1. INDUSTRIALIZAÇÃO E
PRIMÓRDIOS DO DESIGN
No sistema escolar da Suíça, por exemplo, já houve em adequadas aos produtos, a evolução tecnológica passou por
fins do século XIX tentativas de criar locais para forma- muitas fases de inovação, que se transformaram em molas
ção profissional e artesanal (escolas privadas de desenho propulsoras para o desenvolvimento do design. Sua base
e arte). Durante o século XIX, surgiram novas escolas téc- residia no surgimento e na aplicação de novas tecnologias-
nicas especializadas, escolas politécnicas e liceus de artes guia. Uma dessas fases foi a mecanização da construção
e ofícios, que também deveriam contribuir para manter a de máquinas durante as últimas décadas do século XIX. A
competitividade internacional dos produtos. produção mecânica (!) de máquinas para a produção de
Sob a influência do modelo das exposições internacionais, objetos de consumo e de máquinas de impressão foi res-
em muitos lugares, foram feitas exposições industriais na- ponsável por um notável crescimento do trabalho criativo
cionais e regionais de produtos industrializados. Na Suíça, no âmbito do design de produtos e do design gráfico.4
a primeira ocorreu em 1862, em Lausanne. Tais exposi-
ções transformaram-se em fóruns abertos de discussão, A mola propulsora econômica do design
no quais se debatia a qualidade dos produtos expostos e A mola propulsora econômica do design industrial, da cria-
oferecidos. ção da forma de objetos produzidos em série e, portanto,
No impulso dessas exposições que concorriam entre si, logo padronizados, está no princípio capitalista da economia: o
surgiram, nas principais metrópoles europeias, os primeiros capital é investido no circuito econômico para gerar renda.
museus de artes e ofícios. Neles também se fazia a com- O capitalista está interessado em pôr no mercado a maior
paração entre os melhores produtos, dando lugar ao surgi- quantidade possível de mercadorias para que sejam ven-
mento de um discurso específico sobre o que mais tarde se didas, com o intuito de obter a maior renda possível. Mas,
chamaria de design. Pela primeira vez, a forma dada aos para tanto, ele precisa deslocar os seus concorrentes do
objetos do cotidiano se tornou um tema de interesse públi- mercado, por exemplo, mediante a redução de seus custos
co. Reconhecia-se a importância econômica do design. de produção para abaixo do nível daqueles da concorrên-
Mais de um museu foi enriquecido com a criação de es- cia. Como isso é possível? O resultado financeiro obtido a
colas profissionalizantes a eles ligadas, para sua mútua partir da venda dos produtos no mercado, o lucro, não é
fecundação, financiadas pelo Estado ou pelas cortes.2 A gasto, mas reinvestido, em boa parte, na produção. Com
criação de museus e escolas ampliava o acervo de projetos esse capital adicional podem ser desenvolvidos e aplica-
e levava esse tipo de criação ao centro de discussões mar- dos meios de produção que poupem custos e tempo, o
cadas pela ideologia.3 que melhora a própria posição em meio à concorrência
Em resumo: a industrialização não teve apenas consequên- de deslocamento. E, desse modo, sempre mais e novas
cias econômicas, mas trouxe também múltiplos debates mercadorias entram no mercado.
nas áreas da política educacional e cultural. A conforma- Faz parte da lógica do modo de produção capitalista (di-
ção de produtos industriais tornou-se um fator consciente- ferentemente, por exemplo, do modo feudal medieval ou
mente percebido por muitos. do chamado modo de produção asiático) transformar todos
os objetos de consumo em mercadoria e inventar todas as
—
A mola propulsora tecnológica do design 1. Gert Selle, Ideologie und Utopie des Designs, p. 55.
Depois de a mecanização da produção ter criado as bases 2.
3.
Lotte Schilder Bär, Norbert Wild, Designland Schweiz, p. 44.
Gert Selle, Ideologie und Utopie des Designs, p. 45.
para uma moderna profissão destinada a conferir formas 4. Reinhart Kössler, Informationszeitalter, in: Widerspruch 45, Zurique, 2003, p. 29.
Fig. 1: Joseph Paxton: O Palácio de Cristal em Londres, construído para a Exposição Mundial de 1851, depois Fig. 2: Charles Dutert et al.: Pavilhão de máquinas
de sua reconstrução em Sydenham, em 1854. Aqui foram expostos pela primeira vez móveis patenteados, da Exposição Mundial de Paris, 1889. Fonte: Peter
produzidos industrialmente. Fonte: Peter Gössel, Gabriele Leuthäuser, Architektur des 20. Jahrhunderts, Gössel, Gabriele Leuthäuser, Architektur des 20.
Colônia, 1990, p. 29. Jahrhunderts, Colônia, 1990, p. 29.
Fig. 3: Máquina de escrever Underwood, 1900. Fig. 4: Michel Thonet: Cadeira n. 14, 1859. Fig. 5: Carl e Victoria Elsener: Canivete suíço, 1981.
Este modelo, devido aos seus duradouros efeitos em Material: Madeira de faia encurvada. Firma Irmãos Este objeto legendário baseia-se em três princípios:
termos de formação de normas e de criação de estilo, Thonet, Viena. Fonte: Cathrine McDermott, Design alta qualidade, versatilidade (grau de funcionalidade)
tornou-se o mais bem-sucedido de seu tipo. Fonte: A–Z, Munique, 1999, p. 108. e excelente design. Fonte: Cathrine McDermott,
Volker Albus et al., Design! Das 20. Jahrhunderts, Design A–Z, Munique, 1999, p. 218.
Munique, 2000, p. 14.
Fig. 6: Robert Thorne: Letras em negrito, 1821. A Fig. 7: S. Frizzali e J. H. Bufford: Cartaz da Fig. 8: Forst, Averell & Co.: Cartaz para impressora
primeira família de letras em negrito para cartazes, campanha eleitoral de Cleveland e Hendricks, 1884. Hoe, 1870. Esta máquina tornou possível a impressão
anúncios e publicidade foi desenvolvida em começos Observa-se o extremo realismo dos retratos. Fonte: de grandes quantidades de cromolitografias. O cartaz
da era industrial, em 1821, na Inglaterra, por Robert Philip Meggs, A History of Graphic Design, Nova demonstra a nova liberdade no uso das famílias de
Thorne. Fonte: Philip Meggs, A History of Graphic York, 1998, p. 147. letras. Fonte: Philip Meggs, A History of Graphic
Design, Nova York, 1998, p. 127. Design, Nova York, 1998, p. 150.
suíço (fig. 5). Trata-se de fato de um produto surgido no A tarefa do design industrial
século XIX, pois foi criado por Carlo e Victoria Elsener em F. Mercer definiu a tarefa do designer
1896 e produzido em série para o exército como “faca industrial, em 1947, com as seguintes
palavras: “O designer industrial é um técnico
dos oficiais”. Mas iria transformar-se em mais do que
especializado em efeitos visuais. (Ele) é
um canivete. Seria uma compacta caixa de ferramentas,
empregado por um produtor por um motivo
um conjunto de talheres de qualidade e um veículo de só: deve aumentar a procura pelos produtos
propaganda da qualidade do trabalho suíço, conhecido mediante o aumento de sua atratividade para o
no mundo todo. Até hoje, as mais conhecidas conotações consumidor. O produtor o remunera de acordo
da palavra “Suíça” estão ligadas a ele. com o sucesso que ele obtém em atingir esse
objetivo. A sobrevivência do designer industrial
Crescente necessidade de comunicação depende exclusivamente de sua capacidade
Antes da industrialização do século XIX, a forma domi- de obter e manter ganhos comerciais. Ele é,
nante de divulgação de informações escritas era o livro. em primeira instância, um técnico industrial
e não primordialmente um educador do
Na sociedade industrializada, a necessidade de comuni-
gosto dos consumidores. Sob as condições
cação cresceu vertiginosamente. As condições tecnoló-
predominantes, a sua meta deve ser maximizar
gicas necessárias foram criadas mediante a invenção de o lucro para o seu empregador.”3
máquinas de impressão movidas a vapor, compositoras —
mecanizadas e máquinas para a produção de papel. Ago- 1. Wolfgang Fritz Haug, Kritik der Warenästhetik, Frankfurt
a. M., 1971.
ra era possível produzir cartazes de propaganda e jornais 2. W. F. Haug, em: Bernhard Bürdek, Design, p. 176.
3. F. Mercier, in: Walker, Designgeschichte, p. 41.
com mais facilidade e, com o advento da fotografia, foi
desenvolvida uma ferramenta de comunicação totalmen-
te nova. Inaugurou-se uma era do saber, da educação e
do letramento, tornando possível a divulgação global de
palavras e de imagens. Começava a era da comunicação
de massas.
A tipografia de livros, que tinha se desenvolvido a partir
da escrita manual, já não era suficiente para as novas exi-
gências. O alfabeto, com suas 26 letras, não mais podia
funcionar apenas como sistema de sinais fonéticos. A era
industrial continuou a desenvolver esses sinais, transfor-
Fig. 9: Embalagens para fumo e alimentos Fig. 10: Henri Labrouste: Sala de leitura da Fig. 11: Cadeira da sala Biedermeier do Museu
industrializados, impressas com o método da Biblioteca Nacional em Paris, 1861-1869. Colunas Municipal de Oldenburg, aprox. 1840. Cerejeira
cromolitografia. Fonte: Philip Meggs, A History of de ferro fundido com capitéis coríntios e abóbadas folhada. Fonte: Gert Selle, Design-Geschichte in
Graphic Design, Nova York, 1998, p. 151. góticas. Foto: Beat Schneider. Deutschland, Colônia, 1987, p. 162.
mando-os em formas visuais abstratas, que projetavam neste capítulo). Mesmo as construções novas, desde as
caracteres grandes, fortes e ricos em contrastes sobre as fábricas até as pontes, foram recobertas na sua superfí-
placas de publicidade. A inovação das famílias de letras cie com uma decoração histórica (fig. 10).
tinha começado (fig. 6). Na primeira fase da produção em massa, o design dos
Logo após a invenção da fotografia, nos anos 1860, foi objetos de uso cotidiano, de fabricação industrial, imi-
desenvolvido o processo da fotogravura, ampliando em tava as formas dos produtos antes feitos de forma arte-
muito a variedade das técnicas de ilustração (figs. 7 e 8). sanal, de modo que os produtos feitos mecanicamente
A litografia, que já tinha sido inventada em 1796, foi somente se diferenciavam dos artesanais pela sua pior
aperfeiçoada em Boston, levando à cromolitografia, abrin- qualidade. Muitos dos produtos de massa foram providos
do assim um novo campo para o design de ilustrações a de ornamentos históricos.
cores. Novos campos de aplicação dessa técnica surgi-
ram: cartazes, rótulos e embalagens impressas (fig. 9). Estética burguesa
A sociedade burguesa do século XIX começou timidamen-
Imitação e decoração te a desenvolver, em alguns países, modelos estéticos in-
Como eram realizadas as tarefas de criação nos primórdios dependentes, que se liberavam pouco a pouco do recurso
da industrialização, em termos estilísticos? Nas obras ar- aos estilos do passado e se diferenciavam dos modelos
quitetônicas, a riqueza econômica das novas camadas preferidos pela aristocracia de sangue ou de posses. O
industriais burguesas encontrava a sua expressão numa estilo “Biedermeier” – uma denominação inicialmente
decoração carregada e numa ornamentação opulenta. As satírica para a cultura trivial (bieder, em alemão) e de-
necessidades de representação dessas novas camadas cente da burguesia entre 1814 e a revolução de 1848
não foram satisfeitas, todavia, mediante um design ino- – foi uma tendência burguesa contrária ao estilo feudal-
vador, mas pelo recurso à linguagem formal das camadas imperial predominante até 1814. Ele caracterizava-se
dominantes de outrora. Por isso, a arquitetura do século por uma atitude fundamentalmente racional. Os móveis
XIX, e, aliás, também a arte, esgotam-se em grande me- em estilo Biedermeier eram devedores do ideal da falta
dida nas imitações de estilos passados. Igrejas, edifícios de ornamento e das formas simples (fig. 11).2
públicos e as residências dos bem-aquinhoados foram Em algumas áreas de predominância do protestantismo
construídas nos mais variados neoestilos e, frequente- na Europa, os novos modelos burgueses eram caracte-
mente, também numa mistura de diferentes estilos: esti- rizados por extrema objetividade e modéstia. Aqui é o
lo neorromântico, neogótico, neorrenascentista, neobar- caso de chamar a atenção para o nexo entre moral/reli-
roco e neoclássico (cf. a seção sobre o “historicismo”, gião e criação de formas, ou para a correlação entre esta
Fig. 12: Capela da abadia cisterciense de Fontenay, Fig. 13: Um espaço interno mobiliado de forma Fig. 14: Sofá com dois gavetões. Munique, aprox.
na Borgonha francesa, séculos XII/XIII. Foto: Beat genuína, na aldeia menonita Hancock, em 1820. Fonte: Thomas Hauffe, Design – Schrellkurs,
Schneider. Massachusetts, aprox. 1840. Os menonitas, com sua Colônia, 2000, p. 25.
procura por simplicidade, motivada por princípios
religiosos, podem ser vistos como precursores do
design moderno. Fonte: Dieter Weidmann, Design des
20. Jahrhunderts, Berlim, 1998, p. 13.