iamamoto, 2004, pp. 24-25).
143
Compreendemos que o desafio posto está entre demandas profissionais e os
projetos profissionais que orientam o exercício dos assistentes sociais. No bojo do
processo de assistencialização das políticas sociais ao Serviço Social se põe o desafio de
atuar e formular respostas no espectro do seu projeto profissional, pois este agente
figura, dentre os gestores, formuladores e executores de ações nestas políticas públicas
e, em particular e com expressividade na Assistência Social com inserção nos três níveis
de governo.
É através da compreensão do espaço em que se situa a intervenção profissional e
as mediações pelas quais está perpassada, que poderemos tecer considerações que nos
levem as respostas para as atuais tendências que se apontam para a intervenção
profissional.
144
Referindo-se à dimensão assistencial das políticas sociais, Iamamoto (2000), em
texto redigido em 1981, caracterizava a prática do assistente social relacionando-a
diretamente à prática de assistência, pois a ação profissional, – ainda que perpassada
pela dimensão intelectual na dimensão educativa da prática profissional direcionada a
população atendida (dimensão sócio-educativa) – constituía-se pela prestação de
serviços através dos recursos institucionais disponíveis, através da aplicação de critérios
de acessibilidade e com um caráter predominantemente em torno das necessidades
básicas e urgentes dos mesmos (dimensão assistencial).
se realize através da prestação dos serviços sociais, previstos e efetivados pelas
entidades a que o profissional se vincula contratualmente. Este tipo de prática
faz do Assistente Social um “profissional da Assistência”, já que ele opera com
recursos institucionais para a prestação de serviços, racionalizando e
administrando sua distribuição, controlando o acesso e o uso desses serviços
pela “clientela” (...). A prestação de serviços imediatos em que interfere o
Assistente Social contribui para que sejam atendidas as necessidades básicas e
urgentes de sobrevivência das classes trabalhadoras, especialmente de seus
segmentos mais pauperizados, contribuindo com sua reprodução material. É
acoplado a esses serviços buscados pela população que o profissional
desempenha suas funções tipicamente intelectuais (Iamamoto, 2000, pp. 40-41).
145
regulamentam a profissão132 está perpassada pelas mudanças no trato da “questão
social” pelo Estado via políticas sociais. A constituição de projeto profissional que
refletisse a auto-imagem da profissão, em seus objetivos e sua direção social se
processou de acordo com o amadurecimento e acúmulo teórico-político da categoria e
pôde-se ver refletido no conjunto de leis que regulamentam seu exercício atualmente
(código de ética, lei de regulamentação, diretrizes curriculares).
132
A profissão é regulamentada pela lei 8.662/1993 (resolução CFAS n° 273/1993) e antes fundamentado pelo
decreto nº 994 de 15 de maio de 1962 que regulamentada a lei 3.852/57, que vigorou até 1993. Vigoraram quatro
códigos de ética antes de 1993 nos seguintes anos: 1947, 1965, 1975 e 1986. O primeiro (1947) regia-se pela
moralidade cristã, o assistente social tinha como dever “Cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de
Deus, os direitos naturais do homem, inspirando-se sempre, em todos seus atos profissionais, no bem comum e nos
dispositivos de lei, tendo em mente o juramento prestado diante do testemunho de Deus”. Em 1965, após a
regulamentação da profissão, esta perspectiva não está presente, mas a atividade profissional ainda assume uma
perspectiva conservadora no qual a zelar pela família, pela sua integridade e estabilidade (art. 6º dos deveres)
baseando-se no bem comum e na integração social (art. 7º dos deveres). O código de 1975 é parametrado pela
perspectiva do “bem comum”, “como conjunto das condições materiais e morais concretas nas quais cada cidadão
poderá viver humana e livremente” e a “justiça social” entendendo justiça social como razão deste bem comum
(valores são essenciais à plena realização da pessoa humana). O código de 1986 em sua apresentação afirma que ele
expressa diretrizes para a profissão, que são determinadas socialmente e “traz a marca da conjuntura atual da
sociedade brasileira” e aponta para garantias de uma “nova proposta da prática dos Assistentes Sociais”. Consolida-
se em 1993 o código que orienta o exercício profissional com base em onze princípios fundamentais e na
normatização coerentes com o período histórico e a perspectiva que hegemonizava a categoria e suas entidades
representativas naquele momento.
146
a renovação destas práticas levou ao amadurecimento das reflexões que foram insumos
importantes para a elaboração do código vigente.
O código de ética de 1986 133 que era marcado pelo perfil da organização da
categoria e suas entidades representativas, que se alinhavam ao movimento social e ao
processo de abertura democrática, com um claro reconhecimento da sua função social
vinculada a reprodução do trabalhador e uma direção social voltada para a garantia de
seus interesses e direitos. Nesse sentido, Vinagre disse:
133
Aprovado em 09 de maio de 1986 pela Resolução CFAS Nº 195/86.
134
Aprovado em 1993 e regulamentado pela Resolução CFESS nº 273, de 13 de março de 1993 e em vigor para
orientar o exercício profissional.
147
exigência democrática: a democracia é tomada como valor ético-político
central, na medida em que é o único padrão de organização político-social capaz
de assegurar a explicitação dos valores essenciais da liberdade e da eqüidade. É
ela, ademais, que favorece a ultrapassagem das limitações reais que a ordem
burguesa impõe ao desenvolvimento pleno da cidadania, dos direitos e garantias
individuais e sociais e das tendências à autonomia e à autogestão social. Em
segundo lugar, cuidou-se de precisar a normatização do exercício profissional
de modo a permitir que aqueles valores sejam retraduzidos no relacionamento
entre assistentes sociais, instituições/organizações e população, preservando-se
os direitos e deveres profissionais, a qualidade dos serviços e a responsabilidade
diante do usuário (Vinagre, 1993).
Esta marca do código de 1993 era um elemento que indicava a sintonização com
as questões da sua época, a movimentação dos assistentes sociais e sua organização, a
consolidação da Constituição Federal de 1988, o amadurecimento da categoria
profissional na medida em que se pensa o Serviço Social a partir da sua inserção na
divisão do trabalho. A sintonia com os interesses dos trabalhadores sem dúvida é contra-
148
hegemônica, mas a forma como se consolidam os projetos profissionais são intrínsecas
também ao projeto societário vigente.
É necessário observar estas mediações para entender as transformações que
ocorrem na atuação do assistente social, nas demandas, campos profissionais e práticas
concretas. Tensões e divergências que convivem no interior da categoria dos assistentes
sociais têm determinado espaços de disputa, pois tomam fôlego com as alterações
decorrentes da configuração das políticas sociais e rebatem no Serviço Social, pois a
expressão da profissão na realidade e sua intervenção são mediadas pelas conjunturas e
pelo modelo de sociedade.
135
Segundo Sposati (2009) 63% da força de trabalho que desenvolve diferentes atividades na Política de Assistência
Social no âmbito da implementação do SUAS possui ensino fundamental e médio.
149
demonstrar com rigor a falácia e o equívoco de subsumir o exercício
profissional a exigências de natureza político-partidária (Netto, 2007, p. 165).
Uma outra questão importante a ser levada em consideração é a idéia que existe
um consenso no interior da categoria, mesmo contemplando sua composição
heterogênea, em torno da pobreza e sobre a forma “conforme a qual deve ser amenizada
e reduzida” (Netto, 2007, p. 165). O mesmo autor destaca que a forma que se
compreende o fenômeno e o analisa vai determinar, também na categoria, a maneira de
se encaminhar a atuação profissional. Diferentes análises levarão as perspectivas
diversas em torno da atuação profissional.
150
intervenção dos assistentes sociais e incluindo outras novas questões para o futuro da
profissão. Segundo Rodrigues “poderíamos dizer que esta assistencialização da
seguridade, esta perspectiva de reduzi-la à política de assistência social, não apenas
confronta e destoa com as lutas da categoria: ela também destoa daquilo que pode ser,
no futuro, o próprio trabalho dos assistentes sociais” (2009, p.24).
136
Em debate atualmente no conjunto CFESS/CRESS está a Resolução que veta as práticas terapêuticas reivindicada
por segmentos profissionais como exercício profissional congruente com o projeto ético-político e que desenvolve
ações no âmbito da terapia de famílias, como especialização da prática (que não é exclusiva de qualquer profissão),
mas que, a nosso ver, tratam a “questão social” fora da leitura hegemônica no Serviço Social – como já sinalizamos –
e é uma distorção de atribuições e competências previstas nos artigos 4º e 5º da Lei de Regulamentação da Profissão
(Cf. Revista Em Foco sobre Serviço Social Clínico, CRESS, 2005).
137
Expressão utilizada por Sposati (2009) citando Netto (2008) no Seminário “O Trabalho do Assistente Social no
SUAS” (CFESS/CRESS, 2009) que caracterizaria a capitulação de segmentos profissionais diante do cenário
regressivo para constituição de direitos numa concepção ampliada. Esta perspectiva se orienta pelo que é possível
articular nos moldes do receituário neoliberal, traduzindo-se numa “social-democracia tardia e impotente” que se
contrapõe a perspectiva de afirmação de direitos como horizonte estratégico (Netto apud Sposati, 2009).
151
vínculos precários de trabalho) interpõem limites que não dependem da vontade e
mobilização somente destes sujeitos profissionais.
152
Superar a leitura fetichizada do assistencial no Serviço Social é movimento que
vai além da questão profissional. Implica, de um lado, apreender o assistencial
como mecanismo histórico presente nas políticas brasileiras de corte social. De
outro, criar estratégias para reverter essas políticas na conjuntura da crise da
sociedade brasileira para os interesses populares. A nível da prática do
assistente social esta superação implica ainda o desvelamento da assistência
como instância de mediação inerente ao Serviço Social (Idem, p. 53).
153
perspectiva essa orientada pela necessária relação entre as políticas sociais e não na
exclusividade da Assistência Social como política de proteção social.
Para a efetivação da Assistência Social como política pública, contudo, é
imprescindível sua integração e articulação à seguridade social e às demais
políticas sociais. Por isso, a concepção de Assistência Social e sua
materialização em forma de proteção social básica e especial (de média e alta
complexidade) conforme previsto na PNAS/SUAS, requer situar e articular
estas modalidades de proteção social ao conjunto das proteções previstas pela
Seguridade Social. Dito de outro modo, a Assistência Social não pode ser
entendida como uma política exclusiva de proteção social, mas se deve articular
seus serviços e benefícios aos direitos assegurados pelas demais políticas
sociais, a fim de estabelecer, no âmbito da Seguridade Social, um amplo sistema
de proteção social (CFESS /CFP, 2007, p.11).
Ainda que este código seja orientado por estes princípios, não cabe como
atribuição própria “ao” assistente social articular os direitos nesta perspectiva, mas ao
movimento de trabalhadores organizados a luta por garanti-los, visto que este não é o
objetivo do Estado no capitalismo. A contradição reside entre as respostas que são
operadas pela política e a capacidade de mediar situações fora desta lógica.
154
famílias” – mas, uma vez mais, situa uma contradição entre os limites e possibilidades
profissionais, visto a forma como se organizam os serviços e as possibilidades concretas
de reversão desta lógica.
139
Como assinalou Engels, em discurso na ocasião do funeral de Marx: “Assim como Darwin em relação a lei do
desenvolvimento dos organismos naturais, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da História humana: o simples
fato, escondido sobre crescente manto ideológico, de que os homens reclamam antes de tudo comida, bebida, moradia
e vestuário, antes de poderem praticar a política, ciência, arte, religião, etc.; que portanto a produção imediata de
víveres e com isso o correspondente estágio econômico de um povo ou de uma época constitui o fundamento a parir
do qual as instituições políticas, as instituições jurídicas, a arte e mesmo as noções religiosas do povo em questão se
desenvolve, na ordem em elas devem ser explicadas – e não ao contrário como nós até então fazíamos” (Fragmento
do discurso de Engels no funeral de Marx em 18 de março de 1883: arquivo consultado na página eletrônica
http://www.marxists.org/portugues/marx/1883/03/22.htm)
155
dos segmentos “subalternos”. A consciência de classe é determinação fundamental e a
capacidade que cada segmento dos trabalhadores, submetidas às formas como se
inserem no mercado de trabalham, determina também como se estabelece a correlação
de forças políticas para a obtenção das garantias assinaladas.
140
Iamamoto ainda trabalha duas outras teses que aqui não serão detalhadas, quais sejam: a tese da identidade
alienada e da correlação de forças, pois entendemos que ainda que aspectos presentes nestas teses permeiem a
discussão sobre as tendências para o Serviço Social na atualidade, nosso objeto se circunscreve, a nosso ver, no
debate exposto nas demais teses por ela trabalhadas, quais sejam: sincretismo e prática indiferenciada;assistência
social; proteção social; e dimensão pedagógica do assistente social (Cf. Iamamoto, 2008).
156
realidade atual no que concerne a atuação profissional, e a possíveis leituras da sua
forma de intervenção.
141
Como vimos no item programas e projetos e assistencialização das políticas sociais.
157
dos serviços de assistência social e pela vinculação que a profissão teve historicamente
na formulação e implementação desta política.
É possível que a retomada desta perspectiva, não na forma que foi fundamentada
por Santos (1982), mas “renovada”, tenha espaço diante da expansão da Assistência
Social como espaço de atuação dos assistentes sociais e, mais, como expressão de uma
prática assistencial nas diversas políticas sociais, visto que, como destacamos no
capítulo anterior, o caráter pontual e fragmentado das políticas sociais demanda uma
ação profissional neste mesmo sentido.
142
Retomaremos o debate da “participação popular” e sobre os conselhos de direitos e de políticas nas considerações
finais
158
parte do “universo dos dominados, dos submetidos à exploração e à exclusão
social, econômica e política” e tem na contraface, o “exercício do domínio ou
direção através de relações político-sociais em que predominam os interesses
dos que detêm poder econômico e a decisão política” (Yasbek apud Iamamoto,
2008, p. 306).
Uma leitura crítica das políticas sociais e o apoio à Seguridade Social como
direção tática supõem um dimensionamento da assistência social articulado às demais
políticas sociais e implica na sua construção através de ações estatais e direitos que
atendam aos que dela necessitam pela sua condição de inserção no mercado de trabalho
e não por critérios de renda baseados nos índices de indigência e miséria.
159
Esta tese da assistência social responde ainda a alguns segmentos profissionais
que entendem esta política como protagônica da inserção do assistente social. Mas são
programas em que estes profissionais assumem papel central na administração dos
testes de meios e na garantia de acesso aos seus benefícios de acordo com os critérios
definidos por ela, mas reflete somente os limites que situam a intervenção profissional
na dimensão assistencial das políticas sociais.
160
– resultante da exploração da força de trabalho da primeira. Diferimos este processo de
uma condição subalterna meramente vinculada às condições mais imediatas de
sobrevivência do segmento mais pauperizado dos trabalhadores, segmentando-os da
classe trabalhadora como “categoria” específica – ainda que tenha especificidades na
constituição do seu processo organizativo coletivo – e com interesses próprios
secundários aos da classe genérica, conformando uma organização específica em defesa
de seus direitos fora da composição de garantias numa perspectiva ampliada de
reprodução social no espectro de uma Seguridade Social ampliada, que exige a
organização dos trabalhadores como classe-para-si, quando interesses em oposição
ganham dimensão política e deixam de ser apenas pelas determinações “comuns” de
vida (classe-em-si) e que suas vanguardas desta classe tomem também para si as
bandeiras de luta em defesa de direitos para todos as suas frações, numa organização
conjunta de demandas143.
Os “velhos paradigmas” destacados por Costa são, a nosso ver, eixos que
fundamentam a ordem capitalista e não são superados sem a superação do seu modo de
produção e reprodução da vida social. A nosso ver, tratam-se de pressupostos essenciais
para o entendimento de como se configuram as demandas postas à profissão e a
configuração dos seus espaços ocupacionais.
161
Os ganhos do pensamento marxista para a leitura da realidade nos permitem
alçar formulações que impliquem na constituição de um sistema de proteção social
ancorado lógica diferenciada com conquistas possíveis ainda nos marcos do
capitalismo, mas que apontam para a necessidade de uma nova ordem societária para a
sua realização em sua plenitude.
Nos marcos do ideário neoliberal esta tese vem corroborar com uma perspectiva
que responsabiliza aos segmentos dos trabalhadores sem garantias de proteção social
por meio das políticas sociais por construir respostas às suas necessidades que são
oriundas das condições estruturais que geram a desigualdade e a pauperização.
162
A tese da função pedagógica do assistente social é influenciada, segundo
Iamamoto (2008), por Gramsci e é mediada “pelas políticas públicas – em especial a
assistência social – e pelos processos organizativos e lutas das classes subalternas,
inscrita pelos processos organizativos e lutas das classes subalternas, inscrita nos
processos de organização da cultura por parte das classes sociais” (Iamamoto, 2008,
316). Esta dimensão retoma a participação que o Serviço Social na sua atuação pode
potencializar segmentos que demandam serviços sociais em torno do fomento de
potencialidades de organização.
163
A política de assistência social em seu caráter ressocializador é constitutiva dos
processos de organização da cultura. Ela é vista como uma “modalidade de
acesso do trabalhador a bens e serviços no atendimento de suas necessidades
básicas, cujo componente material é referência determinante de determinada
pedagogia” (Abreu apud Iamamoto, 2008, p. 317).
Dessa forma, Iamamoto (2008) destaca que esta concepção pode gerar uma
distorção, que ficou clara da década de 80 – na qual o Serviço Social vinculou-se mais
claramente a um projeto profissional alicerçado na defesa e garantia de direitos dos
trabalhadores – que equalizava a intervenção profissional a uma prática de militância
política. Não se trata de uma profissão que está na arena política pela própria
característica da profissão, esta é uma opção política que se inscreve numa dimensão
individual de dimensão coletiva que reconhece a necessidade de lutas numa dimensão
ampliada para articular soluções que são do âmbito da organização coletiva.
164
O assistente social, vinculado a um projeto profissional com vistas à
emancipação humana, teria como função pedagógica um caráter também “voltado para
a emancipação das classes subalternas” (Iamamoto, 2008, p. 329). Para Iamamoto, a
exposição de Abreu (2002) implica duas questões: a restrita faixa da população inserida
no segmento considerado subalterno que alça um perfil de politizado e que “não
dispõem de ampla representatividade nas condições efetivas em que opera o exercício
da profissão – apresenta-se como um “dever ser” distante da diversidade sociopolítica
que conforma a categoria” (2008, p. 329) e implica também na falta de mediações na
análise da profissão e seu exercício no âmbito do perfil profissional indicado por Abreu
(Ibidem).
Consideramos que a tese de Netto (1992) retomada por Iamamoto (2008) acerca
da estrutura sincrética do Serviço Social é a que nos permite aprofundar as teses
anteriores e explicar fundamentalmente o processo de assistencialização do Serviço
Social. Para o autor, “a funcionalidade histórico-social da profissão é sintonizar,
reproduzir e sancionar a composição heterogênea da vida cotidiana com as refrações da
questão social para situá-las novamente no mesmo terreno, mediante uma modalidade
específica de intervenção: ‘a manipulação de variáveis empíricas’, propiciando o
reordenamento dessas mesmas variáveis, que não são alteradas, resultando numa
‘prática inconclusa’” (apud Iamamoto, 2008, p. 266).
A atuação profissional se situa no âmbito da reprodução das relações sociais e do
atendimento no âmbito das expressões da “questão social”, sua intervenção repõe estas
expressões em outro patamar, na medida em que trabalha por meio de ações de
garantias de acesso a serviços sociais para o atendimento de necessidades postas por
seus demandantes. Na medida em que o assistente social trabalha com a rede de
serviços sociais – seja na articulação com outras políticas sociais em serviços oferecidos
pela rede pública-estatal ou organizações não-governamentais e rede privada
conveniada – atua no bojo de políticas precarizadas e minimalistas no atendimento a
estas mesmas necessidades.
165
necessidades fundamentais para superação das condições que colocam a “questão
social” e que dariam à profissão, e à sua intervenção, o significado que seu projeto
profissional supõe. Ainda que atuando dentre das contradições desta ordem societária, o
Serviço Social se vê limitado em seus objetivos na medida em que está circunscrito à
reprodução das relações sociais no bojo das determinações da ordem burguesa.
166
Iamamoto (2008) ainda destaca os desdobramentos da tese do sincretismo
apontadas por Netto (1992) como “‘prática indiferenciada’, do ‘sincretismo científico’ e
do ‘sincretismo ideológico’”144 (2008, p. 273) e aponta para a necessidade de
aprofundar o debate sobre o “sincretismo da prática indiferenciada” em virtude do foco
que privilegia o trabalho profissional (Idem). Destaca o que Netto (1992) aponta como
uma indiferenciação da prática filantrópica que se expressa ser pelo enquadramento
numa rede institucional, mas que “mantém-se ‘pouco discriminada’, com ‘referencial
nebuloso’ e ‘inserção institucional aleatória’” (Iamamoto, 2008, p. 273).
144
O sincretismo ideológico se expressa pela medida de “continuidade visível em face ao passado profissional do
Serviço Social, reiterando aos assistentes sociais a necessidade de verificar a compatibilização do novo âmbito de
intervenção com as suas práticas precedentes e, especialmente, com suas elaborações formal-abstratas” (Netto, 2001,
p. 131). O sincretismo “científico” diz respeito ao “sistema de saber que ancora (...) as suas práticas e, igualmente,
suas representações” (Idem, p. 132) e remonta a constituição de um saber científico próprio da profissão. Para o autor
o ecletismo é reiterado pelas “incidências da tradição positivista (e neopositivista)” (Ibidem, p. 150). ). São
combinadas estratégias na intervenção profissional que remontam o pensamento conservador e que incorporam
elementos da ruptura com esta perspectiva, de acordo com as demandas apresentadas conformando o ecletismo ( que
não pode ser confundido com o “pluralismo”, pois remete a utilização de referências filosóficas oriundas de
pensamentos distintos, as vezes não só contraditórios, mas frontalmente opostos) e o sincretismo (numa fusão
imprecisa de ideologias diversificadas) na prática dos assistentes sociais.
167
Nas palavras de Netto (2001): “a forma da prática profissional, nas suas
resultantes, não obteve um coeficiente de eficácia capaz de diferenciá-la de outras
práticas profissionais ou não, incidentes sobre a mesma problemática” (p. 100). Com
isso o autor destaca os limites na operacionalização de uma formulação com base na
intervenção das refrações da “questão social” (Idem). Entendemos que, com isso, o
autor não afirma determinações fatalistas na inserção do assistente social, mas considera
as possibilidades de ampliação do referencial crítico em suas expressões concretas na
intervenção profissional mediadas pela forma que são ordenadas as políticas com as
quais trabalha.
168
positividade, em uma análise aprisionada num ‘pessimismo da razão’, que não dá lugar
ao ‘otimismo da vontade política’, parafraseando Gramsci” (Iamamoto, 2008, p. 271).
Mas entendemos que nesta oposição entre a tese de Netto e Iamamoto tem um eixo de
articulação com a dimensão política, como destacado pela autora, que superdimensiona
a capacidade profissional, ainda que a relacionando ao processo mais amplo de
intervenção da classe trabalhadora no âmbito das lutas por garantias de direitos, até
porque o momento regressivo para a garantia de direitos no bojo do neoliberalismo
implica num refluxo destas lutas e influencia, em certa medida, a capacidade de
intervenção profissional para fomentar estas garantias para os demandatários dos
serviços sociais.
Iamamoto (2008) destaca os vetores da tese de Netto (1992) que seriam dois:
“(a) ‘as condições para a intervenção na sociedade burguesa marcada pela positividade’
ou pseudo-objetividade; (b) ‘a funcionalidade do Estado no confronto das refrações da
‘questão social’’. Essas condições, que extrapolam a prática profissional, aparecem
como se fossem limites endógenos ao Serviço Social” (Iamamoto, 2008, p. 274).
169
internas da profissão, ainda que a extrapole, na medida em que configuram o locus no
qual se insere e é demandada a intervenção profissional.
Iamamoto destaca ainda outro vetor desta tese que se relaciona às políticas
sociais estatais que repõem de forma ampliada as manifestações da “questão social”
cronificando-as (2008, p. 274). Considerando a atuação profissional no âmbito das
políticas sociais restaria à profissão, na teses de Netto (1992), a “‘racionalização de
recursos e esforços para o enfrentamento das refrações da questão social’. Esse é o ‘anel
de ferro’ que aprisiona a profissão, não lhe permitindo ir além de suas protoformas”
(apud Iamamoto, 2008, p. 274).
Este anel de ferro é o que sinalizamos como condição que condiciona o Serviço
Social na sua intervenção dentro das políticas sociais, superando sim as suas
protoformas – pois é uma profissão formada intelectualmente por meio da universidade,
numa perspectiva generalista e que se inspira predominantemente na superação crítica
da perspectiva conservadora no bojo do projeto profissional hegemônico – mas,
perpassado, em sua intervenção, por estas determinações.
os seus agentes, que se vêem requisitados para um papel social cujo conteúdo
difuso só pode ser preenchido através de uma aparente polivalência que exaure
qualquer diferenciação prático-profissional. A polivalência aparente é a mais
nítida consequência da peculiaridade operatória do Serviço Social –, na sua
intervenção indiferenciada. E, sobretudo, a expressão cabal do sincretismo que
penetra todos os interstícios da sua prática (Netto, 2001, p. 105).
170
Encontramos na atualidade vetores que acompanham estas características
sinalizadas por Netto (2001), que estiveram presentes historicamente no Serviço Social
como prática profissional e são exponenciadas na atualidade. Um exemplo são as
práticas terapêuticas exercidas por profissionais com esta especialização145.
171
mediadas pelas lutas sociais no bojo do capitalismo, mas sinaliza que nesta relação entre
as classes o bloco dominante atua no sentido de imprimir-lhes o caráter de concessão e
de ajuda antecipando-se às reivindicações como medidas de desmobilização destas
mesmas lutas (2008, p. 275). Entretanto, “O campo das políticas públicas e dos direitos
sociais é, também, uma arena de acumulação de forças políticas de lutas em torno de
projetos para a sociedade no enfrentamento das desigualdades condensadas na questão
social” (Ibidem.).
172
outro profissional – que circunscrevendo uma prática inovadora que romperá com um
processo estrutural que fundamenta sua inserção profissional.
173
Para Iamamoto (2008) um ambiente político marcado pelo colapso do
socialismo real e pela ofensiva neoliberal, junto com a redução da influência de
esquerda marca a cooptação de intelectuais no poder e contribui para a derruição das
bases da hegemonia teórico-cultural que colocaram no cenário os avanços numa
perspectiva de ruptura com o conservadorismo no seio da profissão, sinalizando um
deslocamento destas bases e ameaçando-as (p. 277).
174
diante de sua intervenção profissional, mas estão mediadas fundamentalmente pelas
condições que se estruturam as lutas sociais e a organização geral dos trabalhadores,
pois a afirmação de um projeto profissional vinculado à garantia de direitos para esta
classe depende fundamentalmente de como esta classe se insere nas relações sociais e
na capacidade de frear a redução de direitos e avançar nas conquistas.
Os limites circunscritos à atuação da profissão de forma organizada se relaciona
às fronteiras que qualquer profissão enfrenta no seu interior, que é o condicionamento
posto pela fragmentação do trato da “questão social” em suas manifestações –
especialmente via políticas sociais – e das respostas articuladas no âmbito do
capitalismo.
Para Iamamoto “A centralidade assumida pelas respostas profissionais, de
caráter teórico-prático, às demandas emergentes – expressão das transformações vividas
pela sociedade nas últimas décadas – mostra um estatuto profissional aberto a novas
possibilidades, o que contrasta com o circuito fechado que informava a análise da
fenomenalidade da prática no debate sobre o sincretismo” (Iamamoto, 2008, p. 280).
Esta autora considera que o diferencial que Netto destaca nos ensaios de 1992 e
1996 se situa na dimensão contraditória das relações sociais e das respostas articuladas
neste âmbito e não apenas como reprodução da lógica reificada do capital (Iamamoto,
2008, p. 280) destaca que estas respostas são “permeáveis a uma direção estratégica
contra-hegemônica. A profissão é atravessada pela luta de classes, o que comparece
diluído na elaboração anterior” (Idem).
Essa inflexão não pode ser debitada apenas à presença de bases sociais da
categoria voltadas a uma direção social estratégica contra-hegemônica
informada pela tradição marxista, responsável pela renovação da cultura
profissional. Ora, os determinantes societários do sincretismo, tal como
propostos no primeiro texto, transcendem essas injunções, porquanto inscritos
na própria concepção de reprodução social expressa pelo autor na primeira
elaboração comentada. A hipótese é de que há, de fato, nesse segundo
momento, uma revisão do “sincretismo da prática indiferenciada”, ainda que
não explicitada pelo autor. Ela é tributária da análise do processo de reprodução
social saturado de contratendências, tal como expresso na lógica da construção
do texto, inteiramente permeado pelos dilemas contraditórios da história do
tempo presente (Iamamoto, 2008, pp. 280-281).
175
A nosso ver ainda que a dimensão política esteja concretamente inscrita na
profissão na mediação que realiza no bojo das relações sociais e da esfera reprodução
social afinada as contra-tendências que se desenham no seu interior e na qual se
circunscreve a intervenção profissional superdimensiona a capacidade de consolidação
de conquistas ancoradas neste processo, visto a envergadura que o capitalismo toma nos
tempos atuais.
147
Importante destacar que no âmbito institucional se organizam movimentos e a atuação sindical também e se
circunscrevem na luta mais ampla por afirmação de conquistas institucionais dentre o conjunto de profissionais que
atuam em determinado campo e de segmentos e categorias inscritos nas relações institucionais e de políticas sociais
(também no âmbito privado e não-governamental) em que se circunscrevem os assistentes sociais no bojo da sua
relação com os trabalhadores de forma geral.
176
Netto (1999) já destacava que estas questões não podem ser resolvidas apenas
dentro do corpo profissional e que a análise do movimento real é o que pode imprimir a
indicação de soluções que contribuam, inclusive, com o movimento geral de
organização dos trabalhadores.
É evidente que estas divergências não podem ser resolvidas somente no marco
do corpo profissional. Seu direcionamento positivo exige a análise do
movimento social (que é o movimento das classes e camadas sociais) e o
estabelecimento de relações e alianças com outros corpos profissionais e
segmentos sociais (aqui incluídos os usuários dos serviços profissionais),
principalmente aqueles vinculados às classes que dispõem de potencial para
gestar um projeto societário alternativo ao das classes proprietárias e
dominantes (Netto, 1999, p 6).
Entendemos que estas determinações devem estar presentes para a análise dos
processos sociais que se põem nos espaços profissionais, na formulação, gestão e
execução das políticas sociais para que possamos avançar na direção do horizonte
apontado no projeto profissional dos assistentes sociais, a necessária construção de uma
nova ordem societária, onde direitos sejam garantidos de forma concreta e em que se
supere a exploração e opressão do homem por meio da apropriação a acumulação das
riquezas socialmente produzidas, uma sociedade sem exploração do trabalho e sem
classes sociais.
177
se amplia a requisição de serviços sociais e pela mediação do assistente social nas
diversas políticas sociais para consecução destes direitos.
O assistente social, ao mediar serviços sociais nas políticas sociais em que está
inserido, participa da reprodução e reposição das expressões da “questão social” ainda
que o projeto hegemônico da profissão seja a orientação de sua intervenção. Há de se
dimensionar os aspectos concretos da intervenção – o acesso aos serviços e benefícios
no âmbito das políticas sociais – e a dimensão “pedagógica”, sem superdimensionar esta
178
última como aquela que permite expressar a direção social da profissão, na medida em
que está perpassada pela capacidade circunscrita à formação, análise institucional,
pesquisa e outros aspectos que dependem diretamente dos profissionais.
179
C on s i d e r a ç õ e s f i n a i s
180
se traduzindo em ações estatais que assumem a forma de medidas compensatórias de
necessidades e não no espectro de garantia de direitos de cidadania. A profissão aponta
hegemonicamente na sua legislação profissional, formulação e direção política, na
direção social solidária com a classe trabalhadora e com um projeto societário que, na
sua dimensão estratégica, orienta para o futuro e delimita suas bases no presente. Esta
dimensão da profissão, em sua prática política e interventiva, se circunscrevem nos
marcos dos limites e possibilidades profissionais e no bojo da organização mais ampla
da sociedade e da luta de classes.
No campo das políticas de Seguridade Social e da Assistência Social, em
particular, se inscrevem desafios na ordem de alteração dos quadros em que elas se
estabelecem. Sua implementação é norteada por ações de combate à pobreza, nos
moldes da orientação neoliberal, nas quais serviços e benefícios teriam por objetivo
primário a alteração dos índices de pobreza absoluta e indigência, reafirmando assim
uma perspectiva restrita de Seguridade Social e de Assistência explicitada em seus
critérios de acesso e atendimento.
Os assistentes sociais inserem-se nesse contexto de tensão onde são colocados
diferentes projetos societários e de proteção social, âmbito de disputas para afirmação
da direção social da profissão, diante dos impasses postos pelas demandas, pelos
recursos disponíveis e a necessária afirmação do projeto profissional.
No caso da Política de Assistência Social a principal porta de entrada – para
acesso á benefícios e serviços – são os Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS)148 e os CREAS, centros em que sempre devem estar presentes os profissionais
assistentes sociais como técnico de referência149.
O CRAS (ou Casas das Famílias) entendido como espaço responsável pelos
serviços continuados de proteção social básica, é assim caracterizado como:
espaços físicos localizados estrategicamente em áreas com maior índice de
vulnerabilidade e risco social e pessoal. Prestam atendimento socioassistencial,
articulam os serviços disponíveis em cada localidade, potencializando,
coordenando e organizando a rede de proteção social básica intersetorialmente
com políticas de qualificação profissional, inclusão produtiva, cooperativismo e
148
“O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é uma unidade pública da política de assistência social, de
base municipal, integrante do SUAS, localizado em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social,
destinado à prestação de serviços e programas socioassistenciais de proteção social básica às famílias e indivíduos, e
à articulação destes serviços no seu território de abrangência, e uma atuação intersetorial na perspectiva de
potencializar a proteção social” (fonte: MDS, www.mds.gov.br )
149
Nos municípios de pequeno porte (I) um assistente social por equipamento, pequeno porte (II) dois assistentes
sociais e pelo menos dois destes profissionais em municípios de médio e grande porte, metrópole e Distrito Federal
(fonte: Idem, cf. NOB – SUAS).
181
demais políticas públicas e sociais em busca de melhores condições para as
famílias (fonte: MDS, 2009).
150
Atuamos na área durante o período que compreendeu os anos 2006-2009 em duas prefeituras municipais em Nova
Iguaçu (baixada fluminense) e Rio de Janeiro (capital). Passou não somente pelos CRAS, mas pelo CMAS de Nova
Iguaçu, como secretária executiva.
151
Destacamos os itens V, VI e VII do art. 4º, que delimitam competências profissionais circunscritas na relação com
a rede de serviços, pesquisa e avaliação cabendo ao assistente social a orientação dos usuários para identificar
recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; planejar, organizar e administrar
benefícios e serviços sociais e planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade
social e para subsidiar ações profissionais, o art. 5º refere-se às atribuições privativas, que dizem respeito a ações
exclusivas em matéria de Serviço Social (Lei 8.662/1993).
152
A cartilha “Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos na Política de Assistência Social”
produzida pelo CFESS e o CFP orienta as ações dos técnicos que atuam no CRAS, assistentes sociais e psicólogos,
como nos referimos no Capítulo 2, item 2.3. As orientações compreendidas no Guia de Orientação Técnica do SUAS
(Nº 1) Proteção Social Básica De Assistência Social (2005) supõe Conhecimento da legislação, dos “fundamentos
éticos, legais, teóricos e metodológicos do trabalho social com e para famílias, seus membros e indivíduos” e de
“trabalho com grupos e redes sociais”. E a capacidade de: “executar procedimentos profissionais para escuta
qualificada individual ou em grupo, identificação de necessidades e oferta de orientações a indivíduos e famílias,
fundamentados em pressupostos teóricometodológicos, éticos e legais; articular serviços e recursos para atendimento,
encaminhamento e acompanhamento das famílias e indivíduos; trabalhar em equipe; produzir relatórios e documentos
necessários ao serviço; desenvolver atividades socioeducativas de apoio, acolhida, reflexão e participação, que visem
o fortalecimento familiar e a convivência comunitária” (fonte: Guia de Orientação Técnica do SUAS, 2005).
182
articulação com a rede social e visitas institucionais153. Como já foi destacado no
capítulo que precedeu estas considerações154, e conforme verificamos ocorrer no
cotidiano da prática profissional, existe uma restrição significativa dos atendimentos e
intervenções profissionais às situações emergenciais apresentadas pelos indivíduos,
como, por exemplo: monitoramento, controle e inserção nos programas de transferência
de renda, principalmente no Programa Bolsa Família (PBF), programa que assume um
lugar central na assistência, constituindo-se no “quase tudo” do sistema de proteção
social brasileiro (parafraseando Lavinas).
A crescente demanda pelo programa e por outros benefícios e serviços pela
população mais pauperizada é direcionada para estes equipamentos, o fluxo de
demandatários, as inúmeras tarefas que são colocadas no âmbito da “supervisão” de
programas e projetos (como PETI, ProJovem Adolescente e Urbano) implica na
constituição de “plantões” para que pelo menos o atendimento presencial seja garantido,
ainda que não haja resultados concretos para as demandas destes usuários.
Trabalhar com estas demandas emergenciais e buscar as implícitas é uma tarefa
dos assistentes sociais, no entanto o seu desvelamento não implica necessariamente que
seus encaminhamentos contemplem estes pleitos. Mesmo atuando com a rede de
serviços revelam-se situações de burocratização, quando os desdobramentos das
intervenções profissionais esbarram numa série limitações como: os “testes”
comprobatórios para inserção dos beneficiários em programas e projetos, a precarização
da rede, a falta de recursos humanos, financeiros, infra-estruturais etc., que não
permitem realização dos atendimentos com a qualidade mínima necessária e requerida
para dar resposta às demandas da população.
Essa concentração da assistência social na transferência de renda e desta no PBF
conduz a uma concentração dos esforços nesse programa, uma vez que no PBF há a
necessidade de comprovação de renda familiar (na maioria dos casos, os vínculos
precários de trabalho dos membros que compõem as famílias contemplam-nas como
beneficiárias do mesmo155, mas em casos que há renda formal e ela ultrapassa os valores
153
Também eram realizadas visitas domiciliares encaminhados pelo Ministério Público, Vara da Infância e da
juventude, dentre outros. Devido a precariedade das contratações nestes setores os relatórios eram encaminhados –
em parceria firmada pela Prefeitura e estes órgãos – para que os técnicos dos CRAS realizasses as visitas em seu
território para emissão de parecer e “inserção” na rede de serviços sociais. As medidas sócio-educativas, que
passaram para a responsabilidade municipal, também foram direcionadas para o atendimento nos CRAS sem
qualquer estruturação e direcionamento específico para a realização deste acompanhamento.
154
Observar as considerações no capítulo 2, item 2.3, sobre a Cartilha com os parâmetros de atuação de assistentes
sociais e psicólogos elaborada pelo CFESS e CFP.
155
A inserção não significa “beneficiamento”, visto que existem metas nos municípios que, em caso de
extrapolamento destas metas são priorizadas as famílias com menos recursos (dentre as que já têm menos recursos).
183
per capita definidos pelo programa, não é possível incluí-los, ainda que as diferenças
sejam mínimas); assim como se requere um acompanhamento das condicionalidades
exigidas pelo programa (nas áreas de saúde, educação e assistência social).
Os usuários que procuram ou são beneficiários do PBF na maioria das situações
não acessam o programa como direito, mas como uma ajuda, um auxílio dos
governantes ou profissionais gestores do programa. Observamos isso mesmo em
atividades coletivas, como reuniões com famílias156. A possível defesa de ações
individuais por parte dos profissionais para contemplar famílias neste perfil, que não é
imediatamente “público-alvo”, não é uma solução pertinente, visto que se localiza numa
ação individual que é passível de ser eticamente condenável, ainda que as finalidades
tenha o sentido de garantir melhor condição de vida para aquele usuário ou família157.
Mesmo sendo os CRAS equipamentos públicos, estes não são percebidos pelos
usuários e em alguns casos pelos gestores, técnicos e profissionais como espaços
públicos; essa visão difusa dos CRAS pode estar vinculada ao fato de que os programas
e projetos viabilizados na área de assistência social, em sua maioria, relacionam-se
ainda com as parcerias público-privadas, seja com a própria rede de entidades
assistenciais credenciadas (como as religiosas, filantrópicas, de ajuda em geral etc.) ou
com diferentes ações desenvolvidas pelos governantes orientadas pela lógica da ajuda e
do favor.
Nos locais nos quais os CRAS são instalados convive-se, muitas vezes, com a
existência de “centros sociais” que podem responder com mais rapidez e com maior
concretude às demandas postas pelos usuários que não são respondidas por meio do
158
acesso aos serviços públicos e contam com a parceria das associações de moradores
em pactuação com seus promotores.
No caso de nossa atuação nos municípios do Rio de Janeiro e Nova Iguaçu estas metas ainda não comprometiam o
acesso aos benefícios pelos usuários incluídos dentro do perfil de renda.
156
As reuniões realizadas com as famílias beneficiárias para apresentação de programas e projetos, explicação de
condicionalidades do PBF e para o debate de outras temáticas pode ser considerada uma “ação educativa”, no entanto
as condições de vida precárias, a organização das “comunidades”, suas associações de moradores entre outros
elementos implicavam em dificuldades em reconhecimento de representações e ações coletivas em defesa de direitos.
157
A ampliação de critérios não depende da intervenção individual do assistente social. Ainda que haja margem nas
considerações sobre a renda familiar, principalmente quando é informal, não são as condições gerais que orientam os
programas. A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) filtra os dados dos beneficiários do PBF para verificar
se a renda declarada está em conformidade com os critérios do programa. Caso haja inconformidades o usuário tem
que comprovar sua carência (testes de meios) para permanecer como beneficiário ou tem seu benefício bloqueado.
158
Os centros sociais são espaços privados financiados por políticos em gestões municipais principalmente
(vereadores) que os instalam em localidades carentes de serviços públicos. Oferecem “serviços sociais” que vão de
atendimentos na área médica e odontológica (consultas básicas, exames preventivos etc.) a fotografias para emissão
de documentos, cestas básicas etc. Não há transparência nos recursos utilizados (origem e controle) e estes serviços
vinculam a população atendida aos indivíduos que promovem estas atividades, são utilizados como contrapartida para
o recebimento de votos nas eleições.
184
O encaminhamento das demandas para a rede filantrópica (conveniada ou não)
contribui para a confusão entre público e privado, e favorece a indefinição e
justaposição entre assistência social e filantropia/benesse. O padrão estabelecido na
prestação de serviços no âmbito da Assistência Social atribui responsabilidades
compartilhadas e é baseada na formação de redes de solidariedade, auto-ajuda e ajuda-
mútua (Cf. Montaño, 2007) e esta lógica não foi rompida com a implementação do
SUAS e são estes limites que perpassam a atuação dos assistentes sociais em sua prática
profissional.
As considerações presentes na PNAS sobre a “subalternidade” dos sujeitos, e da
necessidade de criação de espaços de fomento ao seu protagonismo superdimensiona a
capacidade de mobilização destes segmentos nos espaços de intervenção profissional
por meio de ações desenvolvidas pelos assistentes sociais (e outros profissionais).
A direção social hegemônica na profissão aponta para a afirmação de direitos,
mas a atuação nestes espaços lida com uma concepção de administração da pobreza em
seus programas e projetos, na “prevenção” de situações de “vulnerabilidade” e
“exclusão social”, numa orientação afinada ao ideário neoliberal, da afirmação de
parcerias, redes de solidariedade e de ações do estado e da sociedade civil que se
equivalem, pois não oferecem garantias de direitos, apenas ações pontuais e focalizadas.
Não é toda demanda apresentada que recebe algum encaminhamento ou inserção
em algum programa ou projeto, o “acolhimento” pode se resumir ao atendimento
prestado pelos profissionais que compõem as equipes técnicas, como o assistente social.
A Assistência Social historicamente esteve vinculada ideologicamente à caridade
e filantropia pela própria modalidade de ações que desenvolve. A criação de uma
estrutura com os CRAS no nível da proteção básica (e CREAS na proteção especial), a
realização de concursos públicos e composição de equipes técnicas profissionalizadas é
um avanço na direção de ruptura com esta lógica, mas não é suficiente. Atualmente a
filantropia está profissionalizada em seus equipamentos e serviços prestados, com a
contratação de profissionais para seus quadros, inclusive para atender aos requisitos de
certificação para que possam receber recursos públicos por meio do conveniamento para
prestação de serviços para o Estado.
Os conselhos de políticas e de direitos, constituídos a partir da década de 1990
com a regulamentação das leis orgânicas das políticas, são considerados espaços
potenciais para a disputa de concepções e projetos, para a garantia dos interesses dos
usuários dos serviços públicos. Nas formulações do Serviço Social, dentre destacados
185
autores e dentre as ações políticas das entidades representativas da profissão159, se
destaca a evidência destes espaços de controle social como mecanismos de promoção da
“participação popular”, regulamentados por lei para a garantia de representação (e
disputa) de interesses dos segmentos governamental, de trabalhadores e usuários dos
serviços prestados pelas políticas, possibilitando, em princípio, a participação destes
últimos no controle, formulação, definição e na fiscalização das políticas sociais.
159
Dentre os autores destacamos Bravo (Cf. 1996; 2001; dentre outros) e os Relatórios dos Encontros Nacionais do
Conjunto CFESS/CRESS (disponível em www.cfess.org.br).
160
Os conselhos e conferências de Assistência Social, regulamentados pela lei 8.742/93, a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) como espaços deliberativos e de participação popular.
161
Na representação titular da “sociedade civil” temos dentre as “entidades e organizações de Assistência Social” a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (organização da Igreja Católica), a Federação Brasileira das
Associações Cristãs de Moços e a Associação da Igreja Metodista; dentre os “representantes dos usuários ou de
organizações de usuários” a Associação para valorização e Promoção de Excepcionais – AVAPE, a União Brasileira
de Cegos – UBC e a Federação Nacional das APAES e dentre os “representantes dos trabalhadores da área de
Assistência Social” a Federação Nacional dos Assistentes Sociais – FENAS, a Federação Nacional dos Empregados
em Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas – FENATIBREF e a Federação Nacional dos Psicólogos –
FENAPSI. Que, junto com a representação governamental (com quatro representantes titulares do MDS, dois do
Ministério Do Planejamento, Orçamento e Gestão – MP e um do Ministério da Fazenda – MF, junto a dois
representantes estaduais, um do Rio de Janeiro e outro do Rio Grande do Sul) compõem os dezoito conselheiros
nacionais (fonte: CNAS, www.mds.gov.br/cnas).
186
(como CNBB e ACM) e, dentre a representação de usuários e suas organizações, as
entidades prestadoras de serviços (como a APAE) como sinalizamos. O exercício do
controle social no sentido de estabelecer garantias para os usuários dos serviços pode
ser comprometido, também, na forma de representação dos usuários nos conselhos de
Assistência Social e pelos interesses que venham prevalecer para estas entidades na sua
relação com o Estado.
Destacamos que até 2008 competia aos conselhos fixar normas para a concessão
de registros e certificado de fins filantrópicos às entidades privadas prestadoras de
serviços e assessoramento de assistência social e a concessão do atestado de registro e
certificado a estas entidades (art. 18, parágrafos III e IV). Ainda que os conselhos sejam
tenham o caráter fiscalizador sobre as entidades de atendimento, assessoramento e de
garantia e defesa de diretos, conforme disposto no decreto 6.308/2007162, recentemente
a edição da Medida Provisória em 2008 (MP 446/2008)163 transfere a responsabilidade
pela certificação para os Ministérios da Saúde e Educação, no caso de entidades
prestadoras de serviço nestas áreas e, no caso da Assistência Social, o Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
162
O decreto 6.308/2008 dispõe sobre as entidades e organizações de assistência social de que trata o art. 3o da
LOAS, e dá outras providências.
163
A Medida Provisória 446, de novembro de 2008, dispõe sobre as novas regras para certificação das entidades
beneficentes de assistência social, regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social, e dá
outras providências e dispõe que o CNAS não mais será o órgão responsável pelo processo de certificação de
entidades.
164
Com a alteração dada pelo decreto 446/08 CNAS cabe, neste processo, “acompanhar e fiscalizar o processo de
certificação” junto ao MDS e “apreciar relatório anual que conterá a relação de entidades e organizações de
assistência social certificadas” dando ciência aos conselhos nas demais esferas de governo (Idem). Estas alterações, a
nosso ver, distanciam cada vez mais os conselhos de seu caráter fiscalizador e deliberativo quanto à prestação de
serviços, elas legitimam e referenciam cada vez mais a participação privada na Política de Assistência Social.
165
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) em 2007 conseguiu afirmar posição contrária ao projeto (PLP 92-A/2007)
187
quais diferentes interesses estão em disputa sem mobilização e pressão do conjunto da
classe trabalhadora não são suficientes para garantir posições que afirmem o caráter
público, universal e irrestrito, na contramão da contra-reforma do Estado e do
reordenamento das políticas sociais.
que autoriza a criação das fundações públicas de direito privado (também rejeitado na 13ª Conferência Nacional) e
ainda assim antido na pauta do Congresso Nacional pelo Governo. Cabe destacar que o CNS promoveu audiências
com as lideranças dos Partidos no Congresso Nacional com o objetivo de ampliar o debate com os parlamentares
sobre o assunto realizou contatos com a OAB, Governadores, Prefeitos, Secretários de Saúde e com Ministros do
Supremo Tribunal Federal – STF (fonte: CNS: consultado em conselho.saúde.gov.br). Em 2009, a matéria vem
tramitando com apreciações em primeiro turno e adiamentos por conta da prioridade de outras pautas. Foi sinalizado
um “recuo” do governo federal diante do projeto, desmentido pelo Jornal o Globo em julho do ao ano corrente,
declarações creditadas a Temporão de que "o modelo atual é ineficiente, anacrônico e do século passado. É preciso
criar metas, contratos, permitir pagamento de salários mais adequados e profissionais mais capacitados". Segundo a
reportagem, Temporão "avisou que mantém a luta pelo projeto, embora reconheça a dificuldade de aprová-lo” (fonte:
Jornal O Globo, 13/07/2009).
166
Conferir nota 130.
188
forma de inserção no “mundo do trabalho” como características predominantes dentre o
público-alvo da Assistência Social. No entanto, a relação desta política com o trabalho,
e com o direito ao trabalho, se dá predominantemente pelo estímulo à criação de redes,
empreendorismo e experiências “inovadoras” fora da formalização que oferece
garantias por meio do acesso à Previdência Social.
Nas palavras de Rodrigues (2009).
[A] concepção de seguridade, fruto da luta da classe trabalhadora, nada tem a
ver com o empreendedorismo e com a economia solidária propostos hoje. Tal
seguridade tem a ver com aquele direito ao trabalho que a classe trabalhadora
reivindicou de forma muito explícita desde 1848 e que irá aparecer na Comuna
de Paris e retornar, com vigor, em 1917. O empreendedorismo e esta economia
solidária têm muito mais similitudes com as propostas do capital de precarizar o
trabalho, ampliando a informalidade e a insegurança, do que com o trabalho
protegido com direitos, reivindicado pela classe operária (Rodrigues, 2009, p.
27).
Pensamos aqui a Seguridade Social como uma concepção tática e não como um
fim em si mesma. As reformas no capitalismo são necessárias e somente adquirem a
perspectiva de garantia de direito quando são fruto da organização e da luta dos seus
189
demandantes, a classe trabalhadora. A luta dos trabalhadores se estabelece num patamar
de mobilização que pode ser observado ao longo da história nos períodos de ascensão e
refluxo. A crise econômica e os impactos do neoliberalismo têm implicações diretas
sobre os processos que implicam na garantia de direitos, na mobilização social e na
organização dos trabalhadores, não apenas “pano de fundo”.
Compreendemos a Política de Assistência Social como política de Seguridade
Social e que a ampliação da assistência nos moldes em que vêm se constituindo, com
programas e projetos focalizados, que administram os índices de pobreza e miséria
refletem uma conjuntura de crise e das respostas articuladas pelo capital a ela. Os
aspectos da formação social brasileira: sua estrutura econômica-social e o processo de
modernização conservadora põe e repõe contradições e desigualdades sociais e tem suas
determinações expressas na atual conjuntura com o reordenamento das políticas sociais,
o foco no combate à pobreza e a precarização e privatização de serviços.
Pensamos, ainda, que a Assistência Social não é uma política inferior, por tratar
dos segmentos da população mais pauperizados que são fração da classe trabalhadora
com vínculos precários ou desempregados, que não são atendidos por serviços
previdenciários, que oferecem proteção social em caso de necessidades quando os
vínculos com o trabalho precisam ser interrompidos (acidentes, doenças, maternidade,
velhice, etc.). Esta política social faz parte do processo de construção do suporte
necessário para o atendimento às necessidades de reprodução social destes segmentos e
é fundamental para que o enfrentamento à ordem seja uma pauta comum dos
trabalhadores enquanto classe.
Entendemos que a assistência não pode ser apreendida e utilizada como único
mecanismo de enfrentamento das expressões da “questão social” (Mota, 2008, p.145) e
que para avançar em conquistas e consolidação de direitos se faz necessário defender a
Seguridade Social de forma ampla, inclusive para além dos marcos constitucionais. Esta
“bandeira” de luta diz respeito aos trabalhadores que estão inseridos no setor produtivo,
de serviços, funcionalismo público, e também aos que estão desempregados.
Faz-se necessária a organização da classe trabalhadora também à frente das
bandeiras de enfrentamento da retirada de direitos e pela sua ampliação, que significa
pautar também direitos para os segmentos que não são contemplados pela perspectiva
presente na formulação e execução das políticas sociais, os que não são tratados como
fração da classe trabalhadora pauperizada, mas como “excluídos”.
190
Consideramos importante observar que esta política social deve ser base também
para o movimento dos trabalhadores organizados, que devem pautar o atendimento às
necessidades básicas dos segmentos pauperizados como pauta do enfrentamento ao
capital; que faça a discussão das estratégias adotadas pelos governos e que aponte para
alternativas a esta política, para que seja vanguarda de um processo que subverta a
ordem do capital, que aponte para a emancipação humana, deve dar conta de representar
também aos interesses daqueles que não têm suas necessidades básicas garantidas.
Estamos num estágio do capitalismo extremamente regressivo para manutenção de
direitos e para o avanço rumo a novas conquistas. Os movimentos que são
empreendidos para que sejam concretizadas referências para a consecução de direitos
esbarram neste processo de refluxo para sua consolidação 167. Mas, como afirma Netto
(2007) o desafio reside na garantia de direitos, de conter retrocessos para avançar em
conquistas de direitos que já estão fundamentados.
A quadra que estamos vivendo e que se abriu em meados dos anos 70 do século
passado marca um estágio claramente regressivo na história social recente.
Alguém poderia observar que, apesar da regressividades atual (ou precisamente
por causa dela), poucas épocas históricas registraram tantas demandas de
direitos. Porém, se cresceu a consciência acerca de novos direitos, de direitos de
terceira geração, mesmo aqueles que os reconhecem teoricamente têm clareza
de que nem mesmo os velhos direitos desfrutam de condições reais de vigência
– o problema contemporâneo não é o de fundamentar direitos, mas o de garanti-
los (Netto, 2007, p. 161).
167
No âmbito do CNAS temos o encaminhamento de abaixo-assinado para aprovação do PL SUAS, mobilização pelo
conjunto CFESS/CRESS, estabelecimento de parâmetros de atuação para os profissionais de Serviço Social e
Psicologia (CFESS/CFP), as Conferências de Assistência debatendo o fortalecimento do controle social, dentre outras
ações no âmbito da política de Assistência Social.
168
O Índice de Gini (calculado pelo IPEA) em junho de 2009 caiu para o menor patamar desde 2002. Houve um
recuo de 4,1% em relação a 2008, indo para 0,493 e significa uma redução da distância entre ricos e pobres, mas que,
de forma alguma, representa melhoria na vida dos pobres, mas reflete o impacto da crise especialmente na classe
média (fonte: correio braziliense).
191
estrutura “está claro que a ordem social contemporânea não dispõe, conservada a sua
estrutura atual, de qualquer potencialidade para reduzir aquelas distâncias, seja em
escala mundial, seja em escala nacional” (Netto, 2007, p. 161).
As regulações políticas necessárias para, ao menos, atenuar estas distâncias, não
figuram no cenário. Mesmo para os mais otimistas as condições regressivas no âmbito
da garantia de direitos não podem se furtar a uma análise que dê conta dos processos de
longo prazo do capital.
192
destacando que o projeto profissional aponta para o futuro em solidariedade com uma
perspectiva societária que interessa à classe trabalhadora.
193
universal para as situações de risco, vulnerabilidade ou danos dos cidadãos brasileiros”
(CFESS/CRESS, 2000). Não se limita a uma política social, ou apenas às que se
consolidaram como tal – Saúde, Assistência e Previdência Social – mas a um conjunto
de políticas sociais que tem como parâmetro a participação da população no controle
social.
Compreender o processo de assistencialização das políticas sociais é, a nosso
ver, fundamental para avançarmos no entendimento de como ele se expressa na atuação
do assistente social na política de Assistência Social e nas demais instituições
empregadoras, especialmente no âmbito estatal. A análise destas tendências, da
configuração das demandas institucionais, dos espaços ocupacionais, sem dúvida, é uma
inquietação que permanece. Entendemos que o estudo da configuração dos espaços
ocupacionais dos assistentes sociais, no bojo do reordenamento das políticas sociais,
assim como as características das demandas institucionais e as respostas profissionais
possíveis no arco das possibilidades inscritas nas contradições da sociedade capitalista,
é um passo fundamental para identificar expressões concretas da assistencialização no
Serviço Social e, sem dúvida, nos estimula para a elaboração de nossos estudos futuros.
194
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