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Jean Davi Frainer

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VIOLÊNCIA
e deficiência educativa:
o papel da família e das
instituições de educação
Jean Davi
Agnaldo Frainer
Soares Lima(1)(1)
Julio Cesar Francisco (2)

© 2015
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A784f Frainer, Jean Davi


Lima, Agnaldo Soares / Francisco, Julio Cesar.
Juventude,
Violência e violência e sistema
deficiência preventivo
educativa: o papel das
famílias e das
Ilustrações: instituições de educação.
Lemoura
Ilustrações:
Fotos: Lemoura
Shutterstock / Capa: Monkey Business
Fotos: Shutterstock / Capa: Dmitry Tsvetkov
Images
impressão
1a impressão
Brasília: Edebê
Edebê Brasil, 2018.
2018.
27 p.: il.
20p.:
ISBN 978-85-93965-20-3
978-85-93965-32-6(LA (LAimpresso)
impresso e
digital)
Suporte: E-book
CDU 53(075)

(1) Sacerdote Salesiano. Diretor Executivo da (2) Pedagogo (2014), Mestre em Educação (2017)
Rede Salesiana Brasil de Ação Social (Brasília/ e Doutorando em Educação pela Universidade
DF). Graduado em Filosofia, Pedagogia (UNISAL Federal de São Carlos. Atualmente é bolsista CAPES
(1) Jornalista
Lorena e Agente
1980); Socioeducativo.
Teologia (UPS Roma/Itália 1987) e (2017 – Atual). Consultor especializado em Sistema
Mestre em Sociologia Política pela Universidade de Santa Catarina.
pós-graduado em Educação Social (UCB – Brasília/ Socioeducativo.
Atualmente graduando em Administração (UFSC) e Sociologia (Uniasselvi);
DF 2010). Contato: agnaldo.lima@rsb.org.br Contato: socioeducativo.julio@gmail.com
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APONTAM que são aproximadamente 51 mi- to, problematizar a relação da juventude com a
lhões de jovens entre 15 a 29 anos, represen- violência, observando elementos que agravam
tando um quarto da população. No entanto, a os processos de integração social.
escassez de oportunidades de acesso ao mercado
de trabalho formal, à educação, cultura, saúde e EM TEMPOS de paz ameaçada, como cris-
lazer, somada ao aumento de violência e pobreza, tãos, somos chamados a construir o Reino da
tem prejudicado as perspectivas de futuro. justiça, do amor e da paz, uma vez que todos
somos irmãos. Sendo assim, queremos também
A SITUAÇÃO de vulnerabilidade social possui identificar pistas de ação nos ensinamentos de
fortes vínculos com a violência sofrida e pra- Dom Bosco e seu Sistema Preventivo e apre-
ticada pelos jovens e não contribui para uma sentar caminhos que possibilitem a superação
participação ativa nos processos de conquista da violência de modo criativo, otimista e com-
da cidadania. Por isso, pretende-se, neste tex- prometido com a vida.

Shutterstock / RomeoLu

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Shutterstock / Por RimDream
Shutterstock / Kurhan
É UMA CONSTRUÇÃO histórica e cultural, Pode-se dizer que juventude é uma fase crucial
logo, as definições acerca do que é ser jovem para a formação e transformação individual, seja
e até quando se é jovem mudam no tempo e na maturação do corpo, espírito e mente, ou
são distintas nas diversas culturas e espaços nas decisões que a encaminham para a vida
sociais. Levando em consideração que cada ex- adulta. É uma fase de tentativas, incertezas,
periência geracional é inédita e que a condição decisões, buscas e de aprendizagens. Na lite-
juvenil tem especificidades, devemos pensar a ratura sociológica, distingue-se juventude como
juventude contemporânea a partir da velocidade condição, mas também como situação. Para
das mudanças no mundo globalizado, no qual Groppo (2000) o jovem e seu comportamento
os espaços de socialização foram ampliados se modificam conforme a classe social, o grupo
pelos meios de comunicação e inovações tec- étnico, a nacionalidade, o gênero, o contexto
nológicas, bem como as noções de tempo e histórico, nacional e regional, etc.
espaço sofreram modificações, ao aproximar Em termos culturais, nota-se que nem sempre
jovens de diferentes grupos sociais e culturais, os jovens se enquadram nos modelos que a
transformando radicalmente seu papel na so- sociedade lhes propõe. Pais (2006) defende que
ciedade. atualmente os processos de transição para a

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vida adulta possuem natureza labiríntica, pro- estar completamente envolvida no status quo
vocando sensações de confusão. Inseridos em da ordem social. Desse modo, esse modelo
novos contextos de uma sociedade globalizada, de sociedade utiliza as potencialidades dos
marcados por novos códigos culturais e sociais, jovens para produzir transformações, contudo,
desigualdades, destruição da natureza e quebra tal potencial só se torna função social com um
de tabus sexuais, os jovens contemporâneos processo de integração dos agentes. Aqui reside
passaram a conviver com o risco de não dar uma questão chave quando pensamos a juven-
conta de assimilar todas as mudanças velozes tude brasileira, sendo ela um dos segmentos da
e informações constantes, encontrando dificul- população mais atingidos pela exclusão social.
dades para construir sua identidade.
DE ACORDO com o Censo do IBGE 2010,
DIANTE de situações de inconstâncias e in- no Brasil, 63% dos jovens (15 a 29 anos) pos-
certezas, o jovem corre o risco de tudo rela- suem renda per capita familiar de até um salário
tivizar: escola, trabalho, relações afetivas, etc. mínimo, 16,2% chegaram ao ensino superior
Também há uma tensão em relação ao futuro e 46,3% concluíram apenas o ensino médio,
que se encontra ‘desfuturizado’, quando sen- 46,5% estão desempregados, e 84,8% estão
tem fracassar em oferecer possibilidades para nas cidades, contra 15,2% que permanecem
concretizar seus projetos. Para enfrentar tais no campo. Novaes (2006) defende que esse
situações, muitas vezes acabam se refugiando cenário brasileiro de desigualdade, em termos
no mundo virtual, onde podem ser protagonistas socioeconômicos e culturais, tem gerado medos
e realizar desejos que dificilmente consegui- em relação ao amanhã, devido às incertezas
riam na realidade. Além disso, há aqueles que de inserção no mercado de trabalho e à morte
negam os valores tradicionais das gerações prematura em virtude da violência.
mais velhas, cuja vida é organizada seguindo
Falar em juventude – na literatura e na história
caminhos rotineiros e transmissores de sensa-
– é sempre falar de riscos, transgressões, aven-
ções de segurança, e preferem se guiar pelas
turas, necessidades de adrenalina, violência etc.
aventuras, riscos e excessos.
Contudo, do ponto de vista histórico, os limites
são testados justamente porque o jovem está,
NA CONCEPÇÃO de Manheim (1973), a ju-
em termos biológicos, mais longe da morte. Esta
ventude é predestinada às mudanças na so-
geração teme a morte e convive com a morte
ciedade por carregar um potencial de transfor- prematura de seus pares. Nesse sentido, não
mações conservadoras ou progressistas. Ela é deixa de ser também um paradoxo historica-
uma reserva latente que toda sociedade pos- mente inédito: na geração em que se alarga,
sui e dependerá da estrutura social mobilizá-la cronologicamente, o “tempo de ser jovem” em
ou suprimi-la para cumprir uma função social. relação às gerações anteriores da mesma socie-
Nas sociedades dinâmicas, as gerações mais dade moderna, amplia-se a expectativa de vida
velhas confiam na cooperação da juventude da população em geral, e, ao mesmo tempo,
para apresentar novas saídas e ela acaba ten- também se generaliza um sentimento de vulne-
do uma função de agente revitalizador, por não rabilidade dos jovens (NOVAES, 2006).

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SEM PERSPECTIVAS de futuro, uma parcela a ambientes de criminalidade como facções,
juvenil, sobretudo das classes populares, re- gangues e quadrilhas que adotam meios vio-
corre a outras saídas como dependências de lentos (assaltos, sequestros, assassinatos) para
drogas, crime e suicídio, por exemplo. O Mapa alcançar seus fins.
da Violência (2013) aponta que a taxa de ho- A combinação desses fatores tem sido respon-
micídios juvenis é de 53,4 por 100 mil jovens. sável por situar os jovens à margem da partici-
Outro relatório que chama atenção é o Índice pação democrática que colabore na construção
de Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2017, de identidades sensíveis à diversidade cultural e
indicando que, em 24 unidades da federação, à solidariedade por compromissos de cidadania,
assim como no fortalecimento de autoestima e
a chance de um jovem negro morrer assassi-
de um sentimento de pertencimento comunitá-
nado é 2,7 vezes maior do que a de um jovem
rio. Em decorrência, muitos ficam relegados às
branco. O mesmo relatório revela ainda que o
influências que nascem de sua interação coti-
homicídio é a principal causa de morte entre diana nas ruas, com outros que partilham das
os jovens de 15 a 29 anos. mesmas carências quando não são atraídos pelo
mundo do crime e das drogas, inclusive por seus
O CENÁRIO de violência que atinge a juven- símbolos e práticas autoritárias de imposição de
tude brasileira tem raízes históricas e ligação poder, ou de protagonismo negativo. A violên-
íntima com as estruturas de dominação que cia juvenil, nesse contexto, tem emergido sob
se perpetuam desde a colonização, privile- diversas lógicas. Por um lado, tem representado
giando alguns grupos e negando os direitos uma forma de os jovens quebrarem com sua
invisibilidade e mostrarem-se capazes de influir
da maioria. É uma violência social que revela
nos processos sociais e políticos [...] Por outro
estruturas de dominação e contradições entre
lado, a não-presença de um Estado orientado
quem quer manter seus privilégios e quem luta
para o bem-estar social, desenvolvimento cul-
contra a opressão. Não há oportunidades para tural e lúdico em comunidades pobres, ou de
todos: faltam empregos, o acesso à educação governabilidade positiva é preenchida por formas
de qualidade e ao mercado de trabalho formal de governabilidade negativa (ABRAMOWAY et
é restrito, além de também serem escassas as al, 2002).
oportunidades de lazer e cultura.
A VIOLÊNCIA é um fenômeno social que atinge
ESSA FALTA de acesso a recursos materiais e tanto o Estado quanto a sociedade civil, seja no
simbólicos diminui as chances de oportunida- âmbito público ou privado. Múltiplas atitudes
des para ascensão social dos jovens e, diante e comportamentos podem ser considerados
de uma sociedade que segrega os canais de como formas de violência. Ela pode ser direta,
mobilidade social, a violência tem surgido como por meio de atos físicos que resultem em pre-
um mecanismo para obtenção desses recursos. juízos à integridade da vida humana, ou indire-
A exclusão social pode fomentar nos indivíduos ta, envolvendo formas de ação coercitiva com
o sentimento de frustração, que contribue para agressões que prejudiquem nos âmbitos psico-
corroer os laços de solidariedade. Tal fragilidade lógico e emocional. Há também outras formas
colabora para a aproximação e pertencimento de violência como a simbólica, que abrange as

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Batalhão de tropas especiais faz buscas numa
favela, no Rio de janeiro. Antonio Scorza /
Shutterstock

relações de poder entre as pessoas ou institui- O crescimento do crime e da violência resulta


ções, cerceando o pensamento, a consciência não apenas da pobreza e da desigualdade so-
e a livre ação dos indivíduos. cial, da falta ou má qualidade dos serviços de
COMO JÁ VISTO, o sistema econômico é capaz segurança e da disseminação de armas e dro-
de gerar uma desigualdade que produz violência gas. Resulta também da incerteza política e dos
ao negar oportunidades a muitos e favorecer o conflitos institucionais não resolvidos durante a
bem-estar de uma parcela ínfima da sociedade, transição para a democracia, e enfraquecem o
inviabilizando a justiça e a equidade. De um lado
impacto das ações para aperfeiçoar os serviços
tem-se a população excluída nas periferias que
de segurança e justiça (MESQUITA NETO et al,
sofre e é, muitas vezes, agente da violência;
2001).
do outro, quem tem recursos vive com medo e
trancafiado. No entanto, embora geralmente seja Os sentidos da violência podem estar associa-
associada à pobreza, estudos apontam que a dos não somente com as desigualdades sociais
violência, não é sua consequência direta. em si, mas na forma como se canaliza o des-

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contentamento com as violações de direitos, Problemas como a desigualdade social e a vio-
aplicação das leis e falta de equidade. Logo, lência são originados por múltiplos fatores e
quando o indivíduo se sente desrespeitado nos formam uma rede causal complexa. Para su-
termos das leis, pode apresentar comporta- perá-los é fundamental dar conta dessa com-
mentos de desrespeito em relação aos outros plexidade e reconhecer a necessidade de po-
e, deste modo, a ética do convívio social é líticas que respondam às demandas. Logo, as
atingida. A desconfiança na justiça, por parte soluções não deverão se limitar a argumentos
dos cidadãos, pode gerar um sentimento vinga- que defendam o aumento de coerção, como
tivo e revanchista, que recusa políticas públicas acréscimo de efetivo policial, construções de
protetoras dos direitos humanos e clama por presídios e redução da maioridade penal, mas
mais punição. o debate deve ser ampliado. Por isso, a par-
A deficiência dos sistemas judiciais, a falta de tir de agora vamos conhecer o olhar cristão
confiança da população na aplicação e cumpri- e salesiano que segue na contramão dessas
mento das leis e a desconfiança com a polícia lógicas. Em Dom Bosco certamente encontra-
contribuem significativamente para o incremento remos indicativos que nos desafiarão a uma
de atos violentos. Já do ponto de vista das víti- atitude crítica e criativa para propor alternativas
mas aparece o sentimento de falta de proteção que promovam a cidadania e garantam vida
oficial que, no limite, pode até mesmo levar a em plenitude.
cometer justiça com as próprias mãos (ABRA-
MOWAY et al, 2002).

Antonio Scorza / Shutterstock

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Shutterstock / Syda Productions
E FUNDADOR da Congregação Salesiana, São humano, que é racional e deve providenciar o
João Bosco é o santo da Igreja Católica Apos- pão da vida com trabalho honesto, não com
tólica Romana conhecido como o padroeiro ladroagens; em suma, apenas se fazia ressoar
dos jovens. Pobre e filho de camponeses, teve o princípio moral e religioso na sua mente,
uma infância marcada por dificuldades, mas, sentiam no coração uma satisfação que não
desde cedo, perseverou em seus propósitos. sabiam como explicar, mas que os levava a
Aos nove anos, um importante sonho revelou a desejar serem bons. De fato, muitos mudavam
sua vocação e, com o apoio e testemunho da de comportamento dentro da própria prisão,
outros, ao sair, viviam de modo a nunca mais
mãe Margarida Occhiena, tornou-se sacerdote,
terem que voltar. Então, ficou confirmado que
dedicando sua vida à juventude empobrecida.
esses jovens eram infelizes por falta de instru-
Vanguardista no modo de evangelizar, Dom
ção moral e religiosa, e que esses dois meios
Bosco fundou o Oratório São Francisco de
educativos podiam cooperar eficazmente para
Sales, oferecendo condições de transforma-
conservá-los bons, caso ainda o fossem, e em
ção pessoal, social e espiritual aos meninos
levar os maus a criar juízo ao sair daqueles lu-
marginalizados de Turim. O padre italiano se
gares de punição. Notas históricas do Oratório
compadeceu com a situação de vulnerabili- de São Francisco de Sales, 1862 (NANNI, 2014).
dade dos adolescentes e jovens, ao perceber
que os mesmos se submetiam à exploração de O AMBIENTE do oratório era sadio, tolerante,
trabalho, habitavam as ruas, passavam fome e aberto e acolhedor, estimulando a convivên-
se envolviam com a criminalidade. No oratório, cia social que, ao contrário do individualismo,
Dom Bosco garantiu moradia, catequese e for- pode reduzir conflitos por meio da tomada de
mação profissional à juventude. consciência do bem comum e da pertença.
A ideia dos oratórios nasceu da visita às pri- Esse ambiente deveria ser para os jovens uma
sões desta cidade [de Turim]. Nesses lugares espécie de instituição formativa em sua tota-
de miséria espiritual e temporal encontravam-se lidade ou, conforme Dom Bosco: “casa que
muitos jovens na flor da idade, de vivo engenho, acolhe, paróquia que evangeliza, escola que
bom coração, capazes de serem o consolo das encaminha para a vida”.
famílias e a honra da pátria; no entanto, esta-
vam lá trancados, humilhados, feitos o opróbrio NA TRADIÇÃO salesiana as obras são cha-
da sociedade. Ponderando atentamente as ra- madas de casas para que se favoreça a criação
zões daquela desventura, pôde-se saber que, de um clima familiar e de corresponsabilidade.
em geral, eles eram infelizes mais por falta de Dentro das casas o pátio é um espaço privile-
educação do que por maldade. giado para o encontro e educação dos jovens.
Além disso, observou-se que na medida em Animado pelos salesianos e leigos por meio de
que se fazia sentir a eles a dignidade do ser conversas, brincadeiras e jogos, o pátio é um

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ambiente festivo e cultural de participação de conhecer os jovens profundamente em suas
todos, onde se preserva a espontaneidade, o necessidades, anseios e contextos, adotan-
divertimento e criam-se relações de aproxima- do uma postura de empatia. A presença ativa
ção, respeito e corresponsabilidade. e amorosa como pai, mestre e amigo, dando
conselhos, corrigindo e conquistando o afeto
DOM BOSCO inovou ao criar um método pe- dos jovens é o que garante tal conhecimento
dagógico que chamou de Sistema Preventivo. e abertura. É uma relação de amor que se es-
Sua fórmula? Religião, razão e bondade. A ideia tabelece e consegue acessar lugares únicos,
de prevenir seria uma estratégia de antecipação, gerando confiança e cumplicidade.
de ir à raiz do problema e criar condições po-
sitivas para a sua superação, evitando atitudes O SISTEMA Preventivo incentiva a presen-
repressivas e arbitrárias. O Sistema Preventivo ça entre os jovens de modo afetivo e efetivo,
nasceu da paixão educativa de Dom Bosco, in- com testemunho e acompanhamento. Educa-
fluenciado pela sua história e seus valores. Não -se ensinando, motivando e por meio de uma
foram elaboradas teorias ou tratados pedagógi- boa relação. Instaura-se pela razão, religião e
cos, mas, ao estar atento às necessidades do bondade um clima favorável para o bem que
momento histórico e dos jovens, o santo italiano constrói bons costumes e estimula a prática da
foi solidário a eles, sistematizando práticas que solidariedade e da liberdade. A relação educa-
até hoje se mostram válidas e eficazes. tiva salesiana desperta também o sentido do
dever social. Além disso, vale ressaltar que a
FORMAR bons cristãos e honestos cidadãos correção não é punitiva, mas é uma interven-
é o objetivo do método preventivo salesiano. ção focada em despertar a consciência para a
Hoje, no contexto da globalização e de plu- responsabilidade e o bem comum.
ralismo, essa proposta é desafiadora. Ser ho-
nesto cidadão significa respeitar as leis e re- FAZER O BEM aos jovens é o que dá sentido
gras estabelecidas para convivência pacífica à ação dos salesianos. Tal caridade operativa
em sociedade. Trata-se também de ser justo (bondade) encontrou sua forma na educação
nas relações sociais, colaborar com a vida da e na preocupação pelos problemas vitais de-
comunidade, ter interesse pelo bem comum, les. No Sistema Preventivo, razão significa uma
ser responsável e agir de modo sustentável, modalidade de vida, inspirada em valores que
pensando no futuro. Já, ser um bom cristão deem sentido ao agir bem. Já a religião deve
tem relação com a fé na transcendência ou na ser festiva e encontrar as motivações da vida no
humanidade em geral. O bom cristão respeita cotidiano. Dom Bosco desejava que os jovens
e ama o seu próximo e acredita em valores e fossem felizes e garantia a eles a existência de
direitos universais que promovam a vida. alegria no seguimento do Evangelho. Deus, para
o santo italiano, tem uma face misericordiosa e
NA CARTA de Roma, Dom Bosco declara acolhedora que convida à amizade e a buscar
que não basta amar os jovens, mas é preciso o Reino e a sua justiça.
que se sintam amados. Deve-se, conforme ele,

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NO TOCANTE à violência, como o Sistema tes. Além disso, o cuidado salesiano prevê a
Preventivo poderia dar respostas atuais e con- liberdade e consenso, possui sentido de vida,
tribuir para a superação deste mal que atinge espontaneidade, transmite cultura comunitária
especialmente a juventude em situação de vul- e busca ser atual, adequando-se à realidade
nerabilidade? Quais são os valores e atitudes na qual os jovens estão inseridos.
salesianas nesse contexto? A começar, deve-se
Como fez Dom Bosco, muitas vezes será preciso
manter um olhar positivo em relação ao jovem, matar a fome, oferecer uma casa, proporcionar
estimulando o que ele tem de melhor a oferecer instrução, procurar um trabalho. Mais frequen-
e valorizar sempre o dom da vida. O sistema de temente, será preciso refazer a trama da perso-
São João Bosco acredita no positivo, nos recur- nalidade e da existência ou das relações. Outras
sos e nas potencialidades que cada um possui vezes, grande parte do trabalho pastoral e educa-
como dom natural. Mesmo tendo consciência tivo consistirá em restituir a palavra a existências
dos limites dos jovens, o ponto de partida é que estão no limite do mutismo interior, em ajudar
a convicção de que todos possuem um ponto a recuperar a própria interioridade, superando o
acessível ao bem, e cabe a quem compartilha desejo de fazer experiências, desejo entendido
da visão salesiana estimular o desenvolvimento como total estranhamento de si e como consumo
de tal capacidade. de objetos, pessoas, emoções, no breve volver
de um dia. Ou, então, consistirá em estimular e
CONFORME já foi apontado, Dom Bosco fez alargar a capacidade de visão e de juízo crítico,
do compromisso educativo a sua missão, crian- suscitando problemas e perguntas em busca
do iniciativas que são válidas até hoje para a de sentido, em mostrar possibilidades realistas
sociedade e para a Igreja. O seu modelo de de sentido, de espaços e de lugares onde se
pode viver e realizar os significados entrevistos,
educação se preocupava com o desenvolvi-
educando para suportar o espaço entre o ideal
mento integral da pessoa, promovendo o bem
e o real e a passar gradativamente de um para
comum com responsabilidade cristã. Dizia ele:
o outro (NANNI, 2014).
“Quereis fazer uma coisa boa? Educai a juven-
tude. Quereis fazer uma coisa santa? Educai UM AUTÊNTICO salesiano busca constante-
a juventude. Quereis fazer uma coisa santís- mente qualificação visando adquirir as compe-
sima? Educai a juventude. Quereis fazer uma tências necessárias para o cumprimento da sua
coisa divina? Educai a juventude. Aliás, entre missão. Ele também é convidado a ser sensível
as coisas divinas, esta é diviníssima! ” às urgências da juventude e estar atento às
oportunidades de acesso aos seus direitos e
QUEM QUER educar conforme o Sistema Pre- deveres. Outro aspecto fundamental é não ter
ventivo deve se empenhar em ser presença no medo de renovar tradições educativas, acolher
meio dos jovens para conquistar confiança, de modo familiar e estar disposto ao diálogo
abertura e fidelidade. A experiência salesiana com o mundo juvenil contemporâneo. Amar o
comprova que a juventude, em maioria, dese- que os jovens amam, compreendendo a sua
ja relações educativas autênticas, profundas, realidade sem preconceitos, é uma estratégia
acolhedoras, bem como referências estimulan- eficaz na ação de educar.

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NA ATUALIDADE, os três elementos do siste- precisa e quando se precisa, com base num
ma de Dom Bosco - razão, religião e bondade projeto educativo forte e claro, aberto e flexível
- encontram lugar nos Direitos Humanos: um (NANNI, 2014).
complexo ideológico de valores que devem ser
compartilhados e vividos de modo universal. A GRANDE contribuição de Dom Bosco ao
Nesse sentido, a promoção desses direitos, es- mundo e à Igreja foi como educador. Hoje, o
pecialmente relacionados aos menores, é uma seu legado se encontra em obras voltadas à
ação concreta da educação salesiana, promo- evangelização e educação de jovens em 132
vendo a vida e educação integral, assim como países. Além disso, existem 31 grupos de pes-
a dignidade e a igualdade. soas espalhadas por todos os continentes, que
constituem a família salesiana e mantêm vivo
PARA OS SALESIANOS, os jovens devem ser o seu carisma. A resposta salesiana, por meio
tomados como a causa e desafiados a serem da educação, aponta grandes valores e bus-
protagonistas da própria história, assumindo a ca instrumentos, caminhos e estratégias que
corresponsabilidade do seu processo educati- colaborem efetivamente na aquisição de com-
vo e participando da vida em sociedade como petências, liberdade e responsabilidade para
bons cidadãos. Outro aspecto fundamental é promover assim a vida dos seus destinatários.
preservar a esperança, assim como fez São Abandonar o comodismo e sair dos muros sa-
João Bosco que nunca desanimou frente às lesianos, indo ao encontro dos jovens, espe-
adversidades, dedicando até o seu último sus- cialmente os mais necessitados e que sofrem
piro aos jovens, pois estava convicto de sua diversas formas de violência, é um desafio ur-
missão e preocupado em fazer o bem e garantir gente a todos àqueles que compartilham de
a felicidade deles. uma visão de mundo semelhante à de Dom
Bosco. Além disso, é preciso também captar
O SISTEMA PREVENTIVO não exige uma as novidades do momento histórico que se
repetição do que foi feito pelo padre italiano, está vivendo e que apelam à consciência dos
mas nos pede coragem de agir no nosso tempo cristãos e cidadãos para dar respostas atuais.
de modo proativo e com criatividade.
Ontem como hoje, o sistema preventivo precisa
de pessoas que façam da educação uma op-
ção de vida. Que a educação se torne como o
centro unificador da vida pessoal e o foco ins-
pirador e dinâmico da ação, das funções e das
responsabilidades pessoais. Mais exatamente,
a educação dos jovens precisa de comunida-
des que façam da educação integral dos jovens
a obra por excelência que congrega forças e
energias, que vai em busca de colaborações e
alianças, que procura apoios e ajudas, que leva
a procurar, experimentar e inovar o de que se
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Shutterstock / 4 PM production
CABE ATACAR o problema da desigualdade pela elaboração de políticas públicas inclusivas,
social como primeiro passo. Nesse sentido, se nas quais o jovem deve ser um receptor dos
faz necessária uma força-tarefa de toda a so- bens e serviços, bem como um ator estratégico
ciedade e do Estado com ações que promovam para o desenvolvimento de uma sociedade mais
a vida dos jovens, oferecendo-lhes condições justa, democrática e solidária. Ademais, a arte,
para o desenvolvimento integral. O jovem pre- a educação, o esporte, a cultura e o lazer po-
cisa deixar de ser vítima ou agente da violência dem ser ferramentas aliadas para a construção
para se transformar em protagonista da própria das relações positivas e de valores que evitem
história. “Experiências que priorizam a partici- o isolamento e a segregação social.
pação dos jovens como protagonistas do seu Reforçando o que foi apontado até aqui, o olhar
processo de desenvolvimento veem demons- cristão e salesiano reconhece como importante
trando ser alternativas eficientes para superar perceber que a superação da violência começa
a vulnerabilidade desses atores, tirando-os do quando se tem direito a viver com dignidade.
ambiente de incerteza e insegurança” (CASTRO Por isso, é preciso recriar as relações humanas,
et al, 2001). A juventude de hoje já não aceita reconhecer, denunciar e superar situações de
mais a condição passiva de expectadora. O violência cotidianamente e participar de ações
aumento da participação e valorização das suas que promovam valores como solidariedade, jus-
formas de organização é uma estratégia para tiça e paz.
envolver a sociedade e seus recursos na busca
de soluções para o problema, e pode resultar A CAMPANHA da Fraternidade 2018 desafia
na conquista da autonomia. Desse modo, é toda a Igreja a ser instrumento de anúncio do
possível oportunizar à juventude o reconheci- Reino de Deus e a ser construtora da paz, en-
mento de suas potencialidades para que possa, tendendo que a superação da violência é tarefa
inclusive, contribuir na construção de soluções de todo cristão, pois esse recebe o mandamento
para as situações de injustiça do seu cotidiano do amor como vocação e missão. Sendo assim,
com respostas pacíficas. cabe a todos os cristãos apontar os princípios
de justiça e denunciar ameaças e violações da
É PRECISO investir na juventude! O combate dignidade e dos direitos, abrindo caminhos para
à vulnerabilidade social se dá também pelo au- a solidariedade, visto que direitos humanos e
mento do capital social e cultural, que poderá cidadania devem andar juntos.
proporcionar a substituição do clima de des-
crença reinante, por um sentimento de confiança A VIOLÊNCIA pode ser superada com políticas
no futuro. O combate à violência passa também públicas que garantam a dignidade humana.

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Além disso, deve-se promover a cultura da paz, A OBRA de Dom Bosco, nascida de um sonho,
da reconciliação, da misericórdia e da justiça acolheu meninos e jovens, indo ao encontro
tendo como inspiração a Palavra de Deus. das suas necessidades, e oferecendo a eles
Os valores cristãos da fraternidade universal, a oportunidade de aprenderem um ofício, de
da misericórdia, do perdão e da oração são acessarem a educação e se tornarem bons cris-
fundamentos da contribuição que os cristãos, tãos e honestos cidadãos. Almejando o bem e
a partir de sua fé, são chamados a dar na vi- a felicidade autêntica, o modelo educativo sa-
tória sobre a violência. [...] A Campanha da lesiano, desde o início, quis oferecer condições
Fraternidade deste ano nos convoca a viver para o desenvolvimento integral dos indivíduos.
a prática de Jesus no exercício da escuta, da O santo italiano conjugou três ideias – razão,
saída missionária, do acolhimento, do diálo- religião e bondade - em um sistema para pro-
go, do anúncio e da denúncia da violência na mover as pessoas e contribuir com a sociedade
dimensão pessoal e social. A lógica do amor e a Igreja. A sua intervenção era marcada pela
é o único instrumento eficaz diante das ações racionalidade, pela amabilidade e por motiva-
violentas (CNBB, 2017). ções de uma visão religiosa da vida. O seu
VIVER como irmãos e comunidade, visando Sistema Preventivo é um legado à humanidade
uma renovação social, é o convite que a Igreja e aposta no bem que há em todo jovem, nos
nos faz. Na comunidade são fortalecidos os la- desafiando a acreditar nessa causa e a investir
ços, a cooperação, o diálogo e a disseminação nossa energia na aproximação afetuosamente
da cultura de paz. É na relação com o outro daqueles que mais necessitam, bem como na
que reforçamos o direito à vida, exercitamos criação de oportunidades para que eles desen-
o respeito pela diversidade e colaboramos em volvam seus potenciais.
vista do progresso e desenvolvimento. Assim, A obra salesiana se abre ao contexto, colabo-
a aposta se dá na democracia, no diálogo, na ra como uma célula no corpo social em tudo
construção coletiva e na disseminação de pen- o que se refere à educação, à formação, ao
samentos pacíficos que valorizam a cordialidade crescimento e à promoção humana de todos,
e não cedem à intolerância para se fazer justiça particularmente dos jovens. Tudo isso situa a
com as próprias mãos. obra salesiana num clima salubre e faz dela um
centro de vida sadia, onde os jovens podem
É POR MEIO da participação efetiva na so- se relacionar, reunir, sentir-se apoiados e dar
ciedade que o exercício da cidadania se tor- vida a formas criativas de voluntariado social
na mais pleno. Evitando o isolamento social e e eclesial, que faz vencer as alienações, não
dialogando, criamos um espírito comunitário e, permite cair em futilidades existentes no con-
por consequência, ganhamos um aumento da texto (NANNI, 2014).
solidariedade entre as pessoas, garantindo os PELA EDUCAÇÃO, com otimismo, relações
direitos de todos. Logo, o combate à violência, afetivas profundas, espírito de família e acolhi-
que é uma questão social, é possível não com da, é possível contribuir também para a supe-
a mentalidade individualista e a prática de ações ração da violência, visto que o direito à vida
revanchistas e vingativas, mas com efetiva parti- é promovido. Dialogando diretamente com os
cipação e disseminação de uma cultura de paz. Direitos Humanos, o Sistema Preventivo de Dom
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Bosco, pode ser uma importante ferramenta atual para apontarmos caminhos que superem
para despertar a consciência cristã e cidadã a violência. No entanto, o conhecimento não é
no sentido de gerar responsabilidade para um o suficiente, exige-se também coerência de vida
futuro digno a todos. Por isso, é possível afirmar e a vivência de uma espiritualidade encarnada
que a promoção dos direitos é, na atualidade, na realidade. Sendo assim, somos chamados,
uma ação concreta de educação salesiana. com urgência, a ser portadores da esperança
e da Boa Nova, comprometendo-nos com o
COMO CRISTÃOS e salesianos, torna-se indis- próximo e defendendo corajosamente o bem
pensável uma formação que dê conta de abar- comum.
car toda a complexidade e pluralidade histórica

CNBB

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