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Poder Judiciário da União
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
EMENTA
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
VOTOS
V O T O (S)
A Senhora Desembargadora NÍDIA CORRÊA LIMA - Relatora
Conheço da Apelação Cível, porquanto presentes os pressupostos
de admissibilidade.
Cuida-se de Apelação Cível interposta por S. B. I. B. H. A. E., contra
a r. sentença de fls. 456/464.
Consoante relatado, N. H. B. G. e ESPÓLIO DE A. A. R. ajuizaram
Ação Declaratória Constitutiva em desfavor de S. B. I. B. H. A. E., alegando a autora
N. H. B. G. que conviveu em união estável com A. A. R. por 14 (quatorze) anos até
a data de seu falecimento, em agosto de 2007. Destacou que o falecido, em virtude
da agressividade do tratamento a que seria submetido por ser portador de neoplasia
maligna, e por pretender gerar filho em comum com autora, que era sua
companheira, firmou com a empresa ré contrato para coleta e armazenagem de
sêmem.
Os autores aduziram que foram informados pela empresa ré que o
banco de sêmen seria desativado e que deveria ser providenciada remoção do
material para outra empresa. Asseveraram, ainda, que a empresa ré vem se
recusando a entregar o material genético colhido, sob o argumento de que não havia
autorização do de cujus para este fim, circunstância que tornou obrigatória a
propositura da presente demanda, objetivando o reconhecimento do direito à
remoção e utilização do sêmem armazenado, para fins de reprodução assistida.
Nos termos da r. decisão de fls. 177/180, o d. Magistrado de primeiro
grau acolheu a preliminar de ilegitimidade do ESPÓLIO DE A. A. R. e rejeitou a
preliminar de impossibilidade jurídica do pedido argüida pela ré. Na mesma
oportunidade, indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e determinou a
inclusão dos demais herdeiros no pólo passivo da demanda.
A empresa ré interpôs Agravo Retido às fls. 189/191, insurgindo-se
contra a rejeição da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.
À fl. 219, o d. Magistrado de primeiro grau, revogou a determinação
de inclusão dos herdeiros no pólo passivo da demanda e deferiu a produção de
prova oral.
A empresa ré interpôs Agravo Retido às fls. 230/232, pugnando pela
reforma da r. decisão, para que seja mantida a determinação de inclusão dos
herdeiros no pólo passivo da demanda.
Pela r. sentença recorrida, a d. Magistrada sentenciante julgou
passivo da demanda.
No entanto, os agravos retidos em questão não reúnem condições
de serem admitidos, uma vez que a empresa ré não pleiteou o exame dos referidos
recursos por ocasião da interposição da apelação cível.
Com efeito, o pedido de conhecimento do agravo retido como
preliminar do julgamento do recurso de apelação constitui requisito essencial de
admissibilidade, nos termos do art. 523, §1º, do Código de Processo Civil, segundo o
qual "Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas
razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal".
Assim, não conheço dos Agravos Retidos às fls. 189/191 e às
fls. 230/232.
PRELIMINAR
O Senhor Desembargador GETÚLIO MORAES OLIVEIRA - Revisor
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso
de apelação. Deixo de conhecer dos agravos retidos de fls. 189/191 e 230/232, por
ausência do cumprimento do disposto no art. 523, §1º, do CPC.
Conforme relatado, o ponto central da controvérsia cinge-se à
possibilidade de utilização de material genético criopreservado post mortem sem
autorização expressa do doador.
Inicialmente, o ilustre Procurador de Justiça pede a extinção do feito
por falta de pressuposto processual, diante da ausência dos filhos do de cujus na
lide.
Com efeito, houve a determinação pelo MM. Juiz a quo (fls. 178/180)
para que fossem incluídos no processo os demais herdeiros, sendo que tal decisão
foi reconsiderada por Sua Excelência (fls. 219), ao argumento de que "a
manifestação dos herdeiros neste feito apenas anteciparia eventual interesse em
feito futuro, mas que também é incerto, e que, neste momento, não é óbice à
apreciação do pedido formulado pela autora, cujo destinatário é tão somente o
hospital requerido".
Muito embora tenha sido interposto o agravo retido de tal decisão, o
qual não merece conhecimento, conforme já destacado, impõe considerar que,
enquanto não houver o trânsito em julgado da decisão final da demanda, as
questões de ordem pública, como é a hipótese da preliminar, não estão afetas à
preclusão, de modo que podem ser reexaminadas a qualquer tempo.
MÉRITO
A Senhora Desembargadora NÍDIA CORRÊA LIMA - Relatora
Quanto ao mérito, a controvérsia dos autos cinge-se à análise da
possibilidade de utilização, por parte da autora, do material genético colhido de seu
falecido companheiro A. A. R., e criopreservado, sem que tenha sido emitida
autorização por escrito pelo de cujus.
De início, é incontroverso o fato de que a autora manteve união
estável com o falecido, durante longa data, e que seu companheiro, no ano de 2006,
firmou com a empresa ré contrato objetivando o depósito e a preservação de sêmen,
para fins de reprodução assistida.
A questão controvertida guarda relação com a evolução da ciência,
"Art. 1.597, inc. III: para que seja presumida a paternidade do marido
falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas
de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na
condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do
marido para que se utilize seu material genético após sua morte."
"Na França, foram os direitos de uma viúva sobre o esperma de seu marido,
que havia sido congelado em um banco de sêmen que, no 'caso Parpelaix',
originou uma ação ingressada no Tribunal da Grande Instance de Créteil.
Resumindo, os fatos e as circunstâncias são os seguintes: Alain Parpelaix,
estando em comunidade de vida com Corinne R., fora atingido de um
câncer nos testículos. Advertido por seu médico do risco da esterilidade que
provocava o tratamento quimioterápico, Alain P. depositou no Cecos, em
07.12.1981, o produto de uma coleta de seu esperma. Durante os anos de
1982 e 1983 ele se submeteu a diferentes tratamentos e, finalmente, morreu
em 25.12.1983, após haver contratado casamento com Corinne R. em 23 de
dezembro precedente. A viúva e seus parentes solicitaram ao Cecos, que
se negou, a devolução do esperma coletado com a finalidade de proceder à
inseminação de Corinne Parpelaix (então casada). Estes os fatos". (LEITE,
Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos,
religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1995).
"...as regras do contrato de depósito, tais como elas são definidas pelos
arts. 1.915, do CC/1916 não podem se aplicar à presente espécie que não
se refere a coisa submetida ao comércio, mas a uma secreção contendo o
germe da vida e destinado à procriação de um ser humano. Igualmente o
acordo estabelecido entre Alain P., e o Cecos, não poderia se submeter ao
regime jurídico da doação de órgãos, previsto pela Lei de 22.12.1976, tendo
em vista a diferença da natureza entre o esperma e os órgãos do corpo
"Tal fato tem suscitado sérias indagações, que envolvem, do ponto de vista
jurídico, a legitimidade da filiação e a presunção da paternidade, previstas
nos arts. 337 e 338, do CC/1916, que condicionam o valor legal dessa
capacidade à ocorrência da concepção na constância do casamento, não
podendo o nascimento ultrapassar os trezentos dias subsequentes à
dissolução da sociedade conjugal.
Cabe salientar, com referência ao citado art. 337, do CC/1916, que a lei não
pode mais fazer esta espécie de distinção, quanto à filiação, depois do
advento da nova Constituição.
Com relação a isso, todavia, é interessante sublinhar que o legislador pátrio,
ao elaborar o Código Civil, não poderia prever que algumas décadas após,
a ciência viesse possibilitar que um filho realmente biológico pudesse
nascer depois de um ou vários anos da morte do pai biológico.
Desta forma, o art. 338, do CC/1916 se torna inaplicável para casos se
inseminação artificial, pois implicam situações novas, que ele não
contemplou.
Outro aspecto problemático da inseminação post mortem diz respeito aos
direitos sucessórios da filiação. Estipula o atual ordenamento que a
sucessão causa mortis se abre com a morte do autor da herança no
momento do falecimento. No caso em foco não se poderia invocar o art. 4.º,
do CC/1916, pelo qual a lei colocaria a salvo, desde a concepção, o direito
do nascituro, uma vez que nascituro não existia.
Cabe também observar que, nos termos do art. 1.718, do CC/1916, a
capacidade para receber testamento está restrita às pessoas existentes no
tempo da morte do testador.
No entanto, há exceções que se apresentam quanto à capacidade
testamentária passiva. Referem-se, em primeiro lugar, ao nascituro, desde
que nasça com vida, e, em segundo, à prole eventual de determinadas
pessoas. Desta forma, o filho que viesse a nascer por inseminação post
mortem poderia ser contemplado (prole eventual) por seu falecido pai
através de testamento.
O Comitê Warnock, ao destacar este mesmo aspecto do tema, recomenda
que a criança que não se encontre em gestação por ocasião da morte de
seu pai não venha a concorrer ao direito sucessório" (SCARPARO, Monica
Sartori. Fertilização assistida: questão aberta: aspectos científicos e legais.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 49-50).
transcrevo:
sucessório algum, pois não é pessoa concebida e muito menos pessoa nascida.
Ocorre que existem peculiaridades a serem destacadas a partir de
uma abordagem sobre o vínculo de filiação.
E - DOS VÍNCULOS FILIAIS PELA ÓTICA CONSTITUCIONAL
Sobre esse aspecto da controvérsia, não se pode olvidar do princípio
constitucional da igualdade entre os filhos previsto no 227, §6º, da Constituição
Federal: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação".
Aliás, a legislação infraconstitucional reproduz o princípio
constitucional em forma de regra. O art. 1.596 do Código Civil prevê: "Os filhos,
havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".
Nesse mesmo sentido é o artigo 20 do ECA: "Os filhos, havidos ou não da relação
do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".
Diante desse regramento, pode-se afirmar que, independentemente
do que dispõe o Código Civil, o princípio constitucional da igualdade entre os filhos
atua socorrendo o filho concebido após o falecimento do pai.
Qualquer solução restritiva de direitos que leve em consideração a
qualificação ou a origem - por exemplo, fecundação artificial post mortem -
certamente causará discriminação em relação aos demais filhos e, por
consequência, violação à dignidade da pessoa humana.
Com efeito, dado (a) o panorama normativo mencionado, (b) a
possibilidade técnica, (c) o princípio constitucional da igualdade entre os filhos e (d)
a função social do direito sucessório de prover a sobrevivência dos descendentes,
Fernanda Frizzo Bragato conclui ser "...possível e legítimo reconhecer os vínculos
familiares, com todas as consequências deles decorrentes, especificamente em
relação à fecundação artificial post mortem" (BRAGATO, Fernanda Frizzo;
SCHIOCCHET, Taysa. Reprodução humana assistida: aspectos éticos e legais da
fecundação artificial post mortem no direito brasileiro. In: Direito de família: em
perspectiva interdisciplinar. Fabrício Dani de Boeckel, Karin Regina Rick Rosa,
organizadores. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 221).
Aliás, para além do filtro constitucional do tema, convém mencionar
o artigo 1.597 do Código Civil disciplinando a presunção de paternidade e
excepcionando a regra geral do art. 1.798.
O mencionado dispositivo faz menção a algumas técnicas de
Enunciado nº 106: Art. 1.597, inc. III: para que seja presumida a paternidade
do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma
das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido,
esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização
escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.
21e 22), não há a manifestação expressa. O acordo dispõe que o material apenas
poderia ser usado se houvesse manifestação expressa.
a cura. Estando nessa situação, é difícil para a pessoa pensar em tudo isso.
DECISÃO