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BERTA DA AMERICA ‘Quero falar da descoberta que o eu faz. do outro, O € imenso. Mal acabamos de formulé-lo em li- gerais ji o vemos subdividir-se em categorias ¢ ‘miltiplas, infinitas. Podem-se descobrir 0s ou- Jem si mesmo, e perceber que nao se é uma subs- homogénea, e adicalmente diferente de tudo o ‘ési mesmo; ex € um outro. Mas cada um dos ‘6 um eu também, sujito como eu. Somente meu de vista, segundo 0 qual todos estio li e eu es- ‘aqui, pode realmente separé-los e distingui-los Posso conceber os outros como uma abstra- ‘como uma instancia da configuracio psiquica de individuo, come o Outro, outro ou outrem em a mim. Ou entéo como um grupo social concre- ‘qual nds nao pertencemos. Este grupo, por sua ppode estar contido numa sociedade: as mulheres (0s homens, os riens para os pobres, os loucos para is”. Ou pode ser exterior a ela, uma outra ide que, dependendo do caso, seré proxima ou s seres que em tudo se aproximam de n6s, 4 ACONQUISTA DA AMERICA no plano cultural, morale historico, ou desconhecidos, cestrangeiros cuja lingua e costumes nao compreendo, tio estrangeiros que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a uma mesma espécie. Escolhi esta pro- bblematica do outro exterior, de modo um pouco arbi- tratio, e porque nao podemos falar de tudo a0 mesmo tempo, para comecar uma pesquisa que nunca poder ser concluida. Mas como falar disso? No tempo de Socrates, 0 ora- dor costumava perguntar ao auditério qual o seu mo- do de expressio, ou género preferido: o mito, isto é a narragio, ou a argumentacio logica? Na época do li- ‘vto, a decisio nao pode ser tomada pelo piblico. A es- colha teve de ser feita para que o livro existisse. Temos de nos contentar em imaginar, ou desejar, um puiblico que teria dado tal resposta, ¢ no outra, e em escutar aquela sugerida ou imposta pelo proprio assunto. Es- colhi contar uma histéria. Mais préxima do mito do que da argumentacio, mas distinta em dois planos: ‘em primeiro lugar, é uma histéria verdadeira (0 que 0 ‘ito podia mas nao devia ser); em segundo lugar, mew interesse principal é mais 0 de um moralista do que o de um historiador. O presente me importa mais do que ‘© passado. Nao tenho outro meio de responder & per- gunta de como se comportar em relagio a outrem a io ser contando uma histéria exemplar (este 60 género escothido), uma histéria tao verdadeira quanto possi- vel, mas tentando nunca perder de vista aquilo que os ‘exegeias da Biblia chamavam de sentido tropologico, ‘ou moral, Neste livro se alternarao, um pouco como ‘nuum romance, os resumos, ou visbes de conjunto resu- midas, as cenas, ou andlises detalhadas recheadas de citagbes, pausas, em que o autor comenta o que acaba wR 5 acontecer;¢, & claro, elipses, ou omissdes freqiien- Nato ¢ esse 0 ponto de partida de toda histéria? Entre os varios celatos que temos a disposicto, ‘um: 0 da descoberta e conquista da América. conveniéncia, estabeleci uma unidade de tempo ~ Janos que seguem a primeira viagem de Colom- isto ¢ basicamense, 0 século XVI Estabeleci tam- Juma unidade de espaco ~ a regido do Caribe e do chamada as vezes de Meso-América,e, final- Juma unidade de acio ~a percepgio que os espa- {fm dos indios sera meu tinico assunto, com uma ‘excegio, no caso de Montezuma e os seus. ‘Duas razdes fancamentaram a escolha deste tema sso no mundo da descoberta do ou- eee Sees oe ides americencs, 6 sem davidao encontro mats dente de nossa histéria. Na “descoberta” dos continentes ¢ dos outros homens nio existe, este sentimento radical de estranheza. Os ‘nunca ignoraram totalmente a existéncia da ‘ou da India, ox da China, sua lembranca esteve nte, desde as origens. A Lua é mais longe a América, € verdad, mas hoje sabemos que ai fencontro, que esta descoberta nio guarda sur- sda mesma espécie. Para fotografar um ser vivo Lua, € necessiric que 0 cosmonauta se coloque sda ciara, e em seu escafandro ha um 6 relle- sum outro terréqueo. No inicio do século XVI, 05 ida América estao ali, bem presentes, mas deles se sabe, ainda que, como é de esperar sejam pro- ‘sobre os seres recentemente descobertos ima- # idéias relacionadas a outras populagbes distan- {ef fig. 1).O encontro nunca mais atingia tal inten- je, se & que esta é a palavra adequada. O século Fig. 1 Barcos e castelos nas Indias Ocidentais puscomee 7 WI veria perpetrar-se 0 maior genocidio da histéria hhumanidade. ‘Mas nao é unicamente por ser um encontro extre- ‘eexemplar, que a descoberta da América é essen- ‘lal para nds, hoje. Além deste valor paradigmético, ‘tla possui outro, de causalidade direta. A historia do 6, claro, feta de conquistas e derrotas, de coloni- ¢€ descobertas dos outros; mas, como tentarei raf, 6a conquista da América que anuncia e fun- iiossa identidade presente. Apesar de toda data que le separar duas épocas ser arbitréria, nenhuma é indicada para marcar 0 inicio da era moderna do @ano de 1492, a10 em que Colombo atravessa 0 ‘Alantico. Somos todos descendentes diretos |Colomibo, é nele que comeca nossa genealogia ~ se 4 palavra comeco tem um sentido. Desde 1492 , como disse Las Casas, “neste tempo tio novo ‘henhum outro igual” (Historia de las hndas, I, 88), desta data, 0 mundo est fechado (apesar de o tornar-se infinito). “O mundo é pequeno”, ard peremptoriamente o proprio Colombo Carta im, 77.1503 ~ uma imagem ce Colombo trans- algo deste espirto, cf. fig. 2). Os homens desco- a totalidade de que fazem parte. Até entio, for- tuma parte ser todo, Este livro Seré uma tenta- le entender o que aconteceu neste dia, e durante lo seguinte, através da leitura de alguns textos autores serio minhas personagens. Eles mono 1, como Colombo, dialogarso através de atos, Aelernciasabrevidssaparecem no texto: para as indica Wide Notas iin na fm co ivo. Os nimeros entre dhoniu en ender oe apo se, gins. Kk 9 \Cortez.e Montezuma, ou através de enunciados litos, como Las Casas e Septilveda, ou ainda, como in e Sahagiin, manterio um didlogo, menos evi- ie, com interlocutores indios. Mas chega de preiiminares, vamos aos fatos. Podemos acmirar a coragem de Colombo; aids, J f01 feito milhares de vezes. Vasco da Gama e Ma- talvez tenham feito viagens mais dificels, mas sabiam para ondeiam. Apesar de toda a sua segu- | Colombo nao podia ter certeza de que no fim ‘Oceano nao havia um abismo, e, conseqtientemen- Jaiqueda no vazio. Néo podia ter certeza de que a para o oeste rio significava uma longa desc estamos (3) no cume da Terra —e que nao seria di- ‘demais subir de novo. Em resumo, nao podia ter ide que o retorio era possivel. A primeira per- nesta investigagio geneal6gica sera, portanto: O yolevou a partir? Como a coisa aconteceu? ‘Aoler os escritos de Colombo (diarios, carta rela- 9), poderiamos te: a impressdo de que seu motivo I tenha sido o desejo de enriquecer (aqui, eem a, digo de Colembo o que poderia aplicarse a y por ter sido, freqiientemente, o primeiro, dew o ). 0 ouro, ou melhor, a procura deste (4 que ie encontra quase nada no inicio), esta onipresente iecorrer da primeira viagem. No dia seguintea des- 13 de outubro de 1492, ee anota em seu diario: wa atentoe tratava de saber se havia ouro.” E volta tantemente: “Nao quero parar, para ir mais visitar muitasihas e descobrir ouro” (1.11.1492); YAlmitante ordencu-Ihes que nao thes tomassem (Para que eles compreendessem que ele s6 procu (ro! (1.111492) Até a sua oracio tinha-se trans- Fig.2~ Don Cristobal Colon w ACONQUISTA DA AMERICA formado: “Que Nésso Senhor me ajude, em Sua mise- ricéndia, a descobrir este ouro..” (23.12.1492). E, num twlatério posterior (Relatério para Antonio de Torres, W.1,1499), ele se refere, laconicamente, a “nossa ativi- dade, que € coletar ouro”. Seu percurso & tracado a partir dos indicios de existéncia de ouro que ele pensa ‘encontrar. “Decidi ir para o sudoeste procuraro ouroe as pedras; 3" (Didrio, 13.10.1492), “Ele desejava irailha chamada Babeca, onde, pelo que tinha escuta- do, sabia que havia muito ouro” (13.11.1492). “O almi- ante acreditava que estava muito préximo da fonte do ouro, e que Nosso Senhor Ihe mostraria onde ele nase” (17.12.1492 —nessa época, o ouro “nasce”). Des- te modo, Colombo vaga, de itha em ilha, e € bem pos- sivel que os indios tenham encontrado ai um meio de se livrar dele. “No despontar do dia, ele igou as velas para seguir seu caminho a procura das ilhas que os indios diziam conter muito ouro, algumas mais ouro ddo que terra” 22.12.1492.) Seré que foi mera ambicéo 0 que levou Colombo a viajar? Basta ler todos os seus escritos para ficar con- vencido de que nio é nada disso. Colombo simples- ‘mente sabe a capacidade atrativa que podem ter as ri quezas, e especialmente o ouro. E com a promessa de uro que ele acalma os outros em momentos dificeis. “Neste dia, eles perceram completamente de vista a terra. Temendlo nao tornar a vé-la por muito tempo, ‘muitos suspiravam e choravam. O almirante reconfor- toua todos com grandes promessas de muitas terras e riquezas, para que eles conservassem a esperanca e per- ddessem 0 medo que tinham de um caminho t8o lon- 0." (F Colombo, 18) “Aqui os homens jé nao agtien- tava mais, Reclamavam do comprimento da viagem. DEscomRIR n ‘Mas o Almirante consolou-os do melhor modo possi- vel dando-Ihes grances esperancas do lucro que eles poderiam ter” (Dito, 10.10.1492). 05 marinheiros 140 so 08 tinicos que esperam enriquecer. Os préprios mandatarios da expedigio, os Reis de Espana, nao se teriam envolvido na empresa S€ no fosse a promessa de lucro. Portanto, no dirio que Colombo escreve, a eles destinado, ¢ preciso mul- tiplicar a cada pagine os indicios da presenca de ouro {na alta do proprio ouro). Na tercera Viagem, lembran- do a organizacio da primeira, le diz. explicitamente que 0 ouro era uma espécie de chamariz, para que os ‘eis aceitassem financié-la: “Foi também necessario fa- Jar do temporal e por isso thes mostramos os escritos antos estucliosos dignos de f€ que trataram da his- que contavam que nessas regides havia imensas (Carta acs ris, 31.8.1498). Em outra ocasiao, diz ter acumulado e conservado 0 ouro “para que ‘Altezas disso se alegrem e que nessas condicoes possam compreender, diante de tal quantidade ss de ouro macico, a importancia da empresa” ‘damade-lete, novernbro de 1500). Aliss, Colom- azo quando imagina a importancia disso: sua nijo se deve, ao menos em parte, a0 fato de hhavido mais ouro nessas ilhas? “Daf nasceram Jicéncias e os desprezos da empresa assim ini- -Porque eu nao tinha enviado imediatamente na- wearregados de ouro” Carta aos rei, 318.1498). se que uma longa discusso oporé Colombo (e depois seri instruido um processo entre os «le ambos), que se refere ustamente a0 total {que o Almirante estaria autorizado a retirar law”: Apesarde tudo isso, a ambigio nao & real 2 ACONQUISTA DA AMERICA mente a forga motiiz da acio de Colombo. Importa-se ‘com a riqueza porque ela significa o reconhecimento ‘de seu papel de descobridor, mas teria preferido o nis- tico habito de monge. O ouro é um valor humano de- ‘mais para interessar a Colombo, e devemos acreditar nisso quando ele escreve no dirio da terceira viagem: *Nosso Senhor bem sabe que eu nao suporto todas estas penas para acumular tesouros nem para desco- brisos para mim; pois, quanto a mim, bem sei que tudo ‘que se faz neste mundo é vao, se nao tiver sido feito paraa honra e o servigo de Deus” (Las Casas, Historia, 1, 146). Erno fim de seu relato da quarta viagem: “Nao fiz esta viagem para nela obter ouro e fortuna; 6a ver- dade, pois disso toda esperanca jé estava morta. Vim até Vossas Altezas com uma intencio pura e um gran- de zelo,e nto minto” (Carta rarissima, 771503) ‘Qual é essa intengio pura? Colombo formula-a freqiientemente no diario da primeira viagem: ele que- ria encontrar 0 Grande Can, ou imperador da China, ‘cui retrato inesqueciveltinha sido deixado por Marco Polo, “Estou determinado a ir a terra firme e a cida- de de Quisay entregar as cartas de Vossas Altezas a0 Grande Can, pedir-lhe resposta e retornar com ela” (21.10.1492). Este objetivo é em seguida ligeiramente afastado, jf que as descobertas, por si s6, jt Ihe do bas- tante trabalho, mas nao ¢ jamais esquecido. Mas por que esta obsessio, que parece quase pueril? Porque, ainda de acordo com Marco Polo, “hé muito tempo 0 imperador de Catai pediu sibios para instrui-lo na fé de Cristo” (Carta rarissima, 77.1503), e Colombo quer fazer com que ele possa realizar este desejo. A expan- ‘io do cristianismo é muito mais importante para Co- Jombo do que o ouro,e ele se explicou sobre isso, prin: DESCOBRIR 3 cipalmente numa carta destinada a0 papa. Sua préxi- ‘ma viagem sera “para a gloria da Santissima Trindade eda santa religito cista”,e para isso ele “espera a vi- téria do Eterno Deus, como ela sempre me foi dada no ppassado”; 0 que ele faz é “grandioso e exaltante para a gloria eo crescimento da santa {6 crista”. Portanto, seu Objetivo é: “Espero em Nosso Senhor poder propagar seu santo nome e seu Evangelho no universo” (Carta fo papa Alexandre VI, fevereito de 1502). AA vit6ria universal do cristianismo é 0 que anima ‘Colombo, homem profundamente piedoso (nunca via- aos domingos), que justamente por isso conside- eleito, encarregado de uma missio divina, e que por toda parte a intervencio divina, seja no movi- das ondas ou no naufragio de seu barco (numa de Natal!): “Per numerosos ¢ notaveis milagres se revelou no decorrer desta navegacio” (Ditrio, 1493). ‘Além disso, a necessidade de dinheiro e 0 desejo © verdadero Deus nao se excluem. Os dois {até unidos por ma relacdo de subordinacéo: um 2, € 0 outro, fim. Na verdade, Colombo tem um -mais preciso do que a exaltacao do Evangelho 1-e tanto a existencia quanto a permanén- pprojeto revelam sua mentalidade. Qual um |Quixote atrasado de varios séculos em relacéo a », Colombe queria partir em cruzada e libe- 1 S6 que a idéia é extravagante em sua ‘como, por cutro lado, nao ha dinheiro, nin- escuté-lo. Como um homem desprovido e de lancar uma cruzada podia realizar seu 0 século XV? F tao simples quanto 0 ovo de y basta descobrir a América e conseguir nela “ ACONQUISTADA AMERICA ‘os fundos... ou melhor ir China pela via ocidental “di- tela", ji que Marco Polo e outros escritores medievais igarantiram que grande quantidade de ouro “nasce” ls ‘A realidade deste projeto esta amplamente com- provada. No dia 26 dedezembro de 1492, durantea pri- ‘meira viagem, ele revela em seu didrio que espera en- contrar ouro, ¢ “em quantidade suliciente para que os Reis possam, em menos de trés anos, preparar e em- ppreendera conquista da Terra Santa. Foi assim”, conti- nua ele, “que manifestei a Vossas Altezas 0 desejo de ‘ver os beneficios de minha atual empresa consagrados ‘A conquista de Jerusalém, o que fez Vossas Altezas sor- rinem, dizendo que isto Ihes agradava, e que mesmo sem este beneficio este era 0 seu desejo”. Mais tarde, le relembra este episédio: “No momento em que to- ‘mei as providéncias para ir descobrir as Indias, era na intengio de suplicar ao Rei e & Rainha, nossos senho- res, que eles se decidissem a gastar a renda que pode- iam obter das indias na conquista de Jerusalém; e foi de fato 0 que eu Ihes pedi” (Instituigio de mongado, 222.1498), Era pois esse 0 projeto que Colombo tinha apresentado a corte real, procurando obter 0 auxilio dde que precisava para a primeira expedicao. Quanto a Suas Altezas, nao levavam isso muito a sério, e deviam reservar-se 0 direito de empregar 0 lucro do empreen- ddimento, se lucro houvesse, com outras finalidades. ‘Mas Colombo ndo esquece seu projet, ¢ este rea~ parece numa carta ao papa: “Esta empresa foi feita no intuito de empregar o que dela se obtivesse na devolu- ‘gio da Terra Santa a Santa Igreja. Depois de ali ter es- ado e visto a terra, escrevi ao Rei e & Rainha, meus senhores, dizendo-thes que dentro de sete anos dispo- tia de eingiienta mil homens a pé e cinco mil cavalei- DescoaRin 18 10s, para a conquista da Terra Santa e, durante os cinco ‘anos seguintes, mais cingiienta mil pedestres e outros ‘cinco mil cavaleiros,o que totalizaria dez mil cavalei- 10s e cem mil pedes:res para a dita conquista” (feve- teito de 1502). Colombo nem desconfia de que a con- quista acontecerd, mas numa direcio completamente diferente, muito perto das terras que ele descobriu, e om muito menos guerreiros lids. Seu apelo nao pro- ‘yoca, portanto, muitas reagdes: “A outta ilustre em- ppresa chama, de bracos abertos; até o presente momen- 1, todos Ihe sio indiferentes” (Caria rarissima, 77.1503). Por isso, querendo afirmar sua intengdo mesmo apés propria morte, ele institui um morgado e dé ins- seu filho (ou a seus herdeiros): untar o maxi- de dinheiro possivel para, no caso de os Reis re- iarem ao projete, poder “ir até Id 86 tao podero- iquanto Ihe for possivel” (22.2.1498). "Las Casas deixou uma imagem célebre de Colom- ‘onde situa bem sua obsessao pelas cruzadas no to de sua profunda religiosidade: “Quando the ‘ouro ou objetos preciosos, ele entrava em seu ajoelhava-se como as circunstancias exigiam, fAgtadecemes a Nosso Senhor que nos tornou de descobrir antos bens’ Era o guardiao mai hhonra divina; évido e desejoso de converter de ver por toda parte semeada e propa- {6 de Jesus Cristo; e particularmente dedicado ‘que Deus o tomasse digno de contribuir de al- modo para o resgate do Santo Sepulcro; e com je certeza de que Deus 0 guiaria na desco- ‘mundo que ele prometia, tinha suplicado a inha Dona Isabel que the prometesse W oxlny as riquezas que os Reis podiam obter 1 ACONQUISTA DA AMERICA ide sta descoberta ao resgate da terra e da Santa Casa ide Jerusalém, o que a Rainha fez...” (Historia, I, 2). [Nao 86 os contatos com Deus interessam muito mais Colombo do que os assuntos puramente huma- nos, como também sua forma de religiosidade ¢ part ‘eularmente arcaica (para a época). Nao é por acaso «que o projeto das cruzadas tinha sido abandonado des- dea Idade Média. Paradoxalmente, é um trago da men- talidade medieval de Colombo que faz com que ele descubra a América e inaugure a era moderna. (Devo admitir,e até declarar, que 0 uso que faco dos aditivos “medieval” e “moderno” nao é nada preciso. No en- tanto, sio indispensaveis. Que sejam inicialmente en- tendidos em seu sentido mais corrente, até que eles adquiram, no decorrer das paginas seguintes, um con- tetido mais particular) Porém, como veremos, 0 pro- prio Colombo nao é um homem moderno, e este fato ppertinente no desenrolar da descoberta, como se aque- Te que faria nascer um mundo novo jé ndo pudesse sais fazer parte dele. Hi tragos de mentalidade em Colombo, entretan- to, que estdo mais proximos de n6s. Por um lado, ele submete tudoa um ideal exterior e absoluto (a religiao cist), e todas as coisas terrestres nao passam de meios fem vista da realizacao deste ideal. Mas, por outro la~ do, ele parece encontrar na descoberta da natureza, atividade & qual ele se adapta melhor, um prazer que faz com que essa atividade se baste. Ela jé nao tem a ‘minima utilidade, e 0 meio torna-se fim. Assim como, ppara.o homem moderno, uma coisa, uma acio ou um ser sio belos apenas quando justificam-se por si mes- mos, para Colombo, “descobrir” & uma acio intransi- tiva, “O que quero é ver e descobrir 0 maximo que escosrin v uder”, ele escreve a19 de outubro de 1492. Ea 31 de dezembro de 1492: “Ele diz ainda que nio teria deseja- do partir antes de ter visto toda aquela terra que se festende em direcio a lestee té-la percorrido toda por ‘ua costa.” Basta mencionar a existéncia de uma nova iha para que ele seja tomado da vontade de visité-la, No disrio da terceira viagem, encontram-se estas fra- ses: “Ele diz estar pronto a abandonar tudo para des- cobrir outras terras ¢ ver seus segredos” (Las Casas, Historia 1, 136). °O que ele mais queria, pelo que diz, ‘era descobrir mais” (ibid, I, 146). Noutra ocasido, ele ‘Se pergunta: “Quantolucro daqui se pode tirar, nao es- 0 Certo é, Senhores Principes, que onde hé tais is deve haver também uma infinidade de coisas . Mas ndo me detenho em nenhum porto, por- quero ver todas as outras terras que puder, para ilo a Vossas Altezas” (Didrio, 27.11.1492). Os l= que ali “deve” haver tém apenas um interesse se- rio para Colombo. O que conta sio as “terras” idescoberta. Esta, na verdade, parece estar subordi- 'a tum objetivo, que é 0 relato de viagem. Dirse-ia Colombo fez. tudo para poder escrever relatos ;como Ulises. Ora, o relato de viagem nio é, HBlimesmo, 0 ponto de partida, e nao fomente © dle chegada, de uma nova viagem? O proprio no fnha partido porque hava lio 0 eato lo? ‘COLOMBO HERMENEUTA, _ Para provar que a terra que vé é mesmo o conti € ndo outra ilha, Colombo faz. 0 seguinte racio- (no dirio da terceira viagem, transcrito por Las “Estou convencido de que isto é uma terra fir- sobre a qual até hoje nada se soube. E 0 sme reforca a opinito é 0 fato deste rio tao grande, que é doce; em seguida, so as palavras de ‘em seu livro TV, capitulo 6, onde ele diz. que ido mundo sao de terra seca e uma de agua, tendo sido aprovado por Santo Ambrésio em ‘€ por Santo Agostinho (..) Além disso, as palavras de muitos indios canibais em outras ocasides, os quais di- 40 sul de seu pats estava a terra firme” (His- © opiniao de outros homens encontra- ‘que estes trés argumentos nao devem ser ‘memo plano, mas revelam a existéncia de ~» ACONQUISTA DA AMERICA {és esferas que dividem o mundo de Colombo: uma é hatural, a outra divina, a terceira humana. Entdo tal- ‘Ye2 no seja por acaso que encontramos também trés Impulsos para a conquista: o primeiro humano (a ti- aqueza), osegundo divino, eo terceiro igado a aprecia~ lo da natureza. E, em sua comunicacio com o mun- do, Colombo se comporta de maneira diferente segun- ido se dirige (ou se dirigem a ele) a natureza, Deus © os homens. Voltando ao exemplo da terra firme, se Co- Jombo tem razio, é unicamente em funcao do primei- +0 argumento (e podemos ver, em seu disrio, que este | $6 toma forma aos poucos, no contato com a realida- de). Observando que a agua € doce longe no mar, ele ‘deduz, de modo clarividente, a poténcia do rio, e data distancia por ele percorrida, de modo que se trata de ‘um continente. Por outro lado, é bem provavel que ele rio tenha entendido nada do que diziam os “indios ‘anibais”. Anteriormente, na mesma viagem, ele rela~ tava suas entrevistas assim: "Ele (Colombo) diz ter cer- teza de que é uma ilha, pois € 0 que diziam os indios”, fe Las Casas comenta: “Parece, pois, que ele nd0 0s com- preendia” (Historia, I, 135). Quanto a Deus.. Efetivamente, néo podemos por no mesmo plano estas trésesferas, como devia acontecer com Colombo. ara nds existem apenas dois intercimbios reais: com ‘a natureza e com os homens. A relagio com Deus nao implica a comunicacio, embora possa influenciar, e até predeterminar, toda forma de comunicacao. Este € justamente o caso de Colombo: hi, sem diivida, rela- Gio entre a forma de sua fé em Deus e a estratégia de suas interpretagDes. ‘Quando dizemos que Colombo tem {E, 0 objeto ‘menos importante do que a agéo: sua fé ¢ crista, mas cae a tense a impressto de que, # fesse musulmana, 08 jucaica, ele teria agido do mesmo modo. O importan. 16a fc dh cus em “Sto Pedrosa abe rare camtahou sobre as fgusserquanto sun fo fenfou. Aquele que vera fé do tamanho de um grdo Bolo cos cboiclio pels montana Que aceae Ge eyo os eer dao. at ee fice ore an pence be tou Looe Gis (501). Alem dso’ Colombo nto acredia unex Tente no dogina crt: acredia tambem (eno € © Ainico na época) em ciclopes ¢ sereias, em amazonas € homens com caudas, e sua crenca, tao forte quanto a Ska Pedro permite que cle os encore “Ek entre ainda que, mais além, havia homens com um sé toutes com fein de cho" (Dro 41.1088) Almirante diz que na vésper,a camino do ro do srt stra sv ma lo era lo beas quanto se iz embora de ferto modo tivesem forma Taman de rst” 1493). “Estas mulheres nao se dedicam a nenhum feminino,esim soa do arco eda Neca, abt ‘como é dito acima, de canico, e elas se armame ellmina de cobre que ton em abundne sf Satang fevers nar de 458) Re. Bieta ao ets Sune poviian queso par das quais uma, que eles chamam de Avan, onde ascer crn wna cada” (i) erengn mais surpeendente de Colombo & de fr elereve so Paraiso terete Ele leu no de Pierre d’Ailly que o Paraiso terrestre localizado numa regido temperada além BINiO encore nada durente faa piel ‘Caribe, surpreendentemente; porém, de volta ‘aon Agores, dleclara: “O Paraiso terrestre esta no fim do Oriente, pois essa é uma regido temperada ao extre- ‘mo, B aquelas terras que ele acabava de descobrir S40, segundo ele, 0 fim do Oriente” (21.2.1493). O tema fransformou-se em obsessio durante a terceira via- gem, quando Colombo chega mais perto do equador. Inicialmente, ele cré perceber uma irregularidade na forma redonda da Terra: “Descobri que o mundo nio cera redondo da maneira como ¢ descrto, mas da for- ma de uma péra que seria toda bem redonda, exceto ‘no local onde se encontra a haste, que é o ponto mais tlevado; ou entéo como uma bola bem redonda, sobre fa qual, em um certo ponto,estara algo como uma teta ‘de mulher, e a parte deste mamilo fosse a mais eleva~ dda ea mais préxima do céu,e situada sob a linha equi- hnocial neste mar Oceano, no fim do Oriente” (Carta as eis, 31.8.1498). sta elevagio (um mamilo sobre uma péral) seré ‘um argumento a mais para afirmar que o Paraiso ter- restre estd ali. “Estou convencido de que aqui ¢ 0 Pa- raiso terrestre, onde ninguém pode chegar se nao for pela vontade divina (.) Nao concebo que o Parafso ter- Festretenha a forma de uma montanha abrupta, como ‘mostram 0s escritos a esse respeito,e sim que est so- bre este pico, no ponto de que falei, que figura a haste da pera, onde subimos, pouco a pouco, por uma incl nagio tomada de muito longe” (ibid. Podemos observar aqui como as crengas de Co- Jombo influenciam suas interpretagbes. Ele no se preo- ‘@upa em entender melhor as palavras dos que se diri- jue ele, pois sabe que encontraraciclopes, homens fn emda @ amazonas. Ele vé que as “sereias” nlo so, ‘ni ne line, bolas mulheres; no entanto, em vez de /ACONQUISTA DA AMERICA escomin z ‘oncluir pela inexistencia das sereias, troca um precon- teito por outro e coge: as sere nto lo to belas quanto se pensa. Durantea terceira viagem, num certo ‘momento, Colombo se pergunta sobre a origem das ppérolas que 0s indiosas vezes Ihe trazem. A coisa acon tece na sua frente, mas o que ele relata em seu diario é a explicagio de Plinic, tiraca de um livro: “Préximo a0 ‘mar havia inumerdveis ostras presas aos galhos das -trvores que cresciam no mar, com a boca aberta para ber 0 orvalho que cai das folhas, esperando que Juma gota para dar origem as pérolas, como diz j € cita 0 dicioadrio intitulado Catlolicon” (Las Historia, 1,137). E 0 mesmo em relagio ao Pa- #0 signo que constitui a 4gua doce (por- rio, e, Fortanto, montana) é interpreta- luma breve hesitagio, “conforme a opiniao Santos e sabios tedlogos” (ibit.) “Tenho em [por muito certo que Ia onde eu disse se en- iso terrestre, e me baseio para isso nas ra- lades dias acima'” (ibid). Colombo prati- tégia “finalista” da interpretacéo, como os interpretavam a Biblia: o sentido final & tamente ia doutrina crista), procura-se 0 tune 0 sentido inicial (a significacao a vas dotest bio) a esie sont dt tem nada de um empirista mod Alecsivo € o arguments de autoridade, ia, Ele sabe de antemao o que vai ‘experiénsia concreta esta ai para ilustrar oe Fost no pars er investiga s peestabelecicas, em ‘uma ue vista de le sempre ser finalista, Colombo, como. ‘mils perypienz quando observava a natureza oo) ‘ACONQUISTA DA AMERICA do que quando tntava compreender os indigenas. Seu Jhermenéutico nao é exatamenteomes- ‘mo aqui e ali, como poderemos ver em detalhe. Desde a mais tenra infancia vivia vida dos mari- inheiros, eo fago até hoje. Este oficio leva aqueles que a dabracam a querer conhecer os segredos deste mundo”, fscreve Colombo no inicio do Livro das profecas (1501). Insistiremos aqui na palavra mundo (em oposicio a ‘homens”y: aquele que se identifica com a profissio cde marinheiro relaciona-se mais com a natureza do que ‘com seus proximos; e em seu espirito a natureza tem ertamente mais afinidade com Deus do que os ho- mens: ele escreve, rapidamente, na margem da Geogra- fia de Ptolomeu: “ Admiréveis sio os impulsos tumul- tuosos do mar. Admiravel é Deus nas profundezas.” (Os escritos de Colombo, e particularmente o disrio da primeira viagem, revelam uma atengio constante @ Todos os fendmenos naturais. Peixes e passaros, plan- tase animais sao as principais personagens das aven- turas que conta; deixou-nos descricSes detalhadas. "Bes pescaram com redes e pegaram um peixe, entre ‘muitos outros, que se parecia realmente com um por- 0, no como 0 atum, mas, diz o Almirante, que era todo escamado, muito duro, e néo tinka nele nada de | ‘male exceto a catida, os olhos e um orificio por baixo para expulsar os excrementos. Ele ordenou que fosse Ealgado para que os Reis o vissem” (16.11.1492). “Vie- tam ao navio mais de quarenta pardais juntos e dois flbatrozes, e num deles deu uma pedrada um moco a caravela. Veio a nau uma fragata, e também um pi saro branco semethante a uma gaivota” (4.10.1492). “Vi tuitae Arvores diferentes das nossas,e varias delas inham ramos de tipos diferentes saindo de um mesmo Rt aa DESCOBRIR z tronco— um ramo cra de um tipo, eo outro de outro = Ho‘stanhos por sua diversdade que era ceramente Aicoisa mais maravilhosa do mundo, Por exemplo, um amo tinha folhas como as da cana e outras como as Ao lentisco, e assim numa s6 drvore havia fothas de (Ou seis ipos «todas diferentes” (16.10.1492). Du- a terceiraviagem cle fz escala nas ilhas do Ca- Verde, que na época verviam aos portugueses como de depots para ten os prose do ein fento que eles poderio curar-se comendo a lavnoe com sng Calombone A\minima atengio aos leprosos e a seus cost iar mes cn inciotmenco a loge 1 dos habitos das tartarugas, Ao naturalista dor junta-se oetlogo experimentador, na célebre ido combate entre um pecari e um macaco, descri- Colombo num momento em que sua situacio & thigica e nao se poderia esperar que ele se con- ma observacio da natureza: “Hi inimeres lenos.e grandes, e muito diferentes dos imvme de presente dois porcos que um no ousava enfrentar. Um arpoador tna animal semelhante a um macaco, porém cor uma face de homemy Ihe nha {© corpo com uma flecha, do peito até a fomo ele estava furioso, tinha tido de cor Iago e uma perna. © porco, assim que o .¢ se pos a fugir. Eu, ao ver isso, man- re,como & chamado neste liga, con e ae ficou sobre ele, ainda que est Walia tivesse a flecha no corpo langou BR te focitho to pors ef sarieve fog enquanto, com amao que Ihe resta- ACONQUISTA DA AMERICA ‘ya, agarrava-o pela nuca, como um inimigo. A grande novidade desta cena e a beleza deste combate de caca evaram-me a escrever isto” (Carta rarissina, 77.1503). ‘Atento a0s animais es plantas, Colombo 0 & ain- dda mais a tudo que se refere & navegacio, ainda que esta atencio esteja mais ligada ao senso pratico do marinheiro do que a observacao cientifica rigorosa Coneluindo o prefacio de seu primeiro didrio, drige a si mesmo esta injuncio: “E, sobretudo, é muito impor- tante que eu esqueca o sono e seja um navegador mul- to vigilante, porque assim deve ser; 0 que exigitd gran- de esforgo”, e podemos dizer que ele obedece a risca nenhum dia sem anotacies referentes as estrelas, aos ventos, a profundidade do mar, ao relevo da costa; 0s principios teol6gicos nao intervém aqui. Quando Pin- 26n, comandante do segundo navio, desaparece & pro- cura de ouro, Colombo passa o tempo fazendo levan- tamentos geograficos: “Esta noite toda esteve na corda, como dizem 0% marinheiros, que é andar barlaventean- do endo andar nada, para ver uma angra, que é uma abertura entre as montanhas, que comegou a ver a0 por-do-sol, onde se mostravam cuas montanhas enor- mes" (Dirio, 13.11.1492) (© resultado desta observacdo vigilante & que Co- Jombo consegue, em matéria de navegacio, verdadei- ras facanhas (apesar do naufrégio de sua nave): sem- pre sabe escolher os melhores ventos e as melhores ve- Jas; inaugura a navegacio pelas estrelas e descobre a declinagio magnética. Um de seus companheiros da segunda viagem, que nao procura ser lisonjeiro, escre- ve: “Durante as navegacdes bastava-Ihe olhar uma nt ‘vem, ou, noite, uma estrela, para saber o que ia acon- tecere se haveria mau tempo.” Em outras palavras, sabe DescoaRiR a Interpretar os sinais da natureza em fungio de seus in- Aeresses, Alids, a tnica comunicagio realmente eficaz ‘que cle estabelece com os indigenas baseia-se em sua ‘iencia das estrelas ¢ quando, numa solenidade digna ‘Tintin, se aproveita do fato de conhecer a data de um ‘minente da Lua; encalhado na costa jamaicana ‘ito meses, ndo consegue mais convencer 0s indios -mantimentos gratuitamente; entao, ameaga rou- a Lua, e nanoite de 29 de fevereiro de 1504 co- 'a cumprir a ameaca, diante dos olhos assustados jeaciques...O sucesso é imediato. | Mas das personagens coexistem em Colombo 16s), € quando o oficio de navegador nao esta vem jogo a estratégia finalista torna-se preponde- em seu sistema de interpretacao: nao se trata mais a verdade, e sim de procurar confirmagées verdade conhecida de antemao (ou, como se -desejos por realidade), Por exemplo, duran- primeira travessia (Colombo leva mais de um ir das Candrias a Guahaani, a primeira ilha ‘que encontra), ele procura indicios de terra. , encontra tais indicios, logo, uma /apos sua partida: “Comegamos a ver numero- le ervas muito verdes que pareciam, segun- te, tere desligado da terra ha pouco tem- 1492), “Do lado do norte apareceu uma gran- ‘0 que significa que ela cobre a terra” “Houve algumas ondas sem vento, o que é de proximidade da terra” (19.9.1492) ‘capitinea dois albatrozes, e depois ou- foi um sinal de estar proximo da terra” *Viram uma baleia, sinal de que estavam pois las andam sempre perto da costa” * ACONQUISTA DA AMERICA (219.1492), Todos 0s dias Colombo ve “sinais” e, noe tanto; sabemos hoje que os sinais mentiam (ou que nao Ihavia sinais),jé que a terra 36 foi atingida no dia 12 de ‘outubro, ou seja, mais de vinte dias depois! ‘No mar, todos os sinais indicam a proximidade da terra, que Colombo assim o deseja. Em terra, todos 0s sinais revelam a presenga de ouro: aqui também sua convicgio jé estava formada havia muito tempo. “Ele diz ainda que achava que havia imensas riquezas, pe- dras preciosas e especiarias” (14.11.1492). “O Almi rante presumia que ali havia bons rios e muito ouro’ (11.1.1493). As vezes a afirmacio desta convicgao mis- tura-se, ingenuamente, com uma confissio de ignorin- cia: “Creio que hi muitas ervas e muitas drvores bas- tante apreciadas na Espanha para as tinturas, e como ‘medicamentos e especiarias; mas no as conheco, o ‘que me deixa deveras desgostoso” (19.10.1492). "Ha também drvores de mil espécies, todas com frutos di- ferentes ¢ todos tio perfumados que é uma maravilha, estou profundamente desgostoso por nao conhe- ‘Eas, pois estou certo de que tem todas muito valor” (21.10.1492), Durante a terceira viagem, ele mantém 0 ‘mesmo esquema de pensamento: acha que as terras s30 ricas, pois deseja ardentemente que 0 Sejamy sua con- vicgfo é sempre anterior 4 experiéncia. “E ele ansiava ‘em penetrar os segredos destas terras, pois achava im- ‘possfvel que elas nao contivessem coisas de valor” (Las Casas, Historia, I, 136) ‘Quai sto os “sinais” que Ihe permitem confirmar suas convicgbes? Qual ¢ o procedimento de Colombo hhermeneuta? Um rio Ihe faz lembrar 0 Tejo. “Ele lem- ‘brow-se entéo que na embocadura do Tejo, proximo'a0 mar, encontra-se ouro, € parecetrlhe certo que devi 2» Wer dele ayui (Dir, 25.11.1492): nao 86 uma vaga logia deste género nao prova nada, como também }prprio ponto de partica ¢ falso: no Teo ndo ha ouro. ainda: “O Almirante diz que onde ha cera deve ‘milhares de ottras boas coisas” (29.11.1492): esta ia nem se compara ao célebre “onde ha fuma- Ini fogo"; e 0 mesmo serve para outra, onde a bele- ila leva Colombo a concluir suas riquezas. “Um de seus comespondentes, Mosén Jaume Fer- ia escrito em 1495: “A maioria das coisas boas regides muito quentes, cujos habitantes sio (ou papagaios..” Os negros e os papagaios S10 sconsiderados como sinais (provas) de calor, € ‘como sinal de riqueza. Deveria surpreen- Jentio, o fato de Colombo nunca deixar de re- abundancia de papagaios, o negrume da pele ade do calor? “Os indion que Sabian 8 tentendido que o Almirante desejava ter (13.12.1492): agora sabemos por qué! terceira viagem, ele vai mais para o sul: “Ai, lo extremamente negras. E, quando das na- regio a0 Ocidente, o calor era extremo” tis, 31.8.1498). Mas 0 calor é bem-vindo: diz. 0 Almirante, eles suportaram nesse luziu. que, nessas fndias e por onde iam, muito curo” (Didrio, 20.11.1492). Las Ca: Vago justa sobre um outro exemplo Juma maravilha ver como, quando um muito algo ese agarra firmemente a isso fo, lema impressio, a toclo momento, ag are evt ttemnba «favor it 1,49), ‘la localizagio da terra firme (o conti- His tim outro exemplo espantoso deste wo ‘ACONQUISTA DA AMERICA io. Desde a primeira viagem, Colombo registra em seu didrio a informagéo pertinente: “Esta itha Hispaniola (Haiti) ea outra iha, Yamaye (Jamai- «a)estdoa somente dez dias de canoa da terra firme, 0 ‘que pode significar de sessenta a setenta léguas, e 1 as sentes se vestem”(6.1.1493). Ele tem, porém, suas con- ‘viegdes, ou seja, que a iha de Cuba é uma parte do continente (da Asia), e decide eliminar qualquer infor- ‘magio que tenda a provar 0 contrario. Os indios en- contrados por Colombo dliziam que essa terra (Cuba) cera uma ilha; é que a informagio ndo Ihe convinha, ele recusava a qualidade de seus informantes. “E como sfo homens bestiais e que pensam que o mundo intei 10 € uma ilha, e que nem sabem 0 que é um continen- te, € no possuem nem cartas nem documentos anti- '808, € 56 encontram prazer em comer e estar com as mulheres, disseram que era uma ilha..” (Bernaldez, transcrevendo o diario da segunda viagem). £ possfvel nos perguntarmos em que, exatamente, 0 amor pelas mulheres invalida a afirmacao de que 0 pais € uma iha. De qualquer modo, no final desta segunda expe- dicdo, assistimos a uma cena célebre e grotesca, onde Colombo se recusa definitivamente a verificar pela ex- periéncia se Cuba é uma ilha, e decide aplicar o argu- ‘mento de autoridade em relagao a seus companheiros: todos descem a terra, e cada um pronuncia um jura mento afirmando que “néo tinha déivida alguma de que fosse terra firme e no uma ilha, e que antes de ‘muita léguas, navegando pela dita costa, encontrariam um pais de gente educada e conhecedora do mundo (.) Sob pena de dez mil maravedis (moeda espanho- 1a) para quem dissesse depois o contrério do que ago- ra dizia, € a cada vez, em qualquer tempo; 20b peta DescovRie 31 abém de tera lingua cortada, e, para os grumetes € tes desta especie, que nesse caso Thes sejam dadas chicotadas e que se Ihes corte a lingua” (Juramento Cuba, junho de 1494). Estranho juramento esse, sque juram que encontrardo gente civilizada! A interpretacio dos sinais praticada por Colombo nada pelo cesultado ao qual ele deve chegar. sta facanha, a descoberta da América, relaciona-se ‘comportamento: ele no a descobre, encon- ‘onde “sabia” que estaria (onde ele pensava estar ‘ocidental da Asia). “Ele sempre tinha achado, de seu coragio”, relata Las Casas, “quais- fossem as razdes dessa opiniao (eram a leitu- i e das profecias de Esdras), que atra- ‘© oceano para além da ilha de Hierro, por ia de aproximadamente setecentas e cin- éguas, acabaria por descobrir a terra” (Histo- ). 4 percoridas setecentas léguas, ele proibe durante a noite, temendo deixar escapar sque ele sabe estar bem proxima. Esta convieco ora viagem; Fernando e Isabel lembram-se carta que segue a descoberta: “O que vés Tealizou-se como se v6s 0 tivésseis vis- ide dizé-lo « n6s” (carta de 16.8.1494). O pré- sbo, a post-rori, atribui sua descoberta a este to priov, que identifica & vontade divina (de fato bastante invocadas por ele nesse "Ja disse que, para a execucdo do empreen- a a7A0, a matematica eo mapa-mtindi ym de nenhuma utilidade. Tratava-se ape- ‘do que Isaias havia predito” ("Preti- as profcias, 1501). Do mesmo modo. Co- iMescobbe (na tercera viagem) o continente ame x ACONQUISTA DA AMERICA mR 33 ‘heano propriamente dito porque procura, de maneira enfeitados dasmais lindas cores do mundo: azuis, them ordenada, aquilo que chamamos de América do 3s, vermelhos e de todas as cores. Outros si Su, como revelam suas anotagdes no livro de Pierre dos de mil maneiras e suas cores sio tao belas WAilly: por razdes de simetria, deve haver quatro niio ha quem nio fique maravilhado e extasiado ‘ontinentes no globo: dois ao norte e dois ao sul; ou, ‘velos. Ha também baleias” (16.10.1492). “Aqui vistos no sentido contrario, dois a leste e dois a oeste toda ilha, as érvores sio verdes eas ervas também, ‘A Buropa e a Africa (“Eti6pia”) formulam o primeiro ‘no més de abril, na Andaluzia. O canto dos pas- par norte-sul;a Asia é 0 elemento norte do segundo; 6 tal que pereceria que jamais 0 homem dese- resta descobris, ndo, char onde estélocalizado © quar ppartir daqui. Os bandos de papagaios escon- to continente. Assim, a interpretagio “finalisa” nao & (0 sol. Péssaros e passarinhos sto de tantas espé obrigatoriamente menos eficaz do que a interpretacdo tio diferentes dos nossos, que é uma maravilha” empirista: os outros navegadores nao ousavam em- 1492). Até 0 vento ali “sopra muito carinhosa- preencder a viagem de Colombo, pois nao tinham a sua (24.10.1492) certeza descrover sua admiracio da natureza, Co- Este tipo de interpretacao, baseado na pré-ciénci ilo pode evitar os superlatives. O verde das ‘ena autoridade, nada tem de “moderno”. Poném, como J to intenso que deixa de ser verde. “As drvo- ‘vimos, esta atitude € compensada por outra, que nos é tio vicosas que suas folhas deixavam de ser bem mais familiar; é a admiragio intransitiva da Na- ficavam escuras de tanto verdejar” (16.12.1492). tureza, tdo intensa que se libera de toda interpretagao terra um perfume, tio bom e tio suavé, das ‘ede toda funcio: é uma apreciacdo da Natureza que ji das drvores, que era a coisa mais doce do nao tem nenhuma utilidade. Las Casas transcreve um (19.10.1492). “Ele diz ainda que aquela ilha é trecho do disrio de sua terceira viagem, que mostra que 0s othos jamais viram’” (28.10.1492). Colombo preferindo a beleza a utilidade: “Ble diz que sque nunc tinha visto coisa mais bela do que ‘mesmo se nao houvesse lucros a obter, pela beleza des- no meic do qual corre o rio” (15.12.1492). sas terras,(..) nao deveriamos estimé-las menos” (His ;que a beleza destasilhas, com seus montes ¢ toria, 1, 131). E a enumeragio das admiragoes de Co- ‘suas dguas e seus vales regados por rios Jombo ndo teria fim. “Toda esta terra é de montanhas um espetéculo tal que nenhuma outra ‘muito altas e muito belas, nem aridas nem rochosas, 10 sol pode parecer melhor ou mais magnifi- ‘mas muito acessiveis e com vales magnificos. Como as im Antonio de Torres, 30.1.1494) ‘montanhas, 05 vales sio repletos de arvores altase res tem consciéncia do que estes superlati- cas, que se tem grande satisfacao em avistar” (Dito, {er de inverossimil e, consegiientemente, 26.11,1492). “Aqui, os peixes sio tio diferentes dos nos: ue $05, que é uma maravilha. Hi alguns que so, como os fvel procecer de outro modo. “Ele fei ver o u ACONQUISTA DA AMERICA porto e afirmou que entre todos os que ja tinha visto henhum se igualava aquele. E pede desculpas, dizen- ido que tanto elogiou os outros que jé nao sabe como ‘logiar aquele, e que teme ser acusado de tudo magni- ficar em demasia. Mas justifica seus elogios..” (Didrio, 21.12.1492). E jura que nao esta exagerando: “Ele diz tanto e tais coisas da fertilidade, da beleza e da altitu- de das ilhas encontradas nesse porto, que pede aos Reis que nao se espantem com tantos elogios, pois Ihes garante que nio cré dizer destas coisas um centésimo” (14.11.1492). E deplora a pobreza de seu verbo: "Dizia 0s homens que o acompanhavam que, para fazer para (8 Reis uma relagio de tudo quanto viam, mil linguas nao bastaram para expressé-lo nem sua mao para e5- cerevé-lo,e que lhe parecia estar encantado” (27.11.1492). A conclusio desta admiragio ininterrupta € logi- «a: 0 desejo de nio deixar este apice de beleza. “Disse ‘queera um grande prazer ver todo aquele verdor, aque- Tas matas e passaros que nao podia decidir-se a deixar para retornar aos navios”, lemos no dia 28 de outubro de 1492, ¢ ele conclui, alguns dias depois: “Foi coisa to maravilhosa ver as arvores e 0 frescor, a gua tio cristalina, os passaros e a suavidade dos lugares que ele diz acreditar que nio quer mais partir daqui” (27.11.1492). As rvores sio as verdadeiras sereias de Colombo. Diante delas, ele esquece suas interpreta- ges e sua busca de lucro, para reiterar, incansavel ‘mente, o que nao serve para nada, nao conduz.a nada, «que, portanto, s6 pode ser repetido: a beleza. “Ele pa rava por mais tempo do que teria desejado, pelo dese- jo que tinha de ver eo deleite que experimentava em olhar a beleza e o frescor das terras, onde quer que en trasse” (27.11.1482). lalvez encontre ai um motivo que IR 35 10 todos os grandes viajantes, conscientemente no. ‘A observacio atenta da natureza conduz a tres diferentes: ainterpretacio puramente pragmé- ‘eficaz, quando se trata de assuntos de navega- {nterpretacio finalista, em que os sinais confir- fs crengas e esperancas que se tém; e,finalmen- recusa de interpretacio que é a admiracdo in- da natureza, a submissao absoluta a beleza, qual se gosta de uma rvore porque é bela, & e no porque poderia ser utilizada como ide ur navio, ou porque sua presenca promete Em relagac aos sinais humanos, o comporta- ‘Colombo seré, finalmente, mais simples. {ns a outros, hé solucao de continuidade. Os atureza so indicios, associagbes estaveis, tentidades, e basta que uma esleja presente ‘se possa imediatamente inferir a outra. Os INOS, ou sea, as palavras da lingua, ndo S40 jassociagbes, nAo unem diretamente um som a [Passam por intermédio do sentido, que & fe intersubjetiva. Primeiro fato que chama ‘Colombo, em matéria de linguagem, parece ‘nomes proprios, que, em certos aspects, mais se essemelham aos indicios natu [Pois, esta atencio aos nomes proprios, e, fa preocupacio de Colombo em relacio ‘ome, a ponto de, como se sabe, modifi- varias vezes no decorrer de sua ‘aqui, mais uma vez, a palavra a Las Casas, «lor do Almirante e fonte tinica de inu- Informagdes a seu respeito, que revelard o estas mudancas (Historia, 1, 2): “Mas este ho- ACONQUISTA DA AMERICA ‘mem ilustre, renunciando ao nome estabelecido pelo costume, quis chamar-se Colén, recuperando 0 vocé- bbulo antigo, menos por esta razao (ser o nome antigo) do que, devemos acteditar, movico pela vontade divi- hha que o havia eleito para realizar 0 que seu nome e sobrenome significavam. A Providéncia divina quer, geralmente, que as pessoas por Ela designadas para servir recebam nomes e sobrenomes adequados a tare- fa que lhes ¢ confiada, como se viu em muitos lugares na Escritura Santa; ¢ 0 Fldsofo diz, no capitulo IV de ‘sua Metafiscn: ‘Os nomes devem convir as qualidades ‘© 403 1308 das coisas.’ Por isso ele era chamado Cris- tobal, isto é, Christum Ferens, que quer dizer portador do Cristo, ¢ € assim que ele assinava freqiientemente; pois em verdade foi o primeiro a abrir as portas do ‘mar Oceano, para fazer passar nosso Salvador Jesus Cristo, até essas terras Ionginquas e reinos até entio deesconhecidos (..) Seu sobrenome foi Col6n, que quer dizer repovoador, nome que convém aquele cujo €5- forco fez descobrir essas gentes,essas almas em nime- ro infinito que, gracas a pregagio do Evangelho, (..) foram e irko todos os dias repovoar a cidade gloriosa do Céu. Também Ihe convém na medida em que foi 0 primeiro a fazer vir gentes da Espanha (embora nao as {que deveria), para fundar colonias, ou populagdes no- ‘vas que, estabelecendo-se junto aos habitantes nati ris (..), deviam constituir uma nova (.) Igreja cristae sum Estado feliz.” Colombo (4) ¢, depois dele, Las Casas, assim como muitos de seus contempordneos, acreditam, portanto, que:os nomes, ou, pelo menos, 0s de pessoas excepct nas, lever ser A imagem de seu ser. E Colombo tinha ‘gonservado nele mesmo dois tracos dignos de figurat Descosrie 7 ‘até em seu nome: o evangelizador ¢ 0 colonizador; e inha razao. A mesma atenio para com 0 nome, que © fetichismo, manifesta-se nos cuidados de que sua assinatura; pois ele nao assina, como qual- ‘um, seu nome, mas uma sigla particularmente ela- la - tdo elaborada, aliés, que ainda nao se pode iF Seu segredo. E nao se contenta em utilizé-la, também a seus herdeiros, Lé-se na institui- le morgado: ‘Meu filho Don Diego e qualquer ppessoa que herde este morgado, a partir do mo- fem que o herdar e dele tomar posse, assinaré propria assinatura, tal como é por mim utiliza ;momento, ou seja, um X com um $ acima; um M ‘A romano abaixo, com tragos e virgulas, tal agora, e que podem ser vistos em minhas que poclem ser encontradas em grande Bris prim sr vise pen presente” 105 pontos = virgulas sao estabelecidos de an- Esta atengio excessiva para com o proprio no- ‘um prolongamento natural em sua ativi- ilenominacor, durante as viagens. Como Adio Colombo apaixona-se pela escolha dos no- indo virgem que esta vendo; e, assim como sm ser motivados. A ‘maneiras. No ini- ordem cronolégica orresponde a ordem de importancia associados aos nomes. A seqiiéncia ser Maria, orei de Espanha,a rainha,a her- primeira que encontrei trata-se de ilhas), ‘le San Salvador, em homenagem a Sua idle, que maravilhosamente deu-me tudo w /ACONQUISTA DA AMERICA Isto, Os indios chamam esta itha de Guanaani. A segun- dda lla dei o nome de Santa Maria de Concepcion; & terceira, Fernandina; quarta, Isabela; quinta, Juana, fe assim a cada uma delas dei um novo nome” (Carta a Santangel,fevereiro-marco de 1493). ‘Colombo sabe perfeitamente que as ithas jé tém ‘nome, de uma certa forma, nomes naturais (mas em ‘outra acepcio do termo); as palavras dos outros, entre- tanto, nao Ihe interessam muito, e ele quer rebatizar os lugares em funcio do lugar que ocupam em sua des- coberta, dar-lhes nomes justos; a nomeacio, além dis- 50, equivale a tomar posse. Mais tarde, 08 registros re- ligioso e real ja quase esgotados, recorre a uma mot vvacio mais tradicional, por semelhanca direta, que ele justfica em seguida, “Dei a esse cabo o nome de Cabo Belo, porque ¢ realmente belo” (19.10.1492) “Chamou-as de ilhas de Areia, pelo pouco fundo que tinham por seis léguas em sua parte sul” (27.10.1492). “Viu um cabo coberto de palmeiras, e nomeou-o Cabo das Palmei- ras” (30.10.1492). "H4 um cabo que avanca muito no ‘mar, as vezes alto e as vezes baixo, e por isso ele no- ‘meou-0 Cabo Alto-e-Baixo” (19.12.1492). “Encontramos particulas de ouro nos aros dos bartis (..), © Almi- rante deu ao rio o nome de Rio do Ouro” (6.11493). “Quando avistou a terra, foi um cabo que nomeou do Pai e do Filho, porque sua extremidade leste é dividi- dda em duas pontas rochosas, uma maior do que a ou- tra” (12.1.1488, I, 195). “Chamei o local de Os Jardins, porque era o nome que convinha..” (Carta aos reis, 31.8.1498). ‘As coisas devem ter os nomes que Ihes convém. Hi dias em que esta obrigagio deixa Colombo mum esta- slo dle versladeiro furor nominativo. Assim, a 11 de ja- 39 nelro de 1493: “Navegou quatro léguas em direcao a0 Teste, até um cabo que chamou de Gurupés. De Is, a “suideste eleva-se o monte que ele chamou de Monte da que diz estar a oito léguas. Dezoito léguas a les- ‘{e, quarta sudeste do Cabo Gurupés encontra-se 0 que ele chamou do Anjo. (..) Quatro léguas a les- ‘sudeste do Cabo do Anjo, hé uma ponta que inte chamou de Ponta do Ferro. Quatro léguas fe, na mesma direcio, uma outra ponta que no- Ponta Seca, e ainda seis léguas além, 0 cabo que de Cabo Redondo. Mais além, a leste, esté 0 Francés...” Ele parece ter tanto prazer nisso que fem que dé dois nomes sucessivos ao mesmo (por exemplo, no dia 6 de dezembro de 1492, um sue de madrugada tina sido nomeado Maria $0 Nicolau no fim da tarde). Por outro lado, {quiser imité-lo em sua agao de nomeador, ‘4 decisdo para impor 0 nome que ele quer: ua fuga, Pinz6n tinha nomeado um rio com nome (coisa que o Almirante nunca faz), apressa-se em rebatizé-lo “Rio de Gra- Indios escapam da torrente de nomes: os homens levados a Espanha sio rebatizados she Castilla ¢ Don Fernando de Aragon. gesto de Colombo em contalo com as ye descobertas (conseqiientemente, ‘gontato entre a Europa e o que seri a sexpécie de ato de nominagio de gran- uma declaragao segundo a qual as terras, parte lo reino da Espanha. Colombo Hum barca decorada com o estandarte a por dois ce seus capities,e pelo es- ‘inka le yeu tinteiro, Sob os othares dos ACONQUISTA DA AMERICA 40 Indios, provaveimente perplexos, e sem se preocu- par com eles, Colombo faz redigit um ato. “Ele Thes peal que dessem fée testemunho de que ele, diante He todos, tomava posse da ditailha como de fato to- mou em nome do Rei e da Rainha, seus Senhores.” (41.10.1492). Que este tenha sido o primeiro ato de ‘Colombo na América nos diz bastante da importancia ue tinham para ele as cerimdnias de nominagfo. Como dissemos, os nomes proprios constituem ‘um setor muito particular do vocabuliio: desprovidos de sentido, servem somente para denotar, mas nto server, diretamente, para a comunicagio humans; di- rigem-se A natureza (0 referente), no aos homens; s40, {a semelhanca dos indices, associagbes diretas entre se- ajiiencias sonoras e segmentos do mundo. A parte da Comunicagao humana que prende a atengio de Co- Tombo é, pois, precisamente o setor da linguagem que serve unicamente, pelo menos num primeiro momen- to, para designar a natureza. ‘Quando Colombo se volta para o resto do vocabu lirio, ao contrério, mostra muito pouco interesse ¢ revela ainda mais sua concepgio ingénua da lingua gem, ja que sempre vé os nomes confundidos as coi Sas: toda a dimensio de intersubjetividade, do odor reciproco das palavras (por oposicio a sua capacidade denotativa), do cardter humano, e portanto arbitriio, dos signos, the escapa. Aqui ests um episédio signif cativo, uma espécie de parédia do trabalho etnogrit fo: tendo aprendido vocabulo indigena “caciqui preocupa-se menos em saber o que significa na hiera Guia, convencional e relativa, dos indios, do que ett Yer que palavra espanhola corresponde exatament ‘como se fosse Gbvio que os indios estabelecem as me bescoseie a ‘mas distingdes que os espanhéis; como se 0 uso espa- ol nfo fosse uma convencio entre tanta, e sinh © fstado natural das coisas: “Até entao, o Almirante nio PPidera compreender se esta palavra (cacique) signi fava rei ou governador. Eles tinham também uma ou- ppalavra para os grandes, que chamavam nitayno, ‘ele nao sabia se designava um fidalgo, um gov Fou um juiz” (Didrio, 23.12.1492). Colombo nao la nem por um segundo de que os indios, como is, distinguem entre fidalgo, governador ¢ y sua curiosidade limita-se a0 exato equivalente estes termos. Para ele, todo o vocabalério & inte aos nomes proprios, e estes decorrem das ides dos cbjetos que designam: 0 coloniza- schamar-se Colon. As palavras sio—e nao si0 ue eo ~ imagem das ois fa surpreendente notar a pouca aten- {Colombo dias inguas estrangeies, Sua rea. 1 ner sempre explicita, mas subjacente lamento, € que, no fundo, a diversidade iio existe, js que a lingua é natural, O que la mais surpreendente na medida em que Colombe ¢ poliglota, e 20 mesmo tempo i ing matera: praia io bem ou ‘quanto 0 latim, o portugues e o espa- Fisbiresas ideologies sempre souberam as individuais. Até sua convi ida Asia, que the dé a coragem de ‘wim mal-entendido lingiiistico carac- {omuim em sua Epoca que a Terra é ite corn rats gus sitios # # Asia pela via ocidental é muito ‘Me domais. Colombo aceita a autorida- a2 ACONQUISTA DA AMERICA Ade do astrOnomno érabe Alfragamus, que indica com bastante correcdo a circunferéncia da Terra, mas expri rnyea em milhas érabes, de um terco superiores as mi thas italianas, a que Colombo esti acostumado. Este iio pode conceber que as medidas sejam convencoes, aque © mesmo termo teriha significados diferentes se- gundo as diferentes tradicdes (ou linguas, ou contex- {os); traduz ento em milhasitalianas, ea distancia nd0 parece estar além de suas forcas. E, apesar de a Asia ‘lo estar onde ele pensa que esté, tem como consolo a descoberta da América. ‘Colombo nao reconhece a diversidade das linguas ¢, por isso, quando se vé diante de uma lingua estran- {geira, $6 ha dois comportamentos possiveis, e comple- rmentares: reconhecer que é uma lingua, ¢ recusar-se a aceitar que seja diferente, ou entdo reconhecer a dife renga e recusar-se a admitir que seja uma lingua... Os fndios que encontra logo no inicio, a 12 de outubro de 1492, provocam uma reacio do segundo tipo; a0 ve-0s, promete; “Se Deus assim 0 quiser, no momento da Partida levarei seis deles a Vossas Altezas, para que ‘|prendam a falar” (estes termos chocaram tattoos Vit ros tradutores franceses de Colombo que todos corr: giram: “para que aprendam nossa lingua”). Mais tat Ge, consegue admitir que eles tém uma lingua, mat nndo chega a conceber a diferenca, ¢ continua a esculal palavras familiares em sua lingua, e fala com eles con Se devessem compreendé-lo, ¢censura-os pela mi pity niincia de palavras ou nomes que pensa reconheo Com esta deformacio de audicio, Colombo mani dislogos engracados e imaginrios, dos quais © longo refere-se ao Grande Can, meta de sua vi Os Indios dizem a palavra Cariba, designando 0s i escosrin a tantes (antropéfagos) do Caribe. Colombo entende ca- nba, ou seja, gente do Can. Mas entende também que, Segundo 0s indios, estas personagens tém cabeca de ‘0 (do espanhol cam), com as quais, justamente, co- Imem-nos. E acha que 0s indios estao inventando his- AGrias, censurando-os entao por isso: “O Almirante Aachava que estavam mentindo, e acreditava que aque- que 05 capturavam eram da senhoria do Gra 1” 26.11.1492). ae ‘Quando Colombo reconhece,enfim, a diferenca de lingua, gostaria que, pelo menos, fosse a de todas tras; hd, em suma, as linguas latinas de um lado, Tinguas estrangeiras do outro. As semelhancas si0 les no interior de cada grupo, a julgar pela facili- do proprio Colombo paras primetas,ea does fem linguas que traz com ele para as outras fo ouve falar de um grande cacique no interior que imagina ser 0 Can, envia, como emi Pum cert Ls ce Torres que inka vivid com aidor de Marcia e tinha sido judeu e sabia, 1 hebraico, 0 caldeu e um pouco de arabe” possivel que nos perguntemos em que Sido feitas as negociacoes entre o envia- € 0 cacique indio, aliés imperador da este timo no comparecew ao enconto, ido desta falta de atencio para com a lin- 6 facil de prever: de fato, em todo 0 de- vviagem, antes de os indios levados aprendido a “falar”, € a total incom- {como diz Las Casas, na margem do dis- bor “Estavam todos no escuo, pois nso inn © que os indios diziamy” (30.10.1492) ‘hey a er chocante, nem surpreendente; 20 “ ACONQUISTA DA AMERICA contritio, 0 que choca e surpreende é 0 fato de Co- Jombo agir o tempo todo como se entendesse o que the ddizem, dando, simultaneamente, provas de sua incom- preensio. A 24 de outubro de 1492, por exemplo,es- Ereve: “Pelo que ouvi dos indios, (a ilha de Cuba) & bastante extensa, de grande comércio, eque havia nela ‘ouro e especiarias e grandes naus e mercadores.” Mas, ‘as linhas abaixo, no mesmo dia, escreve: “iio com preendo a linguagem deles”, Portanto, o que ele “en ende” e “escuta” é simplesmente um resumo dos li tyros de Marco Polo e Pierre Ally. “Ele entendeu que Vinham até ali navios de grande tonelagem, perten- ‘entes ao Grande Can, e que a terra firme estava a dez dias de navegacio” (28.10.1492). “Repito, pois, 0 que disse repetidas vezes: Caniba no € nada Sendo 0 povo do Grande Can, que deve ser vizinho deste.” E cont ‘nua com este comentério saboroso: "A cada dia que passa, diz o Almirante, compreendemos melhor estes Indios, e com eles acontece o mesmo, embora varias ve zes tenham tomado uma coisa por outra’ (11.12.1492), Dispomos de outro relato que ilustra a maneira pela ‘qual seus homens faziam-se compreender pelos indios 70s Cristdos, achando que, se safssem de suas chal pas em grupos de dois ou trés no méximo, 0s indiow io teriam medo, avangaram em diregio a eles de ts fem trés, dizendo que nao os temessem em sua lingiit gue conheciam um pouco pela conversa daquelet ue traziam. No fim, todos os indios se puseram afi ir de modo que nio restou nem grande nem peel no” @7.11.1492). Colombo nem sempre 6 enganado por suai sabes; ¢ admite que nfo ha comunicacio (0 que 10 tina mais problematicas as “informagbes” que pe Descomik & ‘bter em suas conversas): “No con ras): “Nao conheco a lingua das gests dau ckesntomecompreendem enem a Henlhum de meus homens o entendemen” 7.1.49) iz ainda que so compreendia a lingua dos indige- has “por conjecturas” (15.1.1493); sabemos, no entar- to oquanto esse metodo ¢pouco seg, comunicagio nao-verbal nio é nada melhor que troca de palavras. Colombo preparase para descr ar com seus homens. “Um des indo gue eto velo, elo rio, até popa da barca e inicio. Tonga disurs, que 0 Alans no compreen fo que em nada surpreendle), Mas notou que os o- Bios, de tempos cn teres evartavern aa ace edavam um grit. 0 Almirante achava que eles im que sua Vinca Thes agradava (exemplo tipi sifting), mas via queo ndio que asia (este sim, compreende a lingua) mudava de cor, amarelo ccmo a cera, e tremia muito, dizendo ite 9 Almateslse do clos” (3.12.1492), Resta saber fentendeu bem o que o segundo fndio The sinais’. Eis um exemplo de emissio simbd- ‘44 mencs tio bem-sticedida quanto a pri- desejava muito falar com eles, e jé nao ti- iquie Ihes pudesse ser mostrado para que vies- ‘uum tamborim que mandei trazer ao castelo. ser tocado e fazer dangar alguns jovens, ‘es viriam ver a festa. Mas assim que sser tocado e a danca, todos abandona- fomaram seus arcos, estenderam-nos, lo-se com 0 escudo, e comecaram a ati- enn (Carte aos res, 3.81498) Hracnnsos nto se devem tnicamente a igno- Myuin e dos costumes dos indios (embora ACONQUISTA DA AMERICA ‘Colombo pudessé ter tentado vencé-l): os intercam- ‘bios com os europeus também ndo sio bem 10s Acores, Co- Jombo ‘elo com um capitao portugues que Ihe era ho: Shuto demais no inicio, vé seus homens detidos, quan- do esperava a melhor das receps6es dissimulador gros- Seiro em seguida, nao consegue atrair o capitso a seu navio, para prendé-lo. Sua percepgio dos homens & sua volta nao é muito clarividente: aqueles em quem deposita toda confianca (como Roldén, ou Hojeda) vole tam-se em seguida contra ele, ao paso que ele negli gencia pessoas que lhe sio realmente dedicadas, como Diego Mendez. “Colombo nao & bem-sucedido na comunicagto hu= ‘mana porque nao esta interessado nela. Lé-se em seu Giariona 6 de dezembro de 1492, que os indios que havia trazido a bordo de seu barco tentam escapar ¢ inquietamse ao ver-se longe de sua ilha. “Alias ele 08 compreendia tao mal quanto eles a ele, ¢ tinha o maior temor do mundo das gentes desta ilha. Assim, part ‘conseguir falar com os habitantes desta ilha, teria sil srecessario permanecer alguns dias neste porto, Mal Glendo o fazia, para ver mais terras e duvidando qui bom tempo durasse.” Tudo esta af, no encad de algumas frases: a pouca percepgio que Colo tem dos indios, mistura de autoritarismo e cond déncia; a incompreensio de sua lingua € nals; a facilidade com que aliena a vont: visando a um melhor conhecimento das ills dl bertas; a preferéncia pela terra, e nao pelos Is Na hermenéutica de Colombo, estes no tm Ii servado. COLOMBO E 0s INDIO. ‘Colombo fala dos h ofalados homers que vé unicams Sales final, também fazom parte da paisa mengbes aos habitantes das ilhas aparecem sem, elo de anotagdes sobre a Natureza, em alam ie 8 pssaos e a vores “No interior das mils mina de mete indmeos habia angel, fevereirmargo de 1483). "Ate nlavez melhor nagulo que tinh decober As las florestas, plantas, (Dario, 25.1149 “Auratzcalienn, mtoas pernas, e iz, eram fortes Motai4o2s vers ee te com ale ts pessons, em fancio de uma compare, fe uma compara- Adhesrgto das raizes. “Notaram ques lava pas de algo, mn ao i f.com dezoito anos. Havia ainda Wes. Enconearam tami an "NO nariz. uma eta nM pepita de ouro do Jim no castelhano.” 17101492 esta re observagses sobre as mulhe- eza, em algum

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