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analítico

segunda a sua formulação precisa e completa. Londres: Routledge.


A experiência mostra que em geral se tem boas Gödel, Kurt et. al. 1979. O Teorema de Gödel e a
ideias em lógica antes de se proceder à sua Hipótese do Contínuo. Trad. e org. M. S. Louren-
formulação precisa e completa. A análise con- ço. Lisboa: Gulbenkian.
ceptual é precisamente uma das formas de Moore, G. E. 1953. Some Main Problems Of Phi-
obter tal formulação. Dois objectivos podem losophy. Londres: Routledge.
ser alcançados com o uso da análise concep- Russell, B. 1956. The Principles of Mathematics.
tual: 1) A descoberta de axiomas; 2) A solução Londres: George Allen and Unwin.
sistemática de problemas a partir dos axiomas Russell, B. e Whitehead, A. 1962. Principia Mathe-
encontrados. matica. Cambridge: Cambridge University Press.
Embora Gödel não tenha produzido uma Urmson, J. O. 1956. Philosophical Analysis. Oxford:
enumeração dos conceitos primitivos da lógica Oxford University Press.
(como teoria dos conceitos) pode-se inferir que Wang, H. 1988. Reflections On Gödel. Harvard,
qualquer entidade é para Gödel ou um conceito MA.: MIT Press.
ou um objecto ou um conjunto, isto é, um Wittgenstein, L. 1922. Tratado Lógico-Filosófico.
objecto matemático. Nestas condições, a lógica Trad. M. S. Lourenço. Lisboa: Gulbenkian, 1987.
teria na verdade três conceitos primitivos: 1)
conceito; 2) objecto; 3) conjunto. análise, paradoxo da Ver PARADOXO DA ANÁLISE.
Existe uma caracterização axiomática da
teoria de Gödel sobre conceitos que se deve a analítico Uma frase é analítica se, e só se, a
Hao Wang. O ponto de partida é a ideia de que compreensão do seu significado é suficiente
qualquer conjunto é a extensão de um certo para determinar o seu valor de verdade. Uma
conceito. Se estas extensões tiveram uma car- frase é sintética caso a compreensão do seu
dinalidade moderada, será possível obter o significado não seja suficiente para determinar
conceito de conjunto e os axiomas acerca de o seu valor de verdade. Por exemplo, a frase
conjuntos a partir da teoria dos conceitos. O «A neve é branca» é sintética, dado que com-
sistema de Wang é obtido do sistema de Zer- preender o seu significado não é suficiente para
melo-Fraenkel, substituindo a relação primitiva determinar se a frase é verdadeira ou falsa. Já a
de pertença pela nova relação primitiva de frase «Ou a neve é branca ou a neve não é
aplicabilidade A(x, y), «x aplica-se a y». Para a branca» é uma verdade analítica, dado que
formula A(x, y) Wang exige que: E) «se k é o compreender o seu significado é suficiente para
tipo de x, então k + 1 seja o tipo de y»; em determinar que é verdadeira. A distinção entre
geral, se A(x, y) contém apenas ocorrências de analítico e sintético não deve ser confundida
termos primitivos, então todas as ocorrências com a distinção entre A PRIORI e a posteriori. A
da mesma variável sejam atribuídas ao mesmo primeira é uma distinção semântica acerca de
tipo. Uma fórmula que satisfaz esta condição tipos de frases, a segunda é uma distinção epis-
chama-se «estratificada». A análise de Wang temológica acerca de tipos de modos de conhe-
tem o seguinte aspecto: Axioma I: Se a fórmula cer. Também não se deve confundir a distinção
Fx está estratificada, então existe um conceito y entre analítico e sintético com a distinção entre
tal que ∀x Ayx ↔ Fx. Definição 1: Y é um con- necessário e contingente (ver NECESSIDADE). A
junto, que se denota por My, significa que y é segunda é uma distinção metafísica acerca de
extensional e fundado. Axioma II: x ∈ y ↔ Mx modos de verdade. E mesmo que se verifique
∧ My ∧ Ayx. Axiomas III: Os axiomas de Zer- que todas as verdades analíticas são necessárias
melo-Fraenkel, com os quantificadores restri- e que todas as verdades sintéticas são contin-
tos a conjuntos. MSL gentes, esta é uma tese filosófica substancial e
não uma mera convenção.
Carnap, R. 1959. The Logical Syntax of Language. A noção de analiticidade foi introduzida por

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analítico

Immanuel Kant. Contudo, Kant pressupunha empiristas de modo a explicar o a priori.


que todas as frases eram do tipo sujeito- Vejamos então quais são essas definições
predicado, isto é, da forma A é B, definindo as (Boghossian 1997):
frases analíticas (a que ele chamava «juízos»)
como aquelas em que o sujeito está contido no Analiticidade metafísica Uma frase é uma verdade
predicado (1787, A6–7, B10). Ao longo da his- analítica se, e só se, a sua verdade depender uni-
tória da filosofia a noção foi refinada de modo camente do seu significado.
a eliminar as deficiências da definição kantia- Analiticidade de Frege Uma frase é uma verdade
na. Mais adiante iremos considerar três das analítica se, e só se, for uma verdade lógica ou
definições mais importantes. Mas antes de puder ser transformada numa verdade lógica pela
mais é preciso compreender um pouco melhor substituição de sinónimos por sinónimos.
a importância desta noção. Analiticidade epistemológica Uma frase é uma ver-
Além de esta noção captar um fenómeno dade analítica se, e só se, a mera apreensão do
semântico em si importante, ela desempenhou seu significado for suficiente para nos justificar a
e desempenha um papel central na discussão tomá-la como verdadeira.
entre racionalistas e empiristas sobre a existên-
cia do conhecimento a priori. A ideia basilar Comecemos pela analiticidade de Frege. De
do empirismo é que todo o conhecimento subs- acordo com esta definição, uma frase é uma
tancial deriva da experiência. Contudo, a maio- verdade analítica se, e só se, for uma verdade
ria dos empiristas aceita também a intuição de lógica ou transformável numa verdade lógica
que o modo como conhecemos as verdades da pela substituição de sinónimos por sinónimos.
lógica e da matemática, por exemplo, é dife- Tome-se as seguintes frases:
rente do modo como conhecemos as verdades
empíricas. A forma como os empiristas conci- Ou chove ou não chove.
liam ambas as ideias ⎯ a tese basilar empiris- Nenhum solteiro é casado.
tas e a de que existe conhecimento a priori ⎯
consiste em defender que todas as verdades a Sob a definição de analiticidade de Frege,
priori são analíticas. Se o conhecimento a estas frases são verdades analíticas. A primeira
priori for mero conhecimento de verdades ana- é uma verdade lógica; logo, satisfaz a definição
líticas, então o conhecimento a priori, argu- de analiticidade. A segunda pode ser reduzida a
mentam os empiristas, é mero conhecimento uma verdade lógica se substituirmos o termo
linguístico. E conhecimento linguístico é algo «solteiro» pela expressão sinónima «não casa-
que os empiristas podem aceitar, pois não é do»; logo, também satisfaz esta noção de anali-
conhecimento substancial acerca do mundo, ticidade. O problema óbvio que esta definição
mas mero conhecimento de significados, ou enfrenta é o facto de não ser suficientemente
convenções linguísticas, ou de relações entre lata para abranger todas as frases que intuiti-
os nossos conceitos. E isso não colide com a vamente consideramos analíticas. Por exemplo,
tese empirista basilar de que todo o conheci- as verdades matemáticas seriam excluídas (se
mento substancial é conhecimento que deriva aceitarmos que a matemática não pode ser
da experiência. Deste modo, argumentando que reduzida à lógica, o que hoje em dia pratica-
todas as verdades a priori são verdades analíti- mente todos os matemáticos aceitam, mas que
cas, os empiristas conseguem explicar o a prio- Frege rejeitava); e verdades conceptuais como
ri sem apelar à capacidade de intuição racional a de que todo o objecto vermelho é colorido
racionalista. seriam igualmente excluídas. Houve algumas
Como dissemos, foram várias as propostas tentativas para salvar esta definição de modo a
de definir analiticidade. Mas são apenas três as acomodar os casos difíceis (nomeadamente, as
definições mais importantes, usadas pelos verdades matemáticas), mas não foram muito

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analítico, história da noção de

convincentes. Além disso, esta definição tem verdadeiras, sejam analíticas ou sintéticas. A
outra dificuldade: limita-se a pressupor que as frase «A neve é branca», apesar de não ser ana-
verdades lógicas são verdades analíticas, mas lítica, também deve a sua verdade, parcialmen-
não explica porquê. te ao facto de dizer que a neve é branca. Afinal
As definições metafísica e epistemológica de se em vez de dizer que a neve é branca dissesse
analiticidade são as que mais se aproximam da que a neve é preta, seria falsa. Mas o que torna
intuição semântica original. São também as mais a frase verdadeira é o facto de a neve ser bran-
populares e aqueles a que os empiristas recorrem ca, e não o mero facto de dizer que a neve é
de modo a explicar o a priori. A diferença entre branca. E o mesmo se verifica no caso das ver-
ambas é subtil e ainda hoje pouco conhecida. dades analíticas.
Foi detectada por Paul Boghossian no seu artigo Apesar de a noção epistemológica de anali-
«Analiticity». A diferença é a seguinte: Conside- ticidade ser suficientemente robusta para aco-
re-se a frase analítica «Nenhum solteiro é casa- modar a nossa intuição do que são frases analí-
do». De facto, compreender o seu significado ticas e de não ter os problemas que a definição
parece suficiente para determinar o seu valor de metafísica tem, os empiristas enfrentam ainda a
verdade. Mas uma coisa é o modo como deter- árdua tarefa de mostrar que todas as verdades a
minamos o seu valor de verdade, outra o que faz priori são meras verdades analíticas. CTe
essa frase ser verdadeira. A noção epistemológi-
ca define analiticidade do primeiro modo: a fra- Boghossian, P. (1997). «Analyticity» in Hale, B. &
se é tal que compreender o seu significado é Wright, C., Blackwell Companion to the Philoso-
suficiente para determinar o seu significado e, phy of Language. Oxford: Blackwell.
portanto, suficiente para nos justificar a tomá-la Kant, I. 1787. Crítica da Razão Pura. Trad. M. P. dos
como verdadeira. Santos et al. Lisboa: Gulbenkian, 1985.
A noção metafísica, como o nome indica, Quine, W. V. O. 1951. Two Dogmas of Empiricism.
diz-nos que as frases analíticas são verdadeiras, In From Logical Point of View. Cambridge, MA:
unicamente, em virtude do significado. Ou Harvard University Press, 1980.
seja, o que torna a frase verdadeira é, unica-
mente, o facto de dizer aquilo que diz ⎯ os analítico, história da noção de A discussão
significados são assim inteiramente responsá- sobre o par conceptual analítico/sintético
veis pelo valor de verdade de certas frases. encontra-se prefigurada nas obras de filósofos
Boghossian mostra que a definição metafísica modernos como Leibniz, Hume e Kant. Em
de analiticidade deve ser rejeitada, pois é de Leibniz aquele par corresponde, grosso modo,
dúbia coerência. Um truísmo acerca da relação à diferença entre verdades da razão e verdades
de verdade é que uma frase é verdadeira se diz de facto, sendo aquelas definidas como verda-
o que é. Contudo, este truísmo não é respeitado des em qualquer MUNDO POSSÍVEL e estas como
pela definição metafísica de analiticidade, pois, verdades contingentes e por isso não ocorrendo
segundo a definição, não é por dizer o que é necessariamente noutro mundo possível. Kant
que a frase é verdadeira, mas apenas por ter o aplicou a distinção entre analítico e sintético
significado que tem. Por exemplo, a frase aos juízos ou às formas de expressão predicati-
«Nenhum solteiro é casado» é verdadeira por- vas «S é P» em geral e considerou analítico
que nenhum solteiro é casado, e não apenas todo o acto predicativo em que o conceito do
porque diz que nenhum solteiro é casado. predicado esteja A PRIORI contido no conceito
Resumidamente, o que torna uma frase verda- do sujeito.
deira ou falsa é o mundo, e não o significado
apenas. Claro que a frase tem de ter significado «Em todos os juízos, nos quais se pensa a
para ser verdadeira, mas isso é trivial e algo relação entre um sujeito e um predicado (apenas
que tem de se verificar com todas as frases considero os juízos afirmativos, porque é fácil

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