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Leituras e Interpretacgdes sobre a Epoca Joanina (1792-1826) Juliana Gesuelli Meirelles Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs.) COITORA PAISMAS Leituras e interpretagies sobre a fpoca Joanina (1792-1826) Juliana Gesueli Meirellese Marieta Pinheiro de Carvatho (Orgs) 11 taco - Cong 2016 Er Primos edorebteseetorapmas com ent Edtrst Sve Saller agenteedtoral@eetoraprsmas cm Cops Poet Gael Reucher Ondo interacionais se itlogaco ma Pblas (CP) laborade por letbel Schiavon Kinase ‘lotecina C#B9.626 Tera terres sobre» pocorn ss [TSE826)/ ontario de Jaana Gesvelb Meteles, Marit Pineiro de Carvalho. Crib: ators Pras, 2016. 2529", 21cm isan 978.085507 3120 | ‘Soul = tra ~O.Jo80 1008-18232 fo, V. rie Portugal, 1767-126. ‘evel, ulana Genet org. 1- Cara, Marta Phere deo) 0098103226) eousen.0a1 _ ColegdoEnsino de Mistéria Diretor Cenc consuores earns ‘ne ana) ‘Sears UC) "Mot apri oe oa UE tio Apr epetanusto UEM Wana ome Mares (UMCRO ‘aacaotne conan UF tion ae frre) ‘Ta dea Fore (FM) fone 30-2 EDITORA fonieato-eunoa ie PRISMAS ‘wim edtoraprismascom br 4. O Papel de D. Jodo VI na atividade musical do Rio de Janeiro Alberto José Vieira Pacheco Doutor em Musica - UNICAMP Professor da UFRJ Em 1808, quando a corte portuguesa estabeleceu-se no Rio de Janeiro, refugiando-se das Guerras Napole6nicas, a cidade foi ele- vada a capital do Império Portugués, o que resultou em uma série de transformages urbanas, socioeconémicas e culturais. Este proceso intenso de mudanca tem merecido grande atenco por parte da his- toriografia tradicional. Por outro lado, é bem mais recente o crescente interesse da comunidade musicoldgica, que tem enriquecido o conhe- cimento relativo aos elementos musicais, através de alguns estudos mais ou menos especificos. Como exemplo, podemos citar os traba~ lhos pioneiros de Ayres de Andrade! e Cleofe Person de Mattos,’ 0s mais recentes de Lino de Almeida Cardoso,? Rogério Budasz,* Da- vid Cranmer, André Cardoso,® entre outros. Este autor tem dado seu préprio contributo, especificamente no que diz respeito ao repertorio vocal e a sua pratica no Rio de Janeiro daqueles dias.” 1 ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Rio de Janeiro: Tem o Brasileiro, 1967. 2 MATTOS, Cleofe Person de. Catdlogo tematico das obras do Padre José Mauricio ‘Nunes Garcio. Rio de Janeiro: MEC, 1970. José Mauricio Nunes Garcia: Biografia. Rio de Janeiro: Funda¢do Biblioteca Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996 3. CARDOSO, Lino de Almeida. 0 Som social: misica, poder e sociedade no Brasil (Rio de Janeiro, séculos XVII e XIX). S30 Paulo: EdicSo do autor, 2021. 4 BUDASZ, Rogério. Teatro e musica na América Portugueso: dpera e teatro musicol no Brasil (1700-1822): convensées, repertério, raga, género e poder. Curitiba: DeAr tes~ UFPR, 2008. 5. CRANMER, David (coord). Marcos Portugal: uma reavaliago. Lisboa: Edges Co Nbri(Cesen, 2022. © CARDOSO, André. A Musica na corte de D. JoGo VI. Sao Paulo: Martins Fontes 2008, 7. PRCHECO, Alberto José Vieira. A pratica vocal carioca durante o periodo joanino [Texto em inglés). Revista do Conservotorio de Musica do UFPEI, vol. dez, 2009, (O's Leituras e interpretagdes sobre a Epoca Joanina (1792-1826) 97 Todos esses trabalhos tém confirmado D. Jodo como figurs preeminente em todo esse proceso de transformagao cultural. Ny verdade, cles vem expor de forma sistematica, documentada oy “cientifica” um fato reconhecido pela literatura anterior. Por exemplo, Vincenzo Cernicchiaro* ja afirmava no inicio do século XX: “Le arti s sviluppano, la musica s‘ingrandisce in grazia alla cultura estetica del principe, che la storia consacra nel nome di D. Joao VI.” De fato, até 0 final do presente texto ficaré demonstrado que D. Jodo foi um dos mais importantes mecenas que 0 Rio de Janeiro jé viu."* Veremos a seguir como ele esteve relacionado com a implementac3o de algumas das mais importantes instituicdes musicais do Rio de Janeiro daqueles dias, alérm de influenciar na composi¢ao e execusao do repertorio. As instituigdes Em 1813, foi inaugurado o Teatro de $40 Joao (fig. 1), que se- guia o modelo arquiteténico do Teatro de S4o Carlos de Lisboa (fg. 2) Apesar de ser uma iniciativa privada, 0 teatro contou com o apoio do pponivel_em: hitp://conservatorio ufpel edu br/revista/artigos2_pdf/RevistaCMU: Frel_v.2.paf] 8B CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia dello musica nell brsile, Milano: Fratelli Riccio ni, 1926. 9. Asartes s30 deservolvidas, misica se engrandece em graga sob a cultura estet ca do principe, que histéria consagra no nome de D. Jodo VI (traducio nossa). 10 ‘sto talvez possa surpreender 0 leltor porcugueés, uma vex que, no contexto de ‘uma dinasticat3o prédiga em exemplos de amor & musica, o contributo musical des ‘te monarca ndo ficou lembrado com grande destaque, salvo talvez pelo seu reconhe: ido interesse pela miisica religiosa. Uma andlise de sua importancia para a produs3° ‘musical portuguesa, que leve em conta as limitagBes proprias dos tempos difices vivides durante as Guerras Napolednicas e sua propria auséncia durante os anos ppassados no Brasil, talvez possa reavaliar a dimenso de seu empenho pessoal 0? atividade musical na antiga metropole. Vale @ pena lembrar aqui que, sem a ajud2 © apoio direto deste monarca, talvez 3 musica portuguesa nio tivesse chegado a ver talento de seu mais importante compositor operistico, Marcos Portugal (1762-1830) realizado em toda sua grandeza. (Uma biografia deste compositor pode ser consult «da em: http://caravelas.compt/dicionario_biografco_caravelas.html), 98. Juliana Gesuelli Merelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Ores) centao principe regente D. Joo através de facilidades fiscais e autori- tacio de loterias que ajudaram a financiar a elevagao do edificio. O reconhecimento deste apoio est no préprio nome do teatro, que é ‘uma ébvia homenagem ao principe, através de seu santo onoméstico. Figura 1. Teatro So Jodo (1830)" —__ 11. IMENDERS, Armelle. Histoire de Rio de Janeiro. Paris: Fayard, 2000. Lelturas e interpretagses sobre a Epoca Joanina (1792-1826) 99 Figura 2. Real Theatro de S. Carlos de Lisboa (Vista Exterior em 1878)" [Antes do teatro So Joo, 0 Rio de Janeiro ja havia abrigado outras casas de espeticulo desde o século XVIII, mas & a primeira vez que a cidade contava com um edificio de tao alto nivel: “O Interior do teatro tem muito gosto ¢ 0 camarote imperial compete, passivelmen- te, em elegancia, com os mais brilhantes camarotes principescos da ‘Alemanha’. A presenga do referido camarote mostra que, a exemplo de seu congénere lisboeta, 0 teatro de S30 Joao servia como espace privilegiado de “exibigao do eu” por parte do monarca, mecanismo im- portante nos processos de representacdo, glorificagao e legitimac30 do poder real." Portanto, ndo é de se estranhar 0 apoio dado pelo 12. Imagem gentlmente cedida pelo Nicleo Caravels em: htp:/avw crave com pt/lugares html 13. Segundo Eduard Theodor Boesche, in CARDOSO, Lino de Almeida, 0 Som so ‘music, poder e saciedode no Brasil (Ro de Janeiro, séculos XVII XIX). S30 F340 gio do autor, 2011p. 213 16 Uma refleo sobre o papel da “exibigdo do eu" no Teatro de So Caros 6 boa pode ser encontrada em CARVALHO, Mario Vieira de. Pensaré Morrer ov OT trode Seo Cores na mudanca de sistemas sociacamunicatios desde fins dose Nl" ‘205 n0ss05 dis. Lisboa: Imprensa Nacional ~ Casa da Moeda, 1953. Us 100 Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs) principe. No entanto, 0 suporte dado por D. Joi 8 atividade musical podia também se configurar em ago direta. Exemplo maior disto é a fundac3o da Real Capela e da Real Camara, ambas seguindo de perto ‘0s modelos lisboetas. Seguindo a tradicao portuguesa, a Real Capela foi criada como a intenc3o de realizar as celebragdes religiosas da familia real, funcionando desta forma como uma espécie de igreja “particular” do monarca. A mando de D. Jo3o, a Real Capela foi instalada na igreja dos Carmelitas," localizada ao tado do Convento do Carmo, que, por sua ve2, foi transformado em residéncia real Para atuar nas funcdes religiosas da Capela com a devida dig- nidade, formou-se um grupo musical que fez dessa instituigdo um dos ‘mais importantes polos de produgéo musical nas Américas."* Apaixona- do cultor da musica reigiosa, D. Jodo investiu grandes somas de dinheiro na formago e manutengao deste conjunto musical que incluia cantores, instrumentistas € compositores. Entre estes musicos estavar alguns dos melhores compositores do império luso-brasileiro, como ¢ 0 caso do Pe, José Mauricio Nunes Garcia (1767-1830) e Marcos Portugal (1762- 1830}””~o primeiro, o mais importante compositor brasileiro daqueles dias; segundo, o compositor de pera luso-brasileiro de maior sucesso de todos os tempos, que se transferiu para o Rio de Janeiro, em 1811, a mando do Principe, tendo, entre outras atribuigées, 0 cargo de compo- sitor da Real Capela. D. Jo3o ainda contratou e fez vir da Europa étimos cantores, em especial, pelo menos nove costrati™ que se tornaram 0 paradigma vocal na cidade por cerca de trés décadas. 15. Situada em frente a atual Praca 15 de Novembro 16 Para maiores informagies sobre esta instituigd0 ver: CARDOSO, Andre a Copela Real e Imperial do Rio de Janeira, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Misica, 2005, 17 Uma biografia destes compositores pode ser consultada em: http:// om pt/dicionario_biografico_caravelas htm 18 Cantores italianos castrados na pré-adolescéncia com o intuito de imped a sto "muda vocal e assim atuarem como sopranos e contralto nas igrejas, onde o canto das ‘mulheres era entdo proibido. Mais informagdes em: PACHECO, Alberto José Vicia Castrate outros virtuoses: a prtica vocal carioca sob ainfluéncio da corte de D J0a0 V1 So Paulo: Annablume, Fapesp, CESEM, 2009 Leituras einterpretacdes sobre a Epoca Joanina (1792-1826) A misico ) 102 Figura 2. Igreja dos Carmelitas, antiga Capela Real (Rio de Janeiro 2) Para termos ideia exata da importéncia de D. Joo na produ- do musical sacra é preciso lembrar que “as relacdes entre a Igreja C- tdlica e o Estado do Brasil se davam através da instituico do padroa- do”. Nesse sistema a Igreja da ao patrono, ou padroeiro, o privilesio da cobranca de dizimos e da indicago dos nomes dos religiosos ue ocupam os cargos eclesidsticos. Por sua vez, 0 padroeiro deveria man- ter a estrutura religiosa e propagar 0 cristianismo. No caso do imperio luso-brasileiro, 0 padroeiro era 0 rei portugués. Ou seja, durante 0 P® iodo histérico aqui em questo, estava sob responsabilidade direta d¢ D. Joao todo 0 servigo religioso da Real Capela, incluindo a atividade 19. Imagem gentimente cedida pelo Nucleo Caravelas em: http://www.carave> com pt/lugares.ntm 20 CARDOSO, André. A musica, p. 20. 102. Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs) musical. © monarca, a0 escolher os musicos dessa instituigso, acabava inclusive por impor seu prdprio gosto musical, pelo que podemos false num repertorio sacro de estilo joanino, no Rio de Janeiro, Muito poderia ainda ser dito a respeito da atividade musical nos teatros e nas igrejas daqueles dias, afinal estas instituiges tem sido 0 alvo preferencial da musicologia brasileira. A Real Cémara, por sua ver, tem sido injustamente negligenciada pelos estudiosos, Na ten- tatva de minorar este “desequilibrio”, o presente texto vai apresent sla de forma mais demorada. Apesar de muita pesquisa documental ainda precisar ser feita antes de podermos contar uma histéria com- pleta da Real Camara brasileira, 0 presente autor tem tido oportunida- de de aprofundar 0 conhecimento sobre esta importante instituig0, 0 que serd sintetizado a seguir. Como nos lembra Joseph Scherpereel,2 em estudo que per- manece como publicagao de maior folego sobre o assunto, a “orques- tra da Real Cmara [de Lisboa] pouco atraiu as atengdes dos estudiosos até o presente”, Por sua vez, Ernesto Vieira, dentre as poucas palavras que reserva a esta instituigdo, informa: “..Virtuosos da Real Camara [de Lisboa}, estrangeiros quase todos, contratados para tomar parte na orquestra da opera e saraus do Paco’. Apesar de sucinta, a frase de Vieira revela a ocupagdo ou fungdo do grupo: apresentar musica nos saldes e teatros privados da corte. No entanto, é 0 trabalho de Scherpereel que vem resgatar a devida importancia histérica do gru- po. Ele mostra que a orquestra da Real Cémara de Lisboa contava com um ndimero de misicos bem superior 8 média dos grupos congéneres, chegando mesmo a afirmar que ela era “pelo menos no que se refere 20 seu efectivo, a mais importante do seu género na Europa”. E este modelo de exceléncia que 0 Principe Regente buscou implementar no Brasil, ao fundar a Real Camara do Rio de Janeiro, Ou Seja, estabeleceu, pela primeira vez na América Portuguesa, um gru- 0 internacional perene com estas proporsées, tendo como objetivo 21. SCHERPEREEL, Joseph. A Orquestra e os Instrumentstas da Real Céimara de Ls ‘boa de 1764 a 1834. Lisboa: Gulbenkian, 1985, p. 15. 22 VIEIRA, Ernesto, Diecionérlo Biagraphico de musicos portuguezes: historia ¢ b iographia da musica em Portugual, 2.vol. Lisboa: Typographia Mattos Moreira & Pisheiro, 1900, Vol 1, p 336, 23 SCHERPEREEL, Joseph. A Orquestra, p. 60. Letras e interpretagBes sobre a EpocaJoanina (1792-1826) 103 fornecer misica secular para o deleite da corte. O grupo também fo ferramenta preciosa de representagio do poder teal, uma ver que sy, atuagio era fundamental nas celebragies oficiais, como casamento, aniversarios, onomasticos ¢ demais datas importantes da familiares) bem como em outros festejos de carater politico ou militar. Assim, o Joo teve 0 cuidado de empregar bons compositores na Real Cimara como 6 0 cas0 do ja citado Marcos Portugal e de Fortunato Mazzoty (1797 1855), misicoluso-brasileiro de ascendércia italiana que tam bém se transferiu para o Rio de Janeiro depois ca chegada da corte, NNo que diz respeito aos cantores especificamente, tudo indica que os interpretes que atuavam na Real Cimara brasileira eram escolhidos entre os melhores contratados para servirem na Feal Capels, proced mento jd estabelecido em Lisboa. Como nos lembra Kristina Augustin 30 falar dos castrat,* no reinado de D. José |, esses cantores eram con tratados na Italia para que servissem na Real Capela, e/ou Patriaral f tambem nos saldes e teatros da reais. Algumas excegdes, como & 0 aso de Gioacchino Cont, 0 Gizziello (1714-1761), que veio contratado para atuar apenas nos saldes e nas éperas, n30 chegam 3 invaldar esta regra, Augustin ressalta ainda que eram escolhidos “os melhores pare atuar também nos concertos da Real Camara e nos teatros da corte, mediante uma gratifcasio extra" Este procedimento pode ser estendido para 0s outros tipos vocals e continuou em vigor no Rio de Janeiro. Portanto, no que diz respeito a0 repertéro e a sua execusio, 0 padrao de qualidade da Real Cémara poderia serconsiderado similar, senao melhor a0 da Capela, se descontarmos maiores especificidades. Mas afinal, que repertério era este? No é possivel ainda dar uma resposta precisa a esta questdo. No entanto, e 0 exemplo lisboe- 1 foi seguido risca,a Real Cémara brasileira executava boa parte d2 mmisica ouvida nas festas do Pago de So Crist6vdo,* e outros salées privados da Familia Real, 0 que poderia ser urna épera, uma cantata musica para danca e varios tipos de produgao ocasional encomisst 24 AUGUSTIN, Kristina Neves. Os Costratie a pratica vacal no espaso Luso- Breil? (1752-1822). Tese Doutorado. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2013. 25. AUGUSTIN, Kristina Neves. Os Castraty, p. 108 26 Também conhecido como Real Quinta da Boa Vista, prncipal residéncia de O Jodo, no Ria de Janeito. 104 Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs.) ca.como 08 elogios, dramas alegéricos, serenatas ehinos.”” Tendo em conta, 05 tempos dices de guerras e de estabelecimento no Brash erade se esperar que a Real Camara brasileira seguisse a tendéncis de repertorio executado durante 0 reinado de D. Maria |, que, apesar de manter 2 atividade musical em niveis similares, deu maior espaco is serenatas, e outros tipos de dramas musicals, menos dispendiosos que opera." De fato ¢ isto 0 que parecem comarovar alguns exemplos de cantatas cénicas, elogios e serenatas, localizados nos arquivos histori- cas portugueses, € que foram compostos especialmente para serem executados pela Real Camara no Rio de Janeiro. Podemos citar trés pecas compostas por Fortunato Mazziott * Cantata para celebrar os felizes desposérios da Serenissi- ‘ma Snr Princesa D. Maria Tereza (1810).2? * A Verdade Triunfante. Elogio em 1811 para 0 Natalicio Augustissima Senhora.” + Bauce e Palemone Cantata Fatta per celebrare il Faustis- simo Giorno Natalizio de Serenissimo Signore Infante d’E- ‘Spagna D. Pietro Carlo (1810). ‘Sao todas obras mais ou menos longas, com presenca de so- listas, coro e orquestra. Importante frisar que o texto das duas primei- "25 est em Portugués, e nao em Italiano como era o usual nas produ- Ses festivas da corte, o que as torna ainda mais peculiares dentro do "epertério desse periodo hist6rico. 27 ara saber mais sobre estes generos musica ccsionais no Império Luso-8r3 sileiro ver PACHECO, 2009, “Musica profana acasional e poder no Império Luso-Bra- sileito”. Claves, vol.7, p.23 - 32, 2009b. (disponivel em http://www.cchla.ufpb.br/ ‘laves/pdf/claves07/claves_ /_musica_profana.pdf ) 38 AUGUSTIN, Kristina Neves. Os Costrat,p. 108 3 Cantata. Para celebroros felices Despozoris da Stenissima Sn Princezo . Mo Teunete20 emomez de Moio de 1810. Por Fortunato Mazi Musica manuscrita {Gbloteca do Palacio Ducal de Vila Vicsa, cota G-Pratca-19} {A Verdode Triunfonte] Elagio em 1811 porao Netaicio dAugustissima Senboro tga Manuscra. ete do Plicio Ducal de ila ios, cota G-rae 3). es Plemone Cantata fat per eeerre Faustino Gorn Nala 1 insino Signore infante dspagna D. Pietro Coro nel Mense de lug de no {£1810 Ceo compostone sel Sve Mesto Fortnaro Meson Muses man * Tbiotecs do Palacio da Ajuda, cota 45-22] Leituras e interpretagées sobre a fpoca Joanina (1792-1826) 105 oy Valea pena chamar atengo para uma particularidade que demons, tra o gradativo incremento feito por D. Jo30 no efetivo da Real Camara, 4 cantata para o casamento de D. Maria Teresa tem “Merci”, "Himeneu” ¢ “Jove” representados por tenores e apenas o “Amor” por um soprano. Esta predominancia de tenores como solistas é bastante incomum, pois na Real Camara de Lisboa, os castrati foram os intérpretes preferidos. No entanto nos, primeiros anos do periodo joanino no Brasil, a falta de castrati e a presen. a de bons tenores como Anténio Pedro Gongalves (1771 ~ 1852), Giovanni Paolo Mazzotti (? -1850) e José Maria Dias (17? ~ 18?) deram aos tenores um destaque nada usual. Na verdade, é quase certo que o “Amor” tenha sido interpretado por Giuseppe Capranica, primeiro castrato a atuar no Rio de Ja- neiro, onde chegou no inicio de 1810. A cantata conta ainda com um trio de sopranos final, mas ¢ provavel que este ntimero tenha sido cantado por Ca- pranica e mais dois falsetistas da Real Capela, uma vez que a tradicao excluia ‘as mulheres nos concertos da corte. Seja como for, a presenca destes dtimos tenores e, em especial, a presenga do baixo brasileiro Jodo dos Reis Pereira” que permitiu que se ouvissem os timbres vocais “masculinos” com bastante frequéncia nos primérdios da Real Cémara brasileira, n3o chegou a destituira preferéncia pelos castrati, como poderemos ver adiante. Por sua vez, de Marcos Portugal, podemos citar a serenata Augurio di felicita, o sia II trionfo d’Amore” feita para celebrar 0 casa mento do principe herdeiro D. Pedro com a Arquiduquesa da Austria D. Maria Leopoldina, em 1817. Trata-se de uma das mais importantes datas festejadas durante o periodo joanino ¢ a composigsio de Marco: Portugal confirma a preferéncia pela serenata no Brasil, onde os recur- sos materiais e humanos também exigiam uma moderacao nos gastos, mesmo em ocasides de tamanho relevo. O texto desta peca é uma colagem, feita por Marcos Portu- gal, de versos extraidos de diversas obras de Pietro Metastasio (1698 = 1782) e da cantata Imene Trionfante, que contava com miisica de 32 Uma biografia deste cantor pode ser consultada em: http://caravelas.com dicionario_biografico_caravelas.htm! 33 Augurio di Felicita, 0 sia I! Trionfo d'Amore, Serenata per Musica da Cantorsi Ne! Real Palazzo del Rio de Gianeiro. Per celebrare \‘Augustissime Sposalizio del Sere nissimo Signore D. Pietro d’Alcantara Principe Reale de Tre Regni Uniti di Portogalo Brasile, Algarve, Duca di Braganza, Con la Serenissima Signora D. Carolina Giuseee? Leopoldina Archiduchessa d Austria, ora Principesso Reale &c. &. IN di. di. O"0" ale nel Rio di Gianeiro anno 1817. Musica del signore Marco Portogalo. Mus? manuscrita, (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, cota Casa Fronteira © Alor)! 69, 70, 71] 106. Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs.) valentino Fioravante (1764-1837) e texto de Giuseppe Caravita (2-7), ‘go ser executada em 1806, em Lisboa.” € provavel que a falta de um poeta italiano no Rio de Janeiro tena levado o compositor a arriscar- fe nesse esforso literdrio sem precedentes em sua carreira, Este fato, tum tanto inusitado, mostra a que ponto os musicos e seu patrono estavam dispostos a se empenhar para que a produg0 musical no Rio de janeiro se mantivesse dentro dos moldes Lisboetas, ou portugueses. Figura 3, Trecho do libreto de Augurio ai feicita > ae iene Tionfant. Cantata in due at dl guseppe caravita per fous sons del {272" de Manique do intendente con IEccima Signora O. Meri da Gloria da Cunha. ‘arnt: Usbona: Stamperia di Simone Taddeo Ferreira, 1806. (Biblioteca do Conser io de Santa Cecilia, Roma, cota Carvalhaes 8139) Leituras e interpretagdes sobre a Epoca Joanina (1792-1826) 107 Na figura 3, retirada do libreto impresso,** podemos ver nome dos solistas que estrearam a composi¢ao™. € importante frisar 3 auséncia completa de mulheres entre 0s cantores. Todas as persona. gens “femininas” - Amore, Fama, Virtu, Gloria, Imene ~ sao interpre. tadas por castrati © Giuseppe Capranica (Napoles, ? ~ Rio de Janeiro, 15/08/1818). Soprano, Chegou ao Rio de Janeiro no inicio de 1810, vindo de Lisboa. «Antonio Cicconi (Roma, 1781 —Rio de Janeiro, 30/10/1870), Soprano. Chegou a0 Rio no inicio de 1811, vindo de Lisboa. © Marcello Tani (Italia, ? - Brasil, ?) Soprano. Chegou ao Rio ‘em meados de 1816, diretamente da Italia. Pasquale Tani (Itdlia, ? ~ Brasil, ?) Contralto. Chegou a0 Rio em meados de 1816, diretamente da Italia. © Giovanni Francesco Fasciotti (Bergamo, ? ~ Rio de Janei- ro, 14/10/1840). Meio-soprano. Chegou ao Rio em finais de 1816, Logo, como pode ser visto, o gosto portugués pelos castrati vocal foi estabelecido no Rio de Janeiro gragas a interferéncia pessoal de D. Jodo. Podemos supor que a razdo pratica para a presenca dos cos: trati, especificamente nos grupos de camara aqui citados, seja a proi- bigdo de mulheres entre os musicos da Real Capela, o que se refletia na Real Camara, ja que ambas as instituices compartilhavam o efetivo musical. Por outro lado, € preciso lembrar que a presenca feminina nos eventos musicais da corte foi muito restrita, principalmente durante 0 reinado de D. Maria | (1734 - 1816), quando foi vetada até nos teatros publicos. Mesmo que D. Joo tenha revogado esta proibicao em 1799 = quando jé exercia a regéncia em nome da rainha por ela ter atingido um irreversivel estado de insanidade mental ~ a participagao feminina 35. Augurio di Felicita, o sia! Trionfo d'Amore, Serenata per musica da exeguirsi ne! eal Palazzo del Rio de Gianeiro, per celebrare I’Augustissimo Sposalizio del Sereris simo Signore D. Pietro d'Alcantara, Principe Reale di Tre Regni Uniti di Portogallo Brasile, Algarve, Duca di Braganza, con la Serenissima Signora D. Corolina Giusep2? Leopoldina, Archiduchessa d'Austria, ora Principessa Reale &c. &c.(brasao] Rio 4° Janeiro, 1817. Rio de Janeiro: Impressao Regia, 1817. (Biblioteca Nacional do Rio d® Janeiro, cota 37,12,16] 36 As biografias destes cantores podem ser vistas no Dicionario Biogratco Car las: http://www.caravelas.com.pt/dicionario_biografico_caravelas html 108 Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs.) ros concertos da Real Cdmara continuou sendo nula”. Na verdade, esas pesquisas anteriores j3 demonstraram que os castratieram os ppranos e contraltos mais valorizados e influentes no Rio de Janeiro joanino, ¢ 2 producao da Real Camara apenas confirma e reforga esse foto. Por sua vez, Augustin chega a afirmar que A informacao mais determinante de toda essa andlise [do repertério], foi a conclusdo final de que, durante 0 reinado de D. José e D. Maria |, ou seja, de 1752 até o ano de 1816, todas as operas e serenatas encenadas nos teatros e sales da corte foram interpretados por um elenco essencialmente masculino, com os papeis femininos cantados por castrati. * 4 foi transplantada para o Erasil por D. Joao. Esta atitude talvez apenas represente o cuidado em se preservar um costu- me, ou pode ser uma atitude de considera¢ao 3 devota D. Maria I, que certamente nao permitiria esta “relaxaciio dos costumes”, Seja como for, 0 respeito a rainha nao explica tudo, afinal em 1817, quando do casamento de D. Pedro, ela ja havia falecido. A serenata Augurio di felicita mostra cue, em 1817, apesar da falta de um poeta italiano, a Real Camara do Rio de Janeiro ja estava suficientemente bem estruturada para ser capaz de pér em cena uma grande serenata em dois atos, com cerca de duas horas de musica, escrita por um compositor de rename internacional, € que contava com oito solistas e dois coros e com uma orquestra com instrumentago rica e variada. Para chegar a este nivel de sofistica- 640, foi necessario um investimento de grances valores de forma continuada. Algumas cartas escritas por Marcos Portugal, a tratar do pagamento dos miisicos que atuaram na referida serenata, revelam indiretamente algumas importantes informag6es sobre o desenvolvi- mento da Real Camara: 37 2 Flautas, 2 Clarinetes, 2 Trompas, 2 Oboés, 2 Fagotes, 2 Trompetes, 2 Trombo- es, Timpanos, Vielinos |e l, Viola, Violoncelo, Contrabaim, Continue. 38 AUGUSTIN, Kristina Neves. Os Castrati,p. 189. 39. Corea de Marcos Anténio Portugal para .. sobre as despesas com os contores, lnstrumentistas e compositor ~ Fortunato Mazzotti ~ da serenata que se executou or ocasido do casamente da princesa D. Maria Tereso. Manuscrito da Biblioteca do sléclo da Ajuda, Lisboa, cota 54-VIl-9, n° 68. Leituras einterpretagées sabre a Epoca loanina (1792-1826) 109 Pella Serenata, q, se executow na ocasidio do Cazam." da Se. ‘enissima Princeza a Snr.’ D. Maria Thereza, Recebeo cada muzico cantante, q. na d." serenata entroy hhuma ajuda de custo de 25 moedas, Fortunato Mazziotti,q, foi entao o compositor da Muzica em hum s@ acto, recebeu ~ trinta moedas. Porg, n‘aquella ocaziaé ainda S. M. nad tinha admitido mus cos instromentistas p." a Sua Real Camara, dada musico instr. mentista, q. avulsam."* foi chamado, recebeu— quatro moedss, Porém note V.” Exc.’, q. a maior parte dos miisicos instromen. tistas, q.servirdo na Serenata, q.ultimam."* se executou va6 da Camara e por isto mesmo, como V.* Exc.* bem sabe, naé tem nada a receber. - Os q. forad avulsam.te chamados de fora saé quatroze, como se observara pella Lista adiante declarada, Pelo que respeita a coristas na0 hd exemplo de comparacio; org. a m.* Serenata foi a prim.’ q. se fez com coros; em con- seq." do q, Vi" Exc.’ determinara oq. bem Ihe parecer. Rio de Jan.* em 24 de Jan.’ de 1818 Marcos Ant.* Portugal © compositor diz ainda em outro documento: UL." © Ex." Snr. Visconde. Pellas Listas, q. remeto julgo, q. V." Ex.* entendera melhor 0, ‘eu quinta fr passada desejava expur-lhe Nao extranhe \." Exc.* de ndo ver 0 meu nome em nenhum das referidas Listas; eu muito de propésito me nab quis assig- nar, nad som."* por huma certa propria delicadeza, mas tam- bem pora, as m.* circumstacias sa0 diversas, e assaz melin drosas p.a diellas se poder deduzir comparacad. — Portanto pello g. me respeita, deicho tudo a boa intelligencia de V." Exc.* e a0 q, S. Al. Houver por bem ordenar. Dou parte V.a Exc.*, q a partitura dos dois actos da m. Sere- rata esta jd copiada, e na6 falta outra coiza mais, q. irem 20 livreiro da caza p. se encanderarem: em consequéncia de a Fogo a." Exc.*q. mande ordenar ao livreiro p.* quando o co pista o levar q. elle execute 0 q, eu Ihe mandar dizer. Queira V.a Exc.a sempre repetirme as suas ordens, que achara promptissimo em executalas 0 Carta de Marcos Anténio Portugal pora 0 Visconde enviando os listas dos musi cos que executaram a serenata. Manuscrito da Biblioteca do Palacio da Ajud3, Us boa, cota 54-VIIL-9, n° 699 110 Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs.) bal S[anta] Cruz] em 24 de Jan.o 1818 Marcos Ant.” Portugal A seguir transcrevemos integralmente a referida lista dade seu valor historico em nos revelar o efetivo da Real Camara naquele ano: Lista dos muzicos cantates, q. tiverad parte distinta na m.* Serenata Jore Capranica /Antonio Pedro /Ant.* Ciconi /Joa0 Mazz otti/ Jo%0 dos Reis / Fasciotti/ Pasqual Tani / Marcello Tani 05 oito muzicos mencionados sa6 aquelles q. fazem compa raga6 p." a ajuda de custo de 25 moedas, em q. V.* Exc" me fallou. Lista dos instromentistas, q. avulsam." foraé chamados de fora p.* completarem o num.* preciso. Joze Joaq.” da Bahia - estd auzente [em outra mao] / Camillo Florentino _..... morreu em outra mao] Mello Damiao Gabriel Fernandez Joa0 Gualberto Candido Felizberto Franc.*Joag.” Carlos Joze da Costa, Joze Tiburcio Joze Baptista Joag.” Thomaz ‘Ao assim referidos sa6 aquelles, q. fazem comparago pa re- ceber cada hum d'elles ~ quatro moedas. Coristas ‘Manoel Rodrigues / Franc.® Manoel / Augusto / Feliciano / Candido / Luiz / Gabriel / Joaq.” Joze Agostinho/ Ant.° Gomes Franc. Da Luz / Joze M.* Dias/ Jo3o Ant.o Ferra / M.el Rodri- guez da S.a / Carlos Mazziotti/ Joze M.a da Silva/ P.e paula/ Pe Lucio/ Pe Firmino/ Porto, 2 0s assima d.* / como ja disse a V." Exc.* He necessiria a determinacao de V." Exc." Lelturas e interpretagdes sobre a Epoca Joanina (1792-1826) 111 Uma analise detida destas cartas leva a algumas conclusdes im, portantes que merecem ser ressaltadas. 1.) Marcos Portugal revela que na cantata de 1810, a Real Camara ainda n3o contava com musicos ing. trumentistas regulares, Ou seja, em algum momento entre 1810 e 1817, . Jo30 admitiu/contratou muisicos regulares para a Real CAmara. 2.) rm 1817, a grupo contou pela primeira vez com a participagao de coristas ~ 18 cantores. 3.) Apesar da existéncia de instrumentistas regulares, fj necessario chamar mais 14 para ajudar nesta producao. Como estes nao representam a maior parte dos instrumentistas da récita, a Real Camara deveria ter na altura mais que 15 instrumentistas permanentes. Ou seja, estas cartas documentam o crescimento da Real Camara gracas ao investimento de D. Jodo, que mantém inclusive a pratica lisboeta de gratificar os musicos para cada récita em particu lar. A lista transcrita também confirma a total auséncia de mulheres, mesmo no coro. O Repertorio ‘As obras musicais até aqui citadas indicam que muita musica fi composta por ordem ou patrocinio direto de D, Joo. Estas composicoes eram tratadas como propriedade particular do monarca, e gragas a isto muitas ficaram preservadas nos arquivos reais. Varios exemplos deste precioso patriménio ~ majoritariamente constituido por musica para Real Capela, mas também por repertério da Real Camara e por algumes obras para teatro — podem ser vistos na Biblioteca do Palacio da Ajuda em Lisboa, na Biblioteca do Palacio Ducal de Vila Vicosa,"! no Acervo ‘Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro,"? e na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nos 41 Mais informagdes sobre este acervo podem ser vistas no site do Nucleo C2" velas em: CRANMER, David. Arquivo Paco Ducal de Vila Vicoso: Elenco provisaio ‘especies de musica dramaticae instrumental manuscrita até 1833 ewistentes 0 PO? ‘Ducal de Vilo Vicosa. Disponivel em: hitp://www.caravelas.com.pt/paco_ducal.#- vila_vicosa html 42. Ver http:/www.acmer).com.br/ 112 Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs) respectivos acervos, podem ser consultadas varias missas, ladainhas, te- déuns, cantatas, serenatas e hinos ~ repertério produzido pelos mais importantes compositores atuantes no Brasil, e incluimos aqui, além dos ja citados, 0 austriaco Sigismund von Neukomm." Guardadas as devidas proporsdes, também podemos incluir neste patriménio musical a pro- qugio do futuro D. Pedro |, que, apesar de suas responsabilidades como principe herdeiro, conseguiu tempo e disposi¢ao para compor miisica religiosa, dramatica e de camara, em especial importantes hinos, como 6 0.cas0 do Hino Constitucional ou da Carta.§* Este hino foi composto no Rio de Janeiro, em 1821, e esta entre os hinos luso-brasileiros mais bem sucedidos, pois acabou por se instituir oficialmente como hino nacional portugués até a proclamacao da Republica, em 1910. {S253 aS Exemplo 1. Trecho do Hino Consttucional de D, Pedro O texto faz referéncia direta a D. Jodo, figura central no reper- trio politic, festivo ou ocasional luso-brasileiro daqueles dias. Dando ‘@ merecida aten¢ao ao pouco conhecido cancioneiro politico, devemos salientar que o primeiro hino a merecer foros de “nacional” foi o Hino a Nagao Portuguesa (ou Hino Patriético, ou ainda Hino de O. Jogo VI 01 do Principe), tendo sido composto por Marcos Portugal por volta de 1809. Ou seja, o primeiro hino nacional portugues esteve intimamente ligado a esse monarca. 48 BEDUSCH!, Luciane. Sigismund Neukomm (Solzbourg, 1778 ~ Paris, 1858): sa vie, 40n cere, ses canons énigmatiques. Pars: Université Paris-Sorbonne (Paris IV), 2008. 44 Uma apresentacao da atividade musical do primeiro imperador do Brasil pode $F consultada no respectivo verbete do Diciondrio Blogréfico Caravelos Leituras e interpretagies sobre a Epoca Joanina (1792-1826) 113 naeEE ESS] tN ta] Exemplo 2. trecho do Hino Patristico retirado da edicio de 1810" Vale ressaltar aqui um interessante hino brasileiro, composto a mando de D. Jodo. Trata-se do magnificent Himno para a Feliz acla- macao de S. M. F. O Senhor D. Joa6 VI, composto no Rio de Janeiro em 1817, por Marcos Portugal (1762-1830},** fazendo uso de grande or- questra e coro quatro vozes. A composi¢ao foi recentemente analisa- da, transcrita e reconstituida por este autor, a partir de um manuscrito guardado na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e que permanece como a tinica fonte conhecida: 45. Hymno Patriotico da Nogdo Portuguezo a Sua Alteza Real o Principe Regente N. 5. Para se cantar com muitas vozes e mesmo @ maneira de coro com acompanha” de toda a banda militar. Lisboa: s.n, 1810 (Biblioteca Nacional de Portugal, cota C.N. 1408//1 A). Versio digital disponivel em: http://purlpt/6602 46. “Hino para a Aclamacao de D. 4030 VI edicao e contextualizago (com parttu'® inédita)”. Opus, vol. 18, p. 41-72, 2012. ISSN: 1517-7017. (Available at-http://¥W™ ‘anppom.com.br/opus/data/issues/archive/18.1/fles/OPUS_18_1_Pacheco.pdf) 114 Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs,) Exemplo 3, inicio da parte vocal do Hino para Aclamacio de D. Jo30 VI Leiturase interpretacées sobre a Epoca Joanina (1792-1826) 115 Aeexisténcia destes hinos evidencia a componente politica pre. sente no repertério patrocinado ou apoiado por D. Jo30." Seria ingénug, pensar que o empenho musical do monarca fosse fruto apenas de sey amor desinteressado pelas artes. £ necessario reiterar algo que jé foi apontado no presente texto: é bastante consciente 0 uso de toda esta atividade musical como forma de propaganda politica e legitimacao do poder, uma vez que o proprio fausto das instituig6es reais, com seus cerimoniais, concertos e espetaculos, s80 forma de exibicdo do poder, 1ndo 56 entre os stiditos, mas também perante os visitantes estrangeiros, em especial, os agentes diplomaticos. Este expediente politico-musical € ainda mais estratégico num momento em que a propria dinastia dos Braganga se vé ameacada pelas Guerras Napoleénicas, que assolavam a Europa e que jé haviam provocado 0 deslocamento da corte para seus dominios americanos. Ou seja, naqueles anos cruciais, era fundamental que D. Jodo exibisse uma corte rica, poderosa e bem estruturada, Neste contexto, a produc3o musical constituia “interesse de estado”, sendo um dos meios mais efetivos de se ostentar poder, precisando ser, portanto, a mais opulenta, grandiosa e sofisticada possivel Para concluir, voltamos a figura de D. Joo VI para ressaltar que ele fol o principal responsavel pelo estabelecimento da Keal Cé: mara e Real Capela do Rio de Janeiro. A distancia desta cidade em relaco aos centros de formagao de musicos da Europa representou um desafio suplementar na contratacao de virtuoses que teriam que enfrentar uma longa viagem e se estabelecer numa cidade ainda em desenvolvimento. Desta forma, os miisicos portugueses e italianos que se deslocaram para 0 Brasil a mando do rei, tiveram salario conside- ravelmente maior do que aquele habitualmente dado em Lisboa para desempenho de mesma funco, de forma a compensar seu desioc® ‘mento ao Novo Mundo. D. Jodo empregou dinheiro do seu particular, ou de seu “Real Bolsinho” no pagamento destes musicos."* Gracas @ 47 Ver ALEGRE MARTINEZ, Miguel Angel (Coord). £1 Himno como simbolo polit Leén: Universidad de Leén, 2008 48. Como atestam os “Livros de Despezas do Particular” do Arquivo da Casa Rea! ‘que permanecem guardados na Torre do Tombo, em Lisboa. 116 Juliana Gesuelli Meirelles & Marieta Pinheiro de Carvalho (Orgs.) ele, Marcos Portugal transferiu-se para o Rio de Janeiro, em 1811, sen. do 0 primeiro compositor de sucesso generalizado na Europa a atuar no Brasil. Também devido ao cuidado de D. Joo em transportar seu acervo musical pessoal, na sua volta a Portugal, em 1821, tantas obras compostas no Brasil esto hoje em dia muito bem preservadas em ar- quivos piblicos portugueses, Tudo isto confirma seu grande empenho politico e envolvimento afetivo pessoal na pratica musical da nova ca- pital imperial luso-brasileira. Na verdade, de uma forma mais geral, todo 0 empreendimento musical aqui descrito parece corporificar 0 reconhecido desejo da comunidade luso-brasileira de transplantar para 0 Rio de Janeiro 0 modelo de vida social e cultural isboeta, na~ quelas primeiras décadas do século XIX. Leiturase interpretagies sobre a Epoca Joanina (1792-1826) 117

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