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Contratos com eficácia real: síntese esquemática

Art. 408.º, 1 CC: “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-
se por mero efeito do contrato” – automático, sem necessidade de acto posterior e
independentemente da entrega da coisa ao comprador!
Ex: contrato de compra e venda: ver o art. 879.º, a) CC.

Mas... diz ainda o art. 408.º, 1, in fine: “salvas as excepções previstas na lei”. E, além das
excepções previstas no n.º 2, há outras excepções previstas na lei:
1. Actos que a lei sujeita a registo predial para produzirem os seus efeitos: ex. hipoteca –
art. 687.º CC;
2. Actos que, ainda que possam produzir efeitos sem registo, são registáveis e o registo
oferece prioridade perante terceiros (arts. 4.º e 5.º C. Registo Predial). Assim, ex: A é
proprietário do prédio x. Primeiro, vende o prédio x a B; mas, mais tarde, vende o
mesmo prédio x a C. Se nem B, nem C registarem, a propriedade do prédio x transmitiu-
se para B por efeito do contrato (art. 408.º, 1) e a venda a C é uma venda de bens alheios
(art. 892.º CC). Mas se B não registou a propriedade a seu favor, mas C antecipou-se e
foi registar, a primeira venda (a B) torna-se então absolutamente ineficaz e C adquiriu a
propriedade do prédio x.

E são excepções legais especialmente previstas – art. 408.º, 2:


Casos em que a coisa a transmitir ainda não existe, não está determinada ou não está
autonomizada. Nesses casos a transferência do direito real só opera quando a coisa for
adquirida, determinada ou autonomizada:
a) Coisas futuras (211.º; 399.º): quando o alienante (ou seja, o transmitente - por ex. o
vendedor) adquire a coisa que ainda não tinha à data da celebração do contrato – 408.º,
2. Ex. vendi um quadro que ainda não existia, pois ainda não o tinha pintado. Quando o
quadro ficar pintado, a coisa futura torna-se coisa presente e só então a transferência
de propriedade ocorre.
b) Coisas indeterminadas: caso das obrigações alternativas: art. 543.º, 1. Ex. vendo um
quadro de Paula Rego ou um quadro de Júlio Pomar, à escolha. Por regra, estipula-se no
contrato a quem cabe a escolha. Mas se assim não tiver sido convencionado, a escolha
cabe ao devedor (neste caso, o vendedor) (art. 543.º, 2). Depois da escolha feita e logo
que seja do conhecimento de ambas as partes é que se transfere a propriedade – art.
408.º, 2: “determinada com o conhecimento de ambas as partes”.
c) Coisas indeterminadas: caso das obrigações genéricas: ex. vendi 500kg de maçãs
golden. É preciso determinar quais as concretas maçãs que vou vender. Como/quem o
determina? – em regra, cabe ao devedor (neste caso, eu, vendedora) decidir – art. 539.º.
Mas depois de o devedor (neste caso, eu) decidir quais as maçãs que vai entregar, a
obrigação não se concentra imediatamente e a transferência de propriedade não opera
de imediato. Em princípio, só com o cumprimento (entrega) – vd. art. 540.º. Mas, vejam-
se as excepções previstas nos art.ºs 541.º e 542.º.
d) Frutos naturais (212.º, 1 e 2): “a transferência só se verifica no momento da colheita” –
art. 408.º, 2, última parte.
e) Partes componentes ou integrantes (204.º, 1, e) e 3): “a transferência só se verifica no
momento da (...) separação” – art. 408.º, 2, última parte, in fine.

Excepção convencional ou voluntária: a reserva de propriedade: art. 409.º, 1 CC


As partes de um contrato de alienação (compra e venda, doação...) combinam que a transmissão
da propriedade não será automática, ficando condicionada a: a) “cumprimento total ou parcial
das obrigações da outra parte” – ex. pagamento total do preço na compra e venda a prestações;
ou b) a ocorrência de outra condição suspensiva, isto é, de um evento futuro incerto; ou c) a
ocorrência de um termo, ou seja, evento futuro certo.
Contratos com eficácia real: síntese esquemática

Atenção:
1) A cláusula de reserva de propriedade só produz efeitos relativamente a terceiros quanto
a imóveis e quanto a móveis sujeitos a registo se for registada – art. 409.º, 2.
2) Tratando-se de bens móveis não sujeitos a registo (ex. um quadro, mercadorias...), uma
cláusula de reserva de propriedade nunca produz efeitos relativamente a terceiros
(interpretação, a contrario do art. 409.º, 2).

NOTAS FINAIS: Determinar quando é que ocorre a constituição ou transmissão de um direito


real é importante e tem muitas consequências jurídicas.
Em particular, vejam: o regime de transferência do risco em caso de perda da coisa
objecto do contrato - art. 796.º CC; a transmissão da propriedade da coisa como um obstáculo
à resolução por incumprimento do contrato de compra e venda – art.º 886.º CC.

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