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Este texto tem o intuito de suscitar reflexões e debates sobre a atuação fonoaudiológica
nas escolas. Para tanto, baseia- se nos pressupostos teóricos de Edgar Morin ao
problematizar a fragmentação dos saberes e seus desmembramentos. Tem como
objetivo conhecer a visão dos docentes de uma escola pública do município de Vitória,
no Estado do Espírito Santo, sobre a atuação fonoaudiológica no âmbito escolar. A
metodologia escolhida foi o grupo focal. Participaram do estudo, seis professores, todos
do ensino infantil. Os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo proposta
por Bardin. Os temas enfocados foram: visão dos professores sobre a atuação do
fonoaudiólogo na educação, perspectivas sobre o profissional especialista na escola e
considerações dos docentes acerca da relação saúde – educação. As análises apontaram
que na visão dos professores os fonoaudiólogos têm como função nas escolas orientar as
práticas pedagógicas. Caracterizaram a atuação fonoaudiológica a partir do olhar
clínico, pautando-a em termos como: alteração, diagnóstico e orientação. Conclui-se
que os entrelaçamentos históricos da Fonoaudiologia e da Educação sustentam uma
visão predominantemente clínica do fonoaudiólogo no âmbito escolar e que o desejo
por parcerias baseia-se em práticas de triagens, encaminhamentos e avaliações.
Aproximações com a Educação Inclusiva também foram feitas pelo grupo, que
relacionou a atuação da especialidade ao apoio às práticas inclusivas. Considerando que
durante muito tempo a atuação fonoaudiológica nas escolas baseou-se em critérios
clínicos, devido principalmente ao início da Fonoaudiologia e seu desenvolvimento
enquanto profissão, compreende-se a predominância destes olhares, porém esse texto
aponta algumas controvérsias, como as mudanças atuais de posturas dos fonoaudiólogos
educacionais, tidas como relevantes na busca por outras ramificações neste debate.
INTRODUÇÃO
Ainda sobre a atuação do fonoaudiólogo nas escolas, destacaram que a escola “precisa muito
da parceria desse tipo de profissional, porque muitas vezes o professor sozinho não dá conta, não
sabe o que fazer com aquele aluno”. Os depoimentos esboçam uma visão verticalizante, na qual o
profissional da saúde detém um conhecimento que poderá nortear as práticas pedagógicas, além de
um conhecimento parcial e fragmentado das atribuições fonoaudiológicas. De modo geral, as falas
indicaram uma visão predominantemente clínica da profissão, circunscrevendo a atuação no âmbito
patológico da comunicação, como apontam as referências ao uso inadequado da voz, às alterações de
linguagem e fala nas crianças, bem como a correlação entre a presença do profissional na escola com
as demandas da educação especial e as especificidades do seu público-alvo.
Conforme destacado acima, o próprio processo histórico forneceu bases para esse modo de
concepção sobre as práticas fonoaudiológicas, já que inicialmente essa especialidade se inseriu no
cenário educacional a partir de condutas de observações, triagens, orientações e encaminhamentos.
Embora as legislações específicas tenham contribuído para a delimitação do fazer fonoaudiológico
escolar/educacional, ainda hoje muitas atuações fortalecem essa visão do modelo clínico/patológico.
Após o diálogo sobre essa temática foram colocadas para o grupo algumas controvérsias sobre a
função do fonoaudiólogo nas escolas. Diante das mudanças atuais em relação a postura destes
profissionais que gradativamente foram redirecionando sua práxis, ensejou-se uma discussão sobre
as transformações em curso, ou seja, profissionais que estão deslocando a postura médica/clínico –
terapêutica para uma atuação ampliada, caracterizada por diálogos e aproximações mais constantes e
consistentes com os profissionais da Educação, alçando outras etapas e momentos da relação saúde-
educação. Nesse contexto, sobre as expectativas que possui, a docente A relatou:
Falando assim das minhas expectativas eu posso te dizer que seria um grande ganho, pra
todo mundo, professor, aluno, família. Ter o fono trabalhando junto no planejamento
né… quer dizer, eu tô entendendo assim, se o fono não vem mais para a escola para
tratar o aluno, ou, eu quero dizer assim, vamos dizer, avaliar, ajudar com o laudo, o
diagnóstico, eu acho que vai ser bom também, a gente precisa de ajuda de todo lado né,
porque fácil não é não, eu que tenho aluno especial gostaria muito de auxílio para
melhorar minhas práticas. (TRECHO DO RELATO DA DOCENTE A).
Também para o docente B, as perspectivas sobre a atuação do fonoaudiólogo perpassam propostas individualizadas
como aponta sua afirmação:
eu penso que precisa, se for planejar junto, sentar primeiro com cada professor que tem
aluno especial ou com algum outro tipo de problema mesmo, de fala, de linguagem, ou
que não escuta bem, aluno laudado ou aquele que a gente sabe mesmo que precisa de
um fono, de um psicólogo, de um neuro. Muitas vezes a gente sabe que esse aluno
precisa de um direcionamento mais específico, de um atendimento mais
individualizado que contemple as demandas dele. Então eu entendo que dar conta de
todos o fonoaudiólogo também não vai dar, então esses teriam que ter a preferência né.
(TRECHO DO RELATO DO DOCENTE B).
Os relatos indicam que apesar dos docentes apontarem as possibilidades de uma atuação mais
ampla, como no momento do planejamento por exemplo, ainda correlacionam a função do
especialista nesse espaço às condutas clínicas, de orientação e atendimento como ilustra a fala do
professor B ao destacar a preferência para planejamento com o docente que tem em sua sala de aula,
aluno público-alvo da educação especial. Ao destrinchar suas perspectivas o professor retoma a ideia
de um profissional que colabore com as questões “patológicas” dos alunos, evidenciando um olhar
que vai ao encontro do passado histórico e do contexto no qual a especialidade se inseriu na escola.
Os dizeres do docente B, foram corroborados pelos da docente A, C e D que também fizeram
menção a necessidade de apoio para incluir estes alunos.
As análises dos dados evidenciaram que os professores participantes ainda esperam do
fonoaudiólogo educacional uma conduta clínico – terapêutica, que, de modo geral, a especialidade
ainda é pouco conhecida em sua abrangência, sendo vista por eles como uma possibilidade de
“auxílio” ou socorro imediato para os enfrentamentos cotidianos, principalmente acerca dos alunos
público-alvo da educação especial.
Assim, conclui-se que as mudanças são um grande desafio, atravessadas pelas complexidades que
engendram o encontro da saúde com a educação. Aproximar e dialogar são pautas urgentes e
necessárias, visto que a própria Fonoaudiologia ainda está se consolidando nessa especialidade.
Pensar junto, colocar as controvérsias nas mesas de discussão, nos estudos e nas pesquisas afins são
premissas para uma modificação que contemple as expectativas, inserindo novas roupagens na
constituição desta especialidade e parcerias produtivas e duradouras, já que o fonoaudiólogo ao se
inserir na escola, tem muito a aprender com os profissionais da Educação, promovendo uma relação
horizontalizada, na qual os saberes possam se complementar e não hierarquizar as iniciativas e
condutas.
Modificar uma identidade recém construída ainda requer muitos debates. Consolidar a
fonoaudiologia escolar/educacional requer uma ampliação de encontros científicos entre as duas
áreas e um maior investimento nos diálogos, para que ambos se apropriem melhor do saber comum e
suas possibilidades, para que assim, possamos “[…] apreender o que é tecido junto, isto é, o
complexo, segundo o sentido original do termo.” (Morin, 2003, p. 14).
REFERÊNCIAS
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento / Edgar Morin;
tradução Eloá Jacobina. - 8a ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 128p.