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Escola Secundária José Falcão

PORTUGUÊS – 12.º Ano


Leitura – Tópicos
Fernando Pessoa, os heterónimos
Alberto Caeiro Ricardo Reis Álvaro de Campos
A poesia das sensações O neopaganismo A vanguarda e o sensacionismo
A poesia da natureza O Epicurismo e o Estoicismo A abulia e o tédio

Aberto Caeiro
Logo no começo do poema «O Guardador de Rebanhos», Alberto Caeiro declara,
metaforicamente, que é um pastor. Trata-se de um poeta bucólico, que deambula pela natureza
usufruindo de tudo o que vê, ouve, sente, cheira ou saboreia (privilegiando, no entanto, a visão). É,
pois, o poeta das sensações, pois considera que elas é que permitem ter acesso ao conhecimento de
tudo o que nos rodeia.
Recusa o pensamento («pensar é estar doente dos olhos», «pensar é não compreender»), pois,
segundo o próprio, pelo pensamento deturpa-se a realidade. A felicidade alcança-se, assim, no
permanente contacto com a natureza; e o poeta sente-se bem considerando-se também um elemento da
natureza.
1. A poesia das sensações – alguns versos
Nestes excertos, surge a referência às sensações e à recusa do pensamento.
I. «Eu nunca guardei rebanhos», pág. 32* IX «Sou um guardador de rebanhos», pág. 38
(...) Minha alma é como um pastor, Sou um guardador de rebanhos.
Conhece o vento e o sol O rebanho é os meus pensamentos
E anda pela mão das Estações E os meus pensamentos são todos sensações.
A seguir e a olhar. (...) Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
Pensar incomoda como andar à chuva (...).
E com o nariz e a boca.
II. «O meu olhar é nítido como um girassol», pág. 34 Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
(...) Tenho o costume de andar pelas estradas E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Olhando para a direita e para a esquerda, .
E de vez em quando olhando para trás... XXVIII. «Li hoje quase duas páginas», pág. 40
E o que vejo a cada momento Li hoje quase duas páginas
É aquilo que nunca antes eu tinha visto (...) Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito. (...)
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo... Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
Creio no mundo como num malmequer,
E que os rios têm êxtases ao luar
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender... Mas as flores, se sentissem, não eram flores,
O mundo não se fez para pensarmos nele Eram gente (...)
(Pensar é estar doente dos olhos)
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
V. «Há metafísica bastante em não pensar em nada.» É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
(....) O que penso eu do mundo? págs. 36-37
Sei lá o que penso do mundo!
Poemas inconjuntos: «Se, depois de eu morrer...», p. 43
Se eu adoecesse pensaria nisso. (...)
(...) Sou fácil de definir.
O mistério das coisas? Sei lá o que é o mistério! Vi como um danado. (...)
O único mistério é haver quem pense no mistério. (...) Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque
[nunca ceguei.
O único sentido íntimo das coisas Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um
É elas não terem sentido íntimo nenhum. [acompanhamento de ver.
*
As páginas indicadas são as do manual de Português Interacções, adoptado na nossa Escola.
1 Professora Maria Regina Rocha
2. A poesia da natureza – alguns versos
I. «Eu nunca guardei rebanhos», págs. 32-33 V. «Há metafísica bastante em não pensar em nada.»,
(...) Minha alma é como um pastor, (...) Não acredito em Deus porque nunca o vi. págs. 36-37
Conhece o vento e o sol (...)
E anda pela mão das Estações Mas se Deus é as flores e as árvores
A seguir e a olhar. E os montes e sol e o luar,
Toda a paz da Natureza sem gente Então acredito nele,
Vem sentar-se a meu lado. (...) Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
Saúdo todos os que me lerem, (...)
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural –
Por exemplo, a árvore antiga XXVIII. «Li hoje quase duas páginas», pág. 40
À sombra da qual quando crianças (...) Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
Se sentavam com um baque, cansados de brincar. E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
II. «O meu olhar é nítido como um girassol»,
Porque a Natureza não tem dentro;
pág. 34
Senão não era a Natureza.
(...) Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso, Poemas inconjuntos: «Se, depois de eu morrer...», pág. 43
Porque quem ama nunca sabe o que ama (...) Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes
Nem sabe porque ama, nem o que é amar... [umas das outras; (...)
Além disso, fui o único poeta da Natureza.

Ricardo Reis
Ricardo Reis é o poeta clássico, o poeta que tem a noção clara da efemeridade da vida e de que
acima do homem existe um destino, um Fado, a cuja lei não pode fugir.
Assim, na sua poesia podemos considerar o neopaganismo, o Epicurismo e o Estoicismo.

1. O neopaganismo
A palavra neopaganismo designa o retorno às actividades ou entidades pagãs da Antiguidade.
Em Ricardo Reis, a sensibilidade pagã revela-se no culto da mitologia greco-latina e na referência aos
deuses e a motivos dessa herança clássica, bem como na emergência dos tópicos da aurea
mediocritas, (o sossego do campo, o amor pela vida rústica, o fascínio pela natureza).
Alguns poemas em que é visível o neopaganismo:
Poemas Características do neopaganismo
1. «Bocas roxas de vinho», pág. 50
Bocas roxas de vinho Evocação do quadro clássico da orgia, da bacanal
Testas brancas sob rosas,
Nus, brancos antebraços
Deixados sobre a mesa (...)

Só os deuses socorrem
Referência aos deuses.
Com seu exemplo aqueles
Que nada mais pretendem
Que ir no rio das coisas. O rio como símbolo da vida que passa.
2. «As rosas amo dos jardins de Adónis», pág. 51
As rosas amo dos jardins de Adónis O fascínio pela natureza.
Essas volucres amo, Lídia, rosas, A referência a deuses da mitologia clássica:
Que em o dia em que nascem, - Adónis, deus eternamente jovem, ligado ao
Em esse dia morrem. eterno renascer da natureza, que morre no
A luz para elas é eterna, porque Inverno e regressa na Primavera;
Nascem nascido já o Sol, e acabam
- Apolo, deus do Sol.
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível. (...) O curso do Sol à volta da Terra – ainda a antiga
concepção de Ptolomeu (sécs. I-II).
2 Professora Maria Regina Rocha
:
Poemas Características do neopaganismo
3. «Não tenhas nada nas mãos», pág. 53
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem Óbolo – Moeda grega com que, segundo a
Nas mãos o óbolo último, mitologia, se pagava a Caronte (o barqueiro) para
atravessar o rio que separava o reino dos vivos do
Ao abrirem-te as mãos reino dos mortos.
Nada te cairá.
Átropos – Deusa que cortava o fio da vida.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire? Minos – Na mitologia grega, rei de Creta, que,
Que louros que não fanem depois de morto, era juiz dos mortos: ouvia as
Nos arbítrios de Minos? suas confissões e designava-os a um círculo e
(...) subcírculo específico, segundo a falta mais grave.

2. O Epicurismo
Segundo esta corrente de pensamento (de Epicuro, filósofo grego, sécs. IV-III a. C.), para o ser
humano, o bem supremo é encontrar-se em estados em que só sente prazer. A expressão carpe diem
significa «colhe o dia»: traduz o conselho da procura do prazer, da fruição daquilo que a vida tem de
bom. Epicuro defendia o bem-estar que se encontra numa vida simples, obscura, sem
responsabilidades públicas, aproveitada na companhia dos amigos e na fruição dos prazeres
tranquilos.
Alguns poemas em que é visível o Epicurismo:
Poemas Características do Epicurismo
1. «Mestre, são plácidas», pág. 44
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las
Qual numa jarra,
A fruição serena do que é belo.
Nós pomos flores. (...)
Colhamos flores. Colher flores simboliza colher a vida, aproveitar a
Molhemos leves vida que passa.
As nossas mãos
Nos rios calmos (...)
2. «Segue o teu destino», pág. 46
Segue o teu destino. Viver tranquilamente, apreciando o que é belo e
Rega as tuas plantas. usufruindo dos prazeres simples da vida.
Ama as tuas rosas.
3. «Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio»,
pág. 48
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio, O convite à fruição do belo e ao bem-estar.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
4. «Prefiro rosas, meu amor, à pátria», pág. 51 As rosas e as magnólias são belas, causam prazer
Prefiro rosas, meu amor, à pátria, aos olhos; a pátria e a virtude são símbolo de
E antes magnólias amo sacrifício (dar a vida pela pátria; abster-se dos
Que a glória e a virtude. prazeres para ser virtuoso...)...

3 Professora Maria Regina Rocha


3. O Estoicismo
Segundo esta escola de pensamento, a pessoa sábia devia conformar-se com a natureza e não
lutar contra ela. Assim, defende-se a indiferença face aos bens materiais e o seguimento das virtudes,
nomeadamente o discernimento (saber o que é bom e o que é mau), a coragem (saber aquilo que se
deve, ou não, recear), a justiça (saber como dar a cada um o que lhe pertence por direito) e o
autodomínio. Esta indiferença face aos bens materiais levará à aceitação serena das acções do cosmos,
do destino (o fatum) e da morte inexorável.
Defendem os estóicos que não vale a pena lutar contra aquilo em que o homem não tem poder
ou angustiar-se por esse facto: a atitude sábia é a da aceitação serena do que acontece, pois, haja o que
houver, a morte está sempre certa.
Alguns poemas em que é visível o Estoicismo:
Poemas Características do Estoicismo
1. «Mestre, são plácidas», pág. 44 Aceitação serena da vida e da velhice.
(...)
O Tempo passa, Não lutar contra o destino e contra o
Não nos diz nada. natural percurso do tempo, que nos
Não vale a pena
Envelhecemos. conduz até à morte.
Fazer um gesto.
Saibamos, quasi
Não se resiste
Maliciosos, O «deus atroz» é Cronos, o deus do
Ao deus atroz
Sentir-nos ir. tempo, que come os próprios filhos: os
Que os próprios filhos
Devora sempre. anos, os meses, os dias, as horas, os
minutos...
2. «Segue o teu destino», pág. 46
(...)
Vê de longe a vida. Aceitação serena (e algo indiferente) do
Nunca a interrogues. que acontece na vida, sem interrogações
Ela nada pode nem angústias, pois não há respostas
Dizer-te. A resposta para as interrogações do homem.
Está além dos deuses.
3. «Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio», pág. 48
(...) (Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Aceitação serena do destino e da morte
Quer gozemos, que não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente inexorável.
E sem desassossegos grandes. (...)
4. «Prefiro rosas, meu amor, à pátria», pág. 51
(...) Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença, Indiferença perante as lutas que movem
Se a aurora raia sempre, os homens.
Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
De notar, nos exemplos apresentados, a presença simultânea de traços dos três aspectos
focados: o neopaganismo, o epicurismo e o estoicismo.
4 Professora Maria Regina Rocha
Álvaro de Campos
As duas fases mais significativas da poesia de Álvaro de Campos são a da vanguarda e do
sensacionismo e a da abulia e do tédio.

1. A vanguarda e o sensacionismo
Álvaro de Campos é o poeta vanguardista que, fascinado pelo progresso industrial, obra do
homem, canta o mundo contemporâneo, exaltando a máquina, símbolo da civilização moderna.
Apresenta a beleza dos maquinismos em fúria e exalta o progresso da técnica, a velocidade e a força.
É um poeta sensacionista, isto é, considera que a totalização das sensações é que lhe permitirá
a apreensão da complexidade e da dinâmica da vida moderna: assim, procura sentir a violência e a
força de todas as sensações – «sentir tudo de todas as maneiras» (poema «Passagem das horas»).
Poemas mais significativos desta fase:
«Ode Triunfal» (1914), págs. 54-56, poema com 240 versos – Nota-se aqui o poeta entusiasta
do seu tempo, da modernidade, discípulo confesso de Walt Whitman e de Alberto Caeiro. O poeta
canta a época em que vive, identificando-se com tudo (máquinas, pessoas, tempos), mostrando
cosmopolitismo (cidades, luzes, modernidade, Europa), focando as actividades contemporâneas
(comércio, indústria, agricultura, política, imprensa, gente do submundo). Trata-se de um cântico de
exaltação da modernidade, embora quase no final haja a evocação nostálgica da infância e do mundo
rural que está a desaparecer. Termina com o verso «Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!»,
mostrando esse desejo de ser parte integrante da própria vida moderna que canta.
«Ode Marítima» (1914), poema com 904 versos – No cais, o poeta vê chegar um paquete, o
que o leva, por meio de um processo imaginário frenético, a expressar o desejo de identificação com a
vida marítima, em contraste com a sua própria vida «sentada, estática, regrada e revista» (v. 347). O
movimento do paquete no cais vai originando a vertigem dos pensamentos do poeta. Esse processo
vertiginoso quebra-se e o poeta evoca, comovido, o passado da sua infância, acabando por o seu
pensamento regressar ao porto, a si, à tristeza, acompanhando a partida do paquete

2. A abulia e o tédio
Na sua última fase, surge um Álvaro de Campos que olha para a vida desencantado: é o poeta
do abatimento, da atonia, melancólico, irmão de Fernando Pessoa ortónimo na dor de pensar e nas
saudades da infância.
Poemas mais significativos desta fase:
«Todas as cartas de amor são / Ridículas», pág. 58 – evocação do tempo em que escrevia
cartas de amor, em que se sentia vivo, apaixonado, e constatação amarga da evidência do tempo
actual, em que já não escreve cartas de amor.
«Dactilografia», pág. 59 – Contraste entre a vida sonhada, em que o poeta se sente bem, e a
monotonia e desencanto da vida do dia-a-dia, simbolizada pelo «tic-tac estalado das máquinas de
escrever».
«Lisbon Revisited (1926)», págs. 60-61 – Em percurso pelas ruas da sua cidade natal, o poeta
procura reconhecer um passado longínquo, mas de tal deambular apenas resulta a amarga evidência de
que o poeta mudou, a cidade mudou e o passado está irremediavelmente irrecuperável.
«Aniversário», págs. 62-63 – O poeta recorda «o tempo em que festejavam o dia» dos seus
anos: ninguém estava morto e tudo se fazia por ele. A recordação do passado perpassa-lhe através dos
olhos marejados de lágrimas: apercebe-se bem de que o passado não voltará nunca mais e exprime a
«Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...»
«O que há em mim é sobretudo cansaço», pág. 63 – O cansaço da inutilidade de tudo.
«Tabacaria», poema com 167 versos – O poeta tem a percepção lúcida do contraste entre as
suas realizações e os sonhos, expressa logo nos quatro primeiros versos:
«Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.»
Neste poema sobressai a amargura, a dor de ser lúcido, o sentimento de estranheza, de
perplexidade perante as suas realizações, a incapacidade de agir, a falta de energia interior para
concretizar o infinito que sonha: afinal, o fracasso existencial.
5 Professora Maria Regina Rocha

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