Você está na página 1de 18

Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.

Análise simbólica do desenho da Figura humana: texto 4

Para compreender a simbólica das características gerais dos


desenhos
Em qualquer trabalho clínico de psicologia, a impressão geral inicial é cheia de possibilidades
de significação, o que é também verdadeiro na análise de um desenho das duas Figuras humanas.
Contudo, essa primeira impressão é bastante sujeita a erros, exatamente por causa do imediatismo de
que se cerca. Por esse motivo, considero mais prudente introduzir a análise dos aspectos gerais
posteriormente à avaliação das partes do corpo da Figura, garantindo prudência. Portanto, espero que
você tenha compreendido bem o Texto 3. As categorias agrupadas no título "apresentação da Figura"
são: o tema escolhido, movimento sugerido, posição, expressão, tamanho, localização da figura na
folha e ambientação ou fundo em que foi colocada. Aspectos de cunho mais cognitivo foram agrupados
na seção referente à estrutura da Figura.

A simbólica das concepções gerais sobre a Figura


A simbólica do tema escolhido. Um tema é um conjunto de formas e partes, dotado de
unidade e significação; é uma Gestalt, um todo maior que a soma das partes. No caso do desenho das
duas figuras humanas, o tema decorre da caracterização geral que o sujeito dá a cada Figura. Além de
ser uma pessoa humana, está representada ali uma imagem de pessoa humana, que lhe veio quando
lhe foi solicitado: "faça o desenho de uma pessoa humana". Dentre suas representações de pessoa
humana, é a mais ativa ou disponível no momento, a que primeiro veio a PSJ (Pessoa-Sujeito), ou que
PSJ selecionou, para responder ao pedido. Portanto, o tema indica o padrão simbólico de que se reveste
a pessoa humana para o sujeito, de forma global. As linhas de análise simbólica desse padrão são a
caracterização global que se deu à Figura: a idade dela, a proximidade ou distanciamento que a figura
tem em relação ao humano e as características de expressão de que se reveste.
Caracterização global da Figura. Essa caracterização aparece pelo conjunto de símbolos de
que a figura se reveste, e que a transformam num/a executivo/a, num/a noivo/a, num/a manequim,
num/a caipira, numa personificação de pessoa combativa ou ativista, ou desportista, ou religiosa, ou
benévola, ou rica, ou pobre, ou pertencente a minorias étnicas ou de outra ordem, sempre
personificando a identidade de fantasia do sujeito. Podem também ser apresentados temas que fogem
ao convencional, como fantasma, Napoleão, Jesus, Peter Pan, múmia, Faraó, etc., denominados
estereótipos. No caso destes, aconselha-se identificar e estudar a simbólica específica ao tema
escolhido (e.g., no desenho de um Napoleão, o poder e a especificidade do poder napoleônico), além
de se ampliar a compreensão pelo diálogo com PSJ. A história criada sempre é considerada em relação
ao desenho.
Idade atribuível à Figura. No nível concreto-natural, a idade de uma pessoa a condiciona
biologicamente. No nível humano, há expectativas diferentes de desempenho conforme a faixa de
idade: infância, juventude, adultez ou velhice. A infância simboliza, num primeiro sentido, inocência,
estado anterior ao pecado, espontaneidade, simplicidade (Chevalier e Gheerbrant: 302). Num segundo
sentido, simboliza atitude pueril, sem responsabilidades, ou com permissão de ser irresponsável. No
caso de desenho feito por sujeitos adultos, remete à idealização da infância, ou ao desejo de retornar
àquilo que já deveria/ teria sido abandonado com o amadurecimento.

1
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

A juventude carrega o sentido de força, energia pronta para a ação, podendo ter conotações
um pouco diferentes, conforme o momento evolutivo específico representado. O momento
adolescente, de moratória social de responsabilidades, tem um sentido simbólico que é uma
interseção dos símbolos de infância e de idade adulta. Carrega da primeira a ideia de evitação da
responsabilidade e da segunda as ideias de corpo adulto ou quase adulto, pronto para reprodução; daí
simbolizarem a força e a energia que desabrocham. O momento em que se é adulto e jovem, embora
indique também força e energia, já carrega as expectativas culturais de capacidade produtiva e
reprodutiva, sentidos que são mais bem consubstanciados pelas imagos paterna e materna. A velhice
remete a sabedoria, virtude, ou decadência (Cirlot: 934).
A análise da simbólica da idade no desenho de adultos se torna mais rica pela comparação da
idade da figura com a idade do desenhista. A faixa de idade atribuída por analistas à figura é cruzada
com a informação sobre a idade de PSJ: ― É uma pessoa de mesma idade que PSJ? É pessoa mais
velha, pessoa mais nova, é criança? A idade representada seria representação gráfica da identidade de
fantasia ou ideal de PSJ. O cruzamento da idade representada no desenho e da idade de PSJ é uma
chave para compreender a proximidade ou distanciamento entre a sua vivência desejada, ou temida
e as expectativas biopsicossociais que cercam sua idade real.
A natureza do símbolo — por exemplo, desenhada uma criança, saber se se trata de uma
criança irresponsável, de uma ainda sem responsabilidades, de partes infantis perdidas, de partes
infantis espontâneas a serem recuperadas ou mantidas — é mais bem compreendida pelo confronto
com a história narrada e pela caracterização global que se deu à Figura.
Proximidade e distanciamento do humano. O distanciamento do humano é um afastamento,
ou recusa, do símbolo "pessoa humana". Ele pode ocorrer por degradação, por abstração ou por
empobrecimento. O distanciamento por degradação ocorre quando há eleição de uma pessoa
monstruosa, ou de animal, ou
animalizada, diante da solicitação
"desenhe uma pessoa humana".
Pode haver distanciamento por
abstração, quando se desenha um
"abstrato" (ao modo da arte
abstrata). Ou, ainda, pode haver
falta de individualização da Figura,
faltando o que a caracterizaria como
uma pessoa. Ao contrário, ela é
representada de modo
empobrecido, por comparação com
a representação gráfica da pessoa
humana, que obedece a padrões
evolutivos bem estudados.
Figura 4.1. Do distanciamento à aproximação do humano
Nos desenhos pobres, pode-
se ter desde a impossibilidade de
identificar o tema (círculos, por exemplo) a um momento em que o tema "pessoa humana" se torna
identificável. Essa transição se dá bem cedo, aos 3 anos de idade, em média. Por outro lado, no adulto,
observa-se uma "parada" na evolução, quando a cultura não exige um desempenho especial; a maioria
dos adultos não é capaz de desenhar muito melhor do que aos 12 ou 13 anos (64; 86).
Entretanto, o caminho que se segue dos 3 até esses “13” anos tem alguns marcos definidos.
Há uma progressão no sentido de diferenciação das figuras desenhadas; essas se tornam mais cheias
2
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

de detalhes e os detalhes, mais diferenciados, discriminados e especializados. Os desenhos mais


simples mostram uma figura humana esquemática. Na sua essência corporal, esse esquema tem
cabeça, traços faciais, tronco, membros superiores e inferiores.
Posteriormente, desenha-se uma pessoa humana qualquer, que pode ser chamada até por um
nome, mas que é um exemplar ou um protótipo do humano ― suas características podem ser
preenchidas por n outros indivíduos da mesma cultura. Na representação gráfica, temos aqui a figura
do "boneco" humano, mais ou menos completo, mas relativamente distante de características de
"humanização", individualização.
Finalmente, desenha-se uma determinada pessoa, diferenciada como tal. Assim, o montante
de aproximação do humano pode divergir em função do próprio primitivismo do desenho: ou seja, as
características gerais do desenho podem representar um esquema de ser humano, uma pessoa-
boneco-humano, ou uma pessoa completa. Um esquematismo de figura humana se aproxima menos
do "humano" do que uma figura altamente diferenciada.
Expressão da Figura. Refere-se às características de sentimento, atitude ou personalidade que
a Figura sugere. Disso decorre a regra de se avaliar a expressão usando duas avaliações independentes.
Só considere a expressão da Figura para fins de análise, se houver acordo entre dois avaliadores
independentes. Desse modo, evitam-se erros de subjetividade. A simbólica associada à expressão é
tão variada quanto as expressões humanas, ou, no desenho, quanto às expressões humanas e à
capacidade de desenhá-las. Expressões de felicidade, ameaça, força, segurança, proteção, ou
ensimesmamento, para citar alguns exemplos, entram em redes simbólicas diversas. Como foram
desencadeadas pela concepção de pessoa humana que PSJ tem, são símbolos de características
psicológicas evidentes, almejadas, ou temidas, mas psicologicamente reais.

A simbólica da posição corporal e movimento da Figura


Posição corporal em que se apresenta a Figura. Refere-se primeiramente ao fato de se
desenhar a figura de pé, assentada, recostada, etc.. Em segundo lugar, supõe também considerar a
verticalidade do eixo longitudinal, quando a Figura está de pé. Quando há desvio desse eixo (Figura
inclinada), o conceito de posição corporal supõe analisar a direção (esquerda/ direita) do desvio desse
eixo e o montante de inclinação observada. Terceiro, envolve também considerar a posição da Figura
em relação ao observador: de frente para o observador, que é a posição mais frequente, ou
apresentando rotação de direção (perfil parcial ou total), e a direção (esquerda, direita) dessa rotação.
A Figura de pé é a representação mais frequente no desenho das duas figuras humanas. Do
ponto de vista concreto-natural, um indivíduo de pé está numa postura mais ativa que um recostado
ou deitado. Portanto, a dimensão simbólica da atividade-inatividade da Figura remete, no nível
humano, ao montante de segurança e prontidão para ação com que o indivíduo se relaciona com o
mundo. Um sujeito recostado, ou assentado, remete à inatividade e ao ânimo baixo, e um caído lembra
horizontalidade, posição do corpo que volta à terra, na morte (Cirlot:197). Do ponto de vista
antropológico, a postura ereta revela-se como referência direta à diferença entre os homens e os
outros mamíferos, e, portanto, se torna símbolo de ascensão e evolução, "valor de um estado definido
de tomada de consciência" (Chevalier e Gheerbrant:946).
Verticalidade da posição da Figura. A verticalidade da posição condensa as dimensões
simbólicas concreto-naturais do equilíbrio físico e, por extensão, no nível humano, as dimensões do
equilíbrio psíquico e equilíbrio da relação da pessoa com o meio.
A inclinação é um tender para a horizontalidade; seu significado se liga a desequilíbrio, queda
e instabilidade: física, psicológica, ou existencial.

3
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

Posição em relação ao observador. A Figura de frente, representação mais frequente, é a que


se deixa ver na sua individualidade, com sentido simbólico de abertura e segurança para se expor. A
rotação da Figura (no perfil total, no perfil parcial ou na Figura de costas) alude, por contraposição, aos
significados de esquiva, autoproteção e ocultação.
Movimento expresso pela Figura. Já o movimento refere-se à impressão, transmitida ao
analista de desenho, de atividade pessoal, que pode ser atividade psicológica, como pensar, sonhar,
alegrar-se, ou movimento funcional, como andar, pegar.
No nível físico, um movimento desenhado expressa impulso para atividade motora. No nível
humano, o movimento distingue o que está vivo do que está morto, o animado do inanimado; daí, ser
visto como símbolo de potencial imaginativo e mobilidade psíquica.
O acúmulo de resultados empíricos indica que, no tipo de movimento representado, os
sujeitos tendem a simbolizar suas fantasias e seus desejos compensatórios — formas do potencial
imaginativo, que servem a uma economia psíquica. O diálogo com o cliente é a melhor informação,
mas a análise cultural do gesto também informa.
Kundera (p. 13) sagazmente nos lembra isso. "Se nosso planeta viu passar oitenta bilhões de
seres humanos, é pouco provável que cada um deles tenha seu próprio repertório de gestos.
Matematicamente, é impensável. Ninguém duvida que não haja no mundo incomparavelmente menos
gestos do que indivíduos. Isso nos leva a uma conclusão chocante: um gesto é mais individual do que
um indivíduo. Para dizer isso em forma de provérbio: muitas Figuras, poucos gestos."

A simbólica do espaço e do tamanho, da localização e do fundo


"De certo modo, o espaço é uma região intermediária entre o cosmo e o caos. Como âmbito
de todas as possibilidades é caótico, como lugar das formas e construções é cósmico" (Cirlot:233). O
espaço tridimensional sofreu um processo de organização lógica pelo homem, em função de sua
divisão em orientações relativas aos pontos cardeais e do ponto central em que essas direções se
cruzam. Sendo o espaço infinito, o ponto central arbitrário comanda essa organização, irradiando a
partir de si o sistema de coordenadas. "Assim sendo, de um modo geral o espaço simboliza o meio ―
exterior ou interior ― no qual todo ser se move, seja ele individual ou coletivo" (Chevalier e
Gheerbrant:391)
Quando se pede ao sujeito o desenho de uma pessoa humana, apresenta-se ao sujeito um
espaço bidimensional pré-definido, a folha de papel. Esse espaço é o âmbito de possibilidades na
situação de desenho e será o lugar das construções do desenhista, quando esse atende ao convite do
psicólogo. Falaremos de como o desenhista constrói no espaço. Para essa análise, a simbólica nos
oferece subsídios ricos, na medida em que o espaço da folha pode ser tratado como o é o espaço
tridimensional e “o simbolismo das zonas espaciais informa ou sobredetermina todo outro simbolismo
material, seja natural, artístico, ou gráfico, posto que esse se acha no espaço" (Cirlot:236).
Como você pode ver no desenho adiante, uma cruz divide o espaço bidimensional da folha em
quatro quadrantes e faz o cruzamento dos sentidos da verticalidade e da horizontalidade.
A verticalidade remete, no seu polo superior, ao subir — portanto, exaltação, céu, elevação
em relação ao baixo e terrenal. Lembre-se que, na Natureza, o céu está acima, a terra embaixo; e, nas
construções míticas humanas, por ocasião da morte, o corpo desce à terra, a alma sobe para o céu.
Você também se lembra de que a cabeça, que se encontra no alto, é considerada “mais elevada” na
concepção simbólica do corpo do homem; o mais terrenal se situa em baixo.

4
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

Alto:
fantasia
imaginação
planejamento
exaltação
mental
elevado
Quadrante superior para alto Quadrante superior
esquerdo: céu direito:
fantasia planejamento
nostalgia metas
expectativas
Para o
alto e/ou
subjetivo

Esquerda: Direita:
coração ação
emoção objetivo
não educado educado
obscuro Para o passado, Centro: Para o futuro, manifesto
e/ou interior para todas as
interno direções
e/ou exterior externo
para dentro para fora
passado futuro
inicial final
lunar solar

movimento centrípeto

Para
baixo ou
para o
Q. inf. básico Q. inf. direito:
esquerdo: satisfação de
regressões necessidades
necessidades Baixo: básicas
internas realidade
cotidiano
básico
diminuição
material
para baixo
terra

Figura 4.2 Simbolismo do espaço da folha de papel

O alto da folha remete à região do mais mental, elevado, ou espiritual, e carrega consigo a
ideia de evitação da consideração pelas necessidades básicas diárias. A parte inferior da folha fica como
a região do mais terrenal, do cotidiano, das necessidades primárias, do que se mantém em baixo, com
evitação da fantasia, da imaginação ou do planejamento amplificador. A parte do centro, cruzamento
dos eixos, conota a região do equilíbrio, do "nem tanto ao céu, nem tanto à terra".
A horizontalidade é o eixo da amplitude (Cirlot:234). Uma primeira abordagem da amplitude
aponta para a distância horizontal do centro às pontas. Essa pode se dar na direção do centro para
fora, centrífuga, ou do centro para dentro, centrípeta.

5
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

No desenho das duas figuras humanas, a direção centrífuga ou centrípeta é dada pela análise
da posição dos braços da Figura: abertos, ou cruzados em direção ao corpo. É significado interno ao
conteúdo do desenho.
Uma segunda abordagem da amplitude refere-se à compreensão do espaço da folha de papel
em relação ao corpo do desenhista. A projeção no espaço da folha é “espelhada”, i. e., a esquerda no
espaço da folha é a região que fica à frente do lado esquerdo do corpo do desenhista e a direita da
folha é a região que se encontra à frente do lado direito do corpo. Já a projeção da esquerda e direita
na Figura (e.g., qual é o braço direito da Figura) é variável. Alguns sujeitos projetam a direita e a
esquerda da Figura espelhando seu próprio corpo, e outros consideram a direita e a esquerda
“anatômicas” da Figura.
Os significados simbólicos da esquerda e da direita são unívocos nas fontes pesquisadas. No
ocidente, a esquerda entra nas redes simbólicas do coração, da emoção, do não-educado, do não-
civilizado, do lunar, do obscuro, do interno, do passado, do inicial. No lado esquerdo do corpo (e, por
projeção, à esquerda) está o coração, representante simbólico da afetividade e das emoções; toma-se
uma decisão "com o coração" e o "coração tem razões que a razão desconhece".
Ao contrário, a direita entra nas redes simbólicas da ordenação (directus), da razão, do
educado, do solar, do resultado, do final, do manifesto, do futuro. O lado direito da maioria das Figuras
é o mais hábil. Com a mão direita, a pessoa escreve e executa as tarefas mais difíceis, sendo a mão
esquerda um apoio ― a mão direita recebe o peso maior da educação.
A pessoa que usa a mão direita é denominada "direita" (que conota também "correta" “como
a maioria”), destra, essa palavra conotando também destreza, habilidade. A pessoa que usa a mão
esquerda é “sinistra”, “canhestra”, canhota, de conotação tão pejorativa que demônio tem também o
nome de "o canhoto".
Por outro prisma, lê-se da esquerda para a direita, escreve-se da esquerda para a direita, a
ordenação dos quadros de histórias em quadrinhos é da esquerda para a direita. Numa colocação
cultural hindu, o olho esquerdo de Shiva corresponde ao passado e à lua, como o direito representa o
sol e o futuro. O olho frontal, o presente, é o instante inapreensível, o ponto sem dimensões, que
destrói a manifestação, mas a contém na transformação (Cirlot:235). Nesse sentido, o terceiro sentido
da amplitude na horizontal remete às possibilidades de um momento da existência, um momento que
vai de um antes para um depois, de um início para um fim, de uma não-manifestação, à manifestação
emocional ou interior, em exteriorização progressiva.
Antes de passar à análise do tamanho da Figura, vejamos o "problema" da pessoa canhota.
Fizemos estatísticas sobre a localização das Figuras nos desenhos de canhotos e de destros: a
localização levemente à esquerda do centro da folha de papel é sistematicamente mais frequente para
ambos os grupos. Se houvesse uma projeção diferenciada em relação ao espaço, em função do uso da
mão dominante, a estatística de distribuição seria diferente para os dois grupos1. Dada essa
homogeneidade na distribuição e nas estatísticas para os dois grupos, nossa experiência confirmou
que a simbólica ligada ao espaço efetivamente sobredetermina o simbolismo gráfico, que independe
da mão dominante do desenhista. Koch também afirma que canhotos e destros não divergem, mas
coloca seu pressuposto de que é "a força expressiva do psiquismo" que se impõe ao sujeito
(Patalano:122).
Tamanho da Figura no espaço disponível. Embora se fale de tamanho da Figura, a dimensão
simbólica que se trabalha é a relação entre espaço ocupado pela Figura versus espaço reservado ao
fundo. O pressuposto no desenho das duas Figuras humanas é o de que a folha de papel simboliza o

1 Os desenhos de canhotos seriam situados levemente à direita do centro da folha.

6
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

espaço, o meio ambiente, e a Figura representa a ideia de pessoa do PSJ, corpo vivido e psiquismo
vivido. Como consequência, a relação entre o espaço ocupado pela Figura e o espaço que restou como
fundo é expressão simbólica do espaço do ambiente que PSJ reserva para si. Psicologicamente, essa
ocupação relativa dos espaços, expressa pelo tamanho da Figura (porque a folha é de tamanho
constante), emerge como símbolo da relação dinâmica desejada ou existente entre o sujeito e seu
meio, desde a inibição até à fantasia de autoengrandecimento ou megalomania.
Localização da Figura no espaço da folha. Refere-se à colocação da Figura em qualquer parte
da página (centro, esquerda, alto, etc.), tendo como referência a simbólica do espaço ilustrada na
anterior, e se liga à orientação geral do sujeito no ambiente. Os quadrantes, como regiões delimitadas
por dois eixos, podem ser entendidos como interseções dos sentidos dados pelas coordenadas
simbólicas. Assim, o quadrante superior direito é região do cruzamento da parte superior ao eixo
horizontal (interesses secundários, abstratos, imaginativos) com a porção à direita do eixo vertical
(momento da ação no ambiente, da realização, da finalização). Consequentemente, a região simboliza
a orientação do sujeito para a imaginação em interseção com a realização; ou seja, orientação para o
planejamento objetivo de ações a serem efetivadas na realidade.
O quadrante inferior direito é região do cruzamento da parte inferior ao eixo horizontal
(interesses primários, concretos, terra a terra) com a porção à direita do eixo vertical (momento da
ação no ambiente, da realização, da finalização). Logo, a região simboliza a orientação do sujeito para
as necessidades básicas em interseção com a realização; ou seja, a preocupação do sujeito com sua
realidade cotidiana.
O quadrante inferior esquerdo é região do cruzamento da parte inferior ao eixo horizontal
(interesses primários, concretos, terra a terra) com a porção à esquerda do eixo vertical (momento do
coração, da emoção, do inicial, do não-educado). Consequentemente, a região simboliza a orientação
do sujeito para as necessidades básicas em interseção com o emocional inicial; ou seja, a preocupação
com conflitos afetivos básicos, de ordem subjetiva.
O quadrante superior esquerdo é região do cruzamento da parte superior ao eixo horizontal ―
interesses secundários, abstratos, imaginativos ― com a porção à esquerda do eixo vertical ―
momento do coração, da emoção, do inicial, do não-educado. Consequentemente, a região simboliza
a orientação do sujeito para a imaginação em interseção com o emocional inicial; ou seja, a fantasia e
a idealização como meios de autorrealização do sujeito.
Finalmente, a Figura colocada mais ao centro da página, em relação aos dois eixos e aos quatro
quadrantes, simboliza uma orientação mais pluralista do sujeito na sua relação com o ambiente.
Localizações “mais” numa direção e “menos” em outra podem ser compreendidas como tendências
naquela direção.
Ambiente (fundo) em que a Figura se apresenta. Refere-se a desenhos feitos na folha, além
da Figura humana solicitada — fazer qualquer ambientação ou desenho adicional na folha de papel
que não foi solicitada pelo psicólogo. A noção de “figura” versus “fundo” supõe que a atenção seja
centralizada na Figura, e que o restante, a folha em branco, seja visto como fundo. Quando PSJ desenha
outras figuras no “fundo branco da folha” que funcionam como fundo (ou ambientação) para a Figura,
PSJ está também preenchendo o vazio do branco da folha.
Em testes psicológicos, sabe-se da importância do branco como vazio e/ou como fundo. No
desenho das duas Figuras humanas, o sujeito que desenha o fundo desviou sua atenção da Figura para
o branco da folha. Três dimensões simbólicas inter-relacionadas são importantes para se compreender
o fato de se desenhar fundo: a dimensão simbólica do vazio — cheio, a dimensão simbólica da
fragmentação — integração, e a dimensão simbólica do solto — amarrado.

7
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

A dimensão simbólica do vazio — cheio tem sido tratada, indiretamente, por várias correntes
psicológicas, além de ser tema presente na filosofia, na filosofia oriental, e na literatura mística. Nela
se inserem as noções psicológicas de falta, de perda, de angústia de morte, de vazio existencial, para
citar as mais conhecidas na Psicologia. Em testes psicológicos projetivos, têm sido estudados os
choques ao vazio (lâminas do Rorschach, gravuras específicas do TAT ou TRO).
Na Filosofia, há as colocações sobre o nada e o ser. Na filosofia oriental encontramos a noção
do Grande Vazio, Vacuidade, do sem nome, do ilimitado como realidade vivida: "o limite do ilimitado
chama-se plenitude, o ilimitado do limitado chama-se vazio" (Chuang-Tzu, "Onde está o Tao?"). "Trinta
raios convergem no círculo de uma roda, mas é o vazio do centro que permite ao carro andar". (Lao-
Tsé: poema 11). Na literatura mística ocidental, São João da Cruz, nos meados dos 1500, revela como
chegar ao "Alto do Monte Carmelo", pela senda do espírito de perfeição, desnudamento interior,
esvaziamento necessário. Essa via, que ele chama de via direta, pode ser assim descrita: "nada, nada,
nada, nada, nada, e ainda no monte, nada". Eckart (sermão nº 52) explica aos fiéis o sentido de pobreza
― nada querer, nada saber, nada ter. Humanamente, esclarece ao final: "Quem não compreender
essas palavras, não aflija o seu coração. Pois enquanto o homem não se igualar a essa verdade, não
poderá entender essas palavras".
Depreende-se, dessas colocações, que o vazio, como realidade vivida, representa uma
realidade humana, que pode ser vivida como superação, como nos sábios orientais e nos místicos, mas
que, quando é apresentado a Figuras comuns nos testes projetivos, constitui uma realidade
desafiadora, que remete ao não-ser e à angústia de morte. No desenho das duas Figuras humanas, a
forma de tratamento do fundo branco mostra como PSJ se comporta em relação ao vazio, com todas
as conotações de que este se reveste. Se o vazio se mistura com a personalidade, ou a penetra, vemos
então a Figura sem chão, mas flutuante, ou a Figura vazia, ela mesma indefinida, ou de traçado
interrompido.
Essas figuras desenhadas a mais são também compreendidas nas dimensões do
fragmentado—integrado, e do solto—amarrado, que são dimensões mais intuitivas. No caso do
desenho das duas Figuras humanas, solicita-se o “desenho de uma pessoa humana” sem mencionar
um fundo. O povoamento do fundo com pequenos rabiscos ou desenhos é exceção, simbolizando uma
reação de fragmentação mais disponível no desenhista, que a projeta como rabiscos.
Logo, o desenho de fundo sempre corresponde a uma ativação excepcional (porque não foi
solicitada) da capacidade de simbolização do sujeito, para ele conseguir lidar com o vazio do espaço
da folha, ou com a soltura da Figura humana desenhada nesse espaço. O fundo desenhado, quando se
desdobra em paisagem organizada, remete à necessidade de PSJ estruturar o ambiente para lidar com
esse vazio. Em outras palavras, para reduzir a própria insegurança ao realizar algo, ou para reforçar ou
justificar a própria atuação. Além disso, mostra-se como símbolo da natureza potencial da
estruturação necessária ao sujeito. É nesse sentido que o desenho de fundo, ou chão, remete a
“insegurança” (embora o desenho de poucas linhas de chão seja frequente). Não sei por qual motivo,
tem-se divulgado que o sujeito "deve desenhar chão"; caso contrário, "não é bom". Se alguém desenha
chão porque "falaram" que "tem de desenhar chão", essa atitude é um sinônimo, na interação, da
necessidade de segurança que o chão firme representa — ou seja, o sujeito desenha o chão por
insegurança.
Algum exemplo será esclarecedor. Numa tarefa de desenhar as duas Figuras humanas, PSJ
desenha sua “pessoa humana” dando aula, com quadro-negro como fundo e menciona que acha
aquela atividade importante — mostra-se a natureza potencial da forma de valorização daquele
sujeito. Outra vai desenhando e percebe que sua “pessoa humana” se mostra inclinada para a
esquerda; desenha, então, um poste onde a Figura se “encosta”, e um ônibus, que se aproxima do
8
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

“ponto de ônibus” — a insegurança percebida foi enfrentada com mais simbolização, estruturação
adequada, que contém e impede a "queda" (da pessoa). Outra desenha as Figuras desnudas e
completa, então, o ambiente com um fundo de banheiro, o que torna o "exibicionismo" socialmente
adequado e aceito. Em todos esses exemplos, o que estava sendo indicado de modo "solto" foi
"amarrado" num contexto que justifica ou reforça a simbolização prévia do sujeito. Esse é o sentido
do solto—amarrado, embora essa estruturação ainda seja, naturalmente, uma forma de lidar com o
vazio da folha em branco.

A simbólica implícita na estrutura do desenho da Figura


A estrutura da Figura engloba aspectos mais universais. A palavra estrutura remete a
"organização, disposição e ordem dos elementos essenciais que compõem um corpo; armação,
arcabouço, modo como as partes de uma construção são organizadas entre si”. (Dicionário Houaiss).
Na simbolização da estrutura, os aspectos de coerência da representação (sucessão, simetria,
perspectiva, adequação do detalhamento da representação) se sobrepõem aos outros. Diríamos que
não se trata aqui tanto da lógica dos símbolos, mas da simbólica da lógica.
Naturalmente, quando se fala da simbólica da lógica, estou ainda falando de compreender o
desenhista, pois sua lógica padece, quase invariavelmente, das interferências de sua emoção. Uma
analogia para comunicar essa ideia é pensar num tear. No tear, ao se fabricar o tecido, o fio "reto" do
pano é entrecruzado com o fio da "trama". No desenho das Figuras humanas, o fio reto da lógica da
construção da imagem do ser humano é atravessado pelas tramas vividas, que introduzem, aqui e ali,
os realces, a beleza, o estilo próprio, mas também a imperfeição, os conflitos, mais ou menos visíveis,
que criam os nós na tessitura, ou sua interrupção.
Sucessão obedecida ao desenhar a Figura. A dimensão simbólico-cognitiva é a da visão de
conjunto — meta e ordenação, no tempo-espaço imediatos, dos passos necessários para atingi-la. A
sucessão tem sido estudada em outros testes; no Rorschach, permite a observação da sistematização
com que o cliente aborda o seu universo de percepção. Nas exposições escritas ou faladas, permite
surpreender a ordenação do pensamento em função de uma sequência no tempo. No desenho das
duas Figuras humanas, refere-se ao planejamento obedecido ao fazer o desenho da Figura humana.
Como decorrência, analisa-se a sucessão das partes desenhadas como indicadora da capacidade de
simbolizar e de planejar a expressão desse símbolo, que varia da sucessão mais confusa ou imprecisa
até a sucessão mais ordenada, organizada ou precisa. Nesse primeiro sentido, a sucessão inscreve-se
na dimensão simbólica da ordem — desordem.
Esse sentido é enriquecido pelos estudos de desenvolvimento da representação do corpo
humano. A ordem previsível de representação da pessoa humana pelo desenho é da cabeça para os
pés, ordem que corresponde também à organização hierárquica do corpo humano. Assim, quando se
inicia o desenho por outra parte, a suposição é que essa parte do corpo tem importância simbólica
para o cliente. O Texto 3 desta Coletânea lhe permite fazer a análise desse aspecto.
A simbólica das partes da Figura também dá suporte ao significado atribuído às áreas que
atraem mais a atenção do desenhista e às áreas a que o desenhista retorna. [Muitas vezes, áreas nas
quais PSJ não quis parar, mas que acha que devam ser mais bem representadas.] Há também áreas
onde se observam pausa ou dificuldade em prosseguir. Esses dados não são registrados como dados
de sucessão, mas o conhecimento da sucessão e da simbólica associada a esses pontos de parada é o
referencial para essa análise.
Simetria do desenho. Refere-se ao nível de concordância na colocação dos planos horizontais
das partes pares do corpo e à sua equidistância do eixo central vertical do corpo. No nível concreto-
natural, a simetria é uma qualidade estrutural básica do corpo humano; pertence ao esquema corporal
9
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

mais básico da cabeça, tronco e membros, e como tal deve ser percebida. No segundo nível, da
realidade humana, simboliza a estrutura de organização do corpo humano, sua condição de equilíbrio
no espaço. Logo, sua ausência flagrante nos desenhos é mais rara e, pelas pesquisas, está associada a
uma falta de equilíbrio emocional e transtorno no controle dos impulsos.
Na simbólica, "a simetria natural, assim como a artificial, testemunha a unidade de concepção"
(Chevalier e Gheerbrant:834). Isso confirmaria o primeiro sentido simbólico da simetria e sua
necessidade. Esses autores chamam a atenção para outros aspectos da simetria que têm sido
empiricamente verificados no desenho das duas Figuras humanas. Nas suas palavras: "a simetria às
vezes trai o artifício e certa falta de espírito criativo... Em consequência disso, significa racionalização
que disciplina e até mesmo sufoca as forças espontâneas da intuição e imaginação puras. A unidade
assim alcançada não é mais do que uma unidade de fachada, ... ao invés de síntese ... é apenas
duplicação, efeito de espelho. A assimetria pode, ao contrário, responder a razões profundas, porém
ocultas a raciocínios por demais sistemáticos."
Assim, no desenho das duas Figuras humanas, distinguem-se a simetria excessiva e a simetria
relativa, como símbolos do montante de controle e contenção. A simetria excessiva é tida como
símbolo de controle restritivo e a simetria relativa, como símbolo de um controle razoável. E
distinguem-se as assimetrias naturais, das assimetrias intencionais, que revelam o montante de
espontaneidade que a pessoa deseja demonstrar.
Perspectiva básica. Refere-se às qualidades básicas do desenho de representar a Figura no
plano, levando em consideração que se trata da visão de um observador. As modificações aparentes
ou aspectos de posição e situação da Figura mostram um ponto de vista particular, limitado (não se
desenha o que se sabe da Figura desenhada, mas sim como ela “aparece” a alguém que a está vendo).
Esse também é um símbolo da lógica da produção, indicador da adaptação cognitiva e do uso do
pensamento lógico-concreto no trato com a realidade.
A observação do desenvolvimento cognitivo (Piaget, Luquet) registra uma primeira fase de
incapacidade sintética, em que o desenho já apresenta intenção de representar algo, mas os
elementos representados estão justapostos, em vez de formarem conjunto (por exemplo, botões ao
lado do corpo). Essa fase coincide com a geometria espontânea da criança, cujas primeiras intuições
espaciais são topológicas, referentes ao fechado—aberto, perto—longe, dentro—fora, que somente
progressivamente se estruturam. Daí o nome dessa fase: realismo "gorado" (a criança quer
representar algo do real, mas não dá conta).
Numa segunda etapa, o desenho ultrapassa essa representação primitiva, já se parecendo ao
modelo, ou à intenção do desenhista. Entretanto, apresenta os atributos conceptuais do modelo, ou
da intenção, o desenhista fazendo o que sabe sobre um assunto e não o que vê. Daí ser visível o que
está dentro do bolso de uma roupa, a perna ser visível sob as roupas (as transparências), a figuração
simultânea de ações sucessivas, as misturas de pontos de vista (perfil com frente), etc.. Há
consideração de ligações topológicas como vizinhanças, separações, envolvimentos, fechamentos,
mas não há consideração pela perspectiva ou pelas relações métricas (Jean Piaget: 63). Daí considerar-
se esse momento como de realismo intelectual (o desenhista quer representar algo do real, mas
representa mal, porque representa "tudo" sobre o objeto).
Numa terceira etapa, o desenho passa a representar o que se pode ver de um ponto de vista
particular, segundo uma perspectiva - é o momento do realismo visual. Se a Figura está de frente, não
estará de perfil. Algo escondido — dentro do corpo, debaixo da roupa, atrás de um primeiro plano
qualquer — não aparecerá aos olhos do observador. São as intuições projetivas que se vão
estabelecendo e que determinam as noções básicas de perspectiva. Nessa mesma época, estabelecida
a métrica euclidiana, o plano de conjunto de um desenho (proporção, simetria) tem significado.
10
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

O desenho de adultos deveria apresentar a perspectiva com realismo visual perfeito;


entretanto, não é isso o que ocorre e é atitude mais correta do/a psicólogo/a ver se o desenho se
encontra dentro do mais frequente para a faixa etária e nível educacional do cliente, do que
estabelecer um padrão mental rígido, onde “encaixe” as Figuras que busca compreender. Assim, num
desenho feito por adulto, a avaliação das falhas de perspectiva presentes no desenho das Figuras
humanas passa por essa consideração do frequente e pela análise simbólica das partes do desenho
onde há essas falhas. As falhas de perspectiva localizadas são símbolos de interferências psicológicas,
que predominaram sobre o pensamento lógico-concreto.
Perspectiva dada por sombreamento. Refere-se à visão específica da Figura, dada pela
incidência dos raios de luz imaginados pelo PSJ — o realce das várias regiões do corpo, por um ponto
de vista particular e imaginativo. Operacionalmente, trata-se dos efeitos de luz e sombra causados
pelo lápis que percorre várias vezes o mesmo local do desenho.
Do ponto de vista concreto, o cliente ficou mais tempo trabalhando uma parte (ou partes) da
Figura, que recebeu mais atenção. Subindo nas camadas simbólicas, a relação entre o sombreamento
e a ansiedade (Handler) é conhecida e validada por outros testes projetivos (Rorschach, Teste de
Relações Objetais). No desenho das Figuras humanas, o sombreamento não é solicitado — ocorre na
medida em que o sujeito o faz espontaneamente. Por isso, sua presença ganha mais significado.
A ação de sombreamento entra nas dimensões simbólicas do realce e da ocultação (realçar
e/ou ocultar determinadas facetas da experiência própria), expressos pelo modo de sombreamento.
Se o cliente sombreia alguma parte com leveza e delicadeza, a parte fica realçada, pode-se ler nessa
conduta a elaboração sobre aquela experiência; ou ele sombreia a Figura como um todo, que ganha
aspecto tridimensional e elaborado.
Se sombrear vigorosamente, com traços confusos ou muito fortes, pode existir o desejo de
ocultação (se o efeito é o de esconder a parte do desenho da vista). Ou pode ter conotação de descarga
agressiva, se ao efeito anterior se adiciona o caráter de descarga motora. Se sombrear
geometricamente, tem-se o sentido simbólico do realce—ocultação cruzado com o sentido simbólico
do geométrico, ou seja, do organizado e racional.
Estrutura da Figura: esquema corporal e detalhes. Refere-se às características da figura como
todo formado de partes, isto é, o esquema corporal, com sua forma própria, proporção, além dos
detalhes que lhe são adicionados. A estrutura da Figura tem sido tratada como símbolo das
características de estruturação psíquica de PSJ. Mas, antes de olharmos o aspecto simbólico das
características estruturais da Figura, temos de lembrar que o desenho da Figura humana foi explorado,
inicialmente, sob o aspecto intelectual.
A partir da representação universal, pelo desenho, do tema pessoa humana, iniciaram-se
estudos sobre a complexidade gradativa dessa representação, em função da idade da criança. O
arcabouço teórico de compreensão das características estruturais da Figura está, pois, vinculado à
abordagem cognitiva do desenho humano (Fonseca; Hutz, a, b, c; d; Pontius; Saracho).
Diferentemente das medidas cognitivas de QI não verbal, em que se solicitam dos desenhistas
um processo de classificação e percepção de relações entre imagens, nos desenhos das Figuras
humanas solicitam-se do sujeito processos de percepção e codificação de imagens visuais. Contudo, e
continuando o raciocínio, a imagem visual do corpo humano é a de um corpo organizado, com suas
partes inter-relacionadas; anomalias estruturais são raras. É razoável então que a interpretação
cognitivo-simbólica predominante quanto à estrutura da Figura seja ver se está disponível a PSJ o uso
organizado da mentalidade objetiva, da atenção e dos dados vindos da realidade concreta.
As dimensões simbólicas mais básicas da estrutura do esquema corporal são a da inteireza —
não inteireza, com seu correlato de organização — desorganização e a de proporção — desproporção.
11
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

A inteireza e organização se inserem na rede simbólica do íntegro, do total, do completo, sendo


de significado mais unívoco. A não inteireza e desorganização podem conotar a concepção parcial de
si, a mutilação ou castração de possibilidades, a não integração de si, a cisão, o distanciamento entre
partes de si mesmo, ou apenas dificuldades nessa integração, de caráter cognitivo ou afetivo.
A dimensão de pobreza de concepção, passa pela noção de essencial até à noção de riqueza
ou exagero da concepção. É também estrutural, e esse contínuo se relaciona a maturidade conceptual,
uso de capacidades cognitivas e disponibilidade de imagens mentais na memória, o que pode ser
complementado com a análise simbólica do tratamento dado aos detalhes da Figura.
O teste de borrões de Rorschach usa de conceitos similares. Se PSJ só “descobre” nos borrões
do Rorschach coisas simples, genéricas, com base na forma geral ou mais ”fácil”, sua visão é
considerada pobre, pouco sofisticada. No desenho das Figuras humanas, estamos tratando com uma
realidade muito conhecida do sujeito — o corpo humano. Assim o simbolismo de pobreza de
concepção tem mais significado. No sentido oposto, no Rorschach, detalhes integrados em uma visão
de conjunto mostram-se como símbolos de análise percuciente da realidade. No desenho das Figuras
humanas podem ser vistos da mesma forma, inserindo-se na rede simbólica da riqueza e sofisticação
da vida interior. No Rorschach, pequenos detalhes abundantes indicam percepção voltada para o
miúdo, o de menor importância. No desenho das Figuras humanas, detalhes em exagero são símbolos
de atitude detalhista, e de dificuldade com o vazio, expressa pela necessidade de preenchê-lo.

Simbólica do tratamento diferencial entre as Figuras desenhadas


Vamos examinar a complexidade simbólica do desenho das duas Figuras humanas. O
desenhista se expressa por dois desenhos, uma Figura para cada sexo, e posteriormente narra uma
história sobre essas duas Figuras e sua relação. Podemos reconhecer a dimensão simbólica da unidade
inicial — que na prática se refere ao PSJ, desenhista, ali, agindo. Na medida em que se solicitam a ele
os desenhos dos dois sexos, podemos reconhecer as dimensões simbólicas mais gerais da quebra da
unidade inicial, da separação e da introdução da diferença.
Concretamente, essa seria a diferença entre o feminino e o masculino (de forma global: sexo,
funcionamento global diferente, diferenças culturais e de papel de gênero) Mas, na medida em que o
desenhista pertence a um dos dois sexos, temos essa diferença reduzida à dualidade do eu versus o
outro, daquilo que é conhecido e próximo ao sujeito, expresso pelo seu sexo/gênero, e daquilo que é
diferente e mais distante do sujeito, expresso pelo outro sexo/gênero. Com isso quero dizer tudo o
que é psicologicamente conhecido e próximo versus tudo o que é diferente, desconhecido.
Essas dimensões se interpenetram e é bom mantê-las sempre em mente, para que não se
reduza indevidamente a interpretação permitida pelo teste. Há mitos e poesias que são análogos à
dimensão simbólica referente à unidade que se divide em opostos complementares. O mito do
andrógino, que Platão nos relembra, menciona um ser inicial, que se divide em macho e fêmea,
separados, e que anseiam por sua re-união. Ou a análise de Pietro UBALDI, no seu livro A Grande
Síntese (1984:127-8): "A individuação não é unidade simples, mas sempre um dualismo que, em seu
aspecto estático, divide a unidade em duas partes, ser e não ser, em duas metades inversas e
complementares, contrárias, mas recíprocas, antagônicas mas necessárias. (...) A unidade é um par."
Olhando do ponto de vista da simbólica geral, portanto, um sujeito, na tarefa, se divide em dois (isto
é, nos dois desenhos) e se re-une, criando a relação entre esses dois polos diferentes e
complementares de si, tanto na relação projetada entre os desenhos, como na relação projetada pela
construção da história sobre os personagens.
O fato de se pedirem dois desenhos, relativos aos dois sexos, coloca o desenho das duas Figuras
humanas também na dimensão simbólica do masculino e feminino. No nível concreto-natural, temos
12
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

os opostos complementares biológicos, os sexos, com suas diferenças de constituição e


funcionamento. Num nível acima, temos diferenças complementares culturais, como o papel e o
ideário ligado aos gêneros masculino e feminino e que é "a significação que afeta o sexo na imaginação
dos povos" (Chevalier e Gheerbrant:832). E, no nível abstrato, temos o dualismo de que os símbolos
yang e yin são o protótipo e que leva aos opostos complementares germinação e nidação, criativo e
receptivo, animus e anima, solar e lunar, celestial e telúrico.
Essas camadas simbólicas podem ser vistas no desenho das Figuras humanas. O sexo biológico
vivido se mostra pelo desenho do corpo adulto, com a compleição e os caracteres sexuais próprios a
cada sexo e a diferença de tratamento dado às Figuras, que reflete as atitudes do sujeito para com os
dois sexos, o próprio e o outro. No nível cultural, os papéis e o ideário ligados aos gêneros se mostram
pelo montante de convencionalismo das atribuições de roupagem e de ações (Delate) e pelo montante
de tipificação sexual de papéis e atitudes descritos. No nível abstrato, revela-se como o sujeito lida
com o dualismo de seu lado “masculino” e seu lado “feminino”, seu lado criativo e receptivo, na
interioridade do seu psiquismo, aspecto também percebido na história narrada.
O sentido abstrato do dualismo se revela também na análise do que fica na luz (o aceito) e do
que fica na sombra (o rejeitado ou desconhecido). É importante esclarecer que o que fica na luz, fica
em geral na luz do eu, e o que fica na sombra, fica na sombra do outro. Na Figura do próprio sexo, PSJ
simboliza seus aspectos mais aceitos ou idealizados e/ou de que tem mais consciência. Mas, no outro
sexo, além do outro sexo e dos outros em geral, o cliente expressa o “Outro”, o estranho de si — aquilo
que ele desconhece, ou não quer ver.
E ainda mais: se a projeção de aspectos pessoais é reconhecida pelo sujeito quando se trata
da Figura do próprio sexo, ela não é reconhecida pelo sujeito, quando se trata da Figura do sexo oposto
(Patalano; Sarrel, Sarrel e Berman; Schiavi, Theilgard, Owen e White; Van Dyne e Carskadon). PSJ não
reconhece, em geral, que o desenho da Figura do sexo oposto expresse seu modo de ser, pois não se
reconhece numa Figura que é do sexo oposto. Mas foi o PSJ mesmo que desenhou a segunda Figura,
foi ele quem se des-dobrou expressivamente. Trata-se de características do próprio PSJ— atitudes, ou
modo de reação ou de percepção, ou um modo de ser em relação aos outros — que ele coloca no
símbolo outro, e que, dialeticamente, estão fazendo a mediação das suas relações com as outras
Figuras. No caso do desenho das Figuras humanas, a pessoa desenha uma forma dessa relação — como
foi a que espontaneamente lhe veio, podemos supor que seja a forma privilegiadamente disponível,
na época, para a pessoa.

Simbólica da assemelhação/diferenciação entre as Figuras


A assemelhação /diferenciação geral refere-se à extensão em que as duas Figuras desenhadas
são parecidas ou diferentes uma da outra, e em que aspectos. E à extensão em que cada Figura pode
ser vista como pertencente a um dos dois sexos, seja por características sexuais primárias e/ou
secundárias (barba, bigode, conformação do corpo), seja por características culturais, ou associadas a
um gênero (e.g., vestidos para mulheres, terno com gravata para homens). Daí, a assemelhação—
diferenciação reflete a dimensão simbólica da atitude de aceitação da realidade biológica e cultural
das diferenças psicossexuais e, por extensão, aceitação da alteridade.
Portanto, do ponto de vista simbólico, essa categoria de análise verifica, primeiramente, se o
sujeito (a unidade), que deveria se desdobrar em uma dualidade reconhecida que o determina e reduz,
realmente reconheceu essa dualidade (Figuras diferentes). Além disso, se o sujeito se incluiu num dos
polos dessa dualidade, assim se reduzindo e se limitando (Figuras sexuadas). E se transcendeu essa
limitação, se individualizando (Figuras personalizadas).

13
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

Mas o sujeito pode não desejar constituir-se como unidade pela aceitação da dualidade, pois
esta aceitação, por princípio, o restringe (“eu sou um, mas de um tipo só”). Neste caso, pode tentar
reduzir a dualidade à unidade, num efeito em que o segundo espelha o primeiro. Nesse caso, entra-se
no recinto simbólico em que predomina a ilusão de semelhança, que mostra a indefinição (o unissex)
ou a inflação do sujeito (“ele/ela é como eu sou”), sem que haja sua própria redução. PSJ pode também
manter os traços de individualização das Figuras restritos aos aspectos de diferença definidos, pela
cultura, para os dois sexos (“somos iguais, só que ele usa calça”).
Você verá no Atlas sobre Identificação dos traços dos desenhos (Texto 6) que não criamos para
análise um contínuo quantitativo de assemelhação—diferenciação. Optamos por analisar as
assemelhação—diferenciação em categorias qualitativamente distintas, o que achamos teoricamente
mais relevante. Uma das categorias é a da assemelhação que se expressa por negação das diferenças;
por exemplo, desenhar duas Figuras iguais. Outra das categorias é a da assemelhação que se expressa
pela tentativa de anular psicologicamente as diferenças percebidas, como desenhar Figuras com
corpos diferentes e fisionomias iguais. Outra categoria seria a da acentuação das diferenças, por receio
de queda na ilusão da semelhança, como, por exemplo, quando se exageram barba e bigodes na Figura
masculina.

Simbólica das semelhanças e diferenças específicas entre as Figuras


As semelhanças específicas entre as Figuras referem-se ao fato de o mesmo tratamento ser
dado a traços (traços do cabelo, dos olhos, etc.) das duas Figuras. Seu significado simbólico dependerá
da natureza do traço compartilhado. Como os traços são símbolos, mas escolhidos por um sujeito, os
traços repetidos referem-se a aspectos mais constantes das características do cliente. Um tratamento
sistemático desse item envolveria a comparação das cotações obtidas para a Figura do próprio sexo
com a Figura do sexo oposto e o registro das repetidas, como no modelo de análise de Lourenção Van
Kolck (p. 49-54).
As diferenças específicas referem-se a diferenças de forma, proporção, etc., passíveis de
identificação precisa, como “cabelo acertado na figura masculina e cabelo revolto e desordenado na
feminina”. Pode-se dizer que, se o traço não foi repetido nas duas figuras, há símbolos diferentes
atribuídos a si e ao outro, a uma parte de PSJ que é vista como própria e a uma parte de PSJ que não
é vista como própria. O significado simbólico depende do traço que é diferente nos dois desenhos.
Uma abordagem sistemática envolve análise simbólica da natureza da diferença existente.
Simbólica das idades relativas das duas Figuras. A análise do simbolismo das idades relativas
das Figuras, no desenho de adultos, se torna mais significativa pela comparação delas com a idade do
sujeito desenhista (PSJ). A faixa de idade das Figuras é cruzada com a informação sobre a idade do
sujeito desenhista: as duas Figuras de mesma idade que o sujeito, Figuras mais velhas, Figuras mais
novas (crianças ou bebês), ou a Figura do próprio sexo mais jovem (criança ou adolescente) e a do sexo
oposto mais velha, ou inversamente.
Vimos que a idade representada na Figura do próprio sexo seria representação gráfica da
identidade de fantasia do sujeito. Por extensão, as idades relativas das duas Figuras informam sobre a
relação “eu versus outro” desejada pelo sujeito, na sua fantasia. Por exemplo, PSJ desenha a Figura do
próprio sexo criança, e a do outro sexo é um semelhante infantil. Quando as idades se equivalem,
temos pares de adolescente versus adolescente, ou de adulto versus adulto. Quando as idades são
díspares, os símbolos se diversificam: o outro pode ser um complemento infantil a ser guiado ou
manipulado por um eu adulto; ou o outro traz partes infantis espontâneas, perdidas no processo de
desenvolvimento; ou o outro é um adulto a orientar e guiar um eu infantil; ou o outro é um modelo
de sabedoria a inspirar um eu adulto...
14
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

Simbólica do valor relativo das duas Figuras. Nessa categoria estão agrupados símbolos que
se referem ao quanto uma Figura é mais valorizada (ou desvalorizada) do que a outra. As categorias
simbólicas que se cruzam são do eu e do outro e a dimensão da valorização maior ou menor, indicando
a quem — a si, ao outro — o sujeito atribui maior valor.
Os sinais de valorização são desenhar em primeiro lugar, com maior cuidado, maior tamanho
(é modal tamanho igual ou próximo), com mais detalhes (sem omissões), com maior equilíbrio físico,
com mais movimento e/ou mais potência, ou mais central no papel.
Desenhar em primeiro lugar remete, simbolicamente, ao primeiro, mas também ao mais
disponível, mais idealizado como padrão de pessoa humana. O tamanho maior alude a maior altura,
aos níveis mais altos na verticalidade. A Figura mais completa e o maior cuidado ao desenhar recebem
o aval das avaliações cognitivas e sinalizam maior complexidade intelectual e maior diferenciação
disponíveis, quando se trata daquela Figura em particular. A posição mais central reporta a ideia de
relação mais diversificada com o meio ambiente. A posição de maior equilíbrio traduz a atribuição de
maior equilíbrio pessoal. Finalmente, mais movimento e maior potência se inserem na linha dos
símbolos de flexibilidade e capacidade de domínio nas relações.
Uma dimensão que se cruza com essas avaliações é a da parcimônia ou exagero da diferença
de valor. Pode haver valorização levemente maior de um dos sexos, o próprio ou o outro, dentro de
um padrão realista. Mas as diferenças podem ser excessivas, impossíveis, muito improváveis na
realidade. O exagero remete à noção simbólica dos contrários do alto e do baixo. Se o sujeito mostra
distanciamento grande entre si e o outro, há idealização, elevação ou divinização e, como decorrência,
existe também o oposto, o rebaixamento, o aviltamento, com os correlatos emocionais da inveja, do
ressentimento e da competitividade latentes. E sempre, naturalmente, expressando a pouca
integração de seus opostos internos.

Simbólica das características afetivas e de integração das duas figuras


Refere-se à natureza simbólica da interação que se pode imaginar entre as duas figuras
desenhadas, a partir da comparação de suas características afetivas, expressas nos desenhos. Por
exemplo, uma das figuras desenhadas representa uma criança visivelmente ingênua, enquanto a outra
é uma pessoa monstruosa e persecutória. A partir das características de cada Figura, pode-se supor
entre as duas uma interação de determinado tipo.
Essa interação é, por sua vez, símbolo do padrão básico de relação objetal (relações afetivas,
interação) que o sujeito imagina para as pessoas humanas. Mostram-se assim relações de
dependência, de identificação, etc.. Evidentemente, essas relações projetadas são, por sua vez,
símbolos de funções pessoais — padrões mentais existentes no sujeito. Ou seja, são partes de seu
modo de ser e reagir ao outro.
Assim, nos exemplos acima, falamos das díades bem (criança) x mal (monstro) e a dissociação
(distância grande entre os aspectos bons e inofensivos da personalidade e os aspectos negativos e
perigosos da personalidade). O padrão mental do sujeito seria o de dissociar e afastar o mal do bem,
de modo excessivo, exagerado.
Não se podem, pois, definir previamente as redes simbólicas em que essas características se
enquadram. Mas pode-se dizer da presença de pares antitéticos que remetem aos já mencionados
símbolos dos contrários, com conotações diversas, como desprotegido—persecutório, desprotegido—
protetor, rico—destruído, rico—pobre, sedutor—contido, passivo—ativo, limpo—sujo, santo—
demônio, padre—prostituta. Isso pode se mostrar também por qualidades diferentes de integração
pessoal: uma Figura completa, e a outra, mutilada ou destruída. Quanto maior a distância entre os dois
desenhos, podemos supor que seja maior a dissociação pessoal.
15
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

De forma menos extremista, podemos ter características que remetem a relações de


determinado tipo, mas as Figuras não expressam partes opostas da personalidade. Nesses casos, que
são os mais frequentes, mostram-se qualidades diferentes da personalidade, mas que não são
características opostas, como ativo — em expectativa, moderno — convencional, etc.. O nível de
integração da personalidade também é maior, porque o outro não é tão outro, tão diferente do eu.

A simbólica do traçado e estilo


Essa Seção engloba dimensões do desenho de PSJ , que se ligam à psicomotricidade, como o
estilo do desenho, em geral denominado na literatura de traçado e aspectos ligados à conduta do
sujeito, que seriam parte de seu estilo de ação. É evidente que a forma psicomotora, por sua vez, é
também símbolo da forma pessoal pela qual PSJ se apresenta e age. As categorias específicas que
organizamos referem-se ao traçado em geral, pressão, amplitude das linhas, espessura das linhas,
forma das linhas, tipo e modo de se fazer a linha, presença de correções e retoques e finalmente, o
estilo de ação do sujeito ao longo da tarefa.
Quando iniciamos o trabalho com o desenho das duas figuras humanas, havíamos lido que o
estilo era a parte mais estável de um desenho, como se vê pelo estilo dos pintores, podendo oferecer
os mais ricos subsídios ao analista de desenhos. Na nossa prática clínica isso não se confirmou,
mostrando ser característica muito complexa e fugidia à análise, especialmente por faltarem critérios
para definir quando se estava diante de um tipo de traçado, pois, quase todos os desenhos apresentam
misturas de traçados. Aliás, observe-se que o estilo de um pintor, atualmente, engloba os aspectos de
composição (como tamanho, eixos), colorido, e outros, e não somente seu traço. Pense que são
necessários trabalhos realizados por Comissões Internacionais de Especialistas, para definir
autenticidade de obras de pintores famosos!
Na pesquisa realizada, os itens das categorias de traçado e estilo, embora conseguíssemos
identificar corretamente, com muito esforço, permaneceram pouco discriminativos em relação à
personalidade. Assim, optamos por manter essas categorias nesses textos somente para estimular
pesquisa posterior, mas simplificando sua abordagem.
Traçado em geral. Refere-se à aparência do conjunto formado pelas linhas individuais feitas
no desenhar, cada uma resultante de um movimento separado do lápis, podendo ser cotado em
função do predomínio de um tipo de traçado, mas observando também se o traçado é homogêneo ou
flexível. Seria símbolo da forma psicomotora pela qual o sujeito se coloca no ambiente, que se supõe
ser, por sua vez, símbolo da forma pela qual o sujeito se colocaria como pessoa. Na verdade é categoria
vinculada à impressão causada pelo traçado no analista de desenhos.
Pressão do traço e espessura das linhas. O conjunto formado pela marca que se faz no papel
(pressão), a espessura do traço (montante de grafite aparente do traçado) e seu tom (de escuro a
claro). Essas categorias têm sido vistas como símbolos da quantidade de energia e força que o sujeito
coloca na ação. A pressão e tom diriam da força e energia e a espessura diria da confiança ao fazer o
traçado. A dimensão simbólica implícita é a da força — fraqueza, primeiramente num nível físico, pois
se trata do uso da musculatura. Secundariamente, remete à dimensão do autocontrole versus
agressividade que foi colocada na própria ação.
Amplitude e forma das linhas. A amplitude é característica observada pelo examinador e
remete à extensão das linhas, decorrente da amplidão do gesto feito ao traçá-las. Vista como símbolo
do montante de expansividade no ambiente, liga-se à dimensão simbólica da extensão-inibição. A
forma das linhas refere-se à presença de retas e ângulos, ou de linhas curvas, símbolos,
respectivamente, de estilo agressivo ou meigo no trato com a realidade.

16
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

Tipo e modo de se fazer a linha. Refere-se ao modo de fazer a linha com traços mais (ou
menos) contínuos, mais trêmulos, em pequenos avanços e recuos, mais repassados, peludos,
interrompidos, etc., havendo também avaliação referente à consistência do traçado. Como forma de
agir, seria símbolo do modo como se age no ambiente. As dimensões simbólicas principais implícitas a
essa análise são topológicas, referindo-se ao simbolismo das barreiras, fechamentos, aberturas,
afastamentos, proximidades, superposições.
Correções e retoques. Refere-se a usar borracha, rasurar, retocar o desenho por reforçamento
das linhas e introduzir linhas adicionais que o modificam. Como se trata de correção, seriam símbolos
de ansiedade e insatisfação com a própria ação e/ou produção, com ação simbólica de reparar, corrigir
partes ruins (associada muitas vezes a culpas), de esconder defeitos (associada a dissimulação e/ou
agressividade) e de aperfeiçoamento, melhorando o desempenho de forma moderada (associada a
adaptação pessoal), ou de forma excessiva (associada a perfeccionismo).
Estilo de ação: reações à tarefa. Remete a reações e/ou comportamentos que PSJ exibe ao
longo da tarefa de desenhar, desde o recebimento das instruções até o diálogo final. Como condutas,
são símbolos da forma de comportamento da pessoa em situações levemente geradoras de estresse.

Em síntese
Nesse texto, você leu sobre a face dupla dos símbolos, individual e coletiva, e sobre o trabalho
com essa dupla face quando se trata de interpretar o desenho das duas figuras humanas, visando
compreender melhor os padrões de quem desenhou (PSJ).
Abrir seu horizonte de compreensão enriquece sua pré-compreensão como psicólogo para
poder prestar mais atenção às porções de sentido que qualquer sujeito-cliente coloca para você.
Sobre o desenho das duas figuras humanas, pelo estudo cuidadoso do Texto 3, você leu sobre
a dimensão simbólica do corpo humano e, com mais detalhes, a simbólica das partes do corpo humano.
Para compreender a simbólica da apresentação geral da Figura, você leu sobre a simbólica do
tema escolhido pelo PSJ, da expressão da Figura, do movimento sugerido para a Figura, da posição
corporal dela. Leu e refletiu também sobre a simbólica do espaço e a simbólica da natureza e
coordenadas dessa localização.
Teve oportunidade de (re)ver a simbólica das características estruturais da figura — a simbólica
da lógica; e leu sobre as dimensões simbólicas do tratamento diferencial que o sujeito deu aos dois
desenhos e do seu estilo de traçado e ação.
De posse dessa visão geral, você poderá passar a se treinar no trabalho técnico com o desenho
das duas Figuras. Para isso, leia agora atentamente como dirigir a prática, na hora da elaboração dos
desenhos, para que seja mais fácil extrair tudo o que for possível da prática. Lembre-se das palavras
sábias de Antônio Machado:
— Caminhante, não há caminho; faz-se o caminho ao andar.

Bibliografia
A bibliografia utilizada se encontra no Texto 12 dessa Coletânea de Textos sobre o desenho da
pessoa humana.

Palavras de cautela. Esta Coletânea não é adequada para se


tornar teste de personalidade e nem para fazer
psicodiagnóstico de uma pessoa. Mas pretende: (a) despertar

17
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)

ou ampliar o interesse pela compreensão de si ou de outros


através de desenhos; (b) despertar interesse pela Simbologia
e para o trabalho com símbolos; (c) incentivar a busca de
novas fontes de estudo e diferentes áreas de conhecimento;
(d) gerar pesquisas na área de desenhos.

18
psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014

Você também pode gostar