1 - INTRODUÇÃO
Quem estuda um pouco mais sobre armas de fogo certamente já se deparou com a
expressão “calibre de alta energia”, se referindo aos calibres de fuzil. Muito possivelmente
você já até empregou essa terminologia, que é recorrentemente utilizada, principalmente
no meio policial. Aliás, o termo “energia” é frequentemente empregado, principalmente nos
estudos relacionados à balística terminal, inclusive em algumas teorias de incapacitação,
como é o caso da teoria da “Transferência de Energia”. A atual legislação é um exemplo, ao
empregar a energia como um dos fatores para definir se um determinado calibre é de uso
permitido ou restrito, conforme estabelecido no Decreto 9.847, de 25 de julho de 2.019:
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comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e
duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
…
II - arma de fogo de uso restrito - as armas de fogo automáticas e as
semiautomáticas ou de repetição que sejam:
a) não portáteis;
b) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na
saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou
mil seiscentos e vinte joules;
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição
comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e
duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
Decreto 9.487, de 25 de julho de 2019 - grifos nossos
De antemão já peço desculpas aos leitores que não são familiarizados com a física. Como
“energia” é um conceito físico, não tem como tratar do tema sem explorar essa área do
conhecimento. Vou, entretanto, tentar usar uma linguagem mais simples e trazer exemplos
do mundo real para tornar a análise mais palatável
Grandeza escalar é aquela que é definida tão somente pela sua intensidade (também
chamada de valor ou módulo), como por exemplo, temperatura, distância percorrida, área,
volume, tempo decorrido, dentre outras. Ainda exemplificando, com casos práticos:
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Ao ler essa frase você certamente deve ter pensado no calor que essa previsão
promete, não é? Bastou informar a intensidade.
Volume: “Está tão quente que vou beber cinco litros de chopp!”. Eis aqui mais um
exemplo no qual a informação do valor foi suficiente para trazer todas as informações
necessárias para a compreensão. (Ok. Admito que este não foi um bom exemplo, pois
faltou falar qual seria a marca do chopp... rsrsrs)
Grandeza vetorial é aquela que, para ser definida, precisa não só da informação da
intensidade, mas também da direção (eixo) e sentido (de onde para onde). É um conceito
físico pouco compreendido pela população em geral, mas de uso muito comum na física.
Como exemplos de grandezas vetoriais temos o deslocamento, velocidade, aceleração, força,
dentre outros. Novamente exemplificando com casos práticos:
Força: para que você abra uma porta comum, não basta fazer força na porta, mas
também empurrá-la na direção e sentido de abertura.
Deslocamento: “Como faço para chegar no Bar do Bigode? Siga três quarteirões
(intensidade) na Rua Canarinho (direção) seguindo para o centro (sentido)”. Se a única
informação que a pessoa receber for a distância (siga três quarteirões,) certamente a
outra pessoa ficará perdida sem saber onde fica o tal Bar do Bigode.
Embora seja um termo de uso comum, o conceito de energia não é algo muito claro para a
maioria das pessoas. Você saberia me dizer o que é energia? Temos uma noção intuitiva de
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energia, muitas vezes se confundindo com outro conceito físico, que é a Potência. Como
ambos se confundem, seguem abaixo suas respectivas definições:
No caso das armas de fogo, a energia na boca do cano a qual nos referimos se trata da
ENERGIA CINÉTICA, que é a parcela de energia relacionada ao movimento de um corpo.
Matematicamente ela é definida como se segue:
A energia tem uma relação de proporção direta tanto com a massa, erroneamente
chamada de peso, quanto com a velocidade. Isso significa que se a massa for maior, a
energia será maior. Se a velocidade for maior, a energia será maior. Assim, podemos
variar a energia de duas maneiras diferentes: alterando a massa ou alterando a
velocidade.
O aumento da energia em função da massa é linear, ou seja, a energia aumenta na
mesma medida que a massa aumenta. Se a massa dobra, a energia dobra. Se a massa
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for multiplicada por 4, a energia será multiplicada por quatro. Se a massa for reduzida à
metade, a energia será reduzida à metade.
O aumento da energia em função da velocidade NÃO É linear e sim quadrático, ou seja,
se a velocidade aumentar, a energia aumentará muito mais que a velocidade! Se a
velocidade dobrar, a energia aumentará quatro vezes. Se a velocidade for multiplicada
por 4, a energia será 16 vezes maior! Se a velocidade cair pela metade, a energia será
dividida por 4.
A análise acima é válida para QUALQUER corpo em movimento, seja uma pessoa, um carro
ou um projétil propelido por arma de fogo. É importante lembrar que a energia é uma
grandeza escalar e isso é algo extremamente importante de ser ressaltado. Vamos analisar,
agora, como isso se aplica na balística e o porquê da energia não ser um bom parâmetro
para a comparação dos calibres.
Na legislação, nas tabelas de munições, nas conversas entre atiradores, policiais e outros
entusiastas de armas de fogo são muito comuns as menções às energias dos calibres.
Muitas vezes, tais menções estão associadas ao desempenho balístico, às lesões produzidas
ou ao alcance dos projéteis.
Por enquanto vamos tratar apenas das lesões produzidas pelos projéteis. Vamos tratar o
assunto de maneira resumida, visto que é um assunto amplo e que daria não um mas vários
artigos. Por ora, vamos tratar dos fenômenos das cavidades temporária e permanente.
Ao se chocar contra o alvo, parte ou toda a energia cinética contida no projétil se dissipa em
outras formas de energia, como por exemplo energia térmica (calor), energia sonora (som),
deformação dos tecidos (que também pode ser entendida como energia mecânica, desta
vez energia potencial elástica, em função da elasticidade dos tecidos), sendo esta última a
principal causadora da lesão propriamente dita. A elasticidade dos tecidos que compõem o
corpo varia de acordo com a região e estruturas atingidas. Um tecido muscular esquelético
possui fibras mais resistentes e com maior elasticidade que um órgão com maior
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quantidade de água, como o baço, por exemplo. Os ossos possuem maior resistência
mecânica e menor elasticidade, quebrando-se ao invés de expandir. Todos esses fatores
aumentam consideravelmente a compreensão de como é produzida a lesão por tiro.
Além das variações inerentes às diferentes estruturas que compõem o corpo humano,
outras variáveis externas devem ser consideradas, tais como a velocidade, formato,
dimensões e massa do projétil que atinge o corpo. Considerando a mesma região atingida,
projéteis com características diferentes produzem lesões diferentes. Projéteis com as
mesmas características atingindo diferentes regiões produzem lesões diferentes. Tais fatores
obrigam o Perito a analisar diversas variáveis simultaneamente para concluir como se deu o
mecanismo da lesão.
Para se ter uma ideia de como é a cavidade temporária produzida pela passagem de um
projétil basta efetuar um tiro em um material que permita a expansão da onda de choque,
mas que não possua elasticidade para a reacomodação do material no trajeto de passagem
do projétil. Vários materiais podem ser empregados neste teste, tais como argila, plastilina
(massa de modelar) ou sabão em barra. Veja na FIGURA 1 a cavidade temporária de um
projétil produzida em um bloco de argila.
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Figura 1 – Fotografia operada durante ensaio prático realizado pelo autor. Note a cavidade
temporária produzida no bloco de argila em virtude da onda de choque gerada pelo projétil.
Perceba que a cavidade temporária é consideravelmente maior que o diâmetro do projétil.
É importante destacar que não se pode associar a cavidade temporária diretamente à lesão
produzida, pois não necessariamente a cavidade temporária resultará em lesão. No caso de
projéteis dotados de menor velocidade, a cavidade temporária terá expansão mais lenta, de
maneira que a elasticidade dos tecidos consegue absorver a energia, dissipando-a pelo
aquecimento das fibras, sendo as lesões observadas somente nas regiões diretamente
atingidas pelo projétil. Já em projéteis com maior velocidade, as dimensões muito maiores
da cavidade temporária, com maior velocidade de expansão, podem resultar em uma
distensão dos tecidos que ultrapassa a capacidade elástica dos mesmos, produzindo lesões
mesmo em regiões não atingidas diretamente pelo projétil. A literatura é consistente neste
sentido, conforme pode ser visto a seguir:
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armas curtas é irrelevante.”
(DIMAIO, 2016) – grifos nossos
Uma vez cessada a cavidade temporária, pela reacomodação dos tecidos, percebe-se o dano
final resultante da ação do projétil, sendo este dano a lesão final propriamente dita,
denominada cavidade permanente, que será sempre menor que a cavidade temporária.
Assim como no caso da cavidade temporária, as dimensões e caraterísticas cavidade
permanente dependerão de diversos fatores (região atingida, velocidade e dimensões do
projétil, etc). Nos casos em que a velocidade do projétil é insuficiente para causar danos pela
cavidade temporária, a cavidade permanente terá dimensões muito próximas às dimensões
do projétil, de forma que projéteis maiores produzem cavidades permanentes maiores.
Projéteis que se expandem resultam em cavidades permanentes maiores que projéteis que
não se expandem. Já nos casos em que a velocidade é suficiente para gerar lesões pelo
mecanismo da cavidade temporária, a cavidade permanente poderá ter dimensões
consideravelmente maiores que o diâmetro do projétil, alcançando regiões não atingidas
diretamente por ele.
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Figura 2 – Desenho esquemático elaborado pelo autor, mostrando a formação das cavidades
temporária e permanente. As setas indicam a distensão e retração dos tecidos devido à
elasticidade deles. Note a compressão e esmagamento dos tecidos à frente do projétil, que
resultará na propagação da onda de choque pelo trajeto do projétil.
Você deve ter estranhado o título deste tópico pelo emprego do termo “alta energia”. O
emprego foi proposital. Aqui serão mostrados calibres que são reconhecidamente
denominados de alta energia, comparados com outros calibres de energias semelhantes, ou
até maiores, bem como as diferenças nos seus comportamentos, associadas não só às
diferentes velocidades como também a outros fatores.
Veja a tabela abaixo, mostrando as velocidades, massas e energias dos calibres .223
Remington, 5,56x45mm NATO, .308 Winchester e 7,62x51mm NATO, todas obtidas do site da
Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC):
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5.56x45mm NATO, .308 Winchester e 7.62x51m NATO.
Agora, observe a tabela abaixo, apresentando as velocidades, massas e energias dos calibres
.44 Remington Magnum (arma com de 24”), .454 Casul e .500 S&W (revólver)
Observando as tabelas anteriores, é possível notar que todos os calibres na primeira tabela
apresentam velocidades consideravelmente superiores aos 600 m/s descritos por Dimaio
como a velocidade mínima necessária para que cavidade temporária do projétil seja capaz
de produzir lesões. Isso não significa que os calibres mostrados na Tabela 1 sejam mais ou
menos eficazes que os calibres mostrados na Tabela 2, mas sim que a atuação deles se dá de
maneira diferente.
Tomem-se como exemplo os calibres .223 Remington (1.745 Joules) e .454 Casul (2.531
Joules). Repare que o segundo apresenta energia consideravelmente maior que o primeiro,
embora não receba a denominação de “calibre de alta energia”, que normalmente é
empregada no caso do calibre .223 Remington. Isso mostra que o que torna os calibres ditos
de “alta energia” especiais não é exatamente a energia e sim outros fatores que trazem
vantagens táticas, a depender do emprego.
Outras diferenças entre esses calibres devem ser observadas, tais como a massa, formato e
dimensões do projétil. Na Tabela 1, os projéteis apresentam massa consideravelmente
menor, ponta mais afinada, diâmetro menor, comprimento maior, com o corpo oblongo. Na
Tabela 2 os projéteis apresentam massa maior, ponta achatada, diâmetro maior e
comprimento mais próximo do diâmetro, com formato mais “quadrado”. Veja na Figura 1 a
comparação entre projéteis de calibres .223 Remington, e.454 Casul:
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Figura 3 – Mostra um projétil de calibre .223 Remington ao lado de um projétil de calibre .454
Casul, ambos em escala entre si.
Já o projétil de calibre .454 Casul apresenta comprimento aproximadamente 1,5 maior que o
diâmetro apenas. Com um formato mais “redondo”, a estabilidade é favorecida, enquanto o
coeficiente balístico é consideravelmente prejudicado. Justamente pelo formato do projétil
favorecer a estabilidade, a base pode ser reta. A ponta achatada reduz a pressão e,
consequentemente a penetração. Apresenta também a cinta para crimpagem, mesma
forma que o projétil de calibre .223 Remington, só que neste caso, em função do maior
diâmetro do projétil, tal cinta não atua como ponto de fragilidade.
Até o momento foram mostradas apenas as características dos calibres ditos de alta energia,
tentando demonstrar que este não é um parâmetro adequado para a comparação de
calibres. Já foi possível perceber que a energia depende tanto da massa quanto da
velocidade, porém tais fatores contribuem de maneiras diferentes. Calibres podem possuir a
mesma energia, porém com velocidades maiores ou menores, sendo essa velocidade um
fator importante na dinâmica da produção da lesão. Destaca-se que o assunto da dinâmica
da produção da lesão também não foi esgotado, bem como outros aspectos relacionados a
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esses calibres. Falaremos adiante sobre as características desses calibres em alvos rígidos,
como madeira e chapas metálicas, e alvos moles, como o corpo humano e meios líquidos.
Por ora, espero que já esteja se acostumando a deixar de se referir aos calibres de fuzil como
calibres de alta energia e passando a se reprogramar para denomina-los calibres de alta
velocidade.
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CALIBRES DE ALTA ENERGIA OU CALIBRES DE
ALTA VELOCIDADE? PARTE II
Escrito em 23/04/2020 por João Bosco
1 - INTRODUÇÃO
Na PARTE I do nosso estudo, abordei as diferenças entre os conceitos de alta energia e alta
velocidade, demonstrando que dois calibres podem ter a mesma energia e características
completamente diferentes. Você viu que a energia é uma grandeza escalar e a velocidade
uma grandeza vetorial e percebeu como isso se relaciona ao comportamento do projétil.
Nessa segunda parte vamos abordar os aspectos relacionados à balística externa dos ditos
“calibres de alta energia”, comparando, novamente, os dois universos compreendidos na
mesma faixa de energia: os calibres cujos projéteis possuem velocidade maior e massa
menor e os calibres cujos projéteis possuem velocidade menor e massa maior.
Novamente teremos que lançar mão da física na nossa análise, uma vez que o conceito de
energia cinética é um conceito da mecânica clássica. Não obstante, novamente tentarei
“amaciar” o conteúdo para torná-lo compreensível mesmo aos leitores que não tem muito
traquejo com as ciências exatas!
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Qualquer corpo em deslocamento no ar estará sujeito a pelo menos duas forças: a força da
gravidade e a resistência do ar. A Força da Gravidade, ou peso, depende de dois fatores, que
são a massa do corpo e a aceleração da gravidade:
A aceleração da gravidade é a mesma para todos os corpos, com valor aproximado de 9,8
m/s2. A aceleração é a variação da velocidade de um corpo, ou seja, a rapidez com que a
velocidade aumenta ou diminui. Se dois corpos possuem a mesma aceleração, sofrerão igual
acréscimo na sua velocidade em um mesmo intervalo de tempo. Isso significa dizer que se
formos considerar apenas a força da gravidade, dois corpos abandonados da mesma altura
sempre caem juntos, ao mesmo tempo, pois a variação da velocidade deles é a mesma,
independentemente da massa! Isso só é possível no vácuo, pois quando consideramos um
corpo em queda livre na atmosfera, teremos a atuação da força de resistência do ar. Para
comprovar o que acabei de comentar, sugiro que você assista ao vídeo abaixo, que mostra
um experimento em que algumas penas são abandonadas juntamente com uma bola de
boliche em uma câmara de vácuo:
https://www.youtube.com/watch?v=JcmqfzGFhqQ
Considerando que seja efetuado um tiro com uma arma em calibre .223 Remington e um
tiro com uma arma em calibre .454 Casull, ambos os tiros com os canos à mesma altura e na
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horizontal, ou seja, paralelos ao solo, qual dos dois projéteis irá tocar o chão primeiro? Para
refrescar a sua memória, mostro os dados balísticos dos dois calibres na tabela abaixo:
Se você respondeu que será o de calibre .454 Casull, errou... Se respondeu que será o de
calibre .223 Remington, errou também! A resposta é: os dois tocarão o chão AO MESMO
TEMPO! Se analisar o que foi explicado antes irá entender! A aceleração da gravidade para os
dois projéteis é a mesma. A área e a densidade dos dois é relativamente próxima, de forma
que a resistência do ar nos dois casos será semelhante! A velocidade na boca do cano é
indiferente, no caso do tiro na horizontal. Se o tiro for com o cano em ângulo, a componente
vertical da velocidade do projétil mais rápido fará toda a diferença. O objetivo dessa
pergunta foi só demonstrar que a ação da gravidade é a mesma para qualquer calibre de
arma de fogo. Você mesmo pode fazer esse teste usando dois projéteis ou duas pedras de
massas bem diferentes!
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Figura 1 – Gráfico demonstrando a diferença na trajetória do projétil em relação à resistência
do ar. Cálculo realizado para um projétil de calibre .380 Auto com projétil de 95 gn e ângulo
de tiro de 30o.
Analisando o gráfico é possível perceber que o alcance do projétil em questão seria de mais
de 12 km desprezando a resistência do ar e é de em torno de 750 metros, considerando esse
fator, mostrando que não é nada desprezível!
Como foi visto anteriormente, a aceleração da gravidade imprime aos corpos em queda livre
a mesma aceleração, entretanto a velocidade de queda varia de acordo com a resistência do
ar, que depende, dentre outros fatores, da forma do corpo que se desloca. Essa dependência
do formato do corpo é denominada Coeficiente de Arrasto (Ca). No nosso cotidiano vemos a
influência deste coeficiente, seja no formato de um veículo esportivo, de uma ave ou na
posição de um ciclista em uma prova de velocidade. Nos três exemplos, percebe-se um
formato que tende a ser mais achatado e comprido, conforme se nota na Figura 2:
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Figura 2 - Mostra as linhas de escoamento do ar em torno de um automóvel esportivo, um
velociclista e uma ave.
Este formato mais alongado produz um arrasto menor pois o ar “desliza” contornando o
corpo, produzindo menos turbulência. Nos corpos com formato menos aerodinâmico essa
turbulência gera um vácuo atrás do corpo que o “arrasta” no sentido contrário ao
movimento, vindo daí o termo Coeficiente de Arrasto.
Figura 3 - Mostra o deslocamento de três corpos com formatos diferentes no ar. O arrasto é
tão maior quanto maior for a turbulência gerada atrás do corpo.
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coeficiente, maior é o arrasto gerado no deslocamento do corpo:
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Complementando a explicação de MARIZ(2019), veja a figura Figura 5 da mesma fonte que
ilustra a questão:
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oblongos geram um menor coeficiente de arrasto.
Portanto:
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Até o momento é importante que você tenha entendido os conceitos aqui tratados, não só
por se relacionarem à balística externa como também por serem inteiramente aplicáveis à
balística terminal, conforme será demonstrado na terceira parte do estudo.
Observando a Figura 6 é possível notar que o formato do projétil de calibre .223 Remington é
mais oblongo, consequentemente com coeficiente balístico maior, enquanto que o de
calibre .454 Casull é mais “quadrado”, gerando um coeficiente balístico menor. É importante
ressaltar que, apesar do coeficiente balístico ser proporcional à massa, o formato do projétil é
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um fator importante tanto no Coeficiente de Arrasto quanto na área, analisando a Equação
4.
Figura 7 – Curvas balísticas de projéteis de calibres .223 Remington (1738 joules) e .454 Casull
(2536 Joules), gerado a partir do site http://gundata.org.
Analisando a Figura 7 é possível perceber que o alcance de projéteis de calibre .454 Casull é
sensivelmente inferior ao alcance de projéteis de calibre .223 Remington, apesar da energia
ser consideravelmente maior. Além disso, a trajetória do .223 Remington é mais tensa, ou
seja, mais aproximada de uma linha reta, do que a trajetória do .454 Casull. Isso se deve
tanto à maior velocidade inicial do projétil de calibre .223 Remington, que faz com que ele
percorra uma distância maior em um tempo menor, quanto ao seu maior Coeficiente
Balístico, que faz com que o projétil consiga ter menor perda de energia cinética por atrito
com o ar. Não se esqueça que a energia cinética do calibre .454 Casull é consideravelmente
maior que a do calibre .223 Remington! Isso é mais um fator que demonstra que a energia
cinética não é um bom parâmetro de comparação de desempenho de calibres.
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Nesta segunda parte do artigo mostramos as diferenças na balística externa dos ditos
calibres de “alta energia”, demonstrando que a energia não é um fator preponderante no
comportamento dinâmico do projétil. Foi possível perceber que fatores como o formato e
velocidade do projétil são muito mais importantes na trajetória do que a energia em si. Na
terceira parte do artigo serão analisados os aspectos relacionados à balística terminal desses
calibres. Você verá que alguns aspectos abordados na balística externa também são úteis na
balística terminal, principalmente nas lesões em tecidos moles. Quem sabe, até lá você já
estará convencido em não empregar mais o termo calibres de alta energia e substituirá por
calibres de alta velocidade!
BIBLIOGRAFIA
GUNDATA. Gundata. Disponivel em: <http://gundata.org>. Acesso em: 2020 abril 21.
Para entender melhor sobre o escoamento laminar e turbulento de fluidos, pesquise sobre o
Número de Reynolds.
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CALIBRES DE ALTA ENERGIA OU CALIBRES DE
ALTA VELOCIDADE? PARTE III
Escrito em 05/08/2020 por João Bosco
A terceira parte do nosso estudo mostra as diferenças nas características das lesões dos
calibres de baixa e alta velocidade, demonstrando que o mecanismo de produção dessas
lesões não está relacionado à energia e sim à velocidade do projétil.
1 - INTRODUÇÃO
Na primeira parte do nosso estudo, abordei as diferenças entre os conceitos de alta energia
e alta velocidade, demonstrando que dois calibres podem ter a mesma energia e
características completamente diferentes. Você viu que a energia é uma grandeza escalar e
a velocidade uma grandeza vetorial e percebeu como isso se relaciona ao comportamento
do projétil. Na segunda parte abordei os aspectos relacionados à balística externa dos ditos
“calibres de alta energia”, comparando, novamente, os dois universos compreendidos na
mesma faixa de energia: os calibres cujos projéteis possuem velocidade maior e massa
menor e os calibres cujos projéteis possuem velocidade menor e massa maior. Vimos que os
formatos dos dois tipos de projéteis são bastante diferentes.
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nulo dos tecidos adjacentes à região atingida pelo instrumento, o projétil propelido por
arma de fogo (PAF) produz, além da lesão propriamente dita, uma onda de choque ao
empurrar os tecidos, por meio de uma ação contínua de compressão e esmagamento, que
se desloca radialmente à medida que o projétil avança pelo tecido. Com isso, mesmo tecidos
não diretamente atingidos pelo projétil acabam por perceber a ação do instrumento, não
necessariamente resultando em lesões.
Por serem dotados de massa e velocidade, os projéteis possuem, portanto, energia cinética,
que é uma das formas de energia mecânica. Ao se chocar contra o alvo, parte ou toda a
energia cinética contida no projétil se dissipa em outras formas de energia, como por
exemplo energia térmica (calor), energia sonora (som), deformação dos tecidos (que
também pode ser entendida como energia mecânica, desta vez energia potencial elástica,
em função da elasticidade dos tecidos), sendo esta última a principal causadora da lesão
propriamente dita. A elasticidade dos tecidos que compõem o corpo varia de acordo com a
região e estruturas atingidas. Um tecido muscular esquelético possui fibras mais resistentes
e com maior elasticidade que um órgão com maior quantidade de água, como o baço, por
exemplo. Órgãos ocos como o pulmão ou a bexiga, apresentam comportamentos diferentes
de órgãos sólidos, como o fígado, baço e rins. Os ossos possuem maior resistência mecânica
e menor elasticidade, quebrando-se ao invés de expandir. Todos esses fatores aumentam
consideravelmente a compreensão de como é produzida a lesão por tiro.
Além das variações inerentes às diferentes estruturas que compõem o corpo humano,
outras variáveis externas devem ser consideradas, tais como a velocidade, formato,
dimensões e massa do projétil que atinge o corpo. Considerando a mesma região atingida,
projéteis com características diferentes produzem lesões diferentes. Projéteis com as
mesmas características atingindo diferentes regiões produzem lesões diferentes.
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ocorrendo a reacomodação dos tecidos. Todo esse movimento de expansão e
reacomodação de tecidos é denominado CAVIDADE TEMPORÁRIA, pois ocorre em fração de
segundo, com duração e raio de expansão dependente de diversos fatores, dentre eles a
região atingida, o formato e velocidade do projétil.
Para se ter uma ideia de como é a cavidade temporária produzida pela passagem de um
projétil, basta efetuar um tiro em um material que permita a expansão da onda de choque,
mas que não possua elasticidade para a reacomodação do material no trajeto de passagem
do projétil. Vários materiais podem ser empregados neste teste, tais como argila, plastilina
(massa de modelar) ou sabão em barra. Veja na Figura 1 a cavidade temporária de um
projétil produzida em um bloco de argila.
Figura 1 - Fotografia operada durante ensaio prático realizado pelo autor. Note a cavidade
temporária produzida no bloco de argila em virtude da onda de choque gerada pelo projétil.
Perceba que a cavidade temporária é consideravelmente maior que o diâmetro do projétil.
(Fonte: acervo do autor)
Uma vez cessada a cavidade temporária, pela reacomodação dos tecidos, percebe-se o dano
final resultante da ação do projétil, sendo este dano a lesão final propriamente dita,
denominado cavidade permanente, que será sempre menor que a cavidade temporária.
Assim como no caso da cavidade temporária, as dimensões e caraterísticas cavidade
permanente dependerão de diversos fatores (região atingida, velocidade, e dimensões do
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projétil, etc).
Com base no exposto até agora, é possível entender como se dá a dinâmica de produção de
lesão dos projéteis de baixa velocidade, principalmente se observarmos o que a literatura
informa sobre o tema:
“Se a cavidade temporária for produzida rápida o bastante para ultrapassar a capacidade
elástica do tecido, será capaz de produzir lesões em decorrência do estiramento provocado.
Este efeito é percebido em projéteis de calibres de alta energia, como os de fuzis, mas não
pelos calibres mais comuns de armas curtas. Para que a cavidade temporária de um projétil
seja capaz de produzir um efeito lesivo, a velocidade do projétil precisa exceder os 2.000 pés
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por segundo (610 m/s).
Em velocidades menores, desenvolvidas por armas curtas, a cavidade temporária não possui
velocidade suficiente para produzir nenhum efeito lesivo, portanto qualquer diferença de
cavidade temporária produzida por calibres de armas curtas é irrelevante.” (DIMAIO, 2016)
Para melhor ilustrar o tema, imagine uma corda submetida a uma tração gradual. Ela vai se
esticando vagarosamente até suportar uma determinada carga. Agora imagine que uma
carga um pouco menor que a corda suportou fosse bruscamente aplicada. Neste caso,
apesar de ser uma carga menor do que a suportada pela corda, a velocidade com que a
tração foi exercida foi grande o suficiente para ultrapassar a capacidade elástica da corda,
resultando na sua ruptura.
Mesmo no caso dos projéteis expansivos, ainda assim não haverá alteração da velocidade de
formação da cavidade temporária, ou seja, o tamanho da lesão resultante será pouca coisa
maior que aquela resultante de projéteis ogivais. Essa diferença de tamanho pode até não
ser perceptível, a depender do tecido lesionado. O tombamento do projétil não representa
grande alteração, uma vez que, como já discutido anteriormente, os projéteis são mais
“quadrados” de maneira que não há muita diferença entre o seu diâmetro e comprimento
(Figura 3).
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Figura 3 – Mostra um projétil de calibre .454 Casull comparando o seu diâmetro com o
comprimento. Nota-se que o comprimento não chega a ser nem o dobro do seu diâmetro.
A fragmentação dos projéteis não é um elemento desejável nos calibres de baixa velocidade.
Como os danos por eles produzidos são apenas os primários, o desejável é que possuam
maior penetração. Para isso, precisam manter a massa e, consequentemente, a inércia.
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Figura 4 – Mostra um projétil de calibre .223 Remington comparando o seu diâmetro com o
comprimento. Nota-se que o comprimento é mais de três vezes maior do que o diâmetro,
visando melhorar o CB (coeficiente balístico).
Quando um projétil com o formato mostrado na Figura 4 atinge um meio mole como o
corpo humano, a estabilidade fica prejudicada, em virtude do maior arrasto produzido pelos
tecidos. O projétil até consegue percorrer um determinado trecho ainda com estabilidade,
mas depois tomba, oferecendo a sua área lateral perpendicularmente ao deslocamento.
Vimos na Parte II desse estudo que o formato do corpo possui grande interferência no
arrasto. Neste caso do tombamento do projétil, o arrasto que era pequeno antes do
tombamento, passa a ser enorme quando o projétil tomba, empurrando uma grande massa
de tecidos a grande velocidade, resultando em uma cavidade temporária enorme e
com velocidade de formação muito maior do que dos calibres de baixa velocidade,
justamente por causa da maior velocidade do projétil. Essa distância necessária dentro do
corpo para que ocorra o tombamento do projétil e magnificação do dano é denominada
“neck” (do inglês, pescoço). Veja este efeito na Figura 5:
Figura 5 – Mostra o tombamento do projétil ocorrido após o neck. Este tombamento, aliada à
alta velocidade do projétil, produz uma grande cavidade temporária de maneira muito
rápida.(Fonte: acervo do autor)
Essa formação do neck está aliada a diversos fatores, que fazem com que ele seja maior ou
menor, tais como a velocidade do projétil, formato do projétil, o passo de raiamento da arma
e a consistência da região anatômica.
Projéteis mais velozes resultam em neck mais longo. Projéteis mais compridos possuem
menos estabilidade, portanto neck mais curto. Considerando o mesmo tipo de projétil,
armas com passo de raiamento menor impõem rotação mais rápida ao projétil,
aumentando a sua estabilidade e, consequentemente o neck. Regiões anatômicas mais
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moles conseguem desestabilizar o projétil mais rápido, resultando em um neck menor. Os
danos resultantes do estiramento dos tecidos em virtude da cavidade temporária são
denominados “danos secundários”.
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Esta formação do neck é um fator de grande importância nos calibres de alta velocidade,
entretanto não é o único a produzir danos. Quando um projétil de alta velocidade atinge um
osso, a grande fragmentação tanto do osso quanto do projétil aliada à velocidade que tais
fragmentos serão impulsionados aumenta consideravelmente a gravidade da lesão,
resultando nos “danos terciários”. Quando um ou mais ossos dos membros são atingidos, a
laceração tecidual pode ser tão ampla a ponto de praticamente resultar em uma
amputação traumática do membro, que ficará preso ao corpo tão somente por retalhos de
pele e músculos, como mostrado na figura seguinte:
Figura 7 - Mostra um ferimento produzido por projétil de alta velocidade atingindo o úmero.
A – Ferimento de entrada. B – Ferimento de saída. C – RX do segmento. Note a grande
laceração resultante da projeção dos fragmentos ósseos no entorno da lesão. (Fonte: acervo
do autor)
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pressão exercida na lateral do projétil pela resistência dos tecidos. Como o comprimento do
projétil é muito maior que o diâmetro, ocorre a fragmentação do projétil, geralmente em
dois fragmentos, ainda com velocidade suficiente para penetrar mais nos tecidos. A cinta de
crimpagem dos projéteis, que é um anel recartilhado no ponto de estreitamento que
coincide com a boca do estojo, maximiza a possibilidade de fragmentação do projétil.
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profundidade menor do que nos projéteis encamisados.
Figura 10 - Grande ferimento de entrada no esterno, produzido por projétil de calibre 5.56x45
mm NATO. (Fonte: acervo do autor)
5 - CONCLUSÕES
Espera-se que com a leitura das três partes desse estudo tenha ficado claro que o que
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determina as características da lesão não é propriamente a energia do projétil e sim a sua
velocidade. Foram mostradas as diferenças entre as lesões de calibres de alta e baixa
velocidade e os efeitos internos no corpo, podendo-se resumir da seguinte maneira:
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