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psicologiaclinicatextos.com.br, aba Análise Simbólica. Coletânea Análise simbólica do desenho da Figura
humana, texto 4. Inserido em 10/2014
Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)
A juventude carrega o sentido de força, energia pronta para a ação, podendo ter conotações
um pouco diferentes, conforme o momento evolutivo específico representado. O momento
adolescente, de moratória social de responsabilidades, tem um sentido simbólico que é uma
interseção dos símbolos de infância e de idade adulta. Carrega da primeira a ideia de evitação da
responsabilidade e da segunda as ideias de corpo adulto ou quase adulto, pronto para reprodução; daí
simbolizarem a força e a energia que desabrocham. O momento em que se é adulto e jovem, embora
indique também força e energia, já carrega as expectativas culturais de capacidade produtiva e
reprodutiva, sentidos que são mais bem consubstanciados pelas imagos paterna e materna. A velhice
remete a sabedoria, virtude, ou decadência (Cirlot: 934).
A análise da simbólica da idade no desenho de adultos se torna mais rica pela comparação da
idade da figura com a idade do desenhista. A faixa de idade atribuída por analistas à figura é cruzada
com a informação sobre a idade de PSJ: ― É uma pessoa de mesma idade que PSJ? É pessoa mais
velha, pessoa mais nova, é criança? A idade representada seria representação gráfica da identidade de
fantasia ou ideal de PSJ. O cruzamento da idade representada no desenho e da idade de PSJ é uma
chave para compreender a proximidade ou distanciamento entre a sua vivência desejada, ou temida
e as expectativas biopsicossociais que cercam sua idade real.
A natureza do símbolo — por exemplo, desenhada uma criança, saber se se trata de uma
criança irresponsável, de uma ainda sem responsabilidades, de partes infantis perdidas, de partes
infantis espontâneas a serem recuperadas ou mantidas — é mais bem compreendida pelo confronto
com a história narrada e pela caracterização global que se deu à Figura.
Proximidade e distanciamento do humano. O distanciamento do humano é um afastamento,
ou recusa, do símbolo "pessoa humana". Ele pode ocorrer por degradação, por abstração ou por
empobrecimento. O distanciamento por degradação ocorre quando há eleição de uma pessoa
monstruosa, ou de animal, ou
animalizada, diante da solicitação
"desenhe uma pessoa humana".
Pode haver distanciamento por
abstração, quando se desenha um
"abstrato" (ao modo da arte
abstrata). Ou, ainda, pode haver
falta de individualização da Figura,
faltando o que a caracterizaria como
uma pessoa. Ao contrário, ela é
representada de modo
empobrecido, por comparação com
a representação gráfica da pessoa
humana, que obedece a padrões
evolutivos bem estudados.
Figura 4.1. Do distanciamento à aproximação do humano
Nos desenhos pobres, pode-
se ter desde a impossibilidade de
identificar o tema (círculos, por exemplo) a um momento em que o tema "pessoa humana" se torna
identificável. Essa transição se dá bem cedo, aos 3 anos de idade, em média. Por outro lado, no adulto,
observa-se uma "parada" na evolução, quando a cultura não exige um desempenho especial; a maioria
dos adultos não é capaz de desenhar muito melhor do que aos 12 ou 13 anos (64; 86).
Entretanto, o caminho que se segue dos 3 até esses “13” anos tem alguns marcos definidos.
Há uma progressão no sentido de diferenciação das figuras desenhadas; essas se tornam mais cheias
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Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)
Alto:
fantasia
imaginação
planejamento
exaltação
mental
elevado
Quadrante superior para alto Quadrante superior
esquerdo: céu direito:
fantasia planejamento
nostalgia metas
expectativas
Para o
alto e/ou
subjetivo
Esquerda: Direita:
coração ação
emoção objetivo
não educado educado
obscuro Para o passado, Centro: Para o futuro, manifesto
e/ou interior para todas as
interno direções
e/ou exterior externo
para dentro para fora
passado futuro
inicial final
lunar solar
movimento centrípeto
Para
baixo ou
para o
Q. inf. básico Q. inf. direito:
esquerdo: satisfação de
regressões necessidades
necessidades Baixo: básicas
internas realidade
cotidiano
básico
diminuição
material
para baixo
terra
O alto da folha remete à região do mais mental, elevado, ou espiritual, e carrega consigo a
ideia de evitação da consideração pelas necessidades básicas diárias. A parte inferior da folha fica como
a região do mais terrenal, do cotidiano, das necessidades primárias, do que se mantém em baixo, com
evitação da fantasia, da imaginação ou do planejamento amplificador. A parte do centro, cruzamento
dos eixos, conota a região do equilíbrio, do "nem tanto ao céu, nem tanto à terra".
A horizontalidade é o eixo da amplitude (Cirlot:234). Uma primeira abordagem da amplitude
aponta para a distância horizontal do centro às pontas. Essa pode se dar na direção do centro para
fora, centrífuga, ou do centro para dentro, centrípeta.
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Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica das características gerais dos desenhos (Texto, 18 p.)
No desenho das duas figuras humanas, a direção centrífuga ou centrípeta é dada pela análise
da posição dos braços da Figura: abertos, ou cruzados em direção ao corpo. É significado interno ao
conteúdo do desenho.
Uma segunda abordagem da amplitude refere-se à compreensão do espaço da folha de papel
em relação ao corpo do desenhista. A projeção no espaço da folha é “espelhada”, i. e., a esquerda no
espaço da folha é a região que fica à frente do lado esquerdo do corpo do desenhista e a direita da
folha é a região que se encontra à frente do lado direito do corpo. Já a projeção da esquerda e direita
na Figura (e.g., qual é o braço direito da Figura) é variável. Alguns sujeitos projetam a direita e a
esquerda da Figura espelhando seu próprio corpo, e outros consideram a direita e a esquerda
“anatômicas” da Figura.
Os significados simbólicos da esquerda e da direita são unívocos nas fontes pesquisadas. No
ocidente, a esquerda entra nas redes simbólicas do coração, da emoção, do não-educado, do não-
civilizado, do lunar, do obscuro, do interno, do passado, do inicial. No lado esquerdo do corpo (e, por
projeção, à esquerda) está o coração, representante simbólico da afetividade e das emoções; toma-se
uma decisão "com o coração" e o "coração tem razões que a razão desconhece".
Ao contrário, a direita entra nas redes simbólicas da ordenação (directus), da razão, do
educado, do solar, do resultado, do final, do manifesto, do futuro. O lado direito da maioria das Figuras
é o mais hábil. Com a mão direita, a pessoa escreve e executa as tarefas mais difíceis, sendo a mão
esquerda um apoio ― a mão direita recebe o peso maior da educação.
A pessoa que usa a mão direita é denominada "direita" (que conota também "correta" “como
a maioria”), destra, essa palavra conotando também destreza, habilidade. A pessoa que usa a mão
esquerda é “sinistra”, “canhestra”, canhota, de conotação tão pejorativa que demônio tem também o
nome de "o canhoto".
Por outro prisma, lê-se da esquerda para a direita, escreve-se da esquerda para a direita, a
ordenação dos quadros de histórias em quadrinhos é da esquerda para a direita. Numa colocação
cultural hindu, o olho esquerdo de Shiva corresponde ao passado e à lua, como o direito representa o
sol e o futuro. O olho frontal, o presente, é o instante inapreensível, o ponto sem dimensões, que
destrói a manifestação, mas a contém na transformação (Cirlot:235). Nesse sentido, o terceiro sentido
da amplitude na horizontal remete às possibilidades de um momento da existência, um momento que
vai de um antes para um depois, de um início para um fim, de uma não-manifestação, à manifestação
emocional ou interior, em exteriorização progressiva.
Antes de passar à análise do tamanho da Figura, vejamos o "problema" da pessoa canhota.
Fizemos estatísticas sobre a localização das Figuras nos desenhos de canhotos e de destros: a
localização levemente à esquerda do centro da folha de papel é sistematicamente mais frequente para
ambos os grupos. Se houvesse uma projeção diferenciada em relação ao espaço, em função do uso da
mão dominante, a estatística de distribuição seria diferente para os dois grupos1. Dada essa
homogeneidade na distribuição e nas estatísticas para os dois grupos, nossa experiência confirmou
que a simbólica ligada ao espaço efetivamente sobredetermina o simbolismo gráfico, que independe
da mão dominante do desenhista. Koch também afirma que canhotos e destros não divergem, mas
coloca seu pressuposto de que é "a força expressiva do psiquismo" que se impõe ao sujeito
(Patalano:122).
Tamanho da Figura no espaço disponível. Embora se fale de tamanho da Figura, a dimensão
simbólica que se trabalha é a relação entre espaço ocupado pela Figura versus espaço reservado ao
fundo. O pressuposto no desenho das duas Figuras humanas é o de que a folha de papel simboliza o
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espaço, o meio ambiente, e a Figura representa a ideia de pessoa do PSJ, corpo vivido e psiquismo
vivido. Como consequência, a relação entre o espaço ocupado pela Figura e o espaço que restou como
fundo é expressão simbólica do espaço do ambiente que PSJ reserva para si. Psicologicamente, essa
ocupação relativa dos espaços, expressa pelo tamanho da Figura (porque a folha é de tamanho
constante), emerge como símbolo da relação dinâmica desejada ou existente entre o sujeito e seu
meio, desde a inibição até à fantasia de autoengrandecimento ou megalomania.
Localização da Figura no espaço da folha. Refere-se à colocação da Figura em qualquer parte
da página (centro, esquerda, alto, etc.), tendo como referência a simbólica do espaço ilustrada na
anterior, e se liga à orientação geral do sujeito no ambiente. Os quadrantes, como regiões delimitadas
por dois eixos, podem ser entendidos como interseções dos sentidos dados pelas coordenadas
simbólicas. Assim, o quadrante superior direito é região do cruzamento da parte superior ao eixo
horizontal (interesses secundários, abstratos, imaginativos) com a porção à direita do eixo vertical
(momento da ação no ambiente, da realização, da finalização). Consequentemente, a região simboliza
a orientação do sujeito para a imaginação em interseção com a realização; ou seja, orientação para o
planejamento objetivo de ações a serem efetivadas na realidade.
O quadrante inferior direito é região do cruzamento da parte inferior ao eixo horizontal
(interesses primários, concretos, terra a terra) com a porção à direita do eixo vertical (momento da
ação no ambiente, da realização, da finalização). Logo, a região simboliza a orientação do sujeito para
as necessidades básicas em interseção com a realização; ou seja, a preocupação do sujeito com sua
realidade cotidiana.
O quadrante inferior esquerdo é região do cruzamento da parte inferior ao eixo horizontal
(interesses primários, concretos, terra a terra) com a porção à esquerda do eixo vertical (momento do
coração, da emoção, do inicial, do não-educado). Consequentemente, a região simboliza a orientação
do sujeito para as necessidades básicas em interseção com o emocional inicial; ou seja, a preocupação
com conflitos afetivos básicos, de ordem subjetiva.
O quadrante superior esquerdo é região do cruzamento da parte superior ao eixo horizontal ―
interesses secundários, abstratos, imaginativos ― com a porção à esquerda do eixo vertical ―
momento do coração, da emoção, do inicial, do não-educado. Consequentemente, a região simboliza
a orientação do sujeito para a imaginação em interseção com o emocional inicial; ou seja, a fantasia e
a idealização como meios de autorrealização do sujeito.
Finalmente, a Figura colocada mais ao centro da página, em relação aos dois eixos e aos quatro
quadrantes, simboliza uma orientação mais pluralista do sujeito na sua relação com o ambiente.
Localizações “mais” numa direção e “menos” em outra podem ser compreendidas como tendências
naquela direção.
Ambiente (fundo) em que a Figura se apresenta. Refere-se a desenhos feitos na folha, além
da Figura humana solicitada — fazer qualquer ambientação ou desenho adicional na folha de papel
que não foi solicitada pelo psicólogo. A noção de “figura” versus “fundo” supõe que a atenção seja
centralizada na Figura, e que o restante, a folha em branco, seja visto como fundo. Quando PSJ desenha
outras figuras no “fundo branco da folha” que funcionam como fundo (ou ambientação) para a Figura,
PSJ está também preenchendo o vazio do branco da folha.
Em testes psicológicos, sabe-se da importância do branco como vazio e/ou como fundo. No
desenho das duas Figuras humanas, o sujeito que desenha o fundo desviou sua atenção da Figura para
o branco da folha. Três dimensões simbólicas inter-relacionadas são importantes para se compreender
o fato de se desenhar fundo: a dimensão simbólica do vazio — cheio, a dimensão simbólica da
fragmentação — integração, e a dimensão simbólica do solto — amarrado.
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A dimensão simbólica do vazio — cheio tem sido tratada, indiretamente, por várias correntes
psicológicas, além de ser tema presente na filosofia, na filosofia oriental, e na literatura mística. Nela
se inserem as noções psicológicas de falta, de perda, de angústia de morte, de vazio existencial, para
citar as mais conhecidas na Psicologia. Em testes psicológicos projetivos, têm sido estudados os
choques ao vazio (lâminas do Rorschach, gravuras específicas do TAT ou TRO).
Na Filosofia, há as colocações sobre o nada e o ser. Na filosofia oriental encontramos a noção
do Grande Vazio, Vacuidade, do sem nome, do ilimitado como realidade vivida: "o limite do ilimitado
chama-se plenitude, o ilimitado do limitado chama-se vazio" (Chuang-Tzu, "Onde está o Tao?"). "Trinta
raios convergem no círculo de uma roda, mas é o vazio do centro que permite ao carro andar". (Lao-
Tsé: poema 11). Na literatura mística ocidental, São João da Cruz, nos meados dos 1500, revela como
chegar ao "Alto do Monte Carmelo", pela senda do espírito de perfeição, desnudamento interior,
esvaziamento necessário. Essa via, que ele chama de via direta, pode ser assim descrita: "nada, nada,
nada, nada, nada, e ainda no monte, nada". Eckart (sermão nº 52) explica aos fiéis o sentido de pobreza
― nada querer, nada saber, nada ter. Humanamente, esclarece ao final: "Quem não compreender
essas palavras, não aflija o seu coração. Pois enquanto o homem não se igualar a essa verdade, não
poderá entender essas palavras".
Depreende-se, dessas colocações, que o vazio, como realidade vivida, representa uma
realidade humana, que pode ser vivida como superação, como nos sábios orientais e nos místicos, mas
que, quando é apresentado a Figuras comuns nos testes projetivos, constitui uma realidade
desafiadora, que remete ao não-ser e à angústia de morte. No desenho das duas Figuras humanas, a
forma de tratamento do fundo branco mostra como PSJ se comporta em relação ao vazio, com todas
as conotações de que este se reveste. Se o vazio se mistura com a personalidade, ou a penetra, vemos
então a Figura sem chão, mas flutuante, ou a Figura vazia, ela mesma indefinida, ou de traçado
interrompido.
Essas figuras desenhadas a mais são também compreendidas nas dimensões do
fragmentado—integrado, e do solto—amarrado, que são dimensões mais intuitivas. No caso do
desenho das duas Figuras humanas, solicita-se o “desenho de uma pessoa humana” sem mencionar
um fundo. O povoamento do fundo com pequenos rabiscos ou desenhos é exceção, simbolizando uma
reação de fragmentação mais disponível no desenhista, que a projeta como rabiscos.
Logo, o desenho de fundo sempre corresponde a uma ativação excepcional (porque não foi
solicitada) da capacidade de simbolização do sujeito, para ele conseguir lidar com o vazio do espaço
da folha, ou com a soltura da Figura humana desenhada nesse espaço. O fundo desenhado, quando se
desdobra em paisagem organizada, remete à necessidade de PSJ estruturar o ambiente para lidar com
esse vazio. Em outras palavras, para reduzir a própria insegurança ao realizar algo, ou para reforçar ou
justificar a própria atuação. Além disso, mostra-se como símbolo da natureza potencial da
estruturação necessária ao sujeito. É nesse sentido que o desenho de fundo, ou chão, remete a
“insegurança” (embora o desenho de poucas linhas de chão seja frequente). Não sei por qual motivo,
tem-se divulgado que o sujeito "deve desenhar chão"; caso contrário, "não é bom". Se alguém desenha
chão porque "falaram" que "tem de desenhar chão", essa atitude é um sinônimo, na interação, da
necessidade de segurança que o chão firme representa — ou seja, o sujeito desenha o chão por
insegurança.
Algum exemplo será esclarecedor. Numa tarefa de desenhar as duas Figuras humanas, PSJ
desenha sua “pessoa humana” dando aula, com quadro-negro como fundo e menciona que acha
aquela atividade importante — mostra-se a natureza potencial da forma de valorização daquele
sujeito. Outra vai desenhando e percebe que sua “pessoa humana” se mostra inclinada para a
esquerda; desenha, então, um poste onde a Figura se “encosta”, e um ônibus, que se aproxima do
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“ponto de ônibus” — a insegurança percebida foi enfrentada com mais simbolização, estruturação
adequada, que contém e impede a "queda" (da pessoa). Outra desenha as Figuras desnudas e
completa, então, o ambiente com um fundo de banheiro, o que torna o "exibicionismo" socialmente
adequado e aceito. Em todos esses exemplos, o que estava sendo indicado de modo "solto" foi
"amarrado" num contexto que justifica ou reforça a simbolização prévia do sujeito. Esse é o sentido
do solto—amarrado, embora essa estruturação ainda seja, naturalmente, uma forma de lidar com o
vazio da folha em branco.
mais básico da cabeça, tronco e membros, e como tal deve ser percebida. No segundo nível, da
realidade humana, simboliza a estrutura de organização do corpo humano, sua condição de equilíbrio
no espaço. Logo, sua ausência flagrante nos desenhos é mais rara e, pelas pesquisas, está associada a
uma falta de equilíbrio emocional e transtorno no controle dos impulsos.
Na simbólica, "a simetria natural, assim como a artificial, testemunha a unidade de concepção"
(Chevalier e Gheerbrant:834). Isso confirmaria o primeiro sentido simbólico da simetria e sua
necessidade. Esses autores chamam a atenção para outros aspectos da simetria que têm sido
empiricamente verificados no desenho das duas Figuras humanas. Nas suas palavras: "a simetria às
vezes trai o artifício e certa falta de espírito criativo... Em consequência disso, significa racionalização
que disciplina e até mesmo sufoca as forças espontâneas da intuição e imaginação puras. A unidade
assim alcançada não é mais do que uma unidade de fachada, ... ao invés de síntese ... é apenas
duplicação, efeito de espelho. A assimetria pode, ao contrário, responder a razões profundas, porém
ocultas a raciocínios por demais sistemáticos."
Assim, no desenho das duas Figuras humanas, distinguem-se a simetria excessiva e a simetria
relativa, como símbolos do montante de controle e contenção. A simetria excessiva é tida como
símbolo de controle restritivo e a simetria relativa, como símbolo de um controle razoável. E
distinguem-se as assimetrias naturais, das assimetrias intencionais, que revelam o montante de
espontaneidade que a pessoa deseja demonstrar.
Perspectiva básica. Refere-se às qualidades básicas do desenho de representar a Figura no
plano, levando em consideração que se trata da visão de um observador. As modificações aparentes
ou aspectos de posição e situação da Figura mostram um ponto de vista particular, limitado (não se
desenha o que se sabe da Figura desenhada, mas sim como ela “aparece” a alguém que a está vendo).
Esse também é um símbolo da lógica da produção, indicador da adaptação cognitiva e do uso do
pensamento lógico-concreto no trato com a realidade.
A observação do desenvolvimento cognitivo (Piaget, Luquet) registra uma primeira fase de
incapacidade sintética, em que o desenho já apresenta intenção de representar algo, mas os
elementos representados estão justapostos, em vez de formarem conjunto (por exemplo, botões ao
lado do corpo). Essa fase coincide com a geometria espontânea da criança, cujas primeiras intuições
espaciais são topológicas, referentes ao fechado—aberto, perto—longe, dentro—fora, que somente
progressivamente se estruturam. Daí o nome dessa fase: realismo "gorado" (a criança quer
representar algo do real, mas não dá conta).
Numa segunda etapa, o desenho ultrapassa essa representação primitiva, já se parecendo ao
modelo, ou à intenção do desenhista. Entretanto, apresenta os atributos conceptuais do modelo, ou
da intenção, o desenhista fazendo o que sabe sobre um assunto e não o que vê. Daí ser visível o que
está dentro do bolso de uma roupa, a perna ser visível sob as roupas (as transparências), a figuração
simultânea de ações sucessivas, as misturas de pontos de vista (perfil com frente), etc.. Há
consideração de ligações topológicas como vizinhanças, separações, envolvimentos, fechamentos,
mas não há consideração pela perspectiva ou pelas relações métricas (Jean Piaget: 63). Daí considerar-
se esse momento como de realismo intelectual (o desenhista quer representar algo do real, mas
representa mal, porque representa "tudo" sobre o objeto).
Numa terceira etapa, o desenho passa a representar o que se pode ver de um ponto de vista
particular, segundo uma perspectiva - é o momento do realismo visual. Se a Figura está de frente, não
estará de perfil. Algo escondido — dentro do corpo, debaixo da roupa, atrás de um primeiro plano
qualquer — não aparecerá aos olhos do observador. São as intuições projetivas que se vão
estabelecendo e que determinam as noções básicas de perspectiva. Nessa mesma época, estabelecida
a métrica euclidiana, o plano de conjunto de um desenho (proporção, simetria) tem significado.
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Mas o sujeito pode não desejar constituir-se como unidade pela aceitação da dualidade, pois
esta aceitação, por princípio, o restringe (“eu sou um, mas de um tipo só”). Neste caso, pode tentar
reduzir a dualidade à unidade, num efeito em que o segundo espelha o primeiro. Nesse caso, entra-se
no recinto simbólico em que predomina a ilusão de semelhança, que mostra a indefinição (o unissex)
ou a inflação do sujeito (“ele/ela é como eu sou”), sem que haja sua própria redução. PSJ pode também
manter os traços de individualização das Figuras restritos aos aspectos de diferença definidos, pela
cultura, para os dois sexos (“somos iguais, só que ele usa calça”).
Você verá no Atlas sobre Identificação dos traços dos desenhos (Texto 6) que não criamos para
análise um contínuo quantitativo de assemelhação—diferenciação. Optamos por analisar as
assemelhação—diferenciação em categorias qualitativamente distintas, o que achamos teoricamente
mais relevante. Uma das categorias é a da assemelhação que se expressa por negação das diferenças;
por exemplo, desenhar duas Figuras iguais. Outra das categorias é a da assemelhação que se expressa
pela tentativa de anular psicologicamente as diferenças percebidas, como desenhar Figuras com
corpos diferentes e fisionomias iguais. Outra categoria seria a da acentuação das diferenças, por receio
de queda na ilusão da semelhança, como, por exemplo, quando se exageram barba e bigodes na Figura
masculina.
Simbólica do valor relativo das duas Figuras. Nessa categoria estão agrupados símbolos que
se referem ao quanto uma Figura é mais valorizada (ou desvalorizada) do que a outra. As categorias
simbólicas que se cruzam são do eu e do outro e a dimensão da valorização maior ou menor, indicando
a quem — a si, ao outro — o sujeito atribui maior valor.
Os sinais de valorização são desenhar em primeiro lugar, com maior cuidado, maior tamanho
(é modal tamanho igual ou próximo), com mais detalhes (sem omissões), com maior equilíbrio físico,
com mais movimento e/ou mais potência, ou mais central no papel.
Desenhar em primeiro lugar remete, simbolicamente, ao primeiro, mas também ao mais
disponível, mais idealizado como padrão de pessoa humana. O tamanho maior alude a maior altura,
aos níveis mais altos na verticalidade. A Figura mais completa e o maior cuidado ao desenhar recebem
o aval das avaliações cognitivas e sinalizam maior complexidade intelectual e maior diferenciação
disponíveis, quando se trata daquela Figura em particular. A posição mais central reporta a ideia de
relação mais diversificada com o meio ambiente. A posição de maior equilíbrio traduz a atribuição de
maior equilíbrio pessoal. Finalmente, mais movimento e maior potência se inserem na linha dos
símbolos de flexibilidade e capacidade de domínio nas relações.
Uma dimensão que se cruza com essas avaliações é a da parcimônia ou exagero da diferença
de valor. Pode haver valorização levemente maior de um dos sexos, o próprio ou o outro, dentro de
um padrão realista. Mas as diferenças podem ser excessivas, impossíveis, muito improváveis na
realidade. O exagero remete à noção simbólica dos contrários do alto e do baixo. Se o sujeito mostra
distanciamento grande entre si e o outro, há idealização, elevação ou divinização e, como decorrência,
existe também o oposto, o rebaixamento, o aviltamento, com os correlatos emocionais da inveja, do
ressentimento e da competitividade latentes. E sempre, naturalmente, expressando a pouca
integração de seus opostos internos.
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Tipo e modo de se fazer a linha. Refere-se ao modo de fazer a linha com traços mais (ou
menos) contínuos, mais trêmulos, em pequenos avanços e recuos, mais repassados, peludos,
interrompidos, etc., havendo também avaliação referente à consistência do traçado. Como forma de
agir, seria símbolo do modo como se age no ambiente. As dimensões simbólicas principais implícitas a
essa análise são topológicas, referindo-se ao simbolismo das barreiras, fechamentos, aberturas,
afastamentos, proximidades, superposições.
Correções e retoques. Refere-se a usar borracha, rasurar, retocar o desenho por reforçamento
das linhas e introduzir linhas adicionais que o modificam. Como se trata de correção, seriam símbolos
de ansiedade e insatisfação com a própria ação e/ou produção, com ação simbólica de reparar, corrigir
partes ruins (associada muitas vezes a culpas), de esconder defeitos (associada a dissimulação e/ou
agressividade) e de aperfeiçoamento, melhorando o desempenho de forma moderada (associada a
adaptação pessoal), ou de forma excessiva (associada a perfeccionismo).
Estilo de ação: reações à tarefa. Remete a reações e/ou comportamentos que PSJ exibe ao
longo da tarefa de desenhar, desde o recebimento das instruções até o diálogo final. Como condutas,
são símbolos da forma de comportamento da pessoa em situações levemente geradoras de estresse.
Em síntese
Nesse texto, você leu sobre a face dupla dos símbolos, individual e coletiva, e sobre o trabalho
com essa dupla face quando se trata de interpretar o desenho das duas figuras humanas, visando
compreender melhor os padrões de quem desenhou (PSJ).
Abrir seu horizonte de compreensão enriquece sua pré-compreensão como psicólogo para
poder prestar mais atenção às porções de sentido que qualquer sujeito-cliente coloca para você.
Sobre o desenho das duas figuras humanas, pelo estudo cuidadoso do Texto 3, você leu sobre
a dimensão simbólica do corpo humano e, com mais detalhes, a simbólica das partes do corpo humano.
Para compreender a simbólica da apresentação geral da Figura, você leu sobre a simbólica do
tema escolhido pelo PSJ, da expressão da Figura, do movimento sugerido para a Figura, da posição
corporal dela. Leu e refletiu também sobre a simbólica do espaço e a simbólica da natureza e
coordenadas dessa localização.
Teve oportunidade de (re)ver a simbólica das características estruturais da figura — a simbólica
da lógica; e leu sobre as dimensões simbólicas do tratamento diferencial que o sujeito deu aos dois
desenhos e do seu estilo de traçado e ação.
De posse dessa visão geral, você poderá passar a se treinar no trabalho técnico com o desenho
das duas Figuras. Para isso, leia agora atentamente como dirigir a prática, na hora da elaboração dos
desenhos, para que seja mais fácil extrair tudo o que for possível da prática. Lembre-se das palavras
sábias de Antônio Machado:
— Caminhante, não há caminho; faz-se o caminho ao andar.
Bibliografia
A bibliografia utilizada se encontra no Texto 12 dessa Coletânea de Textos sobre o desenho da
pessoa humana.
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humana, texto 4. Inserido em 10/2014