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DAWSON, Christopher. A Formação Da Cristandade
DAWSON, Christopher. A Formação Da Cristandade
Editor
Edson Manoel de Oliveira Filho
Gerente editorial
Sonnini Ruiz
Produção editorial
William C. Cruz e Liliana Cruz
Tradução
Márcia Xavier de Brito
Revisão
Cecília Madarás
Projeto gráfico
Mauricio Nisi Gonçalves/ Estúdio É
Capa e diagramação
André Cavalcante Gimenez/ Estúdio É
Pré-impressão e impressão
Gráfica Vida & Consciência
Christopher Dawson
PARTE I - Apresentação
Epílogo
Apr e s e n t a ç ã o à E d i ç ã o B r a s i l e i r a
3 Peter Burke, O Que É História Cultural?. Trad. Sérgio Goes d e Paula. Rio
de janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005.
A Formação da C ristandade 1 Apresentação à Edição Brasileira
Já, para a fase presente, iniciada nos anos 1 9 80, aponta o G-4 das re
ferências teóricas do movimento nas obras de Mikhail Bakhtin ( 1 895-
1 975 ), Norbert Elias ( 1 8 97- 1 990), Michel Foucault ( 1 926-1 984) e Pier
re Bourdieu ( 1 930-2002), distinguindo Chartier como um dos princi
pais líderes. Completar-se-ia, então, o que Burke considera, numa visão
panorâmica, o alargamento do escopo da história cultural, de restrita
em sua fase clássica à alta cultura até a inclusão da cultura cotidiana,
abrangendo os costumes, valores e modos de vida, convergindo com a
maneira de ver a cultura dos antropólogos.
Há sérios problemas nessa classificação, que pelo prestígio de seu
autor vem se transformando em cânone, ao menos nas terras brasíli
cas, tantas são as reduplicações e citações feitas sem qualquer crítica.
Não sendo aqui o lugar para exercê-la sistematicamente, pontuare
mos apenas aquilo que diz respeito ao nosso autor.
Peter Burke observa existir na anglofonia um importante con
traste, nesse terreno, entre os Estados Unidos, marcado por uma tra
dição de interesse nos estudos culturais, e a resistência a tal estudo,
no lado britânico do Atlântico, mais afeito ao estudo das ideias. As
principais e raras exceções listadas são o Christopher Dawson de The
Making of Europe ( 1 932), os doze volumes de A Study of History
( 1 934- 1 96 1 ) escritos por Arnold Toynbee ( 1 8 8 9-1 975 ) e, o que mais
impressiona a Burke, o projeto concebido e planej ado, nos anos 1 930,
pelo bioquímico Joseph Needham ( 1 900- 1 995 ), cujo resultado foi a
publicação, iniciada por ele à frente de um grupo de colaboradores,
de Science and Civilisation in China ( 1 954-200 8 ) .
Ora, n o afã d e demarcar terrenos, guiados por afeições inte
lectuais, muitas vezes a retórica passa a predominar, simplificando
posições e, por consequência, aspectos importantes deixam de ser
contemplados. Assim, por exemplo, a vitória obtida pelas duas pri
meiras gerações dos Annales, revista em torno da qual se desenvol
veu a História Nova, com proposições de enorme relevância para a
historiografia contemporânea, deu-se acompanhada pelo desprezo
12 l 13
criativa " , de visões inspiradoras que nos lançam para frente e nos
permite contemplar grandes horizontes. Quem a estudou suficiente
mente bem no campo das ciências sociais foi Charles Wright Mills
( 1 9 1 6- 1 962 ) , chamando-a de " imaginação sociológica " .7 A " imagi
nação sociológica" é um ato que permite a quem a pratica partir do
horizonte imediato, no qual se acham as vivências e constatações
pessoais, até as grandes questões públicas, inserindo-se compreen
sivamente no contexto maior da própria sociedade. Por ser uma
prática criativa, Mills fala de uma qualidade de espírito que permite
ao sujeito usar a informação de que dispõe e desenvolver a própria
razão de modo a obter maior clareza acerca do que ocorre no mun
do e consigo mesmo.
Analogamente, em cada campo, podemos encontrar uma feição
dessa " imaginação criativa " . Toda grande obra intelectual, científica
ou artística é alimentada e sustentada por tal visão. Principia, dentre
os procedimentos de conhecimento, muitas vezes em um insight, uma
intuição, favorecida por um ambiente, pelo contato com os clássicos,
o exercício da fantasia e do j ogo, na projeção refletida e vivenciada de
nossas ações em um quadro informado por determinada ideologia ou
religião. Experiências de construção de sentido. Há, outrossim, uma
" imaginação histórica " .
Falamos em ideologia e religião como fontes da imaginação cria
tiva. Entretanto, não só é fundamental esclarecer o papel desses ele
mentos em tal processo, como também é crucial ilustrá-lo na obra
historiográfica ou em qualquer interpretação a respeito da realidade.
No empenho de apresentar Dawson ao público brasileiro e conceder
-lhe o devido e inestimável valor, é preciso que nos acautelemos dian
te da leitura fácil e tentadora que pretende encerrá-lo, atendendo a
uma perspectiva apologética, em determinado nicho: o do historiador
P re fá c i o à E d i ç ã o B ra s i l e i ra
deixa de transmitir o que era seu significado mais profundo " , escre
veu Stark. "O professor Dawson não disse aos alunos que os pio
neiros do monaquismo queriam provar para Deus e para os homens
que, na verdade, homens podiam ser divinos e, mesmo decaídos,
podiam ser como Adão fora antes do Pecado Original " . 7 O pro
fessor da Catholic University of America ( CUA) , Martin McGuire
( 1 8 9 7- 1 9 6 9 ) , no entanto, não encontrou erros na obra A Formação
da Cristandade. Representava o historiador galês " em sua melhor
forma " , oferecendo " profundos insights e grande poder de síntese " .
O leitor, McGuire entusiasma, " é arrebatado não só pela profundi
dade das reflexões, mas pela concretude dos exemplos " . Compará
vel à originalidade do pensamento de Dawson, conclui, está o estilo
de escrita "cativante " do autor. 8
Devemos notar que, apesar de Sheed ter-se aposentado da editora
Sheed and Ward, nunca perdeu a fé em Dawson. Desde o primeiro
encontro, os dois iniciaram uma amizade rápida e, por vezes, frus
trante. Sheed não só encorajou Dawson profissionalmente, ao editar
significativa parcela da obra do amigo, mas também aj udou a dar
alguma estabilidade ao maníaco-depressivo Dawson. Se existiu um
" renascimento literário católico " no mundo de língua inglesa após
a Primeira Guerra Mundial, Sheed o creditou a seis homens: Hilaire
Belloc ( 1 8 70- 1 95 3 ) , G. K. Chesterton ( 1 874- 1 93 6 ) , C. C. Martindale
( 1 8 79- 1 96 3 ) , Ronald Knox ( 1 8 8 8- 1 957), Christopher Dawson e ao
inspirador de todos, o maior teólogo de todos os tempos, Santo Agos
tinho de Hipona ( 354-430 ).9 Sheed, no entanto, tinha perdido a fé no
renascimento pleno do catolicismo já em 1 95 8 . A mentalidade cató
lica provara, repetidas vezes, a própria genialidade em autores como
Dawson, mas nunca se estendeu além das letras para os domínios
10
Idem, "I am a Catholic Publisher" . Westminster Cathedral Chronicle, set./
out., 1 959, p. 1 3 7.
11
Carta de E. 1. Watkin para Bernard Wall, de 28 de fevereiro de 1 969. ln:
Box 1, Folder 24, Bernard Wall Papers, Archives of Georgetown University,
Georgetown, Washington, D.C.
12 E. 1. Watkin, "Tribute to Christopher Dawson " , The Tablet, 1 969, p. 974.
13 Watkin é uma figura fascinante por si mesma. Escreveu inúmeras obras críti
cas sobre arte e cultura na mesma época em que Dawson escrevera suas obras.
Frequentaram a mesma escola quando crianças e mantiveram uma amizade
muito próxima por toda a vida. Watkin, certa vez, descrevera o relacionamento
deles em termos clássicos. Ele era grego e Dawson, romano. Watkin, no entan
to, sempre fora um tanto heterodoxo. Manteve um estrito pacifismo e viveu
de modo quase bígamo durante a maior parte da vida adulta. A seu respeito
só existe uma biografia, escrita pela própria filha. Ver: Magdalen Goffin, The
Watkin Path: An Approach to Belie(. Eastbourne, Sussex Academic Press, 2006.
A Formação da C ristandade 1 Prefácio à Edição Brasileira
transmissora de cultura " .14 Não interessa quão fáceis possam parecer
tais palavras, a profundidade paira em cada fragmento dessa afirmação
de Dawson. Ao mesmo tempo que Dawson ministrava essas famosas
conferências em Harvard, também tentava fomentar suas interpretações
pessoais por vários empreendimentos educacionais. A cultura, afirma
va juntamente com o grande estadista irlandês Edmund Burke ( 1 729-
1 797) e com o filósofo francês Alexis de Tocqueville ( 1 805-1 859):
E cada frase
Ou sentença de rigor (onde cada palavra se familiariza,
Assumindo seu posto para suportar as demais,
A palavra sem pompa ou timidez,
Um natural intercâmbio do antigo e do novo
A palavra corrente, correta, digna,
A palavra essencial e exata, mas sem pedanteria,
O íntegro consórcio de um bailado unívoco)21
Bradley ]. Birzer
Professor titular de História da cátedra " Russell Amos Kirk em Estudos
Norte-americanos" do Hillsdale College, em Michigan, nos EUA. Cursou o B.A. na
University of Notre Dame, o M.A. em História na Utah State University e o PhD
em História na Indiana University. É autor dos livros J. R. R. Tolkien 's Sanctifying
Myth: Understanding Middle-earth (ISI Books, 2003 ), Sanctifying the World: The
Augustinian Life and Mind of Christopher Dawson ( Christendom Press, 2007),
American Cicero: The Life of Charles Carrol/ (ISI Books, 20 1 0 ) , The Humane Repu
blic: The Imagination of Russell Kirk (University Press of Kentucky, 2014), coautor,
com Larry Schweikart, do livro The American West (Wiley, 2002 ) e coeditor, com
John Willson, da coletânea de escritos de James Fenimore Cooper The American
Democrat and Other Political Writings ( Gateway, 200 1 ) .
l 43
I n t ro d u ç ã o à E d i ç ã o B ra s i l e i ra
11
Johann Peter Kirsch, "History " . ln: The Catholic Encyclopedia - Volume
VII. New York, Robert Appleton Company, 1 9 1 0, p. 367.
A Formação da C ristandade 1 Introdução à Edição Brasileira
12
Hans Urs von Balthasar, A Theology of History. New York, Sheed and
Ward, 1 963, p. 5. [As passagens da obra citadas na versão original em por
tuguês do artigo publicado em COMM UNIO serão substituídas no presente
texto pelas equivalentes da tradução da obra em português, sendo informa
das entra colchetes as páginas da seguinte edição brasileira: Hans Urs von
Balthasar, Teologia da História. Trad. Claudio J. A. Rodrigues. São Paulo,
Fonte Editorial, 2005, p. 1 2 . (N. T. ) ]
A Formação da C ristandade 1 Introdução à Edição Brasileira
métodos se encontrem nem se cruzem jamais; nem tão pouco, por últi
mo, se podem dissolver as ciências do mundo na teologia, como se esta
fosse a única competente, porque Cristo é a exclusiva norma concreta.
Precisamente porque Cristo é norma absolutamente irrepetível, seu pre
sente é incomensurável com relação às normas interiores do mundo.13
13 Ibidem, p. 14 [p. 1 9] .
14 O major Sir Richard Hannay é u m fictício agente secreto criado pelo ro
mancista, historiador e estadista escocês John Buchan ( 1 8 75 - 1 940), primeiro
barão Tweedsmuir. A inspiração de John Buchan na criação desta persona
gem foi, em parte, o marechal Edmund Ironside ( 1 8 8 0- 1 95 9 ) , primeiro barão
Ironside, que atuou como espião durante a segunda guerra dos bôeres, na
Á frica do Sul. (N. E.)
15 Dornford Yates é o pseudônimo do romancista inglês Ceei) William Mercer
( 1 885-1 960), cujas estórias curtas e bem-humoradas, publicadas em revistas,
se tornaram best-sellers no período entre as duas guerras mundiais. (N. E.)
A Formação da C ristandade 1 I ntrodução à Edição Brasileira
28
Idem, Progress and Religion, p. viii (p. 4 8 ] .
A Formação da C ristandade 1 Introdução à Edição Brasileira
36 Idem, Dynamics o( World History. Ed. John J. Mulloy. New York, Sheed
and Ward, 1 957, p. 1 92. [A passagem da versão original em português do ar
tigo publicado em COMM UNIO foi substituída por equivalente da tradução
brasileira da obra, lançada posteriormente na seguinte edição: Christopher
Dawson, Dinâmicas da História do Mundo. Ed., pref., intr. e posf. John J.
Mulloy; intr. Dermot Quinn; pref. e trad. Maurício G. Righi. São Paulo,
É Realizações, 2 0 1 0, p. 292. (N. T. )]
37 Idem, Understanding Europe, p. 32.
58 l 59
38 Idem, Religion and the Rise of Western Culture: Gifford Lectures, 1 948-
1 949. London, Sheed and Ward, 1 950, p. 273 .
39 Idem, Progress and Religion, p. 1 64 [p. 202 ) .
A Formação da C ristandade 1 Introd ução à Edição Brasileira
erguer, baseada na " única cidadania verdadeira " , " a associação com a
Igrej a " .40 Santo Agostinho demonstrou, através de seu entendimento
da Encarnação como um acontecimento no tempo e além do tempo,
que Igrej a e sacramento tornavam manifesto, na Terra, um mundo
celeste do qual eram ao mesmo tempo antegozo e realização.
Dawson acreditava que essa unidade espiritual chegara mais per
to de ser atingida na Europa da Idade Média. O medievalismo tem
uma importância tão grande em seus escritos - e na crítica deles - que
é importante saber qual significado lhe dava. Talvez sej a mais simples
saber qual significado ele não lhe dava. Não era a perfeição, ou pa
raíso na Terra, ou "algum padrão ideal [ . . . ] pelo qual as sociedades
existentes possam ser j ulgadas '' ,41 ou mesmo especialmente agradá
vel.42 Foi, no entanto, uma época na qual as implicações da unidade
espiritual eram elaboradas e manifestadas na vida de uma socieda
de. Na esfera secular, " um novo espírito democrático de irmandade
e cooperação social começa a se sentir na Europa nessa época " , 43
j unto com um crescimento nas atividades comunais e corporativas.
Na esfera eclesiástica, a igrej a se tornou responsável pela educação,
pela arte, pela literatura, pelo cuidado dos pobres, pelo consolo dos
moribundos: não como obrigações institucionais, mas como deveres
que os homens sentiam ter para com os outros. Naturalmente, um
44 Ibidem, p. 1 75 [p. 2 1 0] .
•5 Idem, Religion and the Rise of Western Culture, p. 274.
A Formação da C ristandade 1 Introdução à Edição Brasileira
conclusão; a cultura não era engolida pela religião, mas, sim, trans
formada por ela; a religião não era engolida pela cultura, mas a trans
formava e transcendia, de modo que a própria Encarnação começa a
ser entendida na e pela cultura, e não separadamente dela :
46 Ibidem, p. 270-72.
62 l 63
53 Christopher Dawson, " Newman and the Sword of the Spirit" . ln: The
Dawson Newsletter, primavera / verão, 1 9 9 1 , p. 1 3 .
54Christopher Dawson, The Movement of World Revolution. London, Sheed
and Ward, 1 959, p. 65.
A Formação da C ristandade 1 I ntrodução à Edição B rasileira
55
Hayden White, "Religion, Culture and Western Civilization in Christopher
Dawson'' , p. 277.
56 Ibidem, p. 278.
57 Ibidem, p. 278.
58 Ibidem, p. 2 8 1 .
59 Ibidem, p . 285.
A Formação da C ristandade 1 Introdução à Edição Brasi leira
significado pleno, envolvendo uma verdade que requer, não uma ha
bilidade humana ou histórica, mas uma revelação epistemológica es
pecial. A lógica é fraca. " Muito difícil " não é o mesmo que " impossí
vel " : pelo contrário, implica possibilidade. Além disso, é claro que é
White, e não Dawson, quem exige privilégios epistemológicos. Vej a a
pejoração, uma paródia do cientificismo secular:
61
Hayden White, " Religion, Culture and Western Civilization in Christopher
Dawson ", p. 2 8 3 .
A Formação da C ristandade 1 Introdução à Edição Brasileira
de explicar tudo termina por não explicar nada. Mas onde isso dei
xa o próprio Dawson? Não se pode objetar à sua própria busca por
um princípio unificador? Não inteiramente. O elemento irredutível
de mistério que zombava das pretensões dos deterministas - e que,
também, se tornou um perigoso gnosticismo para os antideterminis
tas - tornou-se para ele uma espécie de epifania: " Para o cristão, o
mistério da história não é totalmente obscuro, já que é um véu que
esconde, apenas parcialmente, a atividade criativa das forças espiri
tuais e a operação das leis espirituais".64
Hans Urs von Balthasar oferece um insight semelhante, ao defen
der que qualquer tentativa de interpretar a história como um todo,
para não sucumbir ao mito gnóstico, deve " designar como núcleo e
norma de toda historicidade " algum sujeito que trabalha em e se reve
la capaz de prover normas gerais. Tanto para o teólogo suíço quanto
para o historiador galês, aquele sujeito é Cristo, cuj a vida " se faz nor
ma de toda vida histórica e, com isso, de toda a história em geral " . 65
Assim, começamos a entender mais completamente a visão de
Dawson. Era formada por aquele sentimento agostiniano do passado, não
morto, mas incorporado no todo da humanidade. Num certo nível, parece
um clamor pela meta-história, um simples reconhecimento de que o histo
riador católico necessariamente faz as coisas de um modo diferente:
64 Ibidem, p. 1 8 .
65 Hans Urs von Balthasar, A Theology of History, p. 2 1 [p. 24] .
66 Christopher Dawson, The Historie Reality of Christian Culture, p. 5 8 .
A Formação da C ristandade 1 I ntrodução à Edição Brasileira
Mas como Dawson nos lembra, " Deus não somente governa a
história, Ele intervém na história como um agente " .69 Ele é Senhor
da História, mas também senhor na história . Assim, Balthasar res
salta que a " plenitude última de sentido da história em Cristo não
pode se entender como se os seres naturais prescindissem de um
eidos próprio imanente e só o possuíssem em Cristo " , pois de ou
tro modo " não se poderia tampouco sustentar que Deus se tivesse
tornado verdadeiramente homem e história " . 70 A lógica da história
Dermot Quinn
Professor e diretor do Departamento de História da Seton Hall University, em
South Orange, New Jersey, nos EUA; diretor do G. K. Chesterton Institute for Faith
and Culture e membro do Conselho Editorial do periódico The Chesterton Review.
Cursou B.A. em História no Trinity College, na University of Dublin, na Irlanda, e o
PhD em Filosofia na University of Oxford, na Inglaterra. Tem escrito diversos artigos
sobre o pensamento social de G. K. Chesterton e de Christopher Dawson para diferen
tes periódicos. É autor dos livros Patronage and Piety: Eng/ish Roman Catholics and
Politics, 1 850- 1 900 (Stanford University Press, 1 993 ), Understanding Northern Ire
land (Baseline Books, 1 993) e The Irish in New Jersey: Four Centuries of American Life
(Rutgers University Press, 2004). Escreveu o estudo introdutório para a nova edição
do livro Dynamics of World History (ISI Books, 2002 ) de Christopher Dawson, obra
lançada no Brasil com o título Dinâmicas da História do Mundo (É Realizações, 20 1 0 ) .
1 75
N ota s o b re a Tra d u ç ã o
N ota do A u t o r
A p re s e n t a ç ã o
l 85
C a p ít u l o 1 1 I n t ro d u ç ã o a o P re s e n t e E st u d o
religião. Nesse caso, não havia mais motivos para excluir o estudo
daquela forma de cristianismo que ocupa o primeiro lugar em ex
tensão, antiguidade e número de membros. Na ocasião, contudo,
tal acréscimo era inconcebível. Caso venhamos a ler o discurso do
reitor Eliot sobre a religião dos Pais da Pátria, proferido em 1 909,
no curso de verão da Faculdade de Teologia, veremos que Eliot ti
nha pouquíssimo interesse no cristianismo como realidade históri
ca ou como estudo teológico, mas, antes, identificava religião e cul
tura com a crescente preocupação ética de progresso social e saúde
pública, de modo que o médico e o inspetor sanitário tomariam o
lugar do presbítero ou do bispo como portadores e representantes
de uma nova ordem.
Estou longe de querer depreciar a importância da questão cul
tural - é exatamente o assunto que mais me interessa -, mas estou
certo de que essa não é a abordagem correta. Caso fosse, a Faculdade
de Teologia deveria fechar as portas e todos deveríamos ingressar na
faculdade de Medicina ou de Saúde Pública.
A teologia deve ser soberana em sua casa. É um campo de estu
do autônomo que não pode ser reduzido ao departamento de ética
social, da mesma forma que a Igrej a não pode ser reduzida a uma
instituição filantrópica. Desde os dias de Eliot há um amplo reco
nhecimento dessa realidade e um movimento genuíno de retorno à
teologia e a uma nova compreensão do significado de Igrej a. Esse
movimento é comum a protestantes e católicos e, não há dúvidas, é
o grande responsável pelo progresso do movimento ecumênico e o
crescente interesse no problema da reconciliação cristã: movimento e
interesse que estão destinados a se tornarem ainda maiores nos pró
ximos anos. É impossível ir muito adiante nessas questões sem algum
estudo do catolicismo, pois a existência da Igrej a Católica é uma das
grandes realidades objetivas da história. Sem ela é impossível escrever
a história do cristianismo, e é igualmente impossível compreender a
história de nossa civilização, j á que o catolicismo é uma das maiores
86 l 87
passado, tal tradição de estudo, por mais que tenha sido concebida
com tolerância, não incluiu o estudo do catolicismo. No passado, era
fácil estudar teologia cristã e história do cristianismo com nada mais
do que uma breve pincelada na história do catolicismo, que continua
va a ser um mundo estranho.
Isso não se deu somente aqui, nos Estados Unidos, mas na Eu
ropa também, de tal modo que um dos mais cultos dos estudiosos
protestantes de minha j uventude, Adolf von Harnack ( 1 8 5 1 - 1 930),
destaca esse como um dos defeitos mais notáveis do sistema de edu
cação superior germânico. Ele escreveu:
2 Adolf von Harnack, Aus Wissenschaft und Leben, vol. l. Giessen, A. Tõpelmann,
1 9 1 1 , p. 97.
94 l 95
4 Grupo cismático da Igreja Ortodoxa Russa que se separou em 1 666 por dis
cordar das reformas do Patriarca Nikon ( 1 605- 1 6 8 1 ) ocorridas entre 1 662-
1 666. (N. T. )
5 Igreja cristã surgida no século XX baseada nos ensinamentos de Caspar
Schwenkfeld von Ossig ( 1 4 8 9- 1 56 1 ) , cujos seguidores já se encontravam dis
persos nos Estados Unidos desde o século XVIII. As ideias de Schwenkfeld pa
recem ser um meio-termo entre as reformas de Martinho Lutero ( 1 4 8 3 - 1 546),
João Calvino ( 1 509-1564), Ulrico Zwinglio ( 1484- 1 5 3 1 ) e os anabatistas.
Em 2009, a igreja contava com cerca de 2.500 membros, divididos em cinco
congregações na Filadélfia. (N. T. )
6 A Igreja "Dunker" foi organizada em 1 827 por Peter Eyman ( 1 762-1 844)
em Ohio, como uma das ramificações do Schwarzenau Brethen ( Batistas
Alemães), grupo surgido na Alemanha no final do século XVII como conse
quência do movimento pietista radical. Em 1 848, a congregação se dividiu
por discordar de algumas práticas e surgiu o grupo dos Novos Dunkers (ou
Igreja de Deus) que perdurou até 1 962. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1
7Leopold von Ranke, Über die Epochen der neueren Geschichte: Historisch
kritische Ausgabe. München, Theodor Schieder und Helmut Berding, 1 9 7 1 ,
p . 60. (N. T. )
98 l 99
criativa e, ao ter êxito, a Igrej a cria um novo modo de vida, j á que está
comprometida com a determinada situação que enfrentou naquele
período em particular.
Hoje está bastante claro para todos, católicos e não católicos,
cristãos e não cristãos, que vivemos numa época de crise. Talvez sej a
perigoso tentar definir a natureza dessa crise com muita precisão, uma
vez que os assuntos são demasiado complexos e de grande amplitude.
Não obstante, creio ser possível dizer que neste país e no presente
século chegamos a um ponto decisivo no movimento rumo à unidade
cristã. Como tenho dito, durante três séculos, desde a Reforma até o
século XIX, o catolicismo e o protestantismo permaneceram em cam
pos opostos e hostis, um empenhado na destruição do outro. Cada
uma das nações da Europa e os novos povos dos Estados Unidos
tomaram uma ou outra posição, e desprezaram qualquer membro de
suas sociedades que fizesse uma escolha diferente, de modo que todo
católico em um país protestante ou todo protestante em um país ca
tólico era visto como potencial traidor e inimigo público.
No entanto, hoj e, nos Estados Unidos encontramos uma situa
ção completamente diferente. Em uma mesma sociedade vivem to
das as diferentes formas de religião e a falta de religião coexiste e
partilha de uma cultura comum. Não há mais o domínio exclusivo
de uma forma de cristianismo, nem mesmo o dualismo exclusivo de
católicos e protestantes, mas um espectro em que está representada
cada nuance de crença religiosa . Igrej as e ritos que no passado e no
Velho Mundo existiam tão isolados que dificilmente tinham cons
ciência da existência da alteridade, foram confrontados e colidiram
nas ruas da moderna Babilônia. De certa forma, isso nos recorda a
situação em Roma e em Alexandria nos primeiros séculos do cristia
nismo. A conj untura é dolorosa, visto que expõe plenamente o es
cândalo da desunião cristã . Não obstante, ao mesmo tempo, oferece
uma oportunidade tal como nunca existiu no mundo anteriormente,
para que os cristãos se reúnam e venham a se entender. Sem essa
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1
C a p ít u l o 2 1 O C r i st i a n i s m o e a H i stó r i a d a
C u l tu ra
1 No original: "qnryfi µÓvou itpoç µÓvov " . Plotino. Enéada. VI, 9, 1 1 . (N. T. )
1 02 l 1 03
história da Igrej a tem sido vista como algo equivalente à história ecle
siástica - uma espécie de tópico especial à margem da história políti
ca. Desse ponto de vista, a História da Igreja é algo só encontrado em
sociedades e períodos em que se distingue, claramente, Igrej a e Estado
ou que há a distinção entre religião e política. Portanto, isso tende a
se tornar um assunto algo arbitrário e artificial, j á que a história das
Igrej as modernas está condicionada e limitada pela história do Estado
ao qual, de certo modo, pertencem. E, onde existe uma total sepa
ração de Igrej a e Estado, como nos Estados Unidos do século XIX,
a história da Igrej a se vê esvaziada de conteúdo significativo, como
vemos nos doze primeiros volumes da obra, típica do século XIX, The
American Church History Series [A Série de História da Igrej a nos
Estados Unidos da América] . Não há nenhuma unidade científica, de
modo que a unidade se dá somente pelas tradições corporativas de
uma determinada facção. 2
inspirada, como no caso dos profetas hebreus, sej a por uma dispen
sação histórica, como na história do povo eleito, ou, sobretudo, pelo
mistério central da Encarnação em que o Verbo de Deus é encarnado
numa pessoa histórica humana e divina. Isso marca um novo início na
história da raça humana - uma nova criação pela qual a humanidade
é elevada a um nível espiritual superior que transcende a vida natural
e o conhecimento racional do animal humano.
É verdade que o homem pode fazer um estudo racional dessa
suprema dispensação e do conteúdo da Revelação - estudo tradicio
nalmente conhecido como ciência teológica, mas, a função de pes
quisa, nesse estudo, está estritamente limitada, j á que os dados nos
quais se apoia são verdades de fé que transcendem a esfera da razão.
Por sua vez, a extensão da Revelação e a vida do Verbo Encarnado
na Igrej a cria uma espécie de zona intermediária entre Deus e o ho
mem que é " sobrenatural " na linguagem dos teólogos, mas, apesar
disso, é tão acessível à experiência e ao estudo racional quanto o
restante da história humana . Essa penetração da linguagem divi
na no mundo do discurso humano é uma concepção difícil para a
moderna inteligência secular compreender ou assimilar, no entanto,
é parte essencial da visão cristã de história e, não menos ou dificil
mente menos, da visão j udaica ou muçulmana. De fato, até certo
ponto, é uma característica de todas as grandes religiões; mesmo
aquelas, como o hinduísmo, que parecem, à primeira vista, estar
baseadas em teorias metafísicas e especulações.
Aquelas religiões que estão, ou alegam estar, fundamentadas na
pura razão nunca tiveram nenhuma influência profunda na vida es
piritual da humanidade ou da história humana. A Religião Natural
ou Deísmo dos filósofos do século XVIII, a Religião da Humanida
de positivista do século XIX, ou as tentativas mais recentes de cons
truir uma religião puramente ética despertam algum interesse pela
luz que lançam sobre a cultura contemporânea, mas todas falharam
totalmente no campo da religião como tentativas de oferecer um
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 2
deste estudo quantas vezes foi esse o caso, tanto para o bem quanto
para o mal.
Ao estudar o processo de expansão e contração da cultura cristã
na sucessão das eras históricas, analisamos um processo natural que
segue o curso normal de formação e mudança cultural. Estamos, no
entanto, estudando também um mistério religioso - a vida de Cristo
na história -, a progressiva percepção da humanidade pela ação da
revelação divina, a extensão da Encarnação na vida da Igrej a. Este é
um aspecto da doutrina católica que hoj e está sendo mais trabalhado
do que nunca por teólogos e é importante que ganhemos uma ideia
geral a respeito disso antes de embarcar no estudo da cultura católi
ca. Está exposto de modo muito simples e conciso na carta pastoral
Essor ou déclin de l'Église6 [Crescimento ou Declínio da Igrej a] do
finado cardeal Emmanuel-Célestin Suhard ( 1 8 74- 1 94 9 ) . E tem sido
desenvolvida com mais profundidade por uma série de escritores mo
dernos como Karl Adam ( 1 876- 1 96 6 ) , Henri de Lubac ( 1 896- 1 99 1 ) e
Yves Congar ( 1 904- 1 995 ) , mas os fundamentos teológicos foram ofe
recidos por teólogos do renascimento católico do século XIX como
J. Adam Moehler ( 1 796-1 8 3 8 ) e Matthias Joseph Scheeben ( 1 835-
18 8 8). Se estudarmos esta ou uma série dessas ideias, elas nos levarão
a mergulhar muito profundamente na teologia, mas ao mesmo tem
po, creio, irão lançar novas luzes sobre a cultura cristã e a visão cristã
do significado da história.
1 Ruth Benedict, Patterns of Culture. Boston, Houghton Mifflin Co., 1 934, p. 33.
1 16 1 1 17
que nela não estej a refletido. Cultura e língua são aspectos insepa
ráveis de um mesmo processo, de modo que é impossível admitir a
existência de uma sem a outra. Ademais, ambas são parecidas, ao se
organizarem em sistemas com determinada unidade formal. A língua
não é uma simples compilação de palavras; é, como diz Edward Sapir
( 1 8 84- 1 93 9 ) , " uma organização simbólica, criativa e autônoma " 3 que
pode ser comparada a um sistema matemático.
Do mesmo modo, a cultura não é uma simples coletânea de "tra
ços culturais " - costumes, hábitos, instituições e crenças -, é um sis
tema organizado de vida social e comportamento com leis próprias e
princípios de desenvolvimento, que são distintos das forças ecológi
cas, geográficas e biológicas externas que condicionam sua existência.
Desse modo, uma cultura e sua língua, tomadas em conj unto, formam
um mundo autônomo de significados e existência que é, realmente, o
único mundo de significado e vida, a qual é, na verdade, o único mun
do do qual o indivíduo está consciente. É criado pelo homem, visto
que é produto da criatividade humana e da capacidade do homem de
comunicação simbólica. O indivíduo, todavia, não está ciente disso,
já que tanto a cultura quanto a linguagem são processos inconscientes
nos quais os homens estão imersos desde a mais tenra infância e que
são a base das primeiras atividades sociais e individuais.
O homem vive nessa teia multicolorida e repleta de contornos
que sua cultura e história criaram, como a abelha na colmeia e o
pólipo nos recifes de coral. No entanto, como todas as sociedades de
insetos e de animais da mesma espécie são sempre iguais e mantêm
as formas inalteradas ao longo de gerações, todas as culturas são di
ferentes e possuem forças de expansão e mudança, de adaptação e
assimilação, que não existem em outras formas de vida.
C a p ít u l o 4 1 O C re s c i m e n t o e a D i f u s ã o
d a C u lt u ra
Os P r i m ó rd i os d a C u l tu ra C r i stã
l 1 53
C a p ít u l o 5 1 A I d e i a C r i stã e J u d a i ca d e
Reve l a çã o
de uma experiência divina. Isso não quer dizer que somente Israel foi,
por mais de mil anos, o veículo exclusivo da revelação divina; quer
dizer também que, na tradição de Israel, foi estabelecida uma relação
ímpar entre Deus, o homem, a sociedade humana e a história, uma re
lação que não foi rompida pela deserção de Israel, mas foi continuada
e ampliada na igrej a cristã e na sua história.
O Antigo e o Novo Testamentos ou alianças, portanto, são uma
evolução gradual, única e integrada, sem paralelos, entre as religiões
do mundo. Como vimos, as grandes religiões históricas do mundo
em que se basearam as civilizações do Antigo Oriente, em especial,
as da Í ndia e da China, eram essencialmente religiões naturais - ou
seja, representavam uma sanção humana, ou uma cooperação, com
os poderes divinos que governavam o mundo. Buscavam manter a
harmonia entre a vida humana e o divino ordenamento da natureza
que é manifestado na ordem das estações e no curso das estrelas, e,
visto que iam além, como as religiões da Í ndia e da China tentaram
fazer, faziam-no por intermédio de um princípio espiritual subjacente
à ordem visível e à ordem moral que é, ao mesmo tempo, transcen
dente e imanente; é tudo e mais do que todos.
A revelação j udaica, por outro lado, apresenta uma divinda
de diferente e um modo distinto de ação divina - um Deus vivo e
pessoal que é, essencialmente, criador -, o criador do mundo, do
homem e da história . E esse poder criativo é mostrado não só na
quilo que ele fez, mas no que faz e no que está prestes a fazer; prin
cipalmente na criação de um novo povo que está destinado a ser o
portador, na história, do desígnio divino pelo qual Deus irá mudar
a própria natureza e renovar a face da Terra . Logo, a doutrina da
nova criação, que ocupa um lugar central nos escritos paulinos e,
certamente, no Novo Testamento como um todo, está profunda
mente enraizada no Antigo Testamento e na tradição de Israel .
A importância do Antigo Testamento para a compreensão do cris
tianismo é dupla: por um lado é teológica - a revelação da palavra de
A Formação da C ristandade 1 Capltulo 5
1 Henri Daniel-Rops, The Age o( the Apostles and Martyrs, v ol. 1. New York,
Doubleday-lmage Book, 1 962, p. 43-44.
1 76 l 1 77
de Cristo e substituída pela nova lei, que era a lei da liberdade, e não
havia mais espaço para nenhuma distinção entre j udeus e gentios:
Vós todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, pois todos vós, que
fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem
grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos
vós sois um só em Cristo Jesus. E se vós sois de Cristo, então sois des
cendência de Abrãao, herdeiros segundo a promessa (Gálatas 3,26-29).
7Orígenes, De Principii, 3,3,2. ln: Jean Daniélou, Origen. New York, Sheed
and Ward, 1 955, p. 4 1 .
1 86 l 1 87
C a p ít u l o 7 1 O C r i st i a n i s m o e o M u n d o G re g o
Vês, meu filho, quantos corpos nos é necessário atravessar, quantos co
ros demoníacos, e que sucessão contínua e quais cursos de astros para
nos lançarmos ao Um-Ú nico ?2
[ . . . ] agora ela [alma] atinge o ponto onde é cercada pelo mal, sabe que
não tem saída . Enganada, entra em um labirinto. [ . . . ] vagueia na terra
perseguida pelo mal. [ . . . ] Ela está tentando fugir do caos amargo, e
não sabe como irá escapar.3
e nomes pelo Éon, até que tenha chegado o seu tempo, e ungido pela
misericórdia de Deus por sua obra, alcance o descanso eterno "6 -
assemelha-se com a doutrina hindu de sucessivos budas ou jivas que
levam a mensagem de libertação para sucessivas eras. E tal semelhan
ça era invocada por Mani ( 2 1 6-276 ) , na sua história da revelação:
11
Cf. Paul Monceaux, Histoire Littéraire de l'Afrique Chrétienne, vol. 2.
Paris, Leroux, 1 90 1 , p. 1 79-90.
204 l 205
12
Abgar, na verdade, não era um nome próprio, mas o título pelo qual foram
chamados todos os toparcas de Edessa por vários séculos, assim como os im
peradores de Roma eram denominados Césares. Ver Rev. A. Roberts D. D. e
J. Donaldson (eds.), The Ante-Nicene Fathers: Translation o( The Writings o(
the Fathers down to A.D. 3 2 5 . New York, Charles Scribner's Sons, 1 903, vol.
VIII, p. 6 5 1 , nota 4. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 7
C a p ít u l o 8 1 O I m pé r i o C r i stão
Não escolheu Deus os pobres em bens deste mundo para serem ricos
na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam ? E, no entan
to, vós desprezais o pobre ! Ora, não são os ricos que vos oprimem, os
que vos arrastam aos tribunais ? Não são eles os que blasfemam contra
o nome sublime que foi invocado sobre vós ? (Tiago 2,7).
Também conferiu poder, riqueza e prestígio, mas esses eram dons pe
rigosos, já que traziam consigo perigos à liberdade espiritual jamais
sonhados nos dias de perseguição. Ademais, também significava que a
nova sociedade espiritual fora j ungida a uma ordem social moribun
da, estática, que dava pouco espaço para a livre atividade social. A
liberdade estava totalmente ausente da vida social do novo governo e
a conversão do Império ao cristianismo nada fez para reprimir o pro
gressivo declínio das instituições cívicas da antiga classe de cidadãos.
Consequentemente, não podemos olhar para o Império Cristão
buscando por qualquer minuciosa elaboração de princípios sociais
cristãos. A revolução social já havia ocorrido, e o cristianismo fora
chamado no último estágio, não para revertê-la, mas para torná-la
tolerável, pois, conquanto a revolução fosse totalitária, diferia dos to
talitarismos modernos por aceitar as próprias limitações e reconhecer
a existência de uma realidade que transcendia o mundo do burocrata,
do coletor de impostos e do sargento do recrutamento militar.
Assim, a Igrej a ofereceu um substituto espiritual para a perda da
liberdade citadina. Nessa nova comunidade espiritual, o homem co
mum encontrava uma cidadania que era mais abrangente e profunda
que a da antiga cidade-estado. Em primeiro lugar, não estava confi
nada a uma classe privilegiada, mas aberta a todos os homens - ao
pobre, até mais que ao rico. E, em segundo lugar, sua cidadania não
estava baseada nos fundamentos mutáveis das circunstâncias políti
cas, mas em verdades espirituais eternas. Numa época em que a morte
era a única certeza, a esperança da imortalidade significou muito mais
que qualquer privilégio político, e a irmandade de uma grande comu
nidade, que oferecia auxílio nos sofrimentos temporais e esperança de
glória eterna, era infinitamente mais valiosa que a cidadania secular
que submetia o cidadão a obrigações de serviço público e ao peso
esmagador da responsabilidade fiscal corporativa .
O cristianismo, durante os primeiros dois séculos do Império Ro
mano, tinha principalmente se alastrado entre as classes de menor
216 l 217
e as " vis artes mecânicas " , herança da cultura helenística, a Igrej a fez
tudo o que estava ao seu alcance para pôr no lugar o dever e a honra
do trabalho. Diz São João Crisóstomo ( 349-407):
Não dás ao pobre do que é teu, mas devolves o que é dele. Pois o que
era comum e que foi dado para uso de todos, tu o usurpaste. A terra é
de todos, não só dos ricos [ . . . ] Portanto, estás pagando uma dívida e
não oferecendo uma dádiva.4
Quem espolia alguém que está vestido é tido como ladrão; e quem, po
dendo fazê-lo, não reveste quem está nu merecerá outro nome ? O pão
que tu reténs pertence ao faminto, o manto que guardas no armário é
de quem está nu; os sapatos que apodrecem em tua casa pertencem ao
descalço; o dinheiro que tens enterrado é do necessitado.5
C a p ít u l o 9 1 A I nf l u ê n c i a d a Litu rg i a e da
Te o l o g i a n o D e s e n v o l v i m e n t o
da C u lt u ra B i za nti n a
nas Escrituras. Não era somente uma fonte de teologia cristã, mas
também um dos elementos primários na formação de uma cultura
cristã . Por trás da mudança da cultura, há a mudança espiritual, " a
recriação d e um povo novo " , u m tema que perpassa todos o s ritos
litúrgicos e que encontra expressão poética na supramencionada
inscrição do papa Sisto III:
2 A tradução literal da citação latina seria: "Uma raça por ser sagrada pelos
céus nasce aqui de uma semente sublime, e / das fecundadas águas a faz sair
o Espírito. / Os filhos que ela concebe são do sopro de Deus, e por uma con
cepção / virginal a mãe Igreja os traz ao mundo nessas águas. [ . . . ] / Eis aqui
a fonte de vida que lavou a terra inteira, e que tem por origem o / ferimento
de Cristo. / [ . . . ) / Entre os renascentes não há distância, porque são feitos
por uma só fonte, / um só espírito, uma só fé " . No entanto, em português,
a versão mais conhecida, que pode ser vista na pia batismal, de 1 6 8 0, no
Pátio do Colégio em São Paulo (SP) é: "Aqui nasce para o céu / um povo de
nobre estirpe / O espírito é quem dá a vida/ nessas águas fecundas / Aqui
a mãe Igreja gera / com fértil virgindade / Aqueles que coloca no mundo /
pela ação do Espírito. / Esta é a fonte da vida / Que banha todo o universo
/ Brota da fenda do coração / do Cristo e faz o cristão. / Esperai no Reino /
Vós que nascestes nesta fonte " . (N. T. )
230 1 23 1
3 S. von Radecki, Wort und Wunder. Viena, Herder & Co., 1 942, p. 51.
4 Constantino Porfirogênito, D e Caerimoniis, Praef. IV, 2 . (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 9
7 Richard C. Trench, "St. Ambrose " . ln: Sacred Latin Poetry: Chiefly Lyrical.
3. ed. revista e ampliada, 1 8 74, p. 8 7- 8 8 (N. T. )
236 l 237
8 Adeptos das ideias do teólogo alemão Albrecht Ritschl ( 1 822- 1 8 89), cuja
teologia cristã liberal defendia que a fé religiosa estava além do alcance da
razão e deveria se basear em juízos de valor. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 9
10
Neste momento Dawson refere-se ao primeiro estágio da separação da
fragmentação da cristandade, ou seja, a separação das Igrejas Orientais "Me
nores" nos séculos V e VI, que veremos no capítulo X. O Grande Cisma do
Oriente que dá ensejo à Igreja Ortodoxa como entidade separada da Igreja
Católica ocorre somente no século XI, em 1 054. (N. T. )
244 1 245
11
Episódio da história da Irlanda, também conhecido como Desmond
Rebellions, em que liderados pelo conde de Desmond, os habitantes da pro
víncia de Munster se rebelaram por duas vezes, de 1 56 9 a 1 5 73 e de 1 5 79 a
1 5 83, na época de Elizabeth I ( 1 533- 1 603 ), por conta da colonização inglesa
dessa região por iniciativa da coroa. A intervenção papal acrescentou o ele
mento religioso no conflito (N. T. )
12 Movimento de trabalhadores rurais pobres da Inglaterra, liderado por
Gerrard Winstanley ( 1 609- 1 676), que entre 1 649 e 1 650 pretendeu substituir
a ordem feudal derrotada pela Guerra Civil por uma sociedade socialista,
agrária e cristã anticlerical. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítu lo 9
C a p ít u l o 1 O 1 A I g rej a e a C o n ve r s ã o
d o s B á r b a ro s
[1 ]
[2]
[3]
para ver que o segundo estágio da aculturação cristã foi mais difícil e
mais ingrato que o primeiro.
Principalmente em nosso estudo da cultura medieval, devemos re
cordar que a guerra não era tanto uma doença endêmica da sociedade
europeia como condição de existência e princípio de organização. No
Oriente, a Igrej a tinha se aclimatado ao governo despótico, à ausência
de liberdade política e de liberdade pessoal. No Ocidente, contudo, a
Igreja foi forçada a existir em um mundo de guerra e violência perpé
tuas - não somente a guerra organizada de nações e reinos, mas guer
ras privadas e contendas familiares das quais era difícil para qualquer
um se afastar sem romper os sagrados laços de parentesco e lealdade.
Esse tema percorre toda a literatura medieval desde o mais antigo poe
ma heroico dos povos celtas e germânicos, as sagas dos islandeses, as
chansons de geste [canções de gesta] francesas até as baladas em lín
gua vernácula e as canções folclóricas no final da Idade Média.
O fator da cultura ocidental é apresentado em relação à conver
são da Islândia pela maior de todas as sagas setentrionais - a Saga de
Njáll, o Queimado. 1 Essa, claro, não é um registro contemporâneo
como a história de São Beda, mas uma obra de imaginação criativa
composta por um dos maiores escritores medievais.
Em tal mundo, a Igrej a tinha de assumir a tarefa de apresentar a
lei do Evangelho e a ética do Sermão da Montanha entre povos que
A F o r m a ç ã o d a C r i sta n d a d e M e d i eva l :
Asce nsão e Decl í n i o
l 261
C a p ít u l o 1 1 1 A F u n d a ç ã o d a E u ro p a :
Os M o n g es d o
Ocidente
um homem que vinha como que da Irlanda, cujo nome era Victori
cus com inumeráveis cartas, e me deu uma delas e logo no princípio
da carta estava escrito: "A voz dos irlandeses" e enquanto eu recitava
o princípio da mesma, pareceu-me naquele momento ouvir as vozes
daqueles que estavam perto da floresta de Voclut, que fica perto do
mar ocidental, e assim exclamavam como se fosse uma só voz: " Nós
te rogamos, santo jovem, venhas e caminhes novamente entre nós " . 5
4Outra hipótese mais difundida atualmente é que São Patrício seja origi
nário da região da Cúmbria, ao noroeste da Inglaterra, na fronteira com a
Escócia. (N. T. )
5 São Patrício, Confessio, § 23. A tradução dos documentos de São Patrício
para o português utilizadas aqui são as da Royal Irish Academy e podem ser
encontradas na página: http li www.confessio.ie. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 1
11
Ver: Carta aos Soldados de Coroticus, § 14. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 1
12
No ano de 1 93 8 , foi iniciada uma controvérsia a respeito da relação da
Regra de São Bento com uma Regula Magistri [Regra do Mestre], possivel
mente mais antiga, e que continha muitos elementos em comum. A data e o
lugar de origem da Regra ainda são incertos. [Na década de 1 960, pesquisas
266 l 267
16
Corpo de história eclesiástica composto por estudiosos protestantes em
Magdeburgo, cuja finalidade era atacar a Igreja Romana e estabelecer a dou
trina de Martinho Lutero. Cobria treze séculos de história e terminava no ano
de 1298. Foi publicada pela primeira vez de 1 5 5 9 a 1 5 74. Devido ao revolu
cionário método crítico de apresentar a história, transformou-se na base da
moderna história da Igreja. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 11
C a p ít u l o 1 2 1 A E ra C a ro l í n g i a
[ 1]
1 São Bonifácio de Mainz, " Carta XL [50) : De Bonifácio ao papa Zacarias por
ocasião de sua ascensão ao papado ( 742 ) " . ln: The Letters of St. Boniface.
New York/West Sussex, Columbia University Press, 2000, p. 57-5 8 . (N. T. )
278 1 279
2 Dante Alighieri, Divina Comédia. Paraíso, canto XX, 57. Utilizamos aqui
a seguinte versão em português: Dante Alighieri, Divina Comédia - Paraíso.
Trad. e notas ltalo Eugenio Mauro. São Paulo, Editora 34, 1 99 8 . (N. T. )
280 l 2 8 1
bispo ou abade, cuj o posto era muitas vezes mais importante que
o do leigo missus, já que muito da legislação de Carlos Magno se
ocupava da reforma religiosa. Isso é comprovado pela longa série de
capitulares que emanaram do próprio Carlos Magno e de seu filho
Luís 1, o Piedoso, que deveriam ser efetivados pelos missi e, num âm
bito considerável, representavam uma tentativa consciente de conti
nuar as atividades reformadoras de São Bonifácio.
De fato, está evidente, j á no primeiro capitular de 769, promulga
do logo após a subida de Carlos Magno ao trono, no qual estabelece
os princípios básicos que guiariam suas ações - a afirmação da auto
ridade dos bispos, a reforma moral do povo e a ascenção da cultura
intelectual no clero. Esses princípios foram reafirmados no grande
capitular de 789, em que Carlos Magno explica sua concepção teo
crática de missão como governante e guia do povo cristão, prescre
ve os deveres exatos que devem ser executados pelo clero e repete
os cânones dos grandes concílios da coletânea canônica - o Codex
Hadriana - que lhe fora enviado pelo papa. Todo o documento parece
mais uma encíclica papal que uma lei de um príncipe secular, de modo
que as atividades dos missi dominici eram, muitas vezes, vistas mais
como uma visita episcopal do que como uma inspeção do governo.
O caráter religioso ou eclesiástico do governo carolíngio propor
cionou um princípio de unidade extremamente necessário para a pró
pria existência do Império. Visto do prisma da política, o Império era
uma sociedade com muitas tribos e povos diferentes, cada um com
um código próprio de leis e unidos somente pela força militar do rei
dos francos, da qual todos os trezentos condados do Império deriva
vam sua autoridade. Do ponto de vista religioso, no entanto, Carlos
Magno era o líder do povo cristão, que estava unido pela fé, batismo
e leis comuns, e que eram os mesmos de toda a Igrej a. A maior e mais
notável virtude de Carlos Magno é que tenha percebido isso e dedica
do uma parte muito grande da atividade legislativa para a reforma da
Igrej a e a promoção da cultura cristã .
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 2
com Agobardo; assim como Liege, que se tornou o centro dos erudi
tos irlandeses como Sedulius Scotus ( t 82 8 ) .
O irlandês mais excepcional, n o entanto, foi João Escoto Erígena
( 800-877), que lecionou na Escola do Palácio de Carlos, o Calvo,
proeminente não só pelo conhecimento do grego, mas pela origina
lidade como filósofo, numa época em que a filosofia já estava quase
esquecida no Ocidente, e por sua tradução de Dionísio, o Areopagita.
[2]
C a p ítu l o 1 3 1 A E u ro p a F e u d a l e a
E r a d a A n a rq u i a
[1]
Para executar todas essas ideias, dedicou-se " dentre outros di
versos e multiformes problemas do reino " 3 a traduzir e a mandar
[2]
preferiram passar o poder para São Odo, que sabiam ser verdadeira
mente dedicado ao ideal monástico, a passá-los para os bispos, que,
em grande parte, tinham tornado-se, eles mesmos, príncipes feudais.
Dessa maneira, antes de morrer São Odo se tornara o reformador de
um grande número de monastérios, dos quais o mais importante era
a grande abadia de Fleury, ou de Saint-Benoit-sur-Loire, que seculari
zara-se como resultado das invasões normandas. Fleury, por sua vez,
se associou, por intermédio de São Osvaldo de Worcester ( t929 ) , com
o grande movimento de restauração da vida monástica na Inglaterra
na época de São Dunstan ( 909-9 8 8 ) , de modo que a obra de São Odo
e da reforma cluniacense continuou a se espalhar por diversos canais,
ao longo de mais de um século.
Esse, todavia, não foi o único movimento reformador. Quase con
temporâneo a São Odo, inúmeros reformadores monásticos, repre
sentando a mesma classe social e os mesmos ideais espirituais, surgi
ram na região da Lorena, em especial São Geraldo de Brogne ( 8 95-
9 5 9 ) , que aí fundou um monastério em 937, e São João de Vandieres
( t975 ) , que refundou o antigo monastério de Gorze em 933 e foi o
abade de 960 a 975 . Na Lorena, o movimento de reforma teve mais
apoio dos bispos que no restante da Frância. Isso ocorreu porque a
região possuía alguns dos maiores centros eclesiásticos do Império
Carolíngio, tais como Liege, Metz e Toul, portanto, estava situada
favoravelmente como um centro de difusão das ideias reformadoras a
leste, para a Germânia, e a oeste, para Flandres e Inglaterra .
De fato, foi da Lorena que se originou a maior parte das principais
lideranças do século XI, sobretudo, o primeiro dos papas reformado
res, São Leão IX ou Bruno de Toul ( 1 002-1 054 ) .Não menos importan
te, no entanto, era a ligação política da Lorena com a Germânia, fator
essencial na extensão da influência dos reformadores lorenos.
Foi no Leste Europeu que a tradição da cultura carolíngia e do
Império se mostrou mais forte. O reino franco-oriental nunca se di
vidira na anarquia feudal na mesma proporção que o lado ocidental.
298 l 299
[3]
C a p ít u l o 1 4 1 O Pa p a d o e a E u ro p a M e d i eva l
2 Ernest James Passant, "The Effects of the Crusades upon Western Europe " .
ln: Cambridge Mediaeval History, vol. V, p. 322.
310 1 31 1
3 Há uma tradução em inglês da Vida de São Luís escrita por Jean de Joinville
( 1 224- 1 3 1 7) na Everyman's Library. O mesmo volume traz a crônica da quar
ta cruzada, Da Conquista de Constantinopla, de Geffroi de Villehardouin
( 1 1 60- 1 2 1 2 ) , que nos permite ver o outro lado do movimento. [Atualmente
temos várias versões em inglês das duas obras, sendo a mais popular a da
Penguin's Classics chamada Chronicles of the Crusades, com tradução e notas
de Caroline Smith. Em português, sobre a vida de São Luís, temos a seguinte
obra: Jacques Le Goff, São Luís. Trad. Marcos de Castro. Rio de Janeiro,
Record, 1 999. (N. T. ) )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 4
mundo árabe trouxe consigo ideias novas, bem como novas riquezas.
A ciência árabe, que era em grande parte a ciência grega em roupagem
árabe, alcançou a Europa por intermédio dos tradutores de Toledo e
Palermo, muitos deles j udeus ou j udeus convertidos, e ampliaram o
horizonte do saber ocidental, preparando as veredas para o grande
avanço da filosofia ocidental no século XIII.
Mesmo sem esse estímulo externo, um renascimento extraordiná
rio nos campos intelectual, literário e artístico já vinha ocorrendo ao
final do século XI e início do XII. Guibert de Nogent ( 1 05 3 - 1 1 24), o
historiador da primeira cruzada, ao escrever no início do século XII,
descreve como as condições da educação haviam mudado completa
mente durante a sua vida, e os frutos dessa mudança eram aparentes
não só na teologia e estudos religiosos como também na literatura e
na poesia, e no número e qualidade dos historiadores que surgiram
no século XII por toda a cristandade, mas sobretudo na Britânia.
Tal renascimento não estava, contudo, confinado à esfera inte
lectual. O período central da Idade Média, de 1 060 a 1 260, testemu
nhou uma extraordinária efusão de vigor social em todos os campos.
Apesar de toda a opressão e falta de leis do feudalismo, a época foi de
liberdade e iniciativa. Vemos isso, em especial, na ascensão da cidade
medieval, com intensa atividade religiosa e comunal, que marca a saí
da do mundo ocidental do barbarismo para uma nova civilização tão
diferente da antiguidade clássica quanto do mundo oriental de então.
Assim, o dualismo social original do guerreiro-nobre e do camponês
-servo foi transcendido e substituído por uma complexa ordem cor
porativa baseada na posição social, na função e na manutenção do
equilíbrio entre autoridade e liberdade.
Ainda que a cristandade fosse uma sociedade hierárquica, os
membros constituintes possuíam considerável grau de autonomia;
nem eram essas sociedades corporativas unidades fechadas, já que se
interpenetravam, ao passo que a maior das instituições comuns do
cristianismo - as ordens religiosas e militares e as universidades mais
312 l 313
C a p ít u l o 1 5 1 A U n i d a d e d a C ri sta n d a d e
Ocidenta l
5 Para uma análise dos detalhes de tal plano ver a valiosa obra The Gothic
lmage: Religious Art in France of the Thirteenth Century (New York, Harper
Torchbook, 1 95 8 ) de Émile Mâle ( 1 862- 1 954) .
322 l 323
6 Christopher Dawson, "The Study of Christian Culture " . ln: Medieval Essays.
New York, lmage Books, 1 959, p. 1 5 .
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 5
cá taro, que não deve ser visto tanto como uma heresia, mas como uma
renovação religiosa, já que está baseado no dualismo pagão do Anti
go Oriente, talvez até pré-cristão, transmitido para o Ocidente atra
vés da Península Balcã, pelos paulicianos e bogomilos. De qualquer
modo, é da maior importância para a história da religião medieval, e
não podemos entendê-la a menos que percebamos que o inimigo mais
perigoso do catolicismo não era alguma forma de cristianismo sim
plificado ou racionalizado, mas uma religião que via o corpo e todo o
mundo material como uma criação de Satanás, que condenava o ca
samento e os filhos como essencialmente pecaminosos. Era proibido
ao cátaro não somente o casamento, mas o abate de qualquer coisa
viva, ou a ingestão de qualquer coisa que fosse sexualmente concebi
da. Essa vida de ascetismo estrito, no entanto, pertencia somente ao
"perfeito " , que recebera o consolamentum, "o batismo com espírito
e fogo " , o sacramento da religião cá tara. O cátaro comum era um
mero "crente " que não partilhava nem dos privilégios ou privações
dos " perfeitos " , por via dos quais, exclusivamente, poderiam esperar
ter contato com o mundo espiritual. Assim, o catarismo combinava
um ascetismo extremo com um considerável laxismo e, na prática, até
mesmo com um antinomianismo.
Não é de surpreender que uma heresia de natureza tão fun
damental, que via o Deus dos católicos como uma força do mal e
a própria Igrej a como criação de Satanás, tenha sido impiedosa
mente reprimida . Na verdade, a ascensão do catarismo na Europa
Ocidental parece ter sido responsável, em grande parte, pela nova
postura para com a heresia e a perseguição distintivas da Igrej a da
Baixa Idade Média. Até esse momento, é verdade, a Igreja via a
supressão da heresia como parte do dever do Estado, mas ela mes
ma se mostrava avessa a medidas extremas, e a sentença "Ecclesia
abhorret a sanguine " - a Igrej a abomina o derramamento de san
gue - fora aceita como uma máxima. No entanto, os cátaros foram,
comparativamente, uma categoria de hereges totalmente diferente.
324 1 32 5
7Henry Charles Lea, A History of the lnquisition of the Middle Ages, vol. 1.
New York, Harper & Brothers, 1 8 87, Chapter XII The Sentence.
-
326 l 327
Emerton. New York I West Sussex, Columbia University Press, 1 990, p. 1 54.
Vale lembrar que nas traduções do latim para o inglês o nome do rei aparece
como Haakon, numa flagrante confusão com os reis da Noruega (N. T. )]
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 5
11
A visão econômica estática dos canonistas sobre o " preço justo" foi criti
cada pela maioria dos teólogos escolásticos ao abordarem temas econômicos
em suas análises sobre a moral, antecipando a moderna defesa do livre merca
do. No chamado "Tratado sobre a Justiça " na Suma Teológica, o dominicano
Santo Tomás de Aquino ( 1 225-1274) ressalta que "o preço das mercadorias
não se determina segundo o critério de sua natureza" [ . . . ] " Por conseguinte,
não é necessário que o comprador ou o vendedor conheçam as qualidades
ocultas do objeto de venda, mas somente as qualidades que o tornam apto a
servir às necessidades humanas" (S. Th. II-II, q. 77, a. 2, sol. 3 ) . Mais adian
te, o Doutor Angélico afirma que: " se o vendedor levar o seu trigo onde há
carestia dele, percebe que muitos outros vendedores poderão vir a fazer o
mesmo. Estando a par disso, os compradores pagariam menor preço. Ora, ao
que parece, o vendedor não está no dever de adverti-los" (S. Th. , II, II, q. 77,
a. 3, obj . 4 . ) . Conclui o Aquinate que o " lucro, que é o objetivo do comércio,
embora em sua natureza não implique nada de honesto e necessário, nada
comporta também de vicioso ou contrário à virtude. Portanto, nada impede
que o lucro seja ordenado a um fim necessário ou mesmo ordenado" (S. Th.,
I I , I I , q. 77, a. 4, rep . ) . O franciscano Pedro d e João Olivi ( 1 248-1298), em
seu Tratado sobre as Compras e as Vendas, defende a liberdade de comércio
e pontos semelhantes ao de Santo Tomás de Aquino em relação ao lucro e
ao aumento dos preços, além de argumentar que na determinação do "pre
ço j usto" se deve levar em consideração quatro condições, a saber: 1') "a
ordem natural das coisas usáveis " , 2ª) " o andamento geral da abundância
e da escassez das coisas", 3") "o trabalho, o risco e a habilidade para obter
bens e serviços" , 4 ª) "o grau e a ordem dos ofícios e das dignidades a eles
anexas" (Pedro de João Olivi, "Tratado sobre as Compras e as Vendas " . ln:
Luís Alberto de Boni (org., intr. e trad. ) , Filosofia Medieval: Textos. Porto
Alegre, Edipucrs, 2005, p. 253-76 ) . Para uma visão ampla e sistemática so
bre o " preço justo " , ver: John W. Baldwin, "The Medieval Theories of Just
Price: Romanists, Canonists and Theologians in the Twelfth and Thirteen
th Centuries" . Transactions of the American Philosophical Society, vol. 49,
n. 4. Philadelphia, American Philosophical Society, 1 959. Ver, também: John
W. Baldwin, Masters, Princes and Merchants: The Social Views of Peter the
Chanter and His Circle. Princeton, Princeton University Press, 1 970. 2v.;
Odd Langholm, Wealth and Money in the Aristotelian Tradition: A Study
in Scholastic Economic Sources. Bergen, Universitetsforlaget, 1 983; idem,
330 1 3 3 1
14 Johannes Janssen, History of the German People at the Close of the Middle
Ages. Trad. M. A. Mitchell e A. M. Christie. London, K. Paul, Trench, Trübner,
& Co., Ltd., 1 8 96, vol. II, p. 97-98 .
332 l 333
C a p ít u l o 1 6 1 Os F e i tos d o Pe n sa m e n to
M e d i eva l
[1]
2 Sobre o Trivium, ver: Innã Miriam Joseph, O Trivium: As Artes Liberais da Lógica,
da Gramática e da Retórica. Trad. Henrique Paul Dmyterko. São Paulo, É Reali
zações, 2014. Sobre o Quadrivium, ver: John Martineau (org.), Quadrivium: As
Quatro Artes Liberais Clássicas da Aritmética, da Geometria, da Música e da Cos
mologia. Trad. Jussara Trindade de Almeida. São Paulo, É Realizações, 2014. (N. T.)
338 l 339
3 Referência aos estudiosos da Kalam [Palavra) , que buscam chegar pela dia
lética filosófica aos princípios teológicos. (N. T. )
4 Cidade onde Gerberto de Aurilac ( posteriormente, papa Silvestre II) estudou
e onde seu amigo, o astrônomo Lupito (fl. séc. X), traduziu, a pedido de Ger
berto, em 984, a obra árabe Sententiae astrolabii sobre astronomia. Lupito
de Barcelona também foi o responsável pela introdução do astrolábio e dos
numerais arábicos no Ocidente. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 6
7 No original: "Et sic patet, quod tatus mundus est sicut unum specu
lum plenum luminibus praesentantibus divinam sapientiam, et sicut carbo
effundens lucem ". São Boaventura, Ex. li, 27 ( 340 b ) . (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 6
[2]
O século XIII foi visto, não sem razão, como o ponto máximo
da Idade Média - o coroamento dos seis séculos precedentes de evo
lução da civilização cristã. Não obstante, se foi o ápice, também foi
o momento da transformação: a época em que a antiga tradição da
unidade da cristandade sob a dupla direção do papa e do imperador
se fora para sempre, e quando as forças centrífugas que se tornaram
dominantes na Baixa Idade Média já estavam reivindicando o poder.
O século que se inicia com Inocêncio III termina com Bonifácio VIII e
Filipe IV, o Belo ( 1 26 8- 1 3 1 4 ) .
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 6
10 A respeito deste existencialismo tomista ver, além dos livros já citados dos
professores Knowles e Gilson, a seguinte obra: Frederick Copleston S. j.,
History of Philosophy - Volume II: Medieval Philosophy from Augustine to
Duns Scotus. New York, Doubleday, 1 993, p. 324 ss, 423 . (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 6
11
Suma Teológica, 1 -2, q . 2 1 , a. 4, ad. 3 .
3 52 l 353
14 Opus Maius, parte li, p. 49. ln: Roger Bacon, Opus Maius of Roger Bacon.
Trad. Robert Belle Burke. London, Humphrey Milford/Oxford University
Press, 1 928 . (N. T. )
A Formação da C ristandade J Capítulo 1 6
pode conhecer nenhuma outra ciência e, além do mais, não pode des
cobrir a própria ignorância ou encontrar os remédios apropriados " .15
Por fim, para aperfeiçoar o trabalho da ciência e aplicá-lo aos fins
apropriados - a orientação do mundo - precisamos de um outro e
novo tipo de ciência - a ciência experimental - que é a mais perfeita de
todas. Sem tal ciência há uma lacuna entre teoria e prática, entre filoso
fia e vida, que impede que as ciências produzam a plenitude dos frutos.
A ciência experimental não oferece ao homem apenas um conhecimen
to mais preciso, também lhe oferece poder de mudar a própria vida
e de controlar o mundo. Ao portar tal arma, a Igrej a será, de fato, a
senhora do mundo e não apenas em princípio. Não mais terá de temer
os ataques dos infiéis, nem confiar nos métodos sanguinários e incertos
das cruzadas. Pela reforma dos estudos e a aplicação da ciência à vida,
o mundo se tornará um e a unidade da verdadeira ciência dará frutos
na unidade de uma sociedade universal verdadeiramente cristã.
Todas essas ideias podem ser encontradas no vasto, porém in
completo, programa de reforma do ensino cristão que Bacon dedicara
ao patrono, o papa Clemente IV (ca. 1 1 90- 1 26 8 ) , durante seu breve
pontificado ( 1 265- 1 26 8 ) . 16 Os fundamentos dessa reforma deveriam
ser lançados pela filologia e crítica textual para o conhecimento das
Escrituras, e pela matemática e ciência experimental para o conhe
cimento da natureza. Quando isso fosse realizado, a Igrej a estaria
cientificamente equipada para cumprir sua missão mundial. Os gre
gos cismáticos seriam reunidos e os pagãos convertidos, e aqueles
que resistissem seriam subj ugados pelas armas secretas que a ciência
colocaria à disposição do papado.
C a p ít u l o 1 7 1 Oriente e Ocidente n a
Idade Média
6Ver Erich Caspar, " Papst Gregor II und der Bilderstreit" . Zeitschrift für
Kirchengeschichte, 52, 1 933, p. 29-89.
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 7
7Idem, Geschichte des Papsttums. Von den Anfiingen bis zur Hohe der
Weltherrschaft. Tübingen, Mohr, 1 93 3 , vol. 2, p. 656-62. Numa versão mais
completa, ver artigo indicado na nota anterior.
366 l 367
10
John C. L. Giesler, Compendium of Ecclesiastical History. Edinburgh, T. &
T. Clark, 1 953 , p. 490. (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 7
na cidade sagrada. Após tal ultraje não poderia mais haver qualquer
esperança de uma reconciliação verdadeira entre Oriente e Ocidente.
Depois que recuperaram a cidade em 1 26 1 , os últimos imperadores
bizantinos continuaram, intermitentemente, a seguir a antiga política
dos Comnenos e dos macedônios, de reunião e cooperação com o Oci
dente. Isso encontrou expressão no Segundo Concílio de Lion - a união
de 1274, e na união nominal efetuada pelo imperador Miguel VIII Pa
leólogo ( 1 224- 1 282), em 1 269. A reunião foi alcançada pelo imperador
João VIII Paleólogo ( 1 392- 1 448 ) no Concílio de Florença, em 1439.
Mas qual era o valor de uma união formal, por mais que os adeptos
fossem ilustres, se o coração das pessoas não estava mudado, e o ódio
pelos azimitas era maior que o medo dos turcos ? Desde o século XI
havia uma aliança não oficial entre os preconceitos nacionais do povo
grego e o tradicionalismo dos teólogos, empenhados em preservar cada
pormenor da crença e prática ortodoxas de tal modo que aumentavam
o menor dos desvios e esses se transformavam na maior causa de trans
gressão. Assim, a raiz do grande cisma entre o Oriente e o Ocidente não
foi teológica. Foi uma desavença cultural, um mútuo desentendimento e
o acúmulo de lembranças de contendas nunca esquecidas.
Desde o início da decadência, no século XI, o Império Bizantino
foi um mundo fechado, como o Império Chinês durante o século XIX.
Era rico na tradição de saber teológico e tinha a antiga grandeza -
ainda possuía uma magnífica herança de arte cristã e um alto padrão
de civilidade. Era fraco, contudo, dos pontos de vista militar e econô
mico - não possuía mais poder algum de expansão e quase nenhuma
percepção das novas forças que estavam mudando o curso da história.
374 1 375
[1]
[2]
1 No original: "Qu 'ils fassent large cimetiere, / Ceus d'Acre, ils auront besoin.
/ Tout est plein d'herbes le sentier / Qu 'on battait jadis volontiers / Pour offrir
l'âme au lieu de cire . . . / Messire ]ofroi de Sergines, / ]e ne vois plus, deçá,
nu/ signe / Que l'on désormais vous secoure ". Citado por Leon Gledat, " Les
Croisades et la Guerre de Pouille" . ln: Rutbeuf: Les Grand Écrivains Français.
Paris, Librairie Hachette, 1 8 9 1 , p. 1 1 3 . (N. T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítu lo 1 8
versos 85-8 8 :
Esce di mano a /ui che la vagheggia
prima che sia, a guisa di fanciulla
che piangendo e ridendo pargoleggia,
/'anima semp/icetta che sa nulla,
( " Surge da mão d' Aquele que a acarinha, / inda antes de criá-la, a alma
ilibada, / que tal como inocente menininha / que, como chora, ri, não
sabe nada [ . . . ] " . Dante Alighieri, A Divina Comédia: Purgatório. Trad. e
notas Italo Eugenia Mauro. São Paulo, Editora 34, 2007, p. 1 0 8 . (N. T. ) ] .
H á também a passagem n o Paraíso, Canto III, versos 85 e seguintes, que des
creve a concordância da alma na parcela de beatitude escolhida: "E'n la sua
volontade e nostra pace " ( " E está na Sua vontade a nossa paz " . Dante Ali
ghieri, A Divina Comédia: Paraíso. Trad. e notas ltalo Eugenia Mauro. São
Paulo, Editora 34, 2007, p. 2 8 . (N. T. ) ]
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 8
que podemos até mesmo ir tão além quanto afirmar, em geral, que o
elemento ético e religioso na Divina Comédia é o mais fácil de com
preendermos e o menos afetado pela passagem do tempo, ao passo
que o elemento secular é responsável pelas maiores dificuldades no
entendimento e apreciação de Dante. Isso é verdade, sobretudo, no
que concerne ao elemento científico, que é intoleravelmente enfado
nho para o leitor comum.
Ademais, para Dante, o elemento religioso no poema não é uma
simples alegoria. Representa a estrutura fundamental da realidade.
É impossível para nós compreender Dante a menos que entendamos
seu realismo espiritual. Não há nada subjetivo ou ideal em seu mundo,
tudo tem uma profunda base ontológica em uma ordem espiritual ob
jetiva. O inteligível e o real são uma só coisa. Assim como a ordem mo
ral do mundo visível tem seu fundamento cósmico no mundo celestial,
do mesmo modo, todas as desordens morais e males naturalmente gra
vitam em torno de um plano inferior do ser, no qual a natureza se torna
distorcida e ininteligível. Consequentemente, a crueldade e a feiura do
Inferno não são, como supõem os românticos, o fruto de uma imagina
ção grotesca. São, menos ainda, relíquias de uma superstição bárbara,
incogruente com o restante do pensamento de Dante. Na sua filosofia
são o destino inevitável de uma natureza que se afasta do princípio da
realidade inteligível - o sol dos espíritos - e mergulha na escuridão e na
desordem. Filippo Argenti, um homem brutal e arrogante, encontra sua
última morada na lama negra do quinto círculo. 4
6 Bertrand Russell, " Science and Tradition " . ln: lmpact of Science on Society.
London, George Allen & Unwin, 1 952, p. 23 [Em português a obra pode ser
encontrada na seguinte edição: Bertrand Russell, O Impacto da Ciência na
Sociedade. Trad. António Cirurgião; rev. Alberto Oliva e Luiz Alberto Cer
queira. Rio de janeiro, Zahar, 1 976. (N. T. )]
382 l 383
[3]
A Igrej a era vista como a sociedade dos eleitos, dos santos, excluindo
todos os pecadores. Essa foi a causa de grande parte dos primeiros
cismas - os montanistas e tertulianistas, novacianos e dona tistas - to
dos defendiam que não existiria perdão para aqueles que já se haviam
afastado da Igrej a, especialmente, nos períodos de perseguição. Mais
uma vez, com a Reforma Protestante, muitos reformadores e, em es
pecial, os calvinistas, deram demasiada ênfase à ideia da Igrej a como
sociedade dos eleitos - uma Igrej a invisível à qual pertenciam, em
graus variados, as di ferentes igrej as locais e visíveis. Assim também,
a importância atribuída por João Calvino à doutrina da predestina
ção tendeu a limitar a Igrej a a um número relativamente pequeno de
cristãos que possuem a certeza da própria salvação. Dessa maneira, a
Igrej a não é tanto uma sociedade universal, mas uma sociedade seleta,
e sua missão não é salvar o mundo, mas apartar os eleitos remanes
centes da massa de condenados da humanidade.
Há uma tendência oposta, contudo, a qual denominei humanita
rismo, que critica a concepção católica da Igreja como muito estreita
e vai além da própria Igrej a, rumo a um ideal de cristianismo univer
sal ou religião natural - não limitado por qualquer forma particular
de crença ou sistema de organização -, uma sociedade espiritual que
inclui de todos os homens de boa vontade. Segundo esse ponto de
vista, as Igrej as são apenas associações voluntárias de homens para o
culto religioso, e quanto menos alegarem exclusividade, melhor. Tal
visão humanista ou relativista de Igrej a se tornou dominante do sécu
lo XVIII em diante, e contribuiu nada mais nada menos para a visão
puritana da criação de um padrão religioso de mundo moderno. No
entanto, tanto é político quanto é religioso pois, desde a Revolução
Francesa, o conceito da Igrej a como uma sociedade universal foi subs
tituído pelo ideal de Estado democrático de Jean-Jacques Rousseau
( 1 7 1 2 - 1 778 ) como uma comunidade espiritual, ou religião da huma
nidade, que assumiu diferentes formas e é uma força poderosa nos
tempos modernos.
394 l 395
23. Chama-se "católica " porque está difundida por todo o orbe, desde
os confins da Terra, e porque ensina de modo completo, e sem que nada
falte, todos os dogmas que os homens devem conhecer sobre as coisas
visíveis e invisíveis, celestiais e terrenas. E também porque submeteu ao
Quase o mesmo pode ser dito de Santo Irineu, muito antes, ain
da que não use o termo católica, uma vez que está mais preocupado
com a unidade da fé do que com a unidade da Igrej a. Seu argumento
contra os gnósticos é que os hereges são todos diferentes nas doutri
nas e todos relativamente modernos, ao passo que a Igrej a sempre
esteve presente ensinando a mesma fé e é a portadora da tradição
apostólica . Escreve:
Tendo, portanto, recebido esta pregação e esta fé, como dissemos aci
ma, a Igreja, mesmo espalhada por todo o mundo, as guarda com cui
dado, como se morasse numa só casa, e crê do mesmo modo, como
se possuísse uma só alma e um só coração; unanimemente as prega,
ensina e entrega, como se possuísse uma só boca. Assim, embora pelo
mundo sejam diferentes as línguas, o conteúdo da tradição é um só e
idêntico. As Igrejas fundadas na Germânia não creem e não ensinam de
modo diferente, nem as da Ibéria, nem a dos celtas, nem as do Oriente,
nem as do Egito, nem as da Líbia, nem as estabelecidas no centro do
5 Ireneu de Lião, Contra as Heresias. Trad. Lourenço Costa. São Paulo, Pau
lus, 1 995, Livro 1, 1 0, § 2, p . 62-63. (N. T. )
6 Ibidem, Livro III, 3, § 2 p. 249. ( N . T. )
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 9
10
Em J. P. Migne, Patrologia Latina. vol. CXLV. Paris, Migne, 1 8 54, p. 235-
3 6 e 239. [Também citado em Henri De Lubac, Catholicism: Christ and the
Common Destiny o( Man. San Francisco, Ignatius Press, 1 988, p. 3 1 5 . (N. T. )]
404 j 405
e Deus não está mais preocupado com os assuntos dos homens do que
está com o dos macacos ou das moscas. Nisso Celso era perfeitamente
consistente, mas, contra ele, Orígenes foi capaz de recorrer à tradição
humanista do helenismo em auxílio à doutrina cristã do homem.
Nem Celso é excepcional. Ao longo da história sempre encontra
mos situações semelhantes, em que os inimigos do cristianismo ou cato
licismo são também inimigos do humanismo: mais do que nunca hoje,
quando o principal ataque ao cristianismo vem do comunismo e de ou
tras formas de totalitarismo secular, todos declaram lealdade à causa da
humanidade, mas na prática tratam os seres humanos impiedosamente
como materiais descartáveis nos planos de engenharia social.
Orígenes, entretanto, na resposta aos ataques de Celso, sempre
volta a dois pontos que são aspectos complementares de uma mesma
verdade. O cristianismo prova sua missão divina, primeiro pelo seu
poder regenerador, o poder de acolher os rejeitados e esquecidos - os
pobres, os pecadores e os ignorantes - e transformá-los numa socie
dade espiritual; e em segundo lugar, por sua missão universal, pois se
a Igreja não fosse divina, como seria possível que um grupo obscuro
de forasteiros da Galileia devesse ser capaz de conquistar todo o Im
pério Romano e criar uma nova sociedade que logo se espalharia por
todo o mundo conhecido ?
Sem dúvida a Igreja era uma minoria na época de Orígenes e ain
da é uma minoria hoje. Não obstante, é mais universal do que qual
quer outra sociedade e ainda está no processo de crescimento. Acima
de tudo é uma sociedade real, não uma abstração como a " humani
dade " ou um ideal como existe em tantas religiões e facções políticas.
É uma verdadeira sociedade com as próprias instituições visíveis, com
leis obj etivas e uma consciência vívida da própria identidade social.
Foi assim no princípio e ainda o é. Tal objetividade, é claro, neces
sariamente implica certas limitações e exclusões, e é esta limitação e
exclusividade que são a principal fonte de críticas nos dias de hoje,
assim como foi no tempo de Celso e Orígenes.
A Formação da C ristandade 1 Capítulo 1 9
Posfá c i o à E d i çã o B ra s i l e i ra
" O Verbo se fez carne e habitou entre nós " (João 1 , 1 4 ) . A famosa
passagem do Evangelho segundo São joão apresenta o caráter emi
nentemente histórico da Encarnação de Jesus Cristo, o Verbo Divino.
O nascimento do Filho de Deus foi um fato que dividiu a história
da humanidade e marcou profundamente a cultura nos últimos dois
milênios. O historiador francês Marc Bloch ( 1 8 86- 1 944 ) destacou
que "o cristianismo é uma religião de historiador " , enfatizando que
"como Livros Sagrados os cristãos têm livros de história e suas li
turgias comemoram, com episódios da vida terrestre de um Deus, os
faustos da Igrej a e dos santos " . O eminente precursor da chamada
" Escola dos Annales" afirma que:
19 Ibidem, p . 44-45.
20
Dom Peter Henrici, S.J., " Hans Urs von Balthasar e a COMM UNIO " .
COMM UNIO: Revista Internacional de Teologia e Cultura, v. 27, n . 4,
out.-dez. 2008, p . 1 0 8 1 -8 9 . Cit. p . 1 0 8 8 .
21
Elio Guerriero, "Von Balthasar e os Desafios da Cultura " . Trad. Maria Cor
reia Branco. COMM UNIO: Revista Internacional de Teologia e Cultura, v.
27, n. 4, out.-dez. 2008, p. 1 09 1 - 1 09. Cit. p. 1 1 03 .
420 l 42 1
encontra seu lugar teológico, embora os meios pelos quais ela lute para
obter comunidade nunca possam ser apropriados nesse contexto.22
iz
Hans Urs von Balthasar, " COMM UNIO: Um Programa " . Trad. Márcia
Xavier de Brito. COMM UNIO: Revista Internacional de Teologia e Cultura,
v. 27, n. 4, out.-dez. 2008, p. 5 6 1 -78. Cit. p. 567.
23Christopher Dawson, "As Consequências Culturais da Quebra da Unidade
Cristã " . ln A Divisão da Cristandade, p. 45.
A Formação da C ristandade 1 Posfácio à Edição Brasileira
Assim como a humanidade é una, a Igreja também deve ser una, por
que a Igreja é a humanidade restaurada no Cristo. O princípio da uni
dade é a pessoa de Cristo, mas também deve haver uma organização
externa de unidade e de instituições nas quais tal unidade interna en
contre formas contemporâneas. De outro modo, a unidade da socie
dade espiritual seria perdida no meio de uma multiplicidade de seitas,
da mesma maneira como a unidade foi perdida na Babel de línguas e
culturas mutuamente incompreensíveis. 31
Alex Catharino
Nasceu em 4 de j ulho de 1 974 na cidade do Rio de Janeiro. É vice-presiden
te executivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista ( CIEEP),
pesquisador residente do Russell Kirk Center for Cultural Renewal, em Mecosta,
Michigan, EUA, e gerente editorial dos periódicos COMM UNIO: Revista Interna
cional de Teologia e Cultura e MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e
Economia. Cursou a graduação em História na Universidade Federal do Rio de Ja
neiro (UFRJ) e fez estudos nas áreas de História, Arqueologia, Paleografia, Filosofia,
f n d i ce Re m i ss ivo
Alfredo, o Grande ( 849-8 99), rei de Aquino, Santo Tomás de ver Tomás
Wessex e Santo, 292, 294 de Aquino, Santo
Aliacensis, Petrus ver Pierre d' Ailly Arfaxad, 1 5 6
Allíaco, Petrus ver Pierre d' Ailly Á rgiro ( 1 000- 1 0 6 8 ) , vice-rei
Almagesto (Ptolomeu), 342 bizantino na Itália, 369, 370
Ambrósio ( 340-3 97), Santo, 2 1 8 - 1 9 , Aristóteles ( 3 84-322 a.C. ), 1 1 7-1 8,
235-36, 254 245, 3 3 8-39, 345, 347, 350-55
Amós, profeta, 1 5 9 Arnold, Matthew ( 1 822- 1 8 8 8 ), 398
Anastácio 1 (t599), patriarca de Arnulfo da Caríntia ( 850-899), 299
Antioquia, 363 Aspar, o alano (400-471 ), 252
Andrônico 1 Comneno ( 1 1 1 8- 1 1 85 ) , Assis, São Francisco de ver Francisco
3 73 de Assis, São
Angilbert ( 760-8 1 4 ) , 285 Assur, 1 56
Aniceto de Remesiana (335-4 1 4 ) , Astolfo ( t756 ) , rei lombardo, 279
São, 236 Atena, divindade pagã, 1 3 8
Anna (t654), rei da Ânglia, 269 Atenágoras d e Atenas ( 1 33-1 90), 1 99
Anna Comnena ( 1 083-1 1 53 ) , 3 7 1 -72 Atos dos Apóstolos, 23, 1 1 0, 157, 1 77
Anselmo ( 1 03 3 - 1 1 09 ) , Santo, 1 1 0, Aureliano ( 2 1 5-275 ), 2 1 5
267, 3 1 4, 340-4 1 , 401 Averrois ( 1 1 26- 1 1 98 ), 146
Anselmo, o Peripatético ( séc. XI), 3 3 9 Avicebrão ver Salomão lbn Gabirol
Antigo Testamento, 1 65-6 8 , 1 70-7 1 , de Málaga
1 8 7, 24 1 , 423 Avito ( 3 85-457), imperador romano,
Antipas de Pérgamo ( t 9 0 ? ) , mártir e 254
Santo, 1 85 Avito de Vienne (470-523 ), Santo,
Antonelli, Giacomo ( 1 806- 1 876 ), 254-55
cardeal, 400
Antonino de Florença ( 1 3 89-1459), B
Santo, 3 1 6 Baal, divindade pagã, 1 5 8-59
Antônio, o Grande (25 1 -356), Santo, Bacon, Francis ( 1 5 6 1 - 1 626), 1 04,
225 343, 347, 3 5 1 , 354-5 8, 375-76
Apocalipse, 1 66, 1 84-85, 320 Bakhtin, Mikhail ( 1 8 95-1 975 ), 1 2
Apologia (Tertuliano), 203-04, 239-40, Balduíno 1 ( 8 30-879), braço d e ferro,
339, 393 295
428 l 429
Bruno de Toul ver Leão IX, papa Carlos Magno ( 742-8 14), rei dos
Bruno, o Grande ( 925-96 5 ) , São, francos e imperador do Ocidente,
298, 302, 3 8 5 273-74, 280-86, 288, 294, 299,
Buchan, John ( 1 875-1 940 ), 5 1 302-03, 306, 308, 327
Burckhardt, Jacob ( 1 8 1 8- 1 897), 1 1 Carlos Marte! ( 6 8 8-74 1 ), 277-78, 286
Buridan, Jean ( 1 300- 1 3 5 8 ) , 3 5 8 Carlos, o simples ( 8 79-929), rei
Burke, Edmund ( 1 729- 1 797), 3 7, 70, carolíngio, 295
1 32, 4 1 5 Carlyle, Thomas ( 1 795- 1 8 8 1 ), 306
Burke, Peter ( 1 937- ) , 1 1 - 14, 1 6 Carta a Diogneto, 1 85
Bute, terceiro marquês de Carta aos Soldados de Coroticus
ver Crichton-Stuart, Lorde John ( São Patrício), 264-65
Butler, Edward Cuthbert ( 1 858- Caspar, Erich ( 1 879- 1 93 5 ) , 365
1 934), 24 1 Cassiodoro (490-5 8 1 ), 226, 266,
272, 3 3 8
e Catão, Marco Pórcio (234- 149 a.C.),
Cadoc de Llangcarfan ( 5 00-5 80), o Censor, 209, 379
São, 263, 265 Catarina de Siena ( 1 347- 1 3 80),
Caedmon (t680), 270 Santa, 401
Caetano, Tomás ( 1 469-1534), Catequeses Pré-Batismais (Cirilo de
cardeal, 348 Jerusalém), 396
Calvino, João ( 1 509- 1 564), 97, 3 94 Caulibus, Giovanni de ver Giovanni
Cam, personagem bíblica, 1 56 de Caulibus
Canterbury Tales ( Geoffrey Celso, filósofo pagão, 2 1 2, 406-07
Chaucer), 3 3 1 Ceolfrido ( 642-7 1 6 ) , São, 268, 273
Caráusio (t293 ), 252 Cesário de Arles (470-543), São,
Cardeal Caetano v e r Caetano, 227, 254, 26 1
cardeal Tomás Channing, William Ellery ( 1 780-1 842),
Cardijn, Josef ( 1 8 82-1 967), 27 85
Carlomano ( 7 1 5-754 ), 278 Chanson de Guillaume (Canção de
Carlos I de Anjou ( 1 226- 1 2 8 5 ) , 3 76 Guilherme), 297
Carlos II, o Calvo ( 823-877), rei da Chartier, Roger ( 1 945- ), 10
França e imperador do Sacro Chaucer, Geoffrey ( 1 343 - 1 400), 3 3 1 ,
Império, 285 3 7 8 , 3 8 3-84
430 l 43 1
Hilduto (480-540), Santo, 262, 265 Ibn Gabirol ver Salomão Ibn Gabirol
Hill, Christopher ( 1 9 1 2-2003), 1 1 , 77 de Málaga
Hipólito de Roma ( 1 70-236 ) , Santo, Ibn Khaldun ( 1 3 32- 1 406), 146
1 95, 202 Idrimi de Alalakh (séc. XV a.C.), rei,
Hipólito do Porto ( t236 ), Santo, 237 155
História do Mundo ( Paulo Orósio), Inácio d e Antioquia (35 ?-98/1 07? ) ,
9, 5 8 , 73, 294, 425 Santo, 1 85
História dos Francos (São Gregório Inácio de Constantinopla ( 797-877),
de Tours), 255-56, 272 Santo, 3 6 7
História Eclesiástica do Povo Inglês Inácio d e Loyola ( 1 4 9 1 - 1 556),
( São Beda, o venerável), 256, Santo, 3 8 9, 400
272, 294 Inês ( 3 04-3 1 7), mánir e Santa, 1 8 8
Hobbes, Thomas ( 1 5 8 8 - 1 679), 63 Inocêncio III [Lotário de Segni
Hobsbawm, Eric ( 1 9 1 7-20 1 2 ) , 1 1 ( 1 1 60- 1 2 1 6 )) , papa, 307, 3 1 0,
Hollander, Lee M. ( 1 880-1 972), 257 325, 347
Honorato ( 3 5 0-429 ), São, 226, 261 Instituitiones ( Cassiodoro), 266
Honório, Flávio ( 3 84-423), Ireneu de Lião ( 1 30-202 ), Santo, 397
imperador romano, 252 Ironside, Edmund ( 1 8 80- 1 959), 5 1
Honório I ( 5 8 5-63 8 ) , papa, 364 Isaac Comneno ( 1 005- 1 06 1 ), 3 70
Hopkins S. J., Gerard Manley ( 1 844- Isabel I da Inglaterra ver Elizabeth I,
1 8 8 9 ) , 90 rainha
Hügel, Friedrich von ( 1 852- 1 925), Isaías, profeta, 1 5 8 , 1 6 1 -62, 1 69, 320
44, 402 Isidoro de Sevilha (560-636), São, 227
Hugo de Cluny ( 1 024- 1 1 09), São, 308 Isidro, o Lavrador ( 1 080- 1 1 30), São,
Hugo de Remiremont ( 1 020- 1 099), 331
305
Hugo, o grande ( 8 98-95 6 ) , 295 J
Humbeno de Silva Candida ( 1 0 1 5- Janssen, Johannes ( 1 829- 1 8 9 1 ), 332
1 06 1 ), 305, 369 Jan van Ruysbroeck de Groenendaal
( 1 239- 1 3 8 1 ), beato, 401
I Jean de Fécamp ( t l 079), 401
Iahweh, 1 54-55, 1 5 7-6 1 , 1 66, 1 75-76 Jean de Joinville ( 1 224- 1 3 1 7), 3 1 1
Ibas de Edessa ( t457), 3 6 1 Jenkins, Daniel T. ( 1 9 1 4-2002 ), 395
436 l 437
Knox, Ronald ( 1 888-1 957), 34, 90, 1 04 Lewis, C. S. [Clive Staples] ( 1 898-
Konrad von Marburg ( t 1 2 3 3 ) , 326 1 96 3 ) , 3 9
Kroeber, Alfred L. ( 1 876- 1 960), 147 Lidzbarski, Mark ( 1 869- 1 92 8 ) , 1 95
Liutprando de Cremona (922-972), 369
L Locke, John ( 1 632-1 704), 63
Lactâncio, Lúcio Célio Firmiano Lotário de Segni ver Inocêncio III,
(240-320), 2 1 4 papa
Lagery, Odo ver Urbano II, papa Loukas Notaras ( t 1453), 373
Langland, William ver William Lubac, Henri de ver De Lubac, Henri
Langland Lüber, Thomas ( 1 524- 1 5 83 ), Erastus,
Lao-Tsé, 56 64
Lausus, o camareiro (400-450), 2 1 8 Lucas, São, evangelista, 1 78, 2 1 9, 234
Lea, Henry Charles ( 1 825- 1 909), 326 Luciano de Samósata ( 1 25-1 8 1 ), 2 1 2
Leão I (400-46 1 ), 229 Lucrécio, Tito ( 99-55 a . C . ) , 203
Leão III ( 7 1 7-74 1 ), imperador de Luís, a Criança ( 8 93-9 1 1 ), 299
Bizâncio, 279 Luís I, o piedoso ( 778-840), rei dos
Leão III [Leão de Isauria ( 750-8 1 6 )) , francos e imperador do Ocidente,
papa, 2 8 1 268, 283, 286, 287
Leão I X [Bruno d e Toul ( 1 002- Luís IX de França ( 1 2 1 4- 1 270), São,
1 054)), papa e Santo, 298, 305, 327
308, 369 Luís, o Germânico ( 804-876 ), rei da
Leão VI ( 866-9 1 2 ) , imperador de Frância Oriental, 287, 288
Bizâncio, 368 Luís XIV ( 1 63 8 - 1 7 1 5 ), rei da França,
Leão X [Giovanni de Médici ( 1 475- 323
1 5 2 1 ) ) , papa, 323 Lupito de Barcelona ( séc. X), 341
Le Bras, Gabriel ( 1 8 9 1 - 1 970), 3 1 3 Lupo de Troyes ( 3 83-479 ), São, 255
Le Goff, Jacques ( 1 924-20 1 4 ) , 1 5 , Lutero, Martinho ( 1 483- 1 546), 97,
1 7, 3 1 1 , 4 1 1 2 7 1 , 335, 390, 402
Leonardo da Vinci ( 1452- 1 5 1 9 ), 343
Le Portier, Enguerrand M
ver Enguerrand de Marigny Macróbio, Ambrósio Teodósio (séc. V),
Lessing, Gotthold Ephraim ( 1 729- 338
1 78 1 ), 1 70 Magnêncio ( 303-3 5 3 ) , 252
438 l 439
Paley, William ( 1 743- 1 805), 1 1 1 Penda (t655), rei pagão d a Mércia, 269
Pamáquio, o cônsul (t409), 2 1 8 Pepino de Herstal (635-714), o
Parvipontanus ver Adão d e Balsham Moço, 277
Pascal, Blaise ( 1 623-1 662), 335 Pepino I ( 797- 8 3 8 ) , rei da Aquitânia,
Passant, Emest James ( 1 890- 1 959), 310 287
Pastor de Hermas, O, 1 8 7 Pepino, o Breve ( 7 1 4-76 8 ) , rei dos
Patmore, Coventry ( 1 823- 1 896), 90 francos, 273
Patrício ( 3 8 7-46 1 ), São, 1 22, 263-65 Péricles (495-429 a.C.), 323
Paula (347-404 ), Santa, 224 Perpétua ( 1 8 1 -203 ), mártir e Santa,
Paulino de Nola ( 3 55-43 1 ), São, 254 326, 4 1 8
Paulino II de Aquileia ( 730/740-802), Petit-Dutaillis, Charles Edmond
São, 285 ( 1 86 8 - 1 947), 328
Paulo, o diácono, 267, 285 Petrarca, Francesco ( 1 304- 1 3 74), 378
Paulo Orósio ( 3 85-420 ), 272, 294 Petrov, Avvakum ( 1 620- 1 682), 243
Paulo, São, o apóstolo, 2, 1 5 , 28, 40, Petrus Aliacensis ou Petrus Alliaco
46, 49, 5 8 , 76, 1 1 0-1 1 , 143, 1 6 8 - ver Pierre d' Ailly
6 9 , 1 74, 1 76-78, 1 8 1 , 209, 2 1 9, Philagathos, Johannes ver João XVI,
230, 23 3-34, 242, 280, 297, 320, antipapa
336, 3 3 8 , 379-80, 397, 40 1 , 405- Pierre d'Ailly ( 1 3 5 1 - 1 420), 357
06, 4 1 2-14, 4 1 8, 425 Pierre Flote ( t 1 302), 387
Paulo VI [Giovanni Battista Enrico Piers Plowman (William de
Antonio Maria Montini ( 1 897- Langland ), 6 1 , 3 3 1 , 3 8 3
1 978)], papa, 22 Piligato, Johannes ver João XVI,
Pedro Abelardo ( 1 079- 1 1 42), 238, 341 antipapa
Pedro Damião ( 1 007- 1 072), São, Piniano ( t420), 2 1 9
308, 339, 404 Pio I X [Giovanni Maria Mastai-
Pedro de João Olivi ( 1 248-1298), 330 Ferretti ( 1 792- 1 8 7 8 ) ] , papa, 27
Pedro Lombardo ( 1 096- 1 1 64 ), 3 1 3, Pitágoras ( 5 8 0-495 a.C.), 239
344 Platão (427-347 a.C.), 2 1 1
Pedro, o Grande ( 1 672- 1 725 ), czar Plínio, o Jovem [Caio Plínio Cecílio
russo, 1 3 7, 2 1 3 Segundo ( 6 1 - 1 1 4 ) ] , 270
Pedro, São, o apóstolo, 1 57, 1 78, 1 82, Plínio, o Velho [Caio Plínio Segundo
1 96, 277, 280, 320, 339, 366, 404 (23-79 ) ] , 1 6 3
A Formação da C ristandade 1 fndice
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