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ESBOÇO DE PREENCHIMENTO – LIVRO DIDÁTICO

Nome da Disciplina: Historiografia


Nome do Professor: Ulisses Monteiro Coli Diogo

MENU DE ÍCONES

Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do


conteúdo aplicado ao longo da apostila, você irá encontrar ícones ao lado dos
textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do
conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir:
SUMÁRIO
UNIDADE1 O que é Historiografia?

1.1.História e Historiografia
1.2. O que caracteriza uma obra de História?
1.3. O historiador entre a objetividade e a subjetividade

UNIDADE2 A Escola dos Annales

.1 Apresentação
.1 A Primeira e a Segunda Geração dos Annales
.1 Lucien Febvre e o conceito de civilização
.1 Marc Bloch e a história total
.1 Fernand Braudel e as durações
.1 Proposições metodológicas dos Annales

UNIDADE 3 A renovação marxista inglesa

3.1. Apresentação
3.2. O paradigma téorico-metodológico marxista
3.3. Thompson e a crítica à relação base x superestrutura

UNIDADE 4 A História Cultural

4.1. Apresentação
4.2. Antecedentes teóricos
4.3. Terceira e Quarta geração dos Annales
4.4. A micro-história a partir de Ginzburg e Levi
4.5. A Nova História Política e Cultural
4.6. Conclusão

UNIDADE5 Pós-modernidade e História

5.1. O que é pós-modernidade


5.2. Foucault e Nietzsche
5.3. O conceito de represetnação
5.4. Hayden White e a questão das narrativas

UNIDADE 6 Koselleck e Rüsen: respostas a pós-modernidade?

6.1. Qual o lugar da História na atualidade?


6.2. A História dos Conceitos
6.3. A resposta de Rüsen a Hayden White
6.4. Conclusão
CONFIRA NO LIVRO

Na primeira Unidade, “O que é Historiografia?” você


aprenderá o significado do termo Historiografia. Também
será feito um debate sobre sua função e importância para
a construção do conhecimento histórico, as formas de
produzir e a relação com o conhecimento científico..

Para a segunda Unidade, “A Escola dos Annales”, você


estudará essa importante tradição historiográfica
francesa, surgida em fins da década de 1920. Iniciada por
Marc Bloch e Lucien Febvre, seus pressupostos teóricos e
metodológicos influenciaram variados debates para a
Historiografia.
Em “A renovação marxista inglesa”, serão apresentados
nomes como Eric Hobsbawm e Edward Palmer
Thompson. Esses historiadores se contrapunham a
tradição marxista ortodoxa, calcada na relação de
dependência ao fator econômico para explicar a
realidade. Suas propostas envolviam análises de
formação das classes trabalhadoras a partir de vieses
culturais e sociais.
A partir da década de 1960 surge no meio historiográfico
uma vertente culturalista, apoiada num intenso debate
com a filosofia, a antropologia e a lingüística. Na Unidade
“A História Cultural”, o objetivo é identificar um momento
da Historiografia, onde o foco das análises se concentra
na forma como as sociedades se constituíram, do que
uma escola, movimento ou paradigma definidos.
Em “Pós-modernidade e História”, será descrita a crítica
da modernidade, latente em meados o século XX.
Abrangente, envolve a arte, as ciências como um todo, a
política, dentre outros fatores. Nas Ciências Humanas e
Sociais, ganha força em fins da década de 1960,
momento também conhecido como “crise dos
paradigmas”. Para a História, uma de suas posições
revela uma aproximação com a Literatura, principalmente
pelo historiador Hayden White.
Por fim, em “Koselleck e Rüsen: respostas a pós-
modernidade?” serão apresentados os pressupostos
teóricos e metodológicos desses dois historiadores
alemães, que fornecem uma interessante resposta à pós-
modernidade. Koselleck apresenta a História dos
Conceitos como uma nova forma de relacionar História e
Literatura e Rüsen demonstra que a literatura é a
importante como a forma expressiva do saber histórico.
INTRODUÇÃO
O QUE É HISTORIOGRAFIA? - UNIDADE 1

PÁGINA ESQUEMÁTICA
1.1 – HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA

O que é História? Essa é uma pergunta que em algum momento, a partir


dos estudos do tema, surge em nossa formação. De difícil solução, integra a
realidade dos estudiosos do assunto, e assim, compreender o que é a História
como forma de conhecimento sobre o passado se torna essencial em sua
trajetória como historiador. Na disciplina de “Introdução aos Estudos Históricos”
esse foi um dos debates realizados e que procurou apontar como teóricos e
historiadores se referem ao campo do conhecimento. Agora, seguiremos esse
debate, porém, com algumas pequenas diferenças.
Admitindo as diversas possibilidades que existem de se tratar do
passado, aqui teremos como ponto de partida a tradição da História que
resultou no formato atualmente debatido nas Universidades, considerada como
científica. De maneira objetiva, pode-se afirmar que o que hoje se concebe
como História nas Academias e Universidades é um estudo de caráter
científico e orientado metodologicamente sobre o passado. Mas a história
sempre teve esse formato hoje conhecido e estudado?
Nos modelos de historiográficos influenciados pela lógica ocidental,
ponto de partida utilizado de nossos estudos, a ideia da existência de uma
História com essas características remonta o desenvolvimento das ciências
modernas, aproximadamente a partir do século XVIII. Foi nesse período que
ela adquiriu atributos de uma disciplina especializada, a partir do modelo das
Ciências Naturais e Exatas, que tiveram grande repercussão. Portanto, em
“Introdução aos Estudos Históricos”, o objetivo da disciplina foi encontrar
questões acerca dessa origem, os tipos de abordagem (mitológica,
estruturalista, moderna, antiquarista, marxista...), seu caráter científico ou não,
as possibilidades de interdisciplinaridade dentre outros aspectos.
Mas qual o objetivo da disciplina “Historiografia”? Além de estudar os
pressupostos teóricos, ela também busca analisar a História criticamente a
partir de sua própria trajetória e construção no tempo. No dicionário on line
Michaelis, o verbete “Historiografia” apresenta dois significados para a palavra:
1 A arte de escrever a história, a ciência que estuda os eventos
passados.
2 Estudos críticos sobre a história e os historiadores.1
1
HISTORIOGRAFIA, In: MICHAELIS, Dicionário on line de português. Disponível em
https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/historiografia/. Acessado
Na primeira significação, o dicionário aponta para uma definição
etimológica da palavra. Dessa maneira, a Historiografia é compreendida como
o estudo do ato de escrever a História. Ela aponta o exercício da função em si,
que se comprova na sua prática. Porém, na segunda definição é apresentado
outro sentido para o termo, que indica uma prática sobre a História: o exercício
crítico que é feito às obras produzidas e aos indivíduos que a realizam. E como
essas definições podem ser úteis?
A História como forma de produzir e transmitir conhecimento tem sua
própria trajetória. Essa história da História é repleta de debates e
reformulações sobre a natureza do conhecimento que ela própria produz.
Assim, pode-se afirmar que seu conhecimento efetuado é debatido e
reavaliado por seus pares no decorrer do tempo. Tal fato acaba por reafirmar a
História como campo de estudos e também por interferir nos seus debates, sua
teoria, sua metodologia e objetos de pesquisa. De acordo com o historiador
Jurandir Malerba:
O caráter auto-reflexivo do conhecimento histórico talvez seja o maior
diferenciador da História no conjunto das ciências humanas. [...] o
trabalho do profissional de história exige um exercício de memória, de
resgate da produção do conhecimento sobre qualquer tema que se
investigue. Não nos é dado supor que partimos de um “ponto zero”,
decretando a morte cívica de todo um elenco de pessoas que, em
diversas gerações, e à luz delas, voltou-se a este ou aquele objeto
que porventura nos interessa atualmente. (MALERBA, 2006, p. 15)

Portanto, segundo o autor, essa incessante reavaliação é inerente a


realização da História. O exercício da prática historiográfica parte desse diálogo
com seus iguais e do que foi produzido, sendo essa uma das principais
características de um trabalho de História. Ainda de acordo com Malerba, ao
analisar o que foi produzido anteriormente e assumir isso como prática, os
historiadores acabam também por elevar “a crítica historiográfica a fundamento
do conhecimento histórico.” (MALERBA, 2006, p. 15) Ou seja, reavaliar e
compreender a trajetória da história se torna parte do que é ser historiador,
fundamento do exercício. Portanto, essa característica da Historiografia é
importante por alguns motivos, dentre os quais é possível destacar:

em 21/08 às 15:55 h.
 Reorienta e traz para a prática historiográfica novidades teóricas e
metodológicas.
 Possibilita a revisão de temas anteriormente debatidos com novas
interpretações, não os deixando como verdades estabelecidas ou
versões finais.
 Demonstra as características de tempo e espaço correspondente a cada
historiador e do contexto em que a obra foi produzida.

Outra característica da História como campo do conhecimento útil à


discussão, é que não existe uma completa superação daquilo que foi debatido
e analisado em outras épocas. Diferente de outros campos do conhecimento,
como em áreas mais voltadas a desenvolvimento tecnológico, por exemplo,
uma conclusão ou objeto produzido num tempo passado normalmente não é
completamente deixado de lado. O conhecimento e a tecnologia utilizadas na
produção de um artefato tecnológico, como um computador, é facilmente
esquecido quando superado. Um celular mais antigo, mesmo que utilize
fundamentos tecnológicos semelhantes aos mais atuais, raramente tem
utilidade depois de ter surgido um mais moderno. Tal fato não pode ser
compreendido de maneira semelhante na História e também nas Ciências
Humanas e Sociais.
Mesmo que em certos estudos novas fontes ou procedimentos
metodológicos possam mudar a orientação e o entendimento sobre um
determinado assunto, nem sempre uma obra é completamente superada.
Obras escritas anos atrás ainda contribuem e compõem o debate
historiográfico de forma relevante, seja em aspectos metodológicos, filosóficos,
teóricos ou temáticos. Assim, se algum elemento do debate pode ser
abandonado, o tipo de abordagem diz algo sobre aquele tempo. Antes de
superação, há na História e nas Ciências Humanas em geral, a existência de
um debate crítico, onde as conclusões indicam o rumo das discussões e não
encerram completamente as ideias.

Apresentado o papel da Historiografia, ainda restam duas questões: o


que caracteriza uma obra de História? Qual o papel do historiador e da
subjetividade no exercício da História? No decorrer da presente Unidade, o
objetivo será responder a essas duas questões.

1.2 – O QUE CARACTERIZA UMA OBRA DE HISTÓRIA?

Como apontado até aqui, a Historiografia tem a capacidade de refletir o


conhecimento realizado pela História. Assim, faz parte do seu papel definir
quais critérios tornam uma obra relevante para o meio. Um primeiro aspecto, e
que aparentemente é simples, se refere à intenção do autor. Para ser uma obra
História, deve referir-se ao passado em relação ao humano como assunto. Mas
apenas tratar do passado é suficiente para determinar se é uma obra de
História?
Ao falar do passado, uma pesquisa ou estudo também deve ter um
compromisso com a realidade daquilo que foi ocorrido. Ou seja, não basta se
referir ao passado, mas também da necessidade de retratar algo verossímil.
Essa segunda característica, por exemplo, permite diferenciar obras que
utilizam elementos do passado como uma espécie de pano de fundo de outras
que pretendem retratar um momento histórico. Obras que tem um caráter mais
literário, e sem compromisso de relatar fielmente o que ocorreu no passado,
mas sim de entreter ou expressar uma visão artística.
São inúmeros romances, filmes, séries de televisão e novelas que
utilizam uma espécie de pano de fundo histórico, sem necessariamente ter
compromisso com o passado. Existem, de outra forma, produções que buscam
refletir a História com certa fidelidade, que tem envolvimento com o real, mas
mesmo assim tem elementos ou personagens de ficção. Outras ainda utilizam
personagens e elementos reais, porém adaptam o roteiro para que a história
siga uma trajetória desejada. Como exemplos dessas diversas formas de
referência artística ao passado podemos citar: O Nome da Rosa, livro de
Umberto Eco, que originou o filme; o romance A Escrava Isaura de Bernardo
Guimarães, que inspirou novelas, o livro Olga do jornalista Fernando Morais,
que resultou no filme, dentre outros.
É importante também, a partir desse aspecto, lembrar que não apenas
pesquisadores ligados a universidades e centros de pesquisa produzem
conhecimento e debates relevantes para a Historiografia. Um exemplo é Paulo
César de Oliveira, autor de obras como Eu não sou cachorro não: música
popular e cafona na ditadura militar e Roberto Carlos em detalhes, que mesmo
com formação acadêmica atua na rede pública de ensino e quando produziu
essas obras não tinha vínculo ativo com centros de pesquisa ou universidades.
Não se pretende afirmar que apenas aquilo produzido e está de acordo
com o debatido nas academias deve ser tratado como conhecimento válido do
passado, mas sim diferenciar seus objetivos e formas de construção. Até
mesmo uma obra de ficção pode apresentar elementos históricos verdadeiros e
trazer reflexão e aprendizagem. Na verdade, para a História acadêmica, essa
busca é oposta: de forma alguma se pode estabelecer um estudo ou obra
como dado absoluto. O exame crítico das fontes deve permitir revisões, novas
metodologias e abordagens devem ser consideradas, assim como o
surgimento de novas fontes. É exatamente esse o papel da Historiografia!
Abordagens do passado produzidas fora dos parâmetros científicos não
fazem um determinado livro, texto ou filme mais ou menos dignos em suas
representações, mas demonstram diferentes formas de interpretações do
passado. Porém, no caso particular da História que aqui estudamos, com
pretensões científicas, que busca informar a sociedade e trazer resoluções
sobre fatos ocorridos, é necessário outro olhar. O historiador alemão Jörn
Rüsen ao comentar sobre as características da pesquisa histórica, diz que ela
é “... é o passo metodicamente regulado, e por isso intersubjetivamente
controlável, das respostas possíveis às reais” (RÜSEN, 2007, p. 105). A
palavra intersubjetivamente indica o sentido que Rüsen pretende dar à prática
historiográfica: ela depende da subjetividade daquele que a produz, mas não a
ponto de se afirmar a partir de uma única visão. Precisa estar em debate e em
conjunto com a sociedade para ser validada.
Dessa maneira, tem-se a terceira característica que é possível apontar
para que uma obra possa ser considerada como relevante para a História: além
de tratar de um passado, que é verossímil, deve ser submetida à crítica e,
principalmente, ao diálogo com os pares. Por que são importantes o diálogo, a
crítica e consequentemente a uma metodologia específica?
Como já afirmado, essas práticas compõem os fundamentos do
conhecimento histórico. Mas não é só isso. O historiador nunca consegue
atingir o passado completamente e seus estudos resultam de uma espécie de
“interpretação de interpretações” que alguém faz de um fato ocorrido. De
maneira simplista, é como se existisse uma inevitável barreira entre o
pesquisador e aquilo que aconteceu. Assim, os processos metodológicos e
teóricos permitiriam ao pesquisador ver nas brechas dessa barreira partes
daquilo que ocorreu; e a metodologia e a teoria auxiliariam a montar uma
espécie de quebra-cabeças sobre o passado analisado.
A partir desse diálogo entre os iguais, das comparações de obras, e do
desenvolvimento de teorias e metodologias é possível conter distorções e
interpretações demasiadamente parciais ou que fogem do que habitualmente é
debatido. Isso também não significa que reviravoltas interpretativas não
possam ocorrer, mas que para elas aconteçam devem ser submetidas a um
profundo exame realizado pelo meio historiográfico. Destarte, a História pode
ser considerada um campo do conhecimento em constante construção, onde a
crítica e o debate interno, se não são capazes de nos trazer a verdade sobre
fatos passados, auxiliam a olhar criticamente para as interpretações que
fazemos do que ocorreu.

1.3 – O HISTORIADOR ENTRE A OBJETIVIDADE E A SUBJETIVIDADE

A subjetividade do pesquisador torna a História (e também as Ciências


Humanas e Sociais) diferente de outros campos do conhecimento,
principalmente aqueles associados ao modelo científico solidificado nas
sociedades a partir do século XVIII. Por não conseguir isolar e mensurar os
elementos da pesquisa, como faz um físico, biólogo ou engenheiro, os
estudiosos da sociedade precisam encontrar outros meios epistemológicos
para atingir seus objetivos. Em consequência seus resultados também terão
naturezas e conclusões divergentes do modelo científico utilizado por outros
campos do conhecimento, onde conclusões objetivas acontecem com mais
frequência.
Mas como chegamos a conclusões sobre um tema, já que é impossível
estabelecer versões definitivas das histórias que contamos? É possível a
História trazer resoluções imutáveis para a sociedade? Apesar da dificuldade
em construir verdades objetivas, pois o conhecimento construído pela História
se dá por debates e interpretações, é possível destacar dois aspectos: o
primeiro se refere aos fatos. Ou seja, ocorridos como uma morte ou uma guerra
não podem ser veementemente negados. Pode-se debater as circunstâncias
de um evento, as intenções de quem participa, mas dificilmente negar sua
ocorrência. Essa é a parte mais objetiva produzida pelo conhecimento
realizado do passado.
O segundo aspecto que é possível observar, e essencial ao presente
debate, se remete a subjetividade do historiador. Um mesmo tema pode ser
entendido de diferentes formas, e isso não necessariamente significa um
problema. Ao admitir que não conseguimos respostas finais ou sempre
concordantes para o passado que estudamos, demonstra como a sociedade é
dinâmica, assim como sua história. Dependendo da distância que se tem de
um passado analisado e das condições do pesquisador, as questões sobre ele
mudam. Esse aspecto é importantíssimo para um debate ao qual devemos
submeter todo e qualquer tipo de conhecimento que se pretende científico.
Uma das funções da ciência em todos seus diferentes campos é trazer
resoluções para a sociedade. Essas resoluções se dão através de
paradigmas, que são constituídos através dos resultados provenientes dos
estudos. Eles funcionam como regras ou padrões, que orientam o
conhecimento produzido, mas são ao mesmo tempo passíveis de críticas e
mudanças, realizadas no próprio debate científico.
A Química, a Biologia, a Computação ou qualquer outro campo de
conhecimento têm paradigmas que determinam a forma de pensar e estudar
seus assuntos, ao mesmo tempo existe uma incessante busca de superação
FIQUE ATENTO: O termo paradigma é essencial para compreendermos o
ou de outros pontos de vista que podem modificar aquele saber. Essa é
desenvolvimento histórico das ciências. Um dos principais estudiosos do
inclusive uma espécie de vantagem que a ciência tem perante outros campos
tema foi o físico e filósofo Thomas Kuhn, e suas contribuições são utilizadas
do saber, como a religião e a tradição. Seu debate interno e a incessante busca
para debates em diversos campos do conhecimento. Segundo ele:
por novos conhecimentos não permitem a construção de um saber definitivo e
Com a escolha do termo (paradigma) pretendo sugerir que alguns
imutável. Nunca há apenas umaaceitos
exemplos resposta
na certa.
prática Os paradigmas
científica se modificam,
real – exemplos que
incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e a
são substituídos, são revisados, o que
instrumentação faz da ciência
– proporcionam um saber
modelos dinâmico
dos quais e que
brotam as
tradições coerentes e específicas da pesquisa científica. São
muitas vezes busca responder as necessidades
essas tradições e dilemas
que o historiador dacom
descreve sociedade.
rubricas como:
‘astronomia ptolomaica’ (ou ‘copernicana’); ‘dinâmica aristotélica’
(ou ‘newtoniana’); ‘ótica corpuscular’ (ou ‘ótica ondulatória’).
(KHUN Apud CAPUTO, p. 189)

Para a ciência, o paradigma pode ser considerado um modelo


explicativo que existe num determinado campo do conhecimento, e os
debates e usos que surgem em sua função, determinam rumos teóricos,
metodológicos e até temáticos.
No caso da História, através dessa busca por resoluções e paradigmas,
nos é permitido dizer, por exemplo, se houve ou não escravidão, se houve ou
não nazismo, se houve ou não ditadura no Brasil, se existe ou não racismo,
dentre outros. Exatamente aí reside a importância dos processos teóricos e
metodológicos que permitam revisar as práticas e aquilo que durante algum
tempo foi tido como verdade a partir do campo do conhecimento e se modificou
perante novas situações. Procedimentos epistemológicos específicos para a
História são essenciais para não nos tornar reféns de uma única versão dos
fatos ocorridos, de versões parciais ou distorcidas. Esse fator também serve
para diferenciar opinião de conhecimento debatido e referendado.

BUSQUE POR MAIS: Para mais informações sobre o conceito de


paradigma em Thomas Kuhn, consulte o capítulo “6.3 – Kuhn e a noção
de paradigma: a dinâmica do pensamento científico”, da obra Tópicos em
epistemologia, disponível na sua Biblioteca Virtual pelo link:

https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/176305/pdf/0?
code=WoOk7MFZKsti//RyUVJh7IXmR7nTR6sqKem0S7xYZpoxGxklub+Xs
tIrJ34HAEJ6JLP046YBH0Dq0D/KW8qlOA==

Um exemplo bem claro e que pode ser apontado de como ocorrem


essas práticas se refere ao que por muito tempo foi tratado pela História oficial,
e consequentemente reafirmado pela a sociedade se refere ao tema do
“descobrimento” do Brasil. Diversos estudos e livros tratavam esse assunto
como verdade dada, reafirmado pela Historiografia e reproduzido na sociedade.
Com o passar do tempo, novos estudos, inovações epistemológicas,
reinterpretação de fontes e surgimento de outras passaram a apontar outra
visão sobre o assunto. O que, por muito tempo foi tratado como
“descobrimento”, um ato heróico dos portugueses, passou a ser reinterpretado
como “conquista”.
Se compararmos os livros didáticos de 30 anos atrás com os atuais,
veremos claramente modificações na forma como esse tema é debatido. Não é
mais apresentada aos alunos a visão de que o português chegou num lugar
sem “civilização” ou “cultura”, onde apenas marcaram sua presença e tomaram
posse dessas terras. Por outro lado, são apontados os conflitos e disputas,
além da transformação cultural e do espaço a partir da chegada dos europeus
no território que se tornou o Brasil. Tal mudança de abordagem é resultado de
uma revisão crítica, possibilitada pelo diálogo que a História faz do que produz
e uma clara demonstração que ela não é um campo do conhecimento que cria
axiomas e verdades estabelecidas.
Dessa maneira, reitera-se a importância para quem se forma como
historiador de ter consciência da diferença de um determinado conhecimento
produzido que é ou não submetido à crítica dos seus pares. No exemplo dado,
ainda é comum escutarmos opiniões que afirmam que o processo colonial só
teve benefícios ao Brasil e as populações que foram envolvidas nele. Que o
europeu trouxe a civilidade e o conhecimento. Esse tipo de visão obscurece
estigmas da submissão dos povos originários da região que acabou se
tornando o Brasil, assim como dos africanos que foram escravizados e trazidos
para cá. Uma opinião sem debate pode distorcer conhecimentos produzidos e
obscurecer realidades ou outras visões sobre um tema.
Ao mesmo tempo a defesa de uma prática historiográfica científica não
pode limitar a compreensão do passado apenas a visão que ela oferece.
Diferentes formas de refletir o passado também podem compor o debate e
serem válidas, através da arte, do jornalismo, da produção de memórias, dos
debates que ocorrem na sociedade. Cabe ao historiador demonstrar suas
diferenças, a importância da crítica e do debate, numa expressão que seja
válida a todos. Desta maneira evita-se também que o debate historiográfico
fique preso as academias e não atinja a sociedade, respondendo à seus
anseios.

VAMOS PENSAR:Para refletir sobre as questões citadas, associando-


os a suas ações, seja no ambiente profissional ou cotidiano

Um outro fator importante é que um modelo teórico dentro de estudos


sobre a sociedade não exprime apenas uma forma de se pensar a escrita da
história mas também uma visão de mundo. É fácil, em nossa
contemporaneidade, encontrarmos diversas opiniões sobre os mais variados
temas históricos que partem não de um debate acadêmico profundo. Diversas
produções literárias, entrevistas, programas de televisão, matérias jornalísticas,
revistas, filmes, tratam de temas históricos expondo visões sobre o passado.
Ainda que esse conhecimento seja válido, não pode ser considerado imune ao
debate e a produção historiográfica produzidos.
Um exemplo que teve bastante repercussão no Brasil durante os últimos
anos se refere aos “Guias politicamente incorretos” lançados pela editora Abril.
Eles abordam diversos temas relativos a História do Brasil, Socialismo,
escravidão, América Latina, dentre outros. Em sua maioria foram escritos por
jornalistas e outros profissionais, como Eduardo Narloch, Duda Teixeira e Luiz
Felipe Pondé. Em seus conteúdos normalmente são colocadas em dúvida
visões e resoluções já debatidas na academia e meios sérios, mas que mesmo
assim adquirem respaldo e força em suas conclusões.
Apoiados em um momento de polarização política que reflete as
questões da sociedade, exprimem visões que reforçam estereótipos e visões
racistas. A partir de uma visão eurocêntrica da História, justificam, em seus
discursos e formas, o processo de formação do Brasil como natural ou
benéfico. Nessas obras, também são observados erros metodológicos,
principalmente no que se refere às fontes, não submetidas à críticas ou
tomadas de maneira parcial. O historiador Jurandir Malerba escreve um artigo
sobre o tema, denominado “Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve
a História?: uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não
acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre Public History”, onde debate a
relação entre historiadores leigos profissionais com o conhecimento produzido
e ofertado ao público em geral. No presente texto, se dirige diretamente a
diversas obras, sendo uma delas o Guia Politicamente Incorreto. Vale a pena a
longa citação:

Radicalizando e potencializando as características da escrita histórica


feita por historiadores leigos no Brasil, em 2009 apareceu um livro
que logo entrou para a lista de best-sellers, alcançando a marca de
mais de 100 mil exemplares vendidos em poucas semanas. Trata-se
do Guia politicamente incorreto da história do Brasil, de Leandro
Narloch (2009). Do ponto de vista da produção da escrita histórica, o
texto se apoia na historiografia disponível, ora para corroborar seus
argumentos, ora para detratá-la quando dela discorda. Sob a
bandeira do “politicamente correto”, mal se disfarça uma visão
altamente conservadora, quando não reacionária, retrógrada,
eurocêntrica e preconceituosa da/sobre a história do Brasil. Por
exemplo, em relação a negros e índios, Narloch reproduz uma
interpretação típica das classes senhoriais brasileiras do século XIX
segundo a qual a construção do Brasil foi obra de europeus
(portugueses) e o Brasil fez-se quase que apesar da existência de
negros e índios.22 Segundo essa interpretação, baseada numa
filosofia iluminista e hegeliana da história, de acordo com a qual a
civilização europeia estaria na ponta de um processo civilizatório
único, teleológico e universal rumo à perfectibilidade humana – e,
portanto, aos europeus caberia levar as luzes de sua civilização aos
povos mais atrasados –, a melhor coisa que aconteceu com os índios
brasileiros e com os negros trazidos de África foi seu encontro com os
portugueses, seus verdadeiros libertadores. Não vou rebater essas
inverdades, replicando com historiografia, pois não é disso que se
trata, mas aguça a curiosidade intelectual pensar na razão do
aparecimento de “leituras” tão francamente conservadoras numa
época como a que vivemos, quando se discute socialmente e se
aplicam no Estado diferentes políticas de inclusão racial e social.
(MALERBA, 2014, p. 38)

Acesse o texto na íntegra pelo link:


https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/download/692/466/

BIBLIOGRAFIA
MALERBA, Jurandir. “Teoria e história da historiografia”. In: MALERBA,
Jurandir. A história escrita: teoria e história da Historiografia. São Paulo,
Contexto, 2006.

MALERBA, Jurandir. “Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a


História?: uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não
acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre Public History”. In: História da
Historiografia. Ouro Preto, no 15, p. 25-70, agosto de 2014.

MICHAELIS, Dicionário on line de português. Disponível em:


https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues.

RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado. Trad.: Asta-Rose Alcaide, Editora da


Universidade de Brasília, Brasília, 2007.

.
Glossário

FIXANDOOCONTEÚDO

Exercícios de Fixação com 8 questões de múltipla escolha (por unidade),


Questões para concursos etc..
Serão colocados no final de cada unidade.
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Não utilizar questões que induzam ao erro
(EXCETO/INCORRETA)
Cada questão deve conter 5 alternativas com apenas 1 correta.

A ESCOLA DOS ANNALES – UNIDADE 2 (NOME)


PÁGINA ESQUEMÁTICA

2.1 APRESENTAÇÃO
A Escola dos Annales é um movimento historiográfico originado na
década de 1920, na Universidade de Estrasburgo, localizada no nordeste da
França. Concebida por Marc Bloch e Lucien Febvre, seu início ocorreu com a
criação de um periódico, o Annales d’historie économique et sociale, no qual
os historiadores propuseram uma crítica a alguns modelos historiográficos que
tinham maior repercussão em fins do século XIX. Esse movimento é
considerado por muitos historiadores como renovador por suas propostas
teóricas e metodológicas.
Um dos aspectos mais notórios do movimento dos Annales é a
valorização de procedimentos metodológicos relativos à análise de fontes,
ampliando suas possibilidades de uso e interpretação. Outra característica
importante é que por se colocarem uma escola, os Annales não tem um único
paradigma teórico que os norteie, mas sim seguem uma espécie de orientação
metodológica. Assim, existe entre seus componentes uma diversidade de
paradigmas teóricos, discussões e até discordâncias entre seus membros. De
acordo com o historiador José D’Assunção Barros, paradigmas e escolas,
mesmo que muitas vezes confundidos, não significam a mesma coisa. O autor
trata de tal questão para justificar a expressão “Escola dos Annales”.
Como já debatido na unidade anterior, o paradigma, para a ciência,
pode ser entendido como uma resolução de um determinado campo do
conhecimento, que serve como referência e é amplamente utilizado e
veiculado. De outra forma, a escola, no sentido do termo aqui aplicado, pode
ser definida como:
... um certo programa de ação, uma determinada identidade que se
forma, um campo de escolhas (teóricas, metodológicas, temáticas,
éticas, associativas, geradoras de inclusão e exclusão) que permite
ao praticante do campo sintonizar-se com outros que a ele se
assemelham nas mesmas escolhas. [...] todos se orientam por certos
princípios em comum, ou compartilham uma espécie de programa
básico com a qual a totalidade do participantes das escola concorda.
(BARROS, 2012, p. 15)

Portanto, não é possível afirmar, por exemplo, quais orientações


teóricas e metodológicas os componentes da Escola dos Annales seguem de
maneira rígida. Ao mesmo tempo podem-se identificar procedimentos que
compõem a forma como praticam a História. Escola, no sentido do termo aqui
aplicado, se refere mais a uma maneira de participar dos debates da
Historiografia do que seguir paradigmas ou pressupostos.
Inicialmente, para Bloch e Febvre, a História precisava romper com a
metodologia e as tradições historiográficas de fins do século XIX e início do
XX, que valorizavam demasiadamente os fatos, principalmente os políticos,
em detrimento de uma visão que abrangesse dos diversos aspectos da
sociedade. Era essa, inicialmente, a preocupação de ambos ao buscar uma
nova visão sobre a História, que de acordo com as circunstâncias, acabou se
tornando um de grupo de historiadores que pretendiam novas formas de
produzir o conhecimento histórico.
Portanto, o objeto da crítica dos Annales pode ser identificado entre três
vertentes: os herdeiros diretos da tradição positivista francesa; setores mais
conservadores da tradição historicista alemã, que eram aqueles mais
preocupados com uma história rigidamente factual e oficial; e o que foi
identificado como Escola Metódica Francesa de História (BARROS, 2012, p.
63), um movimento historiográfico da segunda metade do século XIX, que
assumia posições teóricas e metodológicas para a História advindas do
positivismo de Comte e Durkheim e da influência metodológica do historiador
alemão Leopold Von Ranke. (BARROS, 2012, p. 31)
De acordo com a crítica que Bloch e Febvre fizeram a historiadores
dessas três vertentes, suas obras tinham pouco valor como conhecimento
científico válido, considerados como complemento a outras ciências ou prática
política de apoio aos projetos de nação. Afirmavam também que era uma
História presa aos fatos e que por estar determinada a buscar veracidade e
objetividade, acabavam por encerrar suas possibilidades de compreender a
sociedade de maneira mais ampla. A análise da sociedade ficaria como função
da Sociologia, considerada a principal ciência capaz de expor o funcionamento
dos grupos humanos, a partir principalmente das considerações de Durkheim.
Segundo o historiador José D’Assunção Barros:
Os Annales não elegeram como seu “outro” apenas a Escola
Metódica, mas também procuraram a seu tempo construir a imagem
de se opunham a toda uma historiografia tradicional, diante da qual
podiam se apresentar como uma Nova História. (BARROS, 2012, p.
15)
Mas como ocorreu essa busca por uma Nova História? De início, partiu
de uma crítica ao trabalho de dois historiadores da Escola Metódica: Charles-
Victor Langlois e Charles Seignobos. O texto escrito por esses dois autores,
Introdução aos estudos históricos, em fins do século XIX, havia se tornado
uma espécie guia metodológico para aqueles que estudavam História na
França do período. As principais críticas apontadas por Bloch e Febvre era a
referente ao resultado de outra crítica, feita pelo sociólogo e economista
François Simiand.
Simiand afirmava que a única preocupação metodológica de Langlois e
Seignobos era o estabelecimento e organização dos fatos através da análise
objetiva de seus vestígios (CALDAS, 2011, p. 44). Influenciados pelo
cientificismo objetivista de Ranke e pela lógica frágil do Positivismo, que
afirmava ser a Sociologia a única forma de compreensão do social, a função
da História ficaria restrita a descrever os fatos em suas minúcias.
Principalmente a partir do século XVIII, o conhecimento produzido pela
sociedade ocidental passou por intensas modificações, por conta do
surgimento do Iluminismo. Modificações que estabeleceram o lugar de
importância da ciência e do conhecimento formal, influenciando as formas de
agir do Ocidente. Neste período o conhecimento científico promoveu uma
verdadeira revolução nos modos de vida, na cultura, e nas sociedades como
um todo. Modificações permitidas por avanços tecnológicos, oriundos
principalmente das ciências biológicas e exatas.
O status adquirido pela ciência permitiu que essa nova forma de
entender o mundo fosse tomada como ponto de partida e os modelos
científicos das Ciências Naturais e Exatas, principalmente da Biologia e da
Física, que se tornaram paradigma metodológico de construção de
conhecimento. Nesse período também que diversos campos do conhecimento
reivindicaram um caráter científico, em busca de respaldo e reafirmação de
suas funções para a sociedade. Não diferente disso, as Ciências Humanas
passam a compor esse debate e buscar seu espaço no campo científico. E é a
partir dessa inspiração que os modelos historiográficos do século XIX, alvo de
debates pelos fundadores da Escola dos Annales, vão embasar sua busca
objetiva e descritiva dos acontecimentos.
Ao pretender uma nova prática historiográfica, um dos objetivos de
Bloch e Febvre ao fundar a revista dos Annales, era o de reafirmar o lugar da
história como ciência. Segundo Marc Bloch, em sua Apologia da História ou o
ofício do historiador, sobre o espaço da História como ciência:
Os próprios sociólogos da era durkheimiana lhe dão espaço. Mas é
para relegá-la a um singelo cantinho das ciências do homem:
espécie de calabouço onde, reservando à sociologia tudo que lhes
parece suscetível de análise racional, despejam fatos humanos
julgados ao mesmo tempo mais superficiais e mais fortuitos.
(BLOCH, 2001, p. 51)

No trecho citado, Bloch deixa claro que a história, segundo sua visão,
havia se tornado um “singelo cantinho das ciências dos homens”, lugar onde a
Sociologia e outros campos do saber apenas buscavam informações. Uma das
principais contribuições e que demandou um grande esforço por conta dos
fundadores da Escola dos Annales foi essa busca de reposicionar a História
dentro do campo científico, a partir de seus problemas e metodologias
próprias. E a partir dessa busca, surgiu outra importante contribuição desses
historiadores, a noção de História-Problema.
Além da História-Problema, um outro ponto colocado pelos Annales
como forma de confrontar a história factual e descritiva era a ideia de História
Total. Um debate sobre essas ideias serão desenvolvidos no decorrer da
presente análise. De maneira resumida, pode-se afirmar que a História Total
não é aquela que almeja contar toda a história, mas sim busca analisar a
diversidade de fatores que compõem um determinado evento social, sejam
fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, dentre outros.
A presente Unidade tem como intuito apresentar o que foi, as principais
propostas e como agiam os primeiros historiadores da Escola dos Annales.
Desta forma, no próximo trecho o objetivo será apresentar três dos principais
historiadores desse movimento: Marc Bloch, Lucien Febvre (primeira geração)
e Fernand Braudel (líder da segunda geração). Eles são considerados
elementos fundamentais para a afirmação dos Annales, e analisar suas
trajetórias e propostas é de grande importância para compreender as
dimensões e a importância da Escola para a Historiografia. Por fim, no último
trecho da presente Unidade será apresentado o conteúdo programático
identificado com a Escola dos Annales de maneira pontual, inspirado num
gráfico elaborado pelo historiador José D”Assunção Barros.

BUSQUE POR MAIS


Existe, no YouTube, um interessante canal dedica a Historiografia,
denominado Leitura ObrigaHISTÓRIA e organizado pelo historiador Icles
Rodrigues. Nele existem diversos vídeos sobre os mais variados temas da
História. Um desses vídeos trata da Escola dos Annales:
https://www.youtube.com/watch?v=2IKOIT67ALc
Outra fonte de informações que é possível citar é a obra Teoria da História
Vol. 5: A Escola dso Annales e a Nova História, disponível na Biblioteca Virtual
Pearson, a qual você tem acesso pelo link:
https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/123433/pdf/0?
code=VmpAImJKK2QTdm4BknWSoTDA9s9NGeYEXqnndbnLzt9czAsm/FXkm
drnRUIoOak68bngkkAijf4+Se4xL3qA5g==

2.2 – A PRIMEIRA E A SEGUNDA GERAÇÃO DOS ANNALES

Ao criarem uma revista que tinha como objetivo debater a função da


História e questionar modelos de produção conhecimento, Marc Bloch e
Lucien Febvre não partiram apenas de debates inéditos para o conhecimento
histórico. Na verdade, muitas das questões que ambos apontam também
foram debatidas de maneira semelhante por outros pensadores e em outros
lugares. Como exemplos, podemos citar vertentes do historicismo alemão que
eram mais preocupadas em compreender a função da subjetividade e da
relação entre indivíduo e sociedade, que tinha como Dilthey um de seus mais
expressivos representantes. Outro exemplo são historiadores que buscavam
na cultura os elementos de análise e compreensão histórica, como Jacob
Burckhardt.
A importância adquirida pelos Annales pode ser compreendida não a
partir de um ineditismo (apesar de contribuírem de maneira própria em alguns
temas como o tempo histórico), mas sim pela sua atitude de confronto a um
modelo bastante difundido de produção e compreensão da função da História
e a capacidade de organizar-se em um programa os conteúdos considerados
importantes. Portanto, agora serão apresentadas de maneira breve as
trajetórias e as visões históricas de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand
Braudel. Pretende-se, assim, ressaltar os elementos da concepção histórica de
cada um, principais obras e trajetórias, que ajudaram a delimitar os principais
temas que compõem a identidade da Escola dos Annales.

2.3 – LUCIEN FEBVRE E O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO

Lucien Febvre nasceu em Nancy, no leste da França, em 1878 e


estudou na École Normale Supérieure, onde se formou em História e
Geografia. No ano de 1911 se tornou doutor e em 1919 professor de História
Moderna na Universidade de Estrasburgo, na qual mais tarde irá conhecer
Marc Bloch e lançar a revista Annales d’historie économique et sociale que
deu origem a Escola dos Annales. Dentre as suas obras, as de mais destaque
são Martinho Lutero: um destino (1928), O problema da incredulidade no
século XVI: A Religião de Rabelais (1942) e Combates pela História (1953).
De acordo com Fernand
Braudel, em artigo para a Revista de
História da Universidade de São
Paulo (USP), para Febvre, “segundo
sua fórmula familiar, “a História é o
homem”, um cortejo de personagens,
mas também uma unidade, uma
aproximação necessária dos
contrários” [BRAUDEL, 1965, p. 403].
No trecho citado, é possível notar na
forma como Febvre busca
compreender a sociedade, através de
um paralelo entre o indivíduo e o
coletivo. A expressão “cortejo de
personagens” indica como, dos três
pensadores que serão expostos, Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lucien_Febvre
Febvre é o que mais se aproximou do
indivíduo em suas análises e concepção histórica. A partir da ação pessoal,
buscava os indícios de uma mentalidade que simbolizasse a totalidade.
A busca pela compreensão do todo vai apresentar diferenças nos três
autores aqui abordados. Ela simboliza um ponto importante do programa dos
Annales, e no caso de Febvre, seu combate ao factual se concretiza na ideia
de mentalidade, denominada de “equipamento mental” e também “utensilagem
mental”. Para o historiador, a mentalidade consistiria em um repertório cultural
característicos do tempo onde vive, utilizados de maneira inconsciente, sem
que o indivíduo as perceba, são marcas sociais e coletivas (CALDAS, 2011, p.
51). Assim, de acordo com sua visão, é também possível partir do indivíduo
para o total.
Para Febvre, a ideia de civilização e de mentalidade eram muito
próximas em seus elementos constitutivos. Compreender o equipamento
mental de um grupo humano era conhecer essa sociedade por seus elementos
materiais, políticos, sociais, intelectuais, dentre outros. Em um curso
ministrado no Collége de France, entre 1944-45 sobre a história da civilização
europeia e posteriormente publicado em formato de livro, o historiador sobre o
conceito de civilização:
Todo grupo humano constituído possui uma civilização, sua
civilização. É o conjunto das características que a vida coletiva de
um grupo (a vida material, a vida política e social, a vida intelectual,
moral e religiosa) apresenta aos olhos de um observador imparcial e
objetivo. (FEBVRE, 2004, p. 66).

Essa era a forma como o historiador pretendia se opor a análises


factuais e descritivas, demonstrando sua visão de História. Por fim, em sua
trajetória como pesquisador, a percepção do “equipamento mental” de um
período foi realizada com maior destaque em seus trabalhos sobre Rabelais e
Martinho Lutero, onde buscou os elementos da mentalidade das sociedades a
que pertenciam pela análise de dois indivíduos.

2.4 – MARC BLOCH E A HISTÓRIA TOTAL


Marc Léopold Benjamin Bloch foi um historiador francês de origem judia,
nascido em Lyon, no ano de 1886.
Filho de Gustave Bloch, que também
fora historiador, estudou História na
Escola Normal Superior de Paris, em
Berlim e Leipzig. Posteriormente
tornou-se bolsista de doutorado da
Fundação Thiers, quando escreveu sua
tese de doutorado entre 1909 e 1912.
Suas principais obras foram Os reis
taumaturgos, Apologia da história ou o
ofício do Historiador e A sociedade
feudal. Como é possível perceber, os
principais temas de Bloch eram de
História da Europa Medieval.
Fonte:
https://historiaagora.com.br/2018/04/11/a- Outro fator importante da vida
trajetoria-intelectual-de-marc-bloch-1886-
1944/ de Marc Bloch foi sua participação na
Primeira e na Segunda Guerra
mundial, onde lutou no exército francês, e depois da anexação da França pela
Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, participou da resistência. Tal
fato inclusive ocasionou sua prisão e posterior fuzilamento no ano de 1944. No
cárcere, escreveu uma das suas obras mais importantes, Apologia da história,
de grande sucesso, onde discorre sobre problemas teóricos e metodológicos
da História. Sua intenção era passar a seu filho Étienne Bloch em forma de
livro, o que era e o que significava a História como campo do conhecimento.
(BURKE, 1990, p.21-22)
A ideia de História Total, mesmo sendo uma bandeira que norteou as
críticas e os trabalhos de vários dos historiados da Escola dos Annales, teve
em Marc Bloch seu maior defensor. Como já dito, essa foi uma maneira
encontrada pelos dois historiadores annalistas pioneiros de confrontar uma
prática histórica factualista e descritiva. Se para Lucien Febvre, a História Total
se contemplava numa busca pela mentalidade, como Marc Bloch irá
concretizar essa busca?
No caso de Bloch, um primeiro aspecto que podemos denotar em suas
buscas históricas se concretizava na abordagem as fontes, no método, e na
relação com a ciência. Portanto, para o autor a metodologia de abordagem ao
passado seria uma das principais formas de combater a história factualista,
concretizada através da proposta de alargamento do uso de fontes. O grande
problema da história política era a abordagem que se fazia das fontes, onde
além de se buscar as informações oficiais, não se realizava a crítica ao
material, que ainda preteria certos tipos de fontes como mais verdadeiras ou
importantes que outras.
Desta maneira, não bastava apenas decodificar as informações
aparentes nas fontes, mas também de observar a intenção e a forma como
foram produzidas, as condições e até a adequação do suporte à pesquisa. É
buscar além da informação aparente o que fonte a diz, duvidar de sua
aparente veracidade ou até analisar se ela transmite uma informação parcial.
Um exemplo está em sua obra, Os Reis Taumaturgos, onde Bloch busca
explicar o poder político de monarcas não apenas a partir da legalidade
hereditária e institucional que o cargo tem, mas, pelas fontes, busca
compreender as ações, simbologias e crenças que asseguravam sua posição
de poder.
A outra grande contribuição de Bloch no sentido de compor uma
História Total se refere à forma como ele propõe as explicações históricas. O
historiador francês acreditava que ao escrever sobre o passado, o pesquisador
não deveria se limitar a uma única forma, numa busca objetiva de causas e
consequências. Os fatores que compõem a realidade devem ter a mesma
relevância, e, observadas às situações, as explicações do passado deveriam
identificar como cada dimensão tem influência nos ocorridos. Assim,
economia, cultura, sociedade ou política poderiam ser mais ou menos
importantes, de acordo com as circunstâncias e os fatos analisados. De
acordo com o historiador Pedro Spínola Caldas, para Bloch: “Uma coisa não
determina a outra; elas agem ao mesmo tempo”. (CALDAS, 2011, p. 58-59)
Essa explicação Histórica multifatorial proposta por Bloch nos deixa três
grandes contribuições: primeiro, que ao analisar uma sociedade, nenhuma
explicação ou atividade humana pode ser separada da outra; segundo, que as
questões feitas ao passado podem se modificar com o tempo e o interesse do
historiador é essencial para compreender as abordagens; e por último, que
vários fatores e não apenas um explicam o passado.
Considerado um dos maiores historiadores do século XX, a carreira
abreviada de Marc Bloch pela Segunda Guerra deixou marcas profundas para
questões teóricas e metodológicas. Sua busca, ao lado de Lucien Febvre, era
a de afirmar a posição da História como um campo de conhecimento capaz de
trazer conclusões sobre a sociedade e dialogar com o meio científico, não
limitando a História a função de descrever os fatos “como ocorreram”.

VAMOS PENSAR: A noção de História Total, muito importante para os


pioneiros da Escola dos Annales, foi realizada em função da predominância de
um modelo histórico que privilegiava análises políticas, de grandes
personagens, e que enalteciam o modelo de Estado Nacional e modelo de
sociedade Ocidental. Assim, pode-se dizer que a atitude de Febvre e Bloch
resultou não apenas numa mudança de sentido teórico e metodológico, mas
que, ao abrir novas possibilidades de análise, proporcionou interpretações que
se desprendiam da lógica e do enaltecimento das estruturas políticas e sociais
que reafirmam a posição do Ocidente como cultura dominante.
Esse tipo de postura crítica se desenvolveu junto com a História (e também
com outros campos do saber) e segue ainda questionando o sentido
eurocêntrico que nos é transmitido sobre o passado. Vale lembrar que não é
uma criação ou atua perante exclusividade dos componentes da Escola dos
Annales, mas o pretendido é ressaltar sua importância. Se hoje é possível nos
depararmos com diferentes objetos de análise, pontos de vista e crítica ao
pensamento ocidentalizado, a ideia de História total proposta pelos Annales
pode ser compreendida como uma referência.

2.5 – FERNAND BRAUDEL E AS DURAÇÕES

Fernand Braudel foi um historiador francês, também considerado pela


crítica historiográfica como um dos maiores nomes da ciência em todos os
tempos. Em 1929, período em que foi criada a Revista dos Annales, Braudel
tinha 27 anos e trabalhava numa escola da Argélia, onde paralelamente
começou a escrever e pesquisar tese sobre o Mediterrâneo.
Em sua carreira também
trabalhou na Universidade de São
Paulo (USP) entre 1935-37 em seu
período de criação, junto de outros
grandes nomes da Ciências Sociais
como Claude Lévi-Strauss e Roger
Bastide. Em São Paulo ajudou a
formar as primeiras turmas do
curso de História da USP, onde
adquiriu experiência universitária.
No retorno de São Paulo conheceu
Lucien Febvre, que acabou se
Fonte:
http://blog.historiacatarina.com.br/2017/11/24/fern tornando uma espécie de padrinho
and-braude/
intelectual. A influência da
Geografia e dos debates teóricos de História a partir de Febvre acabaram
influenciando Braudel, o que o fez dele também um integrante da forma de
pensar a História característico dos Annales.
Assim como Bloch e Febvre, se alistou no exército. Em 1939 combateu
na Segunda Guerra Mundial, sendo feito prisioneiro pelos alemães em 1940.
Nesse período, confinado como prisioneiro no campo de Lübeck, elaborou o
argumento de O Mediterrâneo e Felipe II, que viria a se tornar sua grande
obra. Nesse livro, Braudel desenvolveu uma de suas principais colaborações à
Historiografia, em torno da ideia de duração.
Ao analisar a região do Mediterrâneo, percebeu que as mudanças na
região se davam em três ritmos temporais, os quais ele identificou como
durações. Essas durações (durée) seriam divididas em longas, médias e
curtas, de acordo com as quais sua obra também foi dividida. Portanto, a longa
duração corresponde, para o autor, ao tempo da Geografia, da paisagem,
àquele tempo lento, que quase se arrasta e pouco se percebe suas
modificações. A média duração seria a da língua, da economia, das formas
sociais e políticas, que se desenrolam num tempo mais dinâmico, mas que
necessitam de um olhar mais distante que o do evento. Por fim, a curta
duração seria aquela referente ao cotidiano, às ações políticas pontuais, aos
fatos em si.
Na obra Escritos sobre a História, Braudel dedica um capítulo para
tratar da relação entre as Ciências Sociais e a longa duração. No texto o
historiador faz uma espécie de debate com o estruturalismo do antropólogo
Claude Lévi-Strauss, que buscava em diferentes sociedades elementos
comuns. Ao encontrá-los, sua intenção era demonstrar como essas
sociedades partilhavam características, como o incesto, rituais funerários ou
padrões artísticos geométricos, numa busca daquilo que pudesse trazer
explicações estruturais para a sociedade.

FIQUE ATENTO – A História e o Estruturalismo desenvolveram um intenso


debate a partir de Claude Lévi-Strauss e Fernand Braudel. Esse debate
acadêmico, inclusive envolveu a produção de textos e artigos publicados pela
Revista dos Annales. Mas o que foi o Estruturalismo? E qual sua relação com
a História a partir desse debate?
O Estruturalismo pode ser definido como uma forma de pensar, um método de
análise influente em diversos campos do conhecimento como a lingüística,
filosofia, antropologia, com grande repercussão entre pensadores franceses.
além de buscar elementos comuns, considerados como estruturas gerais para
a explicação da realidade a partir do humano, o estruturalismo foi amplo em
seus debates e aplicações. Como principais personagens tem-se Ferdinand
Saussure, Wilhem Wundt, Thomas Althusser, dentre outros.
Em relação à História, de acordo com José Carlos Reis, o estruturalismo
colocou as seguintes questões:
A antropologia Levi-straussiana forçou a historiografia a se colocar
os seguintes problemas: o conceito de “estrutura” seria compatível
com o de “história” ou se excluiriam? A proposta de uma “história
estrutural” não seria contraditória? Os homens fazem a história e não
sabem ou a fazem e sabem que a fazem? A percepção de uma
“estrutura social” não imporia o determinismo e aboliria a liberdade
individual? Seria possível a emergência do novo ou toda novidade
seria aparente, pois apenas o desdobramento do mesmo? (REIS,
2008, p. 09)

Assim, em comparação aos pressupostos de Lévi-Strauss, esse


estruturalismo seria muito próximo daquilo que Braudel propõe como longa
duração, ou seja, elementos que estão muito distantes no tempo, de
modificação muito lenta, quase imperceptível. Esse debate entre Braudel e
Lévi-Strauss foi essencial para o desenvolvimento do modelo historiográfico da
Escola dos Annales, que em sua essência parte da ideia de
interdisciplinaridade e da necessidade de afirmar o lugar da História perante as
Ciências do Homem. Desta maneira, segundo Braudel:
Uma razão a mais para assinalar com vigor, no debate que se
instaura entre todas as ciências do homem, a importância, a utilidade
da história, ou antes, da dialética da duração, tal como ela se
disprende do mister, da observação repetida do historiador; pois
nada é mais importante, a nosso ver, no centro da realidade social,
do que essa oposição viva, íntima, repetida indefinidamente entre o
instante e o tempo lento a escoar-se. (BRAUDEL, 1978, p. 43)

Com o tempo e devido à abrangência de suas obras e debates, Braudel


tornou-se importante dentro da Escola dos Annales, diretor da revista e uma
espécie de liderança para a segunda geração do movimento, que também
contava com nomes como Ernest Labrousse, Pierre Goubert, Georges
Duby, Pierre Chaunu e Robert Mandrou. Sob a direção de Braudel a Revista
dos Annales atingiu um momento de grande prestígio e reconhecimento
internacional, divulgando o programa e os ideais do movimento por diversos
lugares. Portanto, pode-se dizer que Braudel e a segunda geração do
movimento foram em boa parte responsáveis pela grande abrangência que as
Escola dos Annales adquiriu para a Historiografia.

2.6 - PROPOSIÇÕES METODOLÓGICAS DOS ANNALES

Conforme apresentado, a contribuição dos Annales para a História não


se deu através da criação de um paradigma, mas por um projeto metodológico
e teórico, que visava reafirmar o espaço da História no campo científico e
encontrar novas respostas para a prática historiográfica. Esse projeto
pretendeu conduzir um debate com a História e acabou resultando inicialmente
na criação de uma revista e no surgimento da Escola dos Annales. Mas quais
contribuições efetivas essa Escola trouxe para a História? Quais suas
principais propostas? Posto isso, o objetivo agora é apontar como se deram
essas contribuições, através de um quadro esquemático. O quadro
esquemático a seguir foi elaborado por José D’Assunção Barros e aponta de
maneira objetiva as principais orientações para do programa da Escola dos
Annales. Essa trecho do presente texto é inspirada no segundo capítulo “Os
Annales e seu programa”, da coleção Teoria da História. Vol. V: A Escola dos
Annales e a Nova história, de José D’Assunção Barros.

Figura 1

Fonte: BARROS, José D’Assunção. Teoria da História. Vol. V: A Escola dos Annales e a Nova
história. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2012, p.103

 Interdisciplinaridade: atualmente, esse termo tem fluência nos diversos


campos do saber científico e também é muito comentado na realidade
escolar. A palavra, em si, indica alguns sentidos, dentre os quais podemos
destacar: a interação entre disciplinas; a interação no interior de uma
disciplina, que busca assimilar métodos e teorias de outro campo do
saber; a uma formação ou obra que não se limitou a um único tipo de
conhecimento; a perspectivas que incorporam dois ou mais campos do
saber criando uma nova prática. Neste sentido, para os historiadores dos
Annales, a busca interdisciplinar se fortalecia na construção de uma Nova
História que se inspirava em conhecimentos diversos como Economia,
Psicologia, Cultura, Geografia, Sociologia, dentre outros.
Ao ter contato com novos aportes, sistemas conceituais e metodologias,
à História foi possível ampliar os tipos de fonte e problemas. Com isso a
atitude interdisciplinar, pretendiam não serem confundidos com uma
simples literatura que relatava fatos passados. (BARROS, 2012, p.
106,107)
 A História-Problema: essa noção foi um dos instrumentos mais
combativos adotados pelos annalistas. Através da noção de História-
Problema, Bloch e Febvre se opuseram a História Factual, a História
Narrativa e a História Política (em uma vertente conservadora e
tradicionalista). Para eles, a História que não fosse “interpretativa,
problematizada, apoiada em hipóteses” e capaz de estudar novamente
eventos por novos pontos de vista (BARROS, p. 109) seria frágil
intelectualmente, por se tornar uma mera descrição.
Barros afirma que durante muito tempo, vários historiadores que deram
continuidade à tradição dos Annales, como Braudel, Le Goff, Vovelle,
Chartier, dentre outros, utilizaram a História-Problema como uma bandeira,
“o mais comovente de todos os instrumentos programáticos empunhados
pelos annalistas”. (BARROS, p. 109) Assim, a Escola dos Annales fez da
noção de História-Problema um dos principais elementos da formação de
sua identidade e de seu programa, essenciais no estabelecimento de suas
pretensões no meio historiográfico.
Por fim, o fato histórico então não seria mais, a partir de História-
Problema, algo neutro e capaz de ser analisado de forma objetiva. O
tempo e o lugar em que o estudioso vive, a sua formação teórica, o recorte
histórico e principalmente as perguntas que ele faz as fontes é que irão dar
forma as conclusões do historiador. Esse movimento promoveu uma troca
entre a valorização da objetividade pela subjetividade do historiador, ao
compreender a importância da visão de mundo e das hipóteses
formuladas na compreensão de um passado.
 Fontes e cientificidade: a questão das fontes é outro ponto importante do
programa dos Annales, e junto da proposta de História-Problema, foi
tratado como bandeira do movimento. Ao romper com um modelo de
História mais voltado ao político, ao narrativo e ao factual, um dos
problemas notados era a existência de um rígido controle, análise e
classificação de fontes, além da predileção por documentos escritos. Era
preciso propostas transformadoras que ampliassem o uso de fontes,
restrito a arquivos oficiais e crônicas.
O alargamento das possibilidades de fontes incluía o uso de
documentos até então desprezados: de objetos e imagens a textos,
vestuário, arqueologia, dados estatísitcos, etc. sem ordem de importância
pré-determinada pelo método. O que hoje, para nós historiadores se
apresenta como costumeiro, passou a ser uma importante defesa dos
annalistas no período. É importante ressaltar que em nossa atual prática
historiográfica a busca e a valorização de diversos tipos de fontes ainda é
muito atual e que esse debate não foi exclusivo da Escola dos Annales.
Essa busca, porém, vinha acompanhada de novos dilemas metodológicos
e teóricos propostos pelo grupo francês.
Como a intenção de Bloch e Febvre incluía reafirmar o espaço da
História, é importante também explicitar a forma como esses historiadores
descreviam o conhecimento histórico como científico. Segundo Barros, a
ideia de ciência dos seres humanos no tempo simboliza aquilo que a
Escola dos Annales descreve como “ciência capaz de assumir-se como
conhecimento em perpétua mudança, não apenas de seus resultados,
mas também de seus pressupostos.” (BARROS, p. 109). Essa capacidade
de mudança é que traz a História constante reavaliação teórica e
metodológica, adequada às realidades, objetos de estudo, hipóteses
formuladas e que busca responder as questões colocadas pela sociedade,
sem se ater um modelo rígido e objetivista.
 O coletivo, o estrutural e o espaço: A visão sobre o coletivo, segundo
Barros, é um ponto de debate onde é possível notar algumas diferenças
entre Bloch e Febvre. Para o autor, Bloch tem notoriamente preocupações
em produzir pesquisas que levem em conta o todo, o social, aproximando-
se de uma visão estruturalista, enquanto Febvre buscava compreender a
importância social do indivíduo (BARROS, p. 149). Mesmo assim, as
concepções teóricas de ambos tinham um ponto em comum, numa busca
de compreender o social, seja pela análise do coletivo ou pela busca da
compreensão dos elementos sociais nos indivíduos.
Em relação ao espaço, Bloch e Febvre tiveram na Geografia um ponto de
aproximação teórica e metodológica. Ambos compreendiam a importância
do espaço, e não apenas do tempo na construção do conhecimento
histórico. Através das modificações que o humano impõe ao espaço e as
suas adaptações a ele, “o espaço natural, nas mãos dos novos
historiadores, pode se tornar fonte histórica com a mesma legitimidade que
um grande conjunto documental” (BARROS, p. 151).
 O tempo: De acordo com Barros, as inovações relativas ao tempo
“relacionam-se aos novos modos de conceber o tempo, de representá-lo,
de utilizá-lo como aliado para produzir inovadoras leituras de história,
pensar inusitados objetos e mobilizar novos tipos de fontes históricas.”
(BARROS, p. 152).
Ao se opor a uma História Factual, os pioneiros da Escola dos Annales,
Bloch e Febvre, estavam também questionando a relação que o historiador
teria com o tempo. Foi uma maneira de se distanciar da importância do
fato, alargando as possibilidades e concepções. Simultaneamente, não é
possível afirmar que houve uma consonância clara de suas concepções de
tempo histórico. Enquanto Bloch partia de elementos estruturais para o
evento, Febvre tinha uma proposta inversa, e compreendia a partir de
eventos e indivíduos a História Total.
Desta maneira, Braudel, grande nome da segunda geração dos
Annales, foi quem orientou de maneira mais clara o debate da relação do
tempo com o historiador. Ao diferenciar as dimensões da temporalidade
em três durações, Braudel também considera a possibilidade de
superposição de umas as outras. Assim, se entrecruzam e se superpõem,
existem ao mesmo tempo e não necessariamente anulam umas as outras.
Segundo Barros: “A articulação possível entre as durações – sempre uma
construção do historiador, e nunca um dado da própria realidade – permite
ainda questionar sobre a qual seria o melhor modelo para o trabalho
historiográfico” (BARROS, p. 164). Portanto, a importância de saber
articular e reconhecer a importância das temporalidades serve também
como caminho para a História não se mostrar demasiadamente descritiva
ou despreocupada da importância do fato.
 Passado e presente: A partir das propostas dos historiadores dos
Annales, a construção do passado histórico não podia ser compreendida
como uma operação objetiva, onde o pesquisador buscava descrever os
fatos e trazê-los ao presente. Prevalecia a noção de que a História,
mesmo ao buscar o passado, se realizava no presente.
Com a perspectiva dos Annales, o presente coloca as questões de
sua época para o passado, estruturando-o a partir de uma
problematização, e reciprocamente o passado recoloca novas
questões para o presente, permitindo que na opreação histórica não
apenas o historiador compreenda o passado, tal como ocorre na
perspectiva historicista mais tradicional (neorrankeana), mas também
compreenda a si mesmo. [BARROS, p. 187].

Dessa maneira, ao historiador a busca pelo passado, que não era mais
um objeto, dependia da dinâmica e das questões que o historiador trazia
em sua abordagem a partir de perguntas e hipóteses. Outra questão
importante refere-se ao anacronismo. Ao reconhecer que a busca do
passado se dá no presente, um cuidado que deve ter o historiador é não
levar conceitos do presente diretamente para o passado. Um exemplo
simples, é que expressões palavras podem ter outro significado em outros
tempos, e ao ter contato com esse tipo de informação o historiador deve
pensar o que essa palavra representava naquele passado, e não utilizar o
conceito do presente. Note que isso delimita a diferença entre passado e
presente, noção que é muito forte para a Escola dos Annales. Assim, “o
passado e o presente são diferentes que dialogam, e não a continuidade
cumulativa dos mesmos”. (REIS Apud, BARROS, p. 191)
 História Total: A ideia de História Total é apresentada por Marc Bloch em
diversos de seus escritos, e reafirmada principalmente por Braudel, em
suas obras. Por História Total, Bloch compreende a capacidade que uma
análise histórica tem de compreender as diferentes dimensões: política,
social, cultural, ambiental, em busca de uma compreensão mais
abrangente, e distante do modelo factualista que os Annales se opunham.
Segundo Bloch: “Numa sociedade, seja ela qual for, tudo está interligado,
tudo se comanda mutuamente, a estrutura política e a social, a economia,
as crenças, as manifestações mais elementares e também as mais sutis
da mentalidade.” [BLOCH, 2001, p. 152].
Por fim, o objetivo da Unidade foi apresentar um breve histórico da
Escola dos Annales, seus três principais personagens, além de suas propostas
e inovações. Na próxima Unidade, será abordada a História Cultural, que
também tem uma importante colaboração do movimento dos Annales, que em
sua terceira e quarta gerações aprofundou seus debates nessa vertente da
historiográfica. Essas duas próximas gerações, mesmo mantendo a essência
de seu conteúdo programático, promoveu rupturas com as primeiras gerações.
LT.

GLOSSÁRIO:
anacronismo

Bibliografia

BARROS, José D’Assunção. Teoria da História, V. 5: A Escola dos Annales e


a Nova História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou O ofício de Historiador. Rio de Janeiro,


RJ: Jorge Zahar, 2001.

BRAUDEL, Fernand. “Lucien Febvre e a História”. In: Revista de História –


USP. v. 31, n. 64, 1965, p. 401-407. Link:
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/123718

BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais: a longa duração. In:


BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1978.

BURKE, Peter. A revolução francesa da historiografia: a Escola dos Annales


(1929-1989). São Paulo: Ed. UNESP, 1992.

CALDAS, Pedro Spínola Pereira. “Os Annales (I): civilização e sociedade em


Lucien Febvre e Marc Bloch.” In: CALDAS, Pedro Spínola Pereira e TEIXEIRA,
Felipe Charbel. História Contemporânea V. I. Rio de Janeiro, RJ: Fundação
CECIERJ, 2001.

CALDAS, Pedro Spínola Pereira. “Os Annales (II) a escrita e do tempo:


Fernand Braudel e Jacques Le Goff.” In: CALDAS, Pedro Spínola Pereira e

FEBVRE, Lucien. A Europa: gênese de uma civilização. Bauru: EDUSC, 2004.

REIS, José Carlos. “História da História (1950/60): História e Estruturalismo:


Braudel versus Lévi-Strauss.”. In: História da Historiografia: International
Journal of Theory and History of Historiography, n. 1, agosto 2008, p. 08-18.
Link: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1/1

TEIXEIRA, Felipe Charbel. História Contemporânea V. I. Rio de Janeiro, RJ:


Fundação CECIERJ, 2001

FIXANDOOCONTEÚDO

ExercíciosdeFixaçãocom 8questõesdemúltiplaescolha (por unidade),


Questões para concursos etc..
Serão colocados no final de cada unidade.
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Não utilizar questões que induzam ao erro
(EXCETO/INCORRETA)
Cada questão deve conter 5 alternativas com apenas 1 correta.
RENOVAÇÃO DO MARXISMO BRITÂNICO – UNIDADE 3

PÁGINA ESQUEMÁTICA
3.1 - APRESENTAÇÃO

Você provavelmente já ouviu falar do historiador Eric J. Hobsbawm.


Egípcio de ascendência britânica, Hobsbawm é considerado um dos grandes
nomes da Historiografia Contemporânea, com muitos livros de grande sucesso
inclusive entre o público geral, como a tetralogia A Era das Revoluções, Era
do Capital, A Era dos Impérios e A Era dos Extremos. Morreu em 2015, aos 95
anos e suas inúmeras publicações abordam os mais variados temas, como
teoria, música e revoluções.
Mas como ocorreu a formação em História de Hobsbawm? Quais
preceitos metodológicos e teóricos ele segue? Uma das características mais
comentadas do trabalho de Hobsbawm é sua relação com o marxismo,
explícita de diversas formas em sua trajetória acadêmica e pessoal. Formado
no King´s College da Universidade de Cambridge, trabalhou na Universidade
de Birkbeck desde 1947 em praticamente toda sua carreira. Sua trajetória
intelectual vem da tradição historiográfica inglesa, e sua estreita relação com a
teoria marxista e associada a um grupo de historiadores ingleses surgidos nos
anos 1960, dentre os quais pode-se destacar Edward Palmer Thompson,
Christopher Hill e Raymond Williams. Todos esses nomes, além de serem
intelectuais de esquerda, eram componentes do Partido Comunista da Grã-
Bretanha, e tinham uma ação política relevante dentro de sua sociedade
Porém eles eram críticos ao modelo stalinista e as questões que eram
colocadas pelas Ciências Sociais a partir do paradigma de Marx. Assim,
liderados por Edward P. Thompson, revolucionaram o modelo marxista na
perspectiva científica pelo alargamento temático. Para tal, passaram a
considerar elementos sociais e culturais, e não apenas a ideia rígida de
relação entre base econômica e superestrutura na compreensão da
sociedade.
Edward Palmer Thompson atuou como líder intelectual desse
movimento de renovação da proposta marxista de compreensão da sociedade.
Nascido em 1924, na cidade Oxford, sua identificação com a teoria marxista se
deu quando ainda em formação, onde participou do movimento estudantil em
Cambridge, e interrompeu os estudos para lutar na Segunda Guerra Mundial.
Após retornar da guerra e se formar, trabalhou na Universidade de Leeds,
principalmente em cursos livres voltados para a formação básica de
trabalhadores. Uma característica marcante de Thompson, é que sua luta
política e a produção científica muitas vezes se aproximam, e talvez por isso
tenha optado por se aproximar das classes operárias mais do que do meio
acadêmico.(MACHADO, 2020, p. 7) Suas principais obras foram A Formação
da Classe Operária Inglesa (3 volumes); Senhores e Caçadores; A Miséria da
Teoria e Costume em Comum - estudo sobre cultura popular tradicional.
Portanto, no decorrer da presente Unidade,
analisaremos algumas questões e inovações
propostas por este grupo de historiadores,
principalmente sua crítica ao paradigma marxista
nas Ciências Sociais. Suas propostas partem de
um rompimento epistemológico da teoria de
Marx dentro da esquerda, promovido
principalmente por Thompson. O resultado foi o
surgimento de uma nova forma de interpretação
historiográfica, preocupada com a crítica da
sociedade capitalista, mas distante do rígido
Fonte:
https://www.marxists.org/portug modelo marxista baseado na relação entre base
ues/thompson/index.htm
econômica e superestrutura. Para ser possível a
compreensão desses novos pressupostos
historiográficos, em seguida será promovido um debate em torno da relação
entre marxismo e as Ciências Sociais.

BUSQUE POR MAIS


Na sua Biblioteca Virtual Perason existe a uma interessante a atual obra que
trata exclusivamente de Thompson, sua trajetória de vida e produção
acadêmica, denominada Clássicos da história: Edward Palmer Thompson,
escrita por Bábara Araújo Machado. Acesse pelo link:

https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/182663/pdf/0?
code=d7JXQcSBGr7wcpMWbCD1UI1cOUjzsY0exzfUJuyKGdtzjVNuSZkjFq17
LHllX/nN4D3E8+UuJYPG08u63DFKyg==

3.2 – O PARADIGMA TÉORICO-METODOLÓGICO MARXISTA

O paradigma marxista para as Ciências Sociais, em seus princípios


fundamentais, se baseia nas conclusões acerca da relação entre uma base
econômica, capaz de influir e determinar todos os aspectos da sociedade, e as
superestruturas. Desta forma, segundo Marx, todo o funcionamento da
sociedade estaria condicionado às questões econômicas, incluindo as
instituições, legislação, cultura, religião, formas de governo, dentre outros
aspectos. Portanto, toda e qualquer condição histórica a qual nos submetemos
está subordinada à luta de classes, considerada pelo pensador como o motor
da história.
Outra característica marcante do modelo de Marx é que ele se
desenvolve como uma teoria que pretende explicar o mundo cientificamente,
mas que também busca interferir nele politicamente. Como diria Marx em suas
Teses sobre Feuerbach: “Os filósofos até agora se limitaram a interpretar o
mundo de diversas maneiras; mas o que importa é transformá-lo” (MARX,
1845). Estes escritos realizados na parte inicial de sua carreira já
demonstravam qual era sua intenção ao elaborar uma teoria que se apoiasse
na materialidade, capaz de atuar na realidade ao invés de apenas idealizá-la.
Essa maneira de propor um conhecimento histórico e filosófico teve
imensas repercussões. Não é objetivo da presente Unidade discutir as
consequências das ações políticas de Karl Marx, mas é importante denotar
que elas tiveram consequências. Dentre as quais podemos destacar a
existência do denominado “marxismo real”, principalmente com a emergência
de um Estado, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que
pretendia seguir os moldes da teoria marxista.
Como já afirmado, por haver enorme proximidade entre a ação
intelectual e política dentro dos movimentos marxistas, havia também, desde o
meados do século XIX, diversas tentativas de implementá-lo. Essas ações
concretas resultaram na existência de partidos e organizações espalhadas por
todo o mundo, que visavam divulgar e realizar o socialismo. Porém, não
ficaram imunes a críticas, tanto em seu caráter teórico como nas tentativas de
atuar na realidade política. Para a realidade teórica, principal objetivo deste
texto, algumas das críticas apontavam o marxismo como um modelo teórico
economicista, que submetia toda e qualquer realidade analisada ao paradigma
materialista da luta de classes.
Mesmo existindo diferença entre os objetivos políticos e científicos do
marxismo, diversas entidades e governos influenciados pelo modelo de Marx
promoviam debates e traziam resoluções para a forma de agir. Com o sucesso
da União Soviética, de partidos e organizações como a Internacional
Comunista, a interpretação da realidade que tomava como ponto de partida as
relações de produção material tornaram-se praticamente um dogma àqueles
que aderiam ao modelo marxista. Assim, no caso da História, por exemplo, as
explicações deveriam submeter-se ao paradigma da relação entre base
econômica e superestrutura. Essa vertente passou a ser denominada como
“marxista ortodoxa”.
De maneira simplista, podemos fazer uma analogia ao problema
identificado pelos historiadores da Escola dos Annales, que passaram a
questionar alguns modelos historiográficos que repercutiram no século XIX e
começo do XX, e que atribuíam a História uma função quase que
complementar dentro do campo do conhecimento científico. Se nos modelos
positivista e metódico a História seria o lugar onde objetivamente a História
seria avaliada, na versão marxista ortodoxa a História apenas confirmaria os
pressupostos marxistas da luta de classes.

FIQUE ATENTO: Luta de classes é um conceito que ganha destaque nas


análises da sociedade com a teoria marxista a partir do século XIX, e
demonstra como a sociedade é constituída a partir do conflito entre os
diferentes grupos sociais. Ao pensar o momento histórico de criação do
conceito, pode-se associar ao surgimento das classes trabalhadoras das
cidades industriais europeias e a evidente diferença entre operários e patrões,
tanto em suas condições de vida como formas de trabalho. Para Marx, esse
evidente fator refletiu diretamente em sua obra e pensamento. Dessa maneira,
seu conceito de classe social relaciona materialidade e realidade, de forma
que as explicações para aquilo que é vivenciado parte da luta pelas condições
de vida. Como será apresentado a seguir, Thompson e os outros historiadores
de sua geração empreenderam esforço em mostrar como as classes também
se determinavam em função de outros fatores, principalmente os culturais.
Na atualidade vivemos uma situação até então inédita para a humanidade,
onde as capacidades de comunicação e mobilidade também podem
demonstrar diferença entre grupos sociais diferentes. Outros aspectos também
podem compor as diferenças entre grupos sociais, demonstrando que a
sociedade se concretiza em disputas, sejam elas materiais, culturais,
tecnológicas ou comunicativas. Será que é possível pensar diferentes formas
de disputas que compõem esses novos aspectos dos grupos humanos?

3.3 – THOMPSON E A CRÍTICA À RELAÇÃO BASE X SUPERESTRUTURA

Uma das grandes contribuições para a historiografia de Thompson se


deu a partir da redefinição do conceito de classe social. Esse conceito é
fundamental dentro do modelo teórico marxista, que afirma que os conflitos
entre as classes sociais necessariamente moveriam a história. Assim, de
acordo com os pressupostos teóricos das correntes marxistas mais ortodoxas,
o que delimitaria as relações de classe seriam motivos estritamente
economicistas.
Em A miséria da teoria ou um planetário de erros, uma das obras mais
importantes de Thompson, o autor propõe um debate de caráter teórico acerca
da interpretação da teoria marxista. No decorrer do livro empreende críticas
relativas principalmente ao filósofo argelino de ascendência francesa Louis
Althusser, defensor de uma visão estruturalista do marxismo, muito difundida e
influente no pensamento ocidental de meados do século XX. As conclusões de
Althusser apontavam para aquilo que Thompson vai denominar de “marxismo
vulgar”, uma visão que direcionava todas as questões das sociedades para o
esquema base econômica versus superestrutura
Segundo o historiador britânico: “nenhuma categoria histórica foi mais
incompreendida, atormentada, transfixiada e des-historizada do que a
categoria de classe social.” (THOMPSON, 1981, p. 57). Desta maneira, a
interpretação rígida do conceito de classes sociais, que posiciona os
indivíduos a partir do seu lugar no sistema produtivo seria, segundo
Thompson, incompleta e ignoraria a formação histórica das classes sociais em
si, reduzidas ao reflexo direto de uma regra. Ao propor a modificação,
pretendia deslocar a ideia de classe social como um fenômeno do modo de
produção condizente.
Mas como Thompson realiza esse deslocamento? E qual a importância
dele para o presente debate? Em A formação da classe operária inglesa, uma
extensa obra dividida em três volumes, ele busca analisar historicamente
como surgiu uma coletividade dos operários na Inglaterra a partir de meados
do século XVIII. A intenção de Thompson foi demonstrar os diversos eventos,
episódios geradores de experiências, capazes de promover reconhecimento
entre os trabalhadores daquilo que tinham em comum a partir de seus
interesses.
Essa busca por uma formação histórica confronta diretamente os
modelos explicativos marxistas, pois segundo eles, a justificativa era
prontamente dada pela luta de classes, o materialismo histórico. Dessa forma,
o trabalho de Thompson, ao ter contato com a historicidade dos eventos
rompeu com a tradição e sugeriu uma reinterpretação do conceito de classe, a
partir do próprio Marx. O historiador busca em Marx, especificamente em sua
obra Miséria da Filosofia as noções de “classe em si” e “classe para si”,
diferentes pois, na primeira tem-se o momento onde um determinado grupo
social detentor do poder econômico subjuga o outro e no segundo é quando
esse grupo se percebe como classe. Segundo Bárbara Araújo Machado:
Essa abordagem de classe coloca em evidência não apenas a
importância da consciência de classe, de um lado, e a existência
material da classe do ponto de vista da exploração, de outro, mas
também o processo fundamentalmente histórico e dinâmico
envolvendo ambos os apectos. (MACHADO, 2020, p. 18)

Ao buscar esses aspectos do conceito de classe em Marx, Thompson


entende que ele ocorre em níveis relacionais. Esses níveis relacionais
envolveriam não apenas a economia, mas diversos aspectos da sociedade
como um todo. Em sua análise de A formação da classe operária inglesa,
Thompson demonstra diversos dos elementos da sociedade que propiciaram
não só a formação histórica das classes, mas sua tomada consciência.
Portanto, para Thompson, as explicações automatizadas do marxismo
vulgar não seriam suficientes para compreender como de fato as classes
operárias se constituíram. E mais: era preciso também compreender seus
outros elementos nesse processo de tomada de consciência de classe,
principalmente os culturais.
Por fim, é possível afirmar o marxismo renovado inglês contribuiu de
maneira incisiva para debates historiográficos, não se limitando a tradição
inglesa e nem aos seguidores do paradigma marxista. Outro ponto, é que
personagens como Hobsbawm, Thompson e Christopher Hill também se
tornram importantes personagens não apenas para a Historiografia, mas
também para diversas realidades da cultura ocidental. Atingiram também uma
dimensão política e lideraram um movimento conhecido como New Left (Nova
Esquerda), que rompia diretamente não apenas com o paradigma teórico, mas
propunha ações na vida real. Thompson, por exemplo, se tornou uma
liderança ambientalista e da luta contra o uso de armas nucleares.

VAMOS PENSAR:
Foi exposto durante a Unidade que esses historiadores ingleses foram
importantes na consolidação de outras vias de constatação ao modelo
capitalista, também crítica ao modelo marxista ortodoxo. Porém, essa New
Left se tornou ampla, e auxiliou no estabelecimento de diferentes novos
enfrentamentos e de participação política, apoiadas em questões ambientais.
Surgiram então os partidos políticos ligados a ecologia, a associação com o
ideal contracultural (principalmente nos Estados Unidos) e a busca de uma
terceira via política, nas lutas pelos direitos civis, contra o racismo, a opressão
de classe, gênero sexual e sexualidade. Apareceram também novos
movimentos populares e intelectuais, como os Panteras Negras, o
pensamento Decolonial, a Filosofia da Libertação, a Teologia da Libertação,
dentre muitos outros. Essas pautas passaram inclusive a compor e integrar os
programas dos partidos de esquerda mais tradicionais ou propriciaram o
surgimento de novos partidos e movimentos políticos.
Por fim, pode-se constatar que como a esquerda ortodoxa, o revisionismo da
teoria marxista também teve um viés político e um acadêmico, com importante
participação nas sociedades e para a ciência.

Leitura obrigastoria - https://www.youtube.com/watch?v=fMjcMfuoU88

BIBLIO
MARX, Karl. “Teses sobre Feuerbach.” In: Marxists Internet Archive.
Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm.
Acesso em: 12/10/2020

MACHADO, Bárbara Araújo. Clássicos da História: Edward Palmer Thompson.


Curitiba, PR: Contentus, 2020.

THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros:


uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1981.

Glossário ortodoxia

UNIDADE 4 A HISTÓRIA CULTURAL

PÁGINA ESQUEMÁTICA
4.1 APRESENTAÇÃO

Nessa Unidade o objetivo é abordar não uma escola histórica ou a


revisão de um paradigma, como foi realizado nas duas anteriores. Será tratada
uma forma de abordar a História, que foi marcante e decisiva a partir da
década de 60 século XX e ainda segue influente na atual Historiografia: a
História Cultural.
Inicialmente, é necessário definir o que é cultura, para que seja possível
localizar adequadamente o objeto de debate, assim como compreender suas
possíveis relações com a Historiografia. “Trata-se, antes de tudo, de pensar a
cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos
homens para explicar o mundo.” (PESAVENTO, 2014, p. 15) De maneira
simples e objetiva, a História Cultural pode ser definida como aquela produzida
pautada nas relações culturais dos indivíduos de um determinado grupo social
localizado num tempo e espaço.
É importante também lembrar que a História Cultural não se dedica
exclusivamente aos produtos e objetos culturais. Assim, ela não tem como
foco apenas as manifestações artísticas ou aquilo que por muito tempo foi
denominado de folclore, e nem muito menos analisar elementos do que é
considerado como alta cultura ou cultura de elite. A partir da influência da
Antropologia, a História Cultural se preocupou em analisar as formas como os
grupos humanos atuam no mundo, a partir da língua, dos costumes e da forma
como constituem sua realidade.
Mas por que a História Cultural foi escolhida para essa Unidade? Em
nossa contemporaneidade, percebe-se que a esse olhar sobre os objetos
históricos estudados tem obtido destaque. Como afirma Pesavento: “Cremos
que hoje, sua faceta mais recente e difundida seja aquela chamada de História
Cultural.” (PESAVENTO, 2014, p. 7) Assim, pretende-se observar elementos
teóricos e temáticos que ajudaram a formar o que hoje se compreende pela
História Cultural. Como base para o presente debate serão utilizadas duas
obras: História & História Cultural, da historiadora brasileira Sandra Jatahy
Pesavento, e O que é História Cultura?, do inglês Peter Burke.

4.2 ANTECEDENTES TÉORICOS

A História que tem como objeto central questões culturais remonta sua
própria origem. Assim, não é intenção buscar seu “evento fundador”. Durante
muito tempo, porém, os estudos dos objetos culturais eram realizados como
literatura ou informação, tratando a cultura como objeto e não a entendendo
como forma de debater a sociedade. Porém, pode-se afirmar que, para os
termos de um debate que se refere às práticas historiográficas atuais, desde o
século XIX é possível localizar elementos que fundamentam uma História
Cultural comprometida a compreender o passado em relação ao humano.
Do século XIX é possível destacar dois nomes: Jules Michelet e Jacob
Burckhardt. O francês Michelet foi um notável historiador expoente do
romantismo, e obteve destaque no mesmo momento de afirmação dos
projetos de Estado-Nação. Dentre várias obras realizou uma série de livros
sobre a história da França, onde muitas vezes fugiu dos estudos de
personagens comuns de sua época, abordando população comum, mulheres e
feiticeiras. Sua busca também se localizava não em fatos precisos, mas
sentimentos e sensibilidades, onde pretendia de compreender uma alma
nacional, através de personagens que protagonizavam acontecimentos
notáveis. (PESAVENTO, 2014, p. 19-20) Essa era a forma como se
aproximava de temas que hoje consideramos como culturais numa época
pouco usual.
Burckhardt, nasceu na Suíça e escreveu importantes obras de História
da cultura e da arte. Acreditava que todos os aspectos da sociedade, inclusive
os políticos, se manifestavam de acordo com a cultura. Sua obra, A Cultura do
Renascimento na Itália, tornou-se um clássico, e assim como Michelet trazia
objetos e pressupostos não muito comuns em seu período. Esses dois nomes
contribuíram para posteriores estudos e formas de abordar objetos históricos,
tornando-se referências para a História Cultural.
Outros dois nomes importantes a se destacar são os sociólogos Émile
Durkheim e Marcel Mauss. O conceito de representação, que a partir da
década de 1980 irá compor com destaque debates dentro da História Cultural,
foi introduzido por esses autores. A importância da representação para as
temáticas culturais se origina a atenção que é dada nos processos de
construção mental da realidade, “produtor de coesão social e legitimidade a
uma ordem instituída, por meio de ideias, imagens e práticas dotada de
significados que os elaboravam para si.” (PESAVENTO, 2014, p. 24)
Além disso, a interdisciplinaridade e o contato com outros campos do
saber, principalmente com a Antropologia, propiciou a história um alargamento
temático e teórico, com a incorporação de dimensões simbólicas, coletivas
com objetivo de compreender as organizações sociais.
Dentro do paradigma marxista de interpretação da realidade, também
merecem destaque Antonio Gramsci e Walter Benjamin. Ambos romperam
com o entendimento da realidade a partir exclusivamente da relação entre
base econômica e superestrutura, buscando compreender através da cultura
os elementos da sociedade. Gramsci busca no domínio da cultura o conjunto
de “valores construídos, socializados, legitimados e operacionalizados” a partir
dos intelectuais (PESAVENTO, 2014, p. 24). Assim, a cultura e os intelectuais
seriam tão determinantes para a sociedade quanto os elementos
infraestruturais, a base econômica.
Walter Benjamin foi um intelectual pertencente à Escola de Frankfurt,
movimento alemão que pretendia, a partir de uma reinterpretação do
marxismo, lançar bases de uma filosofia e de uma teoria social. Benjamin,
baseado no conceito de fetichismo da mercadoria, buscou compreender o
poder quase mágico que elas exerciam na sociedade por suas imagens de
desejo. Assim, dentro desse escopo, buscou elementos culturais orinudos do
imaginário social que compunham o mundo das representações.
Outro pensador do século XX importantes para o campo da História
Cultural foi o filósofo francês Paul Ricouer. Ele aproximou a História e
narrativa, questionando se a História de fato se prestaria a produzir um
conhecimento verdadeiro. Com “Paul Ricouer [questionou-se] não só a
possibilidade de obtenção da verdade, mas a própria existência de uma
finalidade na história” (PESAVENTO, 2014, p. 27). Seu pensamento abriu
possibilidades para discutir os distanciamentos e proximidades da História com
a Literatura, muito comuns a partir dos anos 1970. Nesse período, o caráter
narrativo da História será alvo de debates, principalmente pelo historiador
estadunidense Hayden White que defendia a história ser algo mais próximo a
uma ficção.
Porém, é possível afirmar que o que hoje conhecemos como História
Cultural, adquiriu contornos mais definidos a partir da década de 1960. Nesse
período, tem-se o que é conhecido no meio das Ciências Sociais como crise
do paradigmas. A crítica aos grandes esquemas interpretativos e a pretensões
totais ou estruturais da realidade social passaram a perder força, modificando
o panorama da Historiografia. Assim, podemos destacar alguns grupos ou
formas de pensar o conhecimentos histórico que compõem aquilo que se
apresenta como a História Cultural: as terceira e quarta geração da Escola dos
Annales; os historiadores marxistas ingleses que formaram o que foi
denominado de New Left (analisados a parte na Unidade anterior); a Micro-
História italiana, que tem profundo debate com a tradição dos Annales e o que
foi chamado de Nova História Política Cultural. Vale lembrar que essas não
foram as únicas formas que essa nova História Cultural em evidência na
segunda metade do século XX, mas merecem destaque por seus
pressupostos teóricos e metodológicos.

4.3 – TERCEIRA E QUARTA GERAÇÃO DOS ANNALES

Iniciada em fins da década de 1920, a Escola dos Annales em suas


duas primeiras gerações apresentou diversas propostas em seu programa que
foram determinantes para o estabelecimento de uma nova História Cultural.
Como já comentado na Unidade 2, seus dois primeiros integrantes, Marc Bloch
e Lucien Febvre, buscaram criticar uma prática histórica pautada no político,
no factual e no rígido método de abordagem das fontes.
Mesmo que em seus textos e análises buscassem um alargamento da
possibilidade de uso de fontes, seu objetivo era a busca de um social, mais
evidentes na ideia de História Total em Bloch e naquilo que Febvre chamou de
utensilagem mental. Em sua segunda geração, simbolizada e liderada por
Fernand Braudel, o debate sobre as durações e a aproximação da
Antropologia Estruturalista de Lévi-Strauss levaram a uma produção
historiográfica pautada no estudo de grandes séries e nas longas durações,
muitas vezes pelo tema das civilizações, espaço e demografia, deixando de
lado elementos culturais.
Assim, coube a terceira geração dos Annales, que também foi
denominada de Nouvelle Histoire o papel de renovar os objetos de estudo,
incluindo o aprofundamento sobre o tema da cultura. Liderada agora não mais
por um único nome, é possível destacar desse período historiadores como
Jacques Le Goff, Pierre Nora, Michel de Certeau, dentre outros. Um fato
relevante foi quando Le Goff assumiu a direção da revista, no ano de 1968,
indicando as mudanças de rumo do movimento analisadas no presente texto.
Essas novas formas de produzir conhecimento histórico promoveram
uma ruptura dentro dos Annales? Mas como se deu essa aproximação entre
essa nova geração entre dos Annales e a História Cultural? Quais foram suas
principais contribuições teóricas, metodológicas e temáticas para a
historiografia?
Em resposta a primeira pergunta, José D’Assunção Barros indica que
existiram tanto rupturas quanto continuidades. As principais continuidades
estariam localizadas na manutenção de elementos chave no programa da
Escola dos Annales, como a interdisciplinaridade, a noção de História-
Problema, o tratamento e a relação com as fontes e a recusa a uma
abordagem tradicional do político. (BARROS, 2012, p. 207-210)
Pelo lado das descontinuidades estão, segundo o ponto de vista de
François Dosse, o abandono do foco na ideia de uma História Total em
detrimento de análises cada vez mais focadas nos personagens,
especificidades, objetos, eventos e mentalidades. Com Emanuel Le Roy
Ladurie, por exemplo, “o nível cultural passou a ser entendido como uma
forma de determinação primária na sociedade”. (PESAVENTO, 2014, p. 31)
Assim, ao considerar a mentalidade como um conjunto de valores partilhados,
racionais e não racionais e poderiam levar o historiador e o leitor a se
aproximarem da forma como uma sociedade agia, compreendendo como era
sua cultura.
Por sua vez, Jacques Le Goff introduz a concepção de imaginário, que
segundo ele poderia suprir a fragilidade conceitual das mentalidades, definida
anteriormente de forma vaga. Para o historiador, a sociedade existe apenas no
plano simbólico, por isso a importância da forma imaginária como pensamos e
representamos ela. Assim, “o imaginário se oferece como a categoria
preferencial para exprimir a capacidade dos homens para representar o
mundo”. (PESAVENTO, 2014, p. 45)

BOX DE IDEIAS - Outra contribuição importante aos debates historiográficos


foi dada a partir da retomada da ideia de represetnação. Roger Chartier, em
sua célebre obra História Cultural: entre práticas e representações
4.4 – A MICRO-HISTÓRIA A PARTIR DE GINZBURG E LEVI

A partir de meados da década de 1970, dois historiadores italianos


passam a ter destaque nos debates historiográficos: Carlo Ginzburg e
Geovanni Levi. Dessa forma, passaram a produzir uma História que retornava
o foco a personagens e se aproximava dos acontecimentos cotidianos. Seus
pressupostos teóricos se originaram de um extenso debate com a tradição dos
Annales, tomada por um viés culturalista, se aproximando também das ideias
de mentalidades e imaginário, muito difundidas pelos franceses a partir de fins
da década de 1960. Vale lembrar que os temas do cotidiano e da micro-
história também passaram a ser incorporados pela Escola dos Annales.
O historiador inglês Peter Burke, em sua obra O que é História Cultural?
afirma que existem basicamente três maneiras de compreender o fenômeno
da micro-história. (BURKE, 2008, p. 60-61-62) O primeiro se refere à reação a
um certo estilo de história social pautado no econômico, através de métodos
quantitativos e que trazia como resultados sínteses gerais. Esse tipo de
produção historiográfica ocupou os principais espaços na academia, a partir
tanto do paradigma marxista como dos modelos sugeridos por Braudel e
endossados na segunda geraçãos dos Annales.
A segunda diz respeito ao encontro cada vez mais próximo entre a
História a Antropologia, que em seu modelo de estudos permitiam aos
historiadores se aproximarem com mais propriedade da cultura e sem as
amarras do o determinismo social e econômico. Assim, a busca pelo
individual, pelo micro, se daria no sentido de compreender os elementos
culturais que compõem a sociedade. Essa é uma diferença notável para
àquela história pautada nos indivíduos e criticadas pelas primeiras gerações
dos Annales. Essas tinham o intuito de enaltecer nomes e personalidades
políticas em seus atos, coisa que não podemos afirmar sobre os historiadores
da micro-história.
Em sua obra clássica, O queijo e os vermes, Carlo Ginzburg analisa a
vida de um moleiro italiano, conhecido como Menocchio, que foi perseguido
pela Inquisição por defender uma versão alternativa para o surgimento do
mundo. Assim, a partir de um personagem excepcional, o estudo se realiza
para compreender elementos sociais do Friuli (região hoje pertencente a Itália)
no século XVI. No “Prefácio a edição inglesa” de sua obra, Ginzburg busca no
conceito de circularidade cultural, do pensador e linguista russo Mikhail
Bakhtin a justificativa da análise de um indivíduo e qual seria seu objetivo:
Pode-se ligar essa hipótese àquilo que já foi proposto, em termos
semelhantes, por Mikhail Bakhtin, e que é possível resumir no termo
"circularidade": entre a cultura das classes dominantes e a das
classes subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um
relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia
de baixo para cima, bem como de cima para baixo (exatamente o
oposto, portanto, do "conceito de absoluta autonomia e continuidade
da cultura camponesa" que me foi atribuído por certo crítico).
(GINZBURG, 2006, p. 10)

Ou seja, para o historiador italiano, e também para os parâmetros do


que ficou conhecido como micro-história, a intenção era fazer uma história que
resgatasse elementos de personagens desprezados pela escrita tradicional.
Essa prática se concretizaria na análise da cultura, mais especificamente nos
contatos e trocas das classes dominantes e das subalternas.
Por fim, a última e terceira forma de manifestação da micro-história
pode ser notada pela negação das “narrativas grandiosas”, referentes ao
progresso da civilização ocidental. Nesse período, que será melhor abordado
na Unidade 5, ocorreu uma espécie de crise dentro das Ciências Sociais e
Humanas, sintetizadas na ascensão daquilo que muitos irão chamar de pós-
modernidade. Assim, buscava-se alternativas a história triunfalista, que traçava
uma trajetória quase retilínea da Grécia Antiga, Roma, Cristandade medieval,
Renascença, Iluminismo, Revolução Industrial e Científica, até chegar ao
século XX.
Portanto, a micro-história, ao buscar elementos desprezados,
compreender a cultura e se aproximar da Antropologia estaria negando a
lógica explicativa tradicional, que desvalorizava culturas e tradições
desprezadas. Era também uma forma de se opor a uma visão totalizante,
valorizando o local e as identidades.

BOX O QUEIJO E OS VERMES

4.5 – A NOVA HISTÓRIA POLÍTICA E CULTURAL


A terceira modalidade que será exposta se refere inicialmente a um
grupo de historiadores franceses como René Remond e Jean-François
Sirinneli que pretendiam realizar uma releitura do político pelo viés cultural. De
acordo com Sandra Jatahy Pesavento, tinham uma postura que partia do uso
pelos historiadores, dos pressupostos “epistemológicos que presidem a
análise na História Cultural. Imaginário, representação, a produção e a
recepção do discurso historiográfico reformularam a compreensão do político”.
(PESAVENTO, 2014, p. 75)
Portanto, seus estudos centravam-se no imaginário do poder,
analisando a forma como os personagens desempenhavam seus papéis, os
símbolos que utilizavam, conceitos que pautavam suas atitudes, os fenômenos
que resultam em relações de poder, a construção de identidades dentre
outros. Como é possível notar, seus objetos de estudo e os pressupostos
teóricos e metodológicos se diferenciavam dos modelos de História Política do
século XIX e também do viés marxista ortodoxo. Também distanciavam-se das
análises das particularidades dos atores e movimentos políticos, típicos da
Ciência Política. Um conceito muito utilizado por esses historiadores é o de
“cultura política”, que:
... corresponderia ao conjunto das representações que nutrem um
grupo no plano político, ou, como diz Jean-Frnaçois Sirinneli, uma
visão de mundo partilhada, uma leitura comum do passado, uma
projeção no futuro a ser vivido em conjunto. (PESAVENTO, 2014, p.
76)

Dessa maneira, essa reinterpretação do uso do político para a História


foi possibilitada e realizou um grande diálogo com a História Cultural, e
permitiram aliar tanto as trajetórias individuais num tempo curto com análises
mais globais, de movimentos de estruturas e modelos de poder.
(PESAVENTO, 2014, p. 76)

VER MAIS DESSE PONTO -


http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1975

4.6 - CONCLUSÃO
Como já apontado, dentre as formas de produção do conhecimento
histórico hoje associadas à História Cultural, seu início se deu em fins da
década de 1960. Nessa Unidade, apenas a vertente marxista inglesa renovada
foi deixada de fora, pois será analisada em particular na Unidade 4. Além de
renovar os debates e objetos da historiografia, a História Cultural abriu espaço
definitivo para a incorporação de personagens e temas até então pouco
lembrados na História. Assim houve uma valorização do particular, da história
como narrativa, do uso de imagens, das fontes orais, as emoções e
sentimentos, da análise das identidades e alteridades, dos imaginários e da
relação do humano com a memória.
Mesmo com as propostas renovadoras dos Annales, até então a maioria
da produção historiográfica pouco havia se aprofundado em questões
realmente culturais. O momento de mudança pode ser identificado, mas não é
possível apontar um único fator para tal. Talvez essa conjunção entre uma
crise paradigmática no campo das Ciências Sociais, o surgimento e a revisão
de modelos analíticos, e a definitiva incorporação de novos temas levaram a
ciência histórica a outro lugar. Sandra Jatahy Pesavento associa a importância
da História Cultural em nossos dias ao seu sucesso de público e vendas.
Segundo ela:
Uma explosão, não somente da produção acadêmica e da pesquisa,
mas também um marcante fenômeno de mídia. Pode-se mesmo
dizer que a História Cultural tem exercido uma verdadeira sedução
para o público leitor, o que permite aventurar que Clio saiu
revitalizada da tão renomada a discutida crise dos paradigmas. Mais
ainda, é possível dizer que nunca se escreveu nem se leu tanto
sobre História como na última década do século XX e neste início do
novo século e milênio. (PESAVENTO, 2014, p. 69)

No trecho citado, Pesavento avalia o caráter sedutor da História Cultural


como responsável por uma sobrevivência à crise dos paradigmas e uma
expansão de publico e produção. Essa sedução, provavelmente causada pela
diversidade de temas e possibilidades, contempla uma gama maior de
interesses dentro das sociedades. Sendo assim, mais pessoas se identificam
com a História, seus temas e análises, o que para o campo do conhecimento
apresenta possibilidade de maior alcance. Se um dos objetivos da História é
compreender e debater as sociedades no tempo, pode-se dizer que a História
Cultural tem conseguido atingir esse objetivo.
Por fim, da relação com a Historiografia, pode-se afirmar que após o
surgimento e ampliação da História Cultural em fins da década de 1960
passaram a existir não mais tradições e modelos rígidos, que eram inclusive
localizados geograficamente. Em troca temos a ampliação e um maior alcance
dos debates e formas de se praticar História, com diferentes visões e
constante diálogo de diversos estudiosos de todas as partes do mundo,
contribuindo também para uma Historiografia sem fronteiras e que rompe mais
facilmente com os modelos pré-determinados.

Representações como his Cult p. 42

O QUJO e os verm
https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/36714/pdf/0?
code=sm64gQwHPRd82PWXA7PCe/XgI4jgTmdCQuDRL3+yQnfnWBuRWU8g
EnzMyD6aqWFX6oeeHmG/lFM1D/eBAHLEEg==

UNIDADE 5 – PÓS-MODERNIDADE E HISTÓRIA

PáginA ESQUEMÁTICA
5.1 – O QUE É PÓS-MODERNIDADE

Nas Unidades anteriores foi brevemente comentado que as Ciências


Sociais atravessaram o que ficou conhecido como uma “crise de paradigmas”
a partir de meados da década de 1960. Esse momento corresponde, no
mundo ocidental, a uma profunda crise daquilo que é conhecido como
modernidade, onde as grandes verdades e promessas da civilização ocidental
entraram em descrédito. Denominado por muitos estudiosos como pós-
modernidade, pode-se dizer que esse foi um momento que atingiu não só o
campo das humanidades, mas também a arte, arquitetura, as ciências em
geral e os mais diversos aspectos da realidade.
Esse pós-modernismo é normalmente identificado com a crítica às
grandes narrativas e ideologias totalizantes, uma rejeição ao racionalismo
iluminista e a pretensão de verdade absoluta da cultura ocidental, incluindo
seus sistemas de valores, hierarquias e discursos. De certa maneira, o
pensamento pós-moderno se coloca como contrário a modernidade. Mas o
que é a modernidade?
Modernidade pode ser definida como um momento na trajetória da
civilização ocidental marcada pela ascensão da lógica racionalista cartesiana e
do sucesso do progresso científico e industrial. Ideologicamente, é orientada
pela crença Iluminista de que a aplicação dessas modificações no campo do
pensamento e da vida material levariam inevitavelmente a melhoria das
condições de vida e um avanço na sociedade.
Portanto, o pensamento modernista marcou o confronto entre o humano
místico, irracional, dependente e submisso as ordens hierárquicas e sociais da
cristandade ocidental com um humano racional, cientificista, autônomo, que
busca direitos iguais e igualdades políticas. Vale ressaltar que esse não é um
processo estanque, e seus efeitos tem consequências variáveis perante o
mundo. Determinados grupos sociais ou até regiões geográficas, por terem
privilégios, são diretamente beneficiados pelas possibilidades desse
modernismo. Por outro lado, a grande maioria das populações não é incluída
na realidade lógica moderna ocidental, nem dentro do próprio Ocidente.
Tal fato gerou críticas a modernidade de diversos campos do
pensamento humano, desde as artes até a filosofia. Podemos citar diversos
personagens que empreenderam tais críticas, como o poeta Baudellaire, Karl
Marx, e o filósofo Nietzsche, que já no século XIX apontavam contundentes
críticas ao racionalismo mecanicista e à lógica modernista.
Outra característica da lógica pós-moderna em confronto com a
modernidade parte da ideia de superação. No modernismo, existe uma clara
intenção de sempre superar os estágios anteriores do desenvolvimento, como
se toda a realidade fosse encadeada de maneira lógica, retilínea e
ascendente. Tal aspecto é facilmente notável na concepção de ciência do
século XIX, e no caso específico das Ciências Humanas e Sociais ela pode ser
percebida em diversos momentos através das escolas, tradições e
paradigmas.
Para a pós-modernidade, essa lógica de superação perde sentido. Além
do abandono dessa forma de pensar, pode-se observar que desde a década
de 1960 o que se busca é compreender as particularidades de uma corrente
ou forma de pensamento, seu diálogo com diferentes realidades e como ela
contribui para compreensão dos dilemas da sociedade. Assim a lógica da
multiplicidade de visões sobre um assunto ganha mais força para os debates
sobre a sociedade.
Um exemplo fácil para entendermos historicamente como essa lógica
de superações é a arte. Lembrando que o modernismo e o pós-modernismo
são manifestações que abrangem diversas expressões, na lógica moderna
podemos observar uma sucessão de movimentos artísticos que se
superpõem, em sequência, com intenção de superar uns aos outros.
Normalmente, um movimento se torna mais evidente e ganha mais destaque,
tornando-se uma espécie de paradigma ou rumo que a arte de um certo
momento adquire. Note que existe uma lógica de confronto linear, onde após
um certo momento ou novidade, um movimento substitui a posição de
destaque de outro. Assim, por exemplo, o Impressionismo é superado pelo
Expressionismo, que por sua vez da lugar de destaque ao Cubismo e assim,
seguem-se uns superando os outros.
Para o pós-modernismo essa lógica se perde, e a diversidade, o
individualismo e as características de cada artista passam a ser valorizadas.
Uma diversidade de movimentos e expressões fundem-se num único artista e
os debates sobre o seu lugar se tornam vagos. Mas como isso pode ser
relacionar ao campo de estudos da História?
Se analisarmos a trajetória traçada até aqui, no presente material
didático, foram brevemente apresentadas algumas tradições, escolas e
paradigmas que dialogam no campo da História. Assim, comentamos
brevemente sobre as tradições Historicista, Positivista, Metódica, a Escola dos
Annales, a tradição marxista ortodoxa, até chegarmos em fins da década de
1960 com a emergência da História Cultural. Segundo o historiador Ernesto
Sobocinski Marczal:
No campo da historiografia, podemos identificar a influência desse
paradigma [modernista] em diversas correntes de investigação,
desde aquelas que acompanharam a estruturação acadêmica da
disciplina, ainda que no século XIX, até grande parte das propostas
do marxismo e as primeiras gerações dos Annales... [MARCZAL,
2016, P. 181]

Dessa maneira, segundo o trecho citado, existe também na


historiografia um espaço de disputas epistemologias através das correntes de
investigação histórica. Note também que na Unidade sobre a História Cultural
é afirmado que esse momento da Historiografia não apresenta uma linha de
debate dominante ou que se superpõe a outras. Pelo contrário, abriu-se
espaço para diferentes expressões e abordagens sobre a História, erigidas
sobre a égide do cultural. Portanto, abre-se espaço para o excluído, para a
política com uma nova visão, para temas antes pouco abordados, para
temporalidades como a curta duração antes entendidas como menos
relevantes, dentre outros. Não é coincidência, mas a História Cultural entra em
evidência num momento próxima ao debate pós-modernista.
Com isso, não se pretende afirma que a História Cultural é
necessariamente pós-moderna, até porque a própria lógica da pós-
modernidade nega relações de pertencimento, mas que os debates suscitados
por ela confluem em forma e tempo, tornando difícil estabelecer um limite entre
ambas. Questões muito pertinentes a História Cultural como a relação entre
História e Literatura, por exemplo, cabe em ambos os debates.
Por fim, é possível afirmar que num mesmo período onde a lógica pós-
modernista adquire força dentro dos debates das Ciências Humanas e Sociais,
a História Cultural adquiriu espaço. No caso da Historiografia, posicionamentos
teóricos, temas e formas de se estudar e compreender as sociedades foram
partilhados. Ainda sobre o pós-modernismo e sua forma de atuação:

...o pós-modernismo pode ser tomado não só como um processo de


crítica aos paradigmas estabelecidos anteriormente, mas como um
movimento que delineia, mesmo inadvertidamente, novos
parâmetros quanto à produção de conhecimento. [MARCZAL,
2016, P. 188]
Pode-se então concluir que os principais pontos de crítica do momento
pós-moderno que refletiram na Historiografia foram: a crítica à crença da
História próxima da ciência como lugar de verdade; o abandono as
metanarrativas e os grandes esquemas teóricos explicativos; crítica ao sentido
teleológico dado por alguns paradigmas teóricos; desvalorização da
objetividade em detrimento da objetividade. É também com a crise dos
paradigmas que movimentos como a luta anti-racista, o feminismo, os
movimentos pós-colonialista, a valorização de culturas e pontos de vista não
ocidentais, colocaram em dúvida toda a solidez do pensamento moderno,
abrindo espaço nas sociedades para debater questões até então pouco
comentadas.
Por fim, um último aspecto que podemos comentar é sobre a dificuldade
de se estabelecer um conceito fechado para a ideia de pós-modernidade.

5.2 – FOUCAULT E NIETSZCHE

O pensamento pós-moderno, mesmo que de difícil definição, apresenta


pressupostos teóricos. Dois importantes pensadores merecem destaque
quanto as ideias que compõem uma base argumentativa para a inserção da
pós-modernidade nas Ciências Humanas e Sociais. O primeiro é o filósofo
alemão Friedrich Nietzsche. Nascido em 1844 e morto ainda no século XIX,
em 1900, Nietzsche foi um crítico voraz da cultura ocidental, da religiosidade e
do cristianismo, da moral, do cientificismo e da filosofia.
Um ponto essencial do trabalho de Nietzsche é sua crítica a
objetividade e a verdade. A busca pela objetividade e pela verdade, que
necessariamente trariam as respostas aos dilemas colocados pela realidade,
eram, para o filósofo alemão o grande problema da cultura ocidental em seu
projeto de modernidade. Portanto, dois textos de Nietzsche são de grande
valia para compreendermos a relação entre História e pós-modernidade:
Sobre verdade e mentira no sentido extramoral e Segunda consideração
intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida.
No primeiro texto, Nietzsche questionou o sentido da verdade e da
ciência, como lugar onde ela se estabelece. Para o autor alemão, a verdade se
colocaria como uma construção feita a partir da realidade, e não como algo
realmente verdadeiro. Essa colocação é importante para a lógica pós-
moderna, pois retira o caráter inquestionável daquilo que é colocado como
verdade. Aquilo que é verdade, então, seria uma construção humana feita a
partir da apreensão da realidade.
A linguagem de Nietzsche em seus textos é repleta de metáforas,
exposta em formato de aforismos, o que por vezes pode dificultar sua leitura
em compreensão. Sobre o surgimento do conhecimento o filósofo afirma ao
iniciar seu texto:
Em algum recanto do universo, que se deságua fulgurantemente em
inumeráveis sistemas solares, havia uma vez um astro, no qual
animais astuciosos inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais
audacioso e hipócrita da “história universal”: mas no fim das contas
foi apenas um minuto.

No trecho citado, é possível notar como o filósofo busca desconstruir a


ideia de que o conhecimento é algo natural, que surge para a humanidade
como verdade e reflete diretamente a realidade. Em contraposição, deixa claro
que ele é uma criação, audaciosa e hipócrita, uma parte pequena daquilo que
ele chama de “história universal”.
Em relação ao segundo texto comentado, da Segunda consideração
extemporânea, Nietzsche tratou das possibilidades que a História traz ao
conhecimento. Se considerarmos que o conhecimento é uma construção que
parte de um sujeito, para o filósofo a História encontrava exatamente aí seu
grande problema. Nessa busca, existem outros fatores que não são
relacionados ao conhecimento. [CALDAS, ano? P.105]
De certa maneira, o que Nietzsche expõe é que o historiador, ao
exercer sua subjetividade na produção do que ele supõe ser o conhecimento,
não considera a sua subjetividade. Sempre existiriam intenções, visões e
interpretações parciais, que fariam daquilo que o historiador produz algo longe
do conhecimento em si. A História então acabaria servindo a intenções, como
quando ela se refere, por exemplo, aos atos políticos de um governo
exaltando. Ela toma a parte pelo todo. Mais que se referir ao real, ela criaria
um verniz social, legitimador de um discurso, que na visão crítica de
Nietzsche, corresponderia ao da modernidade. [CALDAS, ano? P.105] Vale
lembrar que o modelo de História a qual Nietzsche se referia corresponde aos
praticados até o século XIX, muito diferentes da atual realidade.
O conhecimento seguindo os modelos da modernidade, não só o
Histórico, deveria ser revisto. Nietzsche não negava a possibilidade da
construção de um conhecimento do passado, mas entendia que esse modelo
de construção calcado na verdade objetiva e na crença na ciência não seria
capaz de expressá-lo. Era na arte que ele apontaria o formato ideal para a
construção de sentido acerca do passado. Por fim, o filósofo, por suas
críticas, entendia que a noção de progresso era uma atribuição de sentido,
realizada pela modernidade e que justificava suas ações.
O segundo filósofo em questão é o francês Michael Foucault, que
assumidamente tem influência direta do pensamento de Nietzsche. Assim
como na abordagem sobe o filósofo alemão, para compreender a importância
Foucault para a História serão apontados duas obras do autor. O primeiro é o
livro A ordem do discurso, e o segundo é texto Nietzsche: a genealogia e a
história.
Fruto de sua aula inaugural de sua posse no Collège de France,
realizada pelo filósofo em 1970, em A ordem do discurso, Foucault não se
refere diretamente a História, mas sim sobre a importância do discurso. Seu
texto é fundamental para o pensamento pós-moderno, pois demonstra a
importância dos discursos no estabelecimento das estruturas de poder das
sociedades. Portanto, para Foucault, os discursos seria controlada de acordo
com as estruturas de poder, e, através delas exerceriam controle sobre a
sociedade:
...suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é ao
mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída
por certo número de procedimentos que têm por função conjurar
seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,
esquivar sua pesada e terrível materialidade. [FOUCAULT, 1996, p.
8-9.]

Portanto, segundo o filósofo francês, o discurso não é apenas o


encadeamento lógico de ideias e palavras, mas também se expressa como um
instrumento de organização que estrutura as dinâmicas sociais. Passa a ser
assim, alvo de disputas e desejo, e um discurso que sobressai é capaz de
expressar também um domínio sobre o outro.
Assim no decorrer do texto Foucault analisa o discurso de duas
maneiras: uma crítica, onde torna evidente as formas de exclusão e limitação
que ele pode trazer; na segunda, sua ordem é genealógica e pretende
compreender como os discursos são formados a partir de práticas de coerção,
suas regras de produção, transmissão e perpetuação.
Mas como essas colocações de Foucault são importantes para a
Historiografia? Se pensarmos que por muito tempo a História foi produzida, por
exemplo, com intenção de legitimar projetos políticos ou de estado, ou quando
legitima práticas como o racismo, quando reflete a imposição de poder por
parte da cultura ocidental, dentre outras possibilidades, essa afirmação passa
a fazer sentido. Ou seja, o discurso Histórico, além de não ser um
conhecimento que expressa à verdade e é permeado de subjetividade, como
vimos em Nietzsche, também reproduz e realiza expressões de poder.
O segundo texto, Nietzsche: a Genealogia e a História, Foucault parte
do mesmo sentido crítico do filósofo alemão à História antiquarista. Para tal,
propõe o uso da ideia de genealogia, muito desenvolvida no pensamento
nietzschiano, e que se refere a um estudo e entendimento da origem. É
importante observar que a genealogia não é uma busca com sentido de buscar
os motivos históricos de um acontecimento em sua origem para tentar traçar
uma continuidade. Ao contrário, a intenção é de compreender as
possibilidades daquilo que veio a ser: “É preciso saber reconhecer os
acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes
vitórias, as derrotas mal digeridas” [FOUCAULT, 1993, p. 19].

Dessa maneira, as proposições de Foucault para a História também são


críticas a ideia de totalidade, de desenvolvimento e de evolução. Nesse
sentido, Foucault afirma:
A genealogia não se opõe à história como a visão altiva e profunda
do filósofo ao olhar de toupeira do cientista; ela se opõe, ao
contrário, ao desdobramento meta-histórico das significações ideais
e das indefinidas teleologias. Ela se opõe a pesquisa da “origem”.
[FOUCAULT, 1993, p. 17.]

Como pesquisar e produzir em História? Diferente de Nietzsche, que


apenas teceu críticas e sugeriu que a arte, principalmente a música, poderia
expressar melhor o passado que qualquer historiador, Foucault de fato
pesquisou e produziu estudos sobre o passado. Para ele, a História deveria
ser heterogênea, composta por um feixe de relações, e não a busca ilusória da
existência encadeada de uma identidade entre um sujeito e o mundo. Dessa
maneira, o historiador não deve procurar sentidos ocultos, mas um campo
heterogêneo onde o acontecimento marca os encontros. [CALDAS, 2011, p.
112-113]
Por fim, pode-se afirmar que as contribuições de Nietzsche e Foucault
ajudaram a Historiografia a repensar suas práticas e abordagens,
principalmente na forma de abordar um objeto e um assunto. São importantes
também para repensar relações de verdade e finalidade normalmente
atribuídas ao estudo da História. Tanto Nietzsche quanto Foucault também
contribuem com uma contundente crítica à modernidade, o que possibilita
pensar a História fora de uma lógica ocidental, abrindo espaço a novas
abordagens e problemas.

5.3 – O CONCEITO DE REPRESENTAÇÂO

Como comentado brevemente na Unidade anterior, o conceito de


representação foi de grande relevância para a Historiografia. Apresentado a
partir das práticas da História Cultural, o breve debate se deu a partir das
ideias de Roger Chartier. Como afirmado, o historiador francês usa os
conceitos de “práticas” e “representações” para demonstrar como através das
representações criadas da realidade as práticas humanas, dentro de um viés
culturalista ocorreriam.
Um importante referencial teórico para o conceito de representação
parte do sociólogo e semiólogo francês Roland Barthes, um dos principais
teóricos do estruturalismo. Para Barthes, a representação pode ser
compreendida como algo que se apresenta no lugar de uma determinada
coisa para enquadrá-la num sistema de linguagens, que interpreta, interfere e
atua sobre a realidade. A preocupação do pensador francês está mais na
forma da escrita do que relacionada ao que ela pretende comunicar.
No caso da História, a escrita seria uma forma de representar o
passado. Em seu texto “O discurso da história”, Barthes faz uma análise a
partir do discurso de historiadores clássicos como Maquiavel, Bossuet,
Michelet e Heródoto. Segundo o autor:
(...) a narrativa dos acontecimentos passados, submetida
comumente, em nossa cultura, desde os gregos, à sanção da
“ciência” histórica, colocada sob a caução imperiosa do “real”,
justificada por princípios da exposição “racional”, essa narração
difere realmente, por algum traço específico, por uma pertinência
indubitável, da narração imaginária, tal como se pode encontrar na
epopéia, no romance, no drama? (BARTHES, 2004, p. 164).

Assim, com a escrita funcionando como representação do passado, e


não a sua realidade, o sociólogo francês afirma existirem três formas clássicas
que o historiador usa para dar sentido ao seu discurso, apresentados nesse
mesmo texto. Barthes chama de esses três tipos de shifters, palavra que pode
ser compreendida como aquele que muda, passando uma noção de
articulação. Os três tipos encontrados no discurso do historiador então seriam:
 A do ouvinte, aquele que observa, legitima e atesta o discurso, referente
a toda a escuta do historiador, possível por fontes e testemunhas.
 Do tempo da escrita e da enunciação histórica em relação ao tempo do
ocorrido, objetivo e crônico, que levou a ação. Assim Barthes acredita
que não existe uma narrativa do real, mas sim uma narrativa que cria o
efeito do real;
 E por fim, o terceiro tipo que remete ao próprio enunciador, e que
denota a subjetividade, que no discurso histórico apresenta-se
normalmente como ausente, como um observador externo.

E onde é possível encontrar a objetividade no discurso do historiador?


Para Barthes, ela se torna impossível, pois ao ser ouvinte, criar um tempo
como artifício ou se pretender analítico pela ausência do discurso, o historiador
cria uma espécie de “efeito do real”, onde apesar do leitor ter a nítida
experiência de se transportar no tempo, se depara com uma espécie de truque
realizado pela sua linguagem. [CALDAS, 2011, p. 127]. Dessa maneira a
História, como reflexão do passado, ao utilizar a linguagem como artifício para
representá-lo deveria ser compreendida como um ramo da lingüística, “e
nenhuma história da historiografia seria possível se não se estudasse antes a
maneira como a linguagem se estrutura.” [CALDAS, 2011, p. 129].
5.4 – HAYDEN WHITE E A QUESTÃO DAS NARRATIVAS

De acordo com Marczal, a “percepção da história – assim como dos


saberes em geral – como discursos é um dos aspectos fundamentais aos
postulados de pesquisa levantados pelo pensamento pós-moderno.”
[MARCZAL, 2016, p. 199.]. Mas como a relação entre História e narrativa
ocorreu? Qual seu sentido e importância para a Historiografia?
Durante o século XX, um movimento filosófico que ficou conhecido
como virada lingüística, modificou a estrutura de diversos campos do saber.
Inspirada em autores como Ferdinand de Saussure, Leopold Wittgenstein,
Martin Heidegger, Roland Barthes, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Lacan,
Nietzsche e Foucault. Com foco na relação entre filosofia e linguagem, a
virada lingüística pode ser definida como um momento onde diversos campos
do pensamento humano passam a entender a linguagem como um lugar onde
a realidade se efetiva. Dessa maneira, a linguagem, pode ser considerada
como capaz de criar, reproduzir e efetivar estruturas, não sendo apenas uma
projeção humana que nomeia os elementos que constituem a realidade.
A reavaliação da relação entre linguagem e realidade é compreendia
pela impossibilidade de atingi-la diretamente. Tal situação ocorreria, pois
estaríamos sempre lidando com signos, sentidos e significados. É a linguagem
que torna o mundo compreensível e concretizamos nossas ideias e
pensamentos [MARCZAL, 2016, p. 200]. Inclusive as modificações que nós
fazemos no mundo real são possibilitadas pela capacidade que temos de nos
comunicar e transmitir ideias pela linguagem.
Para a História, o historiador estadunidense Hayden White é
considerado uma voz importante da pós-modernidade através de sua obra
Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. Fundamentalmente, White
buscou aproximar História e Literatura, baseado na ideia de se a História era
subjetiva e correspondia a um ato de criação do historiador, ela
consequentemente tinha aspectos ficcionais da mesma forma que tem a
literatura. Segundo o autor, a história é “uma estrutura verbal na forma de um
discurso narrativo em prosa”. [WHITE, 1995, p. 11]
O trabalho de White parte da análise de clássicos da historiografia do
século XIX como Michelet, Marx, Ranke, Tocqueville, Burckhardt, Croce dentre
outros. Ao analisar essas obras, o historiador conclui que o exercício de
imaginação histórica permeia o processo de pesquisa e escrita da História.
Quando escreve sobre o passado, o historiador também incorpora um
“conteúdo formal particular, poético e lingüístico, que compreende um
entendimento previamente aceito do que compõem uma explicação
propriamente histórica.” [MARCZAL, 2016, p. 202]
Outro ponto é que para White uma abordagem histórica digna deveria
não se preocupar em criar identidades nacionais ou ser um repositório de
modelos para o aprendizado no futuro. Junto com a pós-modernidade, não só
a busca por estruturas narrativas que dessem conta de explicar a realidade
como um todo através de um sentido, mas também funções normalmente
atribuídas a História.
A esse historiador do século XIX, segundo Hayden White, era atribuído
o papel de eliminar a distância entre o passado e o presente através de um
recurso poético, e não por meio de método ou conceito. O recurso utilizado
seria então o da metáfora, que cria uma semelhança entre o passsado e o
presente, tornando-o inteligível. [CALDAS, 2011, p. 135]
Assim, pode-se afirmar que a pós-modernidade em sua crítica ao
modelo historiográfico, principalmente aquele do século XIX, ajudou a
modificar a relação entre historiador, leitor e texto. Esses não se dariam mais
numa busca pela verdade, numa explicação estrutural ou como o lugar de
aprendizado. Mas a História, ao ser aproximada da literatura e do discurso,
perderia a sua função e se tornaria apenas arte? Na próxima Unidade o
objetiva vai ser analisar como respostas a esse posicionamento foram
formuladas dentro do campo historiográfico, e como novas formas de
compreender a História concebem seu espaço no campo científico e do
conhecimento.

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Aforismos
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APOST CEDERJ

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Segunda consideração intempestiva: da


utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume
Dumará. 2003.

Nietzsche, Friedrich Wilhelm; Barros, Fernando de Moraes (2007). Sobre


verdade e mentira no sentido extra-moral. [S.l.]: Hedra. ISBN 9788577150748

https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/42576/pdf/0?
code=29IPURP/u2+ljCRGMXEkCfP7EWfQv7SWHa4+0bp09zTwgE88BKsBD6
2C6FU/Gc1s4g4nm5c6Hdup4NtUSpklkg==

UNIDADE 6 – KOSELLECK E RÜSEN: RESPOSTAS A PÓS-


MODERNIDADE?

PÁGINA ESQUEMÁTICA
6.1 – QUAL O LUGAR DA HISTÓRIA NA ATUALIDADE?

Nas Unidades 4 e 5 foram expostas algumas das tendências teóricas e


metodológicas de fins da década de 1960 e que influenciam até o presente a
Historiografia. Tanto o que é chamado de pós-modernidade como a História
Cultural propiciaram uma revisão de conceitos e formas de se produzir
transmitir conhecimentos sobre o passado. Porém, principalmente a partir da
pós-modernidade, a História como campo do conhecimento se viu questionada
a partir não só da relação com a literatura, sintetizada pelas colocações de
Hayden White, mas do próprio questionamento da construção das verdades e
das críticas ao conhecimento científico moderno.
Se a História é um gênero literário, como é possível localizá-la no
campo do conhecimento? A História tem função definida? Tem sentido? Se a
ciência, a partir do paradigma modernista, precisa se ressignificar, qual a
posição da História? Quais os caminhos que a História toma perante essa
realidade?
Dessa forma, nessa última Unidade o objetivo será ver brevemente
como a Historiografia responde a algumas críticas da tão comentada crise dos
paradigmas, e, consequentemente, analisar alguns rumos e possibilidades
encontradas. O caminho que aqui será apontado parte das respostas que de
dois historiadores alemães Jörn Rüsen e Reinheart Koselleck.
A partir de Koselleck iremos analisar a História dos Conceitos, que é
uma vertente que tem nele um de seus principais nomes. A História os
Conceitos pode oferecer outra visão para a relação entre História e Literatura.
Nessa vertente de estudos, dedica-se a análise histórica dos conceitos, assim
como suas modificações no tempo. Considerando que a ideia de conceito é
distinto de palavra, objetivo será compreender como os diferentes significados
dos termos e da linguagem no decorrer do tempo tem relação com aquilo que
é dito pelos estudos históricos.
Num momento seguinte da Unidade, o pensamento de Rüsen será
analisado a partir de alguns dos seus questionamentos acerca do lugar da
História. A escolha pelas colocações teóricas desse historiador é devida sua
posição perante as questões relativas a razão, ao sentido e da proximidade
com a literatura, além de se apresentar como uma solução ao dilema.

6.2 A HISTÓRIA DOS CONCEITOS

De acordo com os historiadores Marcelo Gantus Jasmin e João Feres


Junior, a Begriffsgeschichte – termo germânico utilizado para designar a
História dos Conceitos – é um campo de estudos históricos restrito à realidade
alemã, mas que desde meados da década de 1990 tem sido recebido por
outros círculos acadêmicos. No Brasil, sua recepção é recente, mas,
principalmente acerca dos conceitos teóricos de Reinheart Koselleck, nota-se
sua presença nos programas de graduação e pós-graduação das
Universidades.
Dessa maneira, para o presente texto, o foco será nas concepções de
Koselleck, estudioso do tema a partir da década de 1950. Morto em 2006, é
considerado um dos grandes representantes dessa vertente teórica da
História. Em Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos,
de 1979, Koselleck reuniu as mais importantes questões colocadas pela
História Conceitual, seus princípios e diferenciação em relação a outras
disciplinas e correntes metodológicas. Nessa obra também se refere à
hipótese de que o surgimento a modernidade está relacionado aos usos
públicos e políticos da linguagem. Em uma conferência proferida em 1992 e
reproduzida pela revista Estudos Históricos, Koselleck afirma:
A história dos conceitos coloca-se como problemática indagar a partir
de quando determinados conceitos são resultado de um processo de
teorização. Essa problemática é possível de ser empiricamente
tratada, objetivando essa constatação, por meio do trabalho com as
fontes. [KOSELLECK, 1992, p.136.]

Os principais temas de trabalho de Koselleck referem-se a relação entre


os conflitos políticos e sociais, interpretados de acordo com seu tempo,
contexto e usos. Dessa maneira, “trata-se de pôr os conceitos políticos e
sociais em relação com a continuidade ou com a descontinuidade das
estruturas políticas, econômicas e sociais...” [JASMIN; FERES JUNIOR. 2006,
p. 23]. A partir desse posicionamento, pode-se também realçar a preocupação
que Koselleck tem em seus trabalho com o uso dos conceitos e seu tempo.
Marcelo Jasmin e João Feres Junior chamam atenção para três pressupostos
básicos do pensamento de Koselleck, que norteiam o seu trabalho:
 O primeiro, se refere a distinção entre conceito e palavra. Para o
historiador alemão, nem toda palavra se torna necessariamente um
conceito, sendo o conceito referente a uma determinada palavra, dotado
de uma significação mais ampla que a própria palavra.
 O segundo, refere-se a questão contextual. Para Koselleck, um conceito
nunca está isolado, sempre se relaciona a um quadro lingüístico mais
abrangente. Outro aspecto, é que para ele a ideia de contexto não tem
limite, podendo significar o parágrafo ao qual o conceito está contido até
a sociedade em que se encontra. Assim, resta ao pesquisador escolher
os caminhos a seguir de acordo com os interesses de seu trabalho.
 O terceiro e último pressuposto refere-se ao “triângulo lingüístico”
palavra-significado-objeto e realça que cada conceito só pode ter um
significado, correspondente ao seu exato contexto. Assim, se tomarmos
a ideia de facismo, por exemplo, seu significado corresponde apenas a
realidade onde foi criado, na Europa da prieira metade do século XX.
Porém, nota-se também que a palavra é ainda utilizada, em diferentes
contextos e realidades. O que Koselleck defende é que ocorre uma
espécie de ressignificação da palavra, onde, num contexto diferente, ela
evoca aplicações semelhantes a original.

Portanto, a História dos Conceitos segundo a visão de Koselleck,


também se coloca perante a questões referentes a relação entre linguagem e
História. Porém, a relação traça tem um sentido diferente daquelas
apresentadas por Hayden White e características da crise dos paradigmas.
Para Koselleck:
Isto porque considero teoricamente errônea toda postura que reduz a
história a um fenômeno de linguagem, como se a língua viesse a se
constituir na última instância da experiência histórica. Se
assumíssemos semelhante postura, teríamos que admitir que o
trabalho do historiador se localiza no puro campo da hermenêutica.
[KOSELLECK, 1992, p.136.]

Esse trecho é retirado da conferência “Uma Historia dos Conceitos:


problemas teóricos e práticos”. Mesmo que sem diretamente se referir a White,
pode-se perceber o tom de oposição da resposta de Koselleck em relação ao
condicionamento da História a um ramo da Literatura. Para tal, o historiador
alemão coloca a própria linguagem como algo formado historicamente, e que
ao mesmo tempo depende da sua relação com a linguagem e o tempo.
A partir de Koselleck é possível perceber como História e Literatura
podem ser compreendidos além de uma relação de dependência, evidente
após crise dos paradigmas. Seus estudos também são debatidos a aprtir de
outros temas importantes para a Historiografia atual, como a noção de regimes
de historicidade. Essa noção colocada por Koselleck também inspirou debates
por outro historiador, o francês François Hartog.

SE LIGA NA EDUCAÇÂO!!

6.3 – A RESPOSTA DE RÜSEN A HAYDEN WHITE


Uma das críticas possíveis de se estabelecer ao trabalho de Hayden
White se refere ao objeto de estudo. Segundo o que foi exposto, ele tira suas
conclusões acerca do campo do conhecimento da História a partir da análise
do trabalho de historiadores clássicos do século XIX. Dessa maneira, ao
escrever Meta-história: a imaginação histórica do século XIX, boa parte das
observações que White faz já haviam sido incorporadas e debatidas pela
História. Como exemplo, pode ser citado à renovação marxista inglesa e a
crítica a relação base econômica X superestrutura e as modificações teóricas
e metodológicas reafirmadas a partir da Escola dos Annales, dentre outras
possibilidades.
Mesmo assim, diversos dos questionamentos expostos a partir das
colocações pós-modernas ainda careciam de uma resposta mais contundente.
Assim, o ponto de partida apresentado no presente texto terá inspiração no
pensamento do historiador alemão Jörn Rüsen. Através de suas ideias, Rüsen
propõe uma saída para questões como a relação com a literatura e a
existência de razão e sentido para a História. Sua resposta aos dilemas
expostos para a Historiografia a partir da segunda metade do século XX, tem
fundamento na crise dos paradigmas dentro das Ciências Humanas e Sociais.
Em sua obra História Viva, que compõem o último volume da trilogia
Teoria da História, o autor busca refletir acerca das formas e funções da
ciência histórica. Assim, de acordo com Rusen, o que se pretende é “...
apresentar a teoria da história como autocompreensão da ciência da história
quanto a seus fundamentos e à sua matriz disciplinar.” [RUSEN, 2007, p.7]. A
obra é dividida em três capítulos que tratam das formas de escrita da História,
das funções do saber histórico e por fim, apresenta sugestões para o futuro da
produção de conhecimento histórico.
Desta maneira, um dos princípios que Rüsen apresenta em sua obra é
a necessidade que temos de escapar da visão dicotômica entre o
entendimento da História por pressupostos científicos em oposição a uma
visão que a considere como um produto artístico ou literário. Sua intenção é
demonstrar que existe uma racionalidade específica da História, e que nela, as
características literárias são parte da coisa em si.
Para tal, Rüsen afirma existirem duas dimensões para a História: uma,
que denomina de forma expressiva, é mais artística, ligada a forma como os
historiadores expressam suas conclusões; e outra, chamada de forma
cognitiva, é mais científica, ligada aos procedimentos metodológicos da
pesquisa e da relação com as fontes. Para ele, essas duas dimensões nunca
foram conflitantes até um dado momento da Historiografia, principalmente no
século XIX, onde o sucesso das ciências trouxe para a História a necessidade
de se enquadrar nos ditames do conhecimento científico.
Portanto, o debate que associa a História a literatura ou a arte, assim
como a tentativa de torná-la demasiadamente científica são marcas de um
período influenciado pela lógica positivista. Essa oposição decorre de uma
visão tradicional, que a própria ciência histórica utiliz ou para distinguir-se de
uma tradição, qualificada pelo autor como pré-científica, mas que já não teria
mais motivos. Vale a pena citar o trecho onde o Rüsen expõe essa colocação:
A teoria contemporânea da literatura igualmente se fiou amplamente
na possibilidade de questionar a pretensão de cientificidade da
história, mediante o mito da facticidade da história que se obtém a
parir de dados adquiridos, interpretativamente, pela crítica das
fontes. Sua crítica continua na dependência de uma concepção
positivista de ciência. Não se levou em conta que esse positivismo
não é apropriado a descrever adequadamente as operações
metódicas determinantes da história como ciência. Se a
interpretação da realidade depender exclusivamente da alternativa
entre facticidade dos dados das fontes e ficcionalidade dos contextos
de sentido e significado, então a operação cognitiva da pesquisa
especificamente histórica, a interpretação, deve ser vinculada à
segunda opção. Só assim, é que se pode opor o caráter poético-
retórico ao caráter científico da história. [RÜSEN, 2007, p. 27]

Assim, a partir da ideia da coexistência da forma cognitiva com a forma


expressiva, Rüsen busca uma concepção diferente de ciência. No caso
específico da História, a parte mais artística e expressiva, traduzida pela sua
linguagem, é tão importante quanto a parte científica, capaz de aproximar o
relatado com o ocorrido. Dessa maneira, a valorização da forma cognitiva é
colocada como um processo histórico. Sua proposta para o falso dilema entre
ciência e arte é que ambas compõem a produção do saber histórico, um dando
conta da capacidade de expressar e atingir as pessoas, enquanto o outro a
aproximaria do real.
Outro ponto importante colocado por Rüsen se refere a constituição de
sentido. Como visto na Unidade anterior, um dos resultados da crítica pós-
moderna a Historiografia se refere a existência de sentidos pré-determinados
para a história ou as metanarrativas, que são discursos que buscam explicar a
realidade histórica a partir de grandes esquemas ou da constatação de
continuidade, progresso, evolução, dentre outros.
Para Rüsen, o sentido da História é determinado pelo seu discurso, ou
seja, na sua forma expressiva: “A historiografia pode ser caracterizada como
processo de constituição narrativa de sentido, na qual o saber histórico é
inserido (mediante narrativa) nos processos comunicativos da vida humana...”
[RÜSEN, 2007, p.43]. Assim, o autor apresenta quatro formas ou princípios de
sentido para a História: a constituição tradicional de sentido, a constituição
exemplar de sentido, a constituição crítica de sentido e a constituição genética
de sentido. O objetivo é, assim, demonstrar como a História estabelece seus
sentidos, demonstrando como não basta negar a existência deles no discurso
historiográfico, mas sim entender como são formados e quais suas funções.
Essa saída aproxima a História da literatura e da arte na medida em que se faz
necessária, e, ao mesmo tempo demonstra a importância do sentido para a
constituição do saber histórico.
A constituição tradicional de sentido é aquela que “interpreta as
mudanças temporais do homem e do mundo com a representação da duração
das ordens do mundo e das formas de vida” [RÜSEN, 2007, p.48]. Ou seja, é
aquela em que o ponto de vista busca sempre uma origem, que por si só é
capaz de explicar o motivo e a relação das coisas no processo histórico,
justificando-se pelo enraizamento e pela continuidade das práticas na
sociedade. “Por ele, o tempo é eternizado como sentido” [RÜSEN, 2007, p.49]
Como exemplo, pode-se apontar a justificativa para os matrimônios e rituais de
uma determinada sociedade, que reproduz e transmite as formas e os motivos
daquele ato.
Na constituição exemplar de sentido a argumentação histórica se
preocupa em olhar para o passado para tentar explicar o presente, através da
semelhança e daquilo que podemos aprender com os atos ocorridos. Esse
modelo corresponde aquela a História conhecida como magistra vitae. A
continuidade histórica se apresenta submetida a uma espécie de sistema de
regras e sua maior característica é deixar a impressão de que a História
ensina pela “moral”, que ganha significados para as práticas atuais. Nela, “O
tempo é espessado como sentido” [RÜSEN, 2007, p.53]. Assim, nesse modelo
pode-se afirmar que a História pode se submeter a regras nas “quais a
validade supratemporal dos princípios está contida.” [RÜSEN, 2007, p.53]. Um
exemplo fácil de apontar são visões históricas que buscam nos conflitos
políticos e bélicos modelos de compreensão e justificativa para o presente ou
para outros passados, estabelecendo-se regras ou buscando formas de agir
semelhantes, que fossem capazes de explicar o ocorrido.
Por outro lado, a constituição crítica de sentido é aquela que pretende
romper com as regras, e busca “esvaziar os modelos de interpretação histórica
culturalmente influentes, mediante a mobilização da interpretação alternativa
das experiências históricas conflitantes.” [RÜSEN, 2007, p.55]. Apresenta-se
então, como ruptura da continuidade, das categorias, dos conceitos-chave e
dos símbolos. Rüsen identifica o discurso pós-moderno e cita os trabalhos de
Foucault como exemplos desse forma de sentido do discurso. Dessa maneira,
o “tempo, como sentido, torna-se julgável” [RÜSEN, 2007, p.57]. A partir da
constituição crítica surgem novas abordagens da experiência histórica, novos
elementos, pontos de vista e debates são incorporados.
Por fim, Rüsen se refere a construção genética de sentido, que é aquela
que é centrada na mudança temporal. Assim, com o tempo significando
mudança, adquire-se uma qualidade positiva. É desse modelo as construções
historiográficas que apresentam sentido teleológico, alvo de pesadas críticas
durante a crise dos paradigmas. Nela, a perspectiva de um futuro melhor e do
tempo como evidência de um processo mais amplo, indica que a História já é
praticamente traçada em sua origem (por isso o uso do termo “genética”) e
que a História apenas evidencia o desenvolvimento, o progresso, o processo,
a evolução, que necessariamente conduziriam a algo que já está pré-
determinado. Portanto, “O tempo como sentido, é temporalizado”, ou seja, o
tempo é o próprio sentido que daria conta de concretizar o que historicamente
nos tornaríamos. Tudo está incluído em um processo. Como exemplo,
podemos citar a Historiografia Marxista ortodoxa, onde a relação base x
superestrutura é capaz de indicar os trajetos que o tempo ocorrerá.
Ao determinar as quatro formas de atribuição de sentido, Rüsen afirma
que nenhuma das quatro formas é encontrada em seu estado puro, e que os
vários tipos interagem entre si. Dessa forma, uma forma de atribuição de
sentido não pode ser pensada sem as demais. O historiador alemão defende
que a relação dialética das quatro formas de sentido é que trazem vivacidade
ao discurso histórico:
“É muito mais do que um recurso de última instância, quando se diz
ser “dialética” a interrelação entre os quatro tipos, na formatação
historiográfica do saber histórico. A dialética articula a implicação e a
transcendência como relação lógica. Trata-se de um contexto que
reúne efetivamente as partes e as coloca ao mesmo tempo em
contradição – ou seja, contém momentos de negatividade que
vivificam o processo da formatação historiográfica com uma tensão
interna entre os elementos típicos das diversas formas. Essa tensão
confere a historiografia uma historicidade interna própria. Com esta,
a historiografia ganha atratividade própria e a possibilidade de
aparecer ao público como algo mais do que um mero modelo pré-
fabricado de interpretação histórica, destinado a absorver novos
conhecimentos.” [RÜSEN, 2007, p. 64]

A aproximação entre História e literatura também pode ser entendida


como resultado do aprofundamento da compreensão das relações entre seres
humanos, linguagem e realidade. Rüsen compreende essa aproximação num
debate que leva em conta a tradição historiográfica ocidental de forma mais
ampla, não limitando o debate a um determinando momento. Desta maneira,
rompendo com a modernidade e a pós-modernidade, propõe que a narrativa e
o sentido, que para ele significa a forma como o historiador transmite suas
conclusões acerca do passado, é quem são responsáveis pela efetiva
capacidade da História de refletir sobre o passado.
Portanto, com Rüsen, é possível perceber a História como um campo
de debates ocorridos a partir de discursos. Tanto o uso da narrativa, da
pesquisa e dos sentidos são parte componente da Historiografia, são elas que
mantém a História viva, em constante reavaliação e estimulada a seguir
debatendo a realidade. A sua concepção de História e de sua relação com as
críticas evidentes a partir da crise dos paradigmas, ajudam a compreender o
campo de estudos além dessa crise, e propõe uma ressignificação da
Historiografia e denota as características como um campo de conhecimento
singular, que tem elementos tanto “científicos” quanto “artísticos” em sua
composição.

6.4 CONCLUSÃO

Na disciplina Historiografia, o objetivo foi analisar a trajetória da História


como um campo de conhecimento, principalmente no século XX, além de
compreender algumas das principais correntes teóricas e metodológicas
influentes em nossa realidade. Como dito na primeira Unidade, essa análise é
importante na formação de historiadores, pois propicia o debate com os iguais,
um aprimoramento e a adequação da História como campo do conhecimento,
além de permitir compreender as produções sobre o passado adequadas aos
debates e realidades de seu tempo.

AFIRMAR RUSEN COMO UMA RESPOSTA QUE INCORPORA E


COMPREEENDE O SENTIDO DA CRISE DOS PARADIGMAS.

QUESTIONAR O PÓS MODERNISMO

Dizer que houve uma revitalização epsitemológica

Apontar alguns caminhos.

https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Loader/3775/pdf

a narrativa é fruto de uma necessidade humana de elaborar as mudanças


sofridas no tempo. A identidade não é um truque ideológico a ser denunciado,
mas uma exigência incontornável, ainda que provisória. Por esta razão,
mesmo que não cite Hayden White, sua crítica em relação a ele é evidente.
[CALDAS, 2011, p. 147]
Glosaario

Coetâneo
anacrônico
hermeneutica

BIBLIO
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1945/1084
APÓS O FINAL DA UNIDADE 6

GABARITO – FIXANDO O CONTEÚDO


UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3
QUESTÃO 1 QUESTÃO 1 QUESTÃO 1
QUESTÃO 2 QUESTÃO 2 QUESTÃO 2
QUESTÃO 3 QUESTÃO 3 QUESTÃO 3
QUESTÃO 4 QUESTÃO 4 QUESTÃO 4
QUESTÃO 5 QUESTÃO 5 QUESTÃO 5
QUESTÃO 6 QUESTÃO 6 QUESTÃO 6
QUESTÃO 7 QUESTÃO 7 QUESTÃO 7
QUESTÃO 8 QUESTÃO 8 QUESTÃO 8

UNIDADE 4 UNIDADE 5 UNIDADE 6


QUESTÃO 1 QUESTÃO 1 QUESTÃO 1
QUESTÃO 2 QUESTÃO 2 QUESTÃO 2
QUESTÃO 3 QUESTÃO 3 QUESTÃO 3
QUESTÃO 4 QUESTÃO 4 QUESTÃO 4
QUESTÃO 5 QUESTÃO 5 QUESTÃO 5
QUESTÃO 6 QUESTÃO 6 QUESTÃO 6
QUESTÃO 7 QUESTÃO 7 QUESTÃO 7
QUESTÃO 8 QUESTÃO 8 QUESTÃO 8

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS
(Todas as referências no final da última unidade)

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