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Mapa N AT I O N A L G E O G R A P H I C .

P T | DEZEMBRO 2020

Suplemento
Conservação
da natureza
em Lousada

SALVAR OS
GRANDES LAGOS N.º 237 MENSAL €4,95 (CONT.)
00237

603965 000006

A LINGUAGEM O Á RC T I C O O P UM A DA
UNIVERSAL DAS C OMO N U N C A PATAG Ó N I A
CANÇÕES DE EMBALAR NINGUÉM O VIU RECUPERA TERRENO
5
N AT I O N A L G E O G R A P H I C DEZEMBRO 2020

S U M Á R I O

2 30
Na capa
Perspectiva do lago
Superior visto de Grand
Marais, no Minnesota.
JORDAN SHOPPER/EYEEM/
GETTY IMAGES
Salvar os Grandes Lagos A linguagem universal
dos Estados Unidos das canções de embalar
Os Grandes Lagos contêm As mães que embalam os mais
84 % da água superficial da pequenos transmitem-lhes
América do Norte. As alterações a sua esperança, os seus
climáticas, a poluição e as medos e os seus sonhos.
espécies invasoras estão Estas canções, comuns a
agora a ameaçar este todas as culturas do mundo,
precioso recurso hídrico. constituem um eco da
T E XTO D E T I M F O LG E R
história de quem as canta.
F OTO G RA F I A S D E T E XTO E F OTO G RA F I A S D E
KEITH LADZINSKI HANNAH REYES MORALES

KEITH LADZINSKI
R E P O R TA G E N S S E C Ç Õ E S

56
C A R TA D A
PRESIDENTE

A S UA F OTO

Sonhos árcticos VISÕES


A longa noite polar da região mais
setentrional da Rússia congela no EXPLORE
tempo vidas e lendas de outras Mais carcaças
eras. A fotógrafa Evgenia ou mais olhos no mar?
Arbugaeva, nascida neste lugar,
revisita as paisagens da sua infância
para captar o espírito indómito GRANDE ANGULAR
desta região inóspita onde cada Golias da floresta
sonho tem a sua própria cor.
Mapa-suplemento:
T E XTO E F OTO G RA F I A S Lousada na rota
D E E V G E N I A A R B U G A E VA da sustentabilidade

76
E D I TO R I A L

ÍNDICE

N A T E L E V I SÃO
O puma da Patagónia
ganha terreno P RÓX I M O N ÚM E RO
O Parque Nacional de Torres del
Paine, na Patagónia chilena, é o
melhor lugar do mundo para
avistar pumas na natureza. O êxito
da recuperação destes felinos é um
exemplo da eficácia de uma políti-
ca conservacionista vocacionada
para a coexistência de espécies.
T E X T O D E E VA VA N D E N B E R G
F OTO G RA F I A S D E A N D O N I C A N E L A

92
Vistos a partir do solo
O fotógrafo holandês Jan
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Vermeer já percorreu o mundo Siga-nos no Twitter em
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da pandemia, teve de confinar-se de Facebook: facebook.
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DE CIMA PARA BAIXO: EVGENIA ARBUGAEVA; ANDONI CANELA; JAN VERMEER


D E Z E M B R O | C A RTA DA P R E S I D E N T E

NATIONAL
GEOGRAPHIC
SOCIETY
Respostas a um mundo
em rápida mudança
UM ANO
EM REVISTA

O MUNDO MUDOU DRASTICAMENTE


desde que aceitei o cargo de directo-
ra-geral da National Geographic Society
em Janeiro. Quando olharmos para
2020, as organizações serão analisadas
pela forma como reagiram a dois even-
tos globais: a pandemia de COVID-19 e
o movimento de justiça racial impul-
sionado pelo racismo sistémico e pela
violência contra os negros norte-ame-
ricanos. A National Geographic cobriu
ambos os temas extensivamente.
Em resposta à pandemia, a Natio-
nal Geographic Society concentrou o
foco dos seus programas de educação
no apoio a professores, pais e alunos
com recursos de aprendizagem em casa,
incluindo uma série que liga alunos a
exploradores da National Geographic
nos sete continentes. Para ajudar os
educadores a desenvolver recursos de
ensino à distância, foram atribuídas
bolsas a professores em comunidades promover a diversidade na produção
com poucos recursos e afectadas pela de televisão com o nosso Programa
pandemia. E, para garantir que as notí- Field Ready.
cias sobre COVID-19 seriam divulgadas Só podemos cumprir a missão
com segurança e incluiriam histórias de proteger as maravilhas do nosso
de comunidades marginalizadas, lan- mundo quando pessoas de todas as
çámos um fundo de emergência global etnias, identidades, experiências e
para jornalistas, financiando mais de capacidades tiverem um papel no
150 projectos em mais de 50 países. nosso trabalho. Com esse objectivo,
Ao mesmo tempo, acelerámos os entramos em 2021 como uma organi-
esforços da National Geographic Society zação mais forte, posicionada para a
para identificar e apoiar o trabalho dos excelência e relevância num mundo
exploradores, de cientistas, de educado- em rápida mudança. Ao longo da
res e contadores de histórias negros ou minha carreira, procurei organiza-
indígenas. Embora a nossa comunidade ções que partilhassem os meus valores:
de bolseiros e educadores nunca tenha compromisso com a missão, ousadia,
sido mais diversificada do que é hoje, educação transformadora e dedicação
temos ainda mais a fazer. à promoção de mudanças significati-
Em Julho, anunciámos um grupo vas. Sinto-me honrada em dirigir esta
de jornalistas cujos projectos incluem instituição e estou grata pelo vosso
documentar a resistência das mulhe- contínuo apoio. j
res indígenas contra a exploração dos
recursos naturais e contar as histórias
de quem perdeu um membro da famí-
lia devido à violência armada. Também
fizemos uma parceria com as redes de Jill Tiefenthaler, Directora-geral
televisão da National Geographic para da National Geographic Society

MARK THIESSEN
V I S Õ E S | A SUA FOTO

M A R C O A LV E S Os espigueiros de Soajo, no concelho de Arcos de Valdevez, ainda são usados para secar o milho.
Foram construídos em altura para evitar que roedores e outros animais oportunistas pilhassem o sustento da aldeia.

S O T E R O J O S É Cerca de dois metros de envergadura de asa desta águia-real podem ter os seus inconvenientes.
“Quando deparei com ela, quase me esquecia de fotografar”, brinca o autor.
D I O G O N Ó B R E G A A ponte romana de Vila Pouca, perto de Tarouca, confere mistério à paisagem. “Já andei por muitas
terras, mas esta ponte sobre o rio Varosa transmite uma calma e uma beleza brutais”, confessa o autor.
V I S Õ E S

Portugal
À sua maneira, há dois
monumentos notáveis nesta
fotografia captada em Évora.
O Templo Romano desafia
a lei da erosão e mantém
a imponência. Em primeiro
plano, o Opel de 1954
desafia as leis da mecânica.
JORGE DE OLIVEIRA
Portugal
A chegada do Verão aos
Açores traz consigo visitantes
típicos de zonas tropicais.
Um dos mais carismáticos é
o golfinho-pintado do
Atlântico, espécie extrema-
mente activa e curiosa que
vive habitualmente em
grupos numerosos.
NUNO VASCO RODRIGUES
Moçambique
Um lagarto do Nilo encontra
um antílope morto. Procurava
insectos, mas depara-se-lhe
uma carcaça nutritiva. A esta-
ção seca no Parque Nacional da
Gorongosa produz muitas
mortes de animais por falta
de alimento ou água, mas o ciclo
de vida nunca se interrompe.
PIOTR NASKRECKI
E X P L O R E

QUE NOS RODEIAM

N AT I O N A L G E O G R A P H I C

Mais carcaças ou
mais olhos no mar?
de cetáceos estão docu-
C E RC A D E T R I N TA E S P É C I E S
mentadas para a região dos Açores, um hot-spot
mundial destes animais e um laboratório vivo, mas
ainda pouco se sabe sobre a maioria. Com actividade
tipicamente oceânica, migrações de grande escala
e carácter esquivo, os cetáceos não são fáceis de
estudar, apresentando desafios logísticos e finan-
ceiros à investigação.
O aparecimento de carcaças destes animais afigu-
ra-se por isso uma oportunidade única para saber
mais sobre eles, nomeadamente as causas de morte,
as doenças associadas, a presença de contaminantes,
os padrões reprodutivos e a dieta, entre outros parâ-
metros indicativos do estado das populações locais.
Nos últimos 31 anos, em todo o arquipélago, a
Direcção Regional dos Assuntos do Mar registou a
ocorrência de 458 arrojamentos de cetáceos, perten-
centes a 19 espécies. O cachalote figura em segundo
lugar (16% das ocorrências) numa lista liderada pelo
golfinho-comum (26%) e onde 7% dos animais não
são passíveis de identificação, dado o estado avançado
de decomposição.
Se, por um lado, o aumento gradual das morta-
lidades registadas (50% de aumento a cada década)
pode ser encarado como um sinal de alarme e
reflexo da intensificação de fenómenos antropogé-
nicos (que comprovadamente representam amea-
ças à vida destes animais), também a “amostragem”
tem aumentado consideravelmente ao longo deste
período, havendo hoje mais embarcações na água,
o que potencia o aumento do número de registos.
“O aumento da capacidade de resposta aos arro-
jamentos, do conhecimento sobre a ecologia das
espécies e do modo como são afectadas pelas acti-
vidades humanas” são factores decisivos para a
conservação destes animais, diz Marco Aurélio
Santos, biólogo da Rede de Arrojamentos de Cetá-
ceos dos Açores. — Nuno Vasco Rodrigues

NUNO VASCO RODRIGUES


G R A N D E A N G U L A R

GOLIAS
DA FLORESTA
N AT U R E Z A , A M B I E N TA L I S M O, E C O L O G I A ,
B I O D I V E R S I D A D E E S U S T E N TA B I L I D A D E
A N DA M D E M ÃO S DA DA S E M LO U SA DA .

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Erguido aos céus como uma prece,
este carvalho centenário é o exemplo
vivo de um Gigante Verde na mancha
florestal de Lousada, um concelho
que tem assumido forte impulso
conservacionista.

DEZEMBRO 2020
G R A N D E A N G U L A R | GIGANTES VERDES

T E X TO D E PAU LO RO L ÃO

“E
FOTO G RA F I A S D E PEDRO MARTINS

“ E S T E É U M G I G A N T E V E R D E ! ” , anuncia João Gonçalo


Soutinho com uma alegria mal disfarçada. Munido de
uma suta (uma espécie de régua que confere o diâme-
tro), mede o tronco de uma das duzentas árvores que
compõem a mancha florestal que distingue o solar bra-
sonado ao bom estilo renascentista do século XVIII.
O ambiente deveria ser brumoso, com gnomos e duen-
des em tropelias entre a imensidão de carvalhos, casta-
nheiros e duas altaneiras sequóias. Mas não é o caso – o
sol outonal, para o efeito, também serve.
Uma ronda pelo bosque da Casa de Ronfe permite as águas do rio
A A L G U N S Q U I L Ó M E T R O S D E D I S TÂ N C I A ,
perceber o motivo de as árvores de grande porte serem Sousa correm céleres por força da levada que se estreita
designadas por Gigantes Verdes. Escondem o azul do devido ao engenho humano. Deslizam com tanta rapi-
céu, desafiam as alturas, estendem os ramos como um dez que fazem accionar as penas do rodízio do moinho
gigantesco chapéu-de-chuva, tingem de verde a atmos- implantado numa das margens desde pelo menos o
fera. Todas têm uma história para contar, uma longa século XIX. O moleiro Luís Queirós conhece o rio como
história escrita nos seus anéis. poucos e é o proprietário do único moinho de água da
Os Gigantes Verdes foram o mote para um projecto região ainda em actividade.“Herdei-o do meu avô”,
de grande fôlego, iniciado no mestrado de João Gonçalo afirma com um pingo de orgulho, enquanto os grãos de
Soutinho. Num território relativamente exíguo, concen- milho são triturados pela mó até se transformarem em
tram-se exemplares de grande porte e antiguidade, que pó de farinha. Mas Luís Queirós não é, simplesmente,
interessava documentar e cartografar. Esse longo tra- moleiro – proporciona, também, visitas de alunos e é
balho está em curso e já detectou 7.400 “gigantes”. Cada um dos mais entusiastas aderentes do Projecto Guarda-
um constitui um mundo à parte, onde fervilha a vida e -Rios, uma das iniciativas da autarquia com a equipa
as relações simbióticas. O abate de uma árvore antiga Lousada Ambiente. A dinamização deste projecto, aliás,
corta um extenso cordão umbilical que liga uma plétora percebe-se a poucas centenas de metros a jusante, onde
de organismos à vida. Persuadindo os proprietários a as máquinas amansam uma das margens, restaurando-
não as abater, o projecto mantém vivos sistemas de bio- -lhe o figurino natural, que antes era espartilhada por
diversidade complexos e majestosos. um muro de pedra que provocava cheias sazonais.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
O padre Mota e a Capela
de Nossa Senhora da Ajuda
são enquadrados por um
tulipeiro, a maior árvore do
concelho (em cima). O teatro
das marionetas é um dos
grandes chamarizes para os
alunos mais jovens (à esquerda).

Loureiro
Lustosa
N
1
A1

Santa Margarida
Sousela
A4
2
Macieira

Figueiras
LOUSADA IP9
Caíde
Boim de Rei
Nevogilde
Meinedo

Lodares

DEZEMBRO 2020
G R A N D E A N G U L A R | GIGANTES VERDES

Daniela Barbosa, responsável pelos projectos Lousada toriais.” Rivalizando com o laboratório em entusiasmo,
Guarda-Rios e Lousada Charcos, explica os vectores de o teatro das marionetas capta a atenção dos mais jovens
intervenção: “Fazemos a monitorização do rio, patru- – é como contar a história da Carochinha e do João Ratão
lhando-o. Para tal, existe conjunto de voluntários que em versão ambientalista.
colaboram na monitorização, vigiando o rio em troços
de 200 metros e preenchendo uma ficha sobre o seu em mansões e casas
O C O N C E L H O D E L O U S A DA É F É RT I L
estado uma vez por mês.” senhoriais ou não fosse esta região um dos pilares da
Adriana Marques, profissional da área da saúde, é fundação da nacionalidade. É nestas casas que mais faz
uma das voluntárias, pois sempre se interessou pelas sentido o projecto Lousada Jardins, que abrange mais
questões do ambiente. Não hesitou: “É fantástico con- de 50 propriedades. São belos exemplos arquitectónicos
seguir conciliar as minhas duas actividades”, diz. Como mas, além da distinção das suas fachadas, notabili-
existe uma grande interligação entre todos os projectos, zam-se também pelos jardins anexos. Um dos casos mais
Daniela e Adriana vão para a zona do carvalhal perto do paradigmáticos é a Casa de Juste, que possui uma capela
moinho para plantarem mais árvores. própria e está rodeada de um frondoso espaço ajardi-
Em paralelo com o Projecto Lousada Guarda Rios, nado e de árvores de grande porte. Fernando Guedes,
existe o Projecto Lousada Charcos, intervencionando proprietário, diz com visível agrado que a Casa de Juste,
estas pequenas massas de água nas margens dos rios, nos onde uma fracção é dedicada ao turismo, “é uma das
jardins de casas senhoriais e nas escolas. Um dos maiores primeiras parceiras do projecto, o que para nós é motivo
charcos do concelho, nas proximidades do rio Mezio, é de orgulho”. Diego Alves, responsável pelo Lousada Jar-
uma linha de água que terá em breve um centro interpre- dins, esclarece que “toda a extensão da propriedade
tativo através da recuperação de um moinho com pavi- abrange jardins com um quilómetro de comprimento e
mento de vidro para que se possa assistir ao fluxo da água. dez mil árvores na totalidade”. É nas traseiras da mansão
Daniela Barbosa veste o fato impermeável que lhe que reside o ex-líbris floral: os jardins geométricos e as
permite uma incursão no rio. Com uma rede, recolhe áreas relvadas. Mesmo sendo privados, os jardins das
detritos e, pouco a pouco, as águas tendem a ficar mais casas fidalgas de Lousada não deixam de integrar o patri-
cristalinas e límpidas. No ar, esvoaça uma garça-real, mónio de flora da povoação, zelados por diligentes jar-
pairando sobre o Mezio como que aprovando com satis- dineiros que asseguram a sua manutenção.
fação a acção humana, pois também esta ave, como Um dos factores que marca indelevelmente a paisagem
outras, é beneficiária da limpeza que se vai efectuando. do concelho em termos agrícolas são os vinhedos que se
Pedro e Francisco, envergonhados mas de alma cheia, espraiam um pouco por todo o lado, mas, em Lousada,
aproximam-se com o olhar aguçado da curiosidade. há técnicas menos comuns. Ali, existe algo que perdura
Faltaram às aulas, devidamente justificados pelos pro- nas tradições de várias gerações: a Vinha do Enforcado.
fessores, Não perdem pitada da acção “até porque gos- São pés de vinha plantados em altura e que podem alcan-
tamos mais de estar aqui do que na aula de matemática”, çar diversos metros de verticalidade, suportados por
brincam. Têm perfeita consciência da importância eco- árvores vivas com feridas e zonas mais susceptíveis à
lógica dos projectos em curso no seu concelho. decomposição e colonização por organismos vários,
Este é, aliás, um dos pontos-chave da estratégia da sendo exemplos vivos da adaptação da biodiversidade à
Lousada Ambiente: sensibilizar os jovens para as ques- mão humana. Além da vinha que trepa por elas acima,
tões ambientais, num concelho que regista a maior taxa também outras espécies faunísticas encontram ali abrigo,
de natalidade do país e que é também um dos mais como insectos, morcegos, aves e também fungos. São
jovens. Em todos os níveis de ensino, os alunos andam fontes de vida e uma memória cultural do concelho.
de braço dado com a conservação da natureza, assimi- Esta verticalidade permite que o terreno seja aprovei-
lando conceitos e comportamentos responsáveis. tado para outras culturas, rentabilizando a área agrícola.
A massa estudantil é um dos maiores focos da Lou- Contudo, a técnica está a perder-se porque implica
sada Ambiente, concretizada no projecto BioEscola, que esforço e perigo. A colheita é feita em escadas de madeira
abrange um vasto leque de actividades para os vários com degraus bastante desnivelados. E as quedas, que já
níveis de escolaridade. Para confirmar a abrangência do aconteceram, podem trazer consequências nefastas.
projecto, há que ir à Casa das Videiras, que serve de sede Cláudia Silva, responsável pelo projecto Lousada
à organização em pleno coração da vila. Num armário, Ancestral – Vinha do Enforcado, elucida que “até ao
e um pouco por todo o lado, encontra-se um exemplar momento, existem mais de oito mil árvores de suporte
colecção de… tudo: insectos, ossadas, reproduções de identificadas que se distribuem por cerca de oitenta
aves, casas-ninho, livros e manuais e, no laboratório, quilómetros. É um trabalho de sapa, pois, primeiro,
uma estufa, um aquaterrário, materiais biológicos de começámos por fazer um mapeamento por satélite
flora, animais aquáticos, anfíbios, répteis, fósseis de para perceber quais as áreas mais importantes a explo-
trilobites, petrologias e minerais. Pedro Sá, juntamente rar”. Por outro lado, este estudo permite que se possa
com Ernesto Gonçalves e Luís Cunha, responsáveis pelo contactar com as pessoas que ainda utilizam esta prá-
BioEscola, explica, no ecrã do portátil, os microrganis- tica, como Maria Antónia Barbosa, que informa:
mos que preparou de antemão, minuciosamente reco- “Estas vinhas, em algumas zonas, têm mais de cem
lhidos na lamela: “Mostramos aos alunos e eles anos de idade e, para as manter, temos de fazer enxer-
demonstram grande interesse pelas actividades labora- tos de umas para as outras.”

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Plantar Lousada e Guarda-Rios são dois dos grandes projectos em curso em Lousada. Em cima, duas
voluntárias supervisionadas pelo botânico Rafael Marques ajudam a enriquecer a área arbórea do
monte Crastinho e, em baixo, Daniela Barbosa coordena acções de sensibilização ambiental no rio
Mezio, alertando para o risco de poluição e para os valores de biodiversidade destas águas.

DEZEMBRO 2020
G R A N D E A N G U L A R | GIGANTES VERDES

Cada gigante verde constitui um mundo à parte, onde fervilha a vida


e as relações simbióticas. O abate de uma árvore antiga corta um
extenso cordão umbilical que liga uma plétora de organismos à vida.

João Gonçalo Soutinho, responsável pelo Projecto Gigantes Verdes, mede o


diâmetro de uma árvore de grande porte que rodeia a Casa de Ronfe, uma das
grandes casas senhoriais do concelho. O município tem também em curso um
projecto sobre os jardins históricos associados às casas senhoriais de Lousada.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C
A Vinha do Enforcado estende-se entre o vale do
Sousa e Terras de Basto. Não é exclusiva de Lousada,
mas a sua área de distribuição é caso único no mundo.

da natureza
É T E M P O , E N T R E TA N T O , D E T R A N S I TA R
para os gabinetes. Os grandes motores de arranque da
Lousada Ambiente são o vereador Manuel Nunes, for-
mado em História e Arqueologia e acérrimo defensor do
ambientalismo sustentável, e Milene Matos, que asse-
gura a gestão administrativa e organizativa do projecto.
No edifício da Câmara Municipal, o gabinete de
Manuel Nunes é o espelho do envolvimento do vereador
em todos os projectos ambientais que estão a revolucio-
nar a vila e a envolver os lousadenses. Em cima de uma
bancada, estão empilhados vários livros, mote suficiente
para Manuel Nunes apresentar o Plano Municipal de
Leitura: “É uma produção nacional que consta da publi-
cação de obras, incluindo uma de banda desenhada,
que contam histórias em que o interveniente é o
ambientalismo. Existem diversos autores. As obras não
estão à venda, são exclusivamente para os alunos”.
Fazendo um rewind no tempo, o vereador recorda o iní-
cio do impulso ambiental local: “Começámos pela ciên-
cia, e não é por acaso que a equipa é constituída por
tantos biólogos. Fizemos muito trabalho de investigação
e tudo o resto nasceu sobre esses alicerces.”
Milene Matos, também ela bióloga, foi “recrutada”
da Universidade de Aveiro e sentiu-se empolgada com
o impulso conservacionista no concelho. Em 2016,
assegurou a função de coordenação geral, gestão finan-
ceira e angariação de recursos. “Somos profissionais
do ambiente”, faz questão de esclarecer, explicando os
passos já dados: “A prioridade foi implementar uma
estratégia municipal de sustentabilidade sobre cinco
eixos: investigação científica, educação ambiental
transversal a todo o público, envolvimento social, efi-
ciência de recursos e agenda de sustentabilidade
interna, reconhecendo que a autarquia tem de dar o
exemplo.” E que esse exemplo, se bem sucedido, pode
contagiar os concelhos e as regiões vizinhas.

é feito na
O R E G R E S S O À N AT U R E Z A E A O A R L I V R E
Mata do Vilar, um espaço emblemático para os lousa-
denses que o utilizavam como área de lazer nas déca-
das de 1930 e 1940. “Tem uma aura romântica”, diz
Ana Maria Pereira, que nos conduz pelos trilhos e
recantos do espaço verdejante.
Em 2008, o município adquiriu o terreno com inten-
ção de o recuperar e de combater as espécies invasoras
abundantes. A mata não tinha linhas de água, mas sabia-
-se que já as tivera. Por isso, houve um trabalho de des-
baste em diversas intervenções e a água voltou a brotar.
Hoje, é um lugar onírico e talvez seja a metáfora apro-
priada do envolvimento comunitário com a conservação
da natureza. Nos últimos quatro anos, a autarquia colo-
cou a conservação da natureza e a sustentabilidade no
centro de uma estratégia integrada. Contagiou a popu-
lação e inspirou o país. Como nos romances de Tolkien,
tudo começou com a natureza e por causa da natureza.
O resto cabe à determinação humana. j

DEZEMBRO 2020
«Acreditamos no poder da ciência, da exploração
e da divulgação para mudar o mundo.»

A National Geographic Society é uma organização global sem fins lucrativos que procura novas fronteiras da
exploração, a expansão do conhecimento do planeta e soluções para um futuro mais saudável e sustentável.

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D E Z E M B R O | EDITORIAL

GRANDES Avaliação dos lagos


(à distância)
LAGOS

TEXTO DE SUSAN GOLDBERG FOTOGRAFIA DE KEITH LADZINSKI

CRESCI NO MICHIGAN, o e s tado


dos Grandes Lagos, e há já muitos
anos que, durante as minhas visitas
anuais de Verão, fico feliz pelo que não
vejo. Não vejo multidões de california-
nos (desculpem!) a invadir cidades
adoráveis à beira do lago como Petoskey
ou Glen Arbor. Não vejo hordas de nova-
-iorquinos (desculpem!) a chapinhar no
lago Michigan ou a descer estrepitosa-
mente as íngremes areias brancas das
dunas Sleeping Bear.
Não quero ofender as multidões das
costas dos EUA, mas deu-me sempre
grande satisfação sentir que os encan-
tos ainda prístinos do Noroeste do
Michigan eram o meu segredo ou, pelo
menos, um segredo guardado por um
número pequeno de pessoas.
Ultimamente, tenho ponderado as
desvantagens de estar longe da vista e
longe do pensamento. A maior parte das
pessoas raramente pensa nos Grandes não congelam tanto quanto congelavam Jovens divertem-se no lago
Michigan, junto do farol em
Lagos ou sabe o nome dos cinco, mas antes e as tempestades severas torna-
Michigan City, Indiana. Os
deveria preocupar-se com eles porque, ram-se mais frequentes. cinco Grandes Lagos fazem
como diz Tim Folger na reportagem Na Terra, para onde quer que se olhe, fronteira com oito estados
dos EUA (Illinois, Indiana,
deste mês, os Grandes Lagos são “indis- existem grandes problemas. Incêndios Michigan, Minnesota, Nova
cutivelmente o recurso mais precioso do fora de controlo na costa Oeste dos Esta- York, Ohio, Pensilvânia e
Wisconsin) e uma província
continente, bem mais valioso do que o dos Unidos e, surpreendentemente, no
canadiana, Ontário.
petróleo, o gás ou o carvão”. Árctico siberiano. Degelo na Antárc-
Em conjunto, os lagos possuem mais tida e glaciares a derreter nos Himalaia.
de 20% da água doce superficial da Terra. A destruição desregrada da floresta
Quase 40 milhões de americanos e cana- amazónica. São temas frequentemente
dianos “bebem água destes lagos, pes- abordados na National Geographic. Mas
cam neles, transportam mercadorias ouvimos menos sobre o que está a acon-
sobre eles, cultivam nas suas margens tecer com os Grandes Lagos, um ecossis-
e trabalham em cidades que não exis- tema insubstituível e frágil fundamental
tiriam” sem eles, escreve o jornalista. para sobreviver.
Ainda assim, abusamos deles de uma Leiam a reportagem de Tim Folger.
forma terrível: poluindo-os, introdu- Apreciem a beleza da paisagem atra-
zindo espécies invasivas, permitindo vés das belíssimas imagens de Keith
que o escoamento de fertilizantes desen- Ladzinski. Tornem-se defensores dos
volva manchas de algas tão grandes que Grandes Lagos. (Mas, por favor, não os
podem ser vistas do espaço. As altera- visitem.) Obrigado por ler a National
ções climáticas significam que os lagos Geographic. j
TÃO GRANDES,

2
TÃO FRÁGEIS os Grandes Lagos CONTÊM 84%

DA ÁG UA D O C E D E S U P E R F Í C I E D O S E S TA D O S U N I D O S . C O N T R I B U Í R A M

PA R A T R A N S F O R M A R O PA Í S N UM G I GA N T E AG R Í C O L A E I N D U ST R I A L .

AGORA , PORÉM , as alterações climáticas,


a poluição e as espécies invasoras
A M E A Ç A M O R E C U R S O M A I S VA L I O S O D O C O N T I N E N T E .

T E X TO D E TIM FOLGER
F OTO G R A F I A S D E KEITH LADZINSKI
LAGO ERIE
Uma gigantesca
eflorescência de algas
cobriu a zona ocidental
do lago Erie no Verão
de 2019. No auge, a
eflorescência abrangeu
mais de 1.600 quilóme-
tros quadrados.
As eflorescências
podem libertar toxinas
na água, causando
erupções cutâneas
e lesões no fígado.
Antigamente, eram
raras, mas agora
podem acontecer
todos os verões.

PÁ G I N A S A N T E R I O R E S

LAGO MICHIGAN
A água das cheias
inunda um passeio
pedonal em Montrose
Beach, perto da baixa
de Chicago. Na primeira
metade de 2019, chuva-
das intensas provoca-
ram o aumento do nível
das águas no lago em
mais de 50 centímetros.
Os cientistas prevêem
que as condições
climáticas adversas se
tornem mais frequentes
nesta região nas
próximas décadas.
LAGO SUPERIOR
O rio Hurricane
desagua na margem
sul do lago Superior,
o maior corpo de água
doce do planeta
à superfície. O lago,
que contém mais
de metade do total
da água existente
nos cinco Grandes
Lagos, enfrenta uma
grande variedade
de ameaças, desde
as espécies invasoras
ao desaparecimento
do gelo de Inverno.

Para os anishinaabe,
a caça nunca foi
um desporto e a vida
nunca foi encarada
com ligeireza.
se aproximou de
P O R I S S O , Q U A N D O O G R A N D E A L C E M AC H O
Tom Morriseau Borg, ele sentiu um misto de gratidão, admira-
ção e humildade: o alce estava a oferecer-se, uma dádiva de vida
e de carne feita pela floresta, que Tom iria partilhar com a famí-
lia e os amigos. Este anishinaabe praticante da caça tradicional
com armadilha cresceu perto do lago Nipigon, na região ociden-
tal da província de Ontário. Há muitos séculos que os anishi-
naabe ali pescam, caçam e montam as suas armadilhas. Depois
de abater o alce, Tom espalhou um pouco de tabaco sobre o
animal e murmurou orações de agradecimento, exactamente
como o seu avô lhe ensinara.
No entanto, ao cortar a carcaça, a gratidão de Tom trans-
formou-se em repugnância. Quando tentou extrair o fígado,
que deveria ser carnudo, ele liquefez-se numa pasta sangren-
ta. Desde então, Tom tem encontrado outros fígados doentes
como este em vários animais. “Vejo-os em coelhos, castores e
perdizes”, disse. “As minhas partes preferidas do coelho eram
o coração e o fígado. Mas agora já não os comemos.”

6 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
GRANDES LAGOS
EM PERIGO
Uma das maiores superfícies de água doce do mundo corre LAGO SUPERIOR

perigo. Factores de pressão ambiental como as alterações Gelo a desaparecer,


águas a aquecer
climáticas, as espécies invasoras, as substâncias químicas
Com margens pouco povoadas,
tóxicas, os poluentes agrícolas e a construção imobiliária na o lago sofre menos pressões, mas
orla costeira estão a degradar o ecossistema dos Grandes o recuo da cobertura de gelo e a
Lagos. O lago Superior é o menos ameaçado. Os lagos Erie, subida da temperatura das águas são
Ontário e Michigan são os que correm riscos maiores. um problema grave para as espécies
aquáticas e para o turismo de Inverno.
581.000 habitantes:
9.500 milhões de litros de água
Lago consumidos por dia
Nipigon

C
A
BACIA DOS Red Rock
CANADÁ GRANDES
BACIA DO LAGOS

N
MISSISSÍPI Baía Heron
Pen. Baía Black
O

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O

AMÉRICA O CE I CA
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DO NORTE Â NT EU
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Ilha Royale I. Michipicoten
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SUPERIOR
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Duluth K K e
Infra-estruturas
Superior

fis
Via de acesso reservado Marquette

h
Estrada principal UPERIOR
ÍN SULA S
Via férrea
PEN Estreito de
Canal navegável Mackinac LA
Escanaba GO
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Stress dos lagos devido


re

a factores humanos St. Paul Alpena


G

Marinette Baía
Menor Maior Grand
ía

Minneápolis Traverse
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Traverse City
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Limite dos Grandes Lagos Green


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Bay
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50 km Winnebago Bay C
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du Lac o
LA I

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G

LAGO MICHIGAN LAGO HURON usk


M
LAGO MICHI

Água sem vida Queda dos stocks de peixes Muskegon


S

A água deste lago está a ficar O desenvolvimento urbanístico


Milwaukee Grand
PENÍN

Rapids
cada vez mais transparente, no lago Huron é pouco acentuado. Racine Holland Lansing
devido a mexilhões invasores A presença de bivalves invasores e a
Carreira Battle
que filtram o fitoplâncton, libertação dos excedentes de salmão fluvial Creek
Kalamazoo Ann
mas isso não significa que seja criados em cativeiro provocaram Jackson Arbor
saudável. Sem plâncton, declínios de longa duração das Canal fluvial St. Joseph
muitas espécies sofrem. populações de peixes pequenos. e Serviços Chicago Adrian
Sanitários Toledo
13,3 milhões de habitantes: 3,1 milhões de habitantes; de Chicago Elkhart
South
Bend
40.900 milhões de litros 31.600 milhões de litros de Canal umee
de água consumidos por dia água consumidos por dia Calumet-Sag Ma
Fort Wayne
Lima

MATTHEW W. CHWASTYK, JASON TREAT E ROSEMARY WARDLEY; KELSEY NOWAKOWSKI


FONTES: PROJECTO DE AVALIAÇÃO E CARTOGRAFIA AMBIENTAL DOS GRANDES LAGOS; GABINETE
DE ESTATÍSTICAS DO CANADÁ; GABINETE DE CENSO DOS EUA; COMISSÃO DOS GRANDES LAGOS; EPA; NOAA;
USGS; GREEN MARBLE; DAVID ALLAN E OUTROS, PNAS, JANEIRO DE 2013
O seu futuro está em risco, devido a:
Lago Superior Lago Superior Lago Superior

Lago Huron Lago Huron Lago Huron


Maior Lago Maior Lago Maior Lago
Ontário Ontário Ontário
Stress Stress Stress
devido a devido ao devido a
poluição aumento de espécies
temperatura invasoras
Menor Menor Lago Erie Menor Lago Erie
Lago Erie Lago Lago
Lago
Michigan Michigan Michigan

Poluição Águas mais quentes Espécies invasoras


O escoamento agrícola, devido ao uso de À medida que vão aquecendo, as águas Intrusos viraram de pernas para o ar a
adubos e ao transbordo das redes de exercem pressão sobre a flora e a fauna cadeia alimentar em detrimento das
saneamento básico, geram uma quantidade que estão adaptadas ao ciclo habitual de espécies autóctones. Muitos chegaram
excessiva de nutrientes nos lagos. Isto provo- temperaturas do lago. O aquecimento nos tanques de lastro dos cargueiros,
ca eflorescências de algas tóxicas que pri- também diminui o número de dias em que enquanto outros foram introduzidos

o
vam as águas do oxigénio essencial à vida. os lagos se encontram cobertos de gelo. para beneficiar a pesca desportiva.

renç
Lou
São
LAGO ONTÁRIO
Ameaça da poluição urbana
A urbanização, a poluição e a produção
de electricidade contribuem para a
existência de níveis elevados de stress.
As centrais eléctricas que usam a água
dos lagos para arrefecimento matam muitos
peixes em estado larvar.
10,2 milhões de habitantes:
38.900 milhões de litros de água
Greater Sudbury Lago
Nipissing consumidos por dia

Blind Montréal Canal South Shore


River
te Á
Canal do Nor Canal CANAD
Ottawa Beauharnois UNIDOS
Co I. Manitoulin
E S TA DOS
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I.

ckb nç Canal
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Ba í a Wiley-Dondero Champlain
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Lo

Geor gia n Canal Iroquois Montpelier


o
Pe

Para o golfo de São Lourenço


nín

Midland
H

1.300km Montanhas
sul

Lago Kingston
U

Peterborough
Bru

Simcoe
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Barrie Adirondack
ESTA

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in Concord
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N
CANA NIDOS

a
DOS U

Canal
S

Oshawa Canal Oswego


Toronto Champlain
Á R I O

O ON T Lago Oneida Para Nova Iorque


L A GCanal Erie
Guelph Canal Erie 215 quilómetros
Kitchener Rochester Syracuse
Rio
Hamilton Albany
Niagara Canal ge
r

Canal Welland
Hudson

Cat. Niagara Cayuga-Seneca in


(Via de São Lourenço) g o sF Springfield
Port Sarnia Buffalo La
Flint London
Huron es Long
am Point Hartford
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Detroit Lago
t St. Clair
Erie
IE
Detroi

Windsor nd
R LAGO ERIE Isla
E ong
Excesso de nutrientes t. L
O Es
g Is
land
L AG Cleveland
O menos profundo dos cinco lagos é Lon
Newark Nova Iorque
Sandusky afectado por factores de stress como a
Youngstown densidade demográfica nas regiões Abertura para o oceano
Akron
Findlay costeiras e elevados níveis de poluição. Canais foram escavados através das
Canton O escoamento agrícola provoca barreiras naturais, ligando os lagos ao
eflorescências de algas perigosas. sistema fluvial do Mississípi e assim
Pittsburgh
12,2 milhões de habitantes: ao oceano Atlântico. No entanto,
26.100 milhões de litros de água essa abertura também expôs os
consumidos por dia lagos a espécies invasoras.
TESOUROS MOLDADOS PELO GELO
Os Grandes Lagos formaram-se quando alguns vales, profundamente escavados e moldados
pelo avanço e recuo dos glaciares ao longo de milhares de anos, se encheram com água do
degelo no final da última glaciação.

C A M A D A D E G E L O L A U R E N T I N A
MINN.
lo
erior Extensão do ge
a Sup s QUEBEC
d há 10.0 0 0 ano
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MICH. C A N A D Á

WISCONSIN
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Lago Mi do

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Extensão do lago
Sag mad
Camada

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w

há 13.000 anos Exten o


.000 an
Ca

há 13
uron

MICHIGAN NOVA
IORQUE

ILLINOIS PENS.

100 km
INDIANA
OHIO
E S TA D O S U N I D O S

Da bacia hidrográ�ica ao mar


Lago Superior A profundidade máxima do lago Superior (406 metros) contrasta
ONT. com a menos profunda do lago Erie (64 metros). A água vinda de
noroeste acaba por atingir o Atlântico, caindo pelas cataratas do
MINN. Niágara e desembocando no mar através do rio São Lourenço.
ço
Duluth
n
ONTÁRIO QUEBEC ou
re
Montreal
oL

MICH. C A N A D Á

WISCONSIN Lago Kingston


Huron Lago Profundidade
Ontário 0

MICHIGAN NOVA 100


Lago Cataratas Buffalo IORQUE
Michigan Port Huron do Niágara 200
metros

E S T A D O S
Detroit 300

PENS.
U N I D O S
ILLINOIS 400
Lago Erie
INDIANA 500
OHIO

Duluth, Minnesota
Detroit,
Michigan
Port Huron,
Michigan
Buffalo,
Nova Iorque Os Grandes Lagos
183 Cataratas em perfil
metros Represas do Niágara Kingston,
acima ERIE Ontário
Soo -64 Pointe-
do nível Montreal,
74 metros acima au-Père,
do mar Quebec
do nível do mar Quebec
NÍVE L DO M AR

HURON Estação geradora


-228 de Beauharnois
MICHIGAN Barragem
-281 Moses-Saunders
ONTÁRIO
SUPERIOR -244
-406 metros de profundidade Barragem Iroquois

MATTHEW W. CHWASTYK, JASON TREAT Y ROSEMARY WARDLEY, NGM;


KELSEY NOWAKOWSKI. FONTES: USGS; NOAA
Tom suspeita que a pulverização com herbicidas Quase 40 milhões de norte-americanos e ca-
conduzida pelas empresas madeireiras na bacia hi- nadianos vivem na bacia hidrográfica dos Gran-
drográfica do lago Nipigon esteja a provocar danos des Lagos. Bebem água dos lagos, pescam neles,
nos animais. “Os rebentos das plantas são o alimen- transportam mercadorias através deles, cultivam
to favorito do alce”, disse. “Eles prosperam ao ingeri- as suas margens e trabalham em cidades que não
rem essas plantas jovens.” Ou melhor, prosperavam existiriam sem os lagos. E, claro, poluem-nos.
até elas serem envenenadas. “É assim que as coisas Introduzem espécies invasoras que alteraram
acontecem. Os herbicidas escorrem para os cursos os lagos de forma definitiva. Devido à contínua
de água, chegando às represas dos castores. Agora, emissão de gases com efeito de estufa, modi-
eles têm as entranhas em mau estado”, contou. ficaram as condições climáticas existentes em
“Quando vejo maldades e interferências, sinto grandes extensões da bacia hidrográfica dos
uma grande tristeza. E nunca pensei que as mu- Grandes Lagos, aumentando a frequência das
danças a que tenho assistido na floresta nos últi- tempestades violentas.
mos 15 anos pudessem ocorrer tão depressa”, disse, “É grave o que está a acontecer aqui”, disse Tom,
enquanto acabava de contar a sua história numa enquanto bebíamos chá. “Quando passamos al-
fresca noite de Verão, na sua casa de Nipigon. gum tempo nesta terra, percebemos que algo está
Tom mantém-se em excelente forma física, gra- errado. Não sei se conseguiremos travá-lo.”
ças a uma vida inteira de trabalho duro na manu-
tenção de gasodutos, acompanhada pela sua ac- do con-
N O Q U E S E R E F E R E À H I S TÓ R I A G E O G R Á F I C A
tividade paralela de caça com armadilhas. De vez tinente, os Grandes Lagos são meros “recém-chega-
em quando, ouvia-se à distância um camião a rolar dos”. Constituem um legado da última glaciação da
pela Auto-Estrada Transcanadiana. América do Norte, um período em que glaciares com
Da casa de Tom Borg, no meio de coníferas al- vários quilómetros de espessura prolongavam-se
tas, há 33 anos, avista-se o rio Nipigon, um prolon- desde o Sul do Kansas ao Árctico. Quando os glaciares
gamento do lago do mesmo nome. O lago Nipigon recuaram, há 11 mil anos, escavaram as bacias que
tem uma superfície de aproximadamente 4.850 viriam a transformar-se nos Grandes Lagos. Contudo,
quilómetros quadrados, embora no mapa pareça os actuais contornos e o sistema de escoamento dos
um charco, comparado com o corpo de água para lagos só se formaram há três mil anos. Nenhuma
onde escorre: o Lago Superior, o maior dos cinco outra característica da Terra rivaliza com os lagos. São
Grandes Lagos. o maior sistema de água doce do mundo.
Enquanto a mulher de Tom, Donna, nos servia Todos os lagos, sejam eles frios e profundos com
fatias grossas de bannock, o pão ázimo típico da margens florestadas, como o lago Superior, ou quen-
região, barradas com doce de bagas de roseira bra- tes e rasos e rodeados de cidades industriais, como
va, ele lamentava as transformações da terra que o lago Erie, partilham uma vida secreta. Acolhem
ama. Até as estações do ano mudaram. Por vezes, um mundo oculto que a maioria dos leitores nunca
em Dezembro, os lagos ainda não têm gelo. Os verá. Se tivermos sorte, poderemos avistar um lobo,
ventos são mais violentos. A pelagem de Inverno encontrar um alce ou talvez pescar um esturjão de
dos animais que ele caça (castores, martas, armi- 95 quilogramas. Mas essas criaturas famosas rou-
nhos, doninhas) desenvolve-se numa altura mais bam protagonismo a um elenco secundário muito
tardia da estação do que quando ele era novo. “Já mais humilde, sem o qual os lagos morreriam.
nada é como dantes.” “Respire fundo e, em seguida, volte a respirar
As alterações testemunhadas por Tom Borg e fundo. Dessas duas inspirações, uma era compos-
muitas outras a que ele ainda não assistiu na sua ta por diátomos”, afirmou o ecologista Andrew
bacia hidrográfica relativamente prístina estão a Bramburger, colaborador da agência canadiana
transformar as restantes bacias hidrográficas dos Environment and Climate Change Canada, actual-
Grandes Lagos. Os cinco lagos (Superior, Huron, mente responsável pela administração e aplicação
Michigan, Erie e Ontário) são provavelmente o de grande parte das políticas públicas ambientais
recurso mais precioso do continente, incalcula- do país. No ano passado, quando Andrew ainda
velmente mais valioso do que o petróleo, o gás trabalhava na Universidade de Minnesota Duluth,
ou o carvão. No seu conjunto, contêm mais de conversámos numa sala de aula vazia. Ele exaltou
um quinto da água doce da superfície do plane- então o papel desempenhado pelos diátomos, um
ta (22.700 biliões de litros) e 84% da existente na tipo de algas com paredes celulares feitas de sílica,
América do Norte. como suporte de vida. (Continua na pg. 16)

GRANDE S LAGOS 11
LAGO MICHIGAN
Enquanto o Sol se põe,
uma cortina de chuva
desce de nuvens de
tempestade junto da Orla
Lacustre Nacional de
Sleeping Bear Dunes, na
costa nordeste do lago
Michigan. Dos cinco
Grandes Lagos, só o
Michigan se situa
inteiramente no território
dos Estados Unidos.
IMPACTE DA AGRICULTURA Lago
Nipigon
A água doce é fundamental para a indústria agrícola da bacia
dos Grandes Lagos, que bombeia diariamente cerca de 1.500 milhões
de litros da água da bacia para fins de irrigação. A região serve de
suporte a 25% da produção agrícola do Canadá e a 7% da dos EUA,
mas a qualidade da água, o habitat dos animais selvagens e as
populações de peixe têm diminuído nas últimas décadas devido
ao uso excessivo de adubos e outras pressões. Baía
Thunder
CA
NA
ES
TA DÁ
UN DOS
BACIA DO LAGO IDO
Área total de culturas S
SUPERIOR
RIOR
SUPE
ESTADOS UNIDOS
160,4 milhões de hectares GO
CANADÁ LA
37,8 M I N N E S O TA
milhões de hectares
Área total de culturas nas
Duluth
bacias dos Grandes Lagos
A monocultura 11,4 milhões de hectares
intensiva…
É comum semear a mesma MICH.
cultura no mesmo solo Área de cultura de milho
todos os anos. Culturas em 3,5 milhões de hectares acia do L. Superior
EUA CAN.
linha, como milho, soja e
forragem são dominantes 3.824; 728
Área de cultura de soja
na região meridional dos 3.6 milhões de hectares
1.348; 192
Grandes Lagos.

BACIA DO
LAGO
MICHIGAN
Área total tratada com
fertilizantes, cal ou WISCONSIN
preservantes dos solos Green Bay
… exige grandes 8 milhões de hectares Appleton
quantidades de
adubo… LAGO
Quanto se prolonga a MICHIGAN
utilização de um terreno
para a mesma cultura, mais Bacia do L. Michigan
adubos são necessários para 1.077.186
Milho
repor no solo os nutrientes Área total tratada Soja Milwaukee
750.746
que não conseguem com estrume
regenerar-se naturalmente. 1.8 milhões de
hectares

ILLINOIS
Azoto Fósforo Chicago

… o que provoca
eflorescências de
algas maciças.
Os nutrientes dos
Algas
adubos, como o azoto e o
fósforo, escorrem para os
Oxigénio
afluentes que desaguam
nos lagos, causando um
leque variado de
impactes adversos.

O adubo e o estrume, ricos As algas florescem com os As plantas e algas mortas


em azoto e fósforo, não são nutrientes em excesso, que decompõem-se: as
absorvidos e escorrem para originam eflorescências que bactérias privam o sistema
os afluentes, acabando por absorvem a luz solar e o de oxigénio, ao decompo-
chegar aos lagos. oxigénio, asfixiando a vida. rem a matéria orgânica.

MATTHEW W. CHWASTYK E JASON TREAT; KELSEY NOWAKOWSKI


FONTES: MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DOS EUA; GABINETE DE AGRICULTURA E PRODUTOS
AGRÁRIOS DO CANADÁ; NASA; USGS; U.S. EPA; NOAA; CENTRO DE CIÊNCIA AQUÁTICA DO MIDWEST SUPERIOR, USGS
Concentração
Uso do solo total de fósforo Lago Superior Lago Ontário
Cultura Elevada Derrames de fósforo
Cada quadrado representa
Prado Lago Huron
50 toneladas por ano
Matos
Lagos a montante
Floresta
Atmosfera
Zona húmida
Floresta, zonas húmidas
Área urbana Reduzida e matagais
Fertilizante agrícola
Outra fonte agrícola
50 km Lago
Michigan Estrume
Efluentes urbanos
Bacia do L. Huron Águas residuais e
EUA CAN. Lago descargas de
Erie fábricas
294.636; 260.501
319.423; 275.887 BACIA DO
LAGO HURON

O N T Á R I O Abundância de nutrientes
Os processos naturais,
as escorrências de adubos
e as águas residuais prove-
Sault Ste. Marie Greater nientes do tratamento
Sudbury
de esgotos fornecem
uma enorme abundância
de fósforo e azoto aos
lagos, provocando eflorescên-
cias de algas tóxicas.
LA
G
O

o

H

re
ou
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U


R
O
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CANA NIDOS
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LAGO

RIO
Toronto ONTÁ
Rochester Syracuse
Hamilton

M I C H I G A N
Buffalo NOVA IORQUE
Flint
Grand Rapids
Lansing Lago BACIA DO
St. Clair LAGO ONTÁRIO
Detroit
I E Erie Bacia do L. Erie Bacia de Ontário
Windsor
ER EUA CAN. EUA CAN.

GO 801.764; 460.998 223.403; 114.324


LA 1.133.130; 496.939 94.126; 151.523
Toledo
PENS.
Cleveland
Eflorescências de algas
I NDIAN A As eflorescências de algas no lago Erie pioraram na última
Fort Wayne década. Visível a partir do espaço, a água azul-esverdeada,

O H I O carregada de nutrientes, persiste durante semanas, amea-


çando a saúde humana, a água potável e a vida selvagem.
BACIA DO
LAGO ERIE
12
Severidade da
efervescência de algas
9 no lago Erie Ocidental

Grande Pântano Negro


Este pântano, com 4.000 quilómetros A gravidade das 6
quadrados, foi outrora um sumidouro eflorescências de
natural para o excesso de nutrientes. algas acima do 3
Em 1900, já fora quase totalmente nível 3 é nociva
drenado para que os colonos para a qualidade
0
pudessem cultivar os seus solos férteis. da água. 2002 2005 2010 2015 2019
“Diz-se que a floresta tropical da Amazónia é o
pulmão do planeta”, disse. “A verdade, porém, é
que são os diátomos presentes nos oceanos, nos
rios e nos lagos que fabricam cerca de metade do
oxigénio da nossa atmosfera.” Os diátomos tam-
bém bombeiam oxigénio nos lagos. Sem eles, os la-
gos sufocariam. E são a principal fonte de alimento
dos lagos. Se os diátomos forem saudáveis, tudo o
que vive nos lagos também será saudável.
Há 20 anos que Andrew Bramburger estuda as
algas nos Grandes Lagos e noutros grandes lagos
de todo o planeta. Na maior parte das regiões do
mundo, um lago é uma superfície que se pode ver
de uma margem para a outra. O entusiasmo de
Andrew pelos lagos era tão grande que ele não con-
seguia evitar partilhá-lo e não apenas por palavras.
Convidou-me a participar num evento mensal es-
pecial: convidou-me a nadar no lago Superior com
um grupo de amigos. Fazem isso durante todo o
ano, mesmo no Inverno, mergulhando de plata-
formas de gelo para os lugares onde há água livre,
contou, cheio de alegria na voz. E – imaginem a
minha sorte – o próximo baptismo gélido teria lu-
gar dentro de quatro dias. Numa tentativa cobarde
de escapar ao evento, murmurei que não trouxera
o fato de banho. Andrew interrompeu-me de ime-
diato: “Pode usar um dos meus.”
Enquanto me preocupava, em silêncio, com o sa-
rilho em que me metera, Andrew abriu o seu com-
putador portátil e mostrou-me imagens de alguns
dos habitantes mais pequenos do lago Superior. Os
investigadores identificaram cerca de três mil es-
pécies de diátomos nos Grandes Lagos, havendo
provavelmente muitas mais por descobrir. Vistos
ao microscópio, são dos seres vivos mais estranha-
mente belos entre todos, com uma variedade calei-
doscópica de formas. À semelhança das plantas,
os diátomos e outras algas servem-se da luz para prevendo-se a sua substituição por organismos que
transformar a água e o dióxido de carbono em hi- serão, na melhor das hipóteses, artigos alimentares
dratos de carbono simples. São um alimento de de baixa qualidade e, na pior, tóxicos.”
alta qualidade para o zooplâncton, pois são “suma- As espécies invasoras de moluscos, introduzidas
rentos e ricos em lípidos”, segundo a descrição de por navios oceânicos, constituem uma ameaça ain-
Andrew Bramburger. da maior aos diátomos, tendo provocado uma redu-
Ele e outros investigadores documentaram uma ção de 90% do seu número no lago Erie ao longo dos
tendência alarmante que remonta há 115 anos: os últimos 35 anos. Uma perda equivalente de outras
diátomos dos Grandes Lagos estão a diminuir de plantas fundamentais e mais conhecidas, como o
tamanho. Essa diminuição parece relacionar-se capim da savana africana, saltaria imediatamente
com as alterações climáticas. À medida que os la- para os cabeçalhos das notícias. Mas os diátomos
gos aquecem, os diátomos vão-se afundando, o que não interessam muito à comunicação social.
diminui a sua capacidade para captar luz. “Os maio- Como este organismo é tão abundante e insubs-
res não conseguem manter-se a flutuar”, afirmou o tituível, causa surpresa que se saiba tão pouco so-
investigador. “Se a tendência se mantiver, haverá bre o que acontece aos diátomos durante o Inver-
diátomos mais pequenos e em menor quantidade, no. “Ao longo de cinco meses por ano, o lago fica

16 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
LAGO HURON
Uma plantadeira
distribui sementes
de feijão em parte
de uma exploração
agrícola de três mil
hectares pertencente
à firma Zwerk and Sons,
perto do lago Huron.
Mais de cinco mil
explorações agrícolas
no Michigan foram
certificadas por um
programa voluntário
apoiado pelo Estado
e pelas agências locais,
com o objectivo de
promover práticas que
reduzam a poluição.

coberto de gelo e não fazemos a mínima ideia do ton era abundante (cerca de 1500 indivíduos por
que se passa lá em baixo”, disse Andrew. litro). Deslocava-se livremente, devorando algas.
Durante os invernos de 2017 e 2018, Andrew e Se não existisse uma safra saudável de diátomos
alguns colegas da Universidade de Minnesota re- para sustentar o frenesi alimentar do zooplâncton
solveram preencher esta lacuna do nosso conheci- durante o Inverno, a produtividade do lago ressen-
mento e aventuraram-se nas superfícies geladas de tir-se-ia no resto do ano. Uma vez que os pequenos
vários lagos cujas águas confluem no lago Superior. peixes dos lagos se alimentam de zooplâncton, uma
Ali, abriram alguns buracos no gelo. Em vez do ce- diminuição drástica deste provocaria uma queda
nário lamacento que tinham imaginado, as águas abrupta das populações de peixe. “É o ponto de par-
debaixo do gelo fervilhavam de vida. “As taxas de tida para a cadeia alimentar da Primavera”, afirmou
fotossíntese medidas sob o gelo eram 60% das re- Andrew. A energia solar capturada pelos diátomos
gistadas durante o Verão. E isto observou-se a uma fornece as calorias que se transformam na carne de
profundidade de 60 centímetros de gelo e 60 cen- criaturas cada vez maiores, numa florida cadeia de
tímetros de neve. Pensávamos que, lá em baixo, luz incorporada. “Só pescamos um achigã grande
existia apenas um mundo frio, escuro e aborrecido, no Verão, porque estes bicharocos andaram a fazer
quando, na verdade, se passa imenso.” O zooplânc- o seu trabalho durante o Inverno”, disse.

GRANDE S LAGOS 17
“É GRAVE, O QUE ESTÁ A ACONTECER
AQUI... SABEMOS QUE ALGO ESTÁ ERRADO.
Uma das conclusões mais contra-intuitivas des- relutância visceral de mergulhar na água. À minha
cobertas pelo grupo é que os diátomos são mais volta, cabeças desapareciam e voltavam rapida-
eficientes debaixo do gelo coberto de neve do que mente a aparecer acima da superfície, como um
debaixo do gelo sem neve por cima. Os diátomos bando de lontras espantadas, de olhos arregalados
precisam de um equilíbrio ideal entre profundida- pelo choque e pela alegria.
de e luz solar. Se forem demasiado ao fundo, não Afinal, um mergulho não era suficiente. Aque-
obtêm luz suficiente. Se permanecerem numa cemo-nos e voltámos a saltar. E mais uma terceira
região demasiado alta da coluna de água, podem vez. À medida que a fogueira se apagava e o céu cla-
queimar-se. É possível que a neve os proteja da luz reava, mudando de cor para um cinzento prateado,
solar em excesso. Sob gelo sem neve, a radiação so- o grupo começou a dispersar, mas Andrew ficou.
lar pode danificar os pigmentos fotossintéticos dos Poucos dias depois, partiria para o Canadá, rumo
diátomos. Uma explicação possível: “Os seus siste- a um novo emprego e era evidente que teria sau-
mas fotossintéticos, os seus pigmentos, estavam dades daquelas manhãs. “Já vivi em muitos sítios
basicamente a ser bombardeados e queimados”, em redor dos Grandes Lagos, mas no lago Superior
afirmou Andrew Bramburger. parece existir uma certa magia para as pessoas”,
Foi uma descoberta preocupante. “Esta é uma contou. “Nunca vi a sensação de identificação e de
realidade que vai afectar os Grandes Lagos à me- vinculação ao lago que se tem em Duluth em qual-
dida que formos perdendo o nosso revestimento quer outra cidade lacustre.”
de neve e de gelo e os nossos invernos aquecerem, Apesar da sua beleza, o lago Superior pode ser
tornando-se mais secos e mais ventosos”, disse. traiçoeiro. Duluth, com 86 mil habitantes, é a se-
“Mais secos e mais ventosos significa que vamos co- gunda maior cidade do lago Superior, depois de
meçar a perder a neve sobre o gelo e, à medida que Thunder Bay, no Ontário, e ainda está a recuperar
o calor aumentar, vamos simplesmente começar a dos danos causados por uma série de tempestades
perder o gelo. Nos Grandes Lagos, estamos a assistir violentas, incluindo a chamada tempestade de
a grandes eflorescências de algas, de uma espécie 500 anos que assolou a cidade nos últimos oito
chamada Aulacoseira. É um diátomo de grandes anos. Poucos dias depois do meu encontro com
dimensões e gosta de viver no fundo sob gelo espes- Bramburger, Michael LeBeau, o supervisor dos
so coberto de neve. Se começarmos a perdê-lo, va- projectos de construção de Duluth, levou-me
mos provavelmente perder uma das componentes numa volta pelas docas, onde os níveis elevados da
verdadeiramente importantes da cadeia alimentar. água do lago e três tempestades com ventos violen-
“É uma corrida para perceber o que acontece no In- tos tinham causado inundações responsáveis por
verno, antes que não haja Inverno para perceber.” danos graves no ano anterior.
Estava prevista chuva forte para a manhã do Em 2016, uma tempestade desactivou o sistema
nosso mergulho, o que me dera esperanças de eléctrico do serviço de abastecimento de água de
evitar aquela provação. Não tive sorte. Às 5h40 da Duluth. Situada à beira de um dos maiores corpos
manhã do dia marcado, 13 pessoas acocoraram-se de água doce do mundo, a cidade esteve a poucas
em torno de uma fogueira, numa praia escura e pe- horas de ficar sem água. Contemplando uma belís-
dregosa, envolta em nevoeiro e não muito distante sima extensão de área urbana costeira que, em bre-
da baixa de Duluth. Bebíamos café. Este mergulho ve, será protegida por 69 mil toneladas de rocha ex-
de grupo assinalaria 47 meses consecutivos de sal- traída de uma pedreira nas proximidades, Michael
tos para o lago. Michael Scharenbroich, um dos mostrou-se preocupado com o que o futuro reserva.
amigos de Andrew, mediu a temperatura da água: “Dizem-me que quase esgotámos a pedreira”, afir-
“10,6ºC”, gritou. São horas. Sem calçado aquático mou. “Vamos gastar quase 25 milhões de euros por
adequado, fiquei para trás na corrida para a água, causa de três grandes tempestades. Foi um golpe
bamboleando sobre os seixos. Então, a necessida- terrível para uma cidade pequena e não muito rica.
de de aliviar as dores nos pés sobrepôs-se à minha Estamos a remediar como podemos, tendo em conta

18 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
o dinheiro que temos. É perfeitamente concebível toxinas eram perigosas? “Nunca mais voltamos a
que, se estas tempestades continuarem ou piora- esta praia”, disse Marharita-Sophia Tavpash, vi-
rem, deixe de ser possível regressarmos ao ponto de sivelmente abalada, enquanto ela e as amigas se
partida. E ninguém consegue perceber isso.” apressavam a entrar no automóvel.
Estas tempestades devastadoras transformar- Desde o início da década de 2000, as eflores-
-se-ão, provavelmente, numa nova e dispendiosa cências de algas nocivas têm afectado o lago Erie
normalidade. O aquecimento global está a deses- quase todos os verões. Nos Grandes Lagos, vive
tabilizar a corrente de jacto, a corrente atmosférica uma grande variedade de algas e organismos se-
de grande altitude que gira em torno do planeta, de melhantes. A maioria, tal como os diátomos, são
oeste para leste. As diferenças de temperatura entre fundamentais para a saúde dos lagos. Alguns, po-
as altitudes médias e elevadas, responsáveis pela rém, podem eliminar a vida nos lagos, asfixiando-
corrente de jacto, têm diminuído, abrandando esse -a. Os mais problemáticos são as cianobactérias,
vasto rio de ar. E isso tem afectado os padrões cli- um organismo presente em quase todos os corpos
máticos sazonais: as tempestades estão a tornar-se de água. Com condições favoráveis (água quente e
mais esporádicas, mas mais intensas. Alguns mode- poluída), crescem descontroladamente, forman-
los climáticos prevêem que o número de tempesta- do uma espuma viscosa e verde. Quando as algas
des violentas em todo o mundo duplicará por cada se decompõem, sugam o oxigénio da água, crian-
grau de aumento do aquecimento global, tendência do vastas zonas mortas, por vezes libertando to-
essa que talvez já esteja em curso. As fortes chuva- xinas que podem ser fatais para a vida selvagem.
das primaveris ocorridas em 2019 provocaram ní- Nos seres humanos, podem provocar erupções
veis recorde da altura das águas dos lagos e cheias cutâneas e lesões no fígado.
generalizadas em toda a região dos Grandes Lagos. Há apenas 25 anos, as eflorescências de algas
Enquanto seguíamos de automóvel ao longo da pareciam ser um problema do passado nos EUA.
orla costeira, nos arredores setentrionais da cida- Antes de o Congresso aprovar a Lei da Água Lim-
de, Michael LeBeau contou-me que, no princípio pa, em 1972, as eflorescências tinham atormenta-
de 2019, uma tempestade de Inverno cobriu a es- do o lago ano após ano, mas a legislação impôs re-
trada por onde viajávamos com 120 centímetros de gras estritas às centrais de tratamento dos esgotos
areia e cascalho. “Estamos a prever mais três anos e levou à eliminação dos fosfatos nos detergentes
de construção, partindo do princípio de que não de lavagem da roupa. As algas prosperam com
acontece outra grande tempestade.” fósforo: sem aportes significativos deste elemen-
to, as eflorescências não conseguem crescer. Du-
noutro dia
N OV E C E N T O S Q U I L Ó M E T R O S A S U D E S T E , rante uma década idílica, o lago manteve-se livre
de Verão carregado de chuva, um pequeno grupo de de eflorescências.
mulheres reuniu-se em torno de um sinal vermelho Então por que razão voltaram elas a surgir?
em forma de losango, numa praia do Parque Estadual Para me encontrar com as pessoas que resolveram
de Maumee Bay, nas margens do lago Erie, a uma esse mistério, fui de automóvel até à Universida-
curta distância da cidade de Toledo, no Ohio. Aquilo de Heidelberg, em Tiffin, no estado de Ohio, em
que leram inquietou-as: “PERIGO Evitar qualquer cuja cidade universitária de 50 hectares, na região
contacto com a água. Foram detectados níveis INSE- agrícola do milho, existe aquilo a que os cientis-
GUROS de toxinas algais.” tas chamam um tesouro nacional: um meticuloso
As mulheres, estudantes na Universidade Es- registo de 45 anos sobre as substâncias químicas
tadual de Bowling Green, tinham estado a nadar escoadas para o lago Erie por dois grandes afluen-
nas águas esverdeadas e o sinal escapara-lhes à tes, os rios Maumee e Sandusky. Duas mulheres
chegada. Éramos as únicas pessoas na praia e, são responsáveis pela recolha e preservação des-
quando me aproximei, fizeram-me perguntas às te acervo. Dedicaram mais de 40 anos à tarefa de
quais não soube responder: Iriam ficar bem? As diagnosticar os males do lago Erie.

AS COISAS ESTÃO A MUDAR.


NÃO SEI SE CONSEGUIREMOS TRAVÁ-LAS.
—TO M M O R R I S E A U B O R G , C A Ç A D O R T R A D I C I O N A L C O M A R M A D I L H A S
RIO ILLINOIS
Pescadores capturam
carpas asiáticas na
esperança de impedi-
rem que a sua expan-
são alastre para o lago
Michigan. Desde que
escaparam das lagoas
de aquicultura e dos
charcos de efluentes na
bacia do rio Mississípi
nas décadas de 1960
e 1970, estas carpas
têm dizimado os
peixes autóctones.
Foram recentemente
localizadas a 14
quilómetros do
lago Michigan.
QUASE TODOS OS VERÕES DOS ÚLTIMOS
20 ANOS, EFLORESCÊNCIAS DE ALGAS
“Somos mais antigos que a Agência Federal granulado permanece sobre os cinco centímetros
para a Protecção Ambiental dos EUA”, diz Ellen da camada superior do solo, o fósforo dissolve-se
Ewing, enquanto almoçamos num dos refeitórios e escorre para o lago sempre que os campos ficam
da universidade. “Somos mais antigos do que o saturados de água devido à precipitação.
Dia da Terra!” Segundo Laura Johnson, o número de dias com
Ellen referia-se ao Centro Nacional para a In- cinco, ou mais, centímetros de precipitação mais
vestigação da Qualidade da Água, da Universida- do que duplicou nas últimas duas décadas. “É esse
de Heidelberg, fundado em 1969. Ellen começou o grande problema.” A mentora de Laura, a eco-
a trabalhar neste Centro em 1976, logo depois de logista Jennifer Tank, da Universidade de Notre
se licenciar na universidade, dois anos antes da Dame, tem colaborado com os agricultores para
sua colega e também antiga aluna de Heidelberg, definir métodos que permitam reduzir as escor-
Barbara Merryfield, sentada a seu lado na nossa rências provenientes dos seus campos e prepará-
mesa. O volume de dados que ambas reuniram -los para os rigores de uma nova era climática.
ao longo das décadas permitiu aos investigadores As mesmas chuvadas de Primavera que fize-
compreender a misteriosa ressurgência das eflo- ram o fósforo escorrer para o lago Erie obrigaram
rescências de algas no lago Erie. os agricultores da região a atrasarem o plantio
Todas as semanas, durante mais de 40 anos, primaveril em 2019. Os campos estavam tão mo-
Ellen, Barbara e a sua pequena equipa recolheram lhados e lamacentos que essa acção estava várias
amostras de água nos rios Maumee, Sandusky e semanas atrasada. “Este ano [2019], um número
noutras bacias hidrográficas. “Eu costumava per- recorde de hectares ficou por plantar”, afirmou
correr 800 quilómetros de automóvel, por sema- Kaleb Kolberg, de 26 anos, agricultor de Hartford,
na”, disse-me Barbara Merryfield. “Estava fora no estado de Michigan, a quase 20 quilómetros de
três dias por semana. distância das margens do lago Michigan. A maio-
“Num certo aniversário de trabalho da Barbara, ria das pessoas não conseguiu plantar um quar-
calculei o número de amostras por ela processadas to dos seus terrenos. Apontando na direcção de
até então”, disse Laura Johnson, cientista que di- um dos seus próprios campos, atrás da sua casa,
rige o centro desde 2016. “Eram mais de dois mi- Kaleb disse: “Aquele milho costuma estar duas ve-
lhões e isso era uma estimativa por baixo.” zes mais alto. Plantámos em condições nunca vi-
Recolhiam aproximadamente dez mil amostras vidas antes. Costumamos colher o milho em mea-
por ano, testando 11 parâmetros diferentes, obser- dos de Setembro. Este ano a colheita vai acontecer
vou Ellen Ewing, entre duas garfadas de salada. em meados de Outubro.”
“Somos terrivelmente eficientes.” Toda essa amos- Tinha sido um ano cheio de pressões, como se
tragem revelou que uma prática de conservação não bastassem os habituais desafios da vida agrí-
supostamente destinada a melhorar a qualidade cola. “Custa 500 euros cultivar um acre [0,4 hec-
da água do lago tem provocado o oposto. Na déca- tares] de milho”, disse este antigo e musculado
da de 1990, muitos agricultores da bacia hidrográ- jogador de futebol americano universitário, que
fica do lago incorporaram técnicas da agricultura se descreve a si próprio como maníaco da lavoura.
sem mobilização da terra. Em vez de lavrarem os Só um tractor custa 250 mil euros. “Assumimos to-
campos na Primavera enquanto os adubavam, os dos os riscos à cabeça, na esperança de colhermos
agricultores começaram a espalhar granulado so- as recompensas no Outono.” O ano correu melhor
bre o solo. Por lavrarem menos, a erosão do solo a Kaleb do que à maioria dos agricultores. Em co-
diminuiu, mas a quantidade de alimento para as laboração com Colleen Forestieri e Erin Fuller,
algas que escorria para o lago aumentou inespera- da administração regional para a conservação, e
damente. Quando o fósforo era introduzido a cer- com Jennifer Tank, ele plantara azevém e trevo-
ca de 20 centímetros de profundidade, permane- -encarnado como culturas de cobertura durante
cia bem incorporado no solo. Contudo, quando o vários anos para proteger a sua terra nos períodos

22 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
de pousio. Andando de carro pelo Sudoeste do Mi- a ferverem a água, pois isso só serviria para con-
chigan com Kaleb na sua carrinha de caixa aber- centrar o veneno. Por isso, às 2 horas da manhã, a
ta, numa tarde quente de Agosto, nesta paisagem cidade emitiu um alerta para a população não con-
aplanada pelos glaciares, até um eterno bicho da sumir água. Durante mais de dois dias, até a água
cidade como eu conseguia identificar as quintas estar tratada, os quase 500 mil habitantes de Tole-
que tinham sido plantadas com culturas de co- do não puderam beber água da torneira.
bertura. O milho cultivado nos campos que não Passados seis anos, a catástrofe ainda deixa irri-
as tinham era nitidamente mais baixo, por vezes tado o actual presidente da câmara municipal de
vários centímetros. Alguns campos nem sequer Toledo, Wade Kapszukiewicz. “Houve empresas
estavam plantados. Apresentavam-se demasiado que fecharam as portas”, disse. “Hospitais sus-
molhados para o tractor poder operar. Em alguns, penderam intervenções cirúrgicas – sem água,
ainda se avistavam charcos de água estagnada. não há cirurgias. Foi um acontecimento traumá-
Kaleb disse que conseguira plantar mais na sua tico para a nossa região.”
quinta do que os vizinhos graças às culturas de Do seu gabinete, 22 andares acima da baixa de
cobertura, que absorviam a humidade do terreno. Toledo, avista-se o rio Maumee. Há três anos, con-
“Com as culturas de cobertura, ficamos prepara- tou ele, quando uma eflorescência no lago Erie
dos para os dois extremos”, acrescentou. “Água a alastrou rio acima, o Maumee parecia ter sido
mais e água a menos.” tingido de verde. A cidade gastou mais de 840
Além de assegurar a viabilidade económica de milhões de euros a aperfeiçoar o seu sistema de
agricultores como Kaleb Kolberg, o uso genera- protecção contra tempestades e a estação de trata-
lizado de culturas de cobertura impede o escoa- mento de águas, incluindo melhoramentos desti-
mento do fluxo de nutrientes que alimentam as nados a filtrar e eliminar a microcistina e uma bóia
eflorescências de algas. “Precisamos de proteger com sensores especiais que vigiam a extensão das
cada centímetro quadrado de terra”, disse Jenni- eflorescências algais perto da conduta de tomada
fer Tank. “Isso mudaria completamente o cenário. de água da cidade, localizada no lago Erie. Por isso,
Precisamos de culturas de cobertura à escala de não é provável que a crise se repita. É uma infor-
toda a bacia hidrográfica.” mação reconfortante no meio de uma pandemia.
Apesar de todas as suas vantagens, a adopção das Imaginem uma cidade sem água neste momento.
culturas de cobertura é difícil. “As culturas de cober- No entanto, Toledo ainda está a pagar pelo des-
tura exigem os mesmos cuidados que as culturas de pejo descontrolado de fósforo e de outros adubos
rendimento”, explicou Jennifer. Os agricultores não no lago, pois nem todos os agricultores são tão
ganham dinheiro com as culturas de cobertura. conscientes como Kaleb Kolberg. “Eu não preciso
Por enquanto, as escorrências de adubos pro- de estar acordado às 5h10 para saber que o Sol irá
venientes de muitas explorações agrícolas conti- erguer-se a leste”, disse o autarca. “Também não
nuam a não ser regulamentadas ao abrigo da Lei preciso de fazer mais uma visita a mais uma quinta
da Água Limpa, mesmo depois de uma eflores- para saber que as escorrências da agricultura estão
cência alimentada por fósforo ter levado ao en- a poluir o lago Erie. Todos sabem isso. A única per-
cerramento da rede de abastecimento de água de gunta a fazer é a seguinte: O que vamos fazer para
uma cidade de grande dimensão. pará-las?”, disse. “Eu não sou contra os agriculto-
Na sexta-feira, dia 1 de Agosto de 2014, por volta res. Sou contra a poluição. Sei que muitos agricul-
das 7 horas da tarde, o director dos serviços públi- tores estão a experimentar tecnologias, frequen-
cos da cidade de Toledo recebeu um telefonema temente arrojadas, para reduzirem o escoamento
do químico-chefe do departamento. Testes de ro- agrícola. O maior problema é causado pelas me-
tina feitos à água da cidade demonstraram que a ga-explorações agrícolas, especialmente as opera-
mesma fora poluída com microcistina, uma toxina ções concentradas de pecuária (CAFO). Não são as
algal. Não era uma opção aconselhar os habitantes quintas familiares.” (Continua na pg. 28)

QUE ASFIXIAM A VIDA NOS LAGOS


TÊM ATORMENTADO O LAGO ERIE.
Principal exportação

UMA TERCEIRA COSTA por porto


Cereal
Com a mais extensa orla costeira dos EUA continentais, os Carvão
Grandes Lagos têm uma vida comercial activa. Cerca de 38 O N T Á R I O Carga a granel
milhões de toneladas de mercadorias foram movimentadas
através da rota marítima de São Lourenço em 2019. Esta
Baía Thunder
passagem tem 15 comportas e faz parte da rota de 3.766 LAGO
quilómetros do Atlântico ao lago Superior. O transporte CAN. SUPERIOR
internacional, que representa uma pequena percentagem EUA
do comércio de mercadorias, foi outrora um importante MINN.
meio de penetração para as espécies invasoras.
Baía Silver
Two Harbors

COMÉRCIO LIMITADO Duluth


Superior
A maioria dos navios estrangeiros de mercadorias
Brevort
são demasiado grandes para atravessar as comportas
do sistema da rota marítima: não conseguem ir para
MICH.
lá de Montreal. Para chegarem a locais mais Port Inland
distantes, as mercadorias têm de ser colocadas em
cargueiros lacustres, mais compridos e mais estreitos. WISCONSIN
Charlevoix
Marinette
Dimensão das represas
do canal Welland
1829-1844 Rio desviado
Concluído em 1833, o primeiro A inversão pioneira do rio Baía Green
canal Welland tinha 44km Chicago, concluída em
de extensão. Ligava os lagos 33,5 1900, diminuiu as doenças
Ontário e Erie, contornando 6,7 metros transmitidas pela água, Manitowoc
Ludington
as cataratas do Niágara. causadas pelo fluxo de
LAGO
esgotos despejados no
MICHIGAN
lago Michigan, a fonte da
1845-1866 água potável de Chicago.
O sistema foi alargado para Hoje, porém, pode ser
disponibilizar uma via fluvial Milwaukee
uma via de penetração
entre o Quebec e Ontário: a 45,7 para a invasora
profundidade do canal 8,1 carpa-asiática.
aumentou para 2,7 metros.
ILLINOIS
Chicago
1887-1931 Canal de embarque e Unidade
Hospitalar de Chicago Porto de
Os engenheiros construíram Burns
menos comportas, mas Porto de Indiana
Gary
maiores. A deslocação
82,3 INDIANA
entre comportas era
demorada e dispendiosa. 13,7

1932
A expansão do canal
Welland aumentou signi-
ficativamente a dimensão
das comportas e tornou-o
muito mais profundo.

233,5

426,8

24,4 Actualidade
O sistema do canal do Panamá
Extensão da tornou-se o modelo preferido
represa do pela navegação oceânica, deixando
canal do Panamá o pequeno canal Welland com
em 2016 um volume limitado de tráfego.

54,9
MATTHEW W. CHWASTYK E JASON TREAT; KELSEY NOWAKOWSKI. FONTES: SISTEMA MARÍTIMO
DE SÃO LOURENÇO PARA OS GRANDES LAGOS; MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES DOS EUA; USGS;
EMPRESA DE GESTÃO DO SISTEMA MARÍTIMO DE SÃO LOURENÇO E EMPRESA DE DESENVOLVI-
MENTO DO SISTEMA MARÍTIMO DE SÃO LOURENÇO; AUTORIDADE DO CANAL DO PANAMÁ.
Outros
Extensão das orlas costeiras nos Estados Unidos (território contíguo) lagos
Superior Michigan Huron Erie Ontário e rios
7.987km
GRANDES LAGOS
3.330km
COSTA ORIENTAL
2.625 km
GOLFO DO MÉXICO
2.081 km
COSTA OCIDENTAL

Volume de carga através do


Quebec
Sistema de São Lourenço, 2019
32 Carga remetida ou QUEBEC
16 recebida através do
Entrada 1 ou menos 4 8
Saída Sistema de São Lourenço
milhões de toneladas Outro porto Trois-Rivières Bécancour
Carreira fluvial
50 km
Área urbana Sorel-Tracy
Sault
Ste. Marie

Minas Bruce
Montreal
Salaberry-de-Valleyfield
C A N A D Á
G Morrisburg
Cheboygan VERMONT
Ba r g i
eo

Johnstown
ía an

O N T Á R I O Ogdensburg Lago
Champlain
Entra

LAGO
HURON N.H.
Saída

Bath
da

LAGO
ONTÁRIO Picton
Bowmanville NOVA IORQUE
Oshawa
Toronto
Mississauga Oswego
Goderich
Oakville Outras manufacturas 1,2
Rochester
Hamilton Thorold Tijolos de cimento 0,6
MICHIGAN Canal Welland Buffalo Escória de forno 0,7
Porto Colborne Gasolina 1,0
Port Huron Sarnia Nanticoke Cimento 1,3
LAGO Combustíveis 1,6
Detroit Lake ERIE E S TA D O S Outros minérios 1,0
St. Clair Coque de petróleo 0,6
Erie
Windsor Conneaut U NIDOS Gipsite 0,6
Escória de ferro 2,4
Monroe Ashtabula
Porto de Fairport PENS.
Sal 2,5
Toledo Cleveland Outros produtos agrícolas 0,3
Sandusky Lorain Carga que transitou pelo Milho 0,7
menos por uma represa do Canola 1,2
O H I O Sistema de São Lourenço. 2019 Soja 1,6
em milhões de toneladas

QUAL A CARGA Tráfego interno canadiano


14,8
Trigo 5

DESTA ROTA Manufacturas 0,7

MARÍTIMA? Exportações canadianas para os EUA


3,7
Outros minérios 0,3
Sal 0,5
Coque de petróleo 0,8
O Canadá depende forte- Carvão betuminoso 2,4
mente da Rota Marítima Exportações canadianas para
outros países
de São Lourenço para o 3,9 Escória de ferro 4,5
seu comércio nacional e
internacional, sobretudo Outros produtos agrícolas 0,1
de produtos agrícolas. Exportações dos EUA Soja 0,4
Os EUA servem-se da rota para o Canadá Trigo 1,1
marítima sobretudo para 9,4
Outras manufacturas 1
exportar produtos mine- Exportações dos EUA Açúcar 0,5
rais, como minério de ferro para outros países Produtos químicos 0,5
e carvão, para o Canadá. 1,5 Ferro e aço 0,7
Minério 0,8
Importações para o Canadá, excepto EUA
3,4 Outras manufacturas 0,5
Importações para os EUA, excepto Canadá Ferro e aço 0,8
1,7 Minério 0,4

GRANDE S LAGOS 25
LAGO MICHIGAN
No subsolo de Chicago,
prosseguem as obras
num dos maiores
projectos de engenha-
ria civil do mundo:
o Plano de Túneis
e Reservatórios
da cidade. Projectado
para reduzir as cheias e
impedir que o efluente
dos esgotos não-trata-
dos seja descarregado
no lago Michigan,
prevê-se que o sistema
esteja plenamente
operacional em 2029.
As CAFO, operações concentradas de produção
animal, são essencialmente fábricas onde se pro-
duzem animais. Quando o número de animais
existentes numa CAFO ultrapassa os limites im-
postos pela EPA, essa CAFO é obrigada a reger-se
pelas leis da água limpa, mas muitas mantêm-se
imediatamente abaixo dos limites legais e esca-
pam à regulamentação. Segundo as conclusões de
um estudo recente, o número de animais produzi-
dos entre 2005 e 2018 nas explorações de produção
animal na bacia hidrográfica do Maumee, com
21.500 quilómetros quadrados, mais do que dupli-
cou: de nove milhões para vinte milhões. A quan-
tidade de estrume aplicada nos campos durante o
mesmo período aumentou cerca de 40%.
Enquanto não forem impostas restrições mais
apertadas ao escoamento de fósforo, as eflores-
cências de algas continuarão a ser uma caracterís-
tica permanente do lago Erie. Um cientista con-
tou-me que, a manterem-se as tendências actuais,
a ocorrência de eflorescências aumentará para o
dobro em 2040. “Não se trata de um problema
monetário”, afirmou Wade Kapszukiewicz. “É um
problema de responsabilização.”

esconde a sua fragilidade.


A I M E N S I DÃO D O S L AG O S
Ao longo de vários meses, visitei-os todos, excepto o
Huron. Cada lago merece ter a sua própria história.
O Michigan e o Huron, que são, de facto, duas cama-
das do mesmo lago, têm um problema oposto ao do
lago Erie: estão demasiado limpos.
Centenas de biliões de mexilhões invasores qua-
se eliminaram a totalidade do plâncton existente
nas suas águas: os mexilhões conseguem filtrar
toda a água do lago Michigan em cerca de uma
semana. Os níveis de mercúrio e de PCB na bacia
hidrográfica do lago Ontário são tão elevados que
não é seguro ingerir muitos dos seus peixes. En- cialista em conhecimento ecológico tradicional da
contrei-me com dezenas de investigadores que Comissão Indígena para os Peixes e a Vida Selva-
dedicaram carreiras inteiras a tentarem compreen- gem dos Grandes Lagos. “É aquilo que acontece
der e proteger os lagos. Comandantes de navios de quando somos atingidos por um acto inesperado
recreio contaram-me como as eflorescências de al- na natureza.” Como tempestades duradouras ou
gas arruinaram a sua subsistência. E descobri que eflorescências de algas num lago do Norte.
começaram a aparecer eflorescências nocivas no Há 18 anos, Tom Borg viveu a sua própria ex-
lago Superior, o menos degradado dos lagos. periência de zaasigaakwii. Num dia de Fevereiro,
A melhor descrição para o destino dos lagos deslizava sobre o lago congelado perto de sua casa
e dos milhões de habitantes que deles depen- na sua moto de neve, à semelhança do que fizera
dem pode encontrar-se numa palavra em idioma vezes sem conta noutros dias de Inverno. Não es-
anishinaabe: zaasigaakwii, para a qual não existe tava longe da orla costeira florestada quando, de
qualquer equivalente em língua inglesa. repente, o gelo cedeu debaixo de si. Felizmente, a
“Refere-se às aves que chegam na Primavera e água tinha apenas 90 centímetros de profundida-
que são então atingidas por uma grande tempes- de, “mas estava tão brutalmente fria como a nove
tade”, afirma Michael Wassegijig Price, um espe- metros”, contou. “Senti dores horríveis, como se

28 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
COMO AJUDAR
A organização Nature
Conservancy colabora com
os agricultores para reduzir o
fluxo de fósforo que escorre
para os Grandes Lagos,
através do plantio de culturas
de cobertura e de outras
práticas: nature.org
A organização Friends of the
Detroit River está a recuperar
os cursos de água e a terra
no Michigan e em Ontário,
concentrando os seus
esforços no rio Detroit:
detroitriver.org
Os ojibwe consideram
sagrado o arroz selvagem
e cultivam-no há muitos
séculos. A aquisição deste
produto à comunidade injecta
dinheiro na economia local
e contribui para a promoção
do desenvolvimento
sustentável: llwildrice.com

LAGO MICHIGAN
O Festival da Guarda
Costeira, em Grand
Haven, começou por
ser um piquenique
informal para as
famílias da Guarda
Costeira, em 1924.
Agora atrai 350 mil
pessoas todos os
verões, com concer-
tos, passeios fluviais
e fogo-de-artifício.
A tradição foi
interrompida em 2020,
devido à pandemia.
MORGAN HEIM

tivesse punhais espetados nas pernas.” Sem saber rão ao Grande Lago dos anishinaabe, acabando
bem como, conseguiu retirar a moto de neve do por precipitar-se do alto das cataratas do Niágara.
lago e conduzi-la até à cabana, onde acendeu uma A cada passo que damos, trilho acima, as ameaças
fogueira que evitou uma hipotermia que, de outro que pairam sobre os cinco mares de água doce do
modo, seria garantida. “Se não fosse aquilo que o continente parecem dissipar-se momentaneamen-
meu avô me ensinou (manter-me calmo e não en- te, transformando-se em problemas de outro mun-
trar em pânico), talvez não tivesse sobrevivido.” do, de outra época.
Numa fria manhã de Setembro, a enseada da Tom faz uma pausa e sugere que eu leve comigo
baía Kama parece serena e intacta, imune a qual- para casa uma folha de ácer, uma dádiva da bacia
quer perigo. Pouco depois, a margem desaparece hidrográfica, um talismã tão frágil e maravilhoso
de vista, quando eu e Tom começamos a subir por como o lago lá em baixo. Mais tarde, reflectindo so-
um trilho íngreme, ladeado de áceres. Algumas bre o dia em que quase morreu de frio, disse-me que
destas árvores parecem brilhar, devido à alqui- talvez não tivesse sido tão cuidadoso como deveria.
mia da estação que torna as suas folhas vermelhas Se reparasse com mais atenção no gelo, talvez pu-
como o fogo. Passamos por um riacho e por uma desse ter visto o perigo que o aguardava. “A nature-
pequena cascata, cujas águas em breve se reuni- za não é malévola”, disse. “É inclemente.” j

GRANDE S LAGOS 29
Texto e fotografias de
hannah reyes morales

Canções
de embalar
Em culturas de todo o mundo, as canções de embalar
são janelas que nos permitem vislumbrar as esperanças,
os medos e os sonhos dos pais quanto ao futuro.
MONGÓLIA
Altanzul Sukhchuluun
e a filha, Khulan,
aninham-se à hora de
dormir, em Ulan Bator.
Altanzul é enfermeira
numa clínica de
cuidados familiares do
seu bairro, onde trata
de mulheres e crianças
que vivem em comuni-
dades com a atmosfera
mais poluída do país.
REPORTAGEM E FOTOGRAFIAS
DE HANNAH REYES MORALES
O TRUST TIM HETHERINGTON
FINANCIOU A COBERTURA
FOTOGRÁFICA DESTA REPORTAGEM.

31
TURQUIA
No campo de refugia-
dos de Boynuyogun,
na província de Hatay,
raparigas sírias brincam
com bonecas antes
de se deitarem. Está
demasiado calor para
brincar ao ar livre
durante o dia. Por isso,
as raparigas dormem
a sesta de tarde e vão
para o recreio à noite.
ESTADOS
UNIDOS
Xavier Zakrajsek, de 6
anos, abraça o seu
boneco com implantes
auditivos em Ayer.
Xavier é surdo e usa
implantes cocleares
para ouvir melhor.
Todas as noites, depois
de lhe cantar uma
canção de embalar,
a mãe, Jessica, diz-lhe
que o ama num tom
bem alto, no caso de
o implante não estar a
funcionar. “Quero
sempre dizer-lho,
não vá isso ser a última
coisa que ele ouça.”
A canção ganha
vida à medida que
a noite cai. Ouvimo-
-la aninhar-se
debaixo do cobertor,
deslizar entre as
dobras dos braços
que embalam, em
quartos de todo o
mundo. Para FILIPINAS
Amy Villaruel deita

tantas crianças, um
a filha, Jazzy, na
província de Bataan.
Para a família, que
depende da pesca para

coro oculto enche as


subsistir, a hora de
dormir é ditada pelas
marés. O marido de
Amy e os filhos pescam

suas noites de
durante a noite.

música. Cantam-
-lhes canções OUÇA A CANÇÃO DE
EMBALAR DE AMY
Use a câmara do seu

de embalar.
telefone para ler os QR
Codes e ouvir canções de
embalar de todo o mundo.

36
Para Khadija al Mohammad, a noite Khadija é agora uma cidadã turca.
sempre foi um momento de silêncio e ÁSIA À semelhança de muitas outras mães
FILIPINAS
de conforto, para acalmar os ruídos do em todo o mundo, cuida dos filhos
dia. Há 19 anos, quando o filho mais em ambientes carregados de perigo
velho, Muhammed, nasceu, uma déca- e acalma-os com canções de emba-
da antes do início da guerra civil síria, el r. Entoadas nos nossos espaços mais
cantava-lhe canções de embalar. Eram melo- íntimos, quando o dia se aproxima do fim,
dias que lhe tinham sido transmitidas pela mãe e estas canções encerram em si muito mais do
pela avó. Canções que evocam legados e lugares. que a sua função.
Com o conflito cada vez mais feroz, a sua famí- Em tempos de transição, as canções de em-
lia deixou em 2013 a sua casa em Kafr Nubl, trans- balar ajudam a criar espaços seguros para as
pondo, com relutância, a fronteira com a Turquia, crianças. Actualmente, no meio de todas as
onde nasceu o filho mais novo, Ahmad, de 3 anos. mudanças alucinantes causadas pela pandemia
Professora e mãe de cinco filhos, ela é uma de da COVID-19, as canções de embalar persistem
12 milhões de pessoas deslocadas que partiram como uma forma particularmente importante
da Síria desde 2011, devido a um conflito que ma- de preservar momentos de ternura entre os pais
tou mais de meio milhão de seres humanos. e os filhos pequenos.

NGM MAPS CANÇÕES DE EMBALAR 37


ÁSIA
EUR.

TURQUIA

TURQUIA

As canções
reflectem
tempos
conturbados
Khadija al
Mohammad vai
deitar o filho,
Ahmad, de 3 anos,
em Sanliurfa. A famí-
lia de Khadija fugiu
da Síria em 2013. Ela
lembra-se de como
as canções de
embalar evoluíram
desde as encanta-
doras canções
tradicionais que ela
cantou aos filhos
mais velhos, até às
de hoje, que falam
sobre guerra e
migração.

“Pus-te
no sótão
a dormir,
mas tive
medo
da cobra.”

OUÇA A CANÇÃO
DE EMBALAR
DE UMA
REFUGIADA SÍRIA

38
À D I R E I TA

Sedil al Mohammad, de
12 anos, fotografada no
telhado da sua casa,
costuma perguntar à
mãe, Khadija, como era
a vida na Síria. Khadija
diz que canta canções
sírias aos filhos para lhes
transmitir uma noção da
sua terra natal.

EM BAIXO

Ao final da tarde, há
pombos a esvoaçar
sobre a cidade de Hatay.
Centenas de milhares
de sírios encontraram
refúgio junto da fronteira
síria. A Turquia acolhe
a maior população de
refugiados do mundo,
incluindo 3,6 milhões de
sírios que fugiram da sua
terra natal.

OUÇA UMA CANÇÃO DE EM-


BALAR COM 4.000 ANOS

40 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Herdamo-las e transmitimo-las. Atravessamos
fronteiras com elas e inventamos outras novas
pelo caminho. Contêm vestígios dos que exis-
tiram antes de nós e conterão vestígios nossos
muito depois de deixarmos de existir. Com es-
tas canções, exprimimos mais do que os nossos
maiores medos: no mesmo fôlego, exprimimos
também as nossas esperanças e orações. São,
provavelmente, as primeiras canções de amor
que as crianças ouvem.
À semelhança de muitas canções de embalar
pelo mundo fora, a canção de Khadija é uma reac-
ção às pressões do quotidiano. E embora as can-
ções de embalar sosseguem e tranquilizem quem
as ouve, as suas letras são frequentemente som-
brias. Constituem uma janela aberta para os nos-
sos medos. A canção de embalar islandesa “Bíum,
Bíum, Bambaló” é assombrada por um rosto à
janela. A russa “Bayu Bayushki Bayu” é um aviso
para ficarmos longe da beira da cama ou um lobi-
nho cinzento levará um bebé para a floresta, para
debaixo de um salgueiro. Afinal, “Rock-a-Bye,
Baby”, uma das canções de embalar mais conhe-
cidas da língua inglesa, fala de um berço que cai
do alto de uma árvore, com o bebé e tudo.
Menos conhecida é a letra de uma versão mo-
derna e mais comprida. “Dorme bebé / não tenhas
medo / Não te preocupes, bebé / A mamã está aqui”,
refere a última estrofe. As canções de embalar re-
velam os nossos medos, mas reflectem também
aquilo que nos reconforta. “Agora dorme profun-
as canções de
C A N TA DA S E M M U I TA S C U LT U R A S , damente / até ao amanhecer”, conclui a melodia.
embalar ecoam as histórias de quem as canta. As
canções de embalar de Khadija tornaram-se can- N O J A PÃO ,os “Itsuki no Komoriuta”, ou “Can-
ções sobre a guerra. “Os meus filhos conhecem os ções de Embalar de Itsuki” são canções sobre
meus sentimentos”, diz. Os pesadelos seguiram raparigas que vão trabalhar como amas inter-
Khadija. Nos sonhos, lembra-se dos helicópteros nas em casas de famílias abastadas na aldeia de
e do exército sírio a persegui-la e acorda, temendo Itsuki, durante o século XIX. “Ninguém verterá
pelos filhos. Quando a vêem lavada em lágrimas, uma lágrima quando eu morrer. Só as cigarras
eles juntam-se em seu redor. Sentada ao lado de do diospireiro irão chorar”, refere a letra de uma
um colchão, no chão, ela pega cuidadosamente canção popular.
em Ahmad, pousa-o sobre as pernas, embala-o Há alguns anos, nas Filipinas, cantei pela pri-
suavemente e canta. meira vez uma canção de embalar ao meu en-
“Oh avião, que vais pelo céu, não faças mal às teado, que tinha então 4 anos. Ele sentia-se as-
crianças na rua. Sê meigo e amável para com es- sustado quando as luzes se apagavam. Quando
tas crianças.” começou a chorar, eu tive a certeza de que esta-
Uma canção de embalar babilónica, com cer- va a fazer algo terrivelmente errado, prejudican-
ca de quatro mil anos, foi descoberta, inscrita do uma relação que é preciosa e delicada para
numa tabuinha de argila. As canções de emba- mim. Em pânico, peguei-lhe ao colo e cantei-lhe
lar ainda hoje servem para adormecer os bebés. “You Are My Sunshine”. Naquela noite quente
de Verão, ele adormeceu. As lágrimas secaram
A organização sem fins lucrativos National Geographic com o zumbido da ventoinha. Mas de quem se-
Society ajudou a financiar esta reportagem. riam os medos que eu dissipara?

CANÇÕES DE EMBALAR 41
ÁFRICA

LIBÉRIA

LIBÉRIA

Histórias
partilhadas
à noitinha
As crianças
juntam-se em redor
de Patience Brooks,
que segura ao
colo a sua filha mais
nova, Marta, em
Monróvia. As mães
e filhos do seu
bairro revezam-se
para contar
histórias enquanto
preparam o jantar
para as suas famílias.

“Dorme,
bebé,
dorme.
A mamã
quer ver-
-te com
soninho.
E quando
tiveres
soninho,
a mamã
vai sen-
tir-se tão
bem.”

OUÇA A CANÇÃO
DE EMBALAR
DE PATIENCE

42
de investigações
E X I S T E U M AC E RVO C R E S C E N T E
sobre a maneira como as canções de embalar aju-
dam a acalmar, tanto o prestador de cuidados como
a criança. Laura Cirelli, professora de psicologia do
desenvolvimento da Universidade de Toronto,
estuda a ciência da canção materna. Ela concluiu
que, quando as mães cantam canções de embalar,
os níveis de stress diminuem, nos bebés e nas mães.
Na sua investigação mais recente, descobriu que as
canções mais familiares acalmam mais os bebés do
que palavras ou canções não familiares.
Laura acha que cantar canções de embalar é
uma “experiência multimodal” partilhada por mãe
e filho. “Não só porque o bebé ouve música”, diz.
“É porque está ao colo da mãe, perto do seu rosto,
sentindo-a a embalá-lo com suavidade e calor.”
De cultura para cultura, as canções de embalar
“costumam ter um conjunto de características
que as tornam tranquilizantes”, acrescenta Sa-
muel Mehr, director do Music Lab da Universida-
de de Harvard, que se dedica a estudar os proces-
sos pelos quais a música funciona. O projecto do
laboratório concluiu que os seres humanos con-
seguem descobrir características universais na
música, mesmo quando ouvem canções de outras
culturas. O projecto pediu a 29 mil participantes
que escutassem 118 canções e identificassem se
eram canções para curar, dançar, de amor ou de
embalar. “Em termos estatísticos, revelou-se uma
tendência mais coerente para identificar canções
de embalar”, diz o investigador.
Noutro estudo, o laboratório descobriu que, A canção de embalar enquanto história de aviso
mesmo quando ouvem canções de embalar can- (dorme, ou vais ver o que te acontece) é comum a
tadas por outras pessoas que não os seus cuidado- várias culturas. Há muitos monstros sinistros que
res ou sequer da sua própria cultura, as crianças roubam e comem criancinhas, à espera daquelas
ficam sempre mais calmas. “Parece existir algum que resistem ao sono. O horror destas visões ul-
tipo de ligação entre os cuidados parentais e a mú- trapassa aqueles que são demasiado novos para
sica que é universal, existindo em todo o mundo, compreendê-las. Para as crianças mais velhas, po-
e também antiga, diria mesmo ancestral. É algo rém, incluindo as que partilham a mesma cama,
que andamos a fazer há mesmo muito tempo.” as canções de embalar, tal como outras formas de
O mais antigo registo completo de uma canção folclore, são um veículo importante para transmi-
de embalar que nos chegou começa da seguinte tir uma imagem do mundo.
forma: “Bebezinho na casa escura.” Fala sobre um
“deus da casa” que, perturbado pelos gritos de um “ C A N T O PA R A M E E S Q U E C E R D O PA I D O B E B É ” , diz
bebé, chama pela criança num tom sombrio. Patience Brooks com um sorriso, depois de acon-
“Eles eram bastante brutais”, diz Richard chegar a sua filha Marta, de 8 meses, na cama.
Dumbrill, director do Conselho Internacional de A hora de dormir na casa de Patience, em Monróvia,
Arqueomusicologia do Próximo Oriente, da Uni- na Libéria, é bastante animada. O bairro de Mamba
versidade de Londres, que traduziu a tabuinha de Point vibra com a música, a confusão do jantar e as
quatro mil anos escrita em acadiano. “Criariam os conversas. As melodias nocturnas de Patience são
seus bebés com sentimentos de medo, na espe- uma mistura de música, improvisações de instru-
rança de que isso os fizesse desenvolver reflexos mentos ao estilo do jazz e vocalizações para marcar
de defesa na idade adulta.” o ritmo localmente conhecidas como “lie-lies.”

44 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
À ESQUERDA

Depois de muitos anos


sem abrigo, Christiana
Gmah canta cânticos
de louvor à sua filha
Orinna, na sua casa de
West Point, em Mon-
róvia. Os pais manda-
ram-na embora quando
ela engravidou da
primeira filha, Georgina,
aos 13 anos. Hoje, ela
vende chá e pão à noite
para sustentar as filhas.

EM BAIXO

A noite cai sobre a


aldeia. A comunidade
pobre que vive nos
arredores superlotados
da cidade de Monróvia
carece de serviços
públicos adequados e
não dispõe de sanea-
mento básico.

CANÇÕES DE EMBALAR 45
Bonecos de peluche adorados pelas crianças fotografados nos quartos visitados por Hannah Reyes
Morales em todo o mundo. Algumas crianças cantavam canções de embalar aos seus bonecos.
Patience faz tamborilar os dedos nas costas de
Marta, enquanto ambas balouçam e a pequena vai
adormecendo, com a dança da mãe.

Dorme, bebé, dorme


Dorme, bebé, dorme
A mamã quer ver-te com soninho
E quando tiveres soninho
A mamã vai sentir-se tão bem
A mamã vai sentir-se tão feliz
Por isso, dorme, dorme
Dorme, bebé, dorme

Para Patience, mãe de dois filhos que teve a sua


primeira bebé aos 13 anos, a maternidade traz de-
safios semelhantes aos que enfrentam, segundo
se estima, três em cada dez adolescentes liberia-
nas que foram mães ou estiveram grávidas entre
os 15 e os 19 anos.
Neste bairro, os espaços exteriores transfor-
mam-se em salas de convívio comunitárias.
As mulheres revezam-se, tomando conta de deze-
nas de crianças enquanto elas brincam e se entre-
têm umas com as outras, permitindo que as mães
preparem o jantar para as famílias e passem al-
gum tempo em casa depois de um dia de trabalho.
“Era uma vez…” – começa Patience e as crian-
ças ouvem. Contam histórias e cantam músicas
por turnos. O espaço minúsculo enche-se de len-
das de reis e rainhas. Quando a noite cai, a atmos-
fera está carregada de refrães musicais sobre cria-
turas mágicas e aventuras na floresta.
A investigação de Laura Cirelli concluiu que
as crianças que partilham experiências musicais
síncronas com outras pessoas têm maior proba-
bilidade de lhes oferecer apoio. “Se cantamos as
mesmas canções que os membros da nossa comu-
nidade, essa é uma pista para o sentido de afinida-
de e pertença ao grupo”, resume a investigadora.
A hora de dormir e as canções de embalar são
tão variadas como o nosso mundo. Para Zaijan
Villaruel, de 10 anos, que vive nas Filipinas, o
sono é ditado pelas marés e pelas necessidades
da sua família. À noite, ele pesca com o pai e os
irmãos mais velhos e adormece ao som das ondas
e da canoa, de regresso a casa.
As Filipinas fazem parte do Triângulo de Coral,
que contém mais espécies de vida marinha do
que qualquer outro local da Terra. As comunida-
des piscatórias como a de Zaijan e o seu pai, Um-
bing Villaruel, vivem e dependem do mar para o
seu sustento e suportam as piores consequências
das alterações climáticas.

CANÇÕES DE EMBALAR 47
MONGÓLIA

ÁSIA

MONGÓLIA

Quando
a sesta é
um escape
temporário
à poluição
Crianças em idade
pré-escolar de uma
comunidade
instalada junto de
um aterro sanitário
dormem a sesta
num infantário de
Ulan Bator. As
centrais eléctricas
e as casas aqueci-
das a carvão
provocam poluição
atmosférica. Estes
quartos dispõem
de purificadores
de ar, que não
existem na maioria
das casas.

“Um dia
em cheio
está a che-
gar ao fim.
Aproxima-
-se uma
noite de
histórias
de en-
cantar.”

OUÇA UMA
CANÇÃO DE EMBA-
LAR MONGOL

48
Umbing não quer que os filhos se tornem pesca-
dores. As capturas diminuíram drasticamente na
última década devido à sobrepesca. No entanto,
devido ao confinamento imposto pela pandemia,
Zaijan aprendeu a pescar para contribuir para o
sustento da sua família. “Ele aprendeu a sobrevi-
ver numa época de crise”, diz Umbing.
Durante o dia, Zaijan canta canções que apren-
deu na máquina de karaoke da sua irmã de 2 anos,
Jazzy, na sua casa da província de Bataan. Ele
embala-a suavemente, para a frente e para trás,
e ela adormece ao som de uma canção sobre um
rapaz que espera que as lágrimas de uma rapari-
ga sequem. Nas Filipinas, de onde sou originária,
as palavras “Tahan na” são murmuradas entre as
canções de embalar. As palavras são frequente-
mente proferidas para acalmar uma pessoa que
chora e podem traduzir-se como “pára de chorar”.
Contudo, dizer “tahan na” a alguém, também im-
plica dizer “sente-te segura” e “sente-te em paz”.
Tahan an, que significa “casa” em filipino, é o sí-
tio onde as lágrimas param de correr.

CARNEGIE HALL, o histórico recinto de espectácu-


los musicais na cidade de Nova Iorque, desenvol-
veu o Projecto Lullaby em 2011. Baseado em
investigações segundo as quais as canções de
embalar beneficiam a saúde materna, fortalecem
os laços entre pais e filhos e contribuem para o
desenvolvimento infantil, o projecto promove
colaborações entre músicos profissionais e pessoas
que foram pais recentemente para compor canções Palmer Wolf. “Não ocupam espaço na mochila.
de embalar personalizadas para os seus bebés. Podemos sempre levá-las. É uma maneira de criar
Desde a sua fundação, o projecto já ajudou a criar continuidade onde não existe quase nenhuma.”
milhares de canções de embalar, chegando a diver-
sos países e a casais em hospitais, albergues para AS CANÇÕES DE EMBALAR reflectem o presente,
pessoas sem abrigo, programas para jovens mães mas estão frequentemente enraizadas no passado.
e unidades de reabilitação comportamental. “Esta- Na Mongólia, há muitas gerações que a canção de
mos basicamente a pensar nas canções de embalar embalar “buuvei” é cantada pelos nómadas. O seu
como âncoras, em termos muito simples, para os refrão “buuvei” significa “não tenhas medo”.
pais poderem exprimir as suas esperanças, sonhos “O amor é a coisa mais importante, é transmitido
e desejos para os filhos e para si próprios”, diz Tif- como um legado”, diz Bayartai Genden, cantora e
fany Ortiz, directora do Programa para a Primeira dançarina tradicional mongol e avó de 13 netos.
Infância, que supervisiona o Projecto Lullaby. “É a magia de darmos amor ao nosso filho através
“Muitas mães falam activamente sobre o uso das melodias.”
de canções de embalar e cânticos como uma ma- Bayartai lamenta o nevoeiro que envolve Ulan
neira de recompor o lar”, diz Dennie Palmer Wolf, Bator, capital da Mongólia, uma barreira que
consultora de investigação do Projecto Lullaby. se interpõe entre ela e os seus antepassados.
Famílias migrantes da Grécia participaram no “Os nossos antepassados do céu azul devem estar
projecto e colaboradores locais descrevem as suas a chorar por causa da poluição atmosférica”, diz.
canções de embalar como “santuários portáteis”. “O céu costumava ser azul.” Bayartai canta uma
“Tal como as orações e as histórias tradicionais, canção de embalar ao seu neto recém-nascido. Um
podemos levá-las para todo o lado connosco”, diz purificador de ar zumbe, como música de fundo.

50 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
À ESQUERDA

Uma nuvem de
poluição paira sobre
Ulan Bator. A poluição
gerada pela combustão
do carvão nos meses de
Inverno levou a UNICEF
a declarar uma crise de
saúde infantil devido ao
aumento das infecções
respiratórias e à
diminuição da capaci-
dade pulmonar, em
comparação com as
crianças que vivem fora
da cidade.

EM BAIXO

Todgerel Lkhamjav
(à esquerda), Dejid
Bayarbaatar (à direita),
e o seu filho mais novo,
Galanbagana, aninham-
-se na cama, na sua casa
nos arredores de Ulan
Bator. Todgerel traba-
lhou nas minas de carvão
durante 25 anos, mas
agora é segurança numa
escola. Os empregos na
indústria do carvão
foram desaparecendo à
medida que foram
impostas proibições
locais à sua combustão.

CANÇÕES DE EMBALAR 51
AMÉRICA
DO NORTE
Mass.
EUA

ESTADOS
UNIDOS

As rotinas da
hora de dormir
mudam duran-
te a pandemia
Anthony Hallett
lê uma história
infantil à sua filha
Ava, de 6 anos,
em Brockton, no
Massachusetts.
Trabalhando a partir
de casa devido
à pandemia de
COVID-19, Anthony
teve oportunidade
de se juntar à
rotina da hora de
dormir da família.

“Boa
noite,
Luke,
Boa
noite,
Luke.
Boa
noite,
Luke, é
hora de
dormir.”

OUÇA A CANÇÃO DE
EMBALAR DA
FAMÍLIA HALLETT

53
À D I R E I TA
A médica Molly Thomas
faz uma videochamada
para a mulher, Hannah
Leslie, e as filhas, Ada e
Delaney (em baixo), a
partir do hospital onde
trabalha. Canta uma
canção de embalar às
raparigas e deseja-lhes
boa noite enquanto
está no trabalho. Molly
isolou-se da família
enquanto esteve a
trabalhar com pacientes
com COVID-19.

EM BAIXO

Allison Conlon, uma


enfermeira que trata de
pacientes com COVID-19,
visita o filho, Lucas, de
2 anos, através de uma
porta envidraçada na
sua casa de Bridgewa-
ter, no Massachusetts.
Fotografada no seu dia
de folga, leu histórias a
Lucas antes de ele
dormir a sesta. Allison
diz que “ler-lhe todos
os dias ajudou-me a
manter uma certa noção
de normalidade”.

54 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
as histórias parecem
E M É P O C A S T U R B U L E N TA S ,
unir-nos. Quando a pandemia começou a mudar
a vida do planeta, a distância física alterou dras-
ticamente a forma como nos relacionamos.
As mulheres representam quase 70% da força
laboral das áreas da saúde e dos serviços sociais.
Para as mães que trabalham na linha da frente da
pandemia, o risco que correm para cuidarem das
suas comunidades é acrescido pelo desafio de
quererem proporcionar os melhores cuidados às
suas próprias famílias.
Elizabeth Streeter, enfermeira em Massachu-
setts, trabalha no piso dedicado à COVID-19
do seu hospital. Com o agravamento da pande-
mia, tomou a difícil decisão de se isolar dos seus
quatro filhos no início de Abril, de modo a evitar
expô-los ao vírus. Instalou-se numa autocarava-
na no quintal dos pais durante um mês, enquan-
to o marido ficou em casa a cuidar dos filhos.
À noite, Elizabeth juntava-se à família através
do telefone. Cantava ao seu filho de 3 anos a sua
canção de embalar preferida enquanto lutava
contra as lágrimas, sem saber quando voltaria a
pegar-lhe ao colo.
Allison Conlon, uma enfermeira de Bridgewa-
ter, no Massachusetts, que trabalha na unidade
de cuidados intensivos de um hospital, também
se separou da sua família. À noite, telefonava a
Lucas, de 2 anos, para lhe ler e cantar duas can-
ções antes de ele dormir. Ao domingo, visitava a
casa da família, mas não entrava, lendo-lhe his-
Em Ulan Bator, uma das capitais mais frias do tórias do outro lado de uma porta envidraçada.
mundo, o Inverno é marcado não só por tempe- Do seu lado do vidro, Allison tocava na mão do
raturas capazes de atingir -28ºC, mas também filho e dava-lhe um beijo. “O meu filho foi muito
por uma atmosfera tóxica. Os níveis de poluição resiliente e adaptou-se muito bem à mudança e
atmosférica na capital da Mongólia chegam a eu estou grata por isso”, comenta.
ser cem vezes superiores ao limite para partí- A entoação de uma canção de embalar a al-
culas em suspensão definido como seguro pela guém cria um vínculo. A canção liga o cuidador
Organização Mundial da Saúde. à criança, mas, de uma forma talvez menos vi-
Com mais de metade das crianças da Mongó- sível, também conta histórias que nos ligam ao
lia a viverem em Ulan Bator, onde a pneumo- nosso passado e uns aos outros. Bayartai Gen-
nia é a segunda principal causa de morte entre den descreve a canção de embalar como “uma
crianças com menos de 5 anos, a UNICEF decla- troca entre duas almas”.
rou que a poluição atmosférica da cidade se tor- As canções de embalar fazem parte do tecido
nou uma crise de saúde infantil. usado pelos cuidadores para criarem espaços
“Uso estas palavras para proteger os meus fi- seguros e necessários para os sonhos se desen-
lhos. Elas ajudam os meus filhos a curarem-se”, rolarem. Khadija al Mohammad diz que Ahmad
diz Oyunchimeg Buyankhuu sobre as canções procura as suas canções de embalar “não só
de embalar que cantava quando as suas duas fi- para dormir, mas para sentir o meu carinho”.
lhas ficavam, frequentemente, doentes por cau- Estas canções recordam-nos que não estamos
sa da poluição. A família mudou-se para longe sós e, na escuridão da noite, parecem conter a
da cidade para que as crianças pudessem respi- promessa de que, do outro lado, a luz da manhã
rar ar mais puro. espera por nós. j

CANÇÕES DE EMBALAR 55
Neve soprada pelo vento
rodopia em redor de
edifícios abandonados,
mantendo uma vigília
gelada sobre as ruas
vazias de Dikson. Outrora
peça central dos sonhos
soviéticos de desenvolvi-
mento do Árctico,
a cidade portuária foi
lentamente abandonada
após o colapso da
União Soviética em 1991.
SONHOS ÁRCTICOS
A S V I DA S E A S L E N DA S F I C A M C O N G E L A DA S
NO TEMPO DURANTE A LONGA NOITE POLAR,
N O E XT R E MO S E T E N T R I O N A L DA RÚ S S I A .

TEXTO E FOTOGRAFIAS
D E E V G E N I A A R B U G A E VA

57
de Barents
Mar
Murmansk
lya
Península Zem a
ya ar
EUR. ÁREA
Kola Kanin
No
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RÚSSIA DO
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Arkhangelsk Khodovarikha Dikson
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Moscovo Norilsk

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Nizhniy Novgorod
b
a O
r R Ú S

D
U
nos entra no sistema nunca mais
D I Z- S E Q U E Q UA N D O O Á RC T I C O
deixa de chamar por nós. Passei a infância a correr pela tundra e a
ver auroras boreais no meu trajecto para a escola, durante a noite
polar, o nome poético que se dá aos dois meses de escuridão, que aqui
não se resume apenas ao Inverno, mas a todo um estado de espírito.
Há alguns anos, deixei a minha cidade natal de Tiksi, um porto marí-
timo isolado na costa russa do mar de Laptev, e fui viver para grandes
cidades e países diferentes. Mas o Árctico chama por mim. Faz-me
falta o seu isolamento e ritmo de vida mais lento. Nesta paisagem
setentrional congelada, a minha imaginação voa como o vento, sem
obstáculos. Só sou verdadeiramente eu quando estou aqui.
O mesmo se aplica, em grande parte, às pessoas que fotografo.
Por vezes, acho que as suas histórias são como capítulos num livro.
Cada uma revela um sonho diferente, mas também estão ligadas
ao amor por esta terra. Cada sonho tem a sua paleta de cores e a sua
atmosfera. Cada pessoa aqui presente tem uma razão para cá estar.
O primeiro sonho pertence a Vyacheslav Korotki. Durante lon-
gos anos, foi director da Estação Meteorológica de Khodovarikha,
numa península isolada do mar de Barents. Trata-se de uma faixa
de terra árida e estreita que, segundo Vyacheslav, parece um navio. Quando
me encontro com ele pela primeira vez, reconheço instantaneamente o seu
casaco encerado impermeável, do género que todos os homens vestiam na
época soviética na minha terra natal. Ele é aquilo a que se chama um polyar-
nik, um especialista do Norte polar. Dedicou a vida a trabalhar no Árctico e
ainda colabora nos boletins meteorológicos.
Eu conseguia ouvir o gelo a deslocar-se e a chiar, com o vento a assobiar
nos cabos do rádio do lado de fora da estação. Lá dentro, tudo estava sosse-
gado. Só os passos de Vyacheslav e o ranger da madeira marcavam a pas-
sagem do tempo. De três em três horas, ele saía e regressava, murmurando
observações para os seus botões: “Vento su-sudoeste, 12 metros por segun-
do, rajadas de até 18 metros, a aumentar de intensidade, queda de pressão,
nevão a caminho.” Em seguida, relatava essas palavras a alguém que nunca
vira através de um rádio velho e cheio de crepitação.
Certo dia, senti-me triste. A noite polar levava os meus pensamentos para
A organização sem direcções caóticas. Aproximei-me de Vyacheslav Korotki com uma chávena
fins lucrativos National de chá e perguntei-lhe como conseguia viver ali, sozinho, numa sucessão
Geographic Society
ajudou a financiar de dias iguais uns aos outros. Ele disse-me: “Tens demasiadas expectativas.
esta reportagem. Acho que isso é normal. Mas os dias não são todos iguais aqui. Olha, hoje

58 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
OCEANO ÁRCTICO Chukchi ALASCA
r de
Severnaya (EUA)
Zemlya Wrangel I.
Ma
Enurmino

tal
rien
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Siberian Sibéria
de Mar da
Lapte Islands g
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Taymy ICO r
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ÁR Anadyr de
CULO Mar
CÍR
Tiksi
A RÚSSIA
MAIS LONGÍNQUA
S I B É R I A Menos de 2% da população
da Rússia vive na área de
Len a

4,1 milhões de quilómetros

S I A
quadrados a norte do
Círculo Polar Árctico.

Povoado abandonado

temos uma aurora boreal luminosa e um fenómeno raríssimo de gelo fino a


cobrir o mar. Não seria magnífico vermos as estrelas logo à noite, depois de
se terem escondido atrás das nuvens durante mais de uma semana?” Senti-
-me culpada por me debruçar demasiado sobre mim própria, esquecendo-
-me de observar o exterior. Dali em diante, passei a ter os olhos bem abertos.
Durante um mês, vivi com um jovem casal, Evgenia Kostikova e Ivan
Sivkov, que recolhiam dados meteorológicos noutra extremidade congelada
da Rússia. Depois do seu primeiro ano juntos, vivendo numa cidade siberia-
na, Evgenia pediu ao seu amado Ivan que se juntasse a ela no Norte. Contro-
lavam as condições meteorológicas, cortavam lenha, cozinhavam, tratavam
do farol e cuidavam um do outro. Em termos de assistência médica, só po-
diam contar com um helicóptero distante, que poderia atrasar-se semanas
caso estivesse mau tempo.
Talvez devido, em parte, ao seu isolamento, os 300 chukchi da aldeia de
Enurmino têm mantido as tradições, vivendo da terra e do mar, tal como
os seus antepassados, mantendo os mesmos mitos e lendas transmitidos ao
longo das gerações. É uma honra ser caçador e os aldeãos cumprem as quo-
tas federais e internacionais enquanto caçam morsas e baleias para susten-
tar a sua comunidade durante os longos invernos. A uma curta distância de
Enurmino, passei duas semanas numa cabana de madeira com um cientista
que estuda morsas. Ficámos retidos no interior durante três desses dias, to-
mando todo o cuidado para não semear o pânico entre as cerca de 100 mil
morsas locais, segundo as estimativas dos biólogos. Os animais arrastavam-
-se à nossa volta, abanando a cabana com os seus movimentos e lutas.
Em Dikson, na orla costeira do mar de Kara, os sonhos de grandeza sovié-
ticos estão cobertos pelo gelo. Nos seus tempos áureos, na década de 1980,
era considerada a capital do Árctico russo, mas desde o colapso da URSS tor-
nou-se praticamente uma cidade fantasma. Quando a região aquecer, talvez
venham a surgir novas cidades, mas custa-me testemunhar o fracasso do
esforço humano a esta escala.
Durante as primeiras semanas, senti-me desiludida com as fotografias
que captei na escuridão interminável de Dikson. Depois, porém, a aurora
boreal explodiu subitamente no céu, colorindo tudo em tons de néon du-
rante várias horas. Envolto numa luz verde, um monumento de homena-
gem aos soldados parecia o monstro de Frankenstein. Afinal de contas, no
final do livro de Mary Shelley, o monstro fugiu para o isolamento do Árctico.
Quando a aurora se desvaneceu, a cidade voltou a desaparecer lentamente
na escuridão até que, por fim, se tornou invisível. j

CHRISTINE FELLENZ FONTE: GREEN MARBLE SONHOS ÁRCTICOS 59


K H O D O VA R I K H A | 68'941° N | 53'769° E

NUM DIA SOSSEGADO E SEM VENTO,


Vyacheslav Korotki vagueia na sua embarcação construída à mão numa baía
estreita do mar de Barents, junto da Estação Meteorológica de Khodovarikha.
Vyacheslav passou a maior parte da vida em estações isoladas no Árctico e diz
que adora esta região em particular. É o seu lar há duas décadas.
K H O D O VA R I K H A | 68'941° N | 53'769° E

NO SENTIDO DOS
P ONTEIROS DO
R E L Ó G I O, A P A R T I R
DO TOPO ESQUERDO

Vyacheslav caminha em
direcção a um farol que
deixou de funcionar há
dez anos. Quando ficava
sem lenha, arrancava os
painéis de madeira para
aquecer a estação
meteorológica onde
vivia. Essa estação foi,
entretanto, substituída
por uma nova.

Este aparelho de rádio


transmitia dados
meteorológicos, como
temperatura e precipita-
ção, à estação da cidade
mais próxima,
Arkhangelsk, a quase
800 quilómetros de
distância. Vyacheslav
continua a transmitir
dados meteorológicos
de três em três horas,
de noite e de dia.

Um modelo de farol que


Vyacheslav está a
construir com fósforos
parece lançar uma
sombra da paisagem
árctica sobre a parede da
estação meteorológica.
O farol foi pousado sobre
um livro de referência
soviético: “A Dinâmica do
Gelo Marinho”.

O papagaio Kesha,
oferecido como
presente no Ano Novo
pela fotógrafa Evgenia
Arbugaeva, faz compa-
nhia a Korotki enquanto
ele almoça na antiga
estação meteorológica.
Kesha tem o nome da
ave de uma popular série
de desenhos animados
da era soviética.

62 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
SONHOS ÁRCTICOS 63
KANIN NOS | 68'657° N | 43'272° E

“TROUXE GULOSEIMAS, COMO CHOCOLATE E FRUTA”,


diz Evgenia. “Estes itens são como ouro no Árctico e despertaram um
enorme sorriso no rosto da [meteorologista e faroleira] Evgenia Kostikova.
Ela embrulhou as maçãs, uma a uma, em folhas de jornal, como se fossem de
cristal, para impedir o congelamento.”
KANIN NOS | 68'657° N | 43'272° E

66 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
NO SENTIDO DOS
P ONTEIROS DO
R E L Ó G I O, A P A R T I R
DO TOPO ESQUERDO

“O fim do mundo”. Foi o


que o meteorologista e
faroleiro Ivan Sivkov
escreveu a tinta branca
no seu armazém, situado
junto do local onde um
quebra-gelo atraca para
entregar provisões ao
farol e estação meteoro-
lógica Kanin Nos, todos
os verões.

Evgenia e Ivan,
acompanhados pelo seu
cão, Dragon, recolhem
amostras de água para
medir a salinidade da
água do mar em
redor da estreita
península de Kanin,
onde o mar de
Barents e o mar Branco
se encontram.

O casal caminha até ao


farol, onde parece
pairar no meio de um
nevão. É um dos poucos
faróis que restam no
Árctico. Há novas rotas
marítimas e muitos dos
navios actuais possuem
sistemas de navegação
modernos.

Evgenia Kostikova
mantém-se quente
junto de um pequeno
radiador, enquanto lê
um livro. Quando era
pequena, um amigo da
sua família contava-lhe
histórias sobre a vida no
Árctico. Aos 19 anos,
Evgenia começou a
trabalhar na sua
primeira estação polar.
Diz que soube imedia-
tamente que o Árctico
era o lugar certo para si.

SONHOS ÁRCTICOS 67
ENURMINO | 66'954° N | 171'862° O

“QUANDO ESTIVEMOS CERCADOS POR MORSAS,


a cabana tremia”, conta Evgenia Arbugaeva. “O som do rugido era muito
alto. Era muito difícil dormir durante a noite. A temperatura no interior
da cabana também aumentava dramaticamente devido ao calor corporal
das morsas que estavam lá fora. Neste enorme viveiro de morsas do
Pacífico, muitas vieram para a costa porque o aquecimento climático
reduz as camadas de gelo marinho onde descansavam.”
ENURMINO | 66'954°N | 171'862° O

NO SENTIDO DOS
P ONTEIROS DO
R E L Ó G I O, A P A R T I R
DO TOPO ESQUERDO

Nikolai Rovtin perde-se


nos seus pensamentos
depois de falar sobre a
mulher, que morreu no
ano passado. Agora vive
sozinho numa estação
meteorológica abando-
nada. Antes de os
soviéticos tentarem
desenvolver o Árctico,
ele vivia numa casa
chukchi tradicional.

Um crânio de morsa
pousado sobre a mesa
da garagem de um
caçador. A carne de
morsa é um alimento de
substância essencial da
comunidade chukchi, a
qual tem direito a caçar
uma quota anual de
mamíferos. Os caçadores
usam arpões tradicionais
e armas modernas.

Vika Taenom usa um


vestido chukchi feito
por medida. Ensaia
uma dança tradicional
no Centro Cultural
de Enurmino. Muitas
dançarinas imitam os
movimentos de animais
e Vika evoca gansos,
patos e gaivotas.

A noite cai enquanto


caçadores se dirigem
para casa depois de
caçarem esta baleia-
-cinzenta. Vão agora
consumir a sua carne.
Os caçadores mantêm-se
em silêncio no regresso,
falando apenas consigo
e com a baleia, pedindo
perdão e explicando-lhe
por que razão a caçada
foi necessária.

70 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
SONHOS ÁRCTICOS 71
DIKSON | 73'507° N | 80'.525° E

“IMAGINEI A MÚSICA A TOCAR E AS ESTRELAS”


a brilhar em uníssono quando entrei naquela sala sossegada”, diz
Evgenia Arbugaeva. “Depois, comecei a ouvir o vento a fazer bater as
portas no corredor e a provocar rangidos estranhos. Na minha imagina-
ção difusa, pensei ouvir os passos de uma pessoa… e fugi.”
DIKSON | 73'507° N | 80'525° E

NO SENTIDO DOS
P ONTEIROS DO
R E L Ó G I O, A P A R T I R
DO TOPO ESQUERDO

A aurora boreal lança um


feitiço colorido sobre
esta praça abandonada
de Dikson. A estátua
homenageia os
soldados que defende-
ram este posto
avançado, em tempos
de prosperidade, contra
um ataque alemão,
durante a Segunda
Guerra Mundial.

As últimas crianças a
frequentar esta escola
são agora adultos, mas
os seus manuais ainda
estão abertos, aparente-
mente congelados no
tempo. Durante duas
semanas de escuridão e
tempestades, Evgenia
Arbugaeva aguardou a
chegada da aurora
boreal para ter luz
suficiente que lhe
permitisse fotografar.

Outrora animado por


espectáculos, o centro
cultural há muito que se
encontra vazio. O estilo
arquitectónico soviético
pode ser encontrado
noutros postos avança-
dos do Árctico, desenvol-
vidos durante o ímpeto
construtor de infra-es-
truturas ao longo da
rota do mar do Norte.

Uma boneca artesanal


repousa no parapeito
gelado de uma janela
numa escola abando-
nada. Na década de
1980, Dikson foi um
símbolo das ambições
do Árctico e acolhia
cinco mil pessoas.

74 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
SONHOS ÁRCTICOS 75
No Parque Nacional de
Torres del Paine, situado
na Região de Magalhães
da Antárctida Chilena,
dois pumas observam
o horizonte ao fim
da tarde, junto do
lago Sarmiento de
Gamboa, cercado pelas
montanhas patagónicas.

PELA
T O R R E S D E L P A I N E , N A P ATA G Ó N I A C H I L E N A ,

P A R A O B S E R VA R P U M A S E M E S TA D O S E LVA G E M .

76 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
COEXISTÊNCIA
T R A N S F O R MO U -S E N O M E L H O R S Í T I O D O MU N D O

AQ U I , E S T E S F E L I N O S R E C U P E R A M .

P U M A S DA PATAG Ó N I A 77
78 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Este pastor dos Pirenéus
foi criado como cão de
guarda pelo criador de
gado patagónico José
Antonio Kusanovic, na
província chilena
de Última Esperanza.
Estes cães protegem
as ovelhas dos ataques
dos pumas.

P U M A S DA PATAG Ó N I A 79
T E X T O D E E VA VA N D E N B E R G
FOTOGRAFIAS DE ANDONI CANELA

PATAGÓNIA CHILENA,
DEZEMBRO,
SEIS DA MANHÃ.
COM INCIPIENTES RAIOS
DE SOL, ABRE-SE
UM NOVO E RADIOSO
DIA DE PRIMAVERA
no Parque Nacional de Torres del Paine. O termó-
metro marca poucos graus acima de zero e alguns
guanacos, acompanhados das respectivas crias,
chamadas chulengos, iniciam o seu dia de pasta-
gem. No céu, um enorme condor dos Andes (a sua
envergadura de asas pode ultrapassar 2,8 metros)
sobrevoa, a grande altura, este território delimi-
tado pela cordilheira dos Andes, observando-a Agachado e furtivo,
em busca de carcaças de animais. Entretanto, um puma aproxima-se
numerosas aves de pequeno porte, como os tor- de um guanaco que
pasta na estepe
dos-patagónicos ou os abibes-austrais, debicam patagónica, ignorando
sementes e insectos entre os arbustos. o perigo iminente.
De repente, num ponto indeterminado deste O factor surpresa será
decisivo para o sucesso
prado alpino, o matagal abana de forma estra- do ataque do felino.
nha. Foi um movimento muito subtil, mas um Os guanacos são
dos guanacos apercebeu-se dele. Adoptando demasiado rápidos
para os pumas
uma postura de alerta, inclina as orelhas para a e vencem-nos
frente, abre a boca e emite o seu peculiar relin- em corrida.
cho. É um alerta para os restantes, revelando
grande inquietação. Depois do aviso, as peque-
nas aves afastam-se a toda a velocidade, tal como
outros animais que se encontram nas imedia-
ções: nandus, tatus, lebres, zorrilhões… Não é o
caso do condor que, a partir da sua posição, a tan-
tos metros de altura, prossegue imperturbável o
seu voo circular, observando a cena terrestre.

80 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
A calma regressa. Os guanacos descontraem-se habilidades de caçadora. A fome aperta. Após al-
e pastam novamente. A fêmea de puma, agachada guns minutos de uma cena que faz lembrar um
sob aquele matagal que quase a denuncia, apro- rodeio, o guanaco cai no solo e expira, com a boca
veita para prosseguir o avanço furtivo. Está de olho do felino cravada no pescoço. Aterrorizada, a fa-
num guanaco que pasta afastado e aproxima-se mília fugiu em debandada.
até ficar a poucos metros. O puma não resistiria a
uma longa perseguição, pois este herbívoro aguen- por um ser
A C E N A F O I AT E N TA M E N T E O B S E RVA DA
ta largos minutos em fuga. Recorrendo ao factor humano que, há quase 20 anos, segue os pumas
surpresa, porém, salta e aborda-o pela traseira, deste paraíso e sabe mais do que qualquer outra
fixando-lhe as garras nos quadris para lhe subir pessoa sobre o seu comportamento. O biólogo
pelas costas até alcançar a garganta, que apertará Diego Araya, director da empresa Wild Patagonia,
com as mandíbulas até cortar a respiração. seguiu, fotografou e filmou várias gerações destes
Em pânico, o guanaco tenta escapar ao preda- felídeos. Com outros colegas, tem sido artífice de
dor, saltando bruscamente para fazê-lo cair, una uma metamorfose que tornou o território do Par-
manobra que por vezes funciona. Nesta ocasião, que Nacional de Torres del Paine e os locais adja-
porém, a robusta felina, aguardada a escassa dis- centes (o Gran Paine) o melhor sítio do mundo
tância pelas suas crias, fez uso de todas as suas para observá-los. (Continua na pg. 86)

P U M A S DA PATAG Ó N I A 81
82 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
E M S E N T I D O H O R Á R I O,
A PA RT I R D O T O P O
ESQUERDO
Um puma acaba de
comer um guanaco,
a sua principal presa.
A peça pode durar
uma semana, mas
quatro ou cinco animais
devoraram toda a carne
em apenas um dia.
Os necrófagos foram
até ao local em seguida
para limpar a carcaça.

Dois nandus,
parentes afastados
da avestruz, parecem
posar em contraluz
diante do maciço Paine.
O puma é um
dos seus principais
predadores.

Entre Novembro e
Fevereiro, em plena
época do cio, as lutas
entre machos pelo
controlo sobre um
harém de fêmeas são
muito frequentes.

À semelhança
de outros ungulados,
os guanacos
formam grupos mais
ou menos numerosos,
consoante o risco de
predação que sintam.

P U M A S DA PATAG Ó N I A 83
Uma fêmea de puma
e a sua cria deslocam-se no
Parque Nacional de Torres
del Paine. Aqui as fêmeas
costumam ter ninhadas
com duas a quatro crias.
Entram no cio em Agosto
e parem três meses após
a cópula, na Primavera.

84 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
P U M A S DA PATAG Ó N I A 85
AMÉRICA
DO NORTE

AMÉRICA
DO SUL

Território histórico
NIA

Território actual
AGÓ
PAT

Terra do Fogo

FELINO COM UMA VASTA


DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA
O Puma concolor tem a área de distribuição
geográfica mais ampla de todos os mamíferos
terrestres autóctones do hemisfério ocidental, com
um território que se estende por 28 países do
continente americano, desde o Yukon, no Canadá, à
Região de Magalhães, na extremidade meridional
do Chile. Ao longo dos 200 anos de colonização
europeia, este felídeo foi eliminado em toda a
metade oriental da América do Norte, à excepção
de uma pequena população na Florida, que se
encontra actualmente em recuperação.

ESTATUTO DE CONSERVAÇÃO DO PUMA

Menor Quase Vulnerável Em perigo Em perigo


“Em nenhum outro lugar se podem observar os
preocupação ameaçado crítico pumas tão bem como aqui em Paine”, assegura.
Diego explica que, para isso ser possível, foi decisiva
a mudança de mentalidade de alguns criadores de
gado das zonas adjacentes ao parque nacional,
nomeadamente as grandes quintas como Cerro
Guido e Laguna Amarga, com milhares de hectares
PUMA (Puma concolor) cada. “No passado os criadores de gado caçavam o
O puma conta com seis subespécies. Torres del Paine
acolhe a subespécie Puma concolor puma. puma no seu território porque este matava as suas
ovelhas. Hoje, os seus trabalhadores assinam um
Estado de conservação
Está classificada como espécie de preocupação contrato que proíbe explicitamente a caça, recebem
menor pela UICN, mas o estado das suas populações
na América Central e do Sul não é bem conhecido.
turismo de natureza nas suas terras e até acolhem
equipas de filmagem, como a BBC, que está a reali-
Habitat
O puma adaptou-se a uma grande diversidade zar um documentário sobre o puma.”
de habitats. Embora prefira territórios com Embora a equipa da cadeia televisiva britânica
sub-bosque, também pode viver em espaços
abertos com uma cobertura vegetal mínima. tenha sido forçada a interromper as filmagens de-

86 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Os cumes nevados
e os glaciares suspen-
sos são habituais nas
zonas altas do maciço
Paine, que se ergue
no coração do Parque
Nacional de Torres
del Paine, lugar ideal
para observar o
puma em ambiente
selvagem. Fundado
em 1959, o parque
abrange uma superfície
de 227.298 hectares.

vido à pandemia, durante a paragem Diego Araya sificar-se, se quiserem sobreviver às diversas
tem observado e filmado para ela os aconteci- crises que possam afectar o território”, explica
mentos mais significativos da vida deste felino o biólogo. “Hoje é a pandemia, que deteve re-
que vive em 28 países do continente americano, pentinamente o sector do turismo, mas amanhã
desde o Canadá ao Chile. “É um sonho tornado pode haver uma crise da lã ou uma seca intensa.
realidade”, assegura o biólogo, para quem a maior A diversificação das actividades económicas é
motivação na vida é captar esses momentos de in- essencial para sobreviver e, graças ao puma, os
teracção e intimidade com a fauna silvestre. proprietários contam com novas ferramentas
Diego Araya e Andoni Canela, autor das foto- para explorar as suas terras, como unidades de
grafias desta reportagem, estiveram várias ve- ecoturismo, que até podem ser instaladas em lo-
zes juntos em Gran Paine e ambos concordam cais pouco adequados à criação de gado.”
que, nesta região do mundo, a coexistência en-
tre seres humanos e pumas não só é possível, PA R A L E L A M E N T E À R E C U P E R AÇ ÃO D O P U M A ,
como também é uma estratégia na qual todos aumentou também a sua presa principal, o gua-
os participantes saem a ganhar. “As explora- naco, protegido para evitar que os criadores de gado
ções ganadeiras devem modernizar-se e diver- o matem por competir com o gado pelo pasto.

P U M A S DA PATAG Ó N I A 87
“O grande conflito entre o ser humano e a fauna
silvestre deve-se ao uso do solo”, diz Diego Araya.
“Começou há apenas um século e meio, quando
os colonos chegaram e impuseram o seu modo de
pensar. Hoje em dia, o objectivo consiste em
devolver terreno à fauna e coexistir. Isso é possível
estabelecendo gradientes no uso do solo, combi-
nando zonas dedicadas à criação de gado com
zonas destinadas à conservação da biodiversidade
e com outras intermédias, onde ambas as funções
convivam de forma harmoniosa. Aqui a população
local assiste, todos os anos, à visita de milhares
de pessoas que procuram uma natureza intacta e
encontros únicos com os pumas. Tudo isto levou
a uma revalorização económica e cultural da bio-
diversidade.”

do guanaco, por
E M B O R A A C AÇ A E A P E R S E G U I Ç ÃO
parte do ser humano, provoque uma aparente
diminuição da concorrência pelo pasto com as
ovelhas, “ela redirecciona a pressão da predação
do puma, orientando-a para estas últimas”, subli- Dois jovens pumas
nha Juan Traba, investigador do Grupo de Ecologia descansam ao fim da
Terrestre do Departamento de Ecologia da Univer- tarde. Têm dois anos e
tornaram-se indepen-
sidade Autónoma de Madrid (UAM) e especialista dentes há pouco.
nas interacções estabelecidas entre os animais Os irmãos permanecem
num determinado habitat. Por outro lado, afirma, juntos, mas irão
separar-se gradual-
“os esforços para matar pumas facilitaram a recu- mente. As fêmeas
peração dos guanacos, num círculo interminável ocuparão parte do
de acção-reacção. Parece mais razoável e ecologi- território da progeni-
tora ou permanecerão
camente adequado manter populações silvestres nas imediações, mas os
sãs de herbívoros e predadores, apesar dos confli- machos afastar-se-ão,
tos pontuais que possam surgir”. levando uma existência
solitária.
Juan tem estudado aprofundadamente o gua-
naco na Patagónia e acredita que a coexistência
entre herbívoros silvestres e domésticos e os
seus predadores é possível, embora exija uma
mudança do modelo ganadeiro. “O actual mo- pelo roubo de cabeças de gado. “Vale a pena”,
delo hiperextensivo de exploração, sem limite assegura o ecologista.
de espaço, nem de cabeças de gado, resulta na
sobreexploração dos pastos e na eliminação de Diego Araya focou o
AT RAV É S D O S E U B I N Ó C U LO,
qualquer espécie concorrente. É necessário ou- local onde a fêmea de puma abateu um guanaco,
tro modelo que dedique mais esforços ao cuida- o lugar do desmanche ao qual acorreram as suas
do dos rebanhos. Que os vá mudando de sítio, crias, nascidas na Primavera passada e que rapi-
controle as épocas e zonas de parto e incorpore damente se tornaram independentes, aprovei-
medidas contra a predação, como currais noc- tando a época do ano com maior abundância de
turnos e a vigilância com cães de guarda.” Em- alimento. A progenitora e as crias mantêm-se
bora essas medidas impliquem, aparentemente, alguns dias juntas da presa alternando os banque-
um aumento dos custos, os criadores de gado tes com longas sestas durante os quais alternarão
que optaram por elas têm reduzido os prejuízos os banquetes com longas sestas e uma ou outra
associados à predação, por abortos das fêmeas escapada até ao lago para saciar a sede. Não há
(directamente provocados pelos ataques ou vegetação em redor para ocultar o cadáver e, por
pelo impacte emocional por eles causado) e, até, isso, não se afastarão demasiado do local onde jaz

88 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
a sua fonte de alimento. Sobre as suas cabeças, onde também sejam respeitados. “Está a fazer-se
vários condores sobrevoam-nos, em círculos, inte- algo parecido nos parques nacionais do Norte da
ressados na volumosa carcaça. Se vissem que era Patagónia, na região chilena de Aysén, nos enor-
seguro descerem, poderiam devorá-la num ápice. mes territórios doados por Douglas Tompkins”,
Ao longo dos últimos 20 anos de observações, disse. “Mas a única forma de ligar o Gran Paine
Diego acumulou uma enorme quantidade de da- a Aysén é através da província de Santa Cruz, na
dos sobre os pumas, que lhe permitiram reescre- Argentina, onde ainda se caçam pumas.”
ver com muito mais precisão a história natural Apesar de tudo, Diego Araya e os seus compa-
deste felídeo. “Muitos dados eram desconhecidos nheiros de profissão confiam que aquilo que al-
e outros tantos diziam respeito a populações do cançaram em Gran Paine servirá de inspiração a
hemisfério norte e não se aplicam aqui.” Agora, o outros humanos que, tal como eles, verão, em pri-
seu sonho passa por alargar o sucesso desta histó- meira mão, que as relações com a fauna silvestre
ria de conservação de Gran Paine a outras regiões podem restabelecer-se de forma satisfatória para
e pela criação de corredores biológicos para que todas as partes implicadas. Sonho louco e utó-
as duas centenas de exemplares que devem exis- pico? “Já se conseguiram vitórias mais difíceis”,
tir na região se expandam para outros territórios afirma o biólogo. Há que dar tempo ao tempo. j

P U M A S DA PATAG Ó N I A 89
H I S TÓ R I A D E S U C E S S O
mo. Além disso, há vários anos que cria cães de
guarda, sobretudo de duas raças: pastor dos Pire-
néus e pastor de Maremma, este último originário
dos Alpes Italianos.
José Antonio explica-me a origem da ideia:
TEXTO E FOTOGRAFIAS
“Surgiu por necessidade. Estávamos desespera-
DE ANDONI CANELA dos por não conseguirmos criar ovelhas. Os ata-
ques dos pumas eram constantes. Investigando

DOS PIRENÉUS
a experiência noutros locais, deparámo-nos com
a solução: cães de guarda. Há que escolher bem
a raça e criar os cães correctamente para que se

À PATAGÓNIA
adaptem bem ao rebanho e ao terreno. Em segui-
da, a sua eficácia é enorme e a protecção do gado
está garantida.” O processo de criação é funda-
mental: “A progenitora dá à luz entre o rebanho
C Ã E S D E G U A R D A , F E R R A M E N TA S e passa as primeiras semanas junto dos cachorros
VA L I O S A S D E C O N S E R VA Ç Ã O no curral, convivendo com as ovelhas.” Isso deixa
uma marca básica nos cães, que se sentem parte
do rebanho, e leva-os a proteger as ovelhas como
Tive oportunidade de viajar até ao Sul da Patagó- se fossem a sua própria família. Passadas algu-
nia em diversas ocasiões. É um território lendá- mas semanas, a progenitora abandona o estábulo
rio, onde a estepe e as montanhas criam paisa- e as crias ficam sozinhas com as ovelhas. Em pou-
gens magnéticas e onde o vento parece dar forma cos meses, estes cachorros transformam-se em
a tudo. Das últimas vezes, o meu destino foi a autênticos cães de guarda.
província chilena de Última Esperanza e o meu Recentemente, voltei a encontrar José Anto-
objectivo principal era o puma. nio Kusanovic. Orgulhoso do seu trabalho como
Há seis anos, encontrei ali um animal de quatro como criador de cães, explicou-me como evoluiu
patas e peludo que me surpreendeu. Não estava na criação de pastores: “Já criei e entreguei qua-
à espera de encontrá-lo naquelas latitudes. Fiquei se 500 cães pastores no Chile, na Argentina e no
espantado por vê-lo na estepe patagónica: o que Uruguai. Alguns até viajaram para os Estados
faria ali? Seria mesmo o que eu estava a pensar? Unidos. Em todos esses países, os cães estão a
Após alguns momentos de dúvida, tive a certeza evitar o ataque dos pumas às ovelhas.”
de que se tratava de um pastor dos Pirenéus. Mui- Agora, o Parque Nacional de Torres del Pai-
tos anos antes, vira pela primeira vez esta raça ne está repleto de cães pastores. Os pumas rara-
protegendo rebanhos de ovelhas no Norte de Na- mente se aproximam do gado e, por isso, os ga-
varra, a minha terra natal, entre os pastos e bos- nadeiros não sentem necessidade de abatê-los.
ques dos vales de Roncal, Salazar e Aézcoa. Tam- Da última vez que vi José Antonio Kusanovic, ele
bém o encontrara nos vales vizinhos de Hecho e contou-me uma história recente que diz muito
Ansó, nos Pirenéus Aragoneses. Mas o que fazia sobre a eficácia e a importância dos cães pastores:
na Patagónia? Durante séculos, os pastores dos Pi- “Na nossa quinta em Torres del Paine, tínhamos
renéus tiveram por missão proteger o gado ovino uma cadela pastora. Durante os dez anos em que
dos ataques de lobos, ursos e outros animais sel- viveu, os pumas não mataram uma única ovelha.
vagens – e também de ladrões de rebanhos. São Depois de a cadela morrer, os pumas abateram 27
cães grandes e fortes (podem pesar quase 100 qui- ovelhas em duas semanas. Há pouco tempo, levei
logramas), embora dóceis e muito inteligentes. para lá um cachorro de seis meses e, até hoje, não
Hoje em dia, são muito apreciados e utilizados morreu mais nenhuma ovelha.” j
como cães de guarda em diversos países.
Foi no encontro com aquele pastor que conheci Os cães de guarda revelaram-se eficazes na Patagó-
nia. Em cima, um jovem cão de guarda, fruto do
José Antonio Kusanovic. Homem multifacetado cruzamento entre um pastor dos Pirenéus e um
e possuidor de grande carisma, trabalha no cam- pastor de Maremma italiano, com o rebanho que
po, tal como a sua família fez ao longo de gera- defenderá em caso de ataque de um puma. À direita,
crias de pastor dos Pirenéus. Ao conviverem com
ções. Dedica-se à criação de gado, mas também ovelhas desde pequenos, os cães integram-se no reba-
desenvolve actividades relacionadas com o turis- nho e desenvolvem um forte instinto de protecção.

90 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
P U M A S DA PATAG Ó N I A 91
N OTAS | DIÁRIO DE UM FOTÓGRAFO

VISTOS A
PARTIR DO SOLO
CONFINADO EM QUARENTENA NA REGIÃO
HOLANDESA DE VELUWE, UM FOTÓGRAFO
E STUDA OS FUNGOS DO SEU JARDIM
E DA S F L O R E S TA S E M R E D O R .

T E X TO E F OTO G R A F I A S D E JAN VERMEER

92 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Uma das espécies
de cogumelo silvestre
mais conhecidas,
Amanita muscaria, é
a preferida do fotógrafo
e ele ficou maravilhado
por descobri-la no
seu quintal e no
quintal do vizinho.

93
Quando a luz incide sobre o chapéu da Amanita muscaria,
o padrão da área inferior do fungo assume um brilho vibrante.
A espécie é famosa por ser tóxica e psicoactiva.

94 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Este pequeno cogumelo roxo, denominado Ramariopsis pulchella, crescia na província
de Gelderland, na fronteira entre os Países Baixos e a Alemanha. Os grupos de
conservação europeus estão a vigiá-lo, pois é possível que se encontre ameaçado.

V I STO S A PA RT I R D O S O LO 95
96 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Para acasalar, um cogumelo
Schizophyllum commune
só precisa de tocar com
o seu micélio fibroso noutro
cogumelo para que as células
se liguem. Esta espécie pode
ter dezenas de milhares
de tipos de parceiro,
conseguindo reproduzir-se
com os compatíveis.

V I STO S A PA RT I R D O S O LO 97
N OTAS | DIÁRIO DE UM FOTÓGRAFO

O S F U N G O S S ÃO B O N S I N D I C A D O R E S D O E S TA D O D E U M A F LO R E S TA :
S E S E D E S E N V O LV E M , O M E S M O A C O N T E C E
A M U I TA S O U T R A S F O R M A S D E V I DA .

para captar ima-


JÁ V I A J E I P O R TO D O O MU N D O árvores – material que pode servir de alimento
gens da natureza e dos seus ecossistemas. Em aos cogumelos – estão a ser removidos de algu-
Março de 2020, quando a pandemia atingiu os mas florestas holandesas. Com o aumento das
Países Baixos onde vivo, fiquei em casa como centrais de biomassa, esse material pode ser
todas as outras pessoas. Foi então que comecei a transformado em energia. No entanto, caso se ve-
reparar nos fungos que cresciam no meu quintal rifiquem perturbações no ciclo florestal, no qual
e no meu bairro. a matéria apodrecida gera novo solo, o resultado
O facto de os fungos prosperarem com a hu- poderá ser a redução da diversidade de fungos e
midade tornou-se muito claro para mim no Ou- efeitos secundários em todo o ecossistema.
tono de 2019, uma estação durante a qual ocor- No meu quintal, vi diversos cogumelos cres-
reu nos Países Baixos um volume excepcional cerem e mudarem ao longo das estações. Os
de precipitação. meus preferidos são Amanita muscaria, com
No entanto, talvez a madeira morta seja mais os pés brancos e chapéus vermelhos garridos.
importante para os fungos do que a humidade. Fiquei encantado por descobrir este cogumelo
A madeira apodrecida contém nutrientes que com bolinhas, mas o meu vizinho tinha exem-
penetram no solo e, por sua vez, podem ajudar plares ainda mais bonitos. Pedi-lhe que, quando
os microrganismos, os fungos e os insectos. cortasse a relva, os contornasse, para eu captar
Toda a cadeia alimentar colhe benefícios. À vol- uma fotografia – a primeira desta reportagem.
ta de minha casa, depósitos de madeira rema- Com menos fungos, a floresta terá menos
nescentes da extracção de madeira do passado riqueza ecológica e será mais aborrecida.
enriquecem o solo e suportam a biodiversidade. Por isso, estou sempre ansioso pela humidade
A situação poderá vir a mudar. Para efeitos de do Outono para ver como estes organismos vão
prevenção de incêndios, os ramos, os galhos e as voltar a crescer. j

Com um máximo de seis centímetros de altura, o Xylaria hypoxylon é popular-


mente conhecido como chifre-de-veado ou pingo-de-vela.

98 N AT I O N A L G E O G R A P H I C
Í N D I C E | 2020

JANEIRO JULHO
A dor 2 Evereste, tecto do mundo 2
Saúde feminina 32 A crise da água 28
Longevidade 42 Stupas 52
Ioga 60 Leopardo-das-neves 62
Anatomia patológica 74 Algas 94
Sundarbans 82 Quarentena 104
Araras 92 MAPA-SUPLEMENTO:
EVERESTE

FEVEREIRO AGOSTO
Área Marinha Protegida de Avencas Batalha do Bussaco
Beleza moderna 2 Pandemia do passado 2
Arquitectura animal 28 A crise da água na Índia 36
A história do Clotilda 46 Negócio do Além 58
Flamingos 72 A dinâmica da morte 72
Cardamomo 88 Chimpanzés do Uganda 78
Metrópole confinada 92
MAPA-SUPLEMENTO:
A TERCEIRA INVASÃO FRANCESA

MARÇO SETEMBRO
Lixo 2 Robots 2
Abelhas 28 Mares Prístinos 32
Raparigas de Chibok 40 Avestruzes 48
Lince-ibérico 54 Gdansk 64
Pioneiras 68 Um ano sem gelo 76
Incêndios florestais 90 Leões-marinhos da Califórnia 96
Luz em lugares estranhos 104

ABRIL OUTUBRO
Guia do optimista O fogo e a arqueologia em Vouzela
Caminho para 2070 2 Dinossauros 2
Carros eléctricos 26 Indestrutíveis 46
50 anos do Dia
da Terra 40 Necrópole romana 70
Guia do pessimista Harpias 86
Um mundo perdido 2 Stranger Fruit 98
O mundo em 2070 26
50 anos de estragos 34

MAIO NOVEMBRO
Grafeno Pragas e pestes no mundo
O fim dos insectos 2 Pandemia na Bélgica 2
Pandemia de COVID-19 26 Repensar a ciência 16
Autismo 36 Pandemia na Indonésia 26
A família Tompkins 62 Repensar a natureza 36
A caça dos inuit 84 Pandemia na Jordânia 50
Hubble 94 Repensar a cultura 70
Retratos de família 80

JUNHO DEZEMBRO
Segunda Guerra Mundial 2 Lousada
Hiroxima 34 Grandes Lagos 2
Pinguins 42 Canções de embalar 30
Parque Marinho da Arrábida 56 A noite do Árctico 56
Democracia no feminino 66 Pumas da Patagónia 76
Biomimetismo 86 Cogumelos 92
Coronavírus 102
MAPA-SUPLEMENTO: LOUSADA
NA ROTA DA SUSTENTABILIDADE
N AT I O N A L G E O G R A P H I C | NA TELEVISÃO

Os Segredos
Enterrados de Keros
E S T R E I A : 6 D E D E Z E M B R O, À S 2 3 H 2 0

Em Dezembro, o National Geographic estreia um


documentário que acompanha uma viagem de
investigação ao coração do mar Egeu. Este docu-
mentário desenrola-se em Keros, uma ilha desabi-
À Beira da Tempestade tada no arquipélago das Cíclades. Neste cenário
pitoresco de águas quentes do Mediterrâneo, uma
E S T R E I A : 1 4 D E D E Z E M B R O, À S 2 2 H 1 0
equipa de arqueólogos desvenda aquele que poderá
Uma nova série aborda as tempestades mais ser o mais antigo santuário marítimo do mundo.
agressivas do planeta, através da experiência dos Em 2500 a.C., a ilha acolheu uma comunidade
agentes sociais que trabalham nas principais pujante que, durante dois mil anos, influenciou o
regiões afectadas por furacões. Através de
mundo grego. As suas características estátuas de
centenas de câmaras incorporadas em navios e
plataformas petrolíferas, sabe-se hoje mais do que mármore influenciaram pintores como Pablo Picasso.
nunca sobre a formação das maiores tempestades O mistério de Keros parecia resolvido até uma equipa
e furacões em alto-mar. de arqueólogos subaquáticos começar a mergulhar…

Atlas dos Locais O escritor e aventureiro Sam Sheridan viaja pelo

Ameaçados mundo à procura dos locais mais amaldiçoados


do planeta. Com tecnologia de ponta, Sam explora
ESTREIA: 27 DE as histórias assustadoras, tradições e costumes
D E Z E M B R O, À S 2 2 H 3 0 . mais fascinantes de cada região, revelando
TO D O S O S D O M I N G O S . o lado macabro de muitos mitos.

FOTOGRAFIAS DE NATIONAL GEOGRAPHIC


Wild Winter
D OM I N G O S A PA RT I R DA S 1 7 H

O Inverno chegou finalmente ao National Geo-


graphic Wild. Estejam ou não preparados, preda-
dores e presas de todos os tamanhos têm de
enfrentar a estação mais dura e implacável do
ano. Alguns agarram-se à vida nestes meses mais
difíceis, procurando passar despercebidos. Outros
encontram oportunidades para prosperar no frio
e no gelo. Em pano de fundo, estão os ecossistemas
mais frágeis do planeta, onde uma escassa alte-
ração de temperatura pode ter também repercus-
sões dramáticas na luta por alimento, abrigo ou
poiso para reprodução. Em todos os domingos
de Dezembro haverá programação especial sobre
o Inverno selvagem, documentando como a vida
selvagem de todo o globo luta com garra para
sobreviver ao frio, ao gelo e à neve.

Secrets of the No dia 2, estreia uma nova série que explora o lado
selvagem da Florida, acompanhando tudo o que
Zoo: Tampa acontece no Jardim Zoológico de Tampa, desde a
entusiasmante chegada de novos animais à triste
E S T R E I A : 2 D E D E Z E M B R O, despedida de outros, passando pelos adoráveis
ÀS 17 HORAS recém-nascidos e por incríveis predadores residentes.

TERRA MATER FACTUAL STUDIOS (EM CIMA E AO CENTRO);


NATIONAL GEOGRAPHIC (EM BAIXO)
P R Ó X I M O N Ú M E R O | JANEIRO 2021

Um rio com Corpos Vidas infantis Mordeduras


amplos direitos em marcha roubadas que matam
Há três anos, a Nova Os animais terrestres No Bangladesh e na Todos os anos dezenas
Zelândia atribuiu ao rio desenvolveram inúmeras província indiana de de milhares de africanos
Whanganui, venerado formas de locomoção. Bengala Ocidental, morrem por culpa de
durante séculos pelos Com a ajuda de milhares de crianças são mordeduras de serpente.
maori, os mesmos ilustradores, revelamos vítimas de abuso sexual. Nem sempre é fácil
direitos legais de uma como espécies muito Duas delas explicam- receber tratamento
pessoa. O que implica diferentes progridem -nos como foram forçadas médico ou encontrar
essa decisão? com eficiência. a exercer a prostituição. um antídoto.

N AT I O N A L G E O G R A P H I C MATHIAS SVOLD
História Juvenil


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