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«Ele vos batizará no


Espírito Santo.»
Advento 2020 – Retiro online com a «Bela Acarie » (1566-1618)

«Ofereço-vos, meu Deus, a minha vontade, que eu já não quero fazer nem seguir, mas submeter
totalmente à vossa, para que de todo deixe de a ter. Ofereço-me para querer fazer tudo o que o
bendito Espírito Santo me pedir.» (Verdadeiros Exercícios)

1. Obediência e liberdade sobre um compromisso recíproco.


Pedro, com vinte e dois anos, oferece à sua es-
a) Ser esposa posa uma vida agradável no seu palacete par-
A vida de Bárbara orienta-se ticular de Marais, onde dispõe de numerosos
de maneira decisiva pelo ato de empregados. Além disso, Bárbara é acarinhada
obediência que faz aos 16 anos ao pela sua sogra, chegando por vezes a provocar
desposar Pierre Acarie, visconde de Villemore, os ciúmes do marido. Nessa altura, goza de uma
senhor de Montbrost e de Roncenay. Esta de- afeto que nunca tinha recebido na sua própria
cisão é fruto de um caminho espiritual, como se família! Esta jovem esposa realizada leva uma
prova na resistência que ela primeiramente opôs vida brilhante nos salões da capital francesa,
à sua mãe: acaba por reconhecer a vontade onde a chamam «a Bela Acarie». Além de ser
de Deus no desejo dos seus pais, transfor- uma excelente dona de casa, partilha os seus
mando assim a sua submissão a seres huma- exercícios de piedade com a sua amiga boa
nos numa livre obediência a Deus. No fim da amiga, Andreia Levoix, empregada de quarto.
vida, tornando-se enfim monja, confidenciará o A comunhão espiritual entre ambas é tão pro-
quanto lhe custou tomar esta decisão: «Entrar funda que se dizem mutuamente as suas faltas.
na vida religiosa é receber um grande dom de Andreia virá a ser a primeira carmelita descalça
Deus. Mas permanecer na vida secular com as francesa, mas, de momento, ajuda Bárbara na
disposições e desejos que Ele nos concedeu, educação dos seus filhos.
confesso que é dar-Lhe muito.» Toda a sua vida
espiritual será marcada por este ato de renún- b) Transmitir a vida
cia a si mesma, com confiança em Deus, atra- Os cuidados que a Senhora Acarie tinha com
vés do qual experimentará a fecundidade. Esse os seis filhos que deu a seu esposo, no espaço
ato foi realmente livre, como se vê pelo amor de oito anos, é singular numa época em que
sincero que demonstra ao seu esposo: Pedro e as pessoas importantes delegavam os filhos em
Bárbara aprendem a amar-se construindo a sua perceptores. A sua pedagogia severa insere-se
união não sobre uma paixão espontânea, mas na educação que ela própria recebera, mas,

1 Retiro Advento 2020 com a Bem-aventurada Maria da Encarnação (1566-1618)


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a julgar pelo amor que lhe testemunharão os inesperada ao serviço da reforma da Igreja; por
filhos, a severidade foi compensada pelo afeto fim, na sequência de uma revelação, é chamada
que lhes manifestava. Era exigente com eles, por Santa Teresa de Ávila a tornar-se carmelita
especialmente em relação à obediência e à e, o que é mais, como irmã conversa! Em tudo
renúncia à vontade própria, ao sentido do dom isto mantém como aspiração principal perma-
de si e ao amor à verdade. No entanto, educa- necer desapegada de si mesma para trabalhar
os com a preocupação de respeitar a sua liber- exclusivamente na obra de Deus: «estar atenta
dade «de maneira que eles possam seguir as a Deus, caminhar com a maior simplicidade e
suas vocações, seja qual for o estado de vida a franqueza, apercebendo-me das imperfeições,
que os chame a Providência». Com liberdade converter-me a Deus, não me tornar sábia por
quanto àquilo que ela própria sofreu, deixa mim mesma, mas dar lugar à graça».
cada um deles escolher o seu caminho. O consentimento da Senhora Acarie ao
Nicolas casará com Marie d’Huguenat em 1606. casamento constituiu, assim, o ponto de partida
O casal terá uma pequenina chamada Marie de uma existência colocada sob o sinal da desa-
por quem a avó terá uma ternura muito parti- propriação de si mesma. Este ato foi decisivo
cular. Pierre tornar-se-á em Pontoise o juiz dele- para a construção da sua personalidade espi-
gado do arcebispo de Rouen. Jean entrará na ritual. Isto questiona-nos, num tempo em que
ordem de eremitas de Grandmont e será prior a liberdade é facilmente compreendida como
do Convento de Meynel-lez-Mafflier, de 1610 a um desembaraçar-se de tudo o que constrange.
1645. Cada uma das suas três filhas escolherá Na realidade, convém distinguir três graus no
o Carmelo, via para a qual a educação quase exercício da liberdade. O primeiro reside na
monástica as tinha já predisposto: Maria de possibilidade de escolher em relação ao nos
Jesus virá a ser a sub-prioresa do Carmelo de diz respeito. O segundo corresponde à capa-
Amiens, em 1615, quando a sua própria mãe cidade de assumir responsabilidades em vista
aí faz a sua profissão. Margarida do Santíssimo do bem de outrem e do dever de estado que
Sacramento professará no Carmelo de Paris em daí resulta. Passamos, então, de uma liberdade
1607. Genoveva de São Bernardo professará ali autorreferenciada a uma liberdade relacional.
também em 1609 e, seguidamente, será sub- A liberdade exercida tanto através das nossas
prioresa da segunda fundação parisiense, na escolhas, como através de respostas às solicita-
Rua Chapon. ções de outrem, transforma a nossa personali-
dade, mas inscreve-se ainda nela, e apesar de
c) Escolher amar
tudo, na continuidade de um desenvolvimento
Mas, de momento, a Senhora Acarie, sem pessoal do qual conservamos o controlo. O ter-
esquecer o seu desejo de adolescente de ser ceiro grau constitui, ao invés, uma rutura, na
monja Agostinha, coloca-se ao serviço dos medida em que nos desapega de nós mesmos
pobres e das prostitutas. Porém, o desenrolar pela graça e em resposta à iniciativa de Deus.
da sua existência oferecer-lhe-á ainda inces- O exercício desta liberdade supõe um consen-
santes ocasiões de renunciar a si mesma, por timento que se exprime num simples: «Eis-me
meio da obediência aos acontecimentos: o fra- aqui!», abandonando-nos a Deus para que se
casso da « Sainte Ligue » em 1594, custará o cumpra a sua vontade. Alcança-se mediante
exílio ao seu marido e a confiscação dos seus a liberdade de crer no seu amor infinito, de
bens, pelo que se encontra abruptamente esperar a comunhão plena com Ele e de
mergulhada na miséria; um acidente a cavalo desejar amá-l’O de todo o nosso coração.
deixa-a aleijada; depois do restabelecimento A liberdade vai-se assim aperfeiçoando até as-
da sua situação social, envereda numa aventura sumir os contornos de uma obediência incondi-
cional fundada no amor de Deus. Comparadas
1. A « Sainte Ligue » é uma aliança militar criada pela nobreza com esta graça de Deus, todas as outras op-
francesa em 1576 para lutar contra os Protestantes, a quem
o Rei Henrique III tinha acabado de conceder a liberdade ções se relativizam: a liberdade já não se exerce
de culto.

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primeiramente na possibilidade de optar, nem que recebera do Pai: era-Lhe impossível sub-
mesmo no exercício das próprias responsabili- trair-Se a isso sem Se negar a Si mesmo como
dades, mas no facto de se viver para Deus, seja Filho. Esta necessidade interior, fundada no
qual for o caminho ou a forma de Lhe respon- amor, permitiu-Lhe assumir, com total liber-
der. É uma necessidade interior à qual não nos é dade, os extremos sofrimentos da sua Paixão.
possível esquivar-nos sem nos negarmos a nós Depois de ter vivo como obediência a Deus,
mesmos, até esta liberdade chegar a ser exer- sucessivamente, a submissão aos seus pais,
cida nos próprios condicionamentos, limites depois ao seu marido, aos acontecimentos
e provas da existência. Cristo testemunhou a da vida e à Igreja, Bárbara adquiriu uma li-
sua soberana liberdade ao aceitar submeter- berdade autêntica: a liberdade de deixar de
Se por amor às mais terríveis imposições: «A se pertencer a si própria. A liberdade maior
partir desse momento, Jesus Cristo começou a é podermos dar-nos a Deus em obediência,
fazer ver aos Seus discípulos que tinha de ir a mediante a aceitação não só daquilo que
Jerusalém, sofrer muito da parte dos anciãos, não escolhemos, mas também daquilo que
dos sumo-sacerdotes e dos escribas, ser morto, de facto escolhemos: «Agora, meu Deus, sou
e ao terceiro dia ressuscitar.» (Mt 16,21) Jesus toda vossa. Por isso tenho a ousadia de pe-
compreendeu que era uma exigência absoluta dir, não apenas os vossos dons e graças, mas
assumir até ao fim as consequências da missão também Vós mesmo... »

2. A Palavra do início (Mc 1,1-8)

«Início do “Feliz Anúncio” de Jesus Cristo, Filho de Deus.


Conforme está escrito no profeta Isaías: “Eis que envio o Meu mensageiro à tua frente a fim de
preparar o teu caminho. Uma voz clama no deserto: preparai o caminho do Senhor. Endireitai as
suas veredas.” João Batista apareceu no deserto a pregar um batismo de arrependimento para
remissão dos pecados. Saíam ao seu encontro todos os da província da Judeia e todos os habi-
tantes de Jerusalém e eram batizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. João
vestia-se de peles de camelo e trazia uma correia de couro à cintura; alimentava-se de gafanhotos
e de mel silvestre.
E pregava assim: «Depois de mim vai chegar Outro que é mais forte do que eu, diante de Quem
não sou digno de me inclinar para desatar as correias das sandálias. Eu batizei-vos em água, mas
Ele há de batizar-vos no Espírito Santo.»

a) A promessa no início
preparado por uma multiplicidade de anún-
cios. Renova-se de cada vez que nos deixa-
A liberdade autêntica tem origem num cha- mos envolver pela Palavra. O início do “Feliz
mamento de Deus e numa exigência interior Anúncio” vem do fundo dos tempos através da
que leva a obedecer a esse chamamento. Com voz do profeta Isaías. Deus prepara o seu povo
efeito, não há desejo mais forte do que o de desde tempos imemoriais para o acolhimento
corresponder ao Amor que Se revela. O Evan- do seu Filho pelo anúncio de uma promessa:
gelho da Natividade segundo São Lucas situa a Ele enviará um mensageiro para «preparar o
origem desta revelação no sinal do nascimento seu caminho», porque Deus virá em pessoa
de um Menino. O Evangelho segundo São Mar- libertar o seu povo. Com esta promessa, Deus
cos propõe-nos um outro início: o “Feliz Anún- oferece ao homem a possibilidade de aceder
cio” de Jesus Cristo, Filho de Deus. Este início a uma obediência autêntica: toda a Judeia e
é uma ressonância nunca ouvida da Palavra todos os habitantes de Jerusalém se dirigem a
de Deus no seio da nossa humanidade. Foi João!
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b) A obediência à Palavra tro que é mais forte do que eu». O mensageiro
O mensageiro anunciado faz ressoar no deserto anunciado torna-se o anunciador d’Aquele que
o apelo para preparar os caminhos do Senhor: «batizará no Espírito Santo.» Se é verdade que
João proclamava um batismo de conversão João nos pode chamar a preparar o caminho
para o perdão dos pecados. O acolhimento da do Senhor ele, no entanto, não tem capacidade
promessa conduz a uma mudança radical de para desatar as correias das sandálias d’Aquele
perspetiva: já não se trata de seguir os camin- que batiza no Espírito Santo. Não poderia fazer
hos pessoais, de elaborar estratégias para rea- esse gesto de escravo, pois que há tanta dife-
lizar a nossa vida segundo os nossos pontos de rença entre o batismo na água e o batismo no
vista, mas de preparar os caminhos do Senhor, Espírito, como a que existe entre um ato huma-
a fim de que Ele mesmo seja o nosso guia na no e um ato divino. Só o Filho batiza no Espírito
via da salvação. Isto exige, num primeiro tem- Santo, que é plenitude de vida e de comunhão
po, reconhecer o nosso pecado, a nossa recusa com Deus. Nós próprios, batizados neste Es-
em obedecer à Lei, a aceitação dos limites da pírito, recebemos a graça de morrer para o
nossa situação de criaturas. É necessário virar pecado para viver em Jesus Cristo (cf. Rm 6,11).
costas às ambições do mundo e tomar o ca- Tal é a fonte da nossa vida em Deus. Preparar
minho do deserto. O principal pecado que a os caminhos do Senhor é beber nessa fonte
Escritura denuncia desde as primeiras pági- para vivermos como filhos de Deus. É confiar
nas do Génesis é, com efeito, o da avidez: a à ação do Espírito Santo, recebido no batismo,
recusa do limite que conduz a não respeitar a condução da nossa vida pelas vontades do
o próprio corpo e a não respeitar os outros, Pai. À vista de tal vocação, nada mais podemos
violência que gera a vontade de se ser todo- fazer senão crer, esperar e amar Aquele que
poderoso, esquecimento do dom de Deus sob é o Único nos pode unir a Si. Para isso é que
a influência da concupiscência… Desejosos Ele Se une a nós na infinita pobreza da nossa
de uma liberdade que só Deus pode dar, to- condição de criaturas. Essa é a nossa glória, se
dos então abandonam os seus caminhos para consentirmos em acolher nela o nascimento
serem batizados no deserto por João Batista, prodigioso do Fiho: Aquele que nos batiza no
cuja vida testemunha a rejeição de toda a Espírito Santo faz da nossa pobreza a sua
avidez. morada!
c) Liberdade e batismo no Espírito

Então o início do “Feliz Anúncio” ressoa de ma- Fr. Olivier Rousseau OCD (Convento d’Avon)
neira renovada: «Depois de mim vai chegar ou-

3. As 3 pistas semanais
• Acolher o irromper sempre novo da Palavra para nos deixarmos envolver pela graça do
«início».
• Para isso, a que tipo de descentramento de mim próprio/a sou chamado/a para preparar,
não os meus caminhos, mas os caminhos do Senhor?
• Fazer memória do meu batismo no Espírito, para nele beber a liberdade de viver segundo
o querer de Deus

4. Uma palavra para meditar


«Que buscarei no céu e na terra, senão agradar ao meu Deus e abandonar-me inteiramente a Ele?»
(Verdadeiros Exercícios)

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Rezar em cada dia da semana - Semana 2

Segunda 7 de dezembro: Imaculada Concepção


Dizei aos corações perturbados: tende coragem, não temais.» (Is 35, 4)

Se achamos dificuldades em alguma coisa, é porque amamos muito pouco a Deus.


Nunca devemos cessar de Lhe dar graças!

Meditando as leituras deste dia e o texto que mais me tocou, posso perguntar-me:
como é que eu vou buscar força à Palavra de Deus?

Terça-feira 8 de dezembro: Maria, mãe amorosa


«Alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» (Lc 1,28)

Ó gloriosíssima Virgem Maria, dulcíssima Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, minha
boa advogada, tende piedade de mim, pobre e miserável pecador/a.

A Virgem Maria está junto de mim: acompanha-me, é mais forte do que o


pecado… esta certeza acompanha-me ao longo do dia

Quarta-feira 9 de dezembro: Confie nosso fardo a Ele


Vinde a Mim vós todos os que andai cansados e oprimidos. (Mt 11, 28-30

Se O procurarmos só a Ele, a nossa consolação será plena. (…) Coragem, minha


Madre, a vida é breve e a recompensa é eterna. (Vie de Mme Acarie, Bernard Sesé,
p. 116)

Voltarmos para Deus dá-nos forças: confio-Lhe o fardo que me preocupa neste
momento para o viver juntamente com Ele. « Retour du fils prodigue »,
Pompeo Batoni

Quinta-feira 10 de dezembro: A alegria de amá-lo


«Tu exultarás no Senhor; gloriar-te-ás no Santo de Israel.» (Is 41, 15)

Vós sois a amável Luz e a única Alegria da minha alma.


(Vie de Mme Acarie, B. Sesé, p. 143)

Ao longo de todo este dia abro o meu coração ao louvor, e transformo os meus
maus pensamentos em ações de graças.

Sexta-feira 11 de dezembro: Caminhe atrás Dele


«Eu te conduzo pelo caminho que deves seguir.» (Is 48, 17-19)
Meu Deus, Quem sois vós e quem sou eu? Vós sois o meu Bem-Amado, Vós sois a
vida da minha alma, vivificai-me, suplico-Vos. (Vie de Mme Acarie, B. Sesé p. 45)

Em que é que a Palavra de Deus deste dia me vivifica e me faz dar fruto?
« Arrivée du Christ à Jérusalem », Pietro Lorenzetti, 1320

Sábado 12 de dezembro: Prepare a sua visita


Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas:
toda a criatura verá a salvação de Deus. (Versículo do Aleluia)

Preparai o meu coração, Senhor, preparai o meu coração.


Será que a minha abertura interior à vinda de Deus é luz para os meus irmãos?

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