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APRESENTAÇÃO

Atravessamos juntos uma temporalidade. Tempos difíceis... onde o


tensionamento de um existir juntos, muitas vezes é tomado como afronta
ou mimimi... Para se fazer a travessia nessa temporalidade, nos são
necessários aliados... Sim, aliados... que possam compor conosco
a afirmação de formas singulares de existência, que possam compor
outros mundos por vir, dentro deste mundo que inventamos até aqui.
Precisamos de aliados para nos desvencilharmos das forças que nos
separam do que podemos, forças que menosprezam o que funciona como
potência para nosso corpo/pensamento. Aliados para compor
um esburacamento naquilo que normatiza e normaliza a vida, a arte, a
educação, fissuras naquilo que as fecha em uma única possibilidade de
existência, as quais, muitas vezes contribuímos para repetir e reforçar.
Esburacar, de modo a abrir espaços onde possam pulsar as polifonias que
escapam as formas pré-estabelecidas.
Segundo Skliar “a fala, a leitura e a escrita procedem e advêm de
certo tipo de experiência de desobediência da linguagem. Se a linguagem
não desobedecesse e se não fosse desobedecida não haveria filosofia,
nem arte, nem amor, nem silêncio, nem mundo, nem nada”
(SKLIAR, 2014, p. 17). Desobediência como forma de artistar (CORAZZA,
2013) como invenção de outros modos de coexistir, de existir juntos, não
de forma apaziguada onde todos são trazidos para um mesmo lugar, para
um consenso, mas que tome a multiplicidade e o dissenso como fagulha
de criação de outras possibilidades de vida, de arte e de educação.
Coexistir... Existir juntos... Estar juntos... Mesmo que isso signifique
‘não estar à vontade’ (SKLIAR, 2014). Estar e fazer coisas juntos, ‘com’...
Nem ‘sobre’ o outro, nem ‘para’ o outro, ‘com’ o outro... Deixar-se afetar
pelo tremor dos encontros... Inventando formas desobedientes de
existência, capazes de curto-circuitar os funcionamentos que
operam homogeneizações, modos repetidos e enfadados de existência
que não se deixam afetar pelos encontros com o outro, com aquilo que
não conhecem. Investir potências de criação que nos permitam recuperar
uma força vital de existir e inventar-nos em meio a vida.
Convidamos a todas/os, nesta 6ª da Semana de Artes Visuais, a
compor uma polifonia de vozes, um encontro onde uma multiplicidade de
gestos e existências possam conversar e produzir/inventar coisas juntos.
Convidamos a pensar: O que temos feito germinar em meio aos
tensionamentos de um existir juntos? Que estratégias de desobediência
temos inventado, frente aquilo que diminui nossa potência de agir? Como
temos mobilizado modos singulares de existir e fazer existir a arte e a
educação?

Referências:

CORAZZA, Sandra Mara. O que se transcria em educação? Porto


Alegre: UFRGS; Doisa, 2013.

SKLIAR, Carlos. Desobedecer a linguagem: educar. Tradução Giane


Lessa. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não


cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.
PROGRAMAÇÃO GERAL

5.NOV.2018 – SEGUNDA-FEIRA

HORÁRIO/
PROGRAMAÇÃO
LOCAL

Credenciamento
Coord: Profª. Ma. Eva Alves Lacerda e
10h
Profª. Ma. Rosiane Cristina de Souza
Auditório e
Salas de Aulas
Oficinas
Coord: Profª. Dra. Francieli Regina Garlet

13h30min Apresentações Culturais


Auditório Coord: Profª. Dra. Eloísa Amália Bergo Sistito

Cerimonial de Abertura
Coord: Profª. Ma. Kiyomi Hirose
14h
Palestra de Abertura
Auditório
Prof. Me. Renato Barros de Almeida (UNICAMP)
“Arte, cidade e politica - poéticas, tensionamentos e confrontações”
Coord: Profª. Ma. Luane Maciel Freire

16h30min Oficinas
Salas de Aula Coord: Profª. Ma. Aletheia Alves da Silva

6.NOV.2018 – TERÇA-FEIRA

HORÁRIO/
PROGRAMAÇÃO
LOCAL

8h Sessão de Comunicações Orais


Auditório Coord: Prof. Lucas Men Benatti

Palestra
Prof. Dr. João Paulo Baliscei (UEM)
10h30min
“A construção visual das masculinidades na animação Aladdin (1992),
Auditório
da Disney – Coexistências e Desobediências”
Coord: Profª. Ma. Eva Alves Lacerda

13h30min Apresentações Culturais


Auditório Coord: Profª. Dra. Eloísa Amália Bergo Sistito
Roda de Conversa
Profª. Dra. Sheilla Patrícia Dias de Souza (UEM) e
14h
o artista Tadeu dos Santos
Auditório
“Coletivo Kókir – arte contemporânea, indígena e compartilhada”
Coord: Profª Dra. Eloísa Amália Bergo Sistito

16h30min Exposição “As distâncias aproximam”


Salas de Aula Coord: Gregório Balielo

7.NOV.2018 – QUARTA-FEIRA

HORÁRIO/
PROGRAMAÇÃO
LOCAL

8h Sessão de Comunicações Orais


Auditório Coord: Profª. Ma. Eva Alves Lacerda

Palestra
Prof. Me. Vinícius Stein (UEM)
10h30min
“Tempo e espaço para Arte na escola – possibilidades com a formação
Auditório
de professores”
Coord: Profª. Dra. Eloísa Amália Bergo Sistito

13h30min Apresentações Culturais


Auditório Coord: Profª. Dra. Eloísa Amália Bergo Sistito

Palestra
14h Artista André Azevedo
Auditório “Texto quer dizer tecido”
Coord: Profª. Ma. Aletheia Alves da Silva

15h30min Exposição “Eu, o eu e o outro”


Salas de Aula Coord: Gregório Balielo

16h30min Oficinas
Salas de Aula Coord: Profª. Dra. Francieli Regina Garlet

8.NOV.2018 – QUINTA-FEIRA

HORÁRIO/
PROGRAMAÇÃO
LOCAL

8h Sessão de Comunicações Orais


Auditório Coord: Profª. Ma. Luane Maciel Freire
Mesa Redonda
Profª. Dra. Ludmila Castanheira (UEM) e a artista Elisa Riemer
10h30min
“Arte, Vida e Feminismos – deambulações artísticas em tempos de
Auditório
crise”
Coord: Profª. Dra. Roberta Stubs Parpinelli

13h30min Apresentações Culturais


Auditório Coord: Profª. Dra. Eloísa Amália Bergo Sistito

Palestra
14h Profª. Cristiane Pereira Inokuma
Auditório “Gravura e suas possibilidades na arte-educação”
Coord: Profª. Ma. Luane Maciel Freire

15h30min Exposição “Os imos deslocamentos”


Salas de Aula Coord: Gregório Balielo

16h30min Oficinas
Salas de Aula Coord: Profª. Ma. Rosiane Cristina de Souza

9.NOV.2018 – SEXTA-FEIRA

HORÁRIO/
PROGRAMAÇÃO
LOCAL

8h Sessão de Comunicações Orais


Auditório Coord: Prof. Me. Vinícius Stein

Palestra
Prof. Dr. Cristian Poletti Mossi (UFRGS)
10h30min
“Povoamentos entre docência e criação – traçados com arte, educação,
Auditório
filosofia e outros afetos”
Coord: Profª. Dra. Francieli Regina Garlet

13h30min Apresentações Culturais


Auditório Coord: Profª. Dra. Eloísa Amália Bergo Sistito

Palestra
14h Prof. Dr. Rodrigo Pedro Casteleira (UEM)
Auditório “Das linhas emaranhadas como possibilidades de (r)existência estética”
Coord: Prof. Gustavo Barrionuevo

16h30min Oficinas
Salas de Aula Coord: Profª. Dra. Francieli Regina Garlet

Palco Livre
Coord. pelo Centro Acadêmico de Artes Visuais
18h30
Ação Artística
Em frente a BCE
Nós de (dor)mência e germina(ação)
Coord: Profª. Dra. Francieli Regina Garlet e
Profª. Dra. Eloísa Amália Bergo Sistito
SUMÁRIO

COMUNICAÇÕES ORAIS

A REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES NO BARROCO E NOS


10
RETRATOS BRASILEIROS: IMPLICAÇÕES PARA A SUBJETIVIDADE

A TRANSESTÉTICA POR MEIO DO DESIGN DE MOBILIÁRIO DE


15
MAURÍCIO ARRUDA E SÉRGIO MATOS

AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO


21
NÃO FORMAL

AULAS-EXPOSIÇÕES: O PAPEL DO PROFESSOR EM ANALOGIA AO


37
DO CURADOR NA CONSTRUÇÃO DE UM OLHAR CRÍTICO

BLOW UP (1996): A UTILIZAÇÃO DA FOTOGRAFIA PELA IMAGEM


42
CINEMATOGRÁFICA COMO REPRESENTAÇÃO DO REAL

DISPARANDO VIRTUALIDADES NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA


MEDIAÇÃO ENTRE ALUNO E PROFESSOR NA CONSTRUÇÃO 52
DOCENTE

DOR E SOFRIMENTO NO PROCESSO CRIATIVO 67

DRAGSPEAK: A DESOBEDIÊNCIA DA HETERONORMATIVIDADE


PELO DISCURSO E PERFORMANCE DRAG EM “RUPAUL’S DRAG 81
RACE”

EU QUERO IMAGINAR 87

FLOR-AÇÕES: UMA SÉRIE POÉTICA 92

IMAGENS RECEBIDAS NO COTIDIANO DAS CRIANÇAS:


97
SINGULARIZAÇÃO A PARTIR DE IMAGENS ESTEREOTIPADAS

LINHAS RUBRAS DE UMA VIDA PRETA 112

O ENSINO DAS ARTES VISUAIS COMO DISPOSITIVO DE


116
DESLOCAMENTO DAS FRONTEIRAS DO VER E FAZER

O FENÔMENO DA TRANSESTÉTICA EM “PLÁSTICO” DE EDGAR 131

OBSERVAÇÕES ACERCA DO APRENDER NAS INTERAÇÕES DE


136
VIVÊNCIA ENTRE ESTAGIÁRIO/ALUNO

PANDEMONIA: NOTAS SOBRE UMA DRAG QUEEN E A ARTE POP 152


PENSANDO UMA EDUCAÇÃO MENOR: A POSSIBILIDADE DO
163
DEVIR-CRIANÇA COMO LINHA DE FUGA

POR UMA EDUCAÇÃO PARA/DA DIFERENÇA: ALTERIDADE,


179
DOCÊNCIA E FAZER ARTÍSTICO

ROLÊ 193

SOUTH PARK E O ESTADO ISLÂMICO: A LINGUAGEM AUDIOVISUAL


199
COMO FORMA DE DESOBEDIÊNCIA E RESISTÊNCIA

UMA ANIMAÇÃO DE LENORE E THE RAVEN DE EDGAR ALLAN POE:


PODE A CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA DIGITAL DESOBEDECER A 205
ARTE LITERÁRIA?

UMA EXPERIÊNCIA NO ESTÁGIO: O ENSINO DE ARTE COMO


209
LUGAR DE FALA

UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR: EDUCAÇÃO AMBIENTAL, OS


225
PLÁSTICOS, AS ARTES E A METODOLOGIA TRIANGULAR

VIVÊNCIAS E REFLEXÕES NOS PRIMEIROS PASSOS DOCENTES


240
NO ESPAÇO ESCOLAR

ENSAIOS VISUAIS

A TRANSMUTAÇÃO DO ABSTRATO 256

AS COISAS QUE NÃO EXISTEM SÃO MAIS BONITAS 261

CAROL, VERSÕES DE SI 265

COLETA DE MEMÓRIAS, COLEÇÃO DE AFETOS 268

DELÍNEO 273

DESCONTENTAMENTOS: EXPERIÊNCIAS DE UMA ARTISTA-


278
GRADUANDA-DOCENTE

DESFAÇA 283

DEVIR-OUTRO: PINTURAS INTERATIVAS E ESCRITAS POÉTICAS 287

DIÁRIO DE UM ABACAXI 294

DOCILIDADES FRAGMENTADAS: MARCANDO NOVOS CAMINHOS DE


297
EXISTÊNCIA
EM BRANCO 301

ENTRE A PRESENÇA E A AUSÊNCIA 304

ENTRELAÇOS 309

ENTRELAÇOS DE VIVÊNCIAS 313

EU TE DAREI O CÉU MEU BEM 317

FLOR-AÇÕES: UMA SÉRIE POÉTICA 322

PRODUÇÃO INTUITIVA: ORÁCULO SAGRADO DAS ÁRVORES 325


COMUNICAÇÕES ORAIS
A REPRESENTAÇÃO DAS MULHERES NO BARROCO E NOS RETRATOS
BRASILEIROS: IMPLICAÇÕES PARA A SUBJETIVIDADE

Ana Hainosz (UEM)


Roberta Stubs (UEM)
ana.hainosz@gmail.com

Resumo
O presente trabalho aborda a questão da representação das mulheres na arte
brasileira dentro do período barroco e nos retratos do período neoclássico, e objetiva
apresentar as relações sobre como estas representações pode afetar a subjetividade
das mulheres e a manutenção da sociedade patriarcal, além da importância de se
pensar a imagem como uma linguagem que também transcreve ideais. Busca-se
realçar a importância de se ter uma representatividade que possibilite a movimentação
das subjetividades, que não padroniza e enrijece as existência como fazem as
imagens que temos acesso no dia a dia. Sendo assim, fica o convite para reflexões
acerca de como as imagens podem nos afetar.

Palavras-chave: Representação. Mulher na arte. Arte brasileira.

A presença da mulher na arte

Por muito tempo as mulheres artistas estiveram apagadas na história da arte,


sua presença sempre se fez através das representação dos nus ou então em temas
ligados à religião na representação de Maria.
Segundo Andrea Senra Coutinho (2009), no renascimento algumas artistas
ganharam notoriedade, como por exemplo: Lavínia Fontana (1552/1614) e Artemísia
Gentileschi (1593-1652), porém, foi só perto do século XX que a trajetória artística
publica das mulheres se fez presente, e ainda muito rechaçadas pelos colegas, pela
crítica e pela população.
Entre os séculos XVII e XVIII, nas instituições de ensino francesas e brasileiras
as mulheres não podiam participar das aulas de modelos nus, e, era justamente esta
que dava o mérito e o reconhecimento aos estudantes, ou seja, não as assistindo à
elas não era dado o título de artista.

10
Já no século XX, com as vanguardas modernistas, assistimos o enfraquecimento das
doutrinas acadêmicas, assim as mulheres tiveram acesso aos cursos, mas ainda
dependiam da ligação do seu nome à uma figura masculina para estar no mundo
artístico.
Foi apenas na década de 60, com o movimento feminista reivindicando uma
história que estabelecesse heroínas, que o campo artístico das mulheres passou a
ser objeto de investigação e pesquisa. As produções das artistas, que prenunciaram
inquietações sobre suas condições, colocavam em pauta o papel da mulher entre
estereótipos e liberdades individuais. (COUTINHO, 2009)
Ou seja, até os anos 60 as mulheres apareciam nas produções artísticas
apenas como personagem, como o motivo, elas eram representadas por terceiros
que podiam usar e abusar da sua imagem para fazer passar seus pensamentos e
ideias, fossem eles libertários ou conservadores.
Sendo assim, trago neste resumo expandido algumas reflexões sobre as ideias
que determinaram a representação das mulheres nas pinturas barrocas e nos retratos
neoclássicos brasileiros. Neste sentido é pertinente pensar o acesso às imagens como
algo que afeta a nossa existência e a compreensão do que somos e do que podemos
ser.
Por isto pensar a maneira como foi feita a representação das mulheres nas
pinturas brasileiras nos possibilita refletir sobre como a sociedade doutrinava o que
elas deveriam ser e como deveriam se portar.

Representação das mulheres na arte brasileira

Cristina Costa (2002) considera que aquilo que chamamos de arte brasileira,
em função do forte colonialismo no Brasil e pela falta de zelo com a arte indígena, é
construído aos moldes europeus. O primeiro movimento nacional de arte foi o Barroco,
introduzido pelos religiosos por volta do século XVII. As obras produzidas eram
bastante religiosas, e, se o catolicismo reforça a naturalização da submissão feminina,
como ficava então a representação das mulheres?

11
As obras inspiradas no antigo testamento retratavam a manifestação
inquestionável do poder de Deus diante de uma humanidade subalterna e submissa.
Aqui a imagem da mulher aparece como coadjuvante, ou, para fazer referência
explicita sobre os perigos da natureza feminina, como a sedução, ambição e
desobediência. Assim, é imortalizada uma imagem da mulher frívola, pecadora,
responsável pelos castigos divinos sobre os mortais.
Já nas obras inspiradas no novo testamento é honrado um Deus que nasceu
de uma virgem, que não teve relações sexuais, não se casa e não procria, portanto,
não possui descendentes. Aqui percebemos a presença mais significativa da mulher,
valorizadas agora por suas qualidades parecidas inerentes como a castidade,
obediência e pureza. Já nas obras que trazem os retratos das autoridades da igreja
algumas figuras femininas aparecem, como a Santa Clara e a Santa Bárbara, e,
mesmo sendo menos que os homens elas ostentam alguma majestade.
Outra temática das pinturas é a do culto mariano, este realizava diferentes
invocações e devoções ligadas a Nossa Senhora. Sua produção pictórica apresenta
um culto dedicado a uma “[...]divindade feminina boa e poderosa, cujos principais dons
estão ligados à condição de mãe, capacidade de dar à luz à um Deus [...]” (COSTA,
2002, p.70).
Estas representações refletem na sociedade com uma idealização da mulher e
uma imposição de como ela deve ser e agir, tolhendo sua liberdade em nome de uma
presença obrigatoriamente bela, recata e do lar. Assim, estas pinturas baseadas em
representações bíblicas se configuram como um dispositivo de controle sobre os
corpos das mulheres que somente são aceitas quando boas e exercendo função
unicamente reprodutiva.
Além da arte voltada para a sacralidade, Costa (2002) analisa também a
imagem da mulher nas temáticas de pinturas brasileiras do século XIX, no contexto
do neoclassicismo trazido pela missão artística francesa: as cenas de costumes, os
nus artísticos e os retratos.
Sobre os retratos das figuras femininas, a autora ressalta que eles tinham um
estilo sóbrio e severo que acentuavam a autoridade e orgulho. Os padrões estéticos

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utilizados aproximava-os dos retratos masculinos, o que leva a presumir que a vida da
mulher e sua inserção na sociedade se aproximava, de alguma forma, da condição
masculina.
Neste sentido, Costa (2002) nos traz que a ideia da inutilidade social da mulher
se dava pelo fato de suas vidas se resumirem, obrigatoriamente, ao universo
doméstico e familiar, o qual esteve apagado por não ser acessível aos forasteiros que
faziam relatos sobre a vida colonial. Assim, tendo acesso apenas aos espaços
públicos, os quais as mulheres não se faziam presentes, os viajantes e cronistas
tinham a errônea impressão de que a vida delas era de reclusão e de falta de iniciativa.
Os relatos destes viajantes destoam daqueles que conheceram a intimidade da vida
das famílias da elite, como por exemplo os da preceptora alemã Ina von Binzer.
Ou seja, nada de passivo há na participação da mulher dentro do campo do
privado, porém, elas eram quase que trancafiadas nestes espaços, em espaços onde
os homens conseguiam ter maior vantagem de controle para poder desqualifica-las e
privá-las das produções artísticas, científicas e historiográficas. O que é pertinente,
pois, de acordo com Foucault (1997), o espaço é também uma forma
econômicopolítica que interfere nas relações de poder que, por sua vez, reprime a
sexualidade e as expressões do desejo, isto funciona como uma ferramenta de
controle sobre os corpos e sobre as mulheres.
É como se tudo o que acontecia, a representação das mulheres nas pinturas,
seu fechamento em espaços privados, fosse para a manutenção da sociedade
patriarcal, dos privilégios dos homens.

Considerações finais

Pensar a arte e o sistema das artes faz pensar toda a relação de poder e as
hierarquias que há por trás deles, principalmente no que diz respeito à participação do
sujeitos não padronizados como europeus, homens, brancos, etc. Aqui foi abordada
a participação e representação das mulheres na arte.
A possibilidade de pensar a representação das mulheres na arte abre nosso
olho para a sua exclusão enquanto pintoras, portanto, enquanto produtoras de suas

13
próprias imagens e subjetividades. Nos fazendo refletir em como as coisas podem se
organizar de maneira a perpetuar a submissão e opressão sobre os corpos
subalternos.
Neste trabalho foram citados alguns contornos dados à subjetividade das
mulheres, a partir de Cristina Costa (2002), tendo como referência pinturas pautadas
em ideais bíblicos.
Se as imagens são tão potentes a ponto de nos fazer perceber como existimos
no mundo, se faz importantíssimo que elas tenham uma abordagem cada vez mais
representativa para todos os tipos de existência. E aí a arte e o ensino da arte pode
aparecer como potência para a quebra desses padrões e para a abertura da
movimentação da subjetividade, uma vez que, as imagens que temos o acesso mais
facilitado, como as propagandas e os programas de televisão, ainda não trazem estas
questões, estas fazem representações muitas vezes estereotipadas das existências,
enrijecendo e fechando as suas subjetividades.

Referências

COSTA, Cristina. A imagem da mulher: um estudo de arte brasileira. Rio de Janeiro:


Senac Rio, 2002.

COUTINHO, Andréa Senra. Poéticas do Feminino/Feminismo na Arte


Contemporânea: Transgressões para o Ensino de Artes Visuais em Escolas. Tese de
doutorado. Universidade do Minho. Braga (Portugal), 2009.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. ed. 11. Rio de Janeiro: Graal, 1997

SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Modernismo brasileiro: entre a consagração e a


contestação. In: Perspective. França, v. 2, 2013

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A TRANSESTÉTICA POR MEIO DO DESIGN DE MOBILIÁRIO DE MAURÍCIO
ARRUDA E SÉRGIO MATOS

Carina Seron da Fonseca (UEM)


Annelise Nani da Fonseca (UFJF)
carinaseronf@hotmail.com

Resumo
O presente resumo expandido aborda a estetização de produtos de design na
contemporaneidade, tratada aqui pelo termo conceitual de era transestética, por meio
das produções dos designers brasileiros Maurício Arruda e Sergio Matos que
trabalham, respectivamente, com elementos que remontam a história das casas
brasileiras, bem como o artesanato ancestral presente em diversas culturas das
regiões norte e nordeste do Brasil. Pautado no referencial teórico de Lipovetsky e
Serroy (2015), tem-se o objetivo de investigar de que maneira o trabalho dos designers
Maurício Arruda e Sérgio Matos, reflexo das produções contemporâneas em design,
participam do capitalismo artista e da era transestética.

Palavras-chave:
Design. Transestética. Estetização.

Introdução

O filósofo francês Gilles Lipovetsky e o professor universitário Jean Serroy,


abordam no livro A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista (2015),
as quatro eras da estetização do mundo, sendo elas, a artealização ritual, que consiste
nas criações dos homens primitivos que desenvolviam suas pinturas em grupo, como
meio de realizar ações rituais cotidianas; a estetização aristocrática que vai do
renascimento ao século XVIII, marcado pela autonomia do artista, sua separação do
artesão e a busca pela harmonia da arte clássica; a moderna estetização do mundo
marcada pela emancipação do artista em relação a igreja, a aristocracia e a burguesia,
por volta dos séculos XVIII e XIX; e por fim, a era transestética, em que a arte se infiltra
na indústria e na vida cotidiana.

Ao se aprofundarem na era transestética, para abordar o momento


contemporâneo, os autores destacam que estamos vivendo um mundo de abundante

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variedade de estilos, de design, de imagens, de narrativas, de paisagismo, entre
outros elementos que permeiam nosso dia-a-dia, configurando uma estetização da
vida cotidiana. De acordo com os autores

em toda parte o real se constrói como uma imagem, integrando nesta


uma dimensão estético-emocional que se tornou central na
concorrência que as marcas travam entre si. É o que chamamos de
capitalismo artista ou criativo transestético, que se caracteriza pelo
peso crescente dos mercados da sensibilidade e do “design process”,
por um trabalho sistemático de estilização dos bens e dos lugares
mercantis, de integração generalizada da arte, do “look” e do afeto no
mercado consumista. (LIPOVETSKY e SERROY, 2015, p. 14)

Nesse sentido, os papéis do artista e do designer se fazem presentes nas


criações dos mais diversos produtos em um mercado de sensibilidade, de modo a
ultrapassar a beleza, tocar a emoção e propor não apenas um produto, mas uma
experiência.

Desenvolvimento

Considerando a dinâmica do mercado atual, o foco na experiência, entra em


cena cada vez mais a prática do storytelling, ou seja, a narrativa, verídica ou não, para
embasar a criação de uma marca. De acordo com Fonseca (2016) o storytelling “tem
o intuito de potencializar uma memorização afetiva positiva com a marca, porque essa
memorização acionada pela imagem evoca uma memória arquetípica.” (p. 35). Desse
modo, a fim de tocar o emocional do público, as marcas têm buscado, por meio do
design e da arte, tocar o consumidor, estabelecendo uma relação afetiva com o
mesmo.

A exemplo do uso do storytelling, bem como, da transestética, trago para a


discussão o arquiteto brasileiro, natural do Paraná, Maurício Arruda, cujo o escritório
de arquitetura se chama “todos”, com o slogan “arquitetura de histórias”. Ao analisar
vídeos e entrevistas do arquiteto, o mesmo deixa evidente que seu objetivo é contar
histórias por meio de seus projetos. O arquiteto, que apresenta o programa Decora no

16
canal GNT, expressa em seus trabalhos a importância da empatia no momento da
criação, de envolver a história dos clientes, elementos que permeiam suas vidas.

A mesma narrativa presente no escritório de arquitetura de Maurício Arruda,


resvala em seu trabalho como designer, no seu projeto “Maurício Arruda Design”. A
ideia central de seu trabalho com produtos é a sustentabilidade, o reaproveitamento
de materiais e a preocupação em gerar o menor impacto possível no meio ambiente,
assim como a redução de resíduos durante a fabricação dos mesmos. Além disso o
profissional busca resgatar elementos históricos do Brasil e das casas brasileiras,
conforme pode ser visto no exemplo a seguir.

Figura 2: Poltrona Rede

Fonte: Estúdio Marcos Cimardi – Site Mauricio Arruda Design

O elemento rede de descanso, de acordo com o site de Maurício Arruda:

se confunde com a identidade brasileira e acompanha a história do


nosso mobiliário desde sua origem mais remota. Apesar de sua
existência ancestral em diversas partes do globo, no Brasil ela é uma
herança direta dos índios encontrados no Brasil pelos colonizadores
portugueses no início século XVI. Antes confeccionado com fibras
vegetais foi logo incorporada as varandas das casas coloniais graças
a mesma técnica de tear manual usadas pelos índios, porém com o
uso da fibra de algodão semi-industrializada, mais compacta e
resistente. (MAURÍCIO ARRUDA DESIGN, 2018)

17
Assim como Maurício Arruda remonta a história ancestral brasileira por meio do
design, Sergio Matos, designer mato-grossense, cujo o estúdio de design se chama
“Um estúdio de todos”, carrega como narrativa em sua marca um design que tem a
função de abrigar a história, os laços afetivos, a memória a essência da brasilidade.
Durante a faculdade, após estudar muitas referências internacionais e sentir falta de
referências nacionais, Sérgio despertou seu interesse pelo Brasil e sua rica cultura,
em especial, pelas regiões Norte e Nordeste, bem como as regiões ribeirinhas e o
artesanato ancestral.

Um ponto importante do trabalho de Sérgio Matos é que são os próprios


artesãos, com seus conhecimentos ancestrais, que desenvolvem as peças do
designer. Sérgio Matos faz questão de enaltecer os artesãos em suas redes sociais,
como Instagram e Facebook, dando os devidos créditos a esses profissionais.

Em suas criações, o designer aborda a biônica, que consiste em utilizar a

natureza, bem como o uso de elementos culturais como referências para suas
criações, conforme o exemplo a seguir:

Figura 2: Poltrona Bodocongó

Fonte: Site Sérgio Matos

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A Poltrona Bodocongó de Sergio Matos, de acordo com seu site, tem seu
conceito pautado na gastronomia do Nordeste:

A fervura gastronômica das festas juninas do Nordeste, as memórias


e laços afetivos das celebrações à mesa, o universo das feiras livres.
Este tripé dá suporte à concepção da cadeira e balanço Bodocongó
carregados de simbologias identitárias. A matéria-prima protagonista
do design são colheres de pau. As mesmas que mexem a canjica, o
baião de dois, o arroz doce e outros tantos pratos da culinária regional.
(SÉRGIO MATOS DESIGN, 2018)

É possível observar, nos dois exemplos, na Poltrona Rede e na Poltrona


Bodocongó, a utilização de elementos já prontos em suas peças, seriam essas
criações reflexo das famosas obras Ready Made de Duchamp, desenvolvidas no início
do século passado, porém, agora, com o uso de elementos culturais?

Reflexões a parte, podemos dizer que a presença do resgate ao passado e da


mistura de elementos nas criações contemporâneas, em especial, falando de
ambientes e mobiliários, se dá, de acordo com Lipovetsky (2009) apud Fonseca
(2016), pelo fato de que as rupturas do modernismo com as tradições clássicas,
confirmam a pós modernidade, enquanto tentativa contrária, ou seja, a busca por uma
identidade por meio dos referenciais do passado.

Considerações finais

Conclui-se, portanto, que o design de mobiliário de Maurício Arruda e Sérgio


Matos, comprovam os pensamentos de Lipovetsky e Serroy (2015), sendo, ambos,
exemplos do capitalismo artista e da era transestética.

Referências

FONSECA, Annelise Nani da; PEREIRA, Clauciane. Processo Criativo. Maringá -


PR.: UniCesumar, 2016.

19
Mauricio Arruda Design. Disponível em: <http://www.mauricioarruda.net/>. Acesso
em: 29 jun. 2018.

LIPOVETSKY, Gilles e Jean SERROY. A estetização do mundo: Viver na era do


capitalismo artista. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2015.

Sérgio Matos Design. Disponível em: <http://sergiojmatos.com/>. Acesso em: 29 jun.


2018.

20
AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO NÃO
FORMAL

Ana Julia Preza de Campos (UEM)1


Julia Tomie Onoue (UEM)
anajulia_prezacampos@hotmail.com

Resumo: Este artigo tem como intuito abordar sobre as relações de gênero na
educação infantil e ensino não formal durante a disciplina de Estágio Supervisionado
I, nas instituições CMEI e Lar Escola. Visando discutir sobre como é possível perceber
as relações de gênero no contexto de aprendizagem e sala de aula e como elas
interferem na formação de identidade e no cotidiano das crianças e dos adolescentes.
Por meio das observações e regências feitas nas escolas, e a partir de reflexões de
autores como Tavin, Judith Butler, Duncum e Silva que abordam sobre a Cultura Visual
e as Relações de gênero na formação do currículo, o objetivo deste artigo é discutir
as relações de gênero na educação infantil e ensino não formal.

Palavras-chave: Gênero. Estágio supervisionado. Educação infantil.

VIVÊNCIAS DE OBSERVAÇÃO

Recanto do Menor Alvorada


Chegamos à escola. Primeiro dia de observação no Recanto do Menor Alvorada,
conhecido como CMEI, aconteceu no dia 13 de abril. A instituição foi escolhida em
conjunto, mas foi apresentada pela professora da disciplina de Estágio Supervisionado
I – estágio obrigatório, sendo uma das disciplinas integrantes do curso de Artes Visuais
Licenciatura, UEM. Essa primeira visita foi para conhecer o local que iriamos fazer o
estágio e também para fazer a divisão das turmas por duplas. Ao final da divisão, nós
ficamos com a turma B dos alunos de 4 anos, 4B.
Quando entramos na sala para a primeira observação, no dia 20 de abril, às
8h30, a professora – que era a substituta, pois a efetiva tinha hora atividade na sexta
– já havia iniciado a aula e escrito o cabeçalho na lousa. Em seguida ela foi

1Acadêmicas do terceiro ano do Curso de Graduação em Artes Visuais da Universidade Estadual de


Maringá. Turma: II. E-mail: anajulia_prezacampos@hotmail.com e julia.onoue@gmail.com.
21
desenhando um rosto para representar as meninas e pedia para que as crianças
falassem juntamente com ela qual parte do desenho representava qual parte do rosto.
Na parte de cima do círculo da cabeça fez longas linhas formando um cabelo comprido
preso. O desenho do rosto era completamente simples e estereotipado2. Logo depois,
a professora faz a mesma coisa com os meninos, mas dessa vez, os dois pontinhos
para os olhos não tinham cílios e, acima do círculo do rosto, ela faz linhas menores na
vertical, como um cabelo curto com topete. Após esse primeiro momento de rotina, ela
faz um desenho de uma personagem que classifica como masculina na lousa para
trabalhar com as crianças sobre as partes do corpo, e desenha uma roupa para ele:
uma camiseta, bermuda e nos pés, chuteira. A professora caracterizou a personagem
como masculina apenas usando características externas ao seu próprio corpo, sem
mencionar em nenhum momento a presença do pênis.
Avançando para a próxima atividade, ela ajuda as crianças a relembrarem da
história que foi lida na aula anterior, que conta sobre vários contos clássicos
misturados – como a Cinderela, o João e o pé de feijão, Cachinhos Dourados etc. –
todos ligados pelo carteiro e as cartas. A professora pergunta para os alunos qual
parte da história gostaram mais, e, nessa hora, pudemos perceber que a maioria das
meninas havia gostado das partes que falavam sobre as princesas, e os meninos das
partes sobre o rei, o urso e o lobo mau. No entanto, um dos alunos em específico tinha
gostado da parte da Cinderela, mas a professora pareceu não se importar muito com
isso. Ela entrega papéis para desenhar a parte da história que cada um havia gostado,
e as meninas desenharam as princesas que haviam comentado e os meninos o rei, o
urso e o lobo mau. Entretanto, o menino que comentamos há pouco, estava muito
quieto, cabisbaixo e nem sequer havia desenhado um risco na folha. Quando fomos
perguntar o que acontecia, o menino respondeu que não conseguia desenhar, então,
a fim de motivar o aluno, começamos perguntado qual parte ele havia gostado da
história. Este respondeu que havia gostado da Cinderela, mas após olhar os desenhos
dos meninos, que estavam desenhando ursos, ele mudou sua opinião e disse que
havia gostado do urso. Apesar disso, era necessário que a criança participasse da

2 Consiste em desenhos com traços simplificados e expressões mínimas que foram reproduzidos
tantas vezes, de tantas maneiras e sem compromisso com a fidelidade na reprodução, que o autor
original e sua intenção primária se perderam no tempo (VIANNA, 2010)
22
atividade e que não perdesse o interesse em desenhar, então com algumas
orientações e incentivos nossos, ele conseguiu desenhar o urso. Ao pegar o lápis rosa
para pintar o desenho, o menino foi questionado por uma coleguinha se gostava da
cor rosa, e ele respondeu que sim. A colega que estava ao lado, após ouvir isso, disse
que “rosa é para meninas”, deixando o menino desorientado, fazendo-o mudar
repentinamente de opinião: agora gostava de vermelho. Ou seja, a menina reproduziu
ali uma ideia de senso comum de que meninos não podem gostar de rosa, e
provavelmente, ela nem sabe o porquê disse isso, uma vez que, ao questionamos ela,
a mesma ficou sem respostas.
No dia 4 de maio, ao chegarmos na sala de aula, as crianças e a professora
estavam sentadas no canto da parede, semelhante a observação anterior. Ela
esclarece que a atividade que eles trabalharão são os gêneros textuais, em específico,
as histórias em quadrinhos. Mas, antes de iniciar a aula, a professora canta algumas
músicas infantis com as crianças, e uma das músicas nos chamou a atenção, pois a
letra dizia “eu sou uma florzinha de Jesus” que eram cantadas apenas pelas meninas
e “eu sou um soldadinho de Jesus” cantado apenas pelos meninos. Por que meninas
são “florzinhas” e meninos são “soldadinhos”?

Lar Escola
O primeiro dia de observação foi em 24 de maio, e consistiu em uma breve
visita para conhecermos o ambiente escolar e as crianças de cada sala. O estágio
desenvolvido nesta instituição foi para cumprir a parte não-formal da disciplina de
Estágio Supervisionado I, pois essa instituição dedica-se ao acolhimento dos alunos
no contraturno do período escolar, tendo turmas de 6 a 7 (turma 1), 8 a 9 (turma 2) e
10, 11 e 12 anos (turma 3).
Nosso grupo foi formado por nós, Ana Julia e Julia, junto com a Bárbara e a
Isabella, e decidimos observar primeiro a sala das crianças de 6 a 7 anos. No entanto,
fomos informadas que as meninas tinham aula de balé e que apenas os meninos
estariam na sala. Pudemos notar uma divisão por gênero, pois apenas as meninas
frequentavam as aulas de balé, os meninos não. Não sabemos se isso era devido a

23
uma separação imposta pela coordenação, ou se eles apenas não iam porque não
queriam, mas de qualquer forma, a separação existe explícita ou implicitamente.
Em seguidas, fomos observar os alunos de 8 a 9 anos. As crianças estavam no
pátio da escola pois tinham aula de educação física, alguns estavam jogando
Speedball e outros estavam jogando Bets com a professora da sala. Notamos que
algumas crianças pareciam não trabalhar muito bem em grupo, uma menina em
específico, era grosseira com as colegas e aparentava ser bastante competitiva, não
deixando as outras jogarem junto. Atingido os 30 minutos de observação, fomos para
a sala dos alunos de 10 a 12 anos. Notamos que os alunos estavam sentados
separados em grupos, divididos em pequenos grupos de meninos e um grupo de
meninas.
O segundo e último dia de observação aconteceu no dia 7 de junho. Devido à
divisão de salas para cada grupo, nós fomos direto para as salas que iriamos aplicar
regência. A primeira sala que entramos foram a dos alunos mais velhos, de 10, 11 e
12 anos, e nos deparamos com os alunos divididos em dois grupos, em uma mesa
estavam sentadas apenas as meninas e em outra mesa apenas os meninos. Havia
também uma outra professora aplicando uma atividade que era um jogo de verdadeiro
ou falso. Enquanto uma professora anotava a pontuação de cada grupo, a outra lia
algumas frases e os alunos deveriam levantar uma folha escrito verdadeiro, caso
achassem que a frase estava correta ou levantar uma folha escrito falso, caso
achassem que fosse uma informação errada. Algumas frases nos deixaram animadas
por trabalhar algumas questões de respeito às mulheres, independentemente de sua
vestimenta, respeitar o próximo independente da religião, raça e costumes, que não
se deve tocar a pessoa sem seu consentimento, etc.
Deu o final do primeiro horário e nos dirigimos para observar a turma de 8 a 9
anos. Ao entrarmos, fomos informadas que algumas meninas saíram para ter aula de
balé, enquanto o resto da turma deveria ter educação física, porém devido ao clima
de chuva, eles tiveram aula dentro da sala. O professor de educação física conversou
sobre a Copa do Mundo e tentou adivinhar junto com as crianças os times que
ganhariam nos jogos. Os meninos pareciam conhecer bem os times que foram
selecionados para jogar e respondiam ao professor bem animados, no entanto as

24
meninas pareciam um pouco entediadas e apenas conheciam os times mais famosos,
retomando a ideia de que meninos discutem futebol e meninas têm aulas de balé.
Dado o nosso horário, terminamos o último dia de observação.

REGÊNCIA: PLANOS DE AULA E MEDIAÇÕES

Recanto do Menor Alvorada


Quando começamos a pensar no desenvolvimento dos planos de aula, tínhamos
acabado de fazer um trabalho para a matéria de Escultura II utilizando papel machê.
Por isso, queríamos trabalhar com esse material com as crianças, em vista de ser uma
massa diferente daquelas que elas conheciam, oferecendo novas possibilidades e
também novas limitações. Ademais, tínhamos um conhecimento prévio de como
aquilo funcionava, sabendo que é importante que “[...] o professor esteja seguro em
relação ao conteúdo a ser tratado, isto é, que conheça o assunto de modo a conduzir
discussões produtivas e orientar processos de descoberta por parte dos alunos”
(CHIOVATTO, 2000, p. 1). Foram muitas as mudanças, mas tínhamos um objetivo:
queríamos trabalhar com o corpo humano. E por quê? Pois percebemos que os
alunos, principalmente daquela turma, tinham muita dificuldade no desenho, e o corpo
humano era o conteúdo bimestral que estava sendo abordado no momento que nos
inserimos naquele contexto.
Finalmente chegamos a uma ideia que nos satisfez: desmembramos um plano de
aula que já estava pronto, mas que envolvia duas atividades distintas, em dois planos
de aula complementares. O primeiro plano consistia em fazer desenhos do contorno
do corpo do colega, que se deitaria sob o papel Kraft que esticamos no chão, usando
giz de cera, tendo como referência o artista Keith Haring, que trabalha com o corpo
humano em desenhos só de sua silhueta. O segundo, tinha a proposta de sair do
bidimensional e experimentar o relevo, usando o papel machê para construir os
volumes do rosto humano sob um pedaço de papelão, agora trazendo como
referências de relevo, máscaras que produzimos com papel machê, e como
referências visuais, imagens de máscaras de diversas culturas, tribos, etnias,
civilizações etc.

25
Chegou o dia da primeira regência, que aconteceu no dia 18 de maio. Chegamos na
sala e, como previsto, a professora que estava responsável pela turma era novamente
a substituta, mas não era a mesma do primeiro dia de observação. Começamos
apresentando aos alunos sobre o artista Keith Haring, perguntando se eles conheciam
algo parecido com aqueles desenhos. Naquele dia tinham 15 crianças, e percebemos
assim como no período de observações, que as meninas eram sempre as mais
“espertas”, elas respondiam as perguntas primeiro, terminavam as atividades primeiro
e se interessavam mais pelo assunto.
A primeira criança que começou a fazer a atividade foi mais uma vez uma menina.
Ela terminou o contorno do colega primeiro – tínhamos pedido para que se dividissem
em duplas – e já sabia a posição que queria fazer há muito tempo. A menina em
questão não só terminou antes de todos, como fez do jeito que explicamos, além de
solicitar nossa ajuda toda hora para fazer algo que imaginou, mas não sabia como
executar. Notamos que houve um imenso contraste no desenvolvimento da atividade
em relação ao desempenho das meninas, com exceção de uma ou duas, para os
meninos. Os meninos ficavam sempre mais quietos, não tinham muita autonomia,
pareciam ser mais tímidos e não ter tanto interesse em desenvolver a atividade. Esse
contraste dificultou o desenrolar da proposta como tínhamos previsto, pois, ao passo
que uma grande maioria – de meninas – já tinha terminado e queriam fazer outras
coisas, ainda haviam alunos que sequer tinham se deitado no papel para que seu par
os desenhasse. Segundo Chiovatto (2000, p. 5) “para que a educação aconteça, é
necessário que as informações e conhecimentos façam sentido tanto para quem os
transmite quanto para quem os recebe.”, e nesse sentido, como saber se a proposta
reverberou para aquele grupo específico de crianças, se elas não respondiam aos
nossos estímulos?
Nosso plano de aula tinha a intenção de que as crianças percebessem como é a
forma do corpo humano por meio do contorno do mesmo, além de tirá-los do
convencional papel A4 e lápis grafite. Como terminamos a atividade muito antes do
que tínhamos previsto, decidimos pedir aos alunos que nos ajudassem a reforçar o
contorno que haviam feito, já que algumas crianças desenhavam muito fraco – em sua
maioria os meninos. Mas, ao invés disso, eles começaram a fazer outras coisas no

26
papel, estavam desenhando, pintando, criando. Um grupo de alunos se juntou em
rodinha e começaram a pintar dentro do espaço contornado, revezando a vez de cada
um pintar com seu giz de cera, que eram todos de cores diferentes. Depois de
decidirmos virar o papel para que desenhassem do outro lado que estava limpo, a
mesma menina que mencionamos há pouco, nos pediu para que ensinássemos a ela
como desenhar uma mão. Então, usamos a mesma técnica que tínhamos acabado de
aplicar: aprender pelo contorno de suas próprias mãos. Após isso, pedimos para que
agora tentassem desenhar a mão sozinhos, sem contornar. O desenho de mão deles
antes dessa atividade, formava algo parecido com uma couve-flor, ou uma nuvem.
Depois, observamos uma das crianças – mais uma vez uma menina – tentando fazer
o desenho sozinha, e aquilo já havia mudado completamente. A couve-flor se
transformou em algo muito mais próximo do que é uma mão real: com cinco dedos de
tamanhos diferentes e paralelos uns aos outros. Professores são aqueles que
“consideram todas as necessidades e as respondem; exploram e aprofundam cada
descoberta, garantindo-lhes sentido; e articulam todos esses aspectos segundo as
especificidades da situação” (CHIOVATTO, 2000, p. 6), e nesse momento,
percebemos que apesar de a atividade não ter afetado tanto alguns, valeu muito a
pena para outros.
O segundo dia de regência foi em 25 de maio, e nele aplicamos o segundo
plano de aula, que envolvia o papel machê. Para iniciar a apresentação da atividade,
mostramos as referências visuais de máscaras que levamos e fizemos uma conversa
inicial sobre elas. Nessa conversa, levantamos pontos sobre as culturas das quais
faziam parte e quais eram suas funções dentro dessas culturas; destacamos
características físicas de sua constituição e fomos questionando os alunos sobre o
que achavam que aquilo representava. Novamente, as primeiras a responderem
nossas perguntas eram em sua maioria as meninas.
Desenvolvemos a explicação, terminamos as imagens e fomos para as
referências de relevo. Depois disso, entregamos uma bolinha, um pouco menor que
uma bola de tênis, de massa de machê para cada aluno e também uma base de
papelão para que montassem suas máscaras. Pedimos à professora, que novamente
era a substituta da semana anterior, que nos ajudasse a ministrar a atividade com as

27
crianças. Quando os alunos pegaram o machê na mão, a primeira percepção foi a da
temperatura, todos se surpreenderam quando perceberam que ele estava gelado
(para conservar a massa é ideal que guarde na geladeira, evitando o possível
desenvolvimento de fungos), e depois, perceberam que além disso, o material era
úmido e grudento, bem diferente da massinha de modelar que estavam acostumados.
Cada professora e estagiária em seus postos, começamos a auxiliar os alunos
na modelagem. Essa tarefa se seguiu mais ou menos pelo tempo que imaginávamos,
e durante seu desenvolvimento, nos incomodamos um pouco com a atitude da
professora perante às crianças que ela estava auxiliando, ela falava muito alto, dizia
que não se devia fazer “daquele jeito”, que era “assim” que se fazia, que tinha que ter
tal coisa, mas não podia ter outra. Em uma de nossas mesas, que ficou com a Ana
Julia, os alunos tinham muito mais dificuldades em desenvolver algo e criaram figuras
mais abstratas, esta era constituída por três meninos e uma menina. Já na mesa da
Julia, que haviam só meninas, todas as alunas copiaram o jeito que uma das meninas
fez, e esta foi totalmente pela contramão daquilo que pensávamos que deveria ser
feito: ela usou a base de papelão como o rosto, e só foi aplicando machê em cima do
papelão para definir os elementos da face. A aluna pensou criativamente e foi
influenciada a seguir criando, talvez se ela estivesse no grupo da professora, não teria
tido a possibilidade de fazer da forma que o fez.
Ao final, quando todos os grupos já tinham terminado, reunimos as máscaras
em cima do balcão onde guardam os materiais e os alunos saíram para o intervalo.
Reunindo as máscaras, percebemos nitidamente quais alunos fizeram parte de quais
grupos: os que estavam com a professora fizeram o mesmo formato do rosto
estereotipado que desenham no quadro – já comentado acima –, já os que estavam
com a Ana Julia desenvolveram formas mais abstratas e menos compromissadas com
a tarefa, mesmo com o auxílio; e no grupo da Julia, todos “copiaram” a forma de fazer
da aluna que foi na contramão.

Lar Escola
A regência não formal aconteceu de forma diferente: nos reunimos em grupos para
aplicar uma mesma oficina em duas turmas diferentes. Nosso grupo, que já foi

28
especificado acima, também ficou perdido quando fomos desenvolver o plano de aula.
Queríamos trabalhar com a diversidade, já que os alunos pelos quais ficamos
responsáveis estavam numa idade decisiva de formação, de 8 a 12 anos
contabilizando as duas turmas. Focamos então, no trabalho com a diversidade
estética, trabalhando os diversos tipos de beleza que existem por meio de
apresentação de imagens de pessoas consideradas fora do padrão, para depois
solicitar aos alunos que fizessem pintura corporal, usando tinta guache e pincéis, e
em seguida posassem para fotos. Essa produção gerou o material que chamamos de
“catálogo de fotos artísticas”, pois envolveu todo o preparo anterior e posterior do
tratamento e seleção das fotos, montagem do catálogo e impressão do mesmo. Com
isso, pretendíamos primeiro gerar a discussão sobre o que era a beleza que eles
estavam acostumados a ter como beleza, e por quê outros tipos de corpos, cabelos,
peles, comportamentos sociais etc., que fugiam do padrão não eram considerados
beleza. Subsequente a essa discussão, propusemos a atividade de pintura corporal,
que devia ser realizada de acordo com um desenho prévio feito no papel que poderia
trazer qualquer elemento que eles quisessem, mas ressaltamos que seria interessante
se eles produzissem algo inspirado na discussão, para então, fotografarmos todos.
Dividimos o tempo da oficina de acordo com o horário do intervalo e pegamos primeiro
a turma de 10 a 12 anos, os mais velhos. Quando iniciamos a conversa, os meninos
eram o que mais diziam do frases do tipo “que feio”, “horroroso”, “credo”, “achei
estranho”, e em sua maioria, diziam isso para imagens de outros homens. Mas no
desenrolar da discussão, fomos quebrando algumas barreiras com as perguntas que
lançávamos, pois fazíamos com que eles pensassem de onde tinham tirado aquelas
ideias, por que estavam falando aquilo e se o diferente era mesmo tão “feio” como
diziam. Algo que chamou a nossa atenção foi que os meninos, tanto da primeira turma
quanto da segunda, sempre cediam quando nós os questionávamos sobre as imagens
femininas, mas quando era uma figura masculina, eles se recusavam a achar outro
homem bonito. Na turma dos mais velhos isso foi mudando ao longo do tempo, o
assunto começou a fazer sentido para eles, mas na turma de 8 a 9, os meninos
permaneceram resistentes até o final.

29
Sentimos que o assunto tocou bastante as meninas de ambas as salas, e será
que isso se deve ao fato de elas serem as mais cobradas pela perfeição estética? Um
ponto marcante na discussão com os mais velhos foi quando Ana Julia contou sobre
sua vivência pessoal, disse que já havia feito alisamento no cabelo (que é crespo)
quando tinha a mesma idade que eles, e fez isso porque a maioria das pessoas ao
seu redor diziam que cabelo crespo era feio. A discussão estética ajudou na
compreensão do diferente e que “a diferença não é uma característica natural: ela é
discursivamente produzida. [...] São as relações de poder que fazem com que a
'diferença' adquira um sinal, que o 'diferente' seja avaliado negativamente
relativamente ao 'não-diferente'" (SILVA, 2005, p.87). Percebermos o quanto as
relações de gênero afetam na compreensão de beleza: o que deve ser feito por
mulheres, quem devemos achar bonito, o que caracteriza homem e mulher, e por que
essas características existem e reverberam tanto. Para exemplificar, um dos meninos
da turma dos mais velhos – que era um dos mais resistentes – disse, ao ver a imagem
de uma modelo negra que tinha os cabelos raspados, que ela parecia um homem, e
nós o questionamos por que ele pensava isso. Sua resposta foi que “ela tem cabelo
curto”, então falamos que Ana Julia também tinha cabelo curto, e perguntamos se por
isso ela parece um homem. O menino respondeu que sim, apenas pelo fato de ter o
cabelo curto, ele já categorizou uma pessoa como parecendo do gênero masculino.
Continuamos indagando quem o disse que cabelos curtos deveriam ser para homem
e cabelo comprido para meninas, mas ele continuava resistente.
Demos prosseguimento à aula, e começamos a fazer as atividades. Nesse momento
de desenho, o mesmo menino desenhou uma paisagem e escreveu a
seguinte frase: “seja você mesmo”, no entanto, ele não queria mais fazer dupla com o
colega que tinha escolhido – pedimos que fizessem duplas para cada um fazer no
outro com a tinta o que desenhou no papel –, porque sua dupla havia feito uma
paisagem com arco-íris. Esse momento ficou bastante explicito como o conteúdo que
tínhamos acabado de explicar estava afetando, mas ainda não era o suficiente para
desconstruir algo construído por pessoas muito mais próximas e que têm muito mais
influência sobre ele.

30
As relações de gênero estão presentes em todos os lugares, em todos os atos
inconscientes, em todas as leituras de imagens no nosso dia a dia, e cabe ao professor
por meio de seu conhecimento prévio sobre o assunto, como explicou Chiovatto (2000)
trabalhar com a inclusão deste conteúdo no currículo, que segundo Silva (2005, p. 91)
foi só após a crescente visibilidade dos estudos femininas que começaram a forçar
“[...] as perspectivas críticas em educação a concederem importância crescente ao
papel do gênero na produção de desigualdade.”
Na segunda turma, a dos mais novos, o fato que mais se destacou durante a aula foi
quando mostramos a imagem de uma mulher transexual e os alunos ficaram confusos
sobre qual gênero “pertencia” aquela pessoa. Dissemos que se tratava de uma mulher
transexual, ou seja, alguém que nasceu com órgãos genitais e estrutura física
masculina e cresceu como tal, mas posteriormente se identificou com outra
possibilidade de “[...] distinção que abre espaço ao gênero como interpretação múltipla
do sexo” (BUTLER, 1990, p. 24). Ao ouvir a explicação, uma das meninas comentou
que sua babá, Silvana, era assim também, e todos da sala a conheciam, portanto, já
estavam mais familiarizados com o assunto. Contudo, um menino – que também era
bastante resistente ao assunto – lançou o seguinte comentário: “se o nome dela é
Silvana, mas na verdade ela é um homem, então o nome real dele é Silvano”, e na
hora, logo após seu comentário, explicamos que na verdade o nome dela era Silvana,
pois ela escolheu ser chamada assim.

QUESTÕES DE GÊNERO

Primeiro ponto observado diz respeito aos desenhos que a professora fazia no
quadro na primeira parte da aula durante a contagem das meninas e dos meninos,
que além de serem estereotipados no quesito forma do desenho, também carregavam
estereótipos de características ditas femininas e masculinas. Judith Butler (1990)
discorre sobre o gênero como interpretação do sexo, sendo, portanto, construído
socialmente, ou seja, o gênero feminino não carrega em si uma ligação biológica com
o sexo feminino, mas para que o interpretemos como tal, observamos algumas
características que são socialmente ditas como femininas em seu gênero, como

31
discorre Silva (2005, p. 91) “[...] a palavra ‘gênero’ foi utilizada pela primeira vez num
sentido próximo do atual pelo biólogo estadunidense John Money, em 1995,
precisamente para dar conta dos aspectos sociais do sexo.” ou seja “[...] o termo
‘gênero’ refere-se aos aspectos socialmente construídos do processo de identificação
sexual.”
Isso pode ser entendido pela cultura visual como sendo um conjunto de
imagens que comunicam e reforçam os estereótipos de feminino e masculino, uma
vez que “[...]certos textos visuais estão ‘performando’ através da pedagogia pública e
também ‘sendo performados’ através da interpretação ativa.” (TAVIN; ROBBINS, 2006
apud TAVIN, 2011, p.154). Os desenhos da professora, reforçavam ainda mais um
estereótipo já existente e disseminado por imagens, no entanto, não podemos atribuir
a culpa a ela, já que provavelmente ela só reproduziu o que aprendeu quando era
criança. O problema de reproduzir esses estereótipos cegamente está quando
ampliamos seus efeitos para um contexto maior e nos deparamos com desigualdades
de gênero oriundas de ideias que perpetuam padrões de beleza. Isso quer dizer que
as imagens que a professora “performava” estava sendo interpretada e também
“sendo performada” pelos alunos, apenas mantendo um conhecimento do senso
comum de que meninas devem ter cabelos compridos e cílios longos, e meninos
cabelos curtos e não usar maquiagem.
O contexto de desigualdade levantado diz respeito à, principalmente, salários
menores para as mulheres devido ao papel de submissão imposto a elas:
“Particularmente, questionavam-se os estereótipos ligados ao gênero como
responsáveis pela relegação das mulheres a certos tipos ‘inferiores’ de currículo ou de
profissões (SILVA, 2005, p. 92); atribuição de culpa a violação de seus próprios corpos
e privação da mesma liberdade sexual que é dada aos homens. Contexto este que é
mantido intocável quando não tratamos sobre as diferenças existentes entre o eu e o
outro, quando não trazemos uma imagem de mulher com cabelos curtos, ou até sem
cabelos; não trazemos imagens de homens que usam maquiagem ou roupas
femininas e até mesmo quando não tratamos sobre o porquê a expressão “fazer
alguma coisa como uma garota” tem sentido pejorativo, sendo que essas situações

32
não são anormais ou erradas, são situações que foram impostas como não-certas e
que não devem ser reproduzidas.
Isso ocorre pois, dentre o conjunto de características ditas como pertencentes
ao gênero feminino, estão a fragilidade, fraqueza, sensibilidade e afetividade, e essas,
dentro do discurso de produção da diferença (SILVA, 2005) são ditas como inferiores
às características elencadas como pertencente ao gênero masculino, que são:
virilidade, força, racionalidade e competitividade. Portanto, o discurso “fazer alguma
coisa como uma garota” torna-se pejorativo quando entendemos essas características
com um olhar do senso comum e não percebemos que
Aquilo que unifica não é resultado de um processo de reunião das
diversas culturas que constituem uma nação, mas de uma luta em que
regras precisas de inclusão e exclusão acabaram por selecionar e
nomear uma cultura específica, particular, como a 'cultura nacional
comum'. (SILVA, 2005, p. 89).

Em suma, a perpetuação do desenho de distinção entre meninos e meninas, feito


pela professora, carregando os estereótipos do que é ser menino ou menina, não
provoca um abalo nas estruturas psíquicas das crianças para que passem a
questionar a si mesmas e as pessoas ao seu redor sobre a veracidade e autenticidade
de tais assuntos
Outro ponto levantado é que as próprias crianças já reproduzem discursos do senso
comum de criação de diferença. Como foi descrito na primeira seção, uma das alunas
do CMEI aponta que “rosa é cor de menina”, quando seu colega diz gostar da cor,
trazendo mais uma vez um conjunto de características criadas socialmente para
discernir o masculino do feminino, mas dessa vez, utilizando as cores. De acordo com
Hancock (2014), a cor rosa nem sempre foi para meninas, e o azul nem sempre foi
para meninos, antes da primeira guerra mundial, adotava-se o branco para os bebês,
e só após isso passaram a usar tons pastéis. No entanto, segundo o autor, a cor rosa
era associada ao vermelho, cor que lembra virilidade, e, portanto, atribuída aos
meninos; já o azul era associado a delicadeza, portanto serviria para as meninas.
Hancock discorre que só depois dos anos 80 o rosa ganhou as prateleiras das seções
femininas, e a presença da distinção de gênero a partir da cor nunca foi tão forte como
é hoje. Pensando nisso e nas questões já levantadas anteriormente, podemos
perceber que as relações de gênero, associadas as imagens que perpetuam essas
33
ideias, impõem mudanças de comportamento, modelando os gostos pessoais das
crianças pelas próprias crianças para que se encaixem nas caixinhas fechadas do
masculino e feminino.
Já com relação as vivências no Lar Escola, as questões de gênero aparecem
de forma bem mais evidente. Como já dito, buscamos incluir no repertório dos alunos
imagens de pessoas que fogem do padrão de beleza, no entanto, a recepção de
algumas dessas imagens por parte dos meninos não foi muito boa, principalmente
quando se tratavam de homens – normais ou LGBTQ+. O discurso deles era que “um
homem não pode achar bonito outro homem, porque isso é coisa de gay”, no entanto,
não achavam anormal uma mulher achar bonita outra mulher. As relações de gênero
nesse caso, não dizem tanto sobre a produção de desigualdade, mas sim na restrição
da interpretação do sexo, no que diz respeito a não achar normal ver beleza em outra
pessoa do mesmo sexo – não é nem o mesmo gênero, pois apresentamos imagens
de mulheres transexuais e pessoas não-binárias – pois isso, de acordo com a
interpretação que se tem de seu gênero, resultaria em homossexualidade. Bom, não
há problema nenhum em ser homossexual, e também não existe problema em achar
outra pessoa do mesmo sexo bonita. Sabemos que a maior parte das discussões de
gênero vem para abraçar as minorias que sofrem com as desigualdades provocadas
por esse aspecto na sociedade, todavia, essa questão também fere aquele que é
detentor dos maiores privilégios sociais: o homem branco cis heterossexual. Uma vez
que, quando pensamos na figura que representa esse homem, pensamos exatamente
no estereótipo de homem – viril, másculo, forte, corajoso, competitivo, etc – e é
exatamente esse o perfil que é imposto durante a formação das crianças que foram
encaixadas no gênero masculino.
O problema disso tudo é que, a partir do momento que essa pessoa passa a
não mais se enxergar como pertencente àqueles padrões, ela se vê deslocada e
desassistida por seus familiares, podendo levar a problemas muito mais graves. Em
outras circunstâncias, se a pessoa se sente pertencente àquilo pelo resto de sua vida,
sem questionar ou pensar sobre, ela se tornará uma ferramenta de produção de
desigualdade, como dito por Silva (2005, p.95):
Um termo relacional ajuda a deslocar o foco da análise: não são
simplesmente as mulheres que são vistas como problema, mas
34
principalmente os homens, na medida em que estão situados no pólo
de poder da relação.

Por esses motivos, é imprescindível a inclusão das discussões de gênero no


currículo escolar balizados pelos estudos da cultura visual, sendo esses conteúdos
relacionados a partir do momento que percebemos que as imagens que consumimos
todos os dias, de todas as formas, nos dizem muito sobre “[...] o que é o bem e o mal,
quem é bom e quem é mau, em quem devemos ou não confiar, como é possível ser
feliz e assim por diante.” (DUNCUM, 2011, p. 19) e inclusive como devemos
“performar” nosso gênero perante a sociedade (BUTLER, 1990).

CONCLUSÃO

Após a primeira experiência de Estágio, pudemos observar o quanto existe uma falha
na comunicação dos conteúdos apreendidos na academia com a comunidade externa,
que se transmite por meio dos professores. Em contrapartida, ressaltamos que
melhorou bastante a abordagem das questões de gênero comparado a como era
discutido anteriormente, quando fazíamos parte desse meio como estudantes.
Além disso, como já apontado, destacamos a importância na formação de
arteeducadores que tragam um olhar crítico, conhecimento prévio sobre o conteúdo a
ser abordado e embasamento de perspectivas teóricas como a da cultura visual, para
a formação de alunos com senso crítico aguçado e questionadores de suas realidades
e padrões, dentre eles, os de gênero. Essa discussão ainda tem muito para ser
desenvolvida, e o que fizemos até então é uma breve análise no que cabe ao curto
espaço de observações e regência que tivemos, entretanto, sabemos o quão
importante é ressaltar esses aspectos dentro de espaços como este, já que “o
currículo é, entre outras coisas, um artefato de gênero: um artefato que, ao mesmo
tempo, corporifica e produz relações de gênero.” (SILVA, 2005, p. 97).

REFERÊNCIAS

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.
35
CHIOVATTO, Milene. O professor mediador. São Paulo: Instituto Arte na Escola,
Boletim Número 24 de Outubro/Novembro 2000.

DUNCUM, Paul. Por que a arte-educação precisa mudar e o que podemos fazer. In:
MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene. (Org.) Educação da cultura visual:
conceitos e contextos. Santa Maria: Edufsm, 2011. p. 15-30.

HANCOCK, Jaime Rubio. Por que rosa é de menina e azul é de menino? El País.
2014. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/18/ciencia/1416328918_518343.html>
Acesso em: 10 de julho de 2018.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do


currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

TAVIN, Kevin. Fundamentos da cultura visual e pedagogia pública na/como


arte/educação. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene. (Org.) Educação da
cultura visual: conceitos e contextos. Santa Maria: Edufsm, 2011. p. 153-173.

VIANNA, Maria Leticia Rauen. Desenhando com todos os lados do cérebro:


possibilidades de transformações das imagens escolares. Curitiba: Ibpex, 2010.

36
Aulas-exposições: o papel do professor em analogia ao do curador
na construção de um olhar crítico.

Loren Medeiros Chicilia (Universidade Estadual de Londrina)


Danillo Gimenes Villa (Universidade Estadual de Londrina)
lorenchicilia@gmail.com

Resumo
As possibilidades de ação para um professor em sala de aula são diversas, ainda mais
na área de artes, onde são inúmeros os trabalhos, artistas, momentos da história,
formas de produzir e apresentar trabalhos. Quem determina o que entra ou não em
uma aula? Em que dimensão essas escolhas são um ato político? No presente
trabalho, interessa o oficio de professor associado ao de um curador de arte,
aproximando a produção de uma aula ao desenvolvimento de uma curadoria de
exposição e, como os alunos e o contexto no qual estão inseridos, culminam em uma
tomada de decisão desses interesses, no caso em questão, os alunos de um cursinho
preparatório para vestibular público.

Palavras-chave: Curadoria. Professor de arte. Pensamento Crítico.

Introdução

Qual o espaço do curador na relação de mediação entre trabalhos e público em uma


exposição? Qual a dimensão das escolhas de um professor na elaboração de uma
aula? Se
muitas exposições (...) apresentam novos modos de abordar e pensar
velhos temas, problemáticas e obras, estimulam reflexão e debate
sobre arte, cultura, política e sociedade, e há igualmente aquelas que,
em meio à necessidade e à exigência do espetacular, conseguem
reverter sua própria condição, curadorias cujo projeto às vezes
reverbera mais à posteriori do que no momento de sua ocorrência
(Reinaldim, 2015, P.17).

Podemos aproximar os papeis de curadores e professores, ambos promovem


diálogos entre um conteúdo e um público. Pensando-se a área de artes: as curadorias,
exposições, as obras, a música, o cinema, o teatro, e a dança, perceberemos que
falta, em muitos docentes, o olhar que tome essa pluralidade como ganho, tirando as
aulas de uma estrutura padrão. O que se afirma é a possibilidade de um professor em
igual medida artista, curador, historiador, no planejamento e desenvolvimento de suas
aulas.
37
Nesse trabalho, levaremos em consideração o espaço de um cursinho público,
sem fins lucrativos, que recebe alunos de faixas etárias diversas, de realidades plurais
e com uma série de sonhos, o que exige um olhar aguçado para suas particularidades.
Essa é a realidade do Cursinho Especial Pré Vestibular da UEL, o CEPV 1 , que
funciona dentro da Universidade Estadual de Londrina.
Neste contexto, abordaremos as escolhas do professor de arte aproximandoas de
uma curadoria, pensando as aulas como “aulas-exposições”.

Desenvolvimento

“(...) não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não
poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição.
Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo.” (FREIRE, 2018,
p.100) da mesma forma que o professor precisa decidir sobre o que será apresentado
em sala de aula o curador de uma exposição tem, entre suas funções, a
responsabilidade de selecionar o que será apresentado.
.
A curadoria é uma prática comum no campo das artes, e vem se
especializando ao longo da História. Possui métodos próprios que
incluem a pesquisa e a seleção aprofundada de obras relacionadas a
um campo temático – um assunto ou um período histórico – a um
artista, grupo de artistas ou escola. A intenção do curador geralmente
é fornecer elementos ou informações sobre um conjunto de obras de
arte a fim de aguçar os sentidos e o interesse do visitante de uma
exposição ou instalação e, ao mesmo tempo, provocar uma leitura que
extrapola a experiência imediata entre a obra e o visitante. De certa
forma, a curadoria cumpre um papel de mediação entre as obras ou
objetos de arte e o observador/leitor/visitante. Nesse sentido, é
possível afirmarmos, em certa medida, que a curadoria exerce função
pedagógica a favor da apreensão ou aprendizagem sobre uma obra

1
CEPV – Cursinho Especial Pré Vestibular da Universidade Estadual de Londrina, atua desde
o ano de 1996 com o intuito de proporcionar a alunos de escolas públicas, formados no Ensino
Médio, a oportunidade de ingressar em uma faculdade. Tem uma equipe composta por
graduandos dos mais diversos cursos da Universidade Estadual de Londrina, proporcionando
assim, um benéfico a população de Londrina e Região, como também a vivência com a prática
da licenciatura, pedagogia e administração.

38
de arte, coleção ou exposição (LOPES, SOMMER, SCHMIDT, 2014,
P.61).

O professor que elabora criticamente seus conteúdos e entende a realidade de


seus alunos e as particularidades de cada turma, pode promover trocas mais efetivas
ao proporcionar atividades e escolhas coerentes, relativas aos contextos social e
histórico de seus alunos. Pensando no público atendido pelo cursinho, que tem um
grande número de cotistas, alunos vindos do ensino público e muitas vezes à margem
de uma série de direitos, o papel do cursinho vai além de prepará-los para o vestibular.
Existe a necessidade de ações deliberadas que injetem ânimo e confiança, já que
estes alunos nem sempre tem consciência do seu potencial, porém entendem a sua
realidade o que faz com que diálogos críticos sejam efetivos.
Além disso, o CEPV funciona vinculado à universidade pública que tem tido
cortes de verba anuais no seu orçamento, o e que reverberam diretamente no trabalho
do cursinho. É visível o sucateamento do espaço físico, são paralisantes os cortes de
bolsas e material. Mesmo com tantas adversidades anualmente erguemos as portas
e recebemos em dois turnos em torno de quatrocentos e cinquenta alunos. Nesse
contexto, a existência do cursinho é ato de resistência. Por uma educação de
qualidade, pela educação pública, por uma universidade mais democrática e plural.
A escolha do que será apresentado nas aulas de arte, leva em consideração
tudo que vem sendo afirmado até aqui. Nesse sentido, em uma “aula-exposição” as
escolhas, como as escolhas de um curador, também geram uma linha de interpretação
e podem impulsionar debates

Ampliar o olhar, mais profundo e inquieto, para além do simples


reconhecimento de autorias, por meio de uma curadoria educativa
provocadora pode despertar a fruição, não somente centrada na
imagem, mas em uma experiência, um caminho que leve a pensar a
vida, a linguagem da arte, provocando leitores de signos (MARTINS,
2006, p. 5).

Incentivando olhares mais críticos, os trabalhos que estarão nessas


“aulasexposições”, ultrapassam seus contextos, às voltas e em concordância com

39
valores de minorias dominantes2. Cabe cotidianamente construir uma visão de arte
para todos, um empoderamento de todo e qualquer grupo e indivíduo, para que faça
uso dos espaços que exibem arte e a tomem para si, conceitualmente, pelo menos.
Sem dúvida, espaços como o cursinho especial da UEL, podem fazer essas
ressignificações e, aos poucos, tornar os espaços da arte (assim como da
universidade) mais democráticos.

Considerações finais

Na curadoria das aulas de arte interessam as escolhas de abordagem de um


determinado conteúdo para determinada aula, e público, em específico aqui, os alunos
do cursinho.

Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições


materiais, econômicas, sociais e politicas, culturais e ideológicas em
que no achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação
para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei
também que os obstáculos não se eternizam (FREIRE, 2018, p.53).

E não se eternizam quando pensamos as ações dos professores de hoje, as


suas escolhas, quando fazem pensar certo (FREIRE, 2018) ajudam indivíduos a se
tornarem profissionais e cidadãos mais conscientes de seus papéis. Trazer nomes
como Rosana Paulino, Leonilson, Claudia Andujar, que dão voz a alguns sujeitos sem
voz e desta maneira os empoderam é significativo para um público que, quando dentro
da Universidade precisa apossar-se de seu espaço cotidianamente. Artistas como
Arthur Barrio, Cildo Meireles e Beth Moyses que trataram da violência, podem fazer
pensar em questões estéticas, mas também sobre sobre conquista de direitos.

(...) observar atentamente uma obra de arte, tem como objetivo último
propiciar ao aluno uma experiência de intimidade, um encontro
significativo que amplia seu conhecimento, afirmando suas próprias
possibilidades criadoras e sua capacidade de compreender o lugar que

2
“(...) grupo ou classe que detém maior força se converte em dominante se apropriando dos
resultados da produção social tendendo, em consequência, a relegar os demais à condição
de marginalizados” (SAVIANI, 1944, p.16).
40
a Arte pode desempenhar na sua vida e no mundo em que vive
(REGINA MACHADO, n.p., 1998).

Como educadora de arte, dentro da realidade do CEPV, não nos cabe apenas
mostrar trabalhos de arte, pinturas, performances, esculturas, instalações, períodos
ou artistas em seus contextos históricos. Cabe-nos também ajudar a germinar as
possibilidades dessa área do conhecimento na realidade de nossos alunos, permitindo
que entendam suas possibilidades enquanto indivíduos históricos.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2018.

LOPES, Daniel de Queiroz; SOMMER, Luis Henrique; SCHMIDT, Saraí Patrícia.


Professor-propositor: a curadoria como estratégia para a docência online.
Educação & linguagem: revista do Centro de Ciências da Educação da
Universidade Metodista de São Paulo. Vol. 17, n. 2 (jul./dez. 2014), p. 54-72,
2014. Disponível em <
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/142559/000993876.pdf?sequence
=1&isAllowed=y >. Acesso em: 12 out. 2018

MACHADO, Regina. Para pintar o retrato de um pássaro. Caderno do Encontro ‘A


compreensão e o prazer da arte’. São Paulo: SESC, 1998. Disponível em: <
http://ead.bauru.sp.gov.br/efront/www/content/lessons/78/4%20-
Regina%20Machado%20-%20An%C3%A1lise%20do%20texto%20para-pintar-
oretrato-de-um-passaro-.pdf >. Acesso em: Acesso em: 12 out. 2018.

MARTINS, Mirian Celeste (coord.). Curadoria educativa: inventando conversas.


Reflexão e Ação – Revista do Departamento de Educação/UNISC - Universidade de
Santa Cruz do Sul, vol. 14, n.1, jan/jun 2006, p.9-27.

REINALDIM, Ivair. Tópicos sobre curadoria. POIÉSIS, v. 16, n. 26, p. 15-28, 2015.
Disponível em: < http://periodicos.uff.br/poiesis/article/viewFile/22857/13435 >.
Acesso em: 12 out. 2018.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: Polêmicas do nosso tempo. Campinas,


SP: AutoresAssociados, 1999.

41
BLOW UP (1966): A UTILIZAÇÃO DA FOTOGRAFIA PELA IMAGEM
CINEMATOGRÁFICA COMO REPRESENTAÇÃO DO REAL

Izaque Anversi Coqui1 (UEL/UEM)


Prof. Dr. Cristiano Perius (UEM)

Resumo
O advento da fotografia trouxe profundas modificações para a vida em sociedade.
Talvez, a mais notável delas seja a maneira pela qual os indivíduos veem e pensam
o mundo, na qual a realidade passa a ser conhecida não mais pelo contato direto com
o objeto e sim pelas imagens que se produzem dele. O presente trabalho visa
descrever o projeto, sobre o título provisório, “Blow Up (1966): A utilização da
fotografia pela imagem cinematográfica como representação do real”, a ser
circunscrito no PIBIC de filosofia, no ano de 2019, sobre a orientação do Prof. Dr.
Cristiano Perius. O projeto pretender analisar o uso da imagem fotográfica como
representante do real no filme Blow Up, por meio do método analítico de Jacques
Amount e o conceito de imagem e tempo do Deleuze.

Palavras-chave: Cinema. Fotografia. Real.

INTRODUÇÃO

Nos anos de 1960, a fotografia estava no epicentro da ebulição cultural britânica. Em


Londres, a figura do fotógrafo vinha sendo valorizada de maneira inédita pelos
ingleses. As principais revistas nacionais de atualidades da época, seguindo a
tendência das revistas americanas Life e Esquire, adotavam um visual cada vez mais
sofisticado, e abrigavam em suas páginas um número cada vez maior de imagens,
com um espaço dedicado exclusivamente a fotos de cunho artístico e não apenas
jornalístico e publicitário. Uma das consequências foi à promoção dos fotógrafos em
verdadeiras figuras públicas, responsáveis até mesmo pela transformação de modelos
em celebridades (OLIVEIRA JÚNIOR, 2015).
Quase setenta e um anos depois da invenção do cinematógrafo, o cinema passara
por diversas transformações: a utilização dos cortes, a invenção do cinema falado e

1
Formado em história pela Universidade Estadual de Londrina e graduando do curso de
Artes Visuais pela Universidade Estadual de Maringá.
42
do cinema a cores. As mudanças ocorridas até então eram de níveis técnicos e poucas
delas refletiam sobre o modo de fazer cinema. No entanto, durante o pós-guerra,
alguns cineastas passaram a se preocupar com a relação imediata do filme com o
espectador. Pensar a relação espectador e imagem não era novidade no mundo
cinematográfico. Todavia, o desenrolar dos anos sessenta trouxeram profundas
modificações na linguagem cinematográfica que perpetuam até os dias atuais.
Para esses cineastas, denominados posteriormente pela história do cinema de
modernos, a narrativa clássica, baseada em uma história linear e cronológica, movida
pela lógica imagem ação e movimento – quando ação decorrente de uma imagem da
origem a outra-, deixa de ser o foco da linguagem cinematográfica. Para dar lugar a
um cinema puramente experimental, baseado no potencial da imagem
cinematográfica para além da câmera, onde o que acontece em tela reflete
diretamente na experiência cinematográfica do espectador (DELEUZE, 2007).
Inspirado no contexto fotográfico britânico de 1960 e influenciado pelas
reflexões do modo de fazer cinema oriundas do pós-guerra, Michelangelo Antonioni
lança, em 1966, o filme Blow Up, baseado no conto Las Babas del Diablo, de Julio
Cortázar (1959). Nomes importantes da fotografia britânica, como David Bailey, John
Cowan, David Hurn e Don McCullin, que se dividiam entre o universo da moda, a
reportagem documental e projetos pessoais, inspiraram Antonioni na construção do
protagonista, Thomas. Inclusive, um deles, Don McCullin foi o responsável pelas
fotografias que aparecem no decorrer do filme.
A narrativa se assemelha a um dos filmes precursores do cinema moderno Rear
Window, dirigido por Alfred Hitchcock (1899-1980), lançado em 1954. No longa-
metragem, um fotógrafo profissional, após ter quebrado a perna, observa por meio de
um binóculo pela janela de seu apartamento o dia-a-dia dos seus vizinhos. Em uma
de suas observações voyeurísticas noturnas uma perturbação óptica num dos
apartamentos levanta a suspeita de um possível crime, que é reforçada com o sumiço
da moradora no dia seguinte.
Lançado doze anos depois, o filme Blow Up acompanha um dia da vida de
Thomas, fotografo profissional, da manhã ao alvorecer do outro dia. Exímio e
requisitado fotógrafo das celebridades, ele procura inspiração para o seu novo livro
43
num parque próximo a zona urbana da cidade. Depois de uma breve procura, Thomas
parece achar o que vai ser as páginas finais do seu livro, a interação romântica de um
casal. Escondido atrás de uma árvore do bosque, ele capta os momentos de ternura
e amor dos amantes.
Não passa muito tempo para que a mulher desconfie que esteja sendo fotografada e,
em um surto de raiva, tente a todo custo retirar a câmera dele. Apesar da constante
insistência, Thomas nega entregar o rolo de filmes para ela. Ao chegar em casa, se
depara com a mulher do parque mais uma vez. Depois de muita conversa e um beijo,
Thomas promete devolver as fotografias, mas o que lhe entrega é um rolo de filmes
em branco. Atraído pela insistência da mulher em querer as fotografias, Thomas as
revelas e passa a analisa-las minuciosamente. Ao ver de perto, ele percebe algo de
estranho, o olhar da mulher indica alguma coisa escondida no matagal. Ampliando e
re-ampliando as imagens, ele descobre um homem armado por entre as árvores.
Segundo Walter Benjamin, no texto publicado em 1955, intitulado “A obra de
arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, a fotografia pode “acentuar certos
aspectos do original, acessíveis à objetiva – ajustável e capaz de selecionar
arbitrariamente o seu ângulo de observação, mas não acessível ao olhar humano” e
“pode, também, graças a procedimentos como a ampliação ou a câmera lenta, fixar
imagens que fogem inteiramente à ótica natural.” (1955, p.2). A ampliação do olhar
humano pela fotografia, apontado por Benjamin, permite em Blow Up a compreensão
de uma realidade inalcançável pelo olho e a memória humana sobre o fato.
O projeto pretende, por meio do método analítico de Jacques Aumont e o
conceito imagem-tempo do filosofo Gilles Deleuze, compreender qual o discurso do
filme Blow Up a respeito do uso da fotografia enquanto representação do real. O filme
sugere, quando dentro um contexto histórico maior, uma nova maneira de ver o
mundo, do qual a realidade não passa a ser conhecida por ela mesma e sim pelas
imagens que se produzem dela. Tanto que em duas sequencias do filme, Thomas foi
questionado sobre o que viu naquela manha no parque e sua resposta nos dois casos
foi “não, vi nada” (MENESES, 2000). Sendo assim, a fotografia representa a abertura
para uma compreensão de mundo que a própria sensibilidade humana não da mais
conta (OLIVEIRA JÚNIOR, 2015).
44
A compreensão de mundo pela imagem fotográfica sem o uso da critica racional
e histórica pode preceder a visão dos fatos a equívocos inigualáveis e destrutivos para
a vida social e politica em sociedade, principalmente quando o indivíduo que vê não
possui conhecimentos básicos sobre as propriedades que regem a fabricação de uma
imagem – característica do objeto, intenção, contexto, objetivo, sentido, e etc
(BORGES, 2003). Todavia, o Blow Up traz questionamentos a respeito da realidade
do qual a fotografia pretende captar. Nesse sentido, a pesquisa deve também buscar
compreender por quais meios à imagem fotográfica nesse filme se estabelece como
representante do real e quais as fragilidades dela enquanto representante do mesmo.

PROBLEMA

A disseminação da fotografia e dos meios de comunicação, no século XX,


ocasionou uma nova forma de ver e de compreender o mundo, em que “antes de se
conhecer qualquer coisa, conhecemos as imagens que existem e que se mostram
sobre estas mesmas coisas” (MENESES, 2000, p. 33). A realidade antes conhecida
pelo contato direto passa a ser compreendida por meio de imagens que,
ocasionalmente, podem produzir uma falsa compreensão do real. Acredita-se que o
filme Blow Up leve em consideração esse fenômeno de leitura do real pela qual a
sociedade contemporânea perpassa. No entanto, ao que parece ele questiona a
própria estrutura desse mecanismo de pensamento. Sendo assim, a intenção desse
trabalho é responder a duas questões: de que maneira o filme Blow Up utiliza a
fotografia como mediadora do real; e se o filme reflete esse novo contexto social e
cultural em que há preponderância da imagem sobre os fatos.

OBJETIVOS

Objetivo geral:

45
Refletir sobre o uso da fotografia como mediadora do real por meio da imagem
e pela narrativa fílmica no filme Blow Up, alertando sobre a fragilidade da fotografia
enquanto representante do real.

Objetivos específicos:
• Identificar as discussões teóricas da fotografia como representante do real em
Blow Up, tendo em vista a concepção da fotografia, principalmente em seu primórdio,
como personificação do espaço e do tempo;
• Traçar um panorama do contexto histórico e social anterior à produção de
Michelangelo Antonioni, salientando a importância do cinema hichtcockiano nas suas
produções;
• Investigar como a imagem cinematográfica pode oferecer subsídios para
pensar o cinema e sua linguagem. Ao mesmo tempo, em que ela evoca e reflete à
tradição artística que a antecede, retomando e atribuindo novos significados e
sentidos à pintura, escultura, fotografia, etc, seja no objeto presente em cena ou na
imagem cinematográfica.

JUSTIFICATIVA

Walter Benjamin alerta sobre a perda a áurea da arte devido ao advento da fotografia.
Segundo ele, o objeto artístico passa a ser conhecido não apenas pelo contato direto
com a obra como também pelas imagens que se criam a partir dos meios de
reprodução técnicos. Para o sociólogo alemão, a mais inovadora das tecnologias de
reprodução em massa foi à fotografia por causa da sua capacidade em reter detalhes
e informações de um tempo que já não existe mais. Além do mais, a disseminação da
fotografia leva a democratização da arte, antes restrita a um grupo seleto de
indivíduos, ela passa a revigorar nas mais diferentes classes sociais pela reprodução
constantes das obras de arte; e dos acontecimentos, qualquer um pode ter acesso
aos fatos independente do seu grau de escolarização, classe social e lugar.
A facilidade pela qual a fotografia permitiu o registro e a divulgação de outras imagens
levou a disseminação e a proliferação de um universo de imagens em que a realidade,
46
antes conhecida apenas pela experiência direta, pudesse emanar sobre o vislumbre
de sua reprodução visual técnica. Todavia, devido ao seu caráter verossímil - a não
ser quando os efeitos provocados pelo aparelho ou edição levam a saturação da
imagem a ponto de fazer notar a sua própria artificialidade - a fotografia dificilmente é
questionada enquanto representação do real. Nesse sentido, a difusão da imagem
traz consequências nocivas para a compreensão da realidade, uma vez que as
imagens podem ser manipuladas, modificadas e mal compreendidas (BORGES,
2003). A repercussão desse sistema de compreensão do mundo pelas imagens até
os dias atuais traz enfretamentos grandes para o pesquisador da área visual, uma vez
que evidencia uma questão de cunho teórico e metodológica contemporânea e de
enfrentamento social e politico: o quanto a imagens que reproduzem de certo
acontecimento podem ser consideradas verídicas e reais.
Nesse sentido, o filme Blow Up oferece possibilidade de reflexões sobre a imagem
que fazem desse longa um objeto privilegiado em relação às demais obras
cinematográficas produzidas no mesmo período. A película não apenas traz a
enunciação da imagem como representação do real como questiona a sua própria
artificialidade. Além do mais, ao ser inserido no contexto de produção do cinema
experimental e moderno, ela oferece meios para refletir a própria produção
cinematográfica e o poder da imagem como provocadora de efeitos.

HIPÓTESE

O presente projeto se baseia na hipótese de que o advento da fotografia,


cinema, e, principalmente, televisão levaram a uma inversão na percepção de como o
homem moderno/contemporâneo interpreta a realidade, onde as coisas não são mais
conhecidas pelo contato direto com o mundo físico e sim por meio das imagens.

METODOLOGIA

Desde as primeiras exibições de cinema, houve quem se ocupasse em relatar


e analisar as imagens que rodavam na tela, como era o caso dos cronistas. A partir
47
da década de 1960, com a integração cada vez mais marcada do cinema nas
instituições de cultura (cultura-cineclubes, salas de repertoria, das cinematecas e,
principalmente, no ensino), surgiram as primeiras tentativas de desenvolver uma teoria
do cinema. A academia, a princípio, aderiu a conceitos, métodos e teorias oriundos de
outras disciplinas para estudar e analisar o cinema, sobretudo da literatura.
Atualmente, se vê impossível estudar o cinema por única linha teórica ou
metodológica. Sendo necessário, além do uso habitual da teoria do cinema, hoje
explorada das mais diversas maneiras por acadêmicos de diversos lugares do mundo,
interagir e dialogar com outras disciplinas. (AUMONT, 2004).
A análise do filme Blow Up deve levar em conta a metodologia proposta por
Jacques Aumont, no livre “A análise do Filme” (2004). Nele o autor propõe uma análise
com base em quatro vias: “textual”, da produção de sentido do discurso
cinematográfico; “narratológica”, da forma pela qual a estrutura textual é montada;
“icônica”, dos dados visuais e sonoros; e “psicanalítica”, da relação espectador e
imagem. Embora assuma a tendência de querer estabelecer um método de análise,
Aumont acredita não existir uma única maneira de analisar um filme. Sendo assim,
para ele, a análise fílmica deve se basear nas necessidades teóricas e metodologias
do pesquisador e do objeto de estudo, seja um fragmento de uma obra
cinematográfica ou o seu todo. Nesse sentido, esse estudo pretende, conforme o
avanço da pesquisa, selecionar dentre os diversos métodos de análises disciplinares
e interdisciplinares as que melhores que atendam a problemática proposta.
Gravado na década de 1960, Blow Up se encaixa na tradição moderna de fazer
cinema, que teve como principal expoente Alfred Hitchcock. Os diretores modernos
procuravam repensar, por meio da técnica e da montagem, o uso da imagem
cinematográfica, rompendo com o modelo clássico de narrativa baseado num tempo
cronológico e linear. Deleuze argumenta que o surgimento desse novo tipo de cinema
traz consigo uma nova maneira de pensar a imagem e as coisas. Na perspectiva de
Deleuze, a realidade que o cinema moderno pretende imitar não mais serve à lógica
da imagem-movimento, sucessão de imagens em um tempo linear e cronológico, e
sim à imagem-tempo. Nessa nova durabilidade, o tempo não resulta mais da
composição das imagens em movimento, da sucessão cronológica dos fatos, do
48
movimento de causa e efeito, mas de um movimento que decorre do próprio tempo
(DELEUZE, 2007).
A definição de imagem-tempo será aplicada em algumas sequências para
compreender o sentido do qual o diretor de Blow Up atribui a realidade cinematográfica
e a aparição da fotografia. Por exemplo, em uma das cenas, Thomas observa as
fotografias tiradas no parque pela manhã, procurando entender o porquê delas serem
tão valiosas para a mulher fotografada. Em determinado momento, de maneira abruta
a câmera interrompe a observação de Thomas para ceder lugar às fotografias. Ao
fundo se ouve o barulho do vento e o ranger de galhos, de igual modo, como era
naquela manhã no parque. Nesse instante, que dura pouco mais de um minuto, o
observador presencia pela linguagem cinematográfica a memória em seu estado mais
puro: os lapsos de imagens que ela retém do passado misturado à percepção sonora
do que aconteceu. Nesse sentido, o modelo analítico proposto por Jacques Aumont,
por mais abrangente que seja, não dá conta de explicar o que acontece em cena, uma
vez que a experiência fílmica nesse espaço de tempo ultrapassa os limites do próprio
objeto cinematográfico, fundindo expectador e objeto, imagem e pensamento, numa
experiência sensorial e única. Sendo necessário recorrer à definição de imagem-
tempo de Deleuze para compreender a relação da imagem e espectador e sua
semelhança com a realidade, não mais física, e sim mental, da memória em
movimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões dos quais o projeto trata repercute diretamente na realidade brasileira


atual, sobretudo pela disseminação das famosas Fake News e na dificuldade dos
cidadãos em distinguir notícia falsa da noticia verdadeira. Sem uma investigação
prévia sobre os fatos, muitos indivíduos são levados a acreditar piamente nas imagens
(fotografias, vídeos e montagens) que para eles se apresentam, sem questionar ou
induzir uma critica racional sobre as mesmas. Nesse sentido, as questões a serem
levantas no decorrer do projeto podem auxiliar na compreensão do fenômeno no qual

49
a sociedade brasileira perpassa: em que a realidade deixa ser prioridade para dar
lugar a um universo de imagens duvidosas e vacilantes.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. Industria Cultural e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


2006.

AMOUNT, Jacques. A análise do filme. Trad. Marcelo Felix. Lisboa: Edições Textos
& Grafia, 2013.

BAZIN, André. Ontologia da imagem fotográfica. In: Cinema Ensaio. Trad. Eloisa de
Araújo Ribeiro. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

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Disponível em: <http://www.pgcult.ufma.br/wp-
content/uploads/2017/06/WalterBenjamin.pdf>. Acesso em: 4 de out. 2018.

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51
DISPARANDO VIRTUALIDADES NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA MEDIAÇÃO
ENTRE ALUNO E PROFESSOR NA CONSTRUÇÃO DOCENTE

Angélica Teixeira Gonçalves (UEM)


Bruna Augusta Marques (UEM)
Roberta Stubs (UEM)
angel00tg@gmail.com

Resumo
Este trabalho parte de experiências e reflexões advindas do estágio teórico/prático do
curso de Artes visuais da Universidade Estadual de Maringá Dentro desse contexto,
tecemos relações, entre a construção, do docente em Artes Visuais, a partir das
experiências do estágio no ensino infantil, tendo como foco a mediação entre
aluno/professor, como potencializador criativo das virtualidades do aluno, em um
processo continúo de troca e aprendizagem entre ambos. Buscamos por meio destas
relações, trabalhar a perspectiva da construção do estagiário/professor, partindo das
experiências práticas e teóricas no âmbito do ensino. Para tanto, recorremos ao
conceito de educação menor desenvolvido por Silvio Gallo (2008) e ao conceito de
virtual desenvolvido por Pierre Levy (2011).Tais conceitos ajudam a pensar a
necessidade de um ensino desfragmentado e que possibilite uma experiência de
aprendizado coletivo, explorando a potência virtual da arte para ultrapassar regras e
padrões engessados no sistema de ensino.

Palavras-chave: Ensino-infantil. Virtualidades. Experiências.

Introdução

Este trabalho será organizado em diferentes seções, as quais serão norteadas


por perguntas disparadoras que levantam indagações sobre como se dá a construção
do professor de arte no âmbito de ensino infantil. Questionaremos também, como o
ensino de arte, no contexto da educação, pode atuar como dispositivo disparador das
potencialidades criativas da criança.
Discutiremos os caminhos que atravessam a formação e a construção do
docente na área de Artes Visuais, tendo como base as experiências de estágio, no
ensino infantil formal e informal. Tecendo relações entre a construção prática/teórica,
do docente em artes, tendo com entre meio a mediação entre aluno/ professor,
abordando assim a ação docente na instituição de ensino, como potencializadora das
virtualidades do professor e do aluno em um processo continúo de troca e
aprendizagem de saberes.

52
Alguns dos apontamentos realizados tratam do atrelamento entre arte e vida,
embasados nas experiências em sala de aula, construindo caminhos e possibilidades
didáticas de forma a mapear os caminhos que percorrem a prática de estágio. As
possibilidades que perpassam estes caminhos são experiências compartilhadas entre
professor e aluno.
Um dos desafios que nos propomos a realizar em sala de aula foi de trabalhar
coletivamente com os alunos, baseados no conceito de educação menor criado por
Silvio Gallo (2008), valorizando múltiplas experiências e trocas, em um processo
enriquecedor. Isso não significa que os estágios foram perfeitos ou que as atividades
obtiveram êxito total, porém aprendemos e ensinamos. É por meio da escrita deste
texto, procuramos compartilhar nossas experiências, organizá-las e continuar em
constante aprendizado.

1. Percursos de descoberta: relações teórico/práticas da construção docente,


tecidas a partir das experiências no estágio.

A construção de uma identidade docente, é um processo continuo entre perceber as


realidades circundantes dentro de cada instituição ou lugar que se propõe a ensinar.
Entretanto, faz-se necessário realizar determinadas ações para que possamos
desenvolver esse tipo de identidade docente. Pois o nosso próprio ensino dentro das
intuições, formando professores de modo linear e segregacionista, sendo que muitas
vezes a prática e a teoria dentro desta estrutura acabam trilhando vias distintas. Assim
nos indagamos sobre como buscar esse entremeio entre teoria e prática na formação
docente, já que ambas, são inseparáveis, mas em sua execução acabam, ocupando
pólos distintos, quando nos colocamos como docentes.

No que diz respeito à formação de professores, a partir do raciocínio


desenvolvido pode-se dizer que a teoria se aprende quando se está
cursando a formação, mas a prática aprende-se quando se está
exercendo a profissão, e somente com o exercício prático é que é
desenvolvido e incorporado um tipo de habitus (SILVA, 2005, p. 160).

53
Habitus, nesse contexto proposto por Silva (2005), se daria entorno da experiência
em uma inter-relação entre a prática e a teoria no ato de ensinar e aprender na
formação docente. Fazendo um paralelo com o nosso contexto de formação como
professor de Artes Visuais, a teoria está presente em nosso cotidiano, no entanto ela
só se concretiza e potencializa uma ação a partir do momento que a relacionamos
com a prática docente cotidiana de cada situação que nos deparamos nesse percurso.
Ser docente, é um eterno processo de construção, é viabilizar uma relação continua
entre prática e teoria, ensinar e ser ensinado a todo momento.
A partir desse pensamento somos lançados em um mar de imprevisibilidades, pois
se a partir da teoria temos a construção de nossa formação, e a partir da prática temos
a concretização desses saberes como agenciadores de uma ação, nunca teremos
respostas concretas sobre os destinos que essa articulação pode nos levar.
Considerando que cada prática docente é única, uma ação nunca será igual a outra
pois somos atravessados a todo momento por diferentes realidades e sujeitos que
estão em constante transformação.
Dentro deste contexto, cabe refletir sobre os percursos que traçamos durante nosso
período de regência. O primeiro estágio foi no espaço formal, em um Centro Municipal
de Educação Infantil (CMEI). Neste espaço ficamos responsáveis por uma turma com
cerca de 15, alunos, na faixa etária de 4 anos de idade. Logo no início das
observações notamos que não havia um vínculo forte de respeito entre
professor/aluno, a turma era agitada e nem sempre a professora tinha êxito em
lecionar o conteúdo. Havia várias trocas de turno entre os professores, o que também
pode ser um dos motivos de um vínculo superficial. Dentro disso não conseguimos
deixar de nos perguntar, como duas estagiarias que ainda não são vistas como
professoras em sala, e que tem um contato muito rápido com os alunos, poderiam
criar um vínculo para que a aula fluísse?
Dentro desse espaço institucional de ensino, passávamos por uma verdadeira
provação e quebra de paradigmas. Colocar-se como professora diante daquelas
crianças, era “exercitar nossos conhecimentos e saberes mesmo em tão pouco tempo,
questionando e construindo constantemente nossa formação.” (LAMBERT, 2005),
reescrevendo nossas estruturas, em um processo de transição envolvendo espaços,
54
alunos e experiências, que se fazem presentes nesse processo de construção
docente.
Durante a segunda observação houve uma interação maior entre nós e os alunos, a
professora inclusive pedia para que a ajudássemos com as atividades, o que
contribuiu na aproximação com as crianças. De certa forma tínhamos a expectativa
de que nossa primeira experiência em estágio ocorresse dentro dos planos, as
atividades foram realizadas, porem em um tempo muito menor do que prevíamos.
Houveram duas manhas de atividade, na primeira parte utilizamos de recursos
imagético, figurinhas, com os temas natureza, animais e elementos, buscando aplicar
os elementos básicos da linguagem visual, como linha cor, ponto e textura.
As figurinhas contribuíram parra à assimilação do conteúdo visto que a visualidade
supera a descrição oral nas primeiras fazes de desenvolvimento infantil. Dentro disso
buscamos criar espaços singulares e próprios para expressão sendo que as crianças
eram constantemente expostas a atividades restritivas de criação e expressão dentro
desse espaço.
Em um segundo momento utilizamos tinta guache e aventais previamente
preparados, para que os alunos interagissem coletivamente, pintando um dos
elementos de sua figurinha, nas costas do avental de seu colega. As tintas ficaram em
nossas mãos, e distribuímos aos alunos conforme necessário, porém não previmos
que esta parte fugiria do controle, alguns dos alunos exageraram na quantidade de
tinta manchando as roupas e rosto dos colegas. Durante esta ação haviam muitos
alunos para supervisionar, se tornando uma ação frenética caótica, em que as
crianças foram perdendo o respeito uns com os outros, e não acontecia mais o diálogo
entre alunos e professoras.
Depois desta regência, muitas dúvidas nos invadiram, refletimos sobre o choque entre
teoria e prática, sobre nossa atuação em sala de aula, se fomos professoras ruins, ou
se esse sistema estruturado como tal impossibilita determinadas atividades, ou se
todas as experiências terão imprevistos como estes. Embora inseguras como
docentes,percebemos que o ambiente e o contexto dos alunos também afeta a
maneira que o conteúdo é recebido, fazendo assim uma conexão com algumas
questões marcantes no campo da docência,
55
Como estar suficientemente pronto para a docência? Como estar
pronto para algo que é habitado sempre de maneira diferente? Por
outras pessoas, outras singularidades, outras paixões, outros afetos?
Em que, a cada vez, a cada recombinação, outro docente em nós é
solicitado, ou necessário? (GARLET; OLIVEIRA, 2015, p.41).

Diante de todos esses questionamentos, sobre como estar preparados para os


imprevistos ou para todas estas situações que atravessam e se cruzam nestes
caminhos de se descobrir e se construir docente por meio experiência não há resposta
concreta. Mas sim um caminho de eterna busca e exploração, desvendando o máximo
de frestas e linhas de fuga possíveis, neste remodelar constante que é o campo da
docência.
Seguindo ainda neste percurso houve uma segunda experiência de estagio
supervisionado que aconteceu em um ambiente informal, com alunos de idade entre
5, 6 e 7 anos, dispostos em uma mesma turma de cerca de 20 alunos. Logo nas
primeiras observações notamos que o ambiente propunha atividades mais livres e
coletivas se comparada as instituições formais, os alunos interagiam muito bem
independente da idade, de certa forma cuidavam uns dos outros, e gostavam do
ambiente em que estavam, não sendo raras as reclamações sobre a escola formal.
Decidimos então aproveitar essa forte coletividade, para pensar uma atividade
que ressaltasse a interação entre os alunos em um ambiente comum, o muro da
escola. Um grande espaço em branco, praticamente, pedindo para ser preenchido. A
partir daí apresentamos noções de arte rupestre, pinturas murais, grafite e pichação,
buscando trabalhar a questão da marca em paredes e levantando questões em uma
roda de conversa, partindo dos conhecimentos prévios do aluno.
Durante a conversa útilizamos, imagens e gifs digitais e também fotografias
impressas que tinham como tema a pintura em paredes, em épocas e contextos
diferentes. Trabalhamos ainda gifs animados e filmes do cotidiano dos alunos, como
“Os groots” e “irmão urso” que tinham em seu roteiro relação com o tema. Ao usar
recursos midiáticos dentro do contexto do aluno, tentamos fazer uma aproximação
entre arte e vida, o que nos dois estágios funcionou muito bem para a assimilação do
conteúdo com a sua própria realidade.

56
Durante este estágio a turma reagiu muito bem a tinta, sendo conscientes de
como usá-las, embora seja inevitável a vontade de se pintar com ela. Após a conversa
e apresentação do conteúdo os alunos carimbaram suas marcas e criaram uma
composições no chão forrado com Kraft. Cada aluno criou suas próprias composições
e desenharam os contornos dos corpos dos colegas em conjunto, a mistura de cores
e carimbadas ocorreu de forma lúdica, como um jogo de criar um grande espaço
composto pelas singularidade e subjetivações de cada criança que vemos em
trabalhos individuais sobre a mesma superfície também se deu um trabalho coletivo
de troca, como se percebe nas figuras a seguir.

Figura 1: Experiência prática, 2018, Registro fotográfico.

Fonte: Registro nosso.

Dentro deste contexto nos propomos a pensar um ensino de Arte na educação


infantil, que pudesse atuar como um dispositivo disparador do olhar e das
experiências, destas crianças, promovendo uma inter-relação entre a ação do pensar
e a construção de uma materialidade tangível. De acordo com BACHELARD apud.
RICHTER (2006, p.243), “ato criador é ato de aprender a iniciar um gesto no mundo

57
para dar outro curso às coisas através do esforço manual/corporal integrado ao
intelectual”, ou seja, uma construção entre o pensar integrado ao movimento da ação.
No segundo momento da atividade, os alunos receberem aventais e se dirigiram ao
muro, eles ajudaram na mistura de cores e organização dos materiais. Embora fosse
difícil identificar os contornos que foram desenhados no muro, todos realizaram a
atividade alguns terminaram antes e foram brincar, e outros ficaram pintando até o
último segundo. Cada aluno realizou a atividade coletiva em seu tempo, todos
deixaram marcas naquele espaço que agora continha a individualidade e subjetivação
de cada um.
Trabalhamos com propostas semelhantes em ambas as turmas de estágio,
porem no primeiro estágio as atividades correram de forma caótica, devido ao choque
entre aquilo que é idealizado em nossos planos de aula e aquilo que realmente
acontece durante a permanência em sala de aula, quando nos colocamos como
professoras. Foi neste momento que realmente se deu uma articulação teórico/
prática, em nossas formas de pensar, tínhamos consciência da lacuna entre
idealização e realidade, porém não prevemos que nos atingiria de forma tão abrupta.
Mesmo que refletíssemos teoricamente sobre essa articulação, é somente a partir da
experiência que percebemos realmente como ela se estrutura. Assim os saberes
profissionais devem resultar conforme Gauthier (1998 apud, LAMBERT, 2010), de
uma combinação do saber disciplinar, do curricular, do experiencial, da tradição
pedagógica e da ciência da educação, ou seja, a atuação de um professor e sua
formação não se dão como algo segregado, deve haver uma união de diversos
saberes, atuando de forma plural e não fragmentada.

Trata-se de um constante produzir-se docente, de uma abertura ao


fora, para inventar, a partir dele, outros diagramas que intervenham no
arquivo que nos delimita, estremecendo os já ditos e os já vistos e
inventando outras maneiras de estar docente, ou quem sabe apenas
borrar a maneira com a qual estamos acostumados a ver a docência,
e fazer gaguejar o já dito e as verdades que se julgarem eternas
(GARLET; OLIVEIRA, 2016, p.41).

58
Como o trecho acima aborda, ser docente é estar em constante reconfiguração e
restruturação nas formas que nós arquitetamos e percebemos os percursos que nos
atravessam enquanto formação. É romper barreiras, quebrar paradigmas, sem medo
de possíveis embates.
Dentro disso cabe uma comparação e analise entre as duas experiências de
estagio que passamos. A primeira regência se deu como uma ação caótica e a
atividade transcorreu de forma complicada sendo algo que nos deixou determinadas
marcas e frustrações, mas também nos potencializou para reflexões do ser docente.
Pois nem sempre será algo totalmente satisfatório e revigorante, mas sempre será
uma ação que promove mudança e faz tocar e ser tocado. Independe dos resultados
obtidos o importante é saber tirar proveito de uma proposta que deu errado e assim
aprender com ela, gerando o combustível para continuar movimentando-se.
A segunda regência ocorreu de forma tranquila e os resultados também foram
potencializadores só que de forma diferentes, enquanto a primeira foi um olhar para
dentro e nos fez refletir sobre nossos possíveis erros. A segunda foi perceber que não
é porque não ocorreu como esperado da primeira vez,que a atividade pode ser
descartada, cada turma sempre será diferente da outra, e só poderemos saber se
determinada proposta cabe ou não por meio da tentativa.
Sendo que é a partir dessas diversas possibilidades oriundas de nossas tentativas
que podemos refletir sobre nossas experiências, sendo está “é o que nos passa, o
que nos acontece, o que nos toca” (BONDIA,2002, p. 21). A experiência se dá a partir
daquilo que realmente meche com nosso olhar, mais que apenas ver ou passar pelas
diversas coisas que nos acontece, a experiência se dá em um fluxo de sentidos que
nos levam a realmente refletir, sobre aquilo que passamos ou estamos vivendo, ela
pode ser considerada o próprio ato de realmente enxergar epensar sobre aquilo que
nos impulsiona.

Potencialidades virtuais: A mediação entre professor\aluno, na construção de


experiência no âmbito de ensino.

59
Podemos pensar a experiência de estagio também como uma via de mão dupla,
provocando a transformação de alunos e professores, por meio da experiência
compartilhada em sala de aula. A concepção de uma educação coletiva abordada em
Deleuze & Educação (GALLO, 2008), concebe novas formas de ensinar, contrariando
as determinações sistemáticas no âmbito do ensino e as disciplinas teóricas em
módulos segregados, que tentam a todo custo homogeneizar as formas de educação,
impondo um modulo do saber fechado e segregacionista.
A concepção de uma educação coletiva busca formas de ensino voltadas para
a criação de espaços de resistência, dentro da instituição de ensino. Ou seja, por meio
da educação coletivizada, em um sistema de compartilhamento de múltiplas
experiências e saberes, considerando que cada sujeito experiência a seu modo, e
aprende à sua maneira em seu ritmo. Ao criar possibilidades e espaços de resistência,
o aprendizado tanto do professor como do aluno ocorre de forma muito mais produtiva,
tanto para eles como para a sociedade.
Durante as regências, a transmissão de saberes se deu de forma coletiva,
haviam projetos, mas a participação e produção múltipla eram mais abrangentes que
a produção individualizada e delimitada. Construiu-se um cenário em que a escola se
constitui de “praticas sociais sendo cenário de vivencias, interações e trocas culturais,
como lugar de construção de sentidos e significações” (UCKER, 2009, p.79), partindo
da nossa interação com as realidades que circundavam aqueles alunos, em uma inter-
relação entre teoria e vida cotidiana.
Em Notas sobre a experiência e o saber da experiência, (LARROSA, 2002), o
autor traz várias concepções de viver a experiência, para ele, o saber advindo dela ,
difere do saber científico e racional, a experiência é intima e depende do sujeito que
se deixou experienciar e deu para a sua experiência, um sentido único. Estapermite a
criação, e quando ela, se faz com paixão cria possibilidades que afetam,
transformando a si e ao mundo.
A partir de nossa experiência, chegamos a conclusão que a contribuição por
um experienciar em coletivo é muito mais rica se comparada à uma atividade de artes,
executada dentro dos padrões pré-estabelecidos. O que foge á norma, escapa a
normatividade é por si só um ato de resistência criativa, permitir múltiplas vivências e
60
seu compartilhamento, é enriquecedor para aluno, professor e para a renovação do
aprendizado dentro do sistema de ensino.
Relacionando a experiência coletiva com a segunda regência, é possível
considerar um dos projetos realizados, como produtor de múltiplas interpretações de
um mesmo conteúdo aplicado. Interpretações, que foram compartilhadas
coletivamente pelos alunos. A partir do conteúdo exposto aos alunos, houveram
apontamentos e conversas realizadas em sala sobre a questão da marca e
ressignificação pessoal, tendo como tema arte rupestre e grafite, para que em um
segundo momento houvesse a atividade de pintura nos muros da escola.
Cada aluno deixou sua marca dentro da instituição de ensino, como uma forma
de resistência e pertencimento sendo também uma forma de representação de uma
identidade visual, individual e coletiva entre os alunos. Embora a proposta fosse única,
cada aluno realizou a atividade à sua maneira, sendo fieis direta ou indiretamente à
sua realidade, valorizando as múltiplas interpretações do real, como um modo de
subjetivação singular e próprio.
“A imaginação criaria, a partir da realidade presente, outra realidade com novas
significações, resultados de uma atividade mental fruto do imaginário do percebido”
(CASTORIADIS, 1999, apud UCKER, 2009, p.79), mas isso só se faz presente a partir
do momento que se tem uma mediação entre aluno e professor. Havendo uma troca
de saberes, em que o docente percebe o universo que cerca o aluno, indo além das
práticas teóricas do âmbito da escola, e se voltando para uma relação entre a
percepção do meio, junto a relação desses conteúdos.
Dentro deste contexto, cabe discutir as questões do universo virtual proposto
por Levy (2011), para trabalhar a questão da formação docente por meio dos
processos de troca e aprendizagem de saberes entre aluno\professor. Sendo que o
virtual seria uma forma de pensar, como um modo de ser particular, que ao mesmo
tempo se daria em um modo de transformação de um modo de ser num outro
(LEVY,2011).
Esta ação de transformação de um outro, dentro do universo da docência se dá
de forma mútua. Ou seja, a partir do contato do professor com diversos alunos e
turmas, com suas próprias singularidades, se dá um processo de mudança dentro
61
deste, mas não sozinho, pois é um afetar e ser afetado se tornando outro do que se
era em um eterno devir.
Por meio desta junção de múltiplas interpretações é possível adentrar no que
Gallo (2008) chama de Educação menor, baseada no conceito de literatura menor
criado por Deleuze &Guatarri, consiste em pensar “uma literatura menor não é a de
uma língua menor, mas antes o que a minoria faz em uma língua maior”.
Neste sentido, uma educação menor seria criar brechas de resistência dentro
do sistema já instituído, buscando uma educação que englobe múltiplas realidades e
possibilidades de interpretação indo contra a homogeneização do real e valorizando a
pluralidade de reais, e a constante renovação das formas de ensinar e interpretar o
mundo. Segundo Gallo (2008), “A educação menor é uma aposta nas multiplicidades,
que romanticamente se conectam e interconectam, gerando novas multiplicidades.
Assim, todo ato singular se coletiviza e todo ato coletivo se singulariza.”
Os projetos em sala se tornam coletivos abarcando a grande gama de múltiplas
realidades de cada um, de forma que o pensamento coletivo sobressaia á segregação
proporcionada pela própria instituição de ensino. Ao utilizar múltiplas produções
visuais do cotidiano do aluno em sala de aula, vinculados aos conteúdos disciplina
teóricos de arte, é possível possibilitar um ensino abrangente que faça o aluno
questionar sua realidade e perceber-se como sujeito de mudança social, ao passo que
dispõem de outros tipos de interpretação da realidade para além da escrita.
A partir deste processo de transformação cabe discutir as relações de
virtualidade e atualidade entre alunos e docente, sendo que atual seria o estado de
ser do professor e do aluno, antes de ser afetado pelos atravessamentos de cada
experiência. Já o virtual seriam as potencialidades que poderiam ser desencadeadas
a partir destas experiências. Dentro desses dois polos cabe discutir a ação dinâmica
que ocorre em processo de virtualização que seria a passagem ou desencadeamento
do atual em virtual.

A virtualização pode ser definida como um movimento inverso da


atualização. Consiste em uma passagem do atual ao virtual, em uma
“elevação à potência” da entidade considerada. Virtualização não é
uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto
de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do
62
centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de
definir principalmente por sua atualidade (uma “solução”), a entidade
passa a encontrar sua consistência essencial num campo
problemático (LEVY, 2010, p.18).

Este tipo de ação de virtualização da passagem do atual ao virtual, poderia ser


o momento em que a criança experiência uma atividade proposta pelo professor que
meche com seus sentidos e percepções de mundo. O levando a reconfigurar seu
pensamento de modo continuo, entre a ação e a reflexão do que o cerca, como foi na
atividade de carimbo e pintura no muro com as crianças.
Da mesma forma esse processo ocorre com o professor, ao relacionar as
atividades junto as realidades cotidianas de cada criança, ele se abre para um
processo de percepção em devir. Sendo que cada proposta será única para cada
turma e para ele, pois as realidades do meio mudam e o mudam, transformando
alunos e professores em sujeitos diferentes a partir das ações que os atravessam em
cada contexto de sala de aula.
Cada ação docente pode agir como um disparador das virtualidades da
criança a levando a caminhos ainda desconhecidos durante todo seu processo de
desenvolvimento. O mesmo vale para o professor, pois se o processo de formação
docente será sempre por caminhos do devir, os alunos também atuaram como
disparadores dessas potencialidades de se configurar como docente.
Neste processo de troca, novas estruturas se fazem emergir, não como uma
reorganização daquilo que ali já estava, mas uma verdadeira reconfiguração, alunos
e professores são permeados pelas experiências um do outro, em um processo
dinâmico de virtualização, transformar-se e ser afetado por tudo aquilo que os
percorre, tendo como base a troca e o contato como o outro.
De forma que “[...] existimos na medida em que fazemos existir outros, ou que
ampliamos outras existências, ou que vemos alma ou forma onde outros nada viam
ou sentiam, e assim fazemos com eles causa comum” (PELBART, 2014, p.253).
Nossas existências não se fazem de modo isolado, não nos construímos sozinhos ou
sequer experienciamos sozinhos.
Permitir transformar-se é despertar para novas possibilidades de enxergar o
que nos cerca, sendo um caminho de mão dupla como o trecho acima discorre. Dentro
63
deste contexto à docência e a formação do aluno não estão à margem disso, esse
processo também se faz pela troca, pelo ato de tocar e movimentar o outro,
movimentando-se também junto a esse processo, que sempre deve ser continuo.

Considerações finais:

A partir dos conceitos relacionados neste artigo, buscamos de certa forma


preencher pelo menos um pedacinho da grande lacuna existente entre teoria e prática,
além de levantar questionamentos sobre os caminhos de descoberta que a
experiência provocada pela troca de conhecimentos entre professor e aluno pode nos
levar.
Podendo atuar como um disparador de virtualidades em um processo de troca
de experiências e conhecimento entre o professor e aluno sob o universo subjetivo e
imagético, que os cercam e o continuo processo de construção desse docente, ao
reconhecer essas múltiplas realidades. Criando linhas e perspectivas multidirecionais,
que proporcionaram reflexões e conexões distintas que permearam nosso percurso
de escrita.
A organização dos relatos das experiências de estagio por meio da escrita deste
artigo contribuíram para a organização e mapeamento de nossos pensamentos,
dúvidas, incertezas e principalmente para trazer à tona o que apreendemos no
percurso desta experiência. Sendo que se construir como professor, sempre será
percorrer caminhos incertos, sem linha de chegada conhecida. Como um eterno
perceber de espaços de ensino e docência, um processo continuo de descobertas
inesperadas, possibilitando novas rotas rumo ao conhecimento.
Restando-nos assim aproveitar estas incertezas constantes para construir
percursos didáticos que estejam sendo sempre atualizados por aqueles que assim
como nós vivem a experiênciada docência.

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65
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São Paulo: Editora 34, 2011, 2ª Ed, 160p.

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São Paulo: Editora 34, 2011, 2ª Ed, 160p.

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Como falar de coisas que não existem. 1ed. São Paulo: Bienal de São Paulo,
v. 1, p. 250-265, 2014.

66
DOR E SOFRIMENTO EM PROCESSO CRIATIVO

Rosiane Cristina de Souza (UEM)


rosianecristinadesouza@hotmail.com

Resumo
Este trabalho tem por objetivo fazer um breve estudo sobre a simbologia presente nos
materiais utilizados durante o processo criativo da confecção de uma urna funerária
das almas, tematizada a partir do poema Salgueiro Chorão. Para tanto, será
apresentado um percurso descritivo da facção da obra e aspectos teóricos a respeito
de ritos fúnebres ao longo da história. Ao analisar essa urna e seu processo criativo é
possível notar como a partir dela, outras produções carregaram traços característicos
que configuram a poética, em constante desenvolvimento, como sendo a da dor e
sofrimento.

Palavras-chave: Urna funerária. Processo criativo. Dor. Sofrimento.

Considerações Iniciais

A primeira vez que ouvi o poema do Salgueiro Chorão foi quando eu era criança
e assisti a um filme intitulado My Girl (1991), traduzido para a língua portuguesa como
Meu Primeiro Amor. Nunca vou me esquecer da triste história da garota que perde seu
melhor amigo, morto por várias picadas de abelhas, ela fazia um curso de poesia,
porém não conseguia produzir algo que agradasse a todos. Depois que seu amigo
morreu, ela leu na sala de aula o poema do Salgueiro Chorão, a árvore que chorava
a morte de quem tanto gostava. Guardei esse poema na minha caixa de recordações,
como um verdadeiro tesouro. Entre minhas idas e vindas pelas artes fui despertada
pelo desejo de confeccionar um objeto artístico homenageando esse texto que tanto
gosto, junto ao tema da dor e morte que sempre me causaram muita curiosidade;
assim, resolvi fazer uma pequena urna funerária baseada no poema, não uma urna
qualquer, mas que remetesse a uma joia, que tivesse o preto do luto e o dourado
dessas tão lindas palavras. Não é uma urna funerária que abrigaria um corpo em
cinzas, mas que carregasse a verdadeira alma e beleza de toda uma história de vida,
de todos os versos perfeitos do Salgueiro Chorão, de todas as lágrimas que já lhe
escorreram.

67
1. A MORTE E OS RITOS FÚNEBRES NA HISTÓRIA

De acordo com Morin (1977), os túmulos mais antigos que se tem conhecimento
são os dos neanderthaleses. Foram os primeiros humanos a protegerem seus entes
da decomposição exposta. Nesses povos, o morto era encontrado em posição fetal,
em referência ao nascimento, foram encontrados vestígios de pólen nas sepulturas, o
que indica a presença de flores, também alguns ossos estavam pintados (sugestão de
consumo canibalesco ou segundo funeral após a decomposição do cadáver). Em
algumas sepulturas foram encontrados vestígios de armas e alimentos junto ao corpo,
o que indica que acreditavam em uma segunda vida, visto que esses objetos indicam
uma crença na sobrevivência do morto com as mesmas necessidades dos seres vivos.
Morin (1977) aponta que os ritos de morte exprimem, reabsorvem e exorcizam
traumas provocados pela ideia de redução ao nada:

[...] tudo nos indica que o Homo Sapiens é atingido pela morte
como por uma catástrofe irremediável, que vai trazer consigo
uma ansiedade específica, a angústia ou horror da morte, que a
presença da morte passa a ser um problema vivo, isto é, que
trabalha a sua vida. Tudo nos indica igualmente que esse
homem não só recusa essa morte, mas que a rejeita, transpõe e
resolve, no mito e na magia (MORIN, 1977, p.95)

Morin (1977) afirma que com a sepultura a magia irrompe no homem; as


decorações, adornos, esculturas e pinturas podem ter valor de proteção e de sorte que
se ligam às crenças mitológicas e de operações rituais. Assim se dá a importância
desses objetos na decoração tumular.
A morte sempre foi tratada de maneiras diferentes em cada cultura, sempre
refletida como uma vida em algum outro lugar. De acordo com Santos (2011), para os
egípcios a vida após a morte era muito mais importante que a vida terrena, por esse
motivo os egípcios erguiam enormes túmulos para guardar seus mortos mais ilustres,

68
os faraós. Além disso os corpos eram preparados, mumificados e colocados dentro de
sarcófagos, pois o corpo deveria estar preservado para outra vida.
Também os indígenas mantiveram o costume de guardar seus mortos em urnas
funerárias. Santos (2011) afirma que os povos da fase Marajoara que viveram na
América do Sul, na Ilha de Marajó, por volta do ano 400 tinham como produção mais
característica a cerâmica, a confecção de vasos para uso doméstico e vasos
cerimoniais e funerários que possuíam decoração elaborada. A decoração desses
vasos resultava da pintura bicromática ou policromática de desenhos feitos por incisões
na cerâmica, formando desenhos em relevo.
Até os dias atuais, as pessoas costumam guardar seus mortos em urnas
funerárias, sejam caixões ou vasos onde se colocam as cinzas de pessoas cremadas.
Guardar os mortos não caiu em desuso com o passar dos séculos, ainda é considerada
uma forma de respeito ao ente querido que morreu.

2. SALGUEIRA CHORÃO: A ÁRVORE E A POESIA

Salgueiro chorão

Salgueiro chorão com lágrimas escorrendo


Por que você chora e fica gemendo?
Será por que ele lhe deixou um dia?
Será por que ficar aqui não mais podia?
Em seus galhos ele se balançava
E ainda espera a alegria que aquele balançar lhe dava?
Em sua sombra abrigo ele encontrou
Imagina que seu sorriso jamais se apagou
Salgueiro chorão, pare de chorar
Há algo que poderá lhe consolar
Acha que a morte para sempre os separou?
Mas em seu coração para sempre ficou
My girl (1991)

O salgueiro é típico de climas temperados e frios. As plantas podem ser de


porte pequena (arbustos), rastejantes ou de porte grande e normalmente nascem em
69
solo úmido. Sua árvore possui ramos longos e pendentes e muitas vezes é utilizada
na China com a finalidade de proteger áreas agrícolas, servindo de barreira aos
ventos. Também tem sido utilizada a fim de recuperar águas poluídas, pois tem a
capacidade de absorver e transformar os poluentes em matéria orgânica.
Na Bíblia (Salmo 137; Levítico 23:40), o Salgueiro é mencionado como uma
árvore ribeirinha e de grande importância em rituais judeus, como a Festa das
Cabanas, o Sukkot. No livro de Levítico 23:40, cada judeu devia agrupar quatro
espécies da natureza e logo depois, elas deveriam ser amarradas juntas e
abençoadas. Entre essas espécies está o Salgueiro. Segundo a lei oral do judaísmo,
o Salgueiro não tem cheiro e nem gosto, simbolizando, assim, as pessoas ignorantes
do povo de Israel.
Já na mitologia romana, o Salgueiro é consagrado à deusa Juno e tinha a
propriedade de deter hemorragias e evitar abortos. Na China o Salgueiro simboliza a
imortalidade, visto que cresce mesmo quando é plantado ao contrário. Nos dias atuais,
durante o solstício de verão, os chineses decoram as portas de suas casas com folhas
de Salgueiro. Os caixões sempre são acompanhados por um ramo de Salgueiro
(SALGUEIRO, 2018).
No poema que serviu de inspiração, o salgueiro aparece como um ser personificado
em uma poesia que se refere a uma pessoa que chora a morte de outra que morreu.
Não há maior desobediência à vida que a própria morte.

3. PROCESSO ARTÍSTICO: A CRIAÇÃO DA OBRA

3.1 A URNA FUNERÁRIA DAS ALMAS


A obra artística foi confeccionada em madeira (MDF). O primeiro passo foi fazer
uma pintura branca de fundo e desenhar a árvore. Logo depois a caixa foi pintada com
tinta acrílica preta, no fundo e o salgueiro recebeu coloração dourada, feita com pasta
metálica. As montanhas foram confeccionadas em papel alumínio e receberam uma
camada de betume da judeia clareado com água raz. Os acabamentos ficaram por
conta de uma cola 3D marrom metálica e pelas lantejoulas pretas coladas
aleatoriamente, como se observa na figura 1:

70
Figura 1: Urna funerária das almas, 2012

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Cada um dos materiais tem um significado dentro da obra como um todo: a cor
preta de fundo simboliza o luto e a tristeza relacionada à morte; o dourado do salgueiro
tem o intuito de representar a preciosidade do que a urna leva dentro de si, almas e
poemas, o próprio salgueiro é a representação da vida eterna; as montanhas
pontiagudas elaboradas com alumínio e betume, fazem menção ao formato das
pirâmides egípcias e o significado desse formato: segundo os egípcios as pirâmides
eram feitas pontiagudas para que o espírito em seu interior pudesse subir aos céus;
as faces da pirâmide eram construídas com uma face voltada para o nascer do sol e
outra para o poente, assim, quando amanhecia o espírito acordava e quando
escurecia, o espírito dormia; as lantejoulas simbolizam as lágrimas de tristeza
derrubadas pelo Salgueiro Chorão, por isso são negras; o desenho do Salgueiro foi
propositalmente feito sem folhagens, a fim de dar o efeito de morte, chorou tanto, que
já secou e está quase sem vida; os corações dobrados dentro da urna carregam a
poesia do Salgueiro Chorão, cada um tem o nome de uma pessoa, simbolizando sua

71
alma, como pode ser observado na figura 2. A obra tem sua existência a partir de uma
ação performática, em que cada pessoa deve retirar seu coração/alma de dentro da
urna e leva-lo consigo a fim de desaprisionar a alma de onde se encontra, dar-lhe a
libertação eterna; assim aconteceu na exposição em que a obra esteve presente,
como na figura 3.

Figura 2: interior da urna funerária das almas

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Figura 3: exposição da urna funerária

Fonte: arquivo pessoal da autora

72
Tem-se dessa forma a construção do objeto artístico a partir de um poema que
carrega uma história de vida/morte e de traços simbológicos que nos leva à reflexão
do que existe em outras dimensões, do tudo e do nada. Com o passar do tempo a
urna está sofrendo alterações, está descascando ou perdendo algumas partes, essa
intervenção temporal caminha para a simbologia da morte, o fim em contradição com
o que carrega, a alma... que é eterna.

3.2 OBRAS A PARTIR DA URNA FUNERÁRIA

Considerando a urna funerária já exposta, é possível dizer que foi a primeira


obra de outras que se seguiriam com configuração semelhante e temática parecida.
Uma outra foi confeccionada em argila; foi uma urna que por conta da abertura
pequena, era preciso olhar dentro bem de perto (figura 4); posteriormente ela seria
pintada com motivos egípcios que se relacionam à vida post-mortem, ou grafismo
indígena típico dos povos que tinham esse costume de depositar corpos de
componentes da tribo nesses objetos. No entanto, após a secagem da argila decidi
que assim ficaria, no barro, sem pintura, como uma metáfora da criação do homem,
que teria vindo do barro, assim como ao barro retorna com sua morte.

Figura 4: urna funerária em argila, 2012

Fonte: arquivo pessoal da autora

73
No ano seguinte, 2013, foi produzido o Livro das dores, no formato de
livroobjeto; o nome atribuído à obra tem o intuito de trazer à memória do leitor algumas
das principais chacinas ocorridas no Brasil e no mundo: A queima das bruxas durante
a época em que a inquisição católica tinha poder, holocausto judeu, ditadura militar no
Brasil, massacre indígena na ditadura militar, holocausto de Barbacena, massacre do
Carandiru, chacina da Candelária, morte dos cachorros de Santa Cruz do Arari. No
livro-objeto essas chacinas foram representadas cada uma em duas páginas; algumas
com frases que retratam a quantidade de mortos ou como eram as torturas realizadas
no período, outras são mostradas por meio de frases encontradas em relatório
(Relatório Figueiredo) ou em livro (Melleus Maleficarum, livro que foi o manual de caça
às bruxas utilizado por inquisidores).
As páginas foram construídas em papel preto, cor do luto em relação à morte,
na maioria das sociedades. A capa do livro foi construída em EVA vermelho, cor que
lembra o sangue e também cor utilizada junto com a suástica negra do nazismo (várias
bandeiras eram expostas em vermelho com a suástica negra no meio). No meio da
capa do livro aparece o símbolo nazista, a suástica, esse símbolo foi escolhido por
que traz à lembrança um dos maiores massacres de todos os tempos. A capa do livro
também recebeu vários cortes, que denotam dor, além disso o cercado de arame
farpado em torno do livro também faz referência à dor e cravado no EVA representa,
mais enfaticamente, a sensação de carne machucada (figuras 5 e 6). A partir dessa
capa, já se pode notar que o que tem no interior é dolorido, o livro guarda a história
dos fatos sangrentos que a humanidade presenciou. Cada vez que alguém retira as
páginas para fazer a leitura, o arame corta mais o EVA, machucando cada vez mais e
lentamente a ‘carne’ que não era morta de imediato, mas sob tortura. O livro carrega
algumas páginas sem escrita, à espera de novos terríveis fatos a serem retratados
porque, infelizmente, a humanidade ainda verá outros:

74
Figura 5: Livro das dores, 2013

Fonte: arquivo pessoal da autora

Figura 6: livro das dores desmontado

Fonte: arquivo pessoal da autora

No mesmo ano, foi produzida a obra Natureza morta, como se pode ver na
figura 7:

75
Figura 7: Natureza morta, 2013

Fonte: arquivo pessoal da autora

Essa obra retrata a vida urbana massacrando a vida natural, os animais e as


plantas. Com que material os pássaros terão que fazer seus ninhos no futuro? Os
pregos perfurando o ovo, matando a vida que existe lá dentro. Com o tempo em
exposição essa obra exala odor fétido, de podridão, de morte; odor que piora com os
dias; com o tempo também os pregos e a casca do ovo começam a se esverdear e
um líquido preto escorre pelos furos... morte... podridão. Sinta o cheiro e veja os restos
da morte. A obra precisa de alguém para dialogar e sentir, ela não existe por si só.
Depois é jogada no lixo, ficando só na memória ou um retrato para lembrança.
Até esse momento há uma semelhança nas produções: sempre a mesma
temática: a dor e o sofrimento; que está presente nas obras, seja nos materiais
(arames ou pregos) ou nas imagens (símbolos). Interessante ressaltar que essa
temática é comum mas não planejada nas obras em análise, fluindo livremente. Outros
artistas também expressaram a dor por meio de seus livros-objetos: “Existem as séries
de livros baleados, serrados, queimados, aparafusados, rasgados. Existem coleções
de volumes afogados...” (SILVEIRA, 2008, p.226). Tais artistas colaboraram com a
condução de uma poética própria onde a dor pudesse ser estraçalhada com aqueles
objetos cortantes e perfurantes.
Sobre as poéticas e processos de criação:

Retomamos a dinamicidade e a incerteza do percurso criador, não ´há


segurança de que as alterações levem sempre à melhora dos objetos
76
em construção, daí as idas e vindas, retomadas adequações,
possibilidades da obra aguardando novas avaliações
reaproveitamentos e novas rejeições (SAILES, s.d., p.23).

As obras em análise sempre mudam durante o processo, nunca se mantendo como


foram pensadas no início, sofrem algumas mudanças devido aos acasos; acasos
esses, que interferem de modo positivo se mesclando à emoção exalada durante o
processo criador. De acordo com Corrêa (2007): “O artista, quando cria, deixa
transparecer sua própria alma na obra de arte, isto é, a projeção de seus sentimentos
e valores” (p. 140). De qualquer modo, uma emoção não necessariamente precisa ser
bonita, mas precisa, acima de tudo, ser sentida.
Em 2014, a produção artística foi um caixão, recebeu o nome de O homem
retorna ao pó, o judeu retorna às cinzas: a crueldade humana não tem limites (figura
8), uma referência à queima de judeus na época do holocausto e à crueldade dos atos
abomináveis da época.

Figura 8: O homem retorna ao pó, o judeu retorna às cinzas: a crueldade


humana não tem limites, 2014

Fonte: arquivo pessoal da autora

Corbin (1987) relata a respeito do odor dos corpos. De acordo com o autor cada
espécie animal tem seu próprio odor. Bordeu (apud CORBIN, 1987) afirma que cada
parte orgânica do corpo vivo tem uma maneira específica de agir, de mexer, tem um
odor específico. Assim, cada órgão espalha um odor ao seu redor, um cheiro que está
baseado em suas funções, em seu trabalho. Segundo o autor, até mesmo o sangue
77
feminino e masculino apresenta cheiros diferentes. A bílis exala odores, o leite da
mulher tem um cheiro característico de seu corpo. O sêmen tem odor característico
da essência da vida, carrega consigo o odor de ter nutrido os órgãos masculinos e
estimulado cada fibra.
Bordeu (apud CORBIN, 1987) afirma que os órgãos carregam os produtos e
odores característicos que são exalados pelos emunctórios: o couro cabeludo, as
axilas, os intestinos, a bexiga, as vias espermáticas, as virilhas e os vãos entre os
dedos dos pés. Além do que é característico de cada corpo, Corbin (1987) expõe que
outros fatores podem influenciar nos odores de cada corpo, como a idade, os tipos de
alimentos e bebidas ingeridas por uma pessoa e o ambiente em que ela vive ou é
submetida. Pessoas doentes exalam odores específicos também que podem
contagiar quem está à volta, assim como o odor de cadáveres.
Tendo em mente as colocações de Corbin, a obra relaciona-se com o odor forte
exalado na queima dos corpos de judeus em campos de concentração, que deve ter
sido singular, devido a diversos fatores: odores próprios dos órgãos, dos poucos restos
de comidas que comiam, da água suja que bebiam, o lugar fétido que eram obrigados
a viver, das fezes e urina que tinham contato, por falta de saneamento, do local imundo
em que viviam, da falta de banho e da tristeza exalada em cada célula. Toda essa
miséria em que viviam contribuía para que aos serem queimados seus corpos
exalassem um cheiro característico de tristeza, odor nunca sentido antes, que é
relatado por várias pessoas que puderam presenciar a queima nos fornos crematórios
dos campos de concentração. Essa produção artística visa uma pequena experiência
com queima de restos de corpos, por isso foram escolhidos cabelo, osso e couro.
O formato quadrado do caixão remete ao Memorial aos Judeus Mortos da
Europa (memorial do Holocausto) projetado por Peter Eisenman, em Berlim. Esse
memorial está em uma área de 19 mil metros quadrados coberta com 2.711 blocos de
concreto que lembra um campo ondulado de pedras. A altura e largura de cada bloco
pode variar (normalmente 2,38m por 0,95m ou 4,8m por 0,2m). De acordo com o
exposto no projeto, os blocos têm a intenção de produzir tranquilidade ao olhar, ou até
confusão; há um anexo subterrâneo nesse local onde está guardado os nomes das
vítimas judias do Holocausto. A construção foi iniciada em abril de 2003 e finalizada
em dezembro de 2004, tendo um custo de 25 milhões de euros. (MEMORIAL AOS
78
JUDEUS MORTOS DA EUROPA, 2014). Assim, o pequeno caixão que lembra o
memorial, também pode ser considerado uma urna funerária, visto que abriga restos
mortais. A caixa foi toda pintada em preto em referência à cor do luto. Em sua tampa
está uma estrela de Davi com 6 pontas, em tecido de cor amarelo queimado, quase
marrom, escrito “jude”, que significa “judeu”. Na época do holocausto os judeus eram
obrigados a usar essa estrela na roupa para que todos soubessem quem eram eles.
A estrela no caixão está lá para remeter aos restos mortais que estão dentro.
Para simbolizar a queima dos judeus durante o holocausto, foram queimados
cabelo humano (conseguido em salão de cabeleireiro), ossos e couro de boi,
considerando a não possibilidade de conseguir restos mortais humanos e o não aceite
de queimar um ser vivo não humano.
Tudo foi colocado em uma bacia e queimado: a experiência do extremo mau
cheiro está no processo de queima (a obra é também uma performance: o ato de
colocar fogo e suportar o cheiro), já que quando os restos de ossos e cabelos foram
colocados no caixão, o cheiro ficou mais suavizado, pois logo depois dessa parte
performática de colocar fogo em partes de corpos e sentir o odor fétido, a ação foi de
colocar os restos no caixão e oferecer novas possibilidades para a obra: pequeno
caixão agora continha as cinzas do que um dia fez parte de um corpo vivo e as
pessoas poderiam interagir, abrindo o caixão e sentindo o cheiro exalado (figura 9).

Figura 9: vista de dentro do caixão

Fonte: arquivo pessoal da autora

79
Essas foram as obras produzidas e que se relacionam entre si na discussão e
despertar de reflexões sobre a vida e a morte.

Considerações finais

A Urna das almas foi um início, muitas de suas características são retomadas
em obras posteriores: as que aqui são relatadas e as que não foram; e também as
que estão por vir. Simbologias como a cor preta para o luto, as lantejoulas para as
lágrimas, a cor dourada e o brilho em contraste com a escuridão da morte, a árvore
do salgueiro como eternidade e as ações performáticas que dão vida às obras. Assim,
a Urna funerária das almas pode ser considerada a obra que iniciou as
particularidades da poética para a dor e morte. O processo continua, não se conclui...
nunca se acaba... nem com a morte.

Referências

CORBIN, Alain. Saberes e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e
XIX. Tradução de Lígia Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

CORRÊA, Ayrton Dutra. Entrelaçamentos entre trajetórias pessoais e profissionais. In:


OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Arte, Educação e Cultura. Santa Maria: Ed. da
UFSM, 2007.

MEMORIAL AOS JUDEUS MORTOS DA EUROPA. Disponível em:


<http://pt.wikipedia.org/wiki/Memorial_aos_Judeus_Mortos_da_Europa> Acesso em:
13 nov 2014.

MORIN, Edgar. O paradigma perdido: a natureza humana. 4. ed. Portugal,


Publicações. Europa-América.1977.

SALGUEIRO. Disponível em:


<http://www.atendanarocha.com/2008/07/salgueiro.html> Acesso em: 15 out 2018.

SANTOS, Maria das Graças Vieira Proença dos. História da Arte. 17ª ed. São Paulo:
Ática, 2011.

SILVEIRA, Paulo. A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de


artista [online]. 2 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

80
DRAGSPEAK: A DESOBEDIÊNCIA DA HETERONORMATIVIDADE PELO
DISCURSO E PERFORMANCE DRAG EM “RUPAUL’S DRAG RACE”

Khauã Resina (UEM)


Liliam Cristina Marins (Orientadora – UEM)
Roselene de Fátima Coito (Coorientadora – UEM)
khauresina@yahoo.com.br

Resumo
O presente trabalho visa refletir como os sujeitos drag queen instauram suas
subjetividades ao se inscreverem em determinadas formações discursivas, mediante
a performance, tendo como base o reality show estadunidense “RuPaul’s Drag Race”.
Para isto, foram selecionados três episódios da sétima temporada do programa,
transmitidos no ano de 2015. Partindo dessa seleção, objetiva-se refletir e dar
visibilidade às produções discursivas e às referências identitárias que constituem o
indivíduo queer no reality show em seu contexto de partida. Com resultados
preliminares, foi observada a importância do discurso e da performance de gênero
enquanto ferramentas de desestabilização do padrão heteronormativo em sociedade,
dado que no ato performático a subversão e a desobediência se manifestam,
marcando a identidade drag.
Palavras-chave: Análise do discurso. Gênero. Drag queen. Posicionamento(s)
ideológico(s). Desobediência.

Introdução

Numa sociedade cada vez mais dominada pela pluralidade, há uma


necessidade latente de estudos coesos e articulados mediante temas relacionados a
grupos minoritários – sendo neste trabalho a comunidade LGBTQ+ (nomeadamente:
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Queer, sendo
que o sinal de adição é posto ao final para representar qualquer indivíduo que não
seja coberto pelas cinco iniciais).
Desse fato, depreende-se a importância do desenvolvimento de pesquisas na
área dos estudos queer que colaboram para uma pluralidade cultural e identitária a
partir dos indivíduos inseridos nessa realidade. Visto que a comunidade LGBTQ+ sofre
com a marginalização proveniente de diversos setores da sociedade, seus integrantes
buscam conforto somente dentro de suas próprias fronteiras. Portanto, é imperativo
reconhecer tal grupo em suas dimensões culturais.

81
A partir dessa breve contextualização, introduzo o objeto de análise deste
trabalho, o reality show norte-americano “RuPaul’s Drag Race”. Criado em 2009 e
produzido pelo grupo World of Wonder, o programa em questão possui sua identidade
fortemente ancorada na figura da drag queen e, consequentemente, na comunidade
LGBTQ+. Posto isto, seu objetivo principal revolve em promover a competição entre
drag queens, as quais, sob a avalição de jurados em diversos desafios, devem
provarse dignas do título de America’s Next Drag Superstar.
O processo metodológico desta pesquisa se alinha, por sua vez, ao paradigma
qualitativo, resultando na interpretação e análise dos dados coletados. Nesse
processo, o objetivo será analisar as produções discursivas da comunidade drag
queen e seus efeitos de sentidos no reality show “RuPaul’s Drag Race” em seu
contexto de partida. Tais produções, levantadas em três episódios do programa,
receberão transcrições no ímpeto de sistematizar a análise proposta.

Desenvolvimento

Dito isso, em uma conjuntura moderna, na qual grupos sociais fazem uso de
códigos próprios de comunicação, o mesmo não é exceção dentro da comunidade
drag, que se constitui e se representa em sociedade na, e pela, linguagem, contudo,
sem deixar de se marcar no discurso em seu posicionamento ideológico por esses
códigos.
Partindo dessa noção, considera-se que a comunidade drag queen lança mão
da linguagem, e da performance, para subverter os padrões heteronormativos
vigentes em sociedade, na maneira de (re)significações pertinentes ao discurso e à
forma pela qual se inscrevem no mundo – desafiando binarismos e naturalismos
estabelecidos pela história, em prol do gesto de contestação e desobediência.
Para embasamento teórico, tomo como norte a teoria da análise do discurso
conforme postulada por Pêcheux (1995) e Orlandi (2007), especificamente no tocante
ao conceito de formação discursiva; seguido dos pressupostos de performatividade de
gênero, em Butler (2003), visando compreender a constituição do indivíduo drag
queen tal como é, assim como seu papel combativo quando justaposto à dominação
simbólica (BOURDIEU, 2012).

82
Desse modo, pensemos que diante do linguajar drag queen – o qual defino
como dragspeak (em tradução livre: o falar drag) – inúmeros fatores entram em
consideração, dentre eles o papel da ideologia, pois, como define Orlandi (2007), não
há sentido, tampouco discurso, que não seja determinado ideologicamente. Sendo
assim, ao produzirmos discursos, estamos, inevitavelmente nos marcando no mundo
pelo vínculo entre a linguagem e a ideologia.
O sujeito queer, nessa perspectiva, tem o discurso como a ferramenta pela qual
se constrói sua identidade, haja vista que o ato discursivo existe pela inscrição do
sujeito em uma formação discursiva – isto é, o jogo ideológico no qual
palavras/proposições têm seus sentidos mudados de acordo com a formação
ideológica sustentada pelo enunciador (PÊCHEUX, 1995). Portanto, é na inscrição
dos indivíduos queer em uma formação discursiva específica que os enunciados
dessa comunidade dizem o que realmente querem dizer em certa posição e conjuntura
sócio-histórica (ORLANDI, 2007). Ou seja, a contestação linguística revela, no
trabalho com a ideologia, a força do gesto discursivo, que marca sujeitos em posições
que constroem a sua subjetividade.
As drag queens no reality show em questão demonstram um vocabulário
próprio que subverte, em grande maioria, aquilo que é esperado que se diga enquanto
sujeito inserido numa sociedade cujo principal termômetro moral é o padrão
heteronormativo de convivência. Ao se apropriarem da linguagem, interpelados pela
ideologia, esses sujeitos colocam em xeque a acepção de que os sentidos são literais
e atrelados à sua materialidade linguística. É no efeito contestador dessa linguagem,
por meio do sarcasmo, ironia e humor, que as drag queens de “RuPaul’s Drag Race”
destacam esse aspecto tão peculiar de sua comunidade, servindo à sua realidade um
código de comunicação que destaca suas identidades e as contrapõe com o que é
esperado pela sociedade.
Dando fundamentação às reflexões concernentes à Teoria Queer, me aproprio do
conceito de performatividade de gênero conforme Butler (2003), de modo a classificar
a prática drag como subversiva, na medida em que escancara a plasticidade do
gênero por meio do ato da performance (BUTLER, 2003). Com efeito,
a performance do drag brinca com a distinção entre a anatomia do
performista e o gênero que está sendo performado. Mas estamos, na
83
verdade, na presença de três dimensões contingentes da
corporeidade significante: sexo anatômico, identidade de gênero e
performance de gênero. [...] Ao imitar o gênero, o drag revela
implicitamente a estrutura imitativa do próprio gênero – assim como
sua contingência. (BUTLER, 2003, p. 196, grifos da autora).

Dada a proposta da interpelação do gênero pelo ato performático, Butler (2003)


conclui que o corpo gênero não existe em si só, visto que está presente em uma rede
de atos corpóreos ou discursivos – a performance – que constituem a sua realidade.
Tal performance sugere, conforme diz a autora, a natureza instável do gênero, haja
vista que o mesmo não seria uma substância fixa, mas algo construído através do
tempo pela reiteração de normas sociais cristalizadas, as quais regem e materializam
o que vem a ser “homem” ou “mulher”. Sob essa lente, a imitação do gênero feita por
drag queens contestaria diretamente a coerência pressuposta em sociedade acerca
do que é masculino/feminino, dado seu caráter performático.
Colaborando à discussão, Bourdieu (2012) considera a importância do
Movimento Gay e Lésbico – o qual, na atual conjuntura, compreendo e significo como
Queer – no levantamento de questionamentos significativos ao âmbito das ciências
sociais, principalmente, no que tange à dominação simbólica, isto é, que age fora do
plano físico, levando-se em consideração fatores como etnia, gênero, cultura, língua
e etc. A partir de manobras contestadoras, tal movimento põe em xeque as
construções sociais vigentes, ambicionando subvertê-las (BOURDIEU, 2012).
Contudo, como ressalta o sociólogo, é na reinvindicação de direitos e de visibilidade
que o Movimento Queer torna-se estigmatizado, tendo rejeitada sua existência pública
e legítima, mediante uma categorização – negativamente marcada – responsável pela
sua “invisibilização”.
Logo, na performance da drag queen temos o inesperado em termos de
conformidade social (e sexual), que é o corpo masculino servindo de receptáculo para
signos específicos do gênero feminino, visto que na montagem da personagem drag
é evidenciada a plasticidade do gênero pela performance artística. Portanto, somado
a esse fato, a paródia do gênero feita por drag queens contesta a ordem entre sexos
– a qual é estabelecida historicamente e tida como natural por instituições como Igreja,
Escola e Família (BOURDIEU, 2012).

84
Destarte, tornar visível a plasticidade do gênero pela hibridização do corpo drag,
com suas características “masculinas” e “femininas”, desafia o pensamento comum
acerca da divisão sexual, culminando na desobediência pela arte, que faz questionar,
refletir e aceitar o diferente em sua multiplicidade constitutiva. Ser drag é contestar.
Ser queer é transgredir. Ser LGBTQ+ é resistir.

Considerações finais

Entendendo que os sujeitos e suas identidades possuem, sempre, pontos de


deriva, demonstra-se o vínculo existente entre os pressupostos da Análise do Discurso
e da Teoria Queer. Nesse sentido, sobre a construção do sujeito interpelado pela
ideologia, foi facilitada a apreensão de que a drag queen é um sujeito discursivo que
se constitui historicamente. Logo, na relação observável entre a Análise do Discurso
e a Teoria Queer, compreende-se o caráter anti-estrutural de ambas, visto que
compartilham de uma visão descentrada e fragmentada do sujeito e de sua identidade
no discurso. É, portanto, na confluência dessas áreas que se faz entender que
diferentes discursos legitimam diferentes práticas, as quais, por sua vez, suscitam a
subjetividade dos indivíduos em sociedade.
Como plataforma internacional, “RuPaul’s Drag Race” possibilita às massas o
contato direto com o queer – “o sujeito da sexualidade desviante; [...] um jeito de
pensar e de ser que desafia as normas regulatórias da sociedade” (LOURO, 2004, pp.
7-8). Deste modo, mobiliza um pensamento que requer a alteridade, ao passo que se
observa, no poderoso ato da performance, a desestabilização das dicotomias de sexo
e gênero.

Referências

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria


queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

85
ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas:
Pontes, 2007.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio.


Campinas: Editora da UNICAMP, 1995.

86
EU QUERO IMAGINAR

Katharine Nóbrega da Silva | Autora (Universidade Estadual de Londrina)


Gabriel Augusto de Paula Bonfim | Coautor (Universidade Estadual de Londrina)
katharinenobrega@gmail.com

Resumo

O presente trabalho problematiza, através de construções feitas na rua com materiais


encontrados nela mesma, a relação das pessoas com os espaços da cidade e os
descartes deixados em suas esquinas. Observando esse tipo de materialidade nos
nossos trajetos diários, decidimos intervir em restos de madeira descartados,
rearranjando-os esteticamente com o objetivo de reinserir aquilo que era visto como
lixo no cotidiano das pessoas, mas sob um novo ponto de vista.

Palavras-chave: Arte póvera. Construção Tridimensional. Espaço urbano.

Introdução

Este trabalho refere-se a uma atividade desenvolvida na disciplina Expressão


tridimensional, no curso de artes visuais da Universidade Estadual de Londrina em
2016. Se configura como um conjunto de construções em madeira, portanto, a
materialidade principal é esta. No entanto, não apenas.
A primeira etapa se deu pelas pesquisas de referências que nos levaram a nomes
como Mario Merz e Michelangelo Pistoletto, por exemplo. Porém, os nomes que nos
chamaram mais atenção foram do artista italiano Giusepe Penone e dos brasileiros
Marepe, e principalmente do Fabrício Carvalho.
Naturalmente, nos identificamos com o conceito de Arte Povera, movimento
artístico dos anos 60, do qual os artistas citados fazem parte, e que se caracteriza por
utilizar materiais considerados não nobres na produção do objeto artístico. A escolha
por essa matéria aciona questões sobre a relação das pessoas com os objetos,
desses objetos com o espaço, e de ambos - pessoa e objeto - com a natureza, a
cidade, a sociedade e seus hábitos pós-industriais ligados ao consumo. Esses
materiais são descarte, coisas que não julgam mais úteis, lixo. Uma resposta da
cidade, uma espécie de denúncia sobre o funcionamento das coisas através dos
rastros das pessoas. Encontramos o material do nosso trabalho, na rua.

87
Desenvolvimento

Fazendo essa aproximação com o nosso próprio cotidiano, decidimos explorar


os espaços pelos quais passamos quase que diariamente. Como andar de ônibus é
uma das maneiras mais corriqueiras de nos movimentarmos pela cidade, passamos a
observar nossas trajetórias feitas de ônibus em função da UEL, - isso abrange uma
triangulação entre as nossas casas (da região centro-sul ao extremo sul), a UEL (local
onde ambos estudam) e a Divisão de Artes Plásticas (onde realizávamos estágio).
Virou um exercício diário a observação desse percurso à procura dos descartes
(principalmente de madeira) e como estes objetos rejeitados se relacionam com o
espaço onde estão. A partir dessa observação, nós interferimos nesse trajeto inserindo
um novo elemento no espaço, mas usando coisas que já estavam na rua. Os nossos
acréscimos estão por conta dos materiais usados para unir as peças. Quando não era
encaixe, era barbante e prego. Além de uma tinta vermelha precariamente espalhada
em algo pedaço de madeira.
Transfigurando a matéria, nós mudamos sua relação com aquele espaço e
foram surgindo seres mágicos e portais construções/intervenções urbanas bem
próximas aos lugares onde os materiais foram achados – geralmente próximo a pontos
de ônibus. Aqui, uma referência direta ao trabalho “O silêncio do martelo” (2008), de
Fabrício Carvalho.

Figura 1. O silêncio do martelo – Bolsa Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais -


2008
88
Considerações finais

Nosso trabalho quer existir na rua, é para ser visto e não para ser guardado. É
também efêmero por conta dos materiais, da exposição ao clima, da localização.
Não é feito para vencer o tempo, mas para existir com ele, no gerúndio. E o
processo nos trouxe para perto a dimensão dessa interação.
A materialidade do nosso trabalho é precária, como são as relações com os
rejeitos. Os materiais que escolhemos para unir as partes são tão precários quanto. O
prego desliza na madeira podre e alguns movimentos desencaixariam facilmente as
estruturas. O barbante tenta envolver, proteger, segurar, tenta fazer com o objeto
permaneça ali um pouco mais, mas também é muito frágil, não dá conta da função.
Tudo precário.
Construímos então sete “coisas” pela cidade:
No “bicho” (2016), os galhos das árvores recém podadas e amontoados
próximo ao ponto de ônibus do CLCH (Centro de letras e ciências humanas da
Universidade Estadual de Londrina) foram encaixados e apoiados, sem o auxílio de
nada. Construído no dia 30 de junho de 2016, ele ficou praticamente intacto por 30
dias. Tentamos fincar uma madeira no chão para que ela servisse de sustentação,
mas não tínhamos ferramentas e o buraco ficou bem raso, no entanto, foi a nossa
estrutura mais duradoura. O encaixe aconteceu de forma aleatória. “Queria ser bicho”.
No “portal” (2016) juntamos boa parte de folhas secas e colocamos dentro de
um armário que havia sido abandonado perto de um ponto de coleta de lixo da UEL e
ponto de embarque e desembarque de vans de outras cidades. Aqui usamos pregos
e barbantes e começamos a escolher um pedaço de madeira para pintarmos de
vermelho, como um carimbo. Foi montado no dia 7 de julho de 2016, numa quintafeira,
e quando voltamos à UEL três dias depois, ele estava no chão.
No dia seguinte, decidimos colocar o armário novamente de pé. Seria o “Portal
2” (2016). Desta vez, usamos barbante vermelho também, e o utilizamos para tentar
assegurar que o armário não cairia dando voltas na tampa de concreto no qual ele
estava em cima. Acreditamos ter resolvido o problema, mas já na semana seguinte o

89
armário estava inclinado, na outra semana estava no chão e de repente já não estava
mais lá, restou apenas o que estava dentro dele e alguns pedaços de barbante.

Entendemos o sinal. Não deveríamos tentar abrir aquele portal novamente.


O “Ponto duplicado” (2016), foi feito com rejeitos a muito tempo abandonados
em frente a uma casa. O primeiro fora da UEL, no dia 01 de agosto de 2016. Aqueles
rejeitos estavam ali desde antes do trabalho começar.
“A placa diz vermelho” (2016), foi feita no improviso. Fomos em busca de uma
escada que vimos próxima à DaP (Divisão de Artes Plásticas da Casa de Cultura da
UEL), mas a escada não estava mais lá. Apenas um pedaço de madeira que
decidimos pegar. No caminho uma cadeira vermelha abandonada na esquina
completou a nossa composição.
A “Cama de gato” (2016) aconteceu no bairro União da Vitória, assim como as
outras construções, aconteceu no improviso, instalamos em um ponto de ônibus um
emaranhado de galhos secos que ali encontramos. O que de mais diferente aconteceu
no local foi a relação das pessoas com o trabalho, enquanto levantamos o
emaranhado de galhos um senhor nos ofereceu ajuda e saiu sem perguntar o que
estávamos fazendo, a reação das crianças foi ótima também, desde o olhar de
espanto, até o olhar de interesse pela “arte” ali sendo feita, como se referiu uma delas.
O “Fazer desejo” (2016) foi a nossa segunda construção no bairro União da
Vitória, escolhemos outro ponto de ônibus na mesma rua da construção anterior, só
que dessa vez em frente ao Viva a Vida, que é um projeto social para crianças e
adolescentes carentes do bairro. O interesse das crianças pelo o que fazíamos ali foi
absurdo, do começo ao fim da construção elas ficaram nos rodeando e tentando
entender o que fazíamos ali, uma hora dissemos que era um portal para fazer desejo
e uma criança prontamente respondeu que queria fazer desejo, e fez, assim batizamos
essa construção. A construção é composta de vários barbantes vermelhos ligando o
ponto de ônibus a uma arvore, e na arvore construímos uma espécie de altar com
pedaços de moveis encontrados ali que pintamos de vermelho.
O “Recolhe” (2016) foi o nosso ponto final, o último até então. Nos ônibus
quando o itinerário está no recolhe é porque aquela é a última volta, então ele vai para
garagem e termina o dia. Na nossa lógica foi assim também, finalizamos o trabalho

90
com o recolhe na galeria do departamento de artes visuais, utilizamos os restos dos
materiais utilizados pelos nossos amigos nos projetos de construções deles e outras
coisas encontradas pelo departamento.

Fotografias 1 e 2: O bicho e O portal. 2018. Katharine Nóbrega. Dimensões variadas.

Fotografias 3 e 4: Ponto duplicado e A placa diz vermelho. 2018. Katharine Nóbrega. Dimensões
variadas.

Fotografias 5 e 6: Cama de gato e Fazer desejo. 2018. Katharine Nóbrega. Dimensões variadas.

Referências

BARROS, Manuel. O livro das Ignorãças. Rio de Janeiro: Editora Alfaguara, 2016.
CARVALHO, Fabrício. O silêncio do Martelo; TransObjetos; Máquina de moer som.
Disponível em: <http://www.fabriciocarvalho.net/>

Oficinas e discussões sobre a cidade e o agir sobre ela.


Disponível em: <http://semanadearte.com/>
91
FLOR-AÇÕES: UMA SÉRIE POÉTICA

Vanessa Arnaut Pereira (UEM)


Profa. Ms. Aletheia Alves da Silva (UEM)
nessa_arnaut@hotmail.com

Resumo: O presente resumo é resultado do processo criativo das produções


artísticas, tendo como objetivo do trabalho de conclusão de curso do curso de
Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Maringá. Fundamentar
o desenvolvimento de obras de arte com o material têxtil provenientes da Indústria do
Jeans. Utilizando-se do residual de retalhos de jeans para a fundamentação e
construção de uma poética com a visualidade das flores. Os retalhos de jeans
manifestam sua origem na flor, foram produzidas sete obras artísticas tridimensionais
com a técnica de recortes, com o essencial trabalho do artesanato, as tranças e os
nós. As pessoas são convidadas a tocar, sentir, a fazer parte, pois já o fazem no ciclo
do produto, o jeans que sustenta os corpos.

Palavras-chave: Arte. Processo Criativo. Flores. Jeans.

Introdução

A produção contemporânea permite maior liberdade ao artista na concepção de


seu trabalho quanto ao tema, à escolha de materiais e técnicas, levantando questões
referentes ao seu modo de pensar e agir, desenvolvendo sua capacidade crítica e o
seu potencial criativo frente a uma ideia norteadora.
Buscando eleger uma matéria-prima, uma técnica, uma linguagem, um
conceito, optei por desenvolver obras artísticas utilizando os retalhos de confecção
que envolvesse a ideia de “reciclar” esse material, por meio da arte contemporânea e
arte têxtil sustentável, representando um conceito que não lhe é próprio, e que
explorasse a ideia de uma exposição das obras. Após algumas pesquisas sobre obras
e artistas contemporâneos que enfocam a arte têxtil e a exploração de objetos nas
obras de arte, por meio do jeans como matéria prima, dando lhe um significado poético
e subjetivo, retirando a sua função de descarte (lixo) da confecção, reutilizando para
produções artísticas e sendo que é um material que tenho uma afinidade em trabalhar,
o tecido é uma memória afetiva.

92
Os retalhos de jeans foram doados pela empresa Radade, onde já havia
trabalhado em 2013. A marca Radade, atua no segmento country desde 1994. Foi a
pioneira no Brasil, a confeccionar bonés para esse estilo.
Figura 1: Retalhos de Jeans

Fonte: Vanessa Arnaut, 2018


O segmento jeans possui relevância no universo da moda e destaca-se
principalmente pela maneira como foi apoderado pelo consumidor, que transformou a
vestimenta de trabalho em símbolo de comportamento. Ele permanece passível de
metamorfoses proporcionada pelo tecido e modelagem sendo, ao mesmo tempo,
neutro e autêntico. “ O jeans foi o tema escolhido por grifes por estar carregado de
memórias e representar um produto atemporal, um elemento básico multi-gerencial
que mistura a herança do passado com a modernidade” (CATOIRA, 2009, p.84).
O jeans começou a sua trajetória como um elemento globalizado, é um tecido
francês, mas o mérito é do alemão Levi Strauss, o produto virou febre no mundo todo.
Pode-se dizer que a calça jeans foi um produto de design desde as primeiras
modelagens. A partir de Levi surgiu a versão mais famosa da calça Levi’s a 501. E a
marca ainda é existente no mercado da moda (CATOIRA, 2009).
O Denin (jeans) é composto pela matéria-prima o algodão que é uma das fibras
mais usadas no mundo, cerca de três quartos da população mundial utiliza no
vestuário e os outros utilitários que variam da tela para pintura à encadernação de
livros. O algodão tem uma vantagem em relação as outras fibras, se aproveita tudo
dele. A fibra é a mais nobre, mas também aproveita a semente para produção de óleos

93
inclusive comestíveis. O algodão é a fibra mais resistente, podendo ficar séculos com
conservação razoável e é menos vulnerável a traças, mofos e fungos (CHATAIGNIER,
2006).
A flor de algodão apresenta-se em diversas cores, dependendo do clima e da
espécie: branca, azulada, rosada, amarela e tem a peculiaridade de abrir pela manhã
e fornecer do dia seguinte. A floração começa no verão e termina no outono
(CHATAIGNIER, 2006 p,41).
A Arte Têxtil, pode receber inúmeras formas e materiais, podendo ser
bidimensional ou tridimensional. Assim como ela me tocou sensivelmente, acredito
que ela é capaz de formar o saber sensível. Material o tecido (jeans), na construção
de uma produção artística que transmiti uma poética autoral em flores, o olhar pode
gerar e expressar diversos sentimentos e sensações.
Processo Criativo
Desenvolvi uma produção artística que enfoca algumas características da arte
contemporânea, tais como: a liberdade do artista para construção da obra, a utilização
e apropriação de material de confecção que passam a ter novas funções, conceitos e
significados, utilizados para representar a ideia do artista. o papel do espectador como
co-produtor, sendo essencial para a finalização da obra podendo interagir ou participar
da mesma, a ocupação de espaços que fogem à característica de museu ou galerias
de arte, levando as obras ao encontro com o público, permitindo suas reflexões e
críticas.
Ao propor essa produção artística junto com a escolha da poética flores e o
material retalhos de jeans, a poética em flores vem desde a minha infância e até no
dia atual como a inspiração da artista Frida Kahlo com suas flores e na produção
artística, com os artistas Sheila Hicks, André Azevedo e Sonia Gomes, essas
referências nortearam o início da minha produção, que foram escolhas sobre conceitos
subjetivos e elementos que pudessem representá-los nas obras produzidas.
A poética autoral em flores não foi um por acaso, escolhi algo que sempre
esteve presente na minha vida que são as flores, na minha infância eu brincava muito
no quintal da minha casa rodeada de flores e plantas, minha mãe cuidava muito bem
delas, casa da minha vó com jardim enorme diversas flores, quando ela pedia para eu
94
jogar água nas flores adorava fazer isso, eu via os cuidados que elas tinham com as
flores uma delicadeza ao cuidar, isso me chamava atenção e cuidam até hoje. As
minhas flores preferidas são: rosas, margaridas, girassol, orquídeas e lírios.
A flor simboliza beleza, alma, pureza, amor, fertilidade, natureza, criação,
infância, juventude, harmonia, perfeição espiritual e o ciclo vital. As simbologias e os
significados associados à flor diferem muito de cultura para cultura. Apesar disso, a
flor é um símbolo antigo e universal do princípio passivo, do nascimento e do ciclo
vital. Desde a antiguidade, muitas foram usadas para a cura de muito males e ainda
nos rituais sagrados. Quando estão abertas, as flores simbolizam a natureza em seu
maior esplendor. Assim, representam a glória e refletem tudo o que é passivo e
feminino, portanto, tudo o que esteja ligado à beleza, à juventude, à paz, ao espírito e
à primavera. (DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS).
Quando me deparei com os retalhos de jeans, me veio muitas ideias para
desenvolver a produção artísticas, mas depois que comecei a fazer veio alguns
sentimentos de frustrações, dei o início da produção com bordado e utilizando
aviamentos de confecção, mas não estava me fazendo feliz e nem ficando satisfeita
com o trabalho realizado, foi onde que veio a tristeza, isolamento, solidão, choro fiquei
dias sem fazer nada. Larguei o bordado e trabalhei apenas com o jeans, e assim foi
criando as obras artísticas tridimensional, tempo curto para desenvolve-las, mas não
desisti, minha família me ajudou muito dando apoio que precisava, ajudaram a cortar
as flores que foram mais de 200 flores recortadas sem elas não teria conseguido
finalizar as sete obras artísticas. E que hoje eu me emociono muito ao vê-las prontas,
é inexplicável o sentimento.
Por ter começado a desenvolver um tipo de produção e não ter dado a
sequência, mesmo assim eu reutilizei o jeans, até porque meu trabalho é sobre o
reaproveitamento “sustentabilidade” não poderia descartar o meu material. Então
reutilizei os círculos que eram para uma produção de uma obra, e usei como meu
suporte para as obras. E não deixa de estar envolvida com a minha poética, as flores
são redondas, alguns podem achar que não, mas olhando em diversos ângulos
encontram o círculo nas flores.

95
Considerações finais

O resultado das obras foi surpreendente, por meio de tantas frustrações,


angustia, medo, insegurança e quando chega no final e esses sentimentos ruins
desaparecem para a chegada dos novos sentimentos a felicidade, satisfação, prazer
de produzir, se sensibilizar ao ver as obras, esse processo só me fez crescer como
uma futura artista.
A Arte Têxtil tem muito para contribuir para a minha formação de ser
sensível/estético. Nas suas diversas possibilidades de se expressar e provocar
sensações, a arte tem a capacidade de dar sentido as formas, o material, o pensar e
ao criar a vida. Mesmo tendo essa afinidade com a materialidade surgiu insegurança
de produzir, a poética em flores, o medo de expor os sentimentos, as críticas que vão
vim e terei de enfrenta-las com muita maturidade e sabedoria. Cada lágrima, cada
bolha no dedo, dores nas costas e mãos, tudo foi muito valioso para o meu processo
criativo, trazer a moda de forma diferente de se trabalhar dentro da arte, sair do
conforto e buscar novos meios de produção artísticas e novos conhecimentos.

Referências

CATOIRA, Lu. Moda Jeans: fantasia estética sem preconceito. Aparecida, SP: Ideias
& Letras, 2009.

CHATAIGNIER, Gilda. Fio a Fio: tecidos, moda e linguagem. São Paulo: Estação das
Letras. Editora, 2006.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis, Vozes. 1987.

DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. Disponível em:


https://www.dicionariodesimbolos.com.br/flor/ Acesso em: 21 de setembro 2018.

96
IMAGENS RECEBIDAS NO COTIDIANO DAS CRIANÇAS: SINGULARIZAÇÃO A
PARTIR DE IMAGENS ESTEREOTIPADAS

Fernanda Ayumi Sakuma (UEM)


Beatriz Naomi Ichiba (UEM)
Eloiza Amália Sestito (UEM)
fayumisakuma@gmail.com

Resumo
O presente artigo tem como tema Imagens recebidas no cotidiano das crianças:
significações a partir de imagens estereotipadas. E questiona: como as imagens
recebidas, estereotipadas, presentes no cotidiano das crianças, possibilitam
experiências de significações? Para responder esse questionamento temos como
objetivo: compreender as imagens recebidas, estereotipadas, como possibilitadoras
de experiências e significações. Para atingir esse objetivo, vamos introduzir e explicar
o conceito de imagens recebidas, de acordo com Maria Leticia Vianna (2010), relatar
e problematizar nossa experiência de estágio e a relação dos alunos em frente aos
estereótipos e analisar os resultados das atividades aplicadas durante o estágio
observando vestígios de significações.
Palavras-chave: Estereótipo. Significação. Cultura Visual. Estágio

Introdução

Este artigo tem como principal objetivo compreender as imagens recebidas,


estereotipadas, presentes no cotidiano das crianças, como possibilitadoras de
experiências e singularização. Para tanto, abordaremos termos como imagens totens,
imagens recebidas e imagens estereotipadas, discutindo a relação dos alunos do
CMEI Recanto Alvorada com essas imagens e nossa experiência na disciplina de
Estágio Supervisionado em Artes Visuais I, para então analisar os resultados obtidos
do estágio procurando vestígios de singularização. Para fundamentar o artigo serão
utilizados autores como Maria Leticia Vianna (2010) que trabalha com os estereótipos
como imagens recebidas abordadas no livro Desenhando com todos os lados do
cérebro, Susana Rangel Vieira da Cunha (2014, 2005), que trabalha com as imagens
totens, a presença dessas imagens nos cenários infantis e a relação da criança com
o desenho, Alexandre Adalberto Pereira (2010), que aborda sobre as identidades
projetadas através dos “desenhos pedagógicos” e Felix Guattari e Suely Rolnik

97
(2013), com o livro Micropolítica cartografias do desejo, trazendo o termo de
subjetividade e processos de singularização.
Falam que “o estágio é a parte prática dos cursos de licenciatura, como se ele
não fosse eminentemente teórico também” e como se não houvesse uma ”relação
entre teoria e prática” (OLIVEIRA, 2005, p.59 e 61), através desse artigo e das nossas
observações e atividades aplicadas no CMEI Recanto do Menor Alvorada e no Lar
Escola, percebemos que este artigo é configurado como uma pesquisa em campo,
pois segundo Oliveira (2005) o estágio é “como campo de conhecimento e espaço de
construção cujo cerne é a pesquisa, um locus de perfil epistemológico, anulando,
assim, a tradicional ideia de estágio como atividade prática instrumental” (OLIVEIRA,
2005, p.59). A partir do estágio, muitas problematizações surgiram em nossa mente,
por exemplo, como as imagens recebidas, estereotipadas, presentes no cotidiano das
crianças, possibilitam experiências de significações? Como esses desenhos,
reproduzidos infinitamente podem de alguma maneira contribuir para sua
subjetividade, sua singularização?
Dessa maneira, o artigo foi estruturado em três seções, a primeira introduz e
explica o conceito de imagens recebidas, totens, pedagógicos e estereotipadas, a
segunda relata nossa experiência no estágio, a terceira problematiza nossa
experiência e a relação dos alunos com essas imagens e por último uma análise do
resultado das atividades propostas durante o estágio observando vestígios de
singularização.

Imagens estereotipadas: totens, pedagógicas ou recebidas

De acordo com Cunha (2014), a noção de que as imagens podem contribuir


como forma de educar crianças, tem como preceptor John Ruskin (1819-1900), que
acreditava que “[...] as qualidades estéticas do meio possibilitariam o desenvolvimento
do bom gosto nas crianças, sendo que o bom gosto era um elemento fundamental na
educação das crianças pequenas [...]” (CUNHA, 2014, p.204-205). nas escolas
americanas por exemplo, a autora ressalta que os ambientes possuíam reproduções
de obras de arte e eram usadas para produzir um conjunto de ensinamentos e

98
condutas que eram aceitas socialmente, e na maioria das escolas isso se repete, os
ambientes se tornaram todos semelhantes, e conforme Cunha (2014), Baudrillard
(1997, p.11), define esses ambientes como um “discurso ambiental, um sistema
falado”, em que estes “[...] criam uma narrativa específica sobre o mundo e sobre uma
infância.” (CUNHA, 2014, p.207) e segundo Pereira (2010, p.210), os discursos são:

[...] mecanismos de regulação e nós nos tornamos sujeitos nos


entremeios de determinadas posições discursivas, nas quais estamos
engendrados identitariamente, sujeitando-nos (tornando-nos sujeitos)
aos seus significados do mesmo modo como sujeitamos os outros a
essas posições.

Diante disso, Pereira (2010) ressalta que os estudantes são colocados em


rígidas carteiras escolares, se deparando diariamente com ilustrações e imagens em
seus livros didáticos que também se encontram nos murais e calendários nas paredes,
e é nessas imagens que se desenrolam ações pedagógicas em que se fala ou omite
algo. A escola é um espaço que não pertence ao seus habitantes, pois os traços
individuais das crianças nesse ambiente são praticamente inexistentes, e o que está
presente são as chamadas imagens totens, que segundo Cunha (2014) são aquelas
imagens que sintetizam crenças, ritos e práticas culturais, e são erguidos totens com
personagens da cultura popular nacional e internacional, personagens que são tidos
como infantis, inofensivos, que estão ali para serem absorvidos tanto pelas crianças
quanto pelos educadores, que os aceitam sem nenhum questionamento, sem
nenhuma problematização.
Para Pereira (2010), as imagens estereotipadas podem ser classificados como
um produto fixo, acabado, imóvel, que se encerra em troca do conforto, não é
necessário sair da zona de conforto, apenas aceitar o que é representado, são
processos sociais profundamente marcados por políticas, processos de significação e
escolhas, é uma relação de poder que sobrepõe algumas identidades tidas como
‘normais’ como hegemônicas, aquilo que é aceito, admitidas com efeito de verdade,
contínuo e repetitivo, tanto é, que todos os ambientes, cenários infantis possuem a
mesma ambientação, como se tivesse uma matriz inicial e todos fossem cópias dessa
mesma, ainda segundo o autor, essas imagens foram comumente chamadas de
imagens pedagógicas, imagens que estão ali como forma de “[...] manutenção da

99
ordem dominante que intenta universalizar, fixar e homogeneizar os significados para
as identidades”, são, de acordo com Pereira (2010, p.214-215):
Figuras que são apresentadas como modelos que sugerem um
contorno, um sentido de mundo infantilizado; figuras cuja aparência é
sempre arredondada, desbastada, polida, sem incômodas arestas;
onde os personagens que habitam este universo fictício são criaturas
delicadas e dóceis, e estão sempre sorrindo[...] figuras que agradam
aos alunos e professores, suavizam o ambiente escolar, disfarçam
com alegria a obrigatoriedade desconfortável das tarefas escolares e,
sobretudo, medeiam aprendizados.

Além de imagens totens e pedagógica, Maria Leticia Vianna (2010), com seu
livro Desenhando com todos os lados do cérebro, traz o termo de imagens recebidas,
de início a autora, diz que os termos poncifs, clichês, estereótipos, lugares-comum e
ideias recebidas são de iguais significados, mudando apenas as suas origens, além
de que todas possuem uma conotação negativa. Poncifs para Viana (2010), é uma
técnica na qual o contorno do desenho é feito a partir de um recorte ou perfurações
uma perto da outra, e então, ao passar um pó colorido, este atravessava para o outro
lado da folha formando o contorno, o termo poncif passou então a designar um
trabalho banal, sem originalidade, cópia fiel, reprodução que segue um padrão. Ainda
segundo Vianna (2010), Charles Baudelaire (1821-1867) diz que “Criar um poncif é
um talento”, porém, no caso das escolas brasileiras, não se sabem quem foram os
talentosos criadores dessas imagens que compõem o cenário infantil, imagens essas
que com o advento do mimeógrafo, tornou a reprodução destas mecanizada e rápida,
perdendo a qualidade, mostrando características inseguras e sem nenhuma
espontaneidade, não existe mais um indivíduo que cria livremente, somente que traça
por cima, tentando reproduzir fielmente o desenho, e tal ação acarreta a perda da
espontaneidade, devido ao traço tortuoso e sem direção.
Além de poncif, Vianna (2010), também traz os termos estereótipos e clichês,
em relação ao estereótipo, a autora menciona a preocupação de tipógrafos ao longo
de todo o século XVIII, de inventar um modo que os permitisse reutilizar as pranchas
de impressão, o que permitiria a tiragem da mesma forma em número ilimitado, e a
partir dessa preocupação, surgiu o processo de clichagem ou estereotipia, que tomou
o lugar das letras removíveis, ao formar uma placa dura que compõem uma página

100
toda. Por fim, estereótipo, assumi a ideia de cópia exata, aquilo que se repete
constantemente sem nenhuma mudança, as imagens estereotipadas no cenário
infantil brasileiro, na imageria escolar, “[...] são duros, fixos, imutáveis e reproduzíveis
ao infinito. ” (VIANNA, 2010, p.67)
Para além de poncifs, clichês e estereótipos, Vianna (2010), traz o termo de
lugares-comuns, que em suma, tem o mesmo significado de “ideias batidas”, pois
como diz a autora, é como uma reserva de argumentos típicos e frases prontas que
são usadas a todo momento, para melhor compreensão, Fernando Sabino (1952, p.4,
apud VIANNA, 2010, p.69) afirma: “Ora, se as ideias se impõem pela repetição, porque
ao homem é mais cômodo adotá-las que produzi-las, nada melhor que repetir o que
pretendemos impor-lhe.”
Em vista disso, entramos no termo de idées reçues, ou ideias recebidas, e de
acordo com o texto
[...] tanto a palavra reçue no feminino, como reçu no masculino, podem
assumir diferentes valores. Reçu pode assumir um valor verbal, com o
sentido de “acolher”, “admitir”, “aceitar”, e/ou um valor de adjetivo e,
nesse caso, equivale a “consagrado”, “em uso”, “habitual”. Opõe-se,
assim, de maneira implícita ou explícita, ao que é “novo” e ao que vai
“contra o estabelecido”. Reçue pode igualmente tomar o sentido de
“admitida”, “acolhida”. (VIANNA, 2010, p.71)

As idées reçues, eram comumente ligadas aos preconceitos, pois era algo
consagrado, ideias prontas, lugares-comuns, aquilo que é admitido e aceito sem
nenhuma reflexão, dessa maneira, vemos que o que ocorre com as ideias, acontece
também com as imagens, os desenhos, imagens recebidas, são aqueles modelos
aceitos sem nenhum questionamento ou reflexão, do qual desconhece a origem e a
autoria. São desenhos adotados por fortes razões sociais e ideológicas, que assim
como Pereira (2010), Vianna (2010) menciona que estão ligados aos valores
dominantes, a ideias hegemônicas que colocam oposições entre elite e a massa, o
que manda e o que obedece.
Esses desenhos, continuam no cenário infantil, pois “[...] ganham credibilidade ao
serem considerados ícones, associados ao aprendizado dos alunos, e se caracterizam
pela simplificação da forma. ” (PEREIRA, 2010, p.215). Nas palavras de Cunha (2014),
essas imagens geram uma espécie de persuasão, seja ela pelo temor ou pela

101
simpatia, estão lá para moldar o bom comportamento, aquele que é aceito
socialmente, além de também educar os gostos e os olhares, são imagens
dominantes, que negam outras formas singulares, limitando as crianças a estes
modelos reproduzidos infinitamente de ser.

Um relato e uma problematização...

O CMEI (ensino formal) possui turmas do terceiro ao quinto ano, enquanto no


Lar Escola (não formal) os alunos eram divididos em três turmas de acordo com a
faixa etária e realizavam atividades extracurriculares em turno oposto ao da aula
formal.
Nós tivemos 4 dias de observação em sala de aula todos na sexta- feira, no
primeiro dia de observação (13 de abril de 2018) a atividade consistia em recortar
letras de revistas para montar a palavra Maringá, no segundo dia (20 de abril de 2018)
a atividade foi completar o caminho de letras do alfabeto, já no terceiro dia (27 de abril
de 2018) era colocar o número que havia de flores no vaso, e por fim no quarto dia (04
de maio de 2018) a atividade era pintar uma tirinha do gibi da turma da Mônica.
Durante as aulas, aqueles que bagunçam tem seu nome no quadro no espaço “Não
vai ao parque”.
Figura 1 – Atividades passadas durante as observações

No Lar Escola, as atividades eram extracurriculares, nós tivemos apenas dois


dias de observações, no primeiro observamos as três turmas, de 6 a 7 anos, 9 a 10
anos e 11 a 12 anos, já no segundo dia observamos apenas a turma mais velha e a
mais nova. Em relação a turma intermediária, não temos muito o que relatar pois
quinta-feira no horário que fomos observar eles, eles estavam brincando no parquinho.

102
No primeiro dia de observação do mais velhos (24 de maio de 2018 - Quinta-feira),
eles estavam tendo uma conversa com uma psicóloga e uma assistente social, elas
tocaram a música dos Tribalistas “Já sei namorar”, e entregaram uma folha com
perguntas como: 1) Você acha que atualmente, os adolescentes são mais
“namoradores” do que no passado? Porque? 2) O que é importante a pessoa ser para
gostarmos dela? 3) A música fala sobre liberdade, sobre aprender coisas novas e
poder praticá-las. O que é liberdade para você? Eles tinham que responder e não
precisava se identificar, porque depois cada um pegaria uma folha aleatoriamente para
ler as respostas, para que não tenha constrangimentos, é uma atividade interessante
pois é a percepção de cada um se os adolescentes estão ou não namoradeiros e
sobre o que é liberdade, é uma atividade que ajuda na construção de identidade, sobre
como pensar algo. Já no segundo dia (07 de junho 2018 - Sextafeira) os alunos
tiveram que pintar uma imagem da turma da Mônica ilustrando a festa junina e
posteriormente estavam jogando jogos.
Figura 2 – Desenho para pintar no Lar Escola

Análise das atividades e observando os vestígios de singularização.

Antes de começar a análise do resultado das atividades, é relevante explicar o


que é a singularização, e para isso, nos baseamos em Felix Guattari e Suely Rolnik
(2013) no livro Micropolítica Cartografias do desejo, primeiramente, é importante
entender que o termo ‘subjetividade’ para os autores remete a algo de natureza não
humana, mas sim de natureza industrial e maquínica, em que se é modelada, recebida
103
e consumida, elas mexem com o ideológico das pessoas dentro do “[...] próprio
coração dos indivíduos, em sua maneira de perceber o mundo, de se articular com o
tecido urbano, com os processos maquínicos do trabalho e com a ordem social suporte
dessas forças produtivas” (GUATTARI; ROLNIK, 2013, p.34) A produção de uma
subjetividade não se limita a modelos de identidade, elas se relacionam também com
o controle social e instâncias psíquicas que definem a forma de ver o mundo.
Dessa maneira segundo Guattari e Rolnik (2013), existem duas maneiras de lidar com
essa subjetividade: através de uma relação de alienação e opressão, em que os
indivíduos se submetem a subjetividade tal como a recebe e uma relação de
expressão e criação, na qual os indivíduos se reapropriam dos componentes
produzindo um processo chamado processo de singularização. Em vista disto,
podemos dizer, relacionar a subjetividade como sendo os estereótipos, aquilo que é
produzido, modelado e consumido sem nenhuma problematização, mexendo com o
modo de pensar das crianças, consequentemente, nós professores podemos mediar
as atividades para que os alunos entrem em um processo de singularização, ou seja,
mesmo que estes recebam os desenhos estereotipados, que se reapropriem e
transgridam o desenho colocando mais traços de si mesmo nas produções. Segundo
Irene Tourinho e Raimundo Martins (2011, p.54-55):

Ao naturalizar certas ideias e valores, nossa história/trajetória cultural


vai configurando, gradativamente nosso modo de ver o mundo, ou
seja, predispondo-nos a vê-lo de determinadas maneiras [...]
Recorremos a hábitos, valores, referencias e contexto para dar
sentido/significado ao que vemos [...] Seus interesses, conhecimento,
identidades e, principalmente, seus afetos são contagiados por essas
influências e incorporados aos seus modos de vida, passando a fazer
parte de suas subjetividades e sensibilidades.

Diante disso, é necessário que os alunos incorporem em suas produções seus


interesses, seus afetos, suas próprias percepções.
No CMEI nós aplicamos as atividades em dois dias na sexta-feira, a aplicação
do primeiro plano de aula se deu no dia 18 de maio de 2018, e nos baseamos em
introduzir as cores primárias e secundárias, utilizando o artista Jackson Pollock para
demonstrar visualmente obras parecidas com as que eles iriam desenvolver. A
atividade consistia em utilizar garrafas com algodão e corante, estes últimos ficavam

104
grudados na tampa, e quando chacoalhamos a água entrava em contato com o
algodão juntamente com o corante e então a água mudava de cor, primeiro
demonstramos cores primárias (magenta, azul e amarelo) e em outra garrafa
mostramos a mistura das cores primárias dando origem às cores secundárias (laranja,
roxo e verde). A atividade consistia em observar as misturas das cores primárias e o
surgimento de novas cores a partir desta mistura, com o auxílio de um canudo, os
alunos sopravam a tinta, ficando com uma característica espontânea como as pinturas
que mostramos do Pollock, além de treinar o sopro das crianças. Resolvemos fazer
essa atividade porque percebemos que a maioria das crianças ainda não haviam
memorizado as cores, como também não sabiam das cores primária e secundárias
direito, então para isso durante a atividade e a explicação, nós fazíamos perguntas
instigadoras a elas, pois segundo Cunha (1999, p.19):

“Nas atividades livres, ao invés do professor simplesmente


disponibilizar materiais, as crianças devem ser desafiadas a explorar.
Como também exploramos seus horizontes de criação pois não
limitamos eles a uma produção singular, em uma folha A4 pois [...] não
deve haver um limite espacial imposto pelo adulto para ser explorado
pela criança, o limite será dado pelo próprio corpo da criança. O
alcance da sua mão e do movimento é que delimitaram o espaço de
atuação gráfico- plástico”

Diante disso, demos a elas cartolinas para também mostrar a necessidade do


compartilhamento do espaço entre elas. Pensando na parte de acessibilidade,
procuramos imprimir as imagens de referência em tamanho A3 para que pudessem
enxergar no quadro as obras e o artista.

Figura 3 - Resultado da primeira atividade aplicada no CMEI

105
Nessa atividade, é importante notar que os alunos dividiram uma folha cartolina
e que nenhum deles transgrediram a borda, não passaram do papel, exceto um caso
em que a folha rasgou devido a quantidade de tinta, mas não os impediu de continuar,
podemos ver a diferença de cores que cada um pedia, os que possui mais rosa e
amarelo tinha mais meninas no grupo, enquanto os que tem mais azul, verde e
vermelho tinha mais meninos. Depois que terminaram a atividade, os alunos
observaram as pinturas e alguns começaram a ver formas nelas.
A segunda atividade foi aplicada no dia 25 de maio de 2018, tentamos introduzir
as formas bidimensionais e tridimensionais, utilizando origamis através do artista
James Roper e seus origamis em mobiles. A atividade que desenvolvemos foi a
criação de origami de cachorro, gato e navio (em mobile). Resolvemos abordar sobre
o bidimensional e o tridimensional por ser um assunto mais difícil de ser trabalhada,
pensamos em trazer para eles o contato com o origami dando um diferencial na
educação deles pois nas escolas tradicionais não se trabalham a questão do origami,
por não ser de origem Europeia.
Figura 4 - Resultado da segunda atividade aplicada no CMEI

Já no Lar Escola a aplicação da atividade se deu apenas em uma sexta-feira


dia 15 de junho de 2018, a atividade consistia em separar a sala em grupos, e levamos
vídeos do jogo Just Dance, enquanto um grupo dançava o outro desenhava os
movimentos, em geral a atividade foi chamada de ‘Dança Desenho’, “ Desenhos feitos
[...] ao observar os ensaios de um grupo de balé[...] desenhos explicitaram não a
composição do corpo […] Mas sim a dinâmica do corpo em movimento” (BECK, 2010,
p.2). Resolvemos abordar a atividade com a dança desenho pois no último dia de
observação a turma mais velha no período da recreação com jogos, estavam jogando
Just Dance e a turma mais nova nas duas observações metade da turma estava tendo
aula de balé. Além disso, a dança desenho é um “meio da experiência e da percepção
106
da dança podemos conhecer novos caminhos que nos coloquem em contato com nós
mesmos e com o nosso ambiente” (BECK, 2010, p.3) percebendo assim que “[...]
existe uma relação direta entre a expressão e o movimento” (BECK, 2010, p.8), e com
a “finalidade de “soltar” os gestos dos alunos” (BECK, 2010, p.9).

Figura 5 - Atividade aplicada no Lar Escola

Uma outra coisa que observamos, é que as duas turmas do Lar Escola, mesmo
dispondo de lápis de cor a vontade, utilizaram somente o grafite, o ‘lápis de escrever’,
apenas alguns alunos utilizaram cor nos desenhos. Nesse fato, podemos ver uma
idéia que é disseminada, que é a de que o desenho deve ser feito com o grafite
primeiramente, caso erre. Mas se pensarmos bem, existe um desenho errado?

Figura 6 - Desenhos dos alunos para o Dança Desenho

Como dissemos anteriormente, alguns alunos não gostaram muito da atividade,


em maior parte, os alunos menores de início ficaram tímidos em questão a dançar e
demoraram para desenhar, pois diziam que não sabiam desenhar, não sabiam o que
fazer, quando nos sentamos com eles e dançamos com eles, eles começaram a se
107
soltar e no final a turma toda estava participando e todos desenharam. Já os alunos
mais velhos não se sentiram à vontade com o desenho, alguns não gostaram do
desenho que fizeram, tanto é que um dos alunos tampou o desenho com a mão para
que não tirássemos foto, outro amassou e outro aluno dobrou o desenho, de início
quase ninguém estava fazendo e só queriam dançar, falando que não sabiam
desenhar que o desenho deles estavam como de bebes, crianças, que não tinham
capacidade para isso, mesmo quando sentamos com eles para fazer, continuavam a
falar palavras desmotivadoras para eles mesmos.
Porém, com esta atividade foi possível perceber alguns vestígios, percebemos
alguns alunos que fugiram dos famosos ‘homens palitos’ fizeram uma representação
de si no desenho, e outro que mesmo aderindo ao homem palito, criou uma
coreografia com eles e nos deu para nós dançássemos.

Figura 7 - Os vestígios...

A partir dessas observações, reparamos como as crianças mais velhas estão


começando a se preocupar com seu desenho, com aquele medo de não se parecer
com o real, que é o considerado bonito, diferentemente das crianças menores que já
desenharam com muito mais fluidez e espontaneidade. Isso porque, nas escolas
brasileiras, desde quase sempre, foi imposto imagens que possuem apenas um
contorno, ao compararmos segundo Vianna (2010, p.38), “[...] as imagens que as
crianças francesas e as brasileiras recebem na escola, notamos significativas
diferenças: verifica-se o aspecto bem acabado que as imagens francesas possuem:
contornos, volumes, jogos de sombra e degradê em cores. ” E como em nosso caso
os desenhos possuem apenas o contorno, cabe a criança preencher, não possui

108
nenhuma característica realista ou naturalista devido à escassez de recursos, e no
final, acabamos oferecendo essas imagens de baixa qualidade técnica e visual.

Considerações Finais

A citação que fez mais sentido durante o processo e principalmente no final do


estágio foi “[...] as crianças, desde muito cedo, incorporam os estereótipos e deixam
de construir sua própria linguagem, passando a reproduzir consumir imagens
estereotipadas e impostas pelos adultos. ” (CUNHA, 1999, p.9-10). Como visto no
relato e nas problematizações das atividades e pelas imagens do CMEI e do Lar
Escola. No CMEI vimos a ilustração dessa citação nas paredes, não sabemos ao certo
qual foi a proposta que a professora passou para os alunos mas vimos a problemática
que levou a criação deste artigo, mas não só essa ilustração como no decorrer do
estágio começamos a sentir a questão se tornando cada vez mais gritante. A ilustração
dessa citação está representada por duas imagens 12 e 13.
Figura 8 - Como nosso corpo é por dentro (CMEI)

Figura 9 - Fila dos homens palitos (CMEI)

E como observamos na seção acima, demonstra que início as crianças tinham


sua própria significação, sua própria expressão, visão de mundo, como podemos

109
observar na imagem 12, cada um representou a forma que sentia que era seu corpo
por dentro e bem do lado, figura 13, uma fileira de desenhos de homens palitos, com
pequenas diferenças, mas olhando parece que foi a mesma pessoa quem fez.
Ao longo do percurso nas duas instituições e diversas idades entre as faixas
etárias de 5 a 7 anos e do 11 aos 12 anos, percebemos que no CMEI as crianças (5
anos), em sua maioria, tinham sua singularidade e sua própria expressividade, já no
Lar escola percebemos que a turma de 6-7 anos, algumas crianças ainda possuíam
sua expressividade, outras já desenhavam apenas o homem palito, na turma dos
préadolescentes (11- 12 anos) eles já estavam desmotivados em relação a arte, todos
só desenharam o homem-palito e os que não desenharam, não desenharam ou nem
sequer tentou.
Em nosso percurso percebemos também como as crianças não são indagadas
a questionar sobre os estereótipos impostos a elas, pois [...] Destas perguntas surgirá
o conhecimento significativo em relação aos materiais e à própria
expressão[...]”(CUNHA, 1999, p.12-13) A atividade que pudemos questionar e intervir
significamente sobre isso foi no segundo dia de observação (dia 07 de Junho 2018 -
Sexta-feira), pois enquanto eles pintavam a imagem da turma da Mônica, nos
pintamos também e eles questionaram porque nossa fogueira era colorida e entre
outras coisas e nesse momento nós pudemos mostrar através de imagens de
referência e questionando eles sobre as cores.
Concluímos então, que como futuras educadoras, é relevante problematizar as
imagens que os alunos recebem nas escolas, fazer questionamentos, indagações
para que aos poucos comecem a trazer elementos de seu afeto, seu conhecimento,
seu mundo, para que futuramente saibam como ‘consumir’, ‘receber’ algo, porém com
reflexão, problematizando aquilo. Como educadoras, é importante incentivar o
autoconhecimento, promover reflexões a partir de tudo que é produzido, fomentar a
crítica de maneira construtiva, ajudar a moldar os próprios pensamentos, pois esse é
o material de maior importância que nós educadores de arte trabalhamos, o
pensamento.

110
REFERÊNCIAS

BECK, Ana Lúcia. Dança desenho metodologia em movimento. Pesquisa em


artes/fap, Curitiba, n. 3, p. 1-20,jan./jun. 2010.

CUNHA, VIEIRA da. Susana R. Pintando, bordando, rasgando, desenhando e


melecando na educação infantil na educação infantil. In: Susana rangel Vieira da
Cunha. (Org.). Cor, som e movimento: a expressão plástica, musical e dramática
no cotidiano da criança. 5ed.Porto Alegre: Mediação, 2005, v. 8, p. 7-36.

CUNHA, Susana Rangel Vieira. Imagens como pedagogias culturais em cenários da


educação infantil. In: Pedagogias culturais. Raimundo Martins e Irene Tourinho
(org.). Ed. Da UFMS, Santa Maria – 2014.

GUATARRI, Felix; ROLNIK, Suely. Micropolítica. Cartografia do Desejo. Petrópolis:


Editora Vozes, 2013

OLIVEIRA, Marilda Oliveira De. A formação do professor e o ensino das artes


visuais: A formação do professor e o ensino das Artes Visuais: o estágio curricular
como campo de conhecimento. Edição. Santa Maria- RS: ufsm, 2005. 57-72 p.

PEREIRA, Alexandre Adalberto. Estereótipos desenhados, identidades projetadas. In:


Cultura Visual e Infância: quando as imagens invadem a escola... Raimundo
Martins e Irene Tourinho (org.). Ed. Da UFMS, Santa Maria – 2010.

TOURINHO, Irene; MARTINS, Raimundo. Circunstâncias e ingerências da Cultura


Visual. In: ______ (Orgs.). Educação da Cultura Visual: conceitos e contextos.
Santa Maria: Editora UFSM, 2011. p. 51-68.

VIANNA, Maria Leticia Rauen. Desenhando com todos os lados do cérebro: Os


contextos do recebido. Local: Editora, 2010. 29-49 p.

111
LINHAS RUBRAS DE UMA VIDA PRETA

Rodrigo Pedro Casteleira (Universidade Estadual de Maringá)


Eliane Rose Maio (Universidade Estadual de Maringá)
pccasteleira@gmail.com

Resumo
As perspectivas colonizadoras foram questionadas neste ensaio sob os usos do corpo
negro do artista em fotoperformances selecionadas, objetivando discutir
hackeamentos estético-políticos possíveis. O método rizomático foi o escolhido por
permitir múltiplas conexões e possibilidades, agregando posições, expandido
territórios, nem sempre teóricos, mas que garantem possibilidades de diálogos com
os fios vermelhos, presentes nas imagens que revelam sustentáculos frágeis quando
isolados, mas resistentes quando conectados. O corpo suspenso é a identidade
apoiada em falas e vivências ancestrais, afrofuturistas, tentando equilibrar-se no
cotidiano plástico e provocador de descentramentos identitários. Não há resultado pois
não há encerramento ou conclusões precisas. São, quando muito, costuras
provocativas de aberturas (im)pertinentes para uma estética que tenta ser marginal.

Palavras-chave: Corpo negro. Fotoperformance. Hackeamento.

Fios tensionados em costuras possíveis

Posições disruptivas, de (re)cortes e (r)existências aqui são utilizadas de modo


a provocar desalojamentos do meu cis-corpo negro em choque e atrito ao fio vermelho.
Fio este convidado a suspender as cargas imbricadas no aparato corporal, mas
cortantes na mesma medida de seu içamento. Fio rubro de similaridade sanguínea
ancestral, envolto em projeções afrofuturistas de teimosia tenaz, na tentativa de
provocar ruídos a ouvidos e olhos débeis das existências outras. Proponho, então,
relacionar meus ensaios fotoperformativos a flertes intencionais com bell hooks
(2017), Djamila Ribeiro (2017), Fanon (2008) objetivando, minimante, pensar os
atravessamentos de meu corpo.
Os fios teóricos estão embebidos nas tentativas rizomáticas (DELEUZE;
GUATTARI, 1995) de questionar o corpo negro, mesmo sob os perigos que ele mesmo
carrega: magro e cis, por exemplo. No entanto, penso a) sob a margem formatada
para minha existência junto das demais não universais, a saber, toda aquela estética
universal de corpo cis, branco, hétero, cristão e ocidental e b) sobre a margem
112
formatada para mim, servindo de terreno para meus hackeamentos poéticos
(PAULINO, 2018).

Alinhavando conjecturas

Quando os saberes ocidentais dispuseram de suas linguagens para definir as


outras existências, desconsideraram qualquer subjetividade ou cultura encontrada,
destilaram a sua: corporeidade, política, arte, sexo, gênero, enfim, os saberes envoltos
na modernidade. A absorção desses saberes, então, criou o outro, mas não na
perspectiva de si, mas da colonização (FANON, 2008).
Essas capturas foram (re)pensadas, ainda que micro-localizadas, na
elaboração da proposta das fotos. O fio vermelho seria a representação dos saberes
outros para meu corpo e identidades (Figura 01), um modo de fala de si (bell hooks,
2017; RIBEIRO, 2017) escapadiça das propostas hegemônicas.

Figura 1: Sem título.

Fonte: do autor, 2018.

Hackear o espaço urbano com fios e tinta vermelhos, um hobby branco e corpo
nu (Figura 2), propor o peso desse mesmo corpo sobre linhas que marcam e ferem a
pele para transfigurar uma identidade não quista, não pura, é um discurso de fala
marginal, de tentativas mínimas de insurgir (ROLNIK, 2018) contra a norma. Tomo por
norma todo o conjunto branco-cis-hetero-ocidental-cristão-masculino de ditames

113
hegemônicos. Ainda que marginal, capturável pelo sistema. Novo escape, nova
captura.
Figura 2: Sem título.

Fonte: do autor, 2018.

Os diálogos (im)prováveis, da Figura 2, dialogam com os momentos mais


contemporâneos e violentos, deste período de eleições a presidenciáveis de 2018,
transmuta direitos em violências não mais virtuais, mas materializadas em suásticas,
perseguições, espancamentos e mortes. As identificações do corpo ficam, deste
modo, sustentando a vida quimérica falível pelas mãos sediciosas da
normaadequante.
Insurgir na tentativa hackear as estruturas ofertadas de modo a provocar
desconfortos às perspectivas dominantes (Figura 3). Inverter. Enegrecer os espaços
e narrá-los sob lugares de fala do próprio corpo num presente não projetado para
esses escurecimentos. Um futuro. Um afrofuturo materializado neste presente.

Figura 3: Sem título.

Fonte: do autor, 2018.


114
Ao alinhavar apontamentos teóricos às fotoperformances (re)penso o não dito
que sussurrava durante o processo criativo. Carreguei e fui carregado por elas
pensando nos suportes sob e sobre minha estética.

Desconsiderações finais

Incorro em repetições tautológicas ao afirmar a necessidade de estéticas outras


como resistências, políticas também. Em um momento de retomada dos valores
(mal)ditos tradicionais, produções estéticas tornam-se mais do que gritos belicosos
para tentar arranhar as camadas sufocantes da norma. Se à margem fui alocado, é
sobre ela minha reconfiguração da existência. Levo-a para o centro intuindo hackear
os territórios, possivelmente capturável pelo próprio sistema, afinal, ao redigir este
texto, desloco a norma ou a atendo?

Referências

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de


Janeiro: Editora 34, 1995.

FANON, Franz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador, EDUFBA, 2008.

hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação com prática da liberdade. São


Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.

PAULINO, Fred. Poética hacker. In: Revista de gambiologia, p. 7-12. Disponível em:
<https://issuu.com/gambiologia/docs/facta3>, acesso em 27 de mar. 2018.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte, Editora Letramento:


Justificando, 2017.

ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São
Paulo: n-1 edições, 2018.

115
O ENSINO DAS ARTES VISUAIS COMO DISPOSITIVO DE DESLOCAMENTO
DAS FRONTEIRAS DO VER E FAZER

Caroline Yukari Ishizaki (UEM)


Larissa de Oliveira Bellan (UEM)
Roberta Stubs (UEM)
carolineyukari@hotmail.com

Resumo
Este artigo problematiza o modo como os mecanismos de controle estatais se
apropriam e se valem da educação para se efetivarem a partir do processo
hegemônico do enrijecimento do olhar. Objetivamos, com isso, ancoradas por autores
da Cultura Visual e da filosofia pós-estruturalista a partir de uma pesquisa bibliográfica,
pensar a potencialidade do ensino das Artes Visuais como um vetor educacional
instigante, interrogante, inventivo e de produção de sentidos por meio de experiências
educativas plurais e subjetivas para os educandos. Dessa maneira, a educação em
Artes Visuais torna-se um dispositivo desmarcador das barreiras do ver e do fazer que
se fende em múltiplas visualidades por possibilitar a experienciação ativa de
produções artísticas significativas.

Palavras-chave: Ensino de Artes Visuais. Aprendizagem Inventiva. Experiência.


Ensino Infantil.

Introdução

No contexto atual brasileiro, o ensino de arte encontra-se desvalorizado em


grande parte das instituições educacionais devido a concepções de ensino e
aprendizagem que se distanciam de um ensino significativo. Ademais, a disciplina de
arte é atingida pela falta de incentivo por parte do poder público evidente,
principalmente, na reelaboração da Base Nacional Comum Curricular com a
denominada Reforma do Ensino Médio, a qual deixa a cargo do discente a escolha de
algumas disciplinas fundamentais para a formação e desenvolvimento da reflexão,
socialização, pensamento crítico e criador. Dessa forma, dissemina-se entre os
educandos a falsa noção de que tais disciplinas (artes, filosofia, sociologia e educação
física) possuem menor relevância comparando-se às demais que permanecem
obrigatórias.

116
A decadência (degradação) das disciplinas capazes de fomentar consciências
aptas a refletir e transformar sua realidade, possivelmente, ocorre pela necessidade e
cobrança imediatista e automática que nos é imposta cotidianamente, não permitindo
espaços para olhares mais específicos, profundos, detalhados, demorados e atentos
ao que se passa. Nesse sentido, o currículo escolar é modificado na tentativa de
atender ao ritmo acelerado de informações dispostas atualmente que, por
consequência, produzem ensinos destituídos de experiênciações e significados
(LARROSA, 2002). Para mais, o conteúdo trabalhado em sala de aula visa atender
majoritariamente aos interesses do Estado quanto a priorização do desenvolvimento
de habilidades básicas de modo a atender a demanda do mercado de trabalho,
favorecendo assim, prioritariamente a progressão do que se chama de “capital
humano” em detrimento da formação integral dos discentes (CARVALHO, 2012).
Diante disso, nós consideramos que o ensino deve destoar de tal concepção
que entende o aluno como “futuro funcionário” e mero receptor passivo no que se
refere ao aprendizado de arte desde a infância. Em vista disso, buscamos por meio
desta pesquisa de cunho bibliográfico identificar como os processos hegemônicos e
as concepções impostas acerca da educação (surgimento, objetivos e finalidades),
mais especificamente no relacionamento desta com o ensino de Artes Visuais, e das
próprias crianças, corroboram para a desvalorização da arte em comparação com
outros campos.
Intentamos propor também, pensar as Artes Visuais como um dispositivo de
ensino Inventivo que tem abertura a múltiplas visualidades e possibilita formas de ver
outras que divergem do olhar engessado e mecanizado por meio da experiência ativa
(em primeira pessoa) de produções artísticas significativas, as quais interrelacionam
e se expandem às diversas dimensões da vida.
A fim de nortear a pesquisa teórica foram consultados autores que discorrem
sobre estudos da Cultura Visual, da experiência, da aprendizagem inventiva e do
potencial desviante, inventivo e subversivo do ensino das Artes visuais como
Fernando Hernández, Jorge Larrosa Bondía, Susana da Cunha, Sílvio Gallo e Gilles
Deleuze.

117
A desvalorização da arte no meio educacional por processos hegemônicos e
concepções de ensino

É possível notar comumente no Brasil que o ensino de artes vem sendo


abordado pelas instituições educacionais de modo a não cumprir adequadamente com
os conceitos mobilizados pela própria arte no que se refere ao desenvolvimento do
pensamento criativo, crítico, sensível, expressivo e transformador. Diante do atual e
precário cenário educacional nacional no que se refere ao ensino de arte surgenos a
seguinte questão: em meio ao processo hegemônico de enrijecimento do olhar, como
o ensino de Artes Visuais pode potencializar a aprendizagem inventiva dos alunos
desde a Educação Infantil?
Imergindo nos sistemas escolares ou trazendo à lembrança experiências
referentes a tal é possível perceber as concepções mais comuns de arte a dirigirem
boa parte das instituições brasileiras, que segundo Cunha (2005) configuram-se nas
perspectivas espontaneísta e pragmática. A primeira é a concepção que encara o
saber prático artístico como inato ao aluno, sendo desconsiderada quaisquer
experiências e a aquisição de conhecimento durante seu processo, visto que o
resultado final é apenas apreciado passivamente, não havendo nenhum tipo de critério
avaliativo, questionamento ou pensamento reflexivo.
Já a concepção pragmática tem assumidamente um caráter técnico e objetivo,
uma vez que é tida como uma forma de desenvolver a coordenação motora, o controle
de margens, um fazer realista, sendo estes facilitadores do processo de escrita. O
produto final tende a ser superior ao processo, haja vista que o resultado é a
materialização da formatação padrão a qual a criança está sendo submetida. Nesta
concepção, as crianças não são incentivadas a sentir, refletir ou mesmo transformar.
As concepções de ensino apresentadas, possivelmente, possuem algumas
influências das tendências pedagógicas tradicional e tecnicista. A concepção
espontaneísta possui semelhanças com a pedagogia tradicional no sentido de propor
práticas artísticas que sigam os padrões determinados, sendo bem realizadas por
aqueles que já “nasceram com as habilidades” necessárias e específicas para
desempenhar os papéis artísticos vigentes por meio da memorização e reprodução
(PONTES, 2005). Enquanto que a concepção pragmática por possuir conotação
118
técnica, já se sugere sua semelhança com a pedagogia tecnicista. Tal pedagogia
atém-se a uma espécie de “controle de qualidade” (semelhante ao sistema industrial)
durante o desenvolvimento motor para que o produto final seja satisfatório já que o
resultado é o enfoque (RIBEIRO, 2013).
A educação inventiva não é capaz de tornar-se eficaz se regida sobre
imposições de fórmulas ou moldes hegemônicos a serem vaga e meramente
decorados pelos educandos, mas deve ocorrer pela disposição de conhecimentos
amplos que favoreçam o devir 1 e a abertura de possibilidades para fazer da vida
múltiplos modos de criação (VAZ, 2013). Este conceito de criação a que Tamiris Vaz
faz referência possui suas raízes em Nietzsche, segundo o qual:
[...] faz uso desse termo para falar de uma vida vivida enquanto
processo de criação, ou seja, de uma postura de criação que não
deseja verdades intrínsecas à realidade, mas que se abre a contínuas
mudanças, criando e desfazendo mundos como se os próprios
acontecimentos do mundo fossem matéria de criação, sempre
inacabados”. (NIETZSCHE, 1999 apud VAZ, 2013, p.86).

Além das concepções castradoras logo no início da formação educacional, o


sistema escolar pós-educação infantil costuma priorizar o conhecimento instrumental
(generalizar, organizar e classificar) e a linguagem escrita e falada (verbal) em
detrimento da linguagem visual e artística (CUNHA, 2005), o que de certa forma pode
contribuir para a formação da visão que se tem do desenho como algo que pertence
apenas ao mundo infantil ou ainda como ferramenta de pouca relevância, o que se
trata de um completo equívoco.
A visão do ensino de arte como algo relacionado apenas ao lazer ou momento
de descontração é ainda reforçado pelo pouco contato com o desenho que os alunos
costumam ter nas escolas geralmente é marcado por reproduções prontas e
impressas, conhecidas no meio acadêmico como desenhos estereotipados. Conforme
revela Vianna (2010), tais desenhos possuem temática alegre, linhas espessas que
demarcam o contorno e sem indicação de textura ou maior detalhamento, no qual cabe

1
Conceito desenvolvido por Gilles Deleuze e Félix Guattari que consiste em outro modo de
pensar, inquieto, em constante movimento e transformação que trata da realidade para além
do contentamento, mas que a ultrapassa e busca a fuga do que é imposto hegemonicamente
como padrão.

119
à criança simplesmente colori-lo. De fato, optar por não utilizar tais desenhos é como
“nadar contra a corrente”, pois o ato contraria a mentalidade normativa amplamente
difundida no âmbito escolar, contudo é mais que necessário tendo em vista que:
“As imagens que diferem do espírito dominante, quaisquer que sejam,
escandalizam, porque não são compreendidas, seja porque se
desconhecem totalmente as características do desenho da criança,
seja porque se desconhecem as imagens produzidas pelos artistas ao
longo da história da arte”. (VIANNA, 2010, p.82).

As novidades apresentadas nos desenhos e outras manifestações infantis não


fazem parte da lógica reprodutora comum ao automatismo que majoritariamente
gerencia o mundo adulto. Portanto, tais manifestações e experimentações curiosas
são tratadas como “anormais”, “estranhas” ou “desagradáveis” do ponto de vista
dominante, pois já existe um juízo limitado de gosto a ser seguido que cumpre com
modelos impostos. Sem as mudanças de pensamento referente ao clichê,
principalmente no ensino infantil, não será aberta a possibilidade de liberdade de
criação, experimentação de materiais, suportes, formas e cores, sequer reflexão
crítica, subjetividade e individualidade no contexto escolar.
Cunha (2005) comenta que certas atitudes pertencentes ao universo adulto,
como corrigir o desenho da criança de acordo com “uma lógica real” também pode
inibir e moldar a expressão artística infantil. Essas atitudes eliminam toda a riqueza
imagética e muitas vezes desencorajam o aluno, se não no momento, quando tiver
mais idade, a prosseguir no caminho artístico, porque se cria a ilusão de que a arte só
é arte quando for bela e harmoniosa, logo, realista.
Costuma-se conceber a arte com base no que se considera ser mais próximo
da realidade, o que no caso do desenho infantil é um tanto contraditório, já que a
criança nos anos iniciais ao interagir com o mundo com curiosidade através da
brincadeira e imaginação procura expressar suas descobertas, pensamentos e
sentimentos voltando-se a fantasia, ao faz de conta e a invenção (COLAÇO, 2013),
não configurando em manifestações que respeitem as leis da lógica adulta ou da
realidade.
Deste modo, conforme afirma Gombrich (1995, p. 5) “[...] nunca deveríamos
condenar uma obra por estar incorretamente desenhada, a menos que tenhamos a
profunda convicção de estarmos certos e o pintor errado”. No caso das crianças, as
120
quais não possuem compromisso em retratar a realidade, a afirmação se encaixa
perfeitamente, pois em meio aos rabiscos, manchas, borrões e garatujas buscam, na
verdade, experienciar e realizar descobertas, não necessariamente dotadas de
sentido imediato.
Devido ao exposto, deve-se também evitar ao máximo o impulso de perguntar
as crianças o que os traços que ela desenhou significam, a fim de obter respostas
satisfatórias e desvendar a produção (CUNHA, 2005). Assim, dialogando com
Gombrich (1995), acreditamos que o artista não estaria errado quando desenha
“incorretamente”, mas quando não cumpre com o que propõe. Se a criança por vezes
não busca representar algo específico, por que cobrar isso dela?
Toda a carência do pensamento inventivo por parte dos educandos ocorre,
entre outros motivos, devido à falta de experiência e significação singular do sujeito e
isso se deve a vários fatores, como por exemplo, a passividade. Conforme Hernandez
(2009), na década de cinquenta, com a estrondosa disseminação dos aparelhos de
televisão nos Estados Unidos, se fez necessária a alfabetização visual das crianças
para que fossem capazes de ler os símbolos e apreender as estratégias dessa nova
linguagem midiática. Em tal contexto, as crianças eram consideradas espectadoras
passivas e a não capacidade de ler imagens exporiamnas ao risco sob a forte
influência que a televisão vinha projetando na sociedade.
Contudo, na década de noventa, como afirma Richter (1999), mais
especificamente com os avanços midiáticos e comerciais em pleno consumismo,
ampliou-se a reprodução de imagens e com ela ainda mais passividade entre crianças
e jovens, que não foram suficientemente estimulados a ter contato com a matéria para
serem capazes de transformá-la e assim criar. Diante disso, é possível notar que não
houveram avanços significativos no que diz respeito ao ensino de crianças e jovens
para além do desenvolvimento das habilidades visuais ainda nos dias de hoje.

Artes Visuais como um dispositivo de ensino Inventivo, produtor de


experiências e significados

Mas, afinal, o que está por trás de tais tendências pedagógicas? Embora sejam
reflexos dos processos históricos e sociais nos quais estavam imersas e sejam
121
produzidas como uma possibilidade aos problemas de cada momento -
independentemente dos contornos profissionalizantes ou de autonomia/libertários que
esses referenciais para a educação assumam, eles primam por uma ordem implícita
ou não que ao afirmá-la ou refutá-la criam-se f(ô)rmas, parâmetros de ensino, a fim de
viabilizar a ação pedagógica.
Ademais, conforme expõe Sílvio Gallo (2008), os “sistemas de controle”
cooptam, incorporam, reestruturam e reinserem militâncias e atos revolucionários,
resultantes das lutas dos grupos minoritários à margem do poder, para
despotencializá-los em meio a essa reconstrução da educação maior2, já que esta:
[...] é aquela dos planos decenais e das políticas públicas da educação,
dos parâmetros e das diretrizes, aquela da constituição e da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pensada e produzida pelas
cabeças bem-pensantes a serviço do poder. A educação maior é
aquela instituída e que quer instituir-se, fazer-se presente, fazer-se
acontecer. A educação maior é aquela dos grandes mapas e projetos.
(GALLO, 2008, p. 64, grifos nossos).

As constantes reformas e reformulações dos currículos, propostas, programas,


planos, técnicas e estratégias educacionais, desse modo, operam como mecanismos
de controle social necessários à readaptação, transmissão e à validação do sistema
capitalista vigente ao buscar restaurar uma unidade perdida por meio da
sistematização de uma base comum, centralizadora e hegemônica. Todavia, este uno,
o qual se objetiva instituir, é composto por partes dissociadas, mantendo-se a
compartimentarização dos saberes devido à fragmentação dos conteúdos em
diferentes disciplinas divididas hierarquicamente vertical e horizontalmente, ligadas
apenas historicamente por sua genealogia, o que leva a perda da
apreensão/cosmovisão da realidade em sua totalidade, corroborando para a
universalização dos pensamentos e dos processos de subjetivação em torno de um
ideário político e cultural comum.

2
Conceito proveniente do deslocamento feito por Sílvio Gallo do conceito de literatura menor
desenvolvido por Deleuze e Guattari ao escreverem sobre a obra de Kafka em: DELEUZE,
Gilles; GUATARRI, Félix. Kafka – por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago, 1977, p.
28-29.
122
Consolidam-se assim, paradigmas delimitados e delimitadores, estatizantes,
paralisadores do ver, sentir, do pensamento e das ações, uma vez que com o propósito
de edificar e efetivar a globalização há a constituição de uma sociedade da informação
moldada pelos interesses da lógica perversa e contraditória capitalista em que se
passa a cada dia, cada vez mais informações, contudo, “dir-se-ia que tudo o que se
passa está organizado para que nada nos aconteça” (BONDÍA, 2002,
p. 21), pois o sistema sócio econômico vigente por meio do periodismo fabrica
informações e opiniões.
Estrutura-se, portanto, tal sociedade a partir da formação, principalmente na e
pela escola, de sujeitos informantes e informados, em que a opinião é emitida apenas
como um reflexo automático à informação e ganha uma faceta supostamente
subjetiva, própria e crítica, normalmente pautada em ambivalências, sobre tudo o que
se tem de informação, tornando as experiências previsíveis, os sujeitos manipuláveis,
alienados e incapazes de serem sensíveis às experienciações marcantes,
inquietantes e efetivamente subjetivas, o que culmina em significações e
“subjetivações” programáticas, de associações preestabelecidas.
Essa estratégia de controle social é potencializada pelo desenvolvimento
tecnológico da contemporaneidade e:
Fica evidente que a imagem digital, por não depender de um tipo de
suporte físico específico, ganhou características especiais como
veículo propício para estimular e catalisar expectativas, desejos e
sonhos de crianças, jovens e adultos susceptíveis e, de certa forma,
vulneráveis às influências do capitalismo cultural eletrônico, acionado
pelas economias do entretenimento, da experiência e do espetáculo.
(TOURINHO; MARTINS, 2011, p. 56).

Dentro dessa lógica faz-se a imersão das pessoas em uma sociedade


tecnológica visual e globalizada que ao financiar a produção simbólica e imaterial,
utiliza-se desta, como também o ensino de artes para fomentar a produção, o consumo
e a incorporação passiva desses recursos imagéticos. Por conseguinte, gera-se o
engessamento das capacidades criativas, expressivas e transformadoras dos sujeitos.
Na tentativa de se fazer valer esses padrões circunscreve-se as disciplinas em
um todo fechado e coeso, limitando-se os possíveis ruídos múltiplos e potencialmente
desviantes do atravessamento transversal dos saberes (interconexão não

123
hierarquizada). Tendo em vista isso, diminuem-se os espaços da arte nos currículos
e no espaço que ainda resta buscam torná-la uma reprodução de “[...] velhos conceitos
estereotipados como esqueletos destinados a intimidar toda criação” (DELEUZE,
1992, p. 152 apud GALLO, 2008, p. 56), a fim de desvalorizar e despotencializar o
ensino das Artes Visuais. Embora este seja inventado e fabricado em meio ao sistema
de poder e seja utilizado para finalidades políticas e econômicas, como foi exposto
anteriormente, ele age como um dispositivo de educação inventiva, reveladora de
realidades estanques que evidencia fissuras e é produtora de deslocamentos, uma
vez que, apesar das inúmeras tentativas governamentais de unir o inreunível de uma
fragmentação histórica dos conhecimentos, “[...] a aprendizagem está para além de
qualquer controle; a aprendizagem escapa, sempre” (GALLO, 2008, p. 85).
Em virtude disso, abordamos neste texto a educação em Artes Visuais como
um dispositivo pela perspectiva de Gilles Deleuze (1990), já que consiste em um
campo de produção de sentidos e saberes, heterogêneo, multifacetado, polissêmico,
por vezes ambíguo e de conceitos em movimento como o corpo e a cultura intrínsecos
à formação da imagem e, consequentemente, à arte, percebidos a partir do olhar
(FERREIRA, 2015). Campo artístico este que não só adentra outros conhecimentos,
como se torna adisciplinar nesse intercruzamento e sempre está em vias de se fazer,
voltando, agindo e afetando a si mesma.
No entanto, como o ensino das Artes Visuais se daria como um dispositivo, um
vetor educacional instigante, interrogante, inventivo, inquiridor e produtor de sentidos?
Não há resposta ou uma metodologia certa para essa pergunta, somente podemos
lançar possibilidades pela inter-relação das experienciações artísticas com as macro
e microculturas, desvelando as marcas, percalços, bem como a potência desse
entrelaçamento ao se “desmarcar limites do ver e subverter fronteiras do fazer através
de vozes de alunos, professores e pesquisadores.” (MARTINS; TOURINHO, 2009, p.
11).
Nos deslocamentos de ida e de volta do dito ao não dito, do visível ao que é
invisibilizado, a arte percorre por entre os pontos fixos, parâmetros instituídos,
mobilizando barreiras, revelando e provocando rupturas por onde se criam linhas de

124
fuga pelo dinamismo e a multiplicidade dos processos de subjetivação, os quais
extrapolam o limiar das experiências programáticas e das individuações de massa.
Contudo, isso se deve à capacidade do ensino das Artes Visuais em voltar-se
a si mesmo, denunciando as funções sócio políticas, culturais, econômicas que as
imagens e artefatos visuais assumem e servem. Oportuniza também por meio da
experienciação ativa (em primeira pessoa) a produção não só artística significativa,
como também propicia que os alunos tracem diversos caminhos para o olhar,
divergente de um ver hegemônico e enrijecedor, no percurso ativo e constante de
invenção de si e do mundo através do movimento do conhecido ao desconhecido.
Tal mobilização pode potencializar a aprendizagem inventiva dos educandos
desde a Educação Infantil por considerar, explorar e incentivar as suas narrativas
singulares, haja vista que:
Toda narrativa reinventa limites de tempo e espaço, atiça desejos de
recriar nossas relações com o mundo, e projeta sonhos de restituir
sentidos, reconfigurar destinos e visualizar direções para as diferentes
dimensões da vida. (TOURINHO; MARTINS, 2009)3.

Devido também à natureza imaginativa, inventiva e transformadora do


pensamento infantil, o qual “bagunça” e extravasa a ordem lógica do mundo adulto
(CUNHA, 2005). Pelo exposto:
Ao imaginar, isto é, ao criar suas primeiras ficções, a criança prepara-
se para dialogar. A imagem e o símbolo são nela provisoriamente o
outro. Por ele a criança passa, de forma cada vez mais complexa, a
dialogar consigo e sua cultura. Interferindo e modificando ativamente,
é afetada e modificada em sua forma intensa de entender e interpretar
as coisas e os outros, seu meio cultural. Sua maneira de ser e falar do
mundo. (RICHTER, 1999, p.
195).

Sendo assim, pode-se inferir que por meio do imaginar e brincar, de ações
lúdicas, as crianças apreendam e reconfiguram tanto a realidade em que estão
inseridas como a si mesmas por meio da sua reconstrução simbólica, transformando
e transpondo a sua realidade sensória pela reformulação de conceitos que perpassam
a relação do eu com o mundo (o outro). Tal processo de divergência resulta do
confronto dos educandos com a materialidade das coisas através da descoberta das

3
Citação retirada da segunda orelha/aba do livro citado.
125
limitações de suas ações sobre as propriedades físicas desses objetos, denotando a
relevância dos educadores do Ensino Infantil de possibilitarem essas ações e
intervenções das crianças sobre diferentes materiais.
Isso revela, consequentemente, o entrecruzamento característico da
estruturação do conhecimento infantil da realidade com a fantasia, como também da
experienciação com a imaginação, o que permite às crianças configurarem e
percorrerem espaços e temporalidades outros, uma vez que elas conferem desde o
começo de suas vidas significações às provocações do meio, as quais cada vez mais
vão se distinguindo, complexificando e singularizando ao mesmo tempo em que essas
interpretações se estruturam afetiva e cognitivamente em decorrência da
aprendizagem infantil não acontecer de maneira isolada ou unilateral (HOLM, 2007).
As interações com o ambiente social são manifestadas de maneira intensa, expressiva
e prazerosa no campo simbólico e imagético com cores, manchas e em composições
bi e tridimensionais resultantes desse percurso ativo do conhecido ao desconhecido e
da interferência desse processo na concepção e percepção de si próprio, como foi
abordado anteriormente.
Todavia, a sociedade capitalista cultural eletrônica pela lógica consumista de
acumulação gera uma racionalização da infância e, por conseguinte, da experiência a
partir de processos técnicos plurimidiáticos, incutindo nas crianças ideias,
interpretações e um repertório imagético preconcebidos e estereotipados. Estes são
apenas assimilados e incorporados devido à promoção de experiências indiretas
(criança como espectadora) e não pela experienciação em primeira pessoa dos
discentes, cujas significações e sentidos são abstraídos e transformados conforme a
organização dessas vivências e pela oportunização da manipulação de diferentes
objetos culturais.
Torna-se necessário, então, que o experienciar esteja presente tanto no
percurso de ensino-aprendizagem dos discentes quanto dos docentes de Artes
Visuais, a fim de que se rompa com o enrijecimento e empobrecimento das
capacidades criativas, expressivas e transformadoras naturais às crianças, assim
como com os próprios padrões dos professores. Mas para isso, segundo Cunha
(2005), é necessário que os educadores retomem os seus próprios processos

126
criativos, experienciando e descobrindo diversas técnicas, procedimentos, materiais e
inter-relações para que os educandos possam ampliar o seu olhar e seus referenciais
para além da dominação impessoal desse ver e entender universalizante e
massificador promovidos pelo capitalismo eletrônico através das indústrias da imagem
e do entretenimento. Mas isso de modo desafiador, consciente, crítico e atuante por
meio de atividades lúdicas, inventivas que explorem o tato imaginante infantil e sejam
fundamentadas em conhecimentos significativos aos discentes por serem pautados
no contexto sócio cultural que estão inseridos (intermediação entre a criança e o meio),
possibilitando fissuras com essa mesma realidade.
Isso, portanto, reitera a relevância e o desafio da proposição de ações
instigantes e construtivas na Educação infantil e nos demais níveis do sistema de
ensino por meio da compreensão da necessidade dos professores interrelacionarem
diversos conteúdos pelo constante aprimoramento dos seus conhecimentos disciplinar
e pedagógico embasados em uma contextualização crítica, social, histórica e cultural
destes saberes à realidade do aluno. Isso permitirá dar significado às experiências
vivenciadas e ao conteúdo ensinado em virtude dessa mediação entre o conhecimento
e a realidade na qual a sala de aula está inserida.
Entretanto, para que isso aconteça é necessário que o professor perceba o
ambiente escolar como um espaço de interação (aproximação e convivência) com os
sujeitos da aprendizagem, sendo este o local para a apreensão da lógica do
conhecimento da ação docente (práxis docente) e para a constante revisitação dos
saberes da licenciatura em Artes Visuais (OLIVEIRA; LAMPERT, 2010). Sempre
buscando dar abertura à possibilidade de discutir a relevância e o papel da imagem
para o desenvolvimento humano, resistindo a essa padronização hegemônica e
estatizante das formas de ver e sentir por meio de um deslocamento do olhar e de
conceitos com a finalidade de reconhecer a pluralidade e a diversidade das imagens
como artefatos sociais, as contextualizações de produção e divulgação destes,
abrindo-se em múltiplas visualidades que escapam, desviam e subvertem os modos
padrões, inventando outras vias.

Considerações finais

127
Dado ao que foi apresentado neste artigo, podemos notar algumas das
problemáticas que dificultam e, por vezes, tentam atenuar e despotencializar o
desenvolvimento de um ensino de arte sensível, inventivo, transformador e criativo
que ultrapasse a obviedade e superficialidade cotidiana. A recuperação e repetição de
antigas concepções de ensino descontextualizadas e descontextualizantes, além das
medidas tomadas pelo governo brasileiro atingem o setor da educação com muita
força, o que o afasta de um ensino voltado à experienciação e a modos inventivos de
subjetivação em épocas na qual a velocidade da disseminação e da expressão
automática das informações ganha vantagem sobre as experiências subjetivas e seus
atravessamentos marcantes, para nos tornar máquinas displicentes, apáticas,
vulneráveis, obedientes e previsíveis.
Contudo, novas possibilidades para o ver, conhecer, sentir e fazer arte na
Educação Infantil tomam frente diante do trágico cenário no qual nos encontramos em
decorrência do experienciar e pensar caótico infantil, o qual subverte a lógica
“racional”, adestradora e esperável adulta. Diante disso, o ensino das Artes visuais
desponta como um vetor, um dispositivo deleuzeano, de formação de educadores e
educandos sujeitos das experiências, desembaraçadores de linhas e desbravadores
de fendas em meio aos grandes projetos educacionais da educação maior.
Configurando-se como um mecanismo de resistência diante da reterritorialização,
reincorporação, das ações libertárias por parte do sistema capitalista cultural
eletrônico.
Nessa discussão teórica não almejamos traçar verdades com relação à
educação em Artes Visuais, mas pensá-la como devir, um processo em movimento,
inacabado, sempre em vias de fazer-se e que desloca as fronteiras paralisadoras do
olhar, sentir e fazer, configurando-se como um espaço para a experimentação,
criação, produção de sentidos e saberes potencializadores da aprendizagem inventiva
por estar inter-relacionada e se expandir às diversas dimensões da vida.

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130
O FENÔMENO DA TRANSESTÉTICA EM ‘PLÁSTICO’ DE EDGAR

Ana Carolina de Souza (UEM)


Matheus Fiaux Pereira (UEM)
Annelise Nani da Fonseca (UEM)
anaz.msouza@gmail.com

Resumo:
O presente resumo tem como o tema o fenômeno da transestética em ‘Plástico’ musica
lançada por Edgar Pereira da Silva em Junho de 2018. Buscamos então por meio
deste, tecer relações entre as características da era transestética apresentado por
Lipovetsky e Jean Sorroy (2015) no processo criativo do trabalho do musico, artista e
performer Edgar que se apropria dos resíduos gerados pela economia capitalista para
evidenciar os problemas causados pela mesma, o artista também expõe com sua
própria existência as contradições criadas pelo modelo de estetização do mundo pelo
mercado do capital. Deste modo, tencionaremos os conceitos apresentados por
Lipovetsky e Jean Serroy (2015) que se manifestam na obra ‘plástico’ do artista Edgar.

Palavras-chave: Transestética. Música. Capitalismo artista. Estetização do mundo.

Introdução

Este resumo busca aproximar e tecer relações entre as características da era


Transestética, apresentada no livro “A Estetização do Mundo; viver na era do
capitalismo artista” de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (Editora Companhia das Letras,
27 de abr de 2015), ao trabalho do músico, artista e performer Edgar, compreendendo
sua mais recente música “Plástico”, lançada como single em Junho de 2018.
Utilizando-se dos mais diversos resíduos descartados dos produtos gerados
pela economia capitalista, Edgar constrói uma persona no intuito de evidenciar as
contradições e problemas causados pelo atual modelo econômico mundial vigente,
assim como as consequências, em escala global.

Desenvolvimento

Edgar Pereira da Silva, 25 anos, nascido em Guarulhos, município da Região


Metropolitana de São Paulo, criou-se artisticamente entre as apresentações teatrais,

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shows e saraus poéticos de sua cidade. Citado como um “hipotético filho do Sabotage
com o Ney Matogrosso”1 pelo canal do YouTube “O Fino da Zica” em uma entrevista,
Edgar propõe com seu trabalho uma espécie de rap performático que, segundo o
próprio, visa interação de modo a despertar algo no espectador. Na entrevista, ele diz:

Não é de interagir só com a fantasia, de ser um bagulho que vai


acender uma luz ali e vai te roubar a atenção e a mensagem não vai
passar. Sei lá, tem que ser um bagulho a mais memo, assim, de
quando acender a luz fazer um super sentido na sua cabeça. Acender
uma luz na sua também, de falar ‘puuuta, logo agora nessa frase essa
luz acendeu. (EDGAR, 2016).

Para atingir esse objetivo, Edgar cria suas roupas e personagens a partir de
materiais reciclados, peças de refugo e lixo descartado, personificando o excesso de
resíduos dos produtos criados pelo capitalismo, como Lipovetsky e Serroy dizem:

A indústria cria uma pacotilha kitsch e não cessa de lançar produtos


descartáveis, substituíveis, insignificantes; a publicidade gera a
‘poluição visual’ dos espaços públicos; as mídias vendem programas
dominados pela tolice, a vulgaridade, o sexo, a violência — em outras
palavras, ‘tempo de cérebro humano disponível’. Construindo
megalópoles caóticas e asfixiantes, pondo em risco o ecossistema,
tornando insípidas as sensações, condenando os seres humanos a
viver como rebanhos padronizados num mundo insulso, o modo de
produção capitalista é estigmatizado como barbárie moderna que
empobrece o sensível, como ordem econômica responsável pela
devastação do mundo: ele ‘enfeia toda a terra’, tornando-a inabitável
de todos os pontos de vista. (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 12).

Figura 1. Sem título, fonte Instagram. Figura 2. Sem título, Red Bull Music Pulso

1 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LGGVwjYQ7Jw. Acesso em: jun. 2018


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Na música “Plástico”, Edgar compôs versos que evidenciam as consequências da
produção desenfreada dos produtos de massa da economia capitalista global. Tal
olhar globalizado sobre o assunto pode ser observado em versos como “toneladas de
materiais registrados como peças de refugo, chegam Gana, África Hi-Tech de
resíduos, as calotas de glitter e de sucata” e “Como a Samsung que vem dizimando
os coreanos com fabricação de seus aparelhos, Oitocentos bitcoins por ano” (EDGAR,
2018). Com versos desse tipo, Edgar exerce uma força própria do artista que, segundo
Lipovetsky e Serroy "[...] atribui-se à arte o poder de fazer conhecer e contemplar a
própria essência do mundo." (2015, p. 14). Desse modo, expondo algumas das
consequências do mercado capitalista global.

Afirmando sua autonomia, os artistas modernos se insurgem contra as


convenções, cercam sem cessar novos objetos, se apropriam de todos
os elementos do real com fins puramente estéticos. Impôs-se assim o
direito de tudo estilizar, de tudo transmudar em obra de arte, até
mesmo o medíocre, o trivial, o indigno, as máquinas, as colagens
resultantes do acaso, o espaço urbano: a era da igualdade democrática
tornou possível a afirmação da igual dignidade estética de todos os
assuntos, a liberdade soberana dos artistas de qualificar de arte tudo
o que criam e expõem. Em face da soberania absoluta do artista, não
há mais realidade que não possa ser transformada em obra e
percepção estéticas. (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 23).

Ao inserir as discussões em seu trabalho artístico enquanto veste-se com os


descartes produzidos pelo que critica Edgar também expõe com sua própria existência
as contradições criadas pelo modelo de estetização do mundo pelo mercado do
capital. Na era da transestética nós nos dispomos a absorver os produtos e as
novidades fornecidas pelo comércio, buscando um ideal de consumo baseado na
novidade onde sempre estamos consumindo novos objetos, roupas e serviços em
busca de saciar a promessa de viver constantemente de prazeres e sensações
(LIPOVETSKY; SERROY, 2015) sem nos importar com a quantidade de material
produzido por esse estilo de vida e pelo destino que lhe é dado. Paralelo a isso, cresce
a preocupação com o meio ambiente e os modos saudáveis de vida, mas que são
sufocados pela onda constante de reinvenções, cada vez mais criativas, dos mesmos
produtos que já temos.

A oferta de todo um conjunto de consumos de maior valor agregado


não elimina o espetáculo da nova pobreza, das cidades sem estilo, dos
corpos desgraciosos, das criações culturais pobres e vulgares, da
desculturação dos estilos de existência. O que se anuncia nada mais

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é que uma comercialização extrema dos modos de vida na qual a
dimensão estética ocupa, sem dúvida, uma posição primordial, mas
que, apesar disso, não desenha um universo cada vez mais radiante
de sensualidades e de belezas mágicas (LIPOVETSKY; SERROY,
2015, p. 35).

Tal desconforto perante essas contradições criadas pela promessa de prazer e


beleza contrastante com a realidade distante desse ideal surge à tona com os versos
finais da música onde Edgar diz que “o futuro é lindo com um pássaro sem asas, o
nosso futuro será lindo como um arco-íris que se forma numa poça de água suja de
óleo, o futuro é um jovem maníaco viciado em videogames, o futuro já foi e ainda
continua sendo, o futuro é uma criança com medo de nós. ” (EDGAR, 2018). Dessa
forma, consumimos o belo proposto pelo capital na esperança de saciar a vontade
constante pelo prazer cabal que nos é incentivado, mas que se torna, após a digestão,
um desconforto perante a própria realidade, pois, segundo Lipovetsky e Serroy (2015):

No mundo fabricado pelo capitalismo transestético convivem


hedonismo dos costumes e miséria cotidiana, singularidade e
banalidade, sedução e monotonia, qualidade de vida e vida insípida,
estetização e degradação do nosso meio ambiente: quanto mais a
astúcia estética da razão mercantil se põe à prova, mais seus limites
se impõem de maneira cruel a nossas sensibilidades.

Essa consequência antagônica à promessa inicial de felicidade é reforçada pelo


músico no verso “Estamos sendo diagnosticados com déficit de atenção e
hiperatividade por não conseguir dormir a noite após a refeição de arroz, feijão e Coca-
Cola.” (EDGAR, 2018). Assim, Edgar nos mostra que apesar de acreditarmos nas
promessas sedutoras das empresas com seus slogans promovendo felicidade, a
consequência em nossos corpos (e no ecossistema mundial) está muito distante do
resultado que buscamos ter ao entregarmo-nos ao consumo do capital transestético.

Considerações finais

Ao evidenciar as aproximações entre a era da Transestética de Lipovetsky e


Seroy e o conteúdo da música “Plástico” de Edgar, entendemos que a função da arte
dentro do sistema capitalista transestético deve, para recuperar seu teor
emancipatório, usar do próprio sistema como forma de despertar o ser humano a
134
perceber as contradições que surgem ao se entregar ao modo de vida proposto por
ele. Usar, no capitalismo artista, da força da estética contra a própria estetização do
mundo para que não caiamos na ilusória conduta de consumir para sentir em si o
prazer, uma vez que esse hábito não possibilita felicidade real, gerando
consequências que impedem a obtenção do bem estar prometido. Cabe à arte,
portanto, “[…] frisar os limites, as contradições que estão no cerne da sociedade de
mercado transestética, assim como os caminhos que conduzem a uma vida estética
mais rica, menos insignificante, menos formatada pelo consumismo.” (LIPOVETSKY
E SERROY, 2015, p. 37).
Sendo assim, devemos usar da potência artística como fator emancipatório
para que nos tornemos mais livres e afastados dos moldes impressos pelo sistema do
capital transestético.

Referências

EDGAR. Plástico. 2018. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=j4CJ6OVFceY>. Acesso em: jun. 2018.

LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade de


hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

LIPOVETSKY. G. & SERROY, J. A estetização do mundo: viver na era do capitalismo


artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

O FINO DA ZICA. O Fino da Zica - Edgar. 2016. (23m20s). Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=LGGVwjYQ7Jw> Acesso em: Jun. 2018.

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OBSERVAÇÕES ACERCA DO APRENDER NAS INTERAÇÕES DE
VIVENCIA ENTRE ESTAGIARIO/ALUNO

Beatriz Marques Nolli (UEM)


Marcio Soares Pili (UEM)
Matheus Gonçalves Gorni (UEM)
Bia_nolli@hotmail.com

Resumo
Após a experiência do estágio e as interações entre estagiário e alunos da educação
infantil do CMEI e no Lar Escola da Criança, o presente artigo é produzido para a
disciplina de Estagio Supervisionado I, ministrado pela Professora Mestra Eloiza
Amália, no terceiro ano do curso de Artes Visuais – UEM, e tem como temática abordar
as observações acerca do aprender nas interações entre estagiário/aluno. Tendo
como referencial os autores Silvio Gallo (2012), Virginia Kastrup (2005) e Jorge
Larossa Bondia (2002), que trabalham a aprendizagem por meio da interação, temos
como objetivo: observar como o aprender transita nas interações entre
estagiário/aluno e nos perguntamos: como o aprender se desdobra na interação de
vivencia entre estagiário/aluno?
Palavras-chave: Aprendizagem. Estagio supervisionado. Aluno.

Introdução

A disciplina de estagio supervisionado I, cursada no terceiro ano de artes visuais


– licenciatura plena, foca no ensino de artes para a educação infantil e tem por objetivo
“Mapear o campo de estágio no que tange a oferta da disciplina de Arte no
cumprimento da Legislação. Elaborar e executar projetos na escola que favoreçam a
percepção estética e a ampliação do repertorio artístico”.
O presente artigo busca abordar as observações acerca do aprender nas
interações entre estagiário/aluno. Abordando o jogo “estagiário/aluno” com uma
dualidade de sentidos, sendo compreendida a interação entre o estagiário como
professor, e a criança como o aluno, mas também do estagiário como sujeito aluno
que aprende com a experiência do estágio.
E é esta vivencia que “possui o potencial de mobilizar em nós um aprendizado,
ainda que ele seja obscuro, isso é, algo que não temos consciência durante o
processo” (GALLO, 2012, p.3). De acordo com Gallo, com bases em Deleuze, nós
emitimos signos o tempo todo sem saber, e no momento de interação com o outro

136
emitimos estes signos, e consequentemente o outro aprende com isso, e dessa forma,
a aprendizagem se dá por meio da convivência, com a presença de outras pessoas.
Tanto para Gallo quanto para Kastrup, o aprender se dá a partir do problema, para
Gallo (p. 4) com base em Deleuze, o aprender não é recognição, mas criar algo novo,
e Kastrup reforça essa ideia quando diz que “a aprendizagem surge como processo
de invenção de problemas. Aprender é então, em seu sentido primordial, ser capaz de
problematizar.” (KASTRUP, 2005, p. 1277)
Além disso, Gallo continua utilizando Deleuze para discutir a aprendizagem, e
enfatiza “o aprender como processo, como passagem, como acontecimento” (GALLO,
2012, p.5) e por enfatizar o processo, de acordo com Kastrup, “o aprendizado jamais
é concluído e sempre abre para um novo aprendizado. Ele é continuo e permanente,
não se fechando numa solução e não se totalizando em sua atualização, precisando
por isso ser sempre reativado” (KASTRUP, 2005, p. 1280). E dessa forma, Gallo
complementa dizendo que:
Sendo o aprender um acontecimento, ele demanda presença,
demanda que o aprendiz nele se coloque por inteiro. E exige relação
com o outro. Entrar em contato, em sintonia com os signos é relacionar
– se, deixar – se afetar por eles, na mesma medida em que os afeta e
produz outras afecções (GALLO, 2012, p.6)

Por fim, Gallo explica que nós, como professores e professores em formação,
precisamos “abdicar de nossa vontade de controlar o aprendizado de cada um dos
nossos alunos, apesar de todas as boas intenções” pois a aprendizagem não pode ser
controlada e cada pessoa aprende de seu próprio modo, e que para além disso,
segundo Kastrup, “para ser mestre não basta transmitir informações novas, que logo
serão substituídas por novas informações novas e igualmente descartáveis, mas
produzir uma experiência nova, que não envelhece, que conserva sua força disruptiva
e se mantem sempre nova”. (KASTRUP, 2005, p. 1285).
A vivencia de estagio apresentada neste artigo se dá devido a disciplina de
estagio supervisionado I, como já dito anteriormente, e foi dividida em duas partes, o
estágio formal e o não formal. O estágio formal foi realizado no CMEI (centros
municipais de educação infantil) Recanto do Menor - Alvorada, tendo 12 horas/aulas
de observação e 8horas/aulas de regência, divididos em 5 dias de 4 horas/aulas na

137
turma 4ª, na qual os alunos possuíam 4 anos de idade. Os três dias de observação
aconteceram na sexta feira, enquanto as crianças tinham aula de educação física, os
dois dias de regência contaram com 2 atividades diferentes, a primeira uma
intervenção do aluno sobre sua própria foto, e a outra foi pintura utilizando tinta
produzida com alimentos. Já o estágio não formal foi realizado no Lar Escola da
Criança, com dois dias de observação e um de regência, sendo está regência uma
oficina. Além disso, no Lar Escola trabalhamos com duas turmas de idades distintas,
e por isso buscamos propor uma oficina de criação de personagem com massinha de
modelar que se adaptaria as duas turmas.
Com o objetivo de observar como o aprender transita nas interações entre
estagiário/aluno, norteamos esta pesquisa com a pergunta: Como o aprender se
desdobra na interação de vivencia entre estagiário/aluno? Buscando respondê-la
relacionando a pratica do estágio, com a teoria aprendida no curso, focando mais
especificamente nos autores Silvio Gallo (2012), Virginia Kastrup (2005), já citados
anteriormente, e Jorge Larossa Bondia (2002).

Desenvolvimento

Os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) são instituições educativas


públicas e gratuitas destinadas a cuidar e educar, de maneira indissociável, de
crianças até os 5 anos de idade, em período integral, nas quais se garante a
articulação das experiências e dos saberes das crianças com os conhecimentos que
fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, tendo
como eixos norteadores as brincadeiras e interações, promovendo o desenvolvimento
integral das crianças e o permanente diálogo com as famílias, promovendo assim uma
nova opção para os pais além de creches.
Durante o primeiro dia da observação, um dos estagiários não pode
comparecer, mas nesse primeiro momento nos foi explicado como funcionava aquele
CMEI, como eram as turmas, qual era o calendário e como seriam os horários, além
de normas de comportamento que os estagiários deveriam obedecer. Nesse mesmo
dia, os grupos foram de sala em sala, sendo apresentados para as crianças e
138
conhecendo as mesmas para posteriormente escolher que turma cada grupo iria
observar. A nossa escolha pela turma 4B foi simples pois durante esse
reconhecimento, ao entrarmos em uma sala um aluno logo apontou para um integrante
do grupo e comentou que era um “professor menino” ficando chocado com o fato de
que um homem também poderia ser professor, pois até aquele dia, ele só havia tido
contato com professoras mulheres, e por conta disso, optamos trabalhar com aquela
turma, visto que o nosso grupo é composto por dois homens e uma mulher.
No dia da segunda observação, dessa vez com o grupo completo, as crianças
ficaram animadas e surpresas com a chegada dos estagiários na sala, principalmente
pelo fato de dois integrantes do grupo serem do sexo masculino, algo que, como dito
anteriormente, não era comum para eles, e também pelo fato de serem pessoas
diferentes em sues cotidianos, para quem eles queriam contar o que sabiam, falar
sobre as famílias e mostrar seus materiais o que nos deixou surpresos e animados
para interagir e ver de como eles se comportavam, pois não esperávamos uma
recepção tão boa por parte dos alunos, algo interessante é que dois integrantes do
grupo não possuíam nenhum contato com crianças e estavam bem receosos com a
experiência do estágio, e esse acolhimento por parte das crianças acabou por quebrar
alguns preconceitos que os mesmos possuíam.
Terminada a aula de Educação física, a professora Marlene, que aplica as
outras matérias para a turma chega e a diferença entre a relação de professor e aluno
é notável, a professora Marlene passa mais tempo com eles, e a partir disso foi
possível se criar uma relação de respeito e carinho, não que ela não tenha falhas ou
que a outra seja uma má professora, mas ambas possuem modos diferentes de se
relacionar com as crianças e a partir dessa observação podemos ver o que funciona
ou não. Mas por nossas observações e regências serem na sexta feira, passamos
pouco tempo observando eles com a professora integral pois a aula de Ed. Física
termina pouco tempo antes deles irem para o almoço, o que levou a observarmos além
dessa aula eles brincando entre si ou com os brinquedos do pátio, dançando,
montando “lego”, tudo durante seu intervalo.
O terceiro dia de observação teve uma proposta diferente, a professora explicou
que aconteceria uma brincadeira após uma atividade ser dada em sala de aula, sendo

139
esta atividade de desenho, no qual as crianças deveriam se desenhar em uma folha
de papel. Por ser uma professora de Educação Física auxiliando as crianças a se
desenharem, podemos perceber algumas falhas no desenho pois o mesmo estava
“estereotipado ”, ou seja, um desenho feito por meios de copias e copias, normalmente
feito com formas geométricas linhas grossas, e esta atividade nos deu a ideia para as
posteriores intervenções com os alunos.
O quarto e último dia de observação, foi diferente pois, como comentado antes,
dois integrantes não puderam ir em uma observação e tiveram que repor este dia,
como era necessário conversar com a professora sobre o conteúdo da intervenção,
ambos decidiram ir em um dia no qual os alunos teriam maior contato com a professora
integral, e notar também de que forma eles se relacionavam, e o que eles sabiam
como conteúdo e qual eram as atividades com as quais eles estavam acostumados
diariamente.
Nesse dia a professora Marlene aplicou uma atividade chamada de “misturicho”
pensada a partir de um livro com o mesmo nome, e os alunos deveriam pensar em
dois animais, e desenhar uma junção destes, como por exemplo, um leão com cabeça
de cobra, e podemos observar que de certa forma isso se relaciona com algo que
Gallo traz sobre novas possibilidades:
Aprender é sempre encontrar-se com o outro, com o diferente, a
invenção de novas possibilidades; o aprender é o avesso da
reprodução do mesmo. Segundo Deleuze isso se dá porque se
aprender é relacionar-se com signos, eles, como problemas, pedem
uma resposta e esta é sempre singular, inovadora. Cada um reage aos
signos de uma maneira; cada um produz algo diferente na sua relação
com os signos, o que equivale a dizer que cada um aprende de uma
maneira, a seu modo singular. (GALLO, 2012, p. 8).

As crianças demoraram um pouco para focar na atividade, mas não houve uma
dispersão como acontecia geralmente durante as aulas de Ed. Física de sexta feira,
as crianças ficam mais interessadas e focadas na atividade, pois elas estavam
animadas por conta da liberdade criativa, além disso, neste dia a professora nos pediu
para sentar com os alunos e os ajudar, o que os deixou mais animados para desenhar
e nos explicar o que estavam desenhando

140
E depois dessa atividade de mistura entre dois animais, a professora deixou
livre para as crianças brincarem com massinha escolar, o que levou a aula para uma
interação interessante entre nós e eles pois eles pediam para fazermos umas formas
que eles achavam que não conseguiam. Até um integrante do grupo teve a ideia de
que, partindo do formato de um cubo, de fazer um dado, furando e denominando os
números em cada um de seus lados com a tampa de sua caneta. Foi muito incrível
pelo falo deles terem ficados maravilhados com esse simples dado e de todos então
irem pedir para que ele fizesse esse dado para eles, assim como eles pediam também
para a outra estagiaria que estava em outra mesa fazer o dado também, o que nos
levou a interagir com todas as crianças, com as mais extrovertidas até com as mais
tímidas da sala que não havíamos tido muito contato até então.
Para então a primeira regência demoramos para pensar em algo pois
observamos em maior quantidade as aulas de Educação Física tendo assim mais
contato com atividades físicas e brincadeiras do que com algo mais teórico e artístico,
que é mais relacionado ao nosso curso de Artes Visuais. Foi então que com a
reposição a professora Marlene nos disse que estava trabalhando sobre corpo
humano e os sentidos que ele possui neste semestre com eles, o que nos levou a
pensar sobre como trabalhar o corpo e a cor.
Muito tempo pensando em grupo, chegamos em um acordo de trabalhar com
fotos deles. Por serem crianças, desde o primeiro momento nos foi claro que não
poderíamos tirar e divulgar fotos das mesmas, então essa proposta possuía alguns
empecilhos, mas ao conversar coma professora, ela nos contou que possuía fotos dos
alunos, tiradas para outra atividade e que poderia nos disponibilizar contanto que não
divulgássemos. Então, a proposta consistia na foto deles, por baixo de um papel
manteiga e eles deveriam intervir sobre suas próprias fotos utilizando giz de cera e/ou
canetinha, tendo uma referência real para modificar que seriam eles mesmos,
adicionar objetos ou membros ou até mesmo deixar como está, apenas colorindo por
cima, remetendo a Deleuze quando fala sobre o signo:
A aprendizagem não se faz na relação da representação com a ação
(como reprodução do Mesmo), mas na relação do signo com a
resposta (como encontro com o Outro). O signo compreende a
heterogeneidade, pelo menos de três maneiras: em primeiro lugar, no
objeto que o emite ou que é seu portador e que apresenta
141
necessariamente uma diferença de nível, como duas disparatadas
ordens de grandeza ou de realidade entre as quais o signo fulgura; por
outro lado, em si mesmo, porque o signo envolve um outro “objeto” nos
limites do objeto portador e encarna uma potência da natureza ou do
espírito (Ideia); finalmente, na resposta que ele solicita, não havendo
“semelhança” entre o movimento da resposta e o do signo. (DELEUZE,
2006, p. 48).

O que nos levou a pensar sobre essa fala de Deleuze foi de um garoto nessa
turma que pintou por cima de sua foto praticamente tudo de verde, porque ele adora
o super-herói “Hulk” dos filmes e quadrinhos, o que nos instiga a pensar que a cor
verde para ele é uma resposta que remete ao herói que ele tanto gosta e admira.
Buscamos fugir do estereotipo de corpo mostrando imagens de artistas que
fazem corpos sem os formatos “padrões” e considerados normais de corpos e
apresentando alguns desenhos estereotipados para que eles fujam daquilo, buscamos
também relacionar com a atividade apresentada pela professora Marlene “misturicho”.
Tiveram crianças adicionando objetos, roupas, “poderes”, membros e etc. de maneira
que eles aproveitavam as cores tanto dos gizes quanto das canetinhas que trouxemos
para eles.
Por fim a segunda e última regência no CEMEI – Recanto do Menor Alvorada
foi bem mais tranquila de se pensar por tivermos mais tempo de pensar a respeito e
pelo fato de coincidir com o fato de uma pessoa do grupo estar lendo um livro sobre
atividades que podem ser trabalhadas com crianças, onde uma parte conta sobre
produções com tintas que possuem pigmentos naturais e que de certa forma
pudessem ser comestíveis porem serem feitas com materiais como beterraba,
mostarda, coloral e açafrão, condimentos que possuem uma cor muito rica e
chamativa para uma produção artística.
Para esta proposta, utilizamos como materiais: cartolinas para serem uma base
para pintura, pinceis e esponjas como material para pintura e os pigmentos naturais
como já dito anteriormente
Buscamos em um primeiro momento discutir com os alunos sobre as cores: se
eles sabiam os nomes de cada cor apresentada, quais as suas preferidas e se
gostavam de utilizar tinta. Depois levamos as crianças lá para fora, próximo de onde
ficamos no segundo dia de observação e colocamos as cartolinas no chão de maneira
142
que cada uma delas se organizassem em duplas e/ou trios para que não houvesse
confusão. Foi um pouco difícil no começo antes deles começarem a produzir pela
ansiedade de querer pintar, brincar com os pigmentos e queriam ver como estávamos
fazendo-os e até mesmo cheira-los, porque como citado anteriormente, essas crianças
elas se dispersavam, mas quando começaram a pintar focaram naquilo, e depois foi
até difícil de encerrar a atividade, pois eles não queriam parar de pintar, e isso pode
se relacionar com a citação de Deleuze:
Nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma
que aprenda, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e
não pela assimilação de conteúdos objetivos. Quem sabe como um
estudante pode tornar-se repentinamente “bom em latim”, que signos
(amorosos ou até mesmo inconfessáveis) lhe serviriam de
aprendizado? Nunca aprendemos alguma coisa nos dicionários que
nossos professores e nossos pais nos emprestam. O signo implica em
si a heterogeneidade como relação. Nunca se aprende fazendo como
alguém, mas fazendo com alguém, que não tem relação de
semelhança com o que se aprende. (DELEUZE, 2003, p. 21).

Que foi bem interessante pelo fato de termos separados eles em duplas e não
sozinhos, porque não teve briga ou discussão entre eles, todos estavam querendo
complementar o desenho do colega, seja utilizando do pincel, da esponja ou até
mesmo das mãos (mesmo nós apontando para tomarem cuidado e não se sujarem).
Todos estavam dispostos a pedir tintas que não tinham, de dividir os materiais com as
outras duplas, teve até mesmo uma criança que pintou a gangorra com os pigmentos,
mesmo sendo errado e não o intuito da regência.
Toda essa primeira parte do estágio formal no CMEI nos marcou por conta de,
como dito anteriormente, alguns integrantes do grupo nunca tinham tido contato com
crianças e por isso tinham alguns preconceitos instaurados sobre elas, causando até
mesmo um receio, medo e nervoso quanto a disciplina do estágio. Mas está
experiência acabou nos abrindo para um novo horizonte onde sentimos que não são
só eles (crianças) que aprendem conosco, mas sim como nós (adultos) também
aprendemos como eles, e que se você não estiver aberto a isso, a possível absorção
não ocorrera ou até mesmo ocorrerá, mas será de maneira negativa.

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Fizemos a segunda parte da matéria Estagio Supervisionado I, etapa não
formal, logo depois do período passado no CMEI – Recanto do Menor Alvorada. No
Lar Escola da Criança de Maringá no período matutino, o qual efetuaríamos as
regências e as observações, haveriam apenas três turmas em aula, turma um com a
faixa etária de 6 a 7 anos, turma dois de 8 a 9 anos e turma três de 10 a 12, com o
período de aula sendo dividido com um intervalo de dez minutos as dez horas.
Diferente da primeira etapa, o estágio não formal seria composto por duas
observações e uma regência. Dessa vez, os discentes se dividiram em três grupos, e
realizariam regências alternadas entre duas, das três turmas do período da manhã,
portanto obrigatoriamente cada grupo ficaria privado de reger em uma das três turmas.
O dia de aplicação da regência seria dividido em duas etapas, uma anterior ao
intervalo e outra posterior, sendo cada uma dessas etapas em uma turma de faixa
etária diferente
De início, observamos a turma dois, de 8 a 9 anos que coincidentemente
estavam tendo a aula de educação física, depois disso fomos para a turma três, os
mais velhos, esses por sua vez, estavam discutindo um questionário respondido
anteriormente por eles, sobre as importâncias e limites da liberdade e da
responsabilidade. Ao contrário da outra turma, nessa, sentimos mais possibilidades
de comunicação maior, devido à proximidade maior de nossa idade (professor em
formação) com a dos alunos, portando compartilhávamos mais signos em comum, e
assim como nos esclarece Deleuze:
Aprender diz respeito essencialmente aos signos. Os signos são objeto
de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender é,
de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se
emitissem signos a serem decifrados, interpretados. Não existe
aprendiz que não seja “egiptólogo” de alguma coisa. Alguém só se
torna marceneiro tornando-se sensível aos signos da madeira, e
médico tornando-se sensível aos signos da doença. A vocação é
sempre uma predestinação com relação a signos. Tudo que nos
ensina alguma coisa emite signos, todo ato de aprender é uma
interpretação de signos ou de hieróglifos. (DELEUZE, 2003, p. 4).

O que nos fez repara nisso foi no momento em que entramos em sala, um dos
garotos estava de saída e cruzou com nosso grupo na entrada, foi então que ele
reparou em um acessório que um dos integrantes do grupo estava carregando, um

144
boton de alguns personagens da animação japonesa: Naruto. A partir daí algumas
possibilidades foram abertas, pois esse aluno que havia reparado no boton se atentou
mais ao nosso grupo de estagiário durante a aula, além de conversar com os colegas
e dizer: “olha ele tem um botton do naruto”, daí em diante, toda a mesa das crianças
começaram a reparar no grupo de estagiários e em seus acessórios. Esse grupo de
alunos, em um momento oportuno, chegou a puxar conversa com os estagiários,
indagando sobre alguns personagens de animes e suas preferencias sobre desenhos
animados, orientais e ocidentais, sendo a primeira e única vez no dia em que um aluno
se propôs a iniciar um diálogo com os estagiários, mostrando a nós, estagiários, o
poder dos signos na criação de laços e ponte para novas maneiras de aprender com
as crianças.
Após o termino do tempo estipulado, trocamos de turma novamente, dessa vez
indo para a sala dos mais novos, que estavam separados entre meninos e meninas,
onde os meninos estavam vendo o filme de animação Rio, e as meninas praticando
aula de dança. Primeiro fomos a sala dos meninos, e como pode se esperar não houve
alguma interação, principalmente pelo fato da atenção deles estar direcionada ao
filme, portanto estava no momento de aprender com o filme e não conosco. Na sala
de dança onde estavam as meninas não foi muito diferente, nosso grupo de estagiário
não apresentou nenhuma oportunidade ou chamariz para dialogo, apenas
observamos e elas apenas seguiram seus afazeres cotidianos.
O segundo dia no Lar Escola da Criança de Maringá, teríamos que observar
as turmas que ficamos responsáveis na aplicação da regência e assim como no dia
da regência, nessa primeira observação direcionada, teríamos que dividir nosso tempo
para as duas turmas, tendo como momento de troca entre elas, a hora do intervalo.
Começamos as observações novamente pela turma intermediaria, a turma dois com
os alunos de 8 a 9 anos. Nesse dia de observação a receptividade foi bem diferente,
com atividades e jogos em sala de aula, um dos alunos chamou nosso grupo para
jogar algum jogo de tabuleiro, e a interação foi incrível, tratamos e fomos tratados com
igualdade, mesmo que fossemos pessoas novas, jovens demais para professores e
velhos demais para alunos, fomos convidados para um e para outros jogos, mostrando

145
uma inteiração que com as crianças que nos agradou muito. Jogamos jogos de
tabuleiro, Dama e Pebolim.
Apesar de estarmos nessa zona etária (velhos demais para alunos e novos
demais para professores) desconhecida ou ambígua para o entendimento das
crianças, penso que conseguimos captar o melhor entre elas, a autoridade da figura
mais velha e a identificação com os signos do mais jovem, se aproximando de uma
comunicação mais efetiva com eles, portanto como estagiários sentimos nossa
posição com um certo privilegio no que se trata ao poder de nos comunicarmos com
os alunos, pelo fato de prendermos suas atenções com as qualidades de crianças
grandes, ou quase adultos, mas mesmo assim podendo ter credibilidade para
direcionar as aulas. Algo que representa essa credibilidade dada por uma autoridade
e a possibilidade de nos estagiários a exercer, foram alguns desentendimentos ao final
do jogo de Pebolim, onde os meninos não deixavam as meninas jogarem, já que o
tempo era dividido entre os dois gêneros. Enquanto a professora estava ausente, nos
estagiários conseguimos moderar a situação, mesmo entre as crianças menos
flexíveis, e faze-los se conformar com a ordem estabelecida anteriormente, não
impondo, mas mostrando como a satisfação de todos tinham relação direta com essa
ordem.
Nessas intervenções mais diretas onde se precisa exercer a autoridade fugimos
das ações “faça como eu”, ou seja, uma imposição de força, mas procurando o “faça
comigo”, que esta mais voltada a uma procura de condução, assim como fala as
reflexões em que Gallo (2012) se volta a Deleuze (2006):
O outro aspecto desta “quase-teoria do aprender” que quero salientar
é a afirmação de que aprender é fazer com o outro, não fazer como,
imitar o outro. Também é uma ideia retomada em Diferença e
Repetição, onde Deleuze afirma que “nada aprendemos com aquele
que nos diz: faça como eu. Nossos únicos mestres são aqueles que
nos dizem “faça comigo” e que, em vez de nos propor gestos a serem
reproduzidos, sabem emitir signos a serem desenvolvidos no
heterogêneo” (2006, p. 48).

Como Deleuze (2006) fala e Gallo contextualiza muito bem o imitar não produz
aprendizado, mas apenas facilidades motoras que não se traduzem em conteúdo ou
entendimento algum, não propiciam a assimilação, mas somente a reprodução.

146
Após isso trocamos de sala, e fomos para a turma um, composta pelas crianças
mais novas de 6 a 7 anos, esperávamos uma recepção menor, devido à falta de
atenção da última regência, porem ao contrário do que imaginávamos fomos recebidos
calorosamente. As crianças nos receberam como se fossemos intimamente ligados,
com abraços sentimentos de saudade. Além disso, também houve as indagações dos
alunos em relação aos bottons presentes na bolsa de um dos estagiários do grupo,
perguntas sobre desenhos animados e preferencias nesse âmbito desencadeando
conversas antes não previstas. Assim como Deleuze nos assinala:
Nunca se sabe de antemão como alguém vai aprender – que amores
tornam alguém bom em latim, por meio de que encontros se é filósofo,
em que dicionários se aprende a pensar. Os limites das faculdades se
encaixam uns nos outros sob a forma partida daquilo que traz e
transmite a diferença. Não há método para encontrar tesouros nem
para aprender, mas um violento adestramento, uma cultura ou paideia
que percorre inteiramente todo o indivíduo (um albino em que nasce o
ato de sentir na sensibilidade, um afásico em que nasce a fala na
linguagem, um acéfalo em que nasce pensar no pensamento).
(DELEUZE, 2006, p. 237).

Essa e outras situações de imprevisibilidade já descritas antes marcaram e


foram essenciais para nossa experiênciação com os alunos, criando vínculos e pontes
para a troca reciproca através do diálogo. A troca de informações nesses diálogos
possibilitaram e possibilitam através de cada palavra uma relação e uma ponte entre
os sujeitos envolvidos, aluno e professor tem seus papeis confundidos pela dinâmica
do aprender, tendo a palavra como principal objeto dessa troca se criaram laços
espontâneos e imprevistos entre aluno e estagiário. ( LARROSA. 2002).
Com o complexo objetivo de expressar em uma regência tudo de benéfico
sentido nas observações, aplicando um conteúdo e uma pratica artística, fugindo do
obvio e ainda que se encaixe na faixa etária das duas turmas, começamos a pensar
em possibilidades temáticas para dar conta de nosso objetivo.
Decidimos depois de muita discussão, problematizar um conteúdo clássico da
arte, uma técnica já estabelecida desde a antiguidade, ou seja, repleta de normas e
costumes que a fazem ganhar o status de tradicional, a escultura. Trazendo a técnica
para o presente, procuramos romper o imaginário comumente associado a pratica da
escultura, trazendo ela para o plano da realidade e as trazendo ao alcance do aluno,

147
contextualizamos praticas tradicionais (clássicas) como mármore, madeira e argila, e
apresentamos praticas contemporâneas como modelagem digital, esculturas
minimalistas e contruções de personagens, tudo com o objetivo de desmistificar a
pratica e trazer ela para o campo acessível, onde depois, faríamos então a construção
e modelagem de um personagem, com o material fornecido pela escola, a massinha
de modelar. Toda essa preparação foi pensada e executada com muita participação
do aluno, formando um ambiente ideal para a colaboração tanto com conteúdo técnico
quanto com sugestões a serem utilizadas na atividade.
Na pratica da regência, aconteceu tudo isso e um pouco mais, os alunos se
envolveram no debate, tanto seguindo alguns dos paradigmas que imaginaríamos que
eles teriam em relação à escultura, quanto dando abertura para o rompimento de tais
paradigmas, e ainda contribuíram em muito na construção das técnicas, lembrando e
sugerindo algumas que simplesmente esquecemos ou não pensamos em colocar nos
slides em que organizamos os materiais, por exemplo, além das técnicas clássicas
madeira mármore e argila, os alunos lembraram-nos do metal que havíamos
esquecido de colocar, e nas técnicas contemporâneas eles nos lembraram das
esculturas de gelo, que não havíamos cogitado incluir. Isso para alguns mostraria
defeitos ou insuficiência na qualidade ou capacidade de ensino do professor ou
estagiário, mas para nos exemplificou um ensino e aprendizagem bilateral, onde o
aluno por vezes se torna professor e vice versa, momento esse propiciado apenas por
uma série de fatores existentes durante e anterior a regência. Esses fatores são, por
exemplo, a abertura em um ambiente menos hostil, longe de uma autoridade total,
objetiva e excludente, como acontece em uma pedagogia platônica de recognição, e
mais próxima de um ambiente permeado por ímpeto e “paixão” no que se aprende
como diz Deleuze (2006), ambiente aberto a uma comunicação reciproca onde
significante e significado se misturam. (LARROSA. 2002). Outra coisa que nos
aproximou dos alunos, foi a apresentação de algumas esculturas feita por nós
(estagiários) durante o curso de licenciatura na matéria de escultura, levamos os
trabalhos com o objetivo de trazer a escultura para o plano do real e acessível,
diferente do que vídeos e imagens da internet fazem, que é afastar e trazer a arte para
o plano do inalcançável, onde apenas alguns escolhidos tem o “don” de produzi-la, e

148
pelo que podemos perceber nosso objetivo com a apresentação dessas obras foi
alcançado.
Com esse ambiente propicio e receptivo para nós do grupo de estagio, a
regência foi tranquila e construtiva para ambas as partes, mas algumas reações e
indagações dos alunos nos chamaram a atenção. Na sala dois, com faixa etária de 8
a 9 anos os alunos se mostraram indignados quando falamos que após a atividade,
as esculturas seriam destruídas para podermos devolver a massa de modelar para a
escolar e possibilitar uma utilização em outro momento. Alguns dos alunos após
receber a notícia perderam a vontade de continuar a pratica com a massinha, alguns
falaram que se arrependeram de começar, pois não faz sentido já que seria destruído
e alguns se recusaram a continuar. Tentamos com base no dialogo explicar para todos
as razoes das esculturas serem desmanchadas e pra além disso que o conhecimento
e a aprendizagem não está presente no objeto em si, mas sim na experienciação, no
ato de praticar e criar novos laços e significados com a massa de modelar, então o
aprendizado deles, seria guardade em suas “cabeças” ou seja, na subjetividade de
cada um (GALLO,2012).
A turma dos mais novos não ficaram tão tocados com o fato do desmonte das
esculturas no final da atividade. Pensamos que talvez eles, influenciados também pela
idade, ainda não tenham incorporado alguns estereótipos comuns no que se trata de
construção de conhecimento, como a impressão já citada antes, que o conhecimento
se encontra no objeto, ou seja, pode ser exemplificado ou provado a clássica logica
platônica de recognição (GALLO, 2012). Percebemos que os mais novos desfrutam
mais da vivencia, dando o valor nas tentativas e na experiência, ao em vez do produto
final, o que potencializa muito mais a subjetivação de cada um, que talvez se perca
com o tempo.

Considerações finais

Aquele que se considerar, ou pensar que pode se tornar, um artista em sua


plenitude antes de adquirir a experiência de lecionar e suas possibilidades, seria no
mínimo digno de desconfiança. No contexto brasileiro, a arte e seu ensino vêm
sofrendo uma série de ataques, além da deficiência em sua difusão que já ocorre há
149
muito tempo (desde o século XVI), em uma época de ataques e sucateamento da
educação o papel da arte é fundamental, e ele não se prolifera sozinho.
O artista se adapta, aborda e atinge os paradigmas de seu tempo, portanto
talvez seu dever cívico se faz presente na educação assim como em diferentes épocas
se fez presente em outros aspectos sociais. Viemos argumentar aqui o que sentimos
e percebemos nessa disciplina de estagio supervisionado I, a importância de ser
professor e aluno em todos os âmbitos da vida, sem restrição de idade ou
conveniência, aprendemos e ensinamos a todo momento com todas as pessoas que
cruzamos, sejam elas adultas, crianças ou recém-nascidas, recebemos e emitimos
signos e esses por sua vez nos transformam. Tudo isso através da palavra, ou melhor,
do signo, não só na verbalização, mas a palavra para além do verbal, nos toca e o que
éramos antes já não somos agora. Inerentemente isso nos distancia da ideia de
professor controlador, reforçado por uma visão tradicional, e percebemos que a ideia
tradicional não nos define como professores.
Por fim, também podemos perceber, tanto com o desenrolar da experiência de
estagio, quanto durante a escrita do artigo, de que modo se relacionam a teoria e a
pratica em sala de aula, sendo uma necessária da outra para que ocorra uma
experiência pratica, e também uma aprendizagem teórica. Essa relação é explicitada
no trabalho através da relação entre as teorizações do aprender com o outro, e a
pratica no qual os estagiários puderam aprender não só quanto a uma futura profissão,
no caso coisas mais “técnicas” como de que modo chamar a atenção dos alunos,
como organizar uma aula e várias outras coisas, mas aprender quanto a coisas
desconhecidas, que geravam até mesmo preconceitos em integrantes do grupo, como
por exemplo o receio de lidar com crianças, o medo de dar aulas ou o pensamento de
que não iriamos gostar daquilo pois éramos acostumados com uma ideia de aula
tradicional. E agora podemos observar que realmente há o imbricamento entre o
teórico e o prático, pois a partir das relações práticas, e estudos teóricos, podemos
entender que é possível aprender com o outro para além do conteúdo, e de certa
forma, esse relacionamento nos modifica.

150
Referências

HISTORICO Institucional Lar Escola da Criança de Maringá. Disponível em:


<http://www.larescola.org.br>. Acesso em: 04 jul. 2018.

CUNHA, Suzana Rangel Vieira da. Pintando, bordando, rasgando, desenhando e


melecando na educação infantil. Cor, som e movimento: a expressão plástica,
musical e dramática no cotidiano da criança. Porto Alegre: Mediação, p. 07-36,
1999.

DELEUZE, Gilles. Proust e os Signos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


2003.

DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

GALLO, Sílvio. As múltiplas dimensões do aprender. In: Anais Congresso de


Educação Básica: aprendizagem e currículo. Florianópolis. 2012.

KASTRUP, Virgínia. Políticas cognitivas na formação do professor e o problema do


devir-mestre. Educação & Sociedade, v. 26, n. 93, 2005.

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista


brasileira de educação, n. 19, p. 20-28, 2002

151
PANDEMONIA: NOTAS SOBRE UMA DRAG QUEEN E A ARTE POP

Gustavo Barrionuevo (UEM)


Lua Lamberti de Abreu (UEM)
Milena Beatriz da Silva (UEM)
gustavobarrionuevo600@gmail.com

Resumo
Utilizando-se da visualidade da drag queen Pandemonia, nos perguntamos: Quais os
desdobramentos teóricos podemos criar no imbricamento da artista e drag queen
Pandemonia com a teoria crítica da Arte Pop? Problematizamos o fazer artístico deste
movimento com intenção de dar um novo olhar para a performance drag, linguagem
artística que vem ganhando destaque na atualidade. Encontramos na visualidade da
drag queen uma influência de artistas da Arte Pop, como Roy Lichtenstein e Andy
Warhol, e percebemos que a drag queen e a Arte Pop escancaram a mesma coisa: a
construção do sujeito.

Palavras-chave: Drag Queen. Pop Art. Performance Drag.

Introdução

Dentro de um movimento de valorização da performance drag que vem


ocorrendo na atualidade, perguntamo-nos se é possível relacionar a visualidade da
drag queen com outros contextos históricos artísticos das que não seja atrelado a
linguagem performática e teatral. Comumente a performance drag é mais estudada
dentro do campo antropológico, existindo pesquisas na área de Psicologia Social, mas
pouquíssimas dentro do campo das Artes Visuais ou outras áreas de estudo. A
intenção é fazer com que se proliferem os estudos sobre essa linguagem artística (a
drag) nas mais diferentes abordagens. Neste trabalho, optamos por utilizar a
visualidade da drag queen Pandemonia, uma artista londrina, que começou a circular
no mundo da arte e da moda em 2009. Sua personagem drag é caracterizada pela
utilização de roupas em borracha, cores fortes e uma grande referência a Arte Pop,
por meio da apropriação de elementos presentes das pinturas do artista americano
Roy Lichtenstein.
Partindo dessas observações, nos perguntamos: Quais os desdobramentos
teóricos podemos criar no imbricamento da artista e drag queen Pandemonia com a

152
teoria crítica da Arte Pop? Objetivando problematizar a visualidade da drag queen
Pandemonia com o fazer artísticos dos artistas que participaram desse movimento.

A DRAG QUEEN E A POP ARTE

Por estarmos nos apropriando de uma linguagem artística precisamos tomar o


cuidado de não restringir sua definição devido a multiplicidade que a performance drag
vem ganhando na contemporaneidade. Fazer drag, ou se montar, é um ato
performático na qual a artista incorpora uma personagem, podendo variar entre
gêneros, imitando ou não uma celebridade, atribuindo características cômicas,
fantásticas e políticas. Os modos mais conhecidos de se fazer drag são as drag
queens, quando um homem incorpora uma personagem feminina, e os drag kings,
quando uma mulher incorpora um personagem masculino. Porém, é importante
destacar que, não necessariamente, uma mulher só poderá performar como drag king,
ou um homem como drag queen. Por uma perspectiva de queering (LOURO, 2016),
de estranhamento, vários artistas começaram a questionar essas representações do
masculino e feminino – mulheres começaram a performar como drag queens e
homens como drag kings. Essas artistas estão mais interessadas em ultrapassar uma
lógica binária experimentando territórios subjetivos que não se alinhem com uma
subjetividade hegemônica, sem necessariamente experienciar os outros gêneros –
mulheres experimentando outras feminilidades e homens outras masculinidades. “A
drag é mais de um. Mais de uma identidade, mais de um gênero, propositalmente
ambígua em sua sexualidade e em seus afetos” (LOURO, 2016, p. 21).
Tal subversão alimenta, ou (por que não?) produz um entendimento estrutural
de gênero. Paul B. Preciado (2010) sugere que retirar os marcadores de sexo e/ou
gênero das identidades e certidões derrubaria todo o sistema judiciário e civil. É nesta
lógica generificada que diversas violências naturalizadas se perpetuam, como as
disparidades binárias entre homens e mulheres, por exemplo. Tais binarismos passam
a ser questionáveis com a paródia performativa da drag queen, uma vez que corpos
podem montar-se para performar personagens, subjetividades outras, e denunciam
justamente por executarem, o teor fictício das identidades de gênero binárias e
naturalizadas, corpos fálicos associados necessariamente ao universo do masculino,
153
e corpos com a ausência do falo, marcado como “o outro”, associados ao lugar da
violência, da submissão.
A lógica identitária pauta-se sempre no lugar de privilégio de uma identidade
resguardada como a correta, e outras tantas no lugar de submissão, opressão,
negligência; não apenas no binômio homem X mulher, mas também heterossexual X
homossexual, cisgênero/a X transgênero/a, branco/a X negro/a, e tantos outros
pautados na mesma estrutura excludente (TIBURI, 2018)
Mas qual o motivo de abordamos este aspecto da performance drag? A drag
queen Pandemonia exemplifica “a drag é mais de uma identidade” pois, desde seu
surgimento, ninguém sabe quem é a ou o artista por trás da personagem, a
multiplicidade que a frase de Louro (2016) apresenta é exemplificada quando
pensamos na identidade da drag queen. A possibilidade de identificarmos e
encaixarmos a artista dentro de uma identidade fixa, pressupondo uma subjetividade
e um modo de afeto e desejo é descartada quando não sabemos quem está por trás
da máscara, somos coagidos a lidar com a incerteza e as várias possibilidades que a
máscara nos joga – como vemos na Figura 1.

Figura 1: Colagem feita com fotos da drag queen Pandemonia.

Fonte: Instagram - @therealpandemonia.

Como podemos observar, a artista possui uma referência visual as obras de Roy
Lichtenstein – presente na Figura 2. Em primeiro destaque, observamos a peruca da
artista, uma peruca amarela com traços pretos, responsáveis por dar movimento e
volume a peruca de cor lisa que é feita de borracha, os traços pretos também são
encontrados com os mesmos propósitos nas obras de Lichtenstein. Ainda sobre a
peruca, notamos que ela possui linhas curvas e formato arredondado, que ajuda a dar
a ilusão de uma figura feminina para a drag queen, em In the car (1963), notamos a
utilização das mesmas linhas para o desenho/construção da figura feminina em

154
contraste com as linhas retas usadas no desenho da figura masculina. Outro destaque
que podemos fazer é a utilização do batom vermelho em contraste com a pele clara e
cabelo amarelo (loiro), presentes nas figuras femininas de Lichtenstein, mas que
também pode ser referência a uma figura feminina muito famosa na época, Marilyn
Monroe – que aparece na produção de Andy Warhol, outro artista da pop.

Figura 2: Obras de Roy Lichtenstein. Da esquerda para direita, Crying Girl (1963), In
the Car (1963) e Reverie (1965).

Fonte: Demilly, 2016.

Outro aspecto que encontramos tanto na produção de Lichtenstein quanto nas


montações 1 de Pandemonia, é a utilização de balões de fala. Grande parte da
produção de Lichtenstein é a apropriação de quadrinhos e a recriação deles em escala
muito maior – um exemplo é In the Car (1963). Uma das características dos
quadrinhos, são os balões de fala, responsáveis pela criação do diálogo entre as
personagens ou pela representação de uma onomatopeia – a formação de uma
palavra a partir de um som a ela associado. A drag queen Pandemonia utiliza-se dos
balões de fala para trazer um aspecto cômico para a montação – quando, por exemplo,
na recepção de uma festa de gala, a artista aparece com uma plaquinha no formato
de um balão de fala escrito “FAB!”, contração de fabulous, palavra em inglês que
significa fabulosa/o (imagem presente na Figura 3).

1 “Montação” pode ser entendido como o resultado final do processo de “se montar”, quando
vemos a “montação” completa, maquiagem, peruca, roupa e acessórios. Não faço o uso do
termo “montaria” – termo utilizado por Vencato (2005) – por perceber que o termo entrou em
desuso na atualidade.
155
Figura 3: Colagem feita com fotos da drag queen Pandemonia.

Fonte: Instagram - @therealpandemonia.

Embora algumas dessas relações – da obra de Lichtenstein com Pandemonia – sejam


muito evidentes, não podemos afirmar que essas referências são conscientes pois
essa associação à Arte Pop não é mencionada nas entrevistas e artigos disponíveis
em sites de moda e de arte na qual a artista é mencionada. Apesar disso, a visualidade
da drag queen nos chamou a atenção para além do aspecto visual, sua personagem
abre brechas para que – juntos com a crítica que foi feita à Arte Pop – possamos
problematizar a construção da figura feminina, por exemplo.
O termo Arte Pop foi usado pela primeira vez pelo crítico britânico Lawrence
Alloway, em 1954, como um modo de nomear a arte popular que estava sendo criada
pela cultura de massa. Após alguns anos, em 1962, o termo foi ampliado para incluir
a obra de artistas que estavam utilizando imagens populares no contexto das
“belasartes” (LUCIE-SMITH, 2000).
McCarthy (2002) coloca que a Arte Pop buscou várias de suas ideias e atitudes
em movimentos de arte do começo do século XX. A apropriação de materiais
impressos bidimensionais do meio comercial é uma retomada das colagens cubistas
que Braque e Picasso produziam em Paris. O marketing de automóveis é um tema
importante nas colagens de Richard Hamilton e pode ser uma reincorporação do
movimento futurista italiano que celebrava a velocidade e a tecnologia moderna,
particularmente a dos automóveis. Ainda segundo McCarthy (2002, p. 16) a atitude
irreverente e iconoclasta do dadá, junto a “sua disposição de aceitar tudo na esfera da
arte, certamente ajudou no desenvolvimento da arte pop”. Entretanto, Lucie-Smith
(2000, p.161-162) nos mostra a opinião do, talvez, mais conhecido artista dadá sobre
a arte pop, Marcel Duchamp:

156
Esse neo-Dadá, a que eles chamam neo-realismo, arte pop,
Assemblage, etc., é uma saída fácil e sustenta-se do que o Dadá fez.
Quando descobri os ‘ready-mades” pensei estar desencorajando a
estética. No neo-Dadá, eles tomaram os meus ‘ready-mades’ e
recuperaram a beleza estética neles. Joguei-lhes o porta-garrafas e o
mictório na cara como desafio... e agora eles os admiram por sua
beleza estética!

A crítica de Duchamp acertou tanto na diferença quanto na semelhança dos


movimentos. Ainda de acordo com Lucie-Smith (2000), o aspecto que Duchamp não
compreendeu sobre a arte pop foi a evidente frieza e ausência de envolvimento com
o tema que se tratava. Em uma primeira análise, o novo movimento resgata técnicas
dadaístas, mas sem um menor respaldo na filosofia dadá. “Cumpre lembrar que o
movimento Dadá era especificamente antiarte, algo que tinha surgido em radical
oposição a uma situação já existente. Portanto, era moldado por essa situação”
(LUCIE-SMITH, 2000). A arte pop encontra nesse aspecto de oposição a arte, alguma
coisa a partir da qual algo poderia ser construído – a aparente frieza, falta de seriedade
da pop não deve nos enganar, a arte pop era um movimento culto e consciente.
Partindo desses pressupostos, podemos observar também na produção de
Pandemonia uma forte relação entre arte e artefatos que circundam em um contexto
cultural massivo, tais como as propagandas. A arte pop incorporou anúncios e
produtos industrializados, aquilo que fosse popular, em suas obras de modo a
descontextualizar esses objetos e, por consequência, acabaram os ressignificando. O
que acontece na produção contemporânea de Pandemonia é a recorrência à arte pop
enquanto referência, especialmente visual, mas não se pode separar tal produção do
contexto massivo que a atravessa. Abaixo temos uma montação em que Pandemonia
usa um vestido com a identidade visual da marca de cigarros Marlboro (Figura 4).

Figura 4: Colagem feita com fotos da drag queen Pandemonia.

Fonte: Instagram - @therealpandemonia.


157
Pandemonia surge em um contexto de reprodução massiva. Sua produção se
associa com elementos e a visualidade da arte pop, que por definição, tem em seus
conceitos a absorção de elementos cotidianos amplamente reproduzidos. No entanto,
a difusão da produção de Pandemonia se alia às redes sociais. O perfil da drag queen
no Instagram não faz parte de seu ato performático, mas possibilita o paralelo entre a
relação de arte e a cultura massiva. A construção de Pandemonia enquanto drag
queen se dá nesse entremeio. Benjamin (1987), em seu texto clássico sobre a obra
de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, afirma que quando amplamente
difundida, uma obra de arte perde sua “aura”. Sobre essa temática o autor aponta que

o conceito de aura permite resumir essas características: o que se


atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura.
Esse processo é sintomático, e sua significação vai muito além da
esfera da arte. [...] em suma, o que é a aura? É uma figura singular,
composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de
uma coisa distante por mais perto que ela esteja. Observar, em
repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no
horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa
respirar a aura dessas montanhas, desse galho. Graças a essa
definição, é fácil identificar os fatores sociais específicos que
condicionam o declínio atual da aura. Ela deriva de duas
circunstâncias, estreitamente ligadas à crescente difusão e
intensidade dos movimentos de massas (BENJAMIN, 1987, p. 168-
170).

O autor entende que é pelo contexto massivo e de alta reprodutibilidade que a


obra de arte perde sua aura. Na obra de Pandemonia a incorporação da arte pop, das
propagandas de produtos em suas montações e a alta reprodução via redes sociais,
a nosso ver, não acarreta na "perda" de uma aura, como propõe Benjamin. Tais fatores
são constitutivos para a manutenção e existência do conceito que ela carrega
enquanto drag queen. A visualidade de Pandemonia, na nossa visão, também busca
uma construção. Ao invés de um posicionamento filosófico de destruição - a antiarte -
igual ao do dadá, o cenário para a construção que Pandemonia habita é a crise da
subjetividade, a crise do sujeito e a da identidade. O que a drag queen faz é mostrar
outras possibilidades, outras formas de construção do “sujeito” que estejam mais
afeitas a afirmação da vida – deixando de lado a noção de sujeito moderna.
158
O fato de sua identidade não ser revelada quando não montada também é um
posicionamento questionador; a personagem pode simplesmente existir para além da
pessoa que originalmente idealizou. Há, portanto, um descolamento subjetivo da
personalidade da/o artista para com a figura Pandemonia. A arte, ao ser pensada por
esse viés, foge da tendência egocêntrica de posse, de autoria.
Ludmila Castanheira (2018), ao dissertar sobre performances e modos de
existência, defende uma postura contra hegemônica para com o fazer artístico,
deixando que a experiência da obra afete e seja afetada, seja construída
coletivamente, de modo a descentralizar a ideia de artista como um dom, como um
gênio. A construção da personagem sem a necessidade da assinatura do/a artista
pode ser um disparador de experiências coletivas, de questionamentos quanto à
personagem por si só; imagine, um encontro de Pandemonias?

A DRAG QUEEN E A PRÁTICA ARTÍSTICA DA POP

Anteriormente, analisamos brevemente a visualidade de Pandemonia baseada


nos elementos formais das obras de Lichtenstein – cor, linha, forma etc. A intenção
nesta etapa do texto é relacionar a prática artística e conceitual dos artistas da pop
com a visualidade da drag queen. Iniciaremos com uma retomada conceitual da obra
de Warhol, artista que já citamos anteriormente – portanto trazemos um excerto de
Lucie-Smith (2000, p. 162):

Warhol, por exemplo, gostaria de eliminar totalmente a ideia de obra


de arte manual. Muitos de seus quadros baseiam-se em imagens
fotográficas transferidas diretamente para a tela por meio de estênceis.
[...] Um crítico mais receptivo, no prefácio para o catálogo da
retrospectiva de Warhol realizada em 1965 no Museu de Arte da
Filadélfia, diz que “sua linguagem pictórica consiste em estereótipos”.

Uma das questões teóricas que nos chamam a atenção neste excerto é a
afirmativa de que Warhol gostaria de eliminar totalmente a ideia de obra de arte
manual, a utilização de estênceis para reprodução massiva da obra seria um dos
meios do artista atingir essa característica comum as fábricas, onde objetos e bens de
consumo são todos idênticos uns aos outros e fabricados em grande escala.
159
Relacionamos isso com a utilização, pela artista drag queen, de roupas feitas de
borracha (látex) – além dos vestidos, a artista ainda utiliza uma “segunda pele”, que
cobre todo seu corpo, desde sua cabeça até os pés. Essa caracterização da drag
queen retira todas as marcas de sua pele, é como se todos os acontecimentos e
experiências vivenciados pela artista agora não estivessem mais presentes nela. A
artista se transforma em um objeto que acaba de sair de fábrica – sem marcas, sem
vida, um modelo perfeito, um estereótipo – que pode ser reproduzido assim como a
obra de Warhol. Essa noção da drag queen se transformar em um objeto ainda é
reforçada quando lembramos do anonimato por trás da personagem, a/o artistas por
trás dela não quer que associemos a personagem com qualquer outra subjetividade a
não ser aquela produzida na relação da obra com o espectador.
Ainda sobre Warhol, Lucie-Smith (2000, p.162-163) destaca que a obra do
artista:

[...] faz-nos readquirir consciência de objetos que perderam seu


reconhecimento visual através da exposição constante. Olhamos
como se fosse a primeira vez para coisas que nos são familiares, mas
que foram separadas de seus contextos concorrentes [...]

Acreditamos que a presença da drag queen causa um efeito semelhante. Se


ver diante da artista destaca o quão construídos nós mesmos somos. Em um contexto
de naturalização da humanidade, perdemos a consciência de que somos construídos
socialmente dentro da cultura – esse é um processo de subjetivação padronizada,
onde todos pensam, gostam e desejam as mesmas coisas. A drag queen só apresenta
de forma cômica, escrachada e direta os padrões que são impostos a todas dentro da
nossa sociedade: um corpo magro, alto e branco, com cabelos longos e loiros, um
sinônimo de feminilidade a qual toda mulher é subjugada. A característica colocada
anteriormente – da fabricação e do estereótipo – tem dois polos: ao mesmo tempo que
demonstra a perda da humanidade na construção da personagem criada pela drag
queen (que a transforma em um “objeto”), escracha a construção da mesma
humanidade naqueles que a observam com espanto e horror – a sociedade. Em outras
palavras, sendo mais elucidativo, talvez: Quando ela se transforma em um objeto

160
modelo para ser reproduzido, ela perde sua humanidade. Mas a presença desse
objeto diante o espectador, escracha a sua construção social.

Considerações finais

Como aponta Demilly (2016, p.66): “a arte pop mostra, de maneira anestésica,
um mundo que todos nós temos em comum”. A drag queen e o movimento da Arte
Pop escancaram a mesma coisa: a construção do sujeito – a diferença é que a arte
pop admira esse sujeito, o cotidiano, a cultura massificada e padronizada, enquanto a
drag subverte essa construção para se construir outra. Seja por meio de maquiagem,
de colagem, ou de uma sobre-estrutura de látex, a drag queen utiliza-se de recursos
para construir sobre si subjetividades, imagens, criações, artes, podendo, muitas
vezes, desestruturar certas ficções normativas que estão naturalizadas há tempos em
nossa sociedade (TIBURI, 2018). Questionamos esse teor parodístico pensando o
quanto de nossos corpos são hoje naturais? Pode-se afirmar que há um corpo que
esteja isento de excertos sócio culturais? E a figura da Drag como uma pessoa que
mais se assemelha à uma boneca inflável, diz o quê dos lugares sociais que
guardamos para as subjetividades femininas?

Referências

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In:


______. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da
cultura. 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. p. 165-196

CASTANHEIRA, Ludmila Almeida. Performance arte: modos de existência.


Curitiba: Appris, 2018.

DEMILLY, Christian. Arte em Movimentos: e outras correntes do século XX. São


Paulo: Cosac Naify, 2016.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria


queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

LUCIE-SMITH, Edward. Arte Pop. In: STANGOS, Nikos. Conceitos da arte moderna:
com 123 ilustrações. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

161
MCCARTHY, David. Arte Pop. São Paulo: Cosac Naify, 2002.

PRECIADO, Beatriz. Transfeminismo no Regime Farmacopornográfico. In:


Conferência Le cinque gio rnate lesbiche in teoria. Tradução Thiago Coacci.
Roma: Ediesse, 2010.

VENCATO, Anna Paula. Fora do armário, dentro do closet: o camarim como espaço
de transformação. In: Cadernos Pagu. Campinas, n. 24, p. 227 – 247, 2005.

162
PENSANDO UMA EDUCAÇÃO MENOR: A POSSIBILIDADE DO DEVIR-CRIANÇA
COMO LINHA DE FUGA

Alecsander José Domingues Fernandes (UEM)


Débora Curti Cirilo (UEM)
Roberta Stubs (UEM)
debora_curti@hotmail.com

Resumo: A partir da filosofia de Gilles Deleuze e Felix Guattari, exploraremos o


conceito de devir como processo criativo que possibilita transformações e fuga
do controle social, destacando o devir-criança como veículo de criação de novos
modos de existência. Outro conceito explorado será o de linha de fuga, pensando
nas possibilidades de escape às forças dominadoras que compõe a educação
de controle. A proposta é desenvolver uma outra educação: a educação menor,
concebida como criação de novas formas de sensibilidade, formas que
possibilitem a resistência contra os modelos institucionalizados de ensino. A
criança do devir-criança é aqui entendida como figura da alteridade, o outro que
se desvia da padronização dominante das máquinas de controle, possibilitando
a invenção de diferentes modos de existência. Exploraremos essas
possibilidades através, principalmente, do ensino de arte, acrescentando notas
sobre nossa experiência de estágio como arte-educadores na educação infantil.

Palavras-chave: Educação menor. Linha de fuga. Devir-criança. Diferença. Arte


Educação.

Considerações Iniciais

Os conceitos que conduzem esse artigo são provenientes,


majoritariamente, do pensamento do filósofo Gilles Deleuze (1925 - 1995) e de
Félix Guattari (1930 - 1992), criadores da filosofia da diferença. Devir, linha de
fuga e educação menor são conceitos norteadores para se pensar os problemas
educacionais e produzir diferenças, buscando a abertura de possibilidades e o
incentivo a um ensino inventivo, dialogando com o pensamento de Barros,
Munari e Abramowicz:

Como educadores buscamos, para nossas pesquisas, aportes


filosóficos que possam não apenas proporcionar suporte teórico
ou responder as nossas questões, mas alternativas e

163
possibilidades que sejam afirmativas e possam compor com o
indivíduo sem rotulá-lo, julgá-lo ou até mesmo excluí-lo de nossas
práticas em função de sua diferença, por menor que ela possa
parecer. (BARROS; MUNARI; ABRAMOWICZ, 2017 p. 109).

A diferença é a voz portadora da multiplicidade que nos compõe. Somos


atravessados por devires provenientes dessa multiplicidade, imanente. Por isso
ela precisa ser repensada, “[...] retirada da cena onde foi satanizada para ser
recolocada na multidão, onde a paisagem é indefinida, onde não se sabe
exatamente quem é quem e o que é o que” (BARROS; MUNARI; ABRAMOWICZ,
2017, p.121). Ou seja, entender que a diferença é o que nos forma, que somos
todos diferentes, e não vêla como um problema, posicionamento este que tem
como efeito a geração de rótulos, julgamentos, distanciamentos e exclusões.
“Um pensamento que não procure as identidades entre o nome e a coisa, mas
que invente novas possibilidades a cada vez” (BARROS; MUNARI;
ABRAMOWICZ, 2017 p.109). A ideia da infância é recheada de possibilidades.
O acontecimento, o inusitado, o disruptivo, válvulas de escape que nos
interessam para desmistificar a ideia do diferente como algo ruim.
As múltiplas possibilidades de acontecimento na infância vinculam-se à
arte, à inventividade e à imaginação como dispositivos criadores de diferença, “a
infância como resistência, forma de opor-se ao poder sobre a vida” (BARROS;
MUNARI; ABRAMOWICZ, 2017, p.122). É nessa direção que acreditamos ser
necessário inventar estratégias educacionais promotoras da diferença, para que
todos possam diferir em suas experimentações. E quais os caminhos que
possibilitam promover as diferenças no âmbito da educação e da arte? De acordo
com Bondía:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos


toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar,
parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar
mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir
mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião,

164
suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os
olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a
lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar
muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (BONDÍA, 2002, p.
27).

Em um primeiro momento, todos esses conceitos podem parecer


demasiado impalpáveis, distantes da nossa realidade. Isso porque falamos de
sensações, de intensidades. Não é mesmo para ser palpável, é para, instigar e
despertar a potência de criação como possível dispositivo de resistência.
O campo educacional é um campo atravessado por fluxos com enorme
potência de criação e expressão. Se por um lado esses fluxos têm a capacidade
de domesticar, de impor modelos e formas dominantes, por outro eles mesmos
se abrem a possibilidades de fissuras nesse sistema, fissuras que possibilitam a
passagem dos fluxos criativos e inventivos da vida. No nosso entendimento, a
educação se configura como uma das formas mais eficazes de produção de
singularidades e é nessa direção que uma educação menor segue.

Por uma educação menor

Devemos nos perguntar, do ponto de vista de uma arqueologia do


saber e do poder, no rastro de Foucault, sobre os discursos que
construíram as nossas noções sobre moral e ética, sobre cultura,
e sobre o que é considerado fundamental para a construção do
conhecimento. (GALLO 2008, p.61).

Como pensar e produzir uma educação revolucionária, desafiando o


sistema instituído? A educação menor é uma educação que conecta arte e vida,
seu objetivo é contribuir para um imaginário poético composto de intensidades,
vendo a arte como potência vital. Educação para uma construção de saberes
múltiplos, para uma ampliação da percepção. Como discorre Ferrony, “Perceber
a arte como uma possibilidade, um estado de espírito, um modo de portar-se

165
diante da vida, de criar encontros com o outro, com todo o entorno e,
naturalmente, com as camadas interiores” (FERRONY, 2009, p.7).
Enquanto a educação maior é aquela pensada e produzida a serviço do
poder, constituindo-se como grande máquina de controle e produção de
indivíduos em série, nos dizendo o que, como, para quem e porque ensinar, a
educação menor surge no âmbito da micropolítica, como ato de resistência aos
fluxos instituídos, expressando-se nas ações cotidianas de cada um. Assim
discorre Ríos:

A instituição escolar, enquanto máquina sedentária, racionaliza e


codifica de acordo com um modo de pensar dominante. Isso
significa que ela elabora um modelo global e homogeneizador do
social, que se institui com a onipotência do lagos, exorcizando tudo
aquilo que atrapalha, incomoda, ou seja, um cosmos que tenta ser
coerente, organizado, homogêneo, frente a um caos,
heterogêneo, incômodo, em certo sentido diluidor dessa única
maneira de ser que implica estar subordinado a uma ordem.
(RIOS, 2002, p.115).

Essas máquinas de controle têm como objetivo calar as vozes da


diferença, como “ [...] resultado de um desenvolvimento despótico do poder que
tem imposto uma única maneira de ser educado e sadio” (RIOS, 2002, p.111). A
normatização da diferença é presente nos currículos escolares, constituindo esse
silenciamento, fixando um único modo de ser e se comportar. Esse controle é
baseado nas representações dualistas presentes tanto na construção dos
currículos escolares como no pensamento moderno ocidental como um todo: Se
você não é culto, é bárbaro, se algo não é bom, é mau, se não é verdadeiro, é
falso. Esse modo de pensar se opõe à aceitação das multiplicidades que nos
compõe e captura a produção das diferenças que possibilitam um ensino
inventivo e ético.
Assim, a aprendizagem coloca-se para além de qualquer controle, nesse
movimento de aprender que desencadeia a sensibilidade. A educação menor age
de dentro da máquina, resistindo à transmissão do pensamento estratificado,

166
através de brechas que possibilitam fluxos inventivos que escapem ao controle
instituído. “Trata-se de opor resistência, trata-se de produzir diferenças” (GALLO,
2008, p.67). Produzir fissuras nas formas instituídas de escrever, viver, sentir,
expressar, ferramentas potentes para criar e fazer multiplicar as diferenças.
A educação menor cria e promove certa política do cotidiano, das relações
diretas entre os indivíduos, relações que exercem efeitos sobre as
macrorrelações sociais, ou seja, em sentido mais amplo, ensina a perceber a
importância das pequenas ações e o impacto de se criar conexões que tenham
maior potencial de afetar as relações de poder dominantes em nossa sociedade.

A escola como vetor de singularização

Nietszche questiona verdades imutáveis. Em sua concepção, verdades


são apenas interpretações e “vivemos essa interpretação que, longe de estar
certa ou errada, é uma ficção que asseveramos” (FERRONY, 2009, p.14). A
conformação com a verdade do currículo escolar é aceitar essa ficção e o
sufocamento de desejos dela resultante. A escola produz o sujeito. Essa
construção definida pela instituição acaba por limitar outras possibilidades de
criação de si. Aquele que absorve apenas o acúmulo de saberes
institucionalizados não se permite outros atravessamentos em sua constituição,
privando-se de experiências que despertem seu potencial criativo. Ferrony a
esse respeito discursa que, “a disciplina imposta nessas instituições dissocia o
poder do corpo, fabricando “corpos dóceis”, segundo Foucault” (FERRONY,
2009, p.15). Corpos dóceis e estratificados, que impedem o devir.
Transpassar as limitações da educação no plano institucional através de
elementos potencializadores da produção de sentidos, não percebidos de
maneira óbvia. Reverter a imagem moral do pensamento ao propor um outro
exercício do pensar. Esses seriam caminhos para se pensar numa educação
menor.

167
A busca por um pensamento que não esteja separado da vida dialoga com
essas possibilidades de criação de conceitos. “Deleuze possibilita pensar o corpo
de modo afirmativo, a partir de sua singularidade, de sua potência, e não apenas
na forma em que ele se apresenta, mas como uma infinidade de modos de
existência possíveis” (BARROS; MUNARI; ABRAMOWICZ, 2017, p. 112). É
enquanto produção de outros mundos possíveis que podemos ver a educação
como dispositivo disparador da criação de diferentes modos de existência,
intencionando a superação do sujeito identitário. Isso porque o discurso
identitário, gera padronizações e leva a uma distorção do entendimento da
diferença. A sensibilidade é uma potente possibilidade de fuga do identitário, por
isso devemos almejar uma educação menor, que atua na dimensão do sensível,
pensando a diferença não subordinada à identidade, ao identitário, mas sim o
contrário, a identidade derivando da diferença. O objetivo é dar lugar ao diferente,
à criação, à produção de singularidades.
A ideia de singularização está presente no livro Micropolítica: Cartografias
do desejo, de Suely Rolnik e Felix Guattari, e é baseada na criação de novos
modos de produção de subjetividade. Segundo esses autores, “a identidade é
aquilo que faz passar a singularidade de diferentes maneiras de existir por um só
e mesmo quadro de referências identificáveis” (ROLNIK; GUATTARI, 1996, p.68-
69).
O processo de singularização, portanto, não diz respeito às identidades,
mas sim “[...] à maneira como a gente sente, como a gente respira, como a gente
tem ou não vontade de falar, de estar aqui ou de ir embora” (ROLNIK;
GUATTARI, 1996, p.69). A singularização se dá justamente na reapropriação da
subjetividade pelo indivíduo, através da criação. A criação aqui é vista como
potência de resistência a sistematizações. A subjetividade ganha potência
política ao escapar às identidades. Nesse contexto, o trabalho do professor é
analisar as possíveis constituições de modos de existência, de territórios, de

168
identidades, e subverter o pensamento estático a um pensamento dinâmico,
fazendo surgir modos de existência abertos e simpáticos às diferenças.
“Não importa o meio ou o modo como uma pessoa se apresenta: é apenas
uma das infinidades de modos de existência possíveis” (BARROS; MUNARI;
ABRAMOWICZ, 2017, p.112). Devemos pensar, portanto, a educação em uma
direção da criação de singularidades, a partir do incentivo à livre passagem do
devir, através de experiências que permitam o ultrapassar do sujeito identitário e
das limitações encontradas em um ensino estratificado.

Devir-criança como novo modo de existência

Ao impulsionarmos as crianças a produzirem imagens que busquem


narrativas poéticas, pensando a arte como rompedora de barreiras,
possibilitamos o desabrochar do devir-criança. Este conceito foi elaborado por
Deleuze e Guattari para explorar os atravessamentos da infância que vão além
do tempo cronológico, como discorre Kohan:

Existe também uma outra infância, que habita outra


temporalidade, outras linhas, a infância minoritária. Essa é a
infância como experiência, como acontecimento, como ruptura da
história, como revolução, como resistência e como criação. É a
infância que interrompe a história, que se encontra num devir
minoritário, numa linha de fuga, num detalhe; a infância que resiste
aos movimentos concêntricos, arborizados, totalizantes: "a criança
autista", "o aluno nota dez", "o menino violento". É a infância como
intensidade, um situar-se intensivo no mundo; um sair sempre do
"seu" lugar e se situar em outros lugares, desconhecidos,
inusitados, inesperados. (KOHAN, 2003, p.7)

O devir-criança funciona como fruição natural da criança para escapar do


mundo concreto que é imposto sobre ela, de modo a possibilitá-la existir pela
experiência e sensibilidade, mostrando sua abertura às forças que possibilitam
uma criação de linhas de fuga. Sobre essa perspectiva, o devir-criança alcança o
campo da educação, pensando uma educação que possibilite uma formação

169
singular, atravessada por experiências e baseada na alteridade. Conforme
expressam Jodar e Gomez, “uma educação em movimento, que, ao experimentar
e explorar a linha de fuga possibilitada pelo devir-criança, escapadas limitações
impostas através dos padrões de controle” (JODAR; GOMEZ, 2002, p.36).
Ao explorarmos essa liberdade do devir-criança na educação,
potencializada através da arte, contribuímos para um ensino inventivo que visa
afetar as pessoas desde crianças, buscando construir mudanças concretas em
nossa sociedade, formando crianças que valorizem os acontecimentos,
experiências e singularidades que nos compõe.
Estratégias para facilitar o acontecimento na infância: Dar vida às
qualidades adormecidas nas coisas. As substâncias nos tocam, assim como as
tocamos. Pelo viés da experiência, o encontro da criança com as diferentes
matérias visa à transformação: não apenas contemplar a matéria, mas entrar em
seu interior para realmente conhecê-la e experimentá-la. De acordo com Ritcher,
“a organização da experiência na criança surge pela descoberta dos limites de
suas ações em relação às propriedades dos objetos, ou seja, da construção do
real” (RITCHER, 1999, p.184). Uma educação menor que promova o encontro
entre raciocínio e imaginação: a concepção de conhecimento como relação, ou
seja, pensar o conhecimento como atividade, e não como faculdade. A atividade
(o fazer) da imaginação e da razão. Identificação das potencialidades
proveniente do amplo espectro de leituras possíveis. Ferrony reforça que,
“análises de fenômenos sensíveis inscritos num campo que não obedece a
postulações fundadas na racionalidade” (FERRONY, 2009, p.24). A leitura da
obra de arte se dá no âmbito da natureza do sensível.
Nossa proposta consiste na ação em termos de possibilidade, para que a
criança não se conforme em só reproduzir aquilo que conhece e passe a inventar
outros modos singulares de fazer, transformando a realidade conhecida e a si
mesma pela ação que realizou, “a imagem (deve ser) sempre remanejável ou

170
transformável em função das constelações afetivas que a determinam”
(RITCHER, 1999, p.187).
E como possibilitar que as crianças desenvolvam suas próprias narrativas
poéticas? Através da exploração do espaço, dos materiais e dos suportes,
pensando em possibilidades de uso diferentes, que escapem às funções
estabelecidas e fixadas de uso convencional. Criar mobilidades. Combinar as
diversas modalidades das artes visuais. Investigar outras possibilidades de
representação.

Os tamanhos, distâncias, cores e as representações espaço-


temporais são arbitrárias e têm a ver com as relações do
conhecimento sensível e afetivo que a criança estabelece com seus
contextos [...] É fundamental ampliarmos o imaginário infantil,
propondo situações que problematizem o senso comum nas
representações visuais (CUNHA, 1999, pg. 29-30).

“Enquanto disciplina, a arte vira estrato” (FERRONY, 2009, p.17),


estratificada, torna-se um saber instituído, ao invés de uma ameaça ao caráter
disciplinatório das instituições. É por isso que a noção de arte como experiência
de vida deve substituir essa arte capturada e estratificada pelas instituições.
Experiência de vida: a arte como possibilidade de operar outros atravessamentos
no campo da educação, “outramentos”, produção de sentidos. Essa concepção
de educação se faz a partir das potências percebidas na experiência, através de
processos e sentidos múltiplos.

Linhas de Fuga: a resistência na experiência de observação e regência do


estágio

A linha de fuga é uma desterritorialização. Os franceses não


sabem bem do que se trata. Evidentemente, eles fogem como todo
mundo, mas acham que fugir é sair do mundo, mística ou arte, ou
então que é algo covarde, porque se escapa aos compromissos e
às responsabilidades. Fugir não é absolutamente renunciar às
ações, nada mais ativo que uma fuga. É o contrário do imaginário.

171
É igualmente fazer fugir, não obrigatoriamente os outros, mas
fazer fugir algo, fazer fugir um sistema como se arrebenta um
tubo... Fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia.
(DELEUZE, 1998, p. 47).

Criada por Deleuze e Guatarri, a ideia de linha de fuga tem grande


pertinência para o pensamento contemporâneo, principalmente no campo da
educação, tendo em vista a crescente preocupação em transmitir aos alunos um
olhar mais empático, que possibilite a produção de diferenças. Tais linhas
remetem a uma concepção que incentiva a busca por outros caminhos que não
aqueles pré-estabelecidos, mas sim a abertura a outras possibilidades. Elas
representam a ruptura com o concreto ao traçar diferentes mapas de intensidade,
desenhando possibilidades que vão além do ordinário, para que através dessa
ruptura com o imposto o indivíduo possa ser resistência em um sistema
estratificado de ensino.
.O conceito de linha de fuga é um conceito transversal que leva ao
entendimento de que fugir seria fazer fugir, segundo Zourabichvili (2004). Fazer
fugir das margens do caderno, das linhas muitas vezes já impostas que capturam
a potência criativa da criança, é assim que se formam as linhas de fuga. Tal fuga
é imperceptível, apresenta-se como resistência ao sistema instituído,
possibilitando a criação de novos modos de existência. Tal conceito se fez
presente em nossa experiência de estágio na educação infantil, território em que
percebemos a sutil movimentação dessas linhas, traçadas durante a trajetória
das crianças em suas imaginações férteis.
Os afetos em nós despertados por essa experiência dialogam com essas
forças de resistência aos padrões instituídos. Algumas ações e comportamentos
de alunos que geralmente são tidas como desobediência foram vistas por nós
com outros olhos, com mais sensibilidade às linhas de fuga que constantemente
pedem passagem. Esse comportamento muitas vezes mal interpretado das
crianças é composto por forças que compõe essas linhas que nos atravessam e

172
desestabilizam o pensamento imposto. São fugas sutis que buscam resistir ao
instituído.
As expressões dessas linhas de fuga são muitas vezes negligenciadas
pelos docentes, por diversos motivos... Pode ser pela vida atribulada de
professor, pela falta de tempo e/ou interesse ou simplesmente a falta de contato
com esses atravessamentos. Contudo não nos cabe aqui julgar, o que podemos
fazer como docentes em formação é lançar nosso olhar empático sobre essas
crianças e com elas dialogar. Na nossa experiência, por exemplo, houve
situações em que por mais que tivéssemos um olhar mais atento, deixamos
passar algumas linhas de fuga sem a atitude de potencializá-las.
A atividade que propomos aos nossos alunos consistia em criar esculturas
a partir de formas geométricas em recortes de papelão (inspiradas na série de
esculturas Bichos de Ligia Clark), que em seguida foram coladas em palitos
compridos e serviram como fantoches para o teatro de sombras por nós
inventado. Uma caixa de papelão com uma folha de papel manteiga e a devida
iluminação e é claro, muita imaginação em devir. A proposta era que cada criança
criasse uma história para seus fantoches geométricos, para em seguida contar
aos colegas no teatro de sombras.
No começo a atividade fluiu normalmente, entretanto logo que os alunos
tidos como arteiros fizeram suas apresentações, a situação começou a
“desandar”, as linhas de fuga começaram a se esboçar. Segundo Zourabichvili,
“esses vetores de desorganização ou “desteritorialização”, são precisamente
designados como linhas de fuga” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 30). Tentamos
muitas vezes colocá-los novamente na atividade, porém a cada momento eles
se dispersavam mais e influenciavam os outros, fazendo fugir. O que começou
como simples abandono da atividade logo se transformou em outra forma de
criação: brincadeiras com suas próprias esculturas e maior interatividade entre
eles. Era o devir-criança em ação e nós, ao invés de nos atentarmos a isso,
continuamos a tentar fazer com que voltassem à atividade inicial, permanecendo

173
rígidos ao plano de aula. Nossa percepção falhou e acabamos por negligenciar
as linhas de fuga que pediam passagem através de forças lúdicas, quando
deveríamos ter deixado o plano de aula de lado e potencializado essas
brincadeiras, de forma a gerar experiência e, por conseguinte, um ensino
inventivo, uma nova relação entre educador e aluno. Conclusão dessa
experiência: Atentarmo-nos às linhas de fuga é um exercício árduo, e acaba por
ser muitas vezes mais fácil identificá-las somente observando as crianças, do
que estando na responsabilidade de guiar uma aula.
Para além da regência, como dissemos anteriormente, as linhas de fuga
foram perceptíveis muitas vezes durante a observação, estando relacionadas
majoritariamente aos desenhos produzidos por elas. Destrincharemos alguns
casos, onde usaremos o nome Maria para se referir as meninas e o nome de
José para nos referirmos aos meninos.
Em um dos casos Maria estava a fazer seu desenho, e usando sua
imaginação de criança e sua criatividade artística, resolveu pintar o tronco da
árvore de roxo, e certas partes do desenho de lápis grafite. Contudo, quando a
professora percebeu, tratou logo de mandá-la pintar o tronco de marrom,
reforçando o estereótipo para a sala inteira de que lápis grafite é para desenhar
e lápis de cor é para pintar. A aluna, que estava expressando as linhas de fuga
que a atravessavam em sua potência disruptiva, foi logo advertida e
reincorporada ao sistema que impõe a (única) maneira certa de representação.
A respeito disso, Ritcher coloca que, “nas criações artísticas, não importa o que
é, mas fundamentalmente o que poderia ser; não o real, e sim o real possível”
(RITCHER, 1999, p.195). Isso demonstra que as linhas de fuga que
potencializaram a criação artística de Maria deveriam ter sido a prioridade, tendo
em vista que a professora não levou em conta o repertório imagético pessoal da
aluna e nem a questionou sobre. Pois para além da criatividade da aluna, existem
árvores com troncos de outras cores, existindo uma espécie com o troco todo
colorido, bem como que ela também poderia ter visto uma árvore pintada. A

174
respeito de não se poder pintar com o lápis grafite, há inúmeras produções ao
longo da História da Arte de desenhos pintados no grafite.
Em outro caso observado, José, tido como um aluno arteiro, também é
atravessado por linhas de fuga que dão asas a sua imaginação, em uma
atividade de autorretrato. Ele começou querendo desenhar-se vestido com uma
fantasia do super-herói Flash, mas foi logo repreendido pela professora. Em
seguida fez o desenho de seu corpo, adicionando a figura de seu cachorro ao
seu lado, o que novamente gerou repreensão, sendo-lhe entregue nova folha
para recomeçar a atividade do jeito “certo”. José então decidiu se desenhar
vestido com sua fantasia de monstro e, no verso da folha, ainda desenhou
novamente a fantasia, dessa vez conseguindo vencer a batalha contra o sistema
da professora, que provavelmente se cansou e desistiu de repreendê-lo.
Diferente de Maria, José foi persistente, ampliado suas linhas de fuga e
demonstrando que ele não é somente um aluno arteiro, mas um aluno que esta
resistindo com força ao sistema impositivo, priorizando sua imaginação e
criatividade. Pensando esses exemplos de resistência, acrescentamos a fala de
Gonçalves:

As aventuras a que a arte pode dar lugar possibilitam distintas


formas de percepção e de intervenção na realidade, formas essas
que poderão propiciar o surgimento dos elementos de ‘escape’,
que constituam o que Deleuze chamou de ‘linhas de fuga
(GONÇALVES, 2007, p.3).

As linhas de fuga estão sempre a pedir passagem, especialmente no


ensino da arte. Darmos passagem a elas, potencializando-as, é o caminho a
seguir na direção de uma educação mais sensível, com maior abertura à
experienciação das diversas possibilidades da imaginação, tanto para os alunos
como para os professores, resultando em um ensino de singularidades,
compondo uma educação menor.

175
Considerações Finais

Pensar a educação na contemporaneidade, na perspectiva da educação menor,


contribui para uma melhoria do ensino, visando dar mais valor ao processo de
experimentação e de inventividade dos alunos. Afinal, a educação se destina a
eles, e se não colocarmos suas diferenças em protagonismo, só os
engessaremos cada vez mais ao rígido sistema de ensino vigente, resultando na
propagação dos conceitos que movem as máquinas de controle social. O
entendimento de que somos constituídos por linhas de forças mutáveis que nos
singularizam é fundamental para a construção de um posicionamento
político/ético que afirme a vida em sua multiplicidade. A educação menor busca
a criação de diferentes modos de existência, singularizações, e, no que concerne
à representação, essas singularizações se traduzem através da superação do
sujeito identitário, entendendo o identitário como semelhante, como pensamento
padronizador que caminha em direção contrária à afirmação das diferenças.
A educação menor atua na dimensão do sensível, sendo o ensino inventivo
de arte um potente dispositivo para o despertar da sensibilidade nos alunos. O
devir-criança, nesse sentido, atua nessa sensibilização do olhar perante o
mundo, incentivando a imaginação e inventividade. Continuar com a reprodução
dos estereótipos muitas vezes propagados no ensino atual acaba sendo mais
fácil, porém não nos levará a nada, enquanto que se buscarmos lutar contra o
sistema, através de um ensino baseado nas multiplicidades, a captura das
diferenças nos espaços escolares se transformará em acolhimento das
diferenças, o que possibilitará uma sociedade mais justa através de uma
educação menor, que se atente aos devires minoritários.
O desenvolvimento de um olhar mais empático sobre a educação
potencializa o entendimento da alteridade, sua importância na formação de cada
um, e o ensino de arte é um forte dispositivo para se alcançar essa educação
menor, baseada na sensibilidade e no acolhimento das diferenças. Essa

176
possibilidade pode parecer uma utopia nos dias atuais, contudo precisamos
fortalecer essa busca pela superação dos conceitos estratificados que compõe a
educação atual, e o devircriança como linha de fuga se mostra como potente
aliado nessa tarefa. Percebe-se que alguns alunos já estão a fluir pelas linhas de
fuga através de diversos devirescriança que vivenciam no dia-a-dia, cabe a nós
apenas dar passagem e incentivar essas forças, visando uma educação que dê
maior valor a sensibilidade e a experiência, criando novos modos de existência
como forma de resistir aos modelos institucionais.

Referências

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Subjetividade: Deleuze e a Diferença. REVISTA ELETRÔNICA DE EDUCAÇÃO
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178
POR UMA EDUCAÇÃO PARA/DA DIFERENÇA: ALTERIDADE, DOCÊNCIA E
FAZER ARTÍSTICO

Bruna Augusta Marques (UEM)


Angélica Teixeira Gonçalves (UEM)
Lucas Men Benatti (UEM)
bruna-augusta_@hotmail.com
Resumo
O presente estudo materializa os atravessamentos gerados a partir de experiências
como alunos-professores-artistas. São marcas de acontecimentos instaurados no/do
cotidiano e provenientes de diversas reflexões, conversas e encontros que nos situam
como alunos de um curso de licenciatura em Artes Visuais. Partindo dessa conjuntura
relacional, temos nesta pesquisa a análise do processo criativo da obra “Turvas
Realidades”, intimamente ligada com a experiência de estágio na construção docente
e a busca por novas narrativas educacionais, em uma perspectiva de alteridade e da
filosofia da diferença, articulando a prática docente ao fazer artístico. Tomamos como
base teórica para nortear nossas discussões os estudos de Corazza, (2012), Schultz,
(2011) e Gallo (2008). A fim de Investigar de que forma o professor de Artes Visuais,
pode tornar sua ação docente imbricada ao seu fazer artístico, uma construção
coletiva, crítica e política no que diz respeito a uma arte não eurocêntrica e
individualizada.

Palavras-chave: Alteridade. Arte. Docência. Filosofia da diferença.

Introdução

O presente estudo materializa os atravessamentos gerados a partir de


experiências como alunos-professores-artistas. São marcas de acontecimentos
instaurados no/do cotidiano e provenientes de diversas reflexões, conversas e
encontros que nos situam como alunos de um curso de licenciatura em Artes Visuais,
como professores que vivenciam suas primeiras experiências docentes por meio do
estágio curricular na educação básica e como artistas, que imbricam sua prática a
aparição poética de suas vidas. Procuramos, na escrita dessas linhas teóricas-vividas,
nos debruçarmos sobre o campo do ensino de arte, investigando a construção docente
imbricada ao fazer ao artístico com o intuito de agenciar novas formas de fazer aula-
obra, de conceber o campo da arte e da educação por meio da diferença, da
construção potente da alteridade.

179
Relacionamos esta linha de pensamento com a nossa produção visual “Turvas
Realidades” em que o fazer artístico está atrelado à docência em arte, permitindo um
modo de agenciar as experiências vivenciadas durante os estágios, com a produção
visual, onde a motivação para a docência surge da arte e viceversa. Diante desse
contexto, problematizamos de que forma o professor de Artes Visuais, pode tornar sua
ação docente imbricada ao seu fazer artístico, uma construção crítica e política para
uma educação da diferença?
Buscamos por meio a produção artística “Turvas Realidades” materializar o
nosso descontentamento e construir novas narrativas visuais, partindo de um viés que
desconstrói modos enrijecidos de se pensar a educação. Tomamos como
embasamento teórico para nortear estas discussões Barbosa (1998) e Corazza
(2012), para discutirmos o contexto em que se da educação em arte no Brasil,
juntamente com a construção desse docente, como um agenciador de contextos
sociais e provocador de novas realidades.
Durante as sessões serão explorados alguns aspectos que nos fizeram
questionar as formas de se pensar a educação e as relações de alteridade que se
fazem - ou inexistem -, dentro do contexto escolar, influenciando o social e sendo
afetado mutuamente.
Partindo dessas considerações, nossas discussões, em um primeiro momento,
vão se delinear sobre como abordar a relação entre a prática docente e o fazer
artístico no contexto da educação escolar. Procuramos nos ater em como se
desenvolve o processo de ensino a partir de uma pedagogia da diferença que busca
dar voz/vez para a alteridade.
Em seguida, embasados nessa relação de alteridade imbricada ao processo de
ensinar e aprender, a partir de Barbosa (1936) e Gallo (2008), vamos propor novas
narrativas educacionais embasadas em uma perspectiva da diferença, que
possibilitem formas de criar novas narrativas enquanto arte educação, a partir de uma
docência que se constrói junto ao fazer artístico. Finalizamos refletindo sobre a
produção da diferença por meio do processo artístico atrelado a formação docente, a
partir da produção da obra “Turvas Realidades”.

180
Possíveis relações de alteridade na educação: por uma perspectiva da
diferença

Para pensar a docência é necessário que façamos, em primeiro lugar, uma


reflexão sobre nosso contexto histórico social. Na estrutura da nossa sociedade,
percebemos um forte apelo em apagar o outro de si, em uma pseudo-igualdade nunca
transparente promovida, principalmente, pelo ideal de democracia racial. Movimentos
higienistas ocorridos em meados do séc. XX, por exemplo, e oriundos do
branqueamento populacional regido pelo colonialismo, ainda reverberam em nossa
sociedade. Essa segregação baseada na cor da pele e nas diferenças culturais se faz
presente de um modo mascarado, mas ainda latente em nossa sociedade. Sendo
necessário reconhecer nossas raízes como um povo colonizado e estigmatizado por
outros povos, para que possamos, assim, rever os conceitos que estruturam nossa
cultura e sociedade.

A Educação poderia ser o mais eficiente caminho para estimular a


consciência cultural do indivíduo, começando pelo reconhecimento e
apreciação da cultura local, a cultura de vários grupos que
caracterizam nação e a cultura de outras nações (BARBOSA, 1936,
p.14).

Deste modo, pensar os pilares que constituem a educação brasileira é adentrar em


um campo já pré-formatado, indexado por uma organização social constituída por
diferentes povos e que se quer dar a ver anulando suas diferenças na forma de um
multiculturalismo de coexistência pacífica ou de nulidade étnica/cultural. Grande parte
das concepções educacionais prega, em tese, um multiculturalismo considerado como
algo integrador, constituído, assim, por uma sociedade com uma educação
multifacetada, singular e integrada a cada particularidade cultural que constitui nosso
meio. Mas, segundo Barbosa (1936), o termo multiculturalismo não é o mais adequado
para se pensar uma educação de múltiplas culturas, segundo ela:

Enquanto os termos "Multicultural" e "Pluricultural" significam a


coexistência e mútuo entendimento de diferentes culturas na mesma
sociedade, e o termo “intercultural significa a interação entre diferentes
culturas. Isto deveria ser objetivo da educação interessada no
desenvolvimento cultural (BARBOSA, 1936, p. 14).
181
Dentro desta perspectiva, pode se dizer que o outro multicultural é visto por uma lente
etnocêntrica que impõe um princípio igualitário, partindo sempre do viés do
colonizador e nunca do outro. Diante disto, Skliar (2003, p. 43), evidencia que o outro
é interpretado por esta perspectiva como

Um outro multicultural que ocupa uma espacialidade de certo modo


ancorada na política da mesmice — de pertencimento a uma
comunidade que deve estar sempre bem ordenada e solidificada —,
talvez identitária, ainda que submetida a uma única essência, a um
único modus vivendi — e, quem sabe, cultural — mas sempre de
equivalência.

De modo a reforçar estes conceitos, é conveniente relatar que durante os


nossos estágios em Artes Visuais, vivenciamos a realidade do que se tem instaurado
em nosso contexto sócio educacional, uma mentalidade ainda colonial, regida por
padrões eurocêntricos que fingem ver o outro como sujeito singular, em um movimento
de troca e constituição.
Presenciamos no meio escolar o desenvolvimento de uma imagem de tolerância do
outro, que se constrói a partir da reprodução de padrões etnocêntricos, utilizando a
alteridade como uma forma delimitadora de si mesmo apenas para prevalecer às
próprias concepções. Dedicando como via de regra um dia, momento, ou data
específica para que esses outros sejam lembrados em nossa história, sempre como
um ser exótico particular, enquadrados em uma categoria prédeterminada impedindo
que de fato atuem como sujeitos de sua própria história.
Essa perspectiva que vivenciamos, de um outro exótico e relembrado em datas
comemorativas, é uma falsa mudança educacional proposta pelo multiculturalismo,
segundo Skliar (2003, p. 40), ao tratar a educação brasileira:

[...] a mudança nos olha e, ao nos olhar, encontra somente uma


reprodução infinita de leis, de textos, de currículos e de didáticas. Mas
nenhuma palavra sobre as representações como olhares ao redor do
outro. Nenhuma palavra sobre a necessidade de uma metamorfose
nas nossas identidades. Nenhuma palavra sobre a vibração com o
outro. As mudanças têm sido, então, quase sempre, a burocratização
do outro, sua inclusão curricular e, assim, a sua banalização, seu único
dia no calendário, seu folclore, seu detalhado exotismo.
182
Não há, segundo o autor, uma junção entre as realidades de si com o outro, que
possibilitaria a metamorfose de ideias e perspectivas que poderiam então efetivar a
mudança sem mascará-las. O que de fato ocorre é uma tolerância do outro, como uma
compreensão superficial e estereotipada quando se adentra no contexto de arte
educação.
O que buscamos refletir é que o outro é tratado como anexo, estando à margem
da sociedade e sendo classificado nos padrões impostos a ele, e claro também a nós
que somos treinados desde sempre a manter esses padrões firmes e estreitos,
mascarando-os sempre que necessário, contribuindo com a manutenção
segregacionista. Ao considerarmos este outro como agente social transformador,
podemos adentrar no campo da filosofia da diferença, que trata os indivíduos como
agentes sociais que estabelecem a todo o momento relações de alteridade para a
construção de si.
Diante disso, pensamos a educação a partir da filosofia da diferença, que ao
reconhecer essas diferenças, potencializa nossas estruturas de ensino já que de
acordo com Gallo (2008, p.1) “A educação é, necessariamente, um empreendimento
coletivo. Para educar – e para ser educado – é necessário que haja ao menos
duas singularidades em contato. Educação é encontro de singularidades”. Nesse
contexto, a docência em si já é um ato de singularização e um movimento político que
se dá a partir do coletivo. Sendo que quando esta também está ligada aos conceitos
de fazer artístico, considerando a experiência de produção em sala de aula, como obra
de arte, temos uma dupla dobra de desconstrução às estruturas do meio.

Propondo novas narrativas educacionais: arte, docência e diferença

Ser docente é ser um sujeito em constante transformação, em movimentos


contínuos para novas formas de percepção do mundo e em seu entorno, partindo
sempre da troca e multiplicidade ao entrar em contato com o outro. A construção do
docente pela filosofia da diferença consiste na formação de um docente que perceba
as estruturas de coerção que estão dispostas em seio meio, propondo uma renovação
daquilo que já está posto, uma reconfiguração constante, visando percepção e a
183
experiência, nadando na contramão das estruturas enrijecidas e das ações pré-
moldadas em que nosso sistema se insere.
É construir dentro dos ambientes escolares, um espaço político de ideais
desconstruídos, pensado em uma docência em arte que não seja normatizante ou
estigmatizada por coerções sociais. Que sempre busque trilhar caminhos em busca
do novo, refletindo sobre novas formas de sentir e materializar a realidade em que se
insere. Ser professor, por meio do fazer artístico, é se construir docente a partir de
uma eterna virtualização e atualização, do que se considera ser um profissional e
artista que atua pela educação. Visto que ensinar é despertar caminhos de
possibilidade no outro e em si mesmo em uma via de mão dupla.
Por essa perspectiva, se construir e atuar como docente em Artes Visuais, não
se resume apenas ao direcionamento sobre o manuseio de técnicas ou dados
históricos, mas sim, a uma educação que vise à formação de leitores de nosso social,
que experiência o conhecimento a partir do contato pela possibilidade do inesperado
do novo, reconfigurados e particulares, assim, de acordo como Schultz
(2011, p.34), “pode-se ensinar técnicas, formas de expressão diferentes,
circunstâncias históricas, mas a artes enquanto criação, não se ensina, se vive, pois
pressupõe a experiência”. Dessa forma a experiência de criação do artista conectada
com a construção deste como docente, é um desafio e ao mesmo tempo uma
experiência revigorante.
Assim, nos questionamos como abordar a relação entre a prática docente e o
fazer artístico, reconhecendo as amarras que se infiltram em nosso social
desconstruindo-as, configurando-as em novos territórios e criando espaços entre arte
e educação, com intenção de propor narrativas singularizantes e políticas para o
reconhecimento de cada sujeito em suas particularidades e multiplicidades, diante
disso, refletimos a partir de Schultz (2011, p. 44):

A vida não precisa ser negada para ser afirmada, nem precisa ser
acusada para ser livre. Afirma-se a arte em sua potência para produzir
liberações. Liberta-se vem a ser estar ativo, estar em escuta, perceber
o que acontece no meio, entre as coisas, nas relações imprevisíveis,
escapando de ser cativo, de ter opiniões.

184
Perceber tudo aquilo que nos cerca, escapando de estruturas coercitivas
polarizantes, escapando do dualismo classificatório de nosso social. Levantando
entrelaçamentos entre prática docente e o fazer artístico sendo que podemos entender
a arte como posicionamentos políticos e reflexões acerca da expressão e de nosso
social. “ Sem o contágio e afecto com os corpos não há aprendizagem” (SCHULTZ,
2011, p. 24), a partir disso podemos traçar narrativas junto com a arte, pois ser
professor é atuar como máquina de resistência, ser artista docente é um duplo ato de
transgressão.
Que de fato pode renovar as percepções da diferença ao invés de mascarálas,
indo contra a um “Pensamento que ignora as verdades recebidas metamorfoseia o
valor das opiniões estabelecidas, busca suspender e transvalorar o valor de todos os
valores herdados”, (SCHULTZ, 2011, p.25). Em paralelo a esta contribuição de Schultz
(2011), segundo o modo como se trata o outro no meio educacional Skliar (2003, p.39),
menciona que:

Não temos, nunca, compreendido o ‘outro'. O temos, sim, massacrado,


assimilado, ignorado, excluído e incluído, e, por isso, para negar o
nossa invenção do outro, preferimos hoje afirmar que estamos frente a
frente com um novo sujeito. Mas, é preciso dizer: com um novo sujeito
da mesmice'. Porque se multiplicam suas identidades a partir de
unidades já conhecidas; se repetem exageradamente os nomes já
pronunciados; são autorizados, respeitados, aceitos e tolerados apenas
uns poucos fragmentos da sua alma. Pensamos, agora, a mudança
educativa como uma reforma do mesmo, como uma reforma para nós
mesmos. A mudança educativa nos olha, agora, com esse rosto que vai
se descaracterizando de tanta maquiagem sobre maquiagem.

Partindo deste princípio, buscamos por meio da materialização da obra “Turvas


Realidades”, explorar caminhos de reflexão acerca dos pilares que estruturam as
diferenças em um padrão disfarçado de multiculturalismo. Percebendo, assim, suas
vigas de sustentação já enrijecidas socialmente, para então buscar meios de substituí-
las por métodos maleáveis e menos enrijecidos. Com o propósito de possibilitar a
construção de um conhecimento crítico, pelo viés artístico em uma estrutura flexível,
cheia de curvas, buracos e frestas, para que sempre esteja presente, a mudança da
percepção do novo a partir da realidade que estamos.

185
Imbricamentos entre a docência e o fazer artístico a partir da produção da obra
“Turvas Realidades”

Não há como falar sobre nossa obra, sem antes evidenciar sua motivação
inicial, seu contexto de produção, e sua relação com a docência, deste modo, é crucial
relatar algumas experiências que nos levaram a produzir a série de gravuras
“Turvas realidades”, que consequentemente contribuem para a organização escrita do
processo criativo.
Durante nossos estágios presenciamos inúmeros atos segregacionistas, o que
gerou uma inquietação profunda sobre como a docência em arte pode agenciar modos
descolonizadores imbricados ao fazer artístico? como podemos por meio da docência
em arte, promover um pensamento crítico e reflexivo acerca das imposições que
regem nossa sociedade?

Uma inquietação qualquer é suficiente para provocar novas linhas de


disparo. Se há uma direção que se possa manter, é o movimento de
afastamento do que já foi convencionado. Mal se chegou a conhecer
uma determinada matéria, um território, um novo disparo lança o
pensamento para o desconhecido. “E, a ocupação de um território novo
vem a ser sempre algo provisório, pois ele vale pelo esforço que se faz
para sair dele” (DELEUZE; PARNET, 2005 apud SCHULTZ, 2011 p.
15).

Levando em conta esses questionamentos iniciais advindos do percurso


docente como estagiários em arte, buscamos manifestar essas inquietações na
realização da gravura “Turvas Realidades” desde sua matriz ao conteúdo exposto,
visamos abranger uma perspectiva questionadora e descolonizadora. A matriz
produzida em sabão caseiro foi feita com o intuito de evidenciar a repercussão de
branqueamento higienista que ainda reverbera socialmente, no meio educacional.
“Turvas Realidades”, se relaciona com a nossa proposta didática, que também
parte do campo da gravura como dispositivo disparador. A partir desse contexto nos
debruçamos sobre questionamentos acerca da construção de uma estética
padronizada em nossa sociedade e como isso está ligado a fragmentação de
realidades e a distorção na forma que vemos e nos relacionamos com outro.

186
Nosso processo teve como enfoque a construção de duas matrizes, em um
primeiro momento, temos uma barra entalhada, representando um pequeno grupo de
crianças, com traços bem delimitados e impressões nítidas e logo após outra barra
maior com diversos entalhes de crianças pouco definido e disformes.

Figura 1:Turvas realidades, 2018, Teixeira; Marques. Gravura de sabão sobre papel.

Fonte: Registro nosso

Refletimos, durante o processo de construção dessa obra e em sua finalização,


como é diferente o lugar de sujeito ocupado por uma criança, jovem e adulto negro
em nossa sociedade, do que para sujeitos com pele branca. Como esses destinos são
fragmentados ao longo do seu percurso. Na figura 1, evidenciase como os privilégios,
direitos e reforço ao padrão estético etnocêntrico são mantidos no ensino escolar,
tratando como prioridade quem se adequa ao padrão etnocêntrico, oriundo do
colonialismo.
Essa perspectiva gera um paradoxo presente no discurso do multiculturalismo
onde os indivíduos são classificados e definidos por diferenças equivalentes de
pertencimento classificatório, em que as diferenças são agrupadas em moldes pré
definidos que mascaram uma ilusão de igualdade. Acerca dessa visão do outro pela
perspectiva multicultural Skliar (2003, p. 43) crítica que

187
[...] o outro diverso e o outro diferente constituem, ao meu ver, outros
dissimilares. A tendência de fazer deles o mesmo, retorna todo discurso
a seu trágico ponto de partida colonial, ainda que vestido com a melhor
roupagem do multiculturalismo.

A primeira matriz mostra então os privilegiados no meio educacional e social,


inseridos e definidos como pertencentes ao padrão etnocêntrico. Indo contra este
discurso, buscamos retratar na segunda matriz, figura 2, a impressão constituída por
diversas crianças fora do padrão da branquitude, os outros classificados em padrões
diferentes, não-brancos, sendo tratados como excluídos, que ficam a margem e tem
seus direitos e até mesmo a própria identidade imposta pelo etnocentrismo, que os
delimitam como errados, alguém a tolerar, alguém de deve adequar-se ao “correto”.
Em um pequeno espaço e pouca nitidez, essa matriz que foi literalmente
quebrada retrata o descaso, a indiferença e a fragmentação sofrida por estes sujeitos
deixados a margem para indiferença. “Turvas Realidades” é uma obra que se constrói
a partir de águas caudalosas em fluxo contínuo, pelas veias de existência, desse corpo
pulsante e fragmentado que podemos chamar de sociedade brasileira.

Figura 2: Turvas realidades, 2018, Teixeira; Marques. Gravura de sabão sobre papel

Fonte: Registro nosso.


188
Figura 3: Turvas realidades, 2018, Teixeira; Marques. Fotografia, matriz de sabão.

Fonte: Registro nosso.

Figura 4: Turvas realidades, 2018, Teixeira; Marques. Fotografia, matriz de


sabão.

Fonte: Registro Nosso

189
Figura 5: Turvas realidades, 2018, Teixeira; Marques. Fotografia, matriz de
sabão.

Fonte: Registro nosso.

Considerações finais

A fim de proporcionar um imbricamento entre o fazer artístico e a docência, dividimos


o artigo em 3 sessões, inicialmente contextualizando a educação na sociedade
brasileira. Abrindo espaço para uma perspectiva que se constrói a partir de uma
perspectiva pela filosofia da diferença, que faz refletir acerca da posição do outro, seja
ele enquadrado em um viés multicultural que o trata como alguém à margem da
educação, ainda que haja um encontro entre as diferenças culturais, estas são dadas
como equivalentes ou segundo a perspectiva da diferença como um indivíduo capaz
de realizar transformações sociais, um outro que se constitui com as diferenças e a
partir delas .
Em um segundo momento há um aprofundamento sobre como atrelar o fazer
artístico a docência em arte, buscando a construção de novas narrativas educacionais
que se construam como ato de resistências contra os patrões normatizantes de nossa

190
sociedade. Buscando novas narrativas para se construírem como espaços
singularizantes dentro do ensino.
Seguindo este percurso buscamos unir estes dois pontos principais, ou seja, o
contexto de nossa educação que se constrói dentro do multiculturalismo como um
outro a tolerar, junto a desconstrução dessa ideia a partir do momento que criamos
novas narrativas para o desenvolvimento desse ensino de Arte que se entrelaça como
o fazer artístico.
Desenvolvemos, assim, nossa produção prática que se construiu a partir
dessas reflexões. Visto que a produção visual da obra “Turvas Realidades” está no
entre meio, entre arte e a docência, criando um imbricamento que dispara novos
modos de pensar a educação por meio da Arte.
Não obstante, a obra permite discorrer por caminhos tanto educacionais,
quanto artísticos, em que o professor pode sim, ser e atuar como artista, e que possa,
deste modo, construir novas narrativas educacionais, que levem em conta questões
políticas e espaciais, que precisam ser abordadas tanto na educação como na arte.

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https://lume.ufrgs.br/handle/10183/49020 >. Acesso em: Acesso em: 13 de out 2018.

192
ROLÊ

Gabriel Augusto de Paula Bonfim | Autor (Universidade Estadual de Londrina)


Elke Pereira Coelho Santana | Orientadora (Universidade Estadual de Londrina)
bonfimgap@gmail.com

Resumo
O presente texto aborda o “rolê”, investigando o funcionamento deste tipo de
manifestação na cidade e sua relação com o espaço público. Para isso, discute uma
Lei Municipal recente que proíbe o consumo de álcool nas ruas do município de
Londrina (PR). Discorre-se sobre o caráter autoritário desta proibição, que se configura
como uma espécie de censura, um toque de recolher que afeta diretamente o modo
como a cidade, a rua e suas extensões são entendidas e experienciadas pelas
pessoas. O trabalho “Espaço para gerar espaço”, de autoria de Gabriel Bonfim, é
entendido, neste contexto de discussão, como uma ação artística que articula e discute
o espaço público a partir de conexões com o espaço privado. Palavras-chave:
Cidade. “Rolê”. Espaço público.

Introdução

O termo “rolê” é utilizado para expressar a circulação de pessoas,


particularmente quando em contato com outros sujeitos/espaços a fim de obter lazer
e diversão. O “rolê” dos jovens na noite londrinense costumava ser na avenida
Higienópolis, mais precisamente na quadra do auto posto Ecos, popularmente
conhecido como posto “Kutuvelos”, ou “Kutuva”, por conta do bar homônimo na rua de
trás. Muitos motivos contribuíram para que o posto se tornasse referência na vida
noturna dos jovens da cidade, os principais são a localização central e o preço das
bebidas. O que acontece no local é um acordo coletivo que diz que aquele é o espaço
para se divertir. É barato e acessível.
Em algum momento o “rolê” cresceu, uma grande quantidade de pessoas
começou a somar e isso incomodou outras pessoas, já que o “rolê” traz consigo coisas
como sujeira, barulho, vandalismo e insegurança; os vizinhos começaram a reclamar
e envolveram a polícia e o poder público na situação. É a partir deste conjunto de
ocorrências, em específico, que pretendo, no decorrer deste texto, abordar discussões
sobre o espaço público.

193
Desenvolvimento

Na cidade de Londrina, o “rolê” acontece no centro da cidade; é uma área


privilegiada, não é “qualquer um” que mora ali, são pessoas com alto poder aquisitivo,
influentes, que demonstram grande preocupação com a valorização de seus imóveis
e possuem uma concepção higienista em relação ao espaço urbano. A pressão dessas
pessoas resultou em um projeto de Lei Municipal para proibir o consumo de álcool em
vias públicas entre 22h00 e 08h00, estabelecendo, assim, uma espécie de toque de
recolher1.
O projeto foi aprovado por ampla maioria dos vereadores, resultando na Lei nº
12.7442, de 31 de julho de 2018. A lei diz que está proibido, além da proposta inicial,
o consumo de álcool em qualquer hora do dia em lugares próximos (até 300 metros)
de escolas de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
Essa lei considera como logradouros públicos: avenidas, rodovias, ruas,
caminhos, passagens, calçadas, praças, ciclovias, via férrea, pontes, viadutos, área
externa dos campos de futebol, ginásios de esportes, praças esportivas de
propriedade pública, pátios e estacionamentos dos estabelecimentos comerciais que
sejam conexos à via pública. A multa para quem for flagrado desobedecendo a
determinação é de R$ 500,00 (quinhentos reais).
Enquanto o projeto tramitava na câmara de vereadores da cidade, a polícia já
agia de forma truculenta: enquadros3 gerais começaram a ser feitos nos arredores do
posto “Kutuvelos”; inúmeras viaturas, policiais, armas e muita grosseria eram
utilizados. A ordem era única: “saiam daqui e vão para a casa! Agora!”. Com a
aprovação da lei a situação só piorou, deslocar-se pela cidade, atualmente, é uma

1
O toque de recolher é historicamente utilizado por governos e autoridades para proibir que
as pessoas permaneçam nas ruas ou realizem algumas atividades após determinado horário.
É empregado por governos ditatoriais para ampliar o controle sobre a população. Geralmente
é decretado como medida excepcional.
2
Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/pr/l/londrina/lei-ordinaria/2018/1275/12744/
lei-ordinaria-n-12744-2018-restringe-o-consumo-de-bebidas-alcoolicas-nos-logradourospubli
cos-no-municipio-de-londrina-e-da-outras-providencias Acesso em 17 de setembro de 2018.
3
Do verbo enquadrar. Ação de colocar as pessoas contra a parede; abordagem policial,
“esculacho”, que geralmente envolve violência e abuso de poder.
194
situação de risco, há medo em andar pela rua, e esse pavor se relaciona mais à
presença da polícia do que de um possível bandido; já que, com a lei aprovada, as
pessoas que utilizam as rua da cidade para se divertir, além de transitar, se tornaram
bandidos em potencial. A diversão se transformou em ato proibido; entende-se que o
álcool não seja a única forma de diversão, mas é uma maneira de esvaziamento
temporário da mente, um jeito de esquecer os problemas, de se sentir maior, de se
comunicar de maneira mais fácil. A truculência dos policiais não é apenas em relação
a quem está bebendo, eles dispersam qualquer tipo de aglomeração; estar em grupo,
na rua, se tornou um crime. Ações como esta são lembretes diários de que a rua não
é nosso lugar. Jane Jacobs conta que:

As ruas e as calçadas são os principais locais públicos de uma cidade,


são seus órgãos mais vitais [...]. Se as ruas de uma cidade parecem
interessantes, a cidade parece interessante; se elas parecem monótonas,
a cidade parecerá monótona, se as ruas da cidade estão livres da violência
e do medo, a cidade está, portanto, razoavelmente livre da violência e do
medo. Quando as pessoas dizem que uma cidade, ou parte dela, é
perigosa ou selvagem, o que querem dizer basicamente é que não se
sentem seguras nas calçadas (JACOBS, 2009, p. 29).

Partindo da lógica empregada por Jacobs, tenho a impressão de que Londrina


é uma cidade autoritária pois priva parte de sua população de ocupar seus espaços
públicos. Se as ruas de Londrina parecem desinteressantes para as pessoas, a cidade
então parecerá desinteressante; se elas parecem monótonas, sem pessoas
circulando, a cidade parecerá monótona. Se as ruas da cidade estão livres das
pessoas, a cidade está, portanto, reprimindo seus cidadãos.
A lei seca londrinense mostra-se desnecessária e ilegal. Desnecessária pois
urinar na rua já se configura como crime no código penal brasileiro 3 e na própria lei
orgânica do município5. O barulho em excesso também se configura como crime,
perturbação do sossego 4. A lei seca é inconstitucional pois proíbe os cidadãos de
exercerem seu direito fundamental de liberdade individual. Algumas entidades
vinculadas aos setores de hospedagem e gastronomia do município entraram com
uma ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar no Tribunal de Justiça

3
ART. 233 do código penal brasileiro
5
LEI nº 11.468/2011 (Londrina – PR)
4
LEI nº 4.607/1990 (Londrina – PR)
195
do Paraná, já que a constitucionalidade da lei não foi questionada por parte
administrativa e legislativa, via procuradoria jurídica da câmara municipal de Londrina5.
Se os espaços públicos da cidade estão sendo privados, vejo como obrigação
de minha produção, como artista e como cidadão, reocupar esses locais. Criei, então,
um evento6 público em uma rede social chamado “Convite para um rolê – espaço para
gerar espaço”, convidando as pessoas para ocuparem um espaço vermelho de 6,1m²
no centro da cidade de Londrina.

Figura 1: Captura de tela do evento no Facebook.

O espaço em questão faz parte de uma série de trabalhos intitulados “Espaço


para gerar espaço” (2018). Com ênfase na discussão sobre o espaço público e o
espaço privado, transformo a planta baixa do meu quarto em uma área vermelha e a
reproduzo em outros lugares; a partir do simulacro de um espaço que me é único,
busco estabelecer instâncias de diálogo e compartilhamento com a espacialidade da
rua e com o corpo do transeunte.

5
Disponível em: https://www.folhadelondrina.com.br/geral/entidades-pedeminconstitucionali
dade-da-lei-seca-1011924.html. Acesso em 25 de setembro de 2018.
6
Disponível em: https://www.facebook.com/events/455078204986628/ Acesso em 09 de
outubro de 2018.
196
Considerações finais

Mais de cinquenta pessoas compareceram ao “rolê” convocado. Algumas eram


conhecidas, outras foram se aproximando e fazendo parte daquilo que acontecia sobre
um quadrado vermelho. Muitas questões foram levantadas por aqueles que passaram
pelo quadrado: “O que é isso?”. “É meu quarto!”, eu respondia. “Porque vermelho?”.
“É minha cor favorita”, falei. “Seu quarto é pequeno assim?”. “É... mas está cabendo
bastante gente, né?” disse. “Você é comunista? Cuidado!”. “Pode deixar”, eu respondi.
“A gente pode beber aqui dentro e não vai ser preso e nem levar multa?”. “Pode ficar
tranquilo, você tá no meu quarto, ninguém te prende aqui”, respondi, não acreditando
muito em mim, mas torcendo para que aquilo fosse verdade.

Figura 2: Registro do “rolê” no “Espaço para gerar espaço”.

Fonte: Acervo particular de Gabriel Bonfim, 2018.

A noite foi boa. Todos se divertiram e de alguma forma se sentiram seguros


dentro do quadrado vermelho. É como se o meu quarto estivesse no centro da cidade,
mas não devesse nenhuma obrigação às privações que cerceiam o espaço urbano.
De fato, era um espaço privado no âmbito público; ele é de quem quiser ocupar, mas,
no fundo, ainda é meu quarto. O quadrado se consolidou como espaço para “rolê” e
agora não se liga apenas a mim; toda madrugada recebo imagens de amigos no
quadrado fazendo seus “rolês”, explicitando que a cidade ainda pode ser entendida a
partir dos modos e usos que destinamos a ela.

197
Referências

BERNARDES, Maria Helena. Vaga em campo de rejeito. São Paulo: Escrituras


Editora, 2003.
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2012.

198
SOUTH PARK E O ESTADO ISLÂMICO: A LINGUAGEM
AUDIOVISUAL COMO FORMA DE DESOBEDIÊNCIA E
RESISTÊNCIA

Lucas Mestrinheire Hungaro (Mestrando - PLE/UEM)


Profª. Drª Roselene de Fátima Coito(Orientadora – PLE/UEM) e-
mail: lucashungaro_@hotmail.com

Resumo
Neste artigo, propomos colocar em discussão a linguagem audiovisual da série
animada estadunidense de humor South Park, no tratamento da religião islã como
forma de desobediência e resistência ao chamado radicalismo religioso do grupo
Estado Islâmico. Para isso, usaremos as noções de poder e contraconduta do filósofo
francês Michel Foucault, pensando na questão da resistência, e a noção de de
desobediência, do também filósofo francês Frédéric Gros. Como objeto de análise,
analisaremos o quinto e o sexto episódios da décima quarta temporada da série,
intitulados “200” e “201”, respectivamente, buscando neles as estratégias as quais os
produtores utilizaram para retratar uma vertente do islamismo e a imagem sagrada de
Maomé resultando em uma forma de desobediência e resistência ao discurso do
chamado Estado Islâmico.

Palavras-chave: South park. Estado islâmico. Resistência. Desobediência.

Introdução

“Desobedecer é manifestar uma parte em nós de animalidade estúpida e rude”


(GROS, p.27, 2018)”. A arte, como manifestação cultural, pode se tornar um
instrumento político para a desobediência civil. Ela pode ser vista como um meio apto
ao exercício do direito de resistência. Resistência esta que acompanha o próprio
desenvolvimento da civilização e das relações de poder (FOUCAULT, 2008) que se
estabelecem entre sujeitos e instituições conectadas por nexos de hierarquização,
como no caso dos governantes e governados. Nesta relação de arte, resistência e
desobediência, podemos citar South Park. Cenas com palavrões, e situações de
desobediência e agressões gratuitas e desnecessárias, tudo isto e muito mais compõe
o enredo da série.
South Park é uma série humorística norte-americana criada por Trey Parker e
Matt Stone. Ela estreou no horário nobre do canal Comedy Central - o qual pertence
à TV a cabo - em 13 de agosto de 1997 com o episódio “Cartman ganha uma sonda
199
anal”. Apesar de inconsistente em seus índices de audiência, o programa permanece
como a atração mais aclamada e duradoura do referido canal, possuindo atualmente
21 temporadas completas e, atualmente, em sua 22ª temporada. Sendo uma sitcom,
ou seja, uma comédia de situação, com ela nos divertimos mediante as aventuras de
quatro garotinhos de uma cidadezinha nas montanhas rochosas do Colorado, cidade
esta que funciona como uma sinédoque dos E.U.A. - ou seja, uma parte que equivale
ao todo. Os garotinhos são: Stan Marsh, KyleBroflovski, Eric Cartman e Kenny
McCormick.
Embora seja destinado ao público adulto, mesmo sendo uma série animada, o
programa apresenta um tom infame por abordar diversos assuntos tais como: política,
economia, cinema e literatura, só para citar alguns -, com seu humor peculiar.
A série também costuma abordar e satirizar diversas religiões - dentre estas
religiões podemos citar o cristianismo, o mormonismo, a cientologia, o judaísmo e o
islamismo, este último como foco de reflexão deste artigo.
O islamismo é uma religião monoteísta, ou seja, acredita na existência de um
único Deus. Ela é fundamentada nos ensinamentos de Mohammed, ou Muhammad,
chamado pelos ocidentais de Maomé. Nascido em Meca, no ano 570, Maomé
começou sua pregação aos 40 anos, na região onde atualmente corresponde ao
território da Arábia Saudita. A palavra islã significa submeter-se e exprime a obediência
à lei e à vontade de Alá (Allah, Deus em árabe). Seus seguidores são os muçulmanos.
Atualmente, é a religião que mais se expande no mundo; está presente em mais de 80
países.
Dentre os vários princípios do Islamismo, cinco são regras fundamentais para
os mulçumanos: realizar cinco orações diárias comunitárias (sãlat); ser generoso para
com os pobres e dar esmolas; ir em peregrinação à Meca pelo menos uma vez durante
a vida (hajj); obedecer ao jejum religioso durante o ramadã (mês anual de jejum); crer
em Alá, o único Deus, e em Maomé, seu profeta.
Surge depois de um tempo, um grupo fundamentalista religioso chamado
Estado Islâmico com o intuito de expandir o modelo teocrático da interpretação que
fazem do islamismo, proibindo a utilização da imagem e nome sagrados de Maomé

200
de forma ofensiva (como por exemplo, em charges) com punições de ameaças de
morte por meio de atentados a civis de países que, politicamente, são tidos por eles
como inimigos de Alá.
Para celebrar os 200 episódios de South Park, os produtores fizeram um novo
programa repercutindo várias polêmicas do passado com críticas mordazes a políticos,
celebridades e entidades religiosas e com duração de dois episódios, intitulados: 200
e 201.
Estes dois episódios contém cenas que envolvem várias “personalidades”
religiosas, como Jesus Cristo sendo mostrado assistindo a pornografia, Buda
cheirando cocaína e Maomé, figura sagrada pela maioria dos muçulmanos, vestindo
uma fantasia de urso, além de outra cena em que todas estas entidades religiosas
aparecem juntas e com elas uma tarja preta com o dizer em inglês “censored”
(censurado, em português), como podemos ver nas figuras abaixo.
Figura 1: Maomé vestido com uma fantasia de urso.

Fonte: Episódio 200/Comedy Central

Figura 2: Maomé representado com uma tarja preta com o dizer em branco:
Censored (censurado).

201
Fonte: Episódio 201/Comedy Central
Desenvolvimento

O indivíduo que desobedece estaria filosoficamente errado. Segundo Gros, o


preço desta desobediência “é decididamente insustentável: sangue vertido,
humilhação automática, derrota anunciada” (GROS, p.43, 2018). Mas se submeter à
obediência, seria mostrar a realidade de injustiça e de violência, ou seja, ao se
submeter ao que é imposto pelo Estado Islâmico como intocável, South Park se
contradiria ao intuito real da série que é de crítica de tudo que é do universo do
humano, inclusive a religião.
Na questão religiosa, Gros (2018, p.74) fala sobre “o modo como o perfeito
cristão se põe em busca de estruturas de servidão para realizar sua santidade:
obedecer o melhor possível, obedecer rápido, obedecer sem refletir às mais insanas
ordens”, ou seja, “obedecer para poder desaparecer completamente, não mais existir
como “eu”, ser apenas o servidor perfeito” (GROS, 2018, p.76). Aliando esta reflexão
de uma obediência cega de algumas linhas cristãs, expandimo-na à esta vertente
islâmica do Estado Islâmico.
Nos dois episódios de South Park escolhidos, ao mostrar o “imostrável” e
“indizível” Maomé, podemos remeter a que alerta Foucault (2008) como uma forma de
movimento de resistência, a contraconduta, cuja natureza é diferente das lutas
políticas e econômicas, pois elas se dão no campo da insubordinação diante dos
controles dos comportamentos e das identidades das pessoas. A contraconduta se dá,
sobretudo, na recusa daquilo que Foucault chama de poder pastoral. Os exemplos de
contraconduta que o pensador francês nos mostra sempre são lutas específicas, como
a recusa de participar de guerras, a criação de sociedades secretas ou herméticas, a
202
recusa de práticas médicas(como a transfusão ou a vacinação), a dissidência política,
práticas heréticas, defesas radicais da vida comunitária.
Maomé, no episódio 200, fantasiado de urso, e no episódio 201, com uma tarja
preta escrita “censurado”, seria uma forma de resistência de South Park ao que é
“governado” por esta vertente islâmica? Podemos retomar Gros (2018, p.181) para
explicar esse governo, que não deixa de ser pastoral no sentido de obediência a uma
determina conduta determinista como um “temor da veneração dos deuses, dos
valores, quanto o medo sagrado dos interditos”. South Park, com sua comicidade
aguda de linguagem verbal e visual, coloca em evidência o interdito não só aquilo que
não pode ser dito, seja como quem está autorizado a dizê-lo seja o porquê do medo
do sagrado, mas aquilo que também não pode/não deve ser mostrado , determinado
formas de conduta e/ou de contracondutas.

Considerações finais

Ao existir e resistir, South Park cria desobediências, no sentido atribuído por


Gros, na maioria dos seus episódios. Com o intuito de crítica à sociedade, podemos
interpretar que o humor e o deboche são formas de existência da série que acabam
como resistências às condutas impostas pela sociedade em geral e por determinismos
religiosos em específico.
A desobediência seria o libertar do que é aprisionado na vida, uma forma de
resistência ao que normatiza e normaliza a vida com processos disciplinares exercidos
em diversas instituições, como nas escolas, nos hospitais, nas organizações militares,
na família e na Igreja.
South Park nos faz pensar na sociedade. Só há desobediência, onde há
obediência. Só há resistência, onde há poder e, consequentemente, relações de poder
que se dão como relações de força que a arte, nas suas mais variadas formas de
existir, como no caso desta série cômica, subverte, evidenciando que a desobediência,
mais do que se dar como contraconduta, instaura um dizer/mostrar da resistência
daquilo que deve ficar no “indizível” e no “invisível”.

203
Referências

FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população: curso dado no Collège de


France (1977-1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes,
2008
_____. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 35.
ed. Petrópolis: Vozes, 2008b.

GROS, Frédéric. Desobediência. São Paulo: Ubu Editora, 2018.

204
UMA ANIMAÇÃO DE LENORE E THE RAVEN DE EDGAR ALLAN POE: PODE A
CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA DIGITAL DESOBEDECER A ARTE LITERÁRIA?

Débora Louize Pleins Ferraz (UEM)


Sabrina Krüger Franco (UEM)
Liliam Cristina Marins (Orientadora - UEM)
Rosiane Cristina de Souza (Coorientadora - UEM)
dlouize@hotmail.com

Resumo
O presente escrito é voltado para o campo dos estudos da adaptação e das artes
visuais, e se alinha ao paradigma qualitativo de cunho interpretativo analítico. O
objetivo é apresentar um projeto de iniciação científica, que tem como proposta
analisar o processo de adaptação dos poemas Lenore e The Raven, de Edgar Allan
Poe, para uma animação intitulada “Edgar Allan Poe’s ‘The Raven’ by Aaron Quiin”.
Esse projeto se justifica em função da importância de trabalhos que envolvam a
adaptação de textos que circulam em diferentes meios semióticos e que possibilitam
maior acesso a textos considerados canônicos.
Palavras-chave: Cultura visual. Adaptação. Edgar Allan Poe. Animação.

Introdução

A “animação”, palavra do latim que significa “dar vida a” e representa a ilusão


do movimento, só foi aparecer no início do século XX, como afirma Lucena Júnior
(2011). Para atingir o estado de animação que conhecemos atualmente, vários
dispositivos surgiram para criar a ilusão de mobilidade aos olhos humanos, até que
em meados de 1900 as animações 2D começaram a ser introduzidas no mercado.
Com o passar do tempo, a tecnologia foi evoluindo, o que colaborou com
técnicas de criação das animações. Segundo Lucena Júnior (2011), pode-se dizer
que a origem das animações digitais está atrelada à origem da computação gráfica.
O autor discorre que por volta dos anos 1970 já era possível encontrar as primeiras
animações feitas a partir de sistemas digitais, mas foi após a década de 80 que as
técnicas de computação mudaram o rumo das animações, tendo em vista que as
mesmas começaram a se apropriar dessas novas tecnologias para incorporá-las
às técnicas de desenho animado. Importante ressaltar que o uso da computação

205
gráfica na animação e a popularização da internet e das redes sociais
proporcionaram para vários animadores independentes a possibilidade de
compartilhar com o público seus trabalhos, tornando a animação digital uma arte
acessível.  
Dentro desta perspectiva, Machado (2010) reconhece que as expressões
artísticas e os recursos tecnológicos se harmonizaram para aumentar os seus
“canais de difusão” para que, com o uso de meios de comunicação de massa, tais
expressões se tornassem acessíveis para diversos públicos.
Para tornar as expressões culturais conhecidas por diversos públicos, a
indústria cinematográfica, por exemplo, desde os primórdios, sempre investiu em
seus roteiros originais, mas os cineastas procuravam investir em histórias já
existentes no meio escrito com o objetivo de reconta-las por meio do
audiovisual como forma de expansão do universo cinematográfico.
Segundo Sanseverino (2016), as adaptações são um elemento marcante no
mundo audiovisual, já que, com o auxílio delas, é possível a criação de um mesmo
enredo em diversos meios. Importante ressaltar que a adaptação é uma forma de
transformação e essa transformação é feita a partir da interpretação de quem está
adaptando esse texto. Isso significa que é preciso considerar a adaptação como
uma nova produção, sem medi-la pelas réguas da fidelidade, pois, segundo
Amorim, nem mesmo o próprio autor do texto-fonte pode garantir uma leitura
verdadeira de sua própria obra. 

Desenvolvimento

Este trabalho faz parte de um projeto ainda em construção, cujo objetivo é


analisar a adaptação dos poemas Lenore e The Raven, de Edgar Allan Poe, para a
linguagem audiovisual na animação denominada “Edgar Allan Poe’s ‘The Raven’ by

Aaron Quiin”, de Aaron Quinn, com o intuito de mostrar a possibilidade de circulação


de um texto poético em outros meios semióticos, incentivando, assim, sua leitura por
vários públicos.
206
Quando se trata de poesia, um dos gêneros literários mais sacralizados e
canônicos, sua tradução e/ou adaptação ainda é um tabu. De acordo com Arrojo
(2003), para muitos escritores e poetas, a tradução de um texto poético é impossível
e considerada como algo inferior. Essa aversão é ainda mais potencializada quando o
processo é a adaptação para um meio visual, como o cinema. Segundo Hattnher
(2013), há uma crença de que as palavras têm certa predominância sobre as imagens
e que, portanto, o cinema seria inferior à literatura. Uma adaptação para uma
animação, gênero reconhecido por muitos como algo destinado apenas ao público
infantil, gera, dessa forma, um incômodo evidente.
Por isso, este trabalho parte da perspectiva da cultura visual, a qual “é um
campo de conhecimento emergente que busca compreender o papel da arte/imagem
na vida da cultura” (MARTINS, 2006, p. 9). Para isso, Hernandez (2013) destaca que
o estudo a partir da cultura visual não é somente o estudo das imagens, mas também
do que observamos nelas, ou seja, na relação que mantemos com ele.
Segundo Martins (2006), um dos objetivos da cultura visual é tirar a arte dos
templos consagrados, como museus (ou no caso da literatura, o cânone), para
espaços populares, onde qualquer pessoa possa aproveitar essa manifestação
artística.  Deste modo, analisar a tradução/adaptação de um texto poético para uma
animação partindo dessa perspectiva significa poder olhar para a obra considerando
as experiências e vivências daquele que com ela interage, ou seja, o seu contexto
social, o que influenciará nos significados construídos.

Considerações finais

Este trabalho ainda está embrionário e não apresenta conclusões, porém,


durante seu decorrer, pode nos levar para vários caminhos com inúmeras
possibilidades de interpretação. Pretende-se, assim, ao final do trabalho, mostrar as
possibilidades de circulação de um texto considerado canônico em outros meios
semióticos, incentivando, assim, sua leitura por muitas outras pessoas.

207
Referências

ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução: A teoria na prática. São Paulo: Editora


Ática, 2003.

HATTNHER, Álvaro. Literatura, cinema e outras arquiteturas textuais: Algumas


observações sobre teorias da adaptação. Itinerários, Araraqura, n. 36, p.35-44,
jan./jun. 2013.

LUCENA JÚNIOR, Alberto. Arte da animação: Técnica e estética através da


história. São Paulo: Senac, 2005.
MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2010.

MARTINS, Raimundo. Sobre textos e contextos da cultura visual. Visualidades.


Revista do programa de mestrado e cultura visual, v. 4, p. 05-11, 2006. Disponível em:
<https://www.revistas.ufg.br/VISUAL/article/view/17997> Acesso em: 11 de out. 2018.

SANSEVERINO, Gabriela Gruszynki. Da página para a tela: uma breve reflexão sobre
adaptações. Intercom- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação, XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação- São
Paulo- SP, 2016. Disponível em:
<http://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/lista_area_DT6-PE.htm>
Acesso em: 11 de out. 2018.

HERNÁNDEZ, Fernando. Pesquisar com imagens, sobre imagens: revelar aquilo que
permanece invisível nas pedagogias da cultura visual. In: MARTINS, Raimundo e
TOURINHO, Irene. Processos e práticas de pesquisa em cultura visual e
educação. Santa Maria: Ed. da UFMS, 2013. 77-95 p.

208
UMA EXPERIÊNCIA NO ESTÁGIO: O ENSINO DE ARTE COMO
LUGAR DE FALA

Eliane Cristina da Silva (UEM)


Willyan Henrique Batosti da Silva (UEM)
Francieli Regina Garlet (UEM)
avelianesilva@gmail.com

Resumo
Este artigo refere-se às experiências educativas com estudantes do Ensino Médio por
meio do Estágio Supervisionado em Artes Visuais III. A partir da temática Qual é o seu
grito? pensamos junto aos alunos sobre diversas vozes que são silenciadas
constantemente, não somente no sentido do ato de falar, mas de como as relações de
poder fazem com que não tenham o direito de existir em determinados espaços. Dessa
forma, objetiva-se investigar de que forma o ensino de arte por meio do
multiculturalismo pode contribuir para o lugar de fala de grupos invisibilizados e
perceber como um percurso de uma formação inicial na docência entrelaçada à
micropolítica pode reverberar nas produções dos estudantes. Como resultado,
buscase uma compreensão do lugar de fala e de que forma a arte permite
possibilidades de gritar, ou seja, possibilitar experiências de si mesmo enquanto
sujeito potente diante das questões sociais e culturais que nos entornam.

Palavras-chave: Arte/educação. Multiculturalismo. Lugar de fala. Micropolítica.

Introdução

O ensino de arte como expressão e elemento potente para o desenvolvimento


da percepção/imaginação, bem como para fomentar problematizações, é também
instrumento para a identificação cultural do indivíduo. Segundo os estudos de Ana Mae
Barbosa (1998), por meio das artes, conseguimos observar as representações
simbólicas de objetos, ideias e saberes criando um diálogo de sensibilidades entre nós
e as formas pelas quais essas representações nos atravessam.
Nesse sentido, as artes visuais, por ter a imagem como meio de experimentação,
torna possível a visualização de quem somos, quais lugares ocupamos, como nos
sentimos, e também possibilita outros modos de olharmos para nós mesmos. “Propor
a leitura de uma obra de arte pode ser, então, mediar, dar acesso, instigar o contato

209
mais sensível e aberto acolhendo o pensar/sentir do fruidor e ampliando sua
possibilidade de produzir sentido” (MARTINS, 1998, p. 78-79).
Dessa forma, um dos caminhos possíveis para o/a aluno/a pensar seu universo
cultural, é propor problematizações acerca de diversos grupos existentes em nossa
sociedade. Um ensino que seja pautado no multiculturalismo encaminha discussões
também sobre a diversidade de pessoas que compõem determinados lugares. Com
isso, cria-se possibilidade de destacar grupos que foram historicamente e socialmente
construídos como minorias e abrir espaços na sala de aula para dar-lhes o direito de
fala e de colocá-los em lugares de visibilidade e legitimidade. Nas experiências
educativas do Estágio Supervisionado III essas problematizações se deram a partir de
imagens de obras artísticas de Rosana Paulino, Coletivo Kókir, Matheusa Passareli,
José Leonilson, Elisa Riemer, Keith Haring, Jean Basquiat, HULA, entre outros.
Posto isso, objetiva-se neste artigo, em primeiro momento, investigar de que
forma o ensino de arte por meio do multiculturalismo pode contribuir para o lugar de
fala de grupos invisibilizados e por fim perceber como um percurso de uma formação
inicial na docência entrelaçada à micropolítica pode reverberar nas produções dos
estudantes.

Multiculturalismo no ensino de arte

Seguindo os estudos de Ana Mae Barbosa (1998), educadora brasileira, pioneira em


pesquisa sobre arte-educação e responsável pela criação da Proposta Triangular 1
para o ensino de arte, pretende-se investigar de que forma o ensino de arte por meio
do multiculturalismo pode contribuir para o lugar de fala de grupos invisibilizados que
resistem em meio às tensões sociais. Nesse sentido, ao apresentar diversas culturas
também dialogamos com diversas identidades que antes não poderiam ser vistas,

1
A Proposta Triangular é uma abordagem contemporânea na educação das Artes Visuais
caracterizada por três ações: Contextualização (explorar o contexto histórico de uma produção
artística); Criação (produzir formas artística); Apreciação (analisar uma obra de arte).
210
observadas como forma de poder social e cultural, e suas vivências contempladas
como conhecimentos.
A arte como uma linguagem dos sentidos, dispõe significados que possibilitam
compreensões e problematizações diferentemente de outra lógica, como as
discursivas e as científicas, possibilitando dúvidas e questionamentos ao que nos é
naturalizado. Dessa forma, a arte também enquanto produção visual e discursiva, se
propõe a não reduzir-se a respostas prontas e formuladas, mas impulsiona o conhecer,
o fluxo do que se movimenta, com pautas culturais, políticas, ideológicas, sociais, entre
outras. Como Ana Mae Barbosa (1998, p. 16) expõe, “não podemos entender a cultura
de um país sem conhecer sua arte. Sem conhecer as artes de uma sociedade, só
podemos ter conhecimento parcial de sua cultura.” Isso se justifica porque a partir da
arte conseguimos observar a representação simbólica de traços espirituais, materiais,
intelectuais, emocionais, formas de vivências, tradições e crenças de um grupo social.
Sendo assim, o ensino de arte é um dos elementos importantes e fundamentais para
a construção de uma consciência identitária, assim como as outras diversas áreas do
conhecimento.
Nesse sentido, de acordo com Barbosa (1998) propor uma educação que
aborde temas multiculturais e interculturais parte de reconhecermos a diversidade
racial; incluir em contextualizações, apreciação e produções de arte problematizações
acerca de etnocentrismo, estereótipos culturais, preconceitos, discriminação e
racismo; enfatizar o estudo de grupos minoritários como mulheres, negros, índios; dar
oportunidade de debates sobre problemas sociais, tais como racismo, sexismo,
participação democrática, singularidades físicas ou mentais; problematizar a cultura
dominante e todo tipo de opressão.

[...] uma educação libertária terá sucesso só quando os participantes


no processo educacional forem capazes de identificar seu ego cultural
e se orgulharem dele. Isto não significa a defesa de guetos culturais,
nem de excluir a cultura erudita das classes baixas. Todas as classes
têm o direito de acesso aos códigos da cultura erudita porque esses
são os códigos dominantes - os códigos do poder. É necessário
conhecê-los, ser versado neles, mas tais códigos continuarão a ser um
211
conhecimento exterior a não ser que o indivíduo tenha dominado as
referências culturais da própria classe social, a porta de entrada para a
assimilação do ‘outro’. A mobilidade social depende da inter-relação
entre os códigos culturais das diferentes classes sociais (BARBOSA,
1998, p. 15).

Sendo assim, ao trazer o reconhecimento de diversos grupos que não se categorizam


como homem branco heteronormativo, já que este está no topo dos privilégios,
estamos abrindo espaços para que as vozes de tais grupos sejam ouvidas.
Contudo, de acordo com Djamila Ribeiro (2017) mesmo com a criação de diversas
políticas afirmativas muitos grupos ainda são silenciados diante da sua localização nas
relações de poder. “Quando falamos de direito à existência digna, à voz, estamos
falando de locus social, de como esse lugar imposto dificulta a possibilidade de
transcendência” (RIBEIRO, 2017, p. 64).
O ato de exclusão e não humanização desses grupos faz com que suas
produções, saberes e vozes sejam silenciados por serem tratados de forma subalterna
e por estruturalmente serem excluídos de quaisquer oportunidades de transcendência.
“O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir” (RIBEIRO,
2017, p. 64). A inexistência é justificada pelas condições sociais que dificultam a
visibilidade e a legitimidade dessas produções por, muitas vezes, não conseguirem ter
acesso e espaço em certos lugares, como universidades, meios de comunicação,
políticas institucionais.
Visamos, nesse sentido, uma educação das artes visuais que possibilite aos grupos
minoritários terem seus saberes valorizados, seus interesses contemplados, e suas
identidades respeitadas. É possível, desse modo, entender a escola como um local
potente de desenvolvimento de políticas que visam a difusão da cultura e o
reconhecimento das diversas formas de existir.

Faz-se necessária a inserção de temas que possuem grande impacto


e relevância na vida social, que insistentemente desafiam princípios
democráticos e éticos por meio da regulação e manutenção de
injustificáveis e distintos prejuízos sociais [...] (MAIO, 2016, p. 8).

212
Nesse sentido, a escola é um espaço de luta, um lugar de encontros, criação,
recriação, entrelaçamento, hibridização de conhecimentos. E por isso, torna-se
imprescindível um ensino de arte que desenvolva discussões acerca de temas
multiculturais visando grupos invisibilizados por também estar relacionados às
relações de poder, que hierarquiza e privilegia um grupo de pessoas e um determinado
modo de existência na sociedade e invisibiliza outros, a qual abre caminhos para o
debate e para a identidade cultural, presumindo o reconhecimento dos diferentes
códigos, classes, grupos étnicos, crenças e sexualidades.

Ao apresentarmos significados sobre culturas, temos que pensar que


elas são artefatos produtivos e práticas de representação, que
inventam sentidos e que circulam e operam nas arenas específicas de
cada espaço, em que o significado é negociado e as hierarquias são
estabelecidas, formando conjuntos de constituições únicas e
individuais. As diversas culturas não podem ser borradas pelas
tradições elitistas que ainda persistem em se afirmar como a máxima
expressão do ser humano, considerando este último, como idêntico em
todos os locais do planeta! (MAIO, 2016, p. 8).

Dessa forma, acreditamos que uma das possibilidades de fazer um ensino de arte
que colabore para o estudante pensar o seu universo cultural, é por meio da
contextualização e fruição de práticas artísticas que dialogam com suas vivências e
experiências cotidianas. Sendo assim, necessita-se pensar um ensino libertador em
que a multiculturalidade e a interculturalidade estejam presentes para que tenhamos
uma educação que aborde um conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vários
grupos que caracterizam a nação e a cultura de outras sociedades. Coexistindo
diferentes culturas em um mesmo local.

Estudar as culturas subalternas é uma forma de conhecer os


mecanismos que permitem a existência e adaptação de manifestações
que sustentam o mosaico cultural do país, para fazer frente às
influências dos meios de comunicação hegemônicos da
contemporaneidade (KADOMA; SILVA, 2012, p. 1239).

213
Por estarmos discorrendo sobre a experiência do estágio, na qual levantamos
problematizações sobre o lugar de fala, ou seja, o lugar social que diversos grupos
ocupam, analisamos junto com os/as alunos/as produções artísticas advindas de
artistas caracterizados como minorias, tais como, negros/as, mulheres, LGBTQ e
indígenas. A partir de imagens de obras artísticas e de uma produção em colagem,
oferecemos espaço para que essas vozes pudessem existir, fazendo disso um
momento de problematização e, sobretudo um ato político.
Nesse sentido, tentamos dialogar com o que Ribeiro (2017) apresenta ao
delinear como se constrói o lugar de fala. “Não se trataria de afirmar as experiências
individuais, mas de entender como o lugar social que certos grupos ocupam restringem
oportunidades” (RIBEIRO, 2017, p. 61). Oportunidades que se baseiam principalmente
ao acesso a direitos básicos como educação, saúde, segurança, trabalho e
alimentação. Direitos humanos, direitos por lei, direitos sociais. Oportunidades que,
por termos um contexto histórico e social constituído na ausência de muitos desses
direitos, determinados grupos minoritários na sociedade estão sempre (re)existindo
em vias que possibilitam os mesmos a ter um lugar de fala de suas vivências.

‘E eu pensei que arte era só pintar’

Eis que ao final de um debate com os/as alunos/as no qual foi abordado pautas
como: minorias, política, greve, relações de poder e ocupações, um aluno, um tanto
tímido, mas presente no debate com vários apontamentos, recitou em tom baixo como
se pensasse e quisesse dizer em tom alto a seguinte frase: ‘eu pensei que arte era só
pintar’. Esse momento, que para nós estrondou como um trovão anunciando a
chegada de forte chuva, nos afetou de uma maneira que pensássemos sobre nosso
propósito enquanto arte educadores. Intuito que transita também em mediar os
caminhos que a arte faz atravessando temas e pautas que muitas vezes carecem de
problematização. Intenção de ser locutores de causas, seja nas quais nos
identificamos enquanto cidadãos, quanto nas que a arte atravessa por ser

214
interdisciplinar e problematizadora. Principalmente, oferecer espaços de voz e de
escuta para quem já tem voz, mas que muitas vezes não é incentivado a manifestála.
Nosso propósito teve como base o conceito de micropolítica e, uma maneira de
agenciá-lo em sala de aula foi por meio de imagens. Schneider (2014, p. 24) propõe
pensarmos a educação por meio das potências do menor, das micropolíticas, ou seja,
uma educação que “acontece todos os dias, toda vez que se subverte os modos
instituídos de fazer, toda vez que se procura experimentar, em vez de instruir”.
O campo de atuação docente, na perspectiva da educação menor é engendrado
por afetos, singularidades, possibilidades, pequenos atos de resistência e linhas que
bifurcam, entrelaçam e bordam experiências possíveis de relações. Em suas palavras,
Schneider (2014) nos revela que

Uma educação menor não é menor em tamanho, nem menos do


que uma suposta educação maior. Este menor está
potencializado pelas forças de uma microevolução educacional.
É menor, pois se trata de um modo de operar dissidente de uma
suposta educação maior. É menor, pois não se interessa pelos
grandes movimentos, pelas grandes mudanças. Trata-se de
agenciamentos cotidianos, de microgestos, de um nível capilar
de operação. Ela é primordialmente ação do cotidiano, desenha
dentro de uma escola, uma sala de aula, uma turma. Ela é antes
de tudo, uma ação singular que se inscreve em determinado
contexto (SCHNEIDER, 2014, p. 13).

Por meio disso, ao usarmos a metáfora sobre a fala desse aluno que ecoou
como um trovão anunciando chuva, pensamos a micropolítica como gotas de chuva
que germinam sementes não somente nesses/as alunos/as, mas também em nós,
professores. Sementes as quais, nos inquietaram e reformularam sentidos para
refletirmos sobre a arte enquanto agenciadora de problematizações sobre assuntos
que estão a margem, e como ela se manifesta nos espaços diversificados e múltiplos
da sociedade.
Tais deslocamentos, movimentações e fluxos nos diálogos, nos debates e nas
exposições, gerou certo atrito até mesmo com determinados pressupostos ‘do que é

215
arte’. Pressupostos que ainda giram em torno de que a arte é um ‘passa-tempo’ ou
‘mais uma disciplina’. Entretanto, compreendemos que a arte não se limita em
pretextos, mas ramifica possibilidades, sugestões e convites a reformular/repensar.
Dessa forma, por acreditarmos em sua potência transformadora, reforçamos tal
pensamento objetivando plantar essas sementes com o intuito de germinar no solo do
ensino de arte.
Quando pensamos a micropolítica junto às experimentações de imagens, junto
com os estudantes, lançamos problematizações, e a partir delas traçamos relações
com o cotidiano e aproximações com as realidades desses/as alunos/as. Barbosa
(2010) a partir de Franz (2008) nos dispara a pensar tal prática de experimentação de
imagens em uma perspectiva da educação para a compreensão:

A educação para a compreensão tem como uma de suas


principais preocupações partir da realidade pessoal, social e
cultural de quem aprende. [...] e, em contrapartida, que
aprendam a usar os novos conhecimentos para melhorar seu
mundo individual e social (FRANZ, 2008, p. 141 apud
BARBOSA, 2010, p. 153).

Ou seja, nossa preocupação não era somente em possibilitar as experiências


com imagens, mas antes de tudo, que a escolha desses artistas juntamente com
temáticas dos seus trabalhos fossem entrelaçadas com as vivências dos estudantes
produzindo aproximações, não distanciando-se delas.

Materializando vivências e tateando futuros possíveis junto aos estudantes

Quando nos propomos a planejar uma aula pautada em minorias com o intuito
de questionar ‘qual é o seu grito?’ nos voltamos aos nossos próprios gritos enquanto
professores que se identificam como parte de grupos minoritários. Sendo assim, essa
interlocução acontece reciprocamente. Sabendo disso, o ensino de arte não se limita
somente a falar de períodos/movimentos e artistas, mas se faz necessário atravessar
assuntos que ‘gritam’ para serem discutidos, pois, a história da arte foi e é construída

216
mediando temas artísticos com acontecimentos globais, como política, ativismos,
problematizações, lutas por causas dos menos favorecidos. A arte é inclusive, alicerce
para que tais assuntos estejam à visibilidade para que não sejam esquecidos e/ou
deslegitimados.
Barbosa aponta que “o professor, especialmente aquele que procura
estabelecer relações entre as diversas áreas do conhecimento ao interpretar uma obra
de arte ou outra imagem da cultura visual, consequentemente irá ensinar a
problematizar um ‘tópico gerador’” (BARBOSA, 2010, p. 157), ou seja, o uso das
imagens possibilita reflexões e compreensões aos estudantes para além de sua
visualidade e técnica. O contexto histórico e social de determinada obra ou
determinado/a artista, deve ser uma das pautas abordadas durante a aula.
Essa sinalização sobre o percurso que o/a professor/a de arte faz entre
diferentes áreas, permite-nos um diálogo com Franz a partir de Barbosa.

Olhar as pinturas [os objetos artísticos/ as imagens da cultura


visual] como representações sociais, e não puramente estéticas,
é o que nos permite entendê-las em vários âmbitos de
compreensão que transpassam disciplinas como a História
(social e cultural), a Antropologia, a Estética, a Pedagogia e a
biografia dos indivíduos (FRANZ, 2003, p. 139-40 apud
BARBOSA, 2010, p. 157).

Não é falar somente sobre o/a artista negro/a, LGBTQ, mulher, indígena, é
também ter o cuidado de incluir contextualizações do que esses indivíduos passaram
e ainda passam historicamente, socialmente, educacionalmente e biograficamente. O
percurso escolhido por nós enquanto estagiários, mas antes desse posto, também
estudantes, teve um reflexo nas produções artísticas que propomos a partir da técnica
de colagem. A proposta de criação lançada aos estudantes, aconteceu por meio de
exemplificações de artistas que trabalham com a técnica e da orientação de que essa
prática fosse permeada pelos debates, reflexões e aprendizados disparados por meio
da temática ‘qual o seu grito?’ fomentada no decorrer das aulas a partir de artistas
como Rosana Paulino, Coletivo Kókir, Matheusa Passareli, José Leonilson, Elisa

217
Riemer, Keith Haring, Jean Basquiat e HULA. A seguir apresentamos algumas dessas
produções desenvolvidas pelos estudantes.

Figura 1. Produção com técnica de colagem realizada pelo mesmo aluno que disse “e

eu pensei que arte era só pintar”.

Fonte: acervo pessoal.

Entre as falas desses estudantes que se propuseram a comentar sobre seu


processo de criação, percebemos um reverberar do que abordamos como pautas e
exemplos de artistas que trabalham com as mesmas. O assédio moral e sexual, a falta
de representatividade, o preconceito, a feminilidade e masculinidade, minorias e saúde
mental foram notáveis nessas produções que entendemos como a micropolítica
atuando de maneira individual e coletiva.

Figura 2. Produção de uma das estudantes com técnica de colagem.

218
Fonte: acervo pessoal.

O principal momento a ser observado, são as singularidades que se contemplaram


como multiplicidade durante a presente regência. Na micropolítica, como bem nos
aponta Schneider (2014), é abordado o conceito de ramificação como modo de
resistência no contexto educativo. Falar de um assunto que está à margem da
sociedade, é produzir uma literatura de beira, enunciando assim um gesto político.
Quando o sujeito fala de categorias universais, segundo a autora, ele está falando
sobre processos múltiplos que acolhem outros modos de vidas.

Ele não fala por si, mas a partir de uma singularidade composta pelas
multiplicidades de um contexto, de uma situação, a partir de uma
comunidade e suas circunstâncias. O sujeito desta enunciação não é
só ele, é vários, é um bando e por isso aquilo que escreve e diz – ou
propõe como matéria de ensino – assume um valor coletivo
(SCHNEIDER, 2014, p. 33).

219
Figura 3. Produção de um dos estudantes com técnica de colagem.

Fonte: acervo pessoal.


Figura 4. Produção de uma das estudantes com técnica de colagem.

220
Fonte: acervo pessoal.
221
Esse momento que tivemos com os/as alunos/as, voltado para falar sobre suas
produções, foi oportuno também para experienciar a produção de sentidos a partir das
colagens produzidas, pensando junto com a turma, focos de potência nesses
trabalhos. Após termos feito essa experimentação problematizadora de imagens a
partir de trabalhos de outros artistas, reservamos um tempo para uma experimentação
similar a partir das produções dos estudantes. Esse momento foi de grandes reflexões
sobre o contexto social de cada estudante possibilitando que eles se enxergassem
também como artistas e, sobretudo, como produtores de poder, fazendo emergir entre
as discussões suas identidades e culturas.

A quem a arte fala?

A arte é somente branca? A arte é heteronormativa? A arte é colonizada? A arte


é eurocêntrica? Quem produz? Quem consome? Ou está entre as relações? Por que
se produz arte? Todo fazer é arte? Arte é somente o que está nos museus? Quais
espaços a arte ocupa? Quais espaços a arte deve ocupar? Arte só é o belo? O que é
belo? Arte é institucionalizada? O público é arte? A arte tem algo a dizer? A arte tem
algo a gritar? Como se grita por meio da arte? Por que se grita por meio da arte? Quem
grita por meio da arte? Você ouve? Visualiza? Sente?
A partir dessa experiência de estágio com alunos/as de ensino médio da rede
pública, percebemos que o ensino de arte acontece mais por perguntas do que por
respostas já formuladas. A cada ida a escola, a cada respiro com os estudantes,
conhecendo aos poucos, nos aproximando de suas vivências e identidades, nos
deparamos com momentos que nos fizeram elencar esses questionamentos
mencionados no parágrafo anterior para que pudéssemos conversar e problematizar
nossos modos de existência, com a arte. Ou seja, um momento de pensar a
multiplicidade de culturas que coexistem e a possibilidade de visualizar suas
potencialidades, fazendo disso um grito de suas identidades.

222
Nosso objetivo enquanto professores regentes, mas sempre tendo a
consciência que também estamos na posição de estudantes, foi de aproveitar o tempo
máximo que teríamos com os/as alunos/as para aproximar a arte de suas vidas, assim
como acontece conosco durante a graduação. Certa vez, na disciplina de Escultura II,
ouvimos da nossa professora Dra. Sheilla Souza uma frase que dizia assim: “a arte é
um espelho, e o/a professor/a de arte é quem o desembaça”. Assim, procuramos fazer
esse movimento de aproximação e compreensão da arte de modo a dialogarem com
suas vivências cotidianas.
Apresentar a esses estudantes as possibilidades que a arte nos permite, é também
um momento para identificarmos as possibilidades que o/a arte educador/a tem
enquanto mediador de conhecimento. Conhecimento que não cabe somente nos
livros, não cabe somente em imagens. Conhecimento que cabe na vida de cada
estudante, que tantas vezes é podado e até mesmo inexplorado fora da escola - até
mesmo dentro dela. Não fomos nós que oferecemos aos estudantes a oportunidade
de gritar, foram eles que possibilitaram para nós a oportunidade de levar temas, pautas
e exemplos que a partir de ‘gritos’, ecoaram como um trovão anunciando chuva. Chuva
de conhecimento, chuva de companheirismo, de resistência e de acolhimento. Chuva
que fez germinar produções de sentidos junto a um coletivo. Cabe pontuarmos, por
fim, que há duas perspectivas teóricas percorrendo o texto: a teoria crítica relacionada
às identidades, representatividades, multiculturalismo e lugar de fala, e a pós-crítica
que caminha nas questões da diferença enquanto multiplicidade e potência
micropolítica que pode atravessar as nossas movimentações cotidianas. Embora elas
se distanciem uma da outra, nós optamos em trazer as potências de cada uma para
pensar as urgências que se colocaram no estágio e na escrita deste artigo.

Referências

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.

223
BARBOSA, Maria Helena Rosa. Leitura de imagens e o ensino da arte: considerações
em educação não formal - em museus. In: SEMINÁRIO LEITURA DE IMAGENS PARA
A EDUCAÇÃO, MULTIPLAS MÍDIAS, 3 ed. 2010, Anais...
Florianópolis [s. n.], 2010. p. 146-164. Disponível em:
<http://artenaescola.org.br/uploads/arquivos/Leitura%20de%20imagens%20e%20o%
20ensino%20da%20arte_Maria%20Helena%20Rossi.pdf> Acesso em: 20 jun. de
2018.

KODAMA, Katia Maria Roberto de Oliveira; SILVA, Ana Carolina de Souza Silva.
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<http://www.unoeste.br/site/enepe/2012/suplementos/area/Humanarum/Linguistica,
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%20CULTURAS%20POPULARES%20NO%20ENSI%20NO%20DE%20ARTE%20U
MA%20PROPOSTA%20DE%20%20EDUCAÇÃO%20PARA%20PROMOVER%20O
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MAIO, Eliane Rose. Imbricações entre relações de respeito e identidade. In: TERUYA,
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Maringá: Eduem, 2016.

MARTINS, Celeste Martins. (Org). Didática do ensino de arte: a língua do mundo.


Poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando,


2017.

SCHNEIDER, Daniela da Cruz. Micropolítica e pedagogia menor: desdobramentos


conceituais para se pensar a educação pelas vias da experimentação. Revista
Travessias, v. 8, n. 2, p. 28-41, 2014. Disponível em:
<http://erevista.unioeste.br/index.php/travessias/article/view/8653/7812>. Acesso em:
28 mai. 2018.

224
UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR: EDUCAÇÃO AMBIENTAL, OS
PLÁSTICOS, AS ARTES E A METODOLOGIA TRIANGULAR

Claudiane Chefer (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ)


Danilo Ricardo Rosa de Sá (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ)
Hugo Shigueo Tanaka Santos (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ)
Marcos César Danhoni (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ)
André Luís de Oliveira (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ)
clauchefer@hotmail.com

Resumo
A partir da urgente mudança no cenário educacional, principalmente o que se refere à
promoção de uma Educação Ambiental integrada, participativa, crítica e reflexiva
diante a necessidade de pensar e repensar a problemática do plástico, nós
pósgraduandos do Programa de pós-graduação em Educação para a Ciência e a
Matemática da Universidade Estadual de Maringá, participantes da disciplina Artes e
Ciências e seus aspectos lúdicos, elaboramos e apresentamos uma proposta de
ensino no contexto interdisciplinar envolvendo os diálogos entre artes e as ciência, a
partir de uma adaptação da abordagem triangular de Ana Mae Barbosa. Esta proposta
compreende os processos do Apreciar, Contextualizar, Praticar e avaliar, tendo como
base para as intervenções pedagógicas as produções artísticas do artista maringaense
Paolo Ridolf, dos preceitos de educação cientifica e ambiental bem como a
problemática dos resíduos sólidos.
Palavras-chave: Artes e Ciências; Abordagem Triangular; Educação Ambiental;
Resíduos Sólidos.

Introdução

A sociedade atual caracterizada por aceleradas mudanças tecnológicas e


científicas tornaram os paradigmas conservadores obsoletos e a atual abordagem que
analisa o mundo em partes independentes se volveu ineficaz (MORAES, 1997). Neste
contexto, torna-se necessária uma transformação de ordem paradigmática, que
propõe aberturas interdisciplinares e inovadoras, perspectivando a articulação de
saberes, a partir de uma nova forma de compreender a relação do Homem com o
conhecimento (CACHAPUZ, 2014).
O ambiente escolar diante as mudanças deste novo cenário, necessita de
estratégias de ensino sistêmicas, visando romper com o conhecimento fragmentado
(WEBER; BEHRENS, 2010). Além disso, devem-se integrar os conteúdos e as
disciplinas possivelmente com a implantação de um ensino que utilize a

225
interdisciplinaridade como uma ferramenta necessária na formação docente,
possibilitando uma visão holística sobre os objetos de análise (SEVERINO, 1989).
Varela (1986) indica que a interdisciplinaridade possui o papel de contribuir na
elaboração de um pensamento que busque novas sínteses, atitudes para renovação
do aprender, onde não há ninguém excluído desta relação, que é dinâmica, todos
interagem e fazem parte deste processo. Historicamente, Barbosa (2010, p. 17)
aponta como “[...] fundamento da interdisciplinaridade a ideia de totalidade,
paulatinamente substituída pela ideia do inter-relacionamento do conhecimento:
interrelacionar as diversas disciplinas para atingir a compreensão orgânica do
conhecimento”.
As Diretrizes Curriculares Estaduais do estado do Paraná (DCEs) direcionadas
ao Ensino de Ciências indicam a interdisciplinaridade ao conceber que:
[...] as disciplinas escolares não são herméticas, fechadas em si, mas,
a partir de suas especialidades, chamam umas às outras e, em
conjunto, ampliam a abordagem dos conteúdos de modo que se
busque, cada vez mais, a totalidade, numa prática pedagógica que
leve em conta as dimensões científica, filosófica e artística do
conhecimento (PARANÁ, 2008, p. 29).

Uma maneira possível de se fazer relações interdisciplinares é aproximar o


“mundo da verdade” do “mundo da emoção e da beleza”, ou seja, das ciências e das
artes, tornando-as elementos necessários para estabelecer uma relação estratégica
com o conhecimento na esteira de um paradigma inovador que contrarie e vá mais
além da segmentação e hierarquização dos saberes que o Positivismo legitimou
(CACHAPUZ, 2014).
O presente trabalho tem por objetivo a proposição de atividades pedagógicas
no contexto interdisciplinar envolvendo os diálogos entre artes e ciência, a partir de
uma adaptação da abordagem triangular de Ana Mae Barbosa (1998), a fim de integrar
e relacionar preceitos da Educação Ambiental principalmente ao que tange a temática
de resíduos sólidos às produções do artista maringaense Paolo Ridolf. As atividades
indicadas foram desenvolvidas no âmbito de uma proposta de projeto interdisciplinar
maior, como forma de avaliação na disciplina de Artes e Ciências: diálogos
interdisciplinares, oferecida para cumprimentos de créditos do programa de

226
PósGraduação em educação para a Ciência e a Matemática da Universidade Estadual
de Maringá.

Desenvolvimento

A proposta de ensino é indicada, aos anos finais do Ensino Fundamental nas


disciplinas de Artes e Ciências e para o Ensino Médio nas disciplinas de Artes e das
áreas das ciências, sendo elas: Biologia, Química, Física e Matemática. Antes de
discorrer sobre a proposta faz-se necessário à revisão de alguns termos importantes
a cerca dos conceitos envolvidos na Educação Ambiental e na temática dos plásticos.
A Educação Ambiental (EA) pode ser entendida em duas vertentes, uma mais
clássica e naturalista se restringindo ao trabalho com assuntos relacionados à
natureza como: lixo, preservação, paisagens naturais, animais, etc. e a mais atual que
procura adotar um caráter mais realista, que segundo Adams (2005) está embasada
na busca pelo equilíbrio entre o ser humano e o ambiente. Assim, a EA é uma
ferramenta de educação para o desenvolvimento sustentável, que se faz necessária
por alimentar a reponsabilidade diante a formação de valores ambientais (DIAS; LEAL;
CARPI JUNIOR, 2016). Diante disso as DCEs indicam que a EA: “[...] deve adotar uma
abordagem que considere a interface entre a natureza, o sociocultural, a produção, o trabalho,
o consumo, superando a visão despolitizada, acrítica, ingênua e naturalista ainda muito
presente na prática pedagógica das instituições de ensino” (PARANÁ, 2008, p. 2).

Uma das temáticas ambientais mais difundidas que assombram o


desenvolvimento sustentável são os resíduos sólidos conhecidos popularmente como
lixo. De acordo com Monteiro (2001), a Associação Brasileira de Normas Técnicas
considera lixo como os restos dispensáveis, ou indesejáveis que são provenientes das
práticas de produção/utilização do Homem e que podem estar no estado sólido,
semissólido ou líquido.
Dentre os resíduos sólidos, os plásticos assolam as discussões mais atuais
sobre as problemáticas ambientais. Estes são materiais sintéticos formados pela união
de grandes cadeias moleculares de polímeros1. Dividem-se de acordo com as suas

1
Do grego, poli, que significa muitas, e mero, significa partes, são macromoléculas formadas
a partir de unidades estruturais menores chamadas monômeros.
227
características de fusão ou derretimento em termoplásticos, que amolecem ao serem
aquecidos e endurecem quanto resfriados, podendo ser moldados, esse processo
pode ser repetido várias vezes e correspondem por 80% dos plásticos consumidos, e
termorrígidos ou termofixos, não derretem quando aquecidos, o que impossibilita a
sua reutilização através dos processos convencionais de reciclagem (MATTOS;
PERES, 2010).
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) (2018) são
necessários pelo menos 450 anos para que uma garrafa de plástico se decomponha
e desapareça do meio ambiente. Levando-se em conta que a taxa média global de
reciclagem desses produtos é de 25%, isso significa um volume enorme de lixo plástico
descartado nos oceanos prejudicando 600 espécies marinhas, das quais 15% estão
ameaçadas de extinção. Porém, a poluição plástica atinge a todos: 90% da água
engarrafada contêm fragmentos de plásticos que vieram do descarte inadequado no
meio ambiente. A poluição plástica é considerada uma das principais causas atuais de
danos ao ambiente e à saúde e por isso foi escolhida pelo ONU como tema do Dia
Mundial do Meio Ambiente de 2018.
Sabe-se que a problemática dos resíduos sólidos, geralmente se configura na
escola como uma forma de educação reciclada, onde pouco se fala sobre o consumo,
sobre todos os “Rs” (reciclar, reduzir, reutilizar, recusar e repensar), os aspectos
sociais, culturais e políticos, dando espaço a falta de conscientização efetiva e a não
(re)construção do cidadão ético, reflexivo e participativo. Portilho
(1995) sinaliza que, diante desse panorama, desenvolve-se uma “deseducação”
ambiental, principalmente nas práticas voltadas para a questão dos plásticos, os
educadores incentivam o consumo de recicláveis e estimulam o uso de descartáveis,
ignorando os outros Rs.
Diante a problemática do plástico, a presente proposta foi desenvolvida a fim
de promover diálogos interdisciplinares entre artes e ciências, ao que tange os
preceitos que norteiam a EA e a Proposta Triangular para o ensino de artes. Esta
ultima, se configura como uma adaptação da abordagem original proposta pela
pioneira em arte-educação Ana Mae Barbosa onde a sugerimos como uma base
teórico-metodológica para nortear as ações e as atividades.

228
A proposta triangular desenvolvida por Ana Mae Barbosa (1998) foi
originalmente sistematizada para o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP,
hoje se configura como uma das principais referências do ensino da arte no Brasil,
essa abordagem procura englobar simultaneamente múltiplas questões de ensino
sendo elas: a análise, interpretação e julgamento da leitura da imagem, objeto ou
campo de sentido da arte (Apreciar), a contextualização (Contextualizar) e a prática
artística (Praticar) (BARROS, 2016).
Barbosa e Cunha (2010) propõe que a proposta da Abordagem Triangular seja
percebida como um “zigue-zague”, que perpassa pelo fazer-
contextualizarvercontextualizar. Construindo essa nova imagem que, no ir e vir retorna
ao contextualizar e assim por diante. Segundo Silva e Lampert (2016), deste modo, a
potência da proposta triangular está então, na relação entre os três vértices do
triangulo, que permitem uma reordenação da prática docente, não devendo tomar a
abordagem como um passo a passo, que de acordo com a própria Barbosa (2010, p.
10) “[...] trata-se de uma abordagem flexível. Exige mudanças frente ao contexto e
enfatiza o contexto”.
Nos próximos tópicos buscamos sistematizar a nossa adaptação da Proposta
Triangular, que compreende os processos do Apreciar, Contextualizar, Praticar e
avaliação, dialogando com a problemática do plástico e o ensino das ciências. Vale
salientar que a ordem exposta do processo não é obrigatória, podendo ser intercalada,
linear ou simultânea, a imagem do triângulo permite aos professores/as escolherem
em qual das pontas pretende iniciar seus trabalhos (Figura 01).

Figura 01. Proposta Triangular.

229
Fonte: (adaptação da/os autora/es).
a) Apreciar
O processo de Apreciar, na abordagem de Ana Mae Barbosa e em nossa
adaptação, configura-se como uma educação do olhar, o/a Professor/a é mediador
das leituras de imagens, deve partir de problematizações e/ou questionamentos
instigando a visão, provocar uma reflexão, estimular e respeitar as interpretações,
julgamentos e a autonomia dos/as alunos/as.
Nossa adaptação dá-se na transposição do processo de apreciação para as
disciplinas de artes e das ciências integradas, onde o/a Professor/a, ou os/as
Professores/as em conjunto, podem escolher algum artista, movimento artístico, ou
obras de arte para problematizar e provocar a reflexão dos estudantes em relação à
temática do plástico. O artista indicado para esse processo é o Maringaense Paolo
Ridolfi, que possui obras relacionadas e produzidas a partir da problemática ambiental
do plástico (Figura 02).

230
Figura 02. Adaptação do Apreciar a partir das obras de Paolo Ridolfi.
Fonte:
(adaptação
da/os
autora/es).
A
forma de
expor e quais
as obras para
a apreciação
dos
estudantes
APRECIAR que serão
escolhidas,
fica a critério do/a/s docentes. Paolo Ridolfi é um artista plástico de Arte
Contemporânea, nasceu em 1962, na cidade de Maringá, Paraná, onde ainda vive e
trabalha, dentre suas obras destacamos a sequência de quadros intitulados
“canudinhos” (Figura 03a) e a coleção “Natureza Morta” (Figura 03b).
A partir da apreciação das obras de Ridolfi, sugerimos discussões e
questionamentos acerca da problemática do plástico, desde a análise das
representações do polímero pintadas pelo artista, ao contraponto ambiental causado
pelas embalagens plásticas e as frutas que estão presentes nas telas.

Figura 03: Obras de Paolo Ridolfi, a) Imagem de uma obra da sequência


“Canudinhos”; b) Três obras sob a perspectiva de “Natureza morta”.

a) b)

Fonte: a) http://www.paoloridolfi.com/obras, b)

231
https://www.instagram.com/p/BXvb6upAFln/?taken-by=paoloridolfi.
b) Contextualizar

No processo de contextualização, na abordagem original e em nossa


adaptação, encontra-se a possibilidade de questionamentos, reflexão e da análise de
obras de arte em sala de aula. A diferença encontra-se novamente, na transposição
dessa análise para as disciplinas de artes e das ciências, relacionando o processo de
apreciar das obras de Ridolfi com a temática ambiental do plástico, o ambiente
sociocultural e com os conteúdos pertinentes de cada área do conhecimento (Figura
04), buscando em conjunto a interdisciplinaridade.
Silva e Lampert (2016) indagam que o Contextualizar possibilita o
desenvolvimento crítico, reflexivo e dialógico do estudante em uma dinâmica, onde o
contexto sociocultural da produção da obra, do artista e dos/as alunos/as pode ser
relacionado. Ou seja, a compreensão da obra é um exercício de “reflexão sobre o olhar
para o contexto em que se vive, e assim, das visões e leituras de mundo” (SILVA;
LAMPERT, 2016, p. 92). Deste modo, essa contextualização não se restringe somente
à História da Arte, ao viver do artista e à construção dos seus processos criativos, mas
demonstra a relação entre arte, vida e tempo, propõe-se que a contextualização
desses aspectos, parta do real, dos lugares e vivências dos quais os/as alunos/as tem
conhecimento.
A contextualização de uma obra de arte, em nossa adaptação, deve aliar e
integrar o contexto escolar e sociocultural dos/as estudantes e da comunidade escolar,
aos conteúdos e conceitos das disciplinas, a biografia do artista, a história da arte, a
estética, e a técnica. Esta ultima, carece de ser esclarecida como um processo de
investigação científica para o desenvolvimento de uma ideia (PRODANOV; FREITAS,
2013).
A contextualização é necessária também para o ler/ver e o fazer, assim a leitura
da imagem (Apreciar) e o fazer artístico (Praticar) também demonstram a importância
e a potencialidade do Contextualizar. Deste modo, a contextualização deve estar
aliada aos outros processos, não se constituindo como um item isolado, mas
interligado e recorrente em toda a abordagem Triangular.

232
Figura 05. Adaptação da contextualização, a partir da apreciação artística,
sociocultural e ambiental da problemática do plástico.

Fonte: (adaptação da/os autora/es).

O professor, os alunos, bem como o artista em suas práticas deve pensar como
um investigador científico, associando a prática criativa e pedagógica com a ação
intelectual (SILVA; LAMPERT, 2016). Neste momento metodologias de investigação
e pesquisa no ensino podem ser uma opção interessante, bem como o uso de vídeos,
reportagens, jogos, outros recursos e atividades. Indicamos como contextualização,
relacionar as obras de Paolo Ridolfi apreciadas, problematizadas e/ou até praticadas,
para contextualizar e recontextualizar com as ciências, conteúdos e preceitos
artísticos, ambientais e socioculturais. Vale lembrar que os/as docentes podem e
devem adaptar essas atividades para o contexto escolar, ambiental, cultural, social e
politico que sua comunidade escolar esta inserida, bem como podem desenvolver
novas propostas para contextualização.
Além de ações expositivas e dialogadas, os/as professores/as podem mediar
atividades de pesquisa e investigação junto aos alunos, sobre a problemática do
plástico, a partir da apreciação e da análise das obras de Paolo Ridolfi. Os tipos e
assuntos de pesquisa podem surgir justamente nas discussões e questionamentos
sobre as obras, cabe aos professores/as ficarem atentos às perguntas que os/as
estudantes fizerem.
233
c) Praticar
O processo de Praticar, na abordagem triangular original, refere-se ao fazer
artístico, busca-se proporcionar uma vivência e experiência prática sobre os conceitos
artísticos abordados durante a leitura e contextualização, tornando o processo de
ensino/aprendizagem completo e expressivo para os/as educandos/as (BENELLI,
2011). Em nossa adaptação, o Praticar envolve todas as atividades e ações que
proporcionem praticas referentes à integração de conceitos e conscientização diante
à problemática dos plásticos, tanto no ambiente escolar quanto externo. Para isso,
indicamos propostas de releituras de obras do Paolo Ridolfi com o uso de materiais
plásticos coletados na escola, bem como na comunidade. Ana Mae Barbosa (2010),
indaga que nesse momento é necessário estimular o fazer artístico, trabalhando a
releitura, não como cópia ou representação fiel, mas, como interpretação,
transformação e criação, a obra observada é suporte interpretativo e não modelo para
os/as alunos/as copiarem.
Um exemplo de atividade de releitura seria uma adaptação da sequencia de
obras intituladas “Palitinhos” de Paolo Ridolfi, em uma sequencia agora chamada de
“Canudinhos” (Figura 04). Os/as estudantes podem desenvolver essa releitura, a fim
de praticar e integrar os conceitos e conteúdos para promover uma conscientização,
reflexão e repensar a respeito do consumo, uso e descarte desses canudinhos
plásticos e contextualizar com os riscos, implicações e problemas sociais e ambientais
que esses materiais podem gerar no ambiente, bem como traçar e indicar ações,
soluções e politicas para esse problema. Outros exemplos de recriações podem ser
desenvolvidos, como atividades de fotografia, de colagens, desenhos e esculturas, a
partir da sequência de obras “Natureza Morta” de Ridolfi, deste modo pode solicitar
aos alunos/as que elaborem releituras com as embalagens que foram coletadas.
Recomendamos que todas essas produções sejam organizadas ao final do
projeto em uma mostra ou exposição socioambiental interdisciplinar que envolva toda
a comunidade escolar, incumbindo funções para todos, inclusive para os agentes
educacionais que muitas vezes são excluídos de projetos escolares, podendo até
atingir a comunidade externa. Figura 04. Proposta de releitura da obra “Palitinhos” de
Paolo Ridolfi em “Canudinhos” e suas problemáticas.

234
Fonte: (Colagem da/os autora/es).
As produções e suas apresentações devem estar aliadas e construídas de
acordo com a proposta da temática, os objetivos do projeto, bem como à proposta
pedagógica da escola. As experiências anteriores e a realidade do ambiente escolar,
também devem ser levadas em conta, para refletir sobre os cuidados e precauções
que se precisa tomar. Deve-se ter uma organização e planejamento, já que esse
momento, como todos os outros, faz parte de um processo de aprendizado.
As produções podem ser artísticas, musicais, culturais, cientificas etc. Com o
uso dos plásticos coletados, vídeos e fotografias advindos das visitas e saídas de
campo. Lembrando que novamente que as atividades não se limitam aos professores
de cada área, a intenção é o envolvimento e desenvolvimento dessas produções em
conjunto, da forma mais integrativa possível, sempre buscando aliar também os
preceitos sociais e ambientais da temática do plástico. As produções podem ser
desenvolvidas e apresentadas de acordo com a disponibilidade de locais, espaço,
tempo, materiais e recursos cabem aos professores/as se organizarem e mediarem e
orientarem os/as estudantes.
Para o encerramento, (porém não das ações de conscientização, elas devem
fazer parte do dia-a-dia da comunidade escolar), propõe-se, a elaboração de uma
mostra ou exposição socioambiental interdisciplinar de todas as atividades,
produções, bem como ações desenvolvidas durante todo o processo. Deve-se
planejar e organizar a mostra, quanto ao espaço em que será realizada, horário,
disponibilidade, tempo, quais atividades, produções e apresentações serão expostas,
quais recursos e custos para montagem da exposição, distribuição de funções, o
235
publico alvo, se abrangerá a comunidade escolar ou a externa também, etc. d)
Avaliação
A avaliação é uma tarefa repleta de contradições e estigmas que, direta ou
indiretamente, influenciam o processo de aprendizagem em todos os níveis de ensino
(GRIZENDI; SILVA; FERREIRA, 2008). Confiamos então que o princípio e objetivo
maior do ato de avaliar o desempenho dos/as estudantes deve-se dar no decorrer de
todo o projeto e necessita ser feito partindo de pressupostos não punitivos, que
avaliam além do aprendizado o processo, a participação e a interação dos/das
alunos/as, além da analise no decorrer das ações e atividades propostas, no que tange
a qualidade, participação, colaboração, produção e apresentação desses alunos/as
nas atividades (apreciar, contextualizar, praticar), ações, práticas, relatórios, bem
como na mostra ou exposição final.
A aprendizagem deve ser avaliada quanto à integração entre os diferentes
conteúdos e disciplinas em respeito da problemática do plástico e mais do que
conceitos. Segundo Hoffmann (1991) deve-se analisar o desenvolvimento dos/as
alunos/as quanto ao pensar, refletir, conscientizar e provocar ações e mudanças de
atitude na pratica escolar e cidadã, partindo do pressuposto que uma prática educativa
baseada em atividades interdisciplinares pode promover e construir um aprendizado
contínuo, onde o processo é tão importante quando o resultado final.

Considerações finais

Diante a proposta de atividades que buscam descontruir para (re)construir um


ensino integrado entre os preceitos artes-educação e ciências, elaboramos a proposta
de ensino interdisciplinar, a partir da necessidade de urgente mudança no cenário
educacional, principalmente o que se refere à promoção de uma Educação Ambiental
integrada, participativa, crítica e reflexiva que urge a precisão de pensar e repensar a
problemática do plástico.
Cabe deixar claro que este não se propõe a ser um roteiro rígido, mas sim um
guia ou um norte para a comunidade escolar se organizar com liberdade, autonomia,
adaptabilidade e flexibilidade a realidade sociocultural em que sua instituição
educacional está inserida. Buscamos também com essa proposta, além da

236
conscientização, promover a integração dos conteúdos e da comunidade que vive e
trabalha na escola, buscando a interdisciplinaridade como eixo norteador para uma
educação crítica, responsável e cidadã, que se preocupa com sua casa planetária.
Morin et al. (2003) chama a era em que vivemos de “Era planetária” já que une e afeta
o planeta como um todo, e tem como principal objetivo educar para o nascimento de
uma sociedade-mundo, uma sociedade que entende o mundo como casa e a
civilização como nação.
Deste modo, cada professor/a, ou em conjunto com outros/as professores/as
e/ou com outros integrantes da comunidade escolar, pode adaptar livremente as
atividades e ações de acordo com seus objetivos de ensino, tempo, espaço,
disponibilidade de recursos, realidade escolar, quantidade de participantes, conteúdos
e políticas. Já que estamos diante mudanças para um novo cenário, a escola mais do
que nunca, necessita de estratégias de ensino inovadoras, visando romper com o
conhecimento fragmentado.

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2010.

239
VIVÊNCIAS E REFLEXÕES NOS PRIMEIROS PASSOS DOCENTES NO ESPAÇO
ESCOLAR

Alexia Amanda Doro (UEM)


Jacqueline Amadio de Abreu (UEM)
Eloísa Amália Silva (UEM)
lekadoro@hotmail.com

Resumo: Após cursar a disciplina Estágio Supervisionado em Artes Visuais l no ensino


formal e não formal da educação infantil, esse artigo traz relatos e reflexões a respeito
das vivências docentes em arte no estágio supervisionado a fim de refletir sobre a
experiência de docência em arte nos contextos formal e não formal. Aqui então é
espaço de discutir o que propõe as tecituras educativas, o que foi produzido e
inventado nesse primeiro contato com experiências educativas, como foi a atuação e
as experimentações como docentes, quais possibilidades foram produzidas para a
educação nas artes visuais em meio as experiências de estágio.
Palavras-chave: Arte e educação. Teoria e prática. Estágio supervisionado.

Introdução

O Estágio Supervisionado em Artes Visuais I é a primeira disciplina de estágio


do curso com sua atuação primeiramente, na educação infantil. Essa disciplina permite
vivenciar a teoria na prática da educação em arte, proporciona a experiência de ser
aluno e docente, pede uma reflexão dessa ação docente enquanto estudante de artes
visuais, a relação professor-artista, o olhar crítico de docente pesquisador. Assim
sendo, temos como foco relatos e reflexões a respeito das vivências do processo de
ensino e aprendizagem em arte no estágio supervisionado cujo direcionamento busca
atender como as vivências e experiências docentes no estágio refletem sobre o
processo de ensino e aprendizagem em arte nos contextos formal e informal. Portanto,
buscamos relatar as vivências do Estágio Supervisionado em Artes Visuais a partir da
ação docente a fim de refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem em arte no
estágio supervisionado. Para tanto, temos como referencial teórico Marilda Oliveira de
Oliveira (2005), Philippe Perrenoud (1999), Susana Rangel Vieira da Cunha (1999),
Jociele Lampert (2005) e Ana Paula do Carmo Marcheti Ferraz e Renato Vairo Belhot
(2010).

240
A organização se dá da seguinte forma:
Na primeira seção, “Considerações sobre o estágio em Artes Visuais”, nós tratamos
de explicar o que é o estágio em Artes Visuais, as considerações sobre teoria e prática
e sobre a ação docente tendo como base os autores Oliveira (2005) e Perrenoud
(1999).
Na segunda seção, “Relatos de experiência durante o estágio”, nos dedicamos a
relatar as vivências do estágio, as observações e a intervenções nos contextos formal
e informal. Assim, dividimos essa seção em dois subtítulos para tratar de ambos os
contextos separadamente. Além dos relatos trazemos Cunha (1999).
Na terceira seção, “Experiências que se entrelaçam no caminho docente buscamos”,
refletir a respeito dos relatos descritos na seção anterior e sua relevância no caminhar
docente, costurando a experiência vivida com as teorias refletidas e em como isso atua
em nossa docência. Para tanto usamos os autores Lampert (2005), Oliveira (2005) e
Ferraz e Belhot (2010).

Considerações sobre o estágio em Artes Visuais

Em primeira instância abordamos as considerações a ser feitas sobre o estágio


em Artes Visuais, a relação teoria e prática e a ação docente.
O estágio, diferente do que costumamos ouvir, segundo a autora Oliveira
(2005), engloba tanto a prática quanto a teoria e não apenas a prática. “É preciso
encará-lo com uma atividade investigativa, atitude esta que envolva reflexão, assumilo
como uma intervenção no espaço de atuação – a escola” (OLIVEIRA, 2005, p. 61). É
um momento para se fazer reflexões, críticas e observação sem o envolvimento que
geralmente os professores têm, pois ainda não estão completamente integrados à
escola:

É fundamental pelo fato de propiciar ao aluno um momento específico


de aprendizagem, de reflexão com sua prática profissional. Possibilita
uma visão crítica da dinâmica das relações existentes no campo
institucional, enquanto processo efervescente, criativo e real
(OLIVEIRA, 2005, p. 64).
241
Os textos lidos durante o curso, a teoria, são os que darão base para a prática
da docência e são necessários para proporcionar aos alunos atividades com contexto
e embasamento necessários para a formação e enriquecimento não apenas do
estudante, mas dos próprios estagiários.

Esta é a função da teoria: ilustrar, iluminar, embasar nossas ações,


deixar-nos mais confiantes a respeito da nossa prática. Oferecer-nos
esquemas mentais para melhor compreendermos nossos atos
pedagógicos (OLIVEIRA, 2005, p. 61).

Além disso, a pertinência de uma aula também é um ponto relevante para


discussão. Perrenoud (1999) nos chama atenção para as situações-problema a serem
trabalhadas em sala de aula:

Uma situação-problema não é uma situação didática qualquer, pois deve


colocar o aprendiz diante de uma série de decisões a serem tomadas
pata alcançar um objetivo que ele mesmo escolheu ou que lhe foi
proposto e até traçado (PERRENOUD, 1999, p. 59).

O autor destaca que o professor não deve ficar preso às listas de exercícios ou
aos planos de aula dados.

Embora se possa dar tarefas tradicionais aos alunos com um simples


‘Tomem o seu livro e façam o exercício no. 54 à página 19’, não é
possível lançar um processo em torno de uma situação-problema de
maneira tão unilateral, autoritária e econômica (PERRENOUD, 1999, p
61).

Em outras palavras, a fuga do tradicional, levando em conta a relevância,


pertinência e o interesse (dentre outras características) que uma aula pode ter, é de
vital importância para um ensino de qualidade. Porém, como o próprio autor aponta:

Não se pode esperar de um professor que ele imagine e crie sozinho,


ininterruptamente, situações-problema cada uma mais apaixonante e
pertinente do que as outras. Por isso, seria importante que os editores
dos serviços de didática colocassem à sua disposição idéias de
situações, pistas metodológicas e materiais adequados. Esses meios

242
seriam diferentes dos encontrados nas livrarias especializadas em
material escolar, pois seriam concebidos e realizados por pessoas
norteadas pela abordagem por competências, a qual requer outras
didáticas (PERRENOUD, 1999, p. 62).

Pode-se então perceber que não e qualquer um de pode ser professor, pois a
docência envolve uma autoconstrução, uma identidade docente. “Em termos mais
genéricos, pode-se dizer que identidades organizam significados, enquanto papéis
organizam funções” (Apud. CASTELLS, 1999, p. 23). Dessa forma, “a identidade
docente é uma identidade de significado” (OLIVEIRA, 2005, p. 63).
A construção dessa identidade começa desde o estágio conforme os alunos
atuam na escola e, aos poucos, constroem suas próprias características profissionais
seja com as práticas na escola ou em seu cotidiano e convívio com colegas e
professores.

Na identidade docente estão presentes os conceitos, as relações que o


professor estabelece com sua área de conhecimento, sua leitura de
mundo, sua estética profissional e o valor que dá a sua profissão de
professor e esta identidade é única, intrasferível, não-traduzível
(OLIVEIRA, 2005, p. 63).

E, novamente, toca-se na tecla referente a prática e a teoria e a relevância do


“reservatório de saberes”, conceito elaborado por Gauthier (1998) e apresentado por
Oliveira (2005, p. 65) como sendo “os saberes necessários para o exercício da
docência”. Em outras palavras, trata-se do acervo pessoal do professor. “Um professor
não é competente porque ‘dá uma boa aula’. Ele é competente quando consegue
articular os diferentes saberes e dar significado ao que ensina” (OLIVEIRA, 2005, p.
66).
Diante de tudo que foi apresentado é possível compreender que o estágio em
Artes Visuais não se limita a apenas uma matéria prática. Não basta aplicarmos planos
de aula destituídos de conteúdo. É preciso alinhar a prática à teoria, ter acervo de
conhecimentos, mas também não se limitar a eles. A ousadia, a coragem, as ideias, o
intelectual e o subjetivo são algumas das características que se mostram relevantes
para a formação de um profissional e de sua identidade docente.
243
Relatos de experiência durante o estágio

Tendo apresentado as considerações sobre o que é o estágio, que foi nossa base
antes de ir para a prática, podemos falar sobre a nossa experiência na disciplina. A
disciplina de Estágio Supervisionado em Artes Visuais I aconteceu no quinto período
– terceiro ano do curso de Artes Visuais ministrado pela professora doutora Eloiza
Amália Bergo Sestito Silva pela Universidade Estadual de Maringá e foi dividido em
duas experiências: o estágio formal e o informal.

Estágio formal
No estágio formal fizemos a atuação no ensino infantil na instituição CMEI 1
Recanto do Menor do jardim Alvorada. Lá havia turmas de 2 a 5 anos de idade. Nossa
experiência, que foi em dupla (Jacqueline e Alexia),2 foi com a turma de 3 anos, o 3º
B.
O prédio da instituição é bem antigo (embora um novo prédio está sendo
construído ao lado, bem maior e mais adequado e que será utilizado no ano seguinte
(2019). A sala do 3º B bem espaçosa e quase sem móveis, pois os alunos fazem mais
atividades sentados em círculos. Além disso ainda havia um lugar para pendurar as
mochilas, um armário, um balcão, um espelho, um quadro negro, e a mesa da
professora, tudo isso disposto rente às paredes com o centro livre. Faltam materiais
na escola, mas as professoras fazem o que podem com o que tem. Iniciamos com
observações em sala onde foi possível acompanhar um pouco do cotidiano da nossa
turma. Todas as aulas tinham a presença da professora, da professora auxiliar e da
pedagoga. Quanto aos alunos, eram 25 na turma.
Os alunos tinham uma prática diária programada: após o lanche no refeitório,
eles iam para a sala e sentavam em círculo no chão e então cantavam músicas,

1
CMEI: Centro Municipal de Educação Infantil
2
Evidencio isso aqui, pois em uma intervenção adiante a atuação foi em um grupo maior.
244
conferiam presença e conversavam sobre as atividades do dia. Após isso, eram
encaminhados para alguma atividade preparada pela professora, como atividades
para desenvolver o conhecimento, identificação e nomeação de cores e formas
geométricas. Essas atividades eram geralmente realizadas fora de sala (pátio, parque,
fundos), embora também tinham aulas que a atividade acontecia dentro da sala
mesmo (com brinquedos, brincadeiras e contação de histórias). Quando voltavam para
sala, bebiam água e brincavam mais um pouco e, depois, era hora de ir ao banheiro e
de lavar as mãos para almoçar. Quando o almoço acabava, escovavam os dentes e
voltavam para a sala para dormir. E aqui acabava nossa observação.
As professoras da turma eram profissionais e atenciosas por mas que não seja
um trabalho fácil. Faltam materiais e estruturas na escola. Também percebemos o
quanto é necessário a presença de mais de um profissional dentro da sala, ainda mais
com uma turma de 25 alunos.
Após ter cumprido as observações, montamos nossos dois planos de aula para
as intervenções. Fizemos os planos de acordo com o “currículo da educação infantil e
anos iniciais do ensino fundamental” (2012) pela secretaria de educação da prefeitura
municipal de Maringá, de acordo com as propostas de plano de aula enviadas para o
CMEI, e de acordo com o que observamos em sala de aula.
Para o primeiro plano, tendo em vista os conteúdos trabalhados em sala durante
as observações, escolhemos o conteúdo cores e formas para trabalhar com eles por
meio de brincadeiras. Considerando o universo infantil, inserimos mágica em nossa
intervenção. Foi uma proposta que uniu o conteúdo cores e formas, a temática de
flores, a brincadeira e a proposta do fazer artístico.
Nós organizamos e levamos os alunos para a sala de TV, onde mostramos
fotografias de flores para terem como referência visual e também pinturas de artistas
para observarem as diferentes formas de representa-las. Após isso, apresentamos a
brincadeira da mágica das garrafas em que usamos seis garrafas com as cores
amarelo, laranja, vermelho, azul, rosa e branco (a garrafa continha apenas água limpa,
porém com tinta na tampa, que, ao sem chacoalhada, a cor coloria a água). Foi colado

245
um desenho vazado de flores reais que correspondem às imagens para os alunos
adivinharem e nomearem a forma e a cor de cada uma por meio da brincadeira. Os
alunos deveriam adivinhar qual das flores das imagens na TV é a mesma da forma
vazada colada em uma determinada garrafa. Depois que fizéssemos a mágica
(chacoalhássemos a garrafa) a cor apareceria para saberem se acertaram ou não.
Figura 1: Garrafas após a mágica.

Fonte: arquivo das autoras, 2018.

Após a brincadeira levamos os alunos para a sala afim de realizarem uma


atividade de desenho. Cada um recebeu papel sulfite para que desenhassem a sua
flor, podendo ela ser real ou inventada com as cores que quisessem.
Depois da atividade, levamos os alunos para fora da sala para fazer uma
exposição colando os desenhos em uma árvore no parquinho. Em discussões em sala,
comentamos sobre a importância de se expor os trabalhos artísticos dos alunos para
uma visualização e valorização deles por terceiros e pelos próprios discentes.

Figura 2: Exposição árvore florida.

246
Fonte: arquivo das autoras, 2018.
Nesse plano de aula buscamos trabalhar os conteúdos próprios da série dos alunos
e procuramos fazer uma abordagem que fosse próxima da realidade deles (para um
melhor entendimento do conteúdo), e por isso, a brincadeira com mágica. Também
apresentamos primeiramente uma referência visual da temática para embasar a
brincadeira e a atividade artística proposta. Todos ficaram bem empolgados com a
brincadeira e fizeram a atividade, alguns com mais facilidade e outros com mais
dificuldade, apenas um não realizou. Os desenhos feitos são garatujas, próprias da
idade, e de acordo com Cunha (1999) é importante que se expressem dessa forma,
sem imposição e cobranças de ilustrações.
Na segunda intervenção nosso plano consistiu em, sempre levando em
consideração o que já foi citado, produzir um painel de pintura e colagem a partir da
identificação e nomeação de cores e formas por meio lúdico 3 a fim de fixar a
aprendizagem de identificação do conteúdo e estimular a noção de composição.
Dessa forma, após a roda de canção (atividade de rotina), fizemos uma
dinâmica com uma caixa em que dentro haviam peças de formas geométricas (círculo,
quadrado, retângulo e triângulo) de diferentes tamanhos e diferentes cores (vermelho,
azul e amarelo). Cada aluno tirou da caixa (como uma urna) duas peças. Nesse
momento o aluno tinha que identificar e nomear a cor e a forma que tirou e guardar a
peça para outro momento. Após todos os alunos concluírem esta parte da atividade,

3
Lúdico: Feito através de jogos, brincadeiras, atividades criativas.
247
pintamos as mãos das crianças conforme as cores tiradas. Uma cor para cada mão.
Depois, eles tinham que esfregar uma mão na outra para ver qual cor formava, também
tendo que identificar e nomear a cor que surgisse. Por exemplo, se um aluno tirasse
um círculo vermelho e um quadrado amarelo o resultado da mistura de cores seria
laranja. Com as mãos ainda pintadas, as crianças as carimbaram no painel feito de
papel cartolina. (Ficamos conhecidas como as professoras “cheias de mágicas”).

Figura 3: Carimbos.

Fonte: arquivo das autoras, 2018.

Durante essa primeira etapa as professoras nos ajudaram a organizar e levar


os alunos para lavar as mãos e retornarem para a sala. Então, veio a segunda parte
da atividade: cada aluno pegou as formas que tirou da urna para colar no painel do
carimbo e assim todos participaram de uma colagem coletiva. Incentivamos as
crianças a colar onde gostariam, não importando se cobrisse alguma mãozinha ou não
respeitasse as margens do papel. Ao fim conseguimos uma composição híbrida
coletiva de pintura e colagem e expomos o painel no quadro da sala.

Figura 4: Painel carimbo e colagem.

248
Fonte: arquivo das autoras, 2018.

Essa atividade foi muito legal de ser realizada e os alunos se empolgaram


bastante em mexer com tinta (que nós levamos, pois, o CMEI não tinha).
Essas foram algumas considerações sobre o espaço físico, a dinâmica da turma
e os relatos e descrições das observações e intervenções.

Estágio informal
Após a conclusão do estágio no contexto formal, vivenciamos o contexto
informal. A escola em que atuamos foi o Lar Escola da Criança de Maringá, instituição
que tem o objetivo de desenvolver uma linha de atuação que possibilita a integração
entre Lar Escola, família, escola e comunidade, tendo a criança, o adolescente e suas
famílias como agentes principais desse processo. Visa atingir uma participação
responsável de todos na transformação da realidade social. Assim, alunos do
contraturno vão a essa instituição para participar de oficinas e realizar atividades.
Nessa atuação, estávamos em um grupo de quatro alunos4 ao invés de uma dupla
como ocorreu no CMEI.
O prédio é bem grande e espaçoso e bem conservado, eles possuem mais
recursos de materiais e é mais bem preparado enquanto estrutura (em comparação

4
O grupo era formado pelas alunas Alexia, Jacqueline, Fernanda e Beatriz, a experiência foi
realizada em equipe, mas este artigo foi escrito em dupla (no caso, Aléxia e Jacqueline).
249
ao CMEI). Eles têm vários projetos e trabalhos com professores, pedagogos, psicólogo
e assistente social.
As turmas que observamos foram três no total. A primeira de 6 a 7 anos, em
que as meninas e os meninos estavam separados, as meninas fazendo aula de dança
e os meninos assistindo filme (apenas uma menina estava com os meninos). A
segunda, de 9 a 10 anos, se encontrava nas atividades de educação física. E a terceira
de 11 a 12 anos estava em oficina com a psicóloga e assistente social trabalhando o
tema pré-adolescência e puberdade (isso tudo no primeiro dia). Porém, em outras
observações, os alunos começaram a trabalhar com a temática de festa junina e copa
do mundo (por conta da data).
Para as intervenções nós ficamos com a primeira turma de 6 a 7 anos e com a
terceira de 11 a 12 anos. Partindo das observações e pensando em como aproximar
um conteúdo de arte com a realidade deles decidimos trabalhar com dança desenho.
Isso porque observamos que a turma mais velha dançava Just Dance nas horas livres
e que na turma mais nova, pelo menos as meninas, nós sabíamos que gostavam de
dançar (e queríamos ver os meninos fazendo algo mais produtivo do que ver filmes
sem nenhum motivo aparente). Ou seja, buscamos a aproximação de conteúdo com
realidade.
Dessa forma, nossa oficina consistiu em propor uma atividade interdisciplinar
entre Dança e Artes Visuais a fim de identificar desenhos nos movimentos do corpo.
Para tanto explicamos o significado e como se dá a dança-desenho e exibimos um
vídeo de uma bailarina dançando com desenhos geométricos seguindo seus
movimentos a fim de visualizá-los. Além disso, expomos nossos próprios desenhos de
dança-desenho (realizados durante uma atividade na disciplina de introdução ao
desenho no primeiro ano de graduação ministrada pela professora Sheilla Patrícia
Dias de Souza), e propomos a atividade a ser feita.
Os alunos se dividiram em grupos de 4 ou 5 pessoas para dançar imitando os
movimentos dos vídeos de Just Dance (uma alternativa para os mais tímidos e que
não conseguiriam improvisar uma dança, embora o improviso também fosse uma

250
opção caso desejassem). Enquanto um grupo dançava os demais desenham os
movimentos com lápis de cor nos papéis A3. Ao final, sentamos em roda para expor
os desenhos feitos entre eles, compartilhando o que acharam da experiência, como
se sentiram, se os fez lembrar de algo e se a atividade foi válida ou interessante. Na
turma mais nova os alunos sentiram muita dificuldade de início. Para dançar eram mais
abertos, alguns até tinham vergonha de início, mas depois não queriam parar. Já a
parte de desenhar foi mais complicada, eles simplesmente não desenharam durante
a primeira música inteira, pois diziam que não sabiam desenhar. Precisamos, então,
auxiliá-los individualmente até compreenderem a ativivdade. Nesse momento é que
sentimos o que é de fato fazer uma mediação.
Um garoto em específico nos chamou a atenção. Mesmo depois da atividade
ser encerada e liberamos os alunos para apenas dançarem ele continuou desenhando.
O garoto encheu uma folha A3 com uma sequência de movimentos próprios e nos
presenteou para que imitássemos os desenhos que ele fez. Ou seja, a partir da nossa
atividade ele criou outra proposta.

Figura 5: Aluno que desenvolveu uma nova proposta.

Fonte: arquivo das autoras, 2018.

Já na turma mais velha foi bem mais difícil. Eles têm muita dificuldade em prestar
atenção e parar para entender, também são menos abertos a tentar. Enquanto a
primeira turma demorou a desenhar, mas continuou durante toda a atividade, na

251
segunda turma eles desenharam tudo nas primeiras músicas e depois só queriam
dançar.
A experiência no informal foi bastante desafiadora e a idade dos discentes foi um dos
fatores mais impactantes. Mas, mesmo assim, realizamos as propostas, apesar da
falta de participação dos professores de turma. Pode-se dizer que demos conta, em
parte por estarmos em grupo de quatro, algo que demonstra novamente a importância
de mais profissionais em sala de aula.

Experiências que se entrelaçam no caminho docente

Durante o período de estágio nos perdemos em meio a incontáveis


aprendizagens, pensamentos, críticas e constatações e, dentre elas, algumas como
paciência, improviso, conseguir manter a calma mesmo em situações inesperadas ou
quando algo planejado não acontece como o esperado se destacam. O desinteresse
de alguns alunos, falta de recursos na escola (como tinta guache), a insegurança de
adentrar uma sala e conseguir se conectar com os docentes, entre outras
adversidades também marcaram este período.
Nunca nos foi prometido que seria fácil, mas cada momento dessa etapa de
aprendizagem valeu de alguma forma, mais ou menos relevante, para nossa formação
profissional. Lampert (2005) já nos alertava a respeito das dificuldades encontradas
pelo caminho ao afirmar que o estágio é

O começo de toda uma trajetória profissional, em que funcionamos


nossos referenciais teóricos à nossa prática cotidiana. Nem sempre dá
certo. Exercitar nossos conhecimentos e saberes em tão pouco tempo
é questionar/ construir constantemente nossa formação (LAMPERT,
2005, p. 149).

De fato, de acordo com Oliveira (2005), a dificuldade que os alunos de cursos


de licenciatura têm em relacionar os textos à prática no estágio é notável. No entanto,
é a comunicação entre o acervo de conteúdo do professor e a prática docente que
enriquecerá a aula, aprofundará os conteúdos e validará as atividades. É exatamente

252
por isso que Oliveira (2005) afirma que o estágio não é apenas a parte prática do
curso, mas sim a junção entre prática e teoria.
Nossa formação de licenciatura vem sendo moldada desde o primeiro ano com
matérias como Psicologia da Educação, Espaços de Arte e Aprendizagem (do l ao lV),
Psicologia da Arte, entre outras disciplinas. Essa formação contribuiu na hora de
estagiar, quando tivemos nosso primeiro contanto com a escola e com os alunos. No
entanto, não apenas durante as observações ou regências essa construção se
mostrou relevante, mas na própria construção dos planos de aula que formulamos.
Um desses conteúdos que foi de grande ajuda para formular os planos de aula,
por exemplo, foi a taxonomia de Bloom com a qual nos deparamos pela primeira vez
na disciplina de Tópicos Epistemológicos Metodológicos do Ensino de Arte ministrada
pela professora Eloísa Amália.
Explicando melhor, a taxonomia de Bloom foi criada por uma equipe formada
por membros da Associação Norte Americana de Psicologia em 1948, conforme
pontuado por Ferraz e Belhot (2010), que definiu três domínios específicos de
desenvolvimento para estrutura-la: cognitivo, afetivo e psicomotor. Ela auxilia os
professores a decidir e definir seus objetivos de aprendizagem o que significa
“estruturar, de forma consciente, o processo educacional de modo a oportunizar
mudanças de pensamentos, ações e condutas” (FERRAZ; BELHOT, 2010, p. 421).

Essa estruturação é resultado de um processo de planejamento que está


diretamente relacionado à escolha do conteúdo, de procedimentos, de
atividades, de recursos disponíveis, de estratégias, de instrumentos de
avaliação e da metodologia a ser adotada por um determinado período
de tempo (FERRAZ; BELHOT, 2010, p. 421).

O uso desta taxonomia, de acordo com os autores,

[…] têm sido uma das maiores contribuições acadêmicas para


educadores que, conscientemente, procuram meios de estimular, nos
seus discentes, raciocínio e abstrações de alto nível (higher order
thinking), sem distanciar-se dos objetivos instrucionais previamente
propostos (FERRAZ; BELHOT, 2010, p. 423).

253
Conosco não foi diferente. Mais de uma vez recorremos à classificação
hierárquica dos objetivos de aprendizagem para encontrar o que melhor se encaixava
no que pretendíamos realizar com os alunos. Esta preocupação em proporcionar
atividades que se adequassem à idade, nível de conhecimento e com os próprios
conteúdos que os professores já trabalhavam demonstra a preocupação e o cuidado
que tivemos ao encarar o estágio.
Oliveira (2005), como já apresentada na primeira seção, declara que

Quando acompanhamos o nosso aluno estagiário nas orientações da


sua prática educativa, percebemos como ele vai construindo sua
identidade de projeto, identidade de vida de professor, com caracteres
próprios, maneiras que ele foi aprendendo na sua vida acadêmica,
elaborando no seu cotidiano, tecendo no seu convívio universitário
(OLIVEIRA, 2005, p. 63).

E assim começamos a construir nosso exercício na educação com toda a bagagem


trazida das disciplinas teóricas e que agora aplicamos nessa prática inicial pelo
estágio. Prática tal que nos é experiência nessa caminhada docente.

Considerações Finais

Durante o estágio, não foram poucas as situações de pânico, insegurança,


medo, estresse ou incomodo negativo. Mas também não podemos deixar de citar as
situações positivas, os momentos alegres, as tentativas engraçadas e envergonhadas
de tentar estabelecer algum contato com os alunos, se aproximar, conseguir se fazer
ouvir. As primeiras regências, os primeiros erros e acertos e as tentativas de superar
as dificuldades e aprender com elas foram essências para os primeiros passos no
caminho docente.
A disciplina de estágio englobou a formação teórica desde o primeiro ano com
a prática em sala de aula. Os medos e inseguranças que tínhamos antes e depois da
matéria começar, a bagagem de momentos que adquirimos após o fim desse primeiro
contato com a escola e a prática pedagógica também devem ser somados nesta
equação. Demos, portanto, o primeiro passo.
254
Referências

CUNHA, Susana Rangel Vieira da. Pintando, bordando, rasgando, desenhando e


melecando na educação infantil. In: CUNHA, Susana Rangel Vieira da (Org.). Cor,
som e movimento: a expressão plástica, musical e dramática no cotidiano da criança.
Porto Alegre, Mediação, 1999. P. 7- 36.

FERRAZ, Ana Paula do Carmo Marcheti; BELHOT, Renato Vairo. Taxonomia de


Bloom: revisão teórica e apresentação das adequações do instrumento para definição
de objetivos instrucionais. Gest. Prod, São Carlos, vol.17 no.2, 2010.

LAMPERT, Jociele. Estágio supervisionado: andarilhando no caminhos das Artes


Visuais. In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de; HERNÁNDEZ, Fernando (Orgs.). A
formação do professor e o ensino das artes visuais. Santa Maria: editora UFSM,
2005. p. 147-157.

LAR ESCOLA da criança de Maringá. Disponível em: <http://www.larescola.org.br/>.


Acesso em: 10 jul. 2018.

OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. A formação do professor e o ensino das Artes Visuais:
o estágio curricular como campo de conhecimento. In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de;
HERNÁNDEZ, Fernando (Orgs.). A formação do professor e o ensino das Artes
Visuais. Santa Maria: ufsm, 2005. p. 59-72.

PERRENOUD, Philippe. Implicações do ofício de docente. In: PERRENOUD,


Phillippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.
P. 53-70.

255
ENSAIOS VISUAIS
A TRANSMUTAÇÃO DO ABSTRATO

Bianca Eugenia Candido (Universidade Estadual de Londrina)


Danillo Gimenes Villa (Universidade Estadual de Londrina)
gr_bianca@hotmail.com

Texto Conceitual
Em determinado momento de minha graduação em Artes Visuais, entrei em contato
com as fotografias realizadas com o auxílio de uma lente macro. Antonio Dias
desenvolveu o que chama de “não-imagens”, pesquisando as relações entre imagem
e palavra, a partir da mudança no modo de ver suas pinturas. Tal mudança no olhar
também foi necessário a mim, onde choquei-me com a complexidade que até as coisas
mais pequenas possuem. Desde então, minha visão sobre o mundo e as coisas que o
habitam mudou e me encontro comumente pensando sobre a constituição dos objetos,
dos seres. Carrego comigo sempre que possível minhas lentes macro, que encaixam
na câmera do celular, com o objetivo de tornar estas uma experiência cotidiana.
Realizei alguns trabalhos em que corpos conhecidos se mostravam abstratos ao se
ampliarem, ou se fundiam com outros seres que não eram, como por exemplo fotos
de folhas de árvores, que pareciam ser partes do corpo humano: pele, veias,
machucados, marcas do tempo. Simultaneamente a isso, minhas pinturas se fizeram
abstratas e com tinta óleo, crio pinturas que se transformam em texturas devido ao
movimento do pincel, sendo majoritariamente escuras, em preto e azul. Ironicamente,
o caminho que tendo a seguir em minhas pinturas vai ao contrário à proposta presente
em lentes macro de se prestigiar o pequeno, efetivando então pinturas cada vez
maiores, abstratas, com suporte no papel, sempre circulares. Ao tirar fotos macro de
tais pinturas, fez-se o caminho inverso, o abstrato tomou forma, tornando possível
enxergar imensidões, paisagens, céus, oceanos, galáxias, superfícies. Torna-se ideia
central a não transformação exata do abstrato em algo figurativo. Por maior que seja
a imensidão de algo, ela é vista com outras perspectivas com lentes macro. A
escuridão vista de longe gera um interesse de aproximação, de tentar entender, de
querer sentir. Mais uma vez – ou algumas vezes – a ironia se torna presente: as
fotografias macro nos remetem a grandezas quase imensuráveis, como planetas e
galáxias, assim como a dúvida sobre ser possível enxergar a escuridão. O escuro seria
ausência de luz, a sombra que um ser maior faz sobre o outro, o fundo oceânico que
os raios solares que não conseguem atingir, o buraco negro que nenhuma luz
atravessa nem é refletida, a curiosidade que o inexplorado nos provoca. Sendo esta
uma característica da abstração, me sinto atraída pelo desconhecido, pelo abstrato
junto ao negro.

256
257
258
259
Figuras 1 – 8. Sem título. 2018. Bianca Candido. Fotografia digital com lente macro.
Dimensões variadas.

260
AS COISAS QUE NÃO EXISTEM SÃO MAIS BONITAS

Thais Mitsunaga Abonizio (Universidade Estadual de Londrina)


Elke Pereira Coelho Santana (Universidade Estadual de Londrina)
thais.abonizio@hotmail.com

Texto Conceitual

Uma série de interpelações move a minha produção no campo das Artes Visuais: o
que é tecido? Que tipo de percepções a manipulação com esta matéria-prima pode
gerar? As dobras, e consequentes áreas de sombras, em um corpo têxtil, são capazes
de afetar a sensação que temos a respeito deste tipo de existência? Existe uma
espécie de “desobediência” têxtil que gera configurações na matéria de acordo com
as propriedades físicas de cada tecido? Como o acaso age e aponta percursos
interessantes para o artista, sujeito este que cria movimentos de desobediência em
relação a “coisas” pré-estabelecidas?
Na série de fotografias apresentadas neste ensaio visual, o tecido é o protagonista, é
o elemento material utilizado na criação artística para que esta alcance instâncias
imateriais; para que uma existência banal seja capaz de criar um corpo de sensações.
Assim, neste âmbito, a ação do artista, em consonância com o acaso, com as
propriedades físicas do material e com os recursos da linguagem fotográfica,
potencializa as dobras.
As dobras presentes nos tecidos escondem suas partes, tornam invisíveis apenas
alguns pontos de sua extensão, sugerem percursos perceptivos obscuros e, por isso,
instauram a curiosidade. A dobra altera a estrutura têxtil, acrescenta volume ao que
antes era bidimensional, faz com que surja no tecido uma espécie de topografia:
paisagem enigmática composta de pequenas montanhas sinuosas. E o olhar caminha,
sem rota linear ou pré-estabelecida, sobre este corpo material repleto de curvas e
reentrâncias, de altos e baixos, de luz e de sombra.
O veludo é escolhido por sua tatilidade; a textura de seu corpo torna-se pungente até
mesmo para o olho. Também, as propriedades físicas deste tipo de pano tornam o
jogo entre luz e sombra esteticamente intenso, assim como em pinturas do passado,
quando o artista tentava explicitar, por meio de reproduções naturalistas de roupas,
toalhas e até mesmo de cortinas, as potencialidades sensórias do tecido.
A sombra pode ser entendida como uma região destituída de luz. Aí residem dados
paradoxais: a existência da sombra, que é ausência de luz, só pode existir com a
presença da luz; a sombra delata a presença e, ao mesmo tempo, a ausência do
objeto. Em se tratando do manejo que estabeleço com o tecido, a sombra coloca em
evidência o que está escondido, o que contribui, em grande medida, para a construção
do dado poético: a possibilidade de um pedaço de pano ser entendido enquanto corpo
carregado de sensações, sendo capaz de gerar um tipo de beleza que, a priori, não
seria percebida.
Este trabalho explicita uma busca contínua em realçar o não perceptível, utilizando a
fotografia enquanto instrumento oportuno, já que por meio da máquina articulo com o
brilho, a luminosidade e a saturação da imagem. A fotografia me permite criar uma
realidade imagética/ poética a partir da realidade concreta.
261
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263
Figuras 1 - 8. Série: As coisas que não existem são mais bonitas, 2018.
Thais Abonizio
Fotografia Digital
Dimensões Variadas

264
CAROL, VERSÕES DE SI

Suzane Silva de Oliveira (Universidade Estadual de Londrina)


suzane.oliveira182@gmail.com

Texto Conceitual
Verdades são afirmadas de acordo com o que mostramos ser ao outro, e o que
o outro consegue “ler” de nós. Podemos compartilhar nossas histórias de vida, ou
apenas um sorriso de canto de boca ao esbarrar em um corredor, mesmo assim cada
um cria versões de si e do outro o tempo todo.
O espelho é uma ferramenta importante na produção das minhas pinturas de
observação. Olhar o corpo, entende-lo, entender o sentido desta observação, desta
produção, oferece novas impressões sobre ele e sobre o Eu, e pensando como me
comporto para a produção das pinturas, observando meu corpo, meu rosto, me
posicionando de diversas formas, me contorcendo, apertando, levantando, deitando,
etc. O vídeo surge enquanto mudança de linguagem do trabalho, como possibilidades
de exploração do corpo.
Assim, exploro o corpo, pele, pele que se aperta, molda, puxa, em uma
performance de toque no corpo e no desenvolvimento de um movimento circular quase
que infinito. É corpo que transforma ou mostra ser o que é. O Eu se mostra corpo, e
corpo que mostra o Eu, e afirma identidades através da experiência e da exploração.
Ao nomear aquela que performa com outro nome deixa de ser o que era antes, “Carol”
deixa de ser a versão de um Eu que o outro já pensava conhecer para tornar-se uma
nova versão, um novo Eu.
O múltiplo vem à tona a partir do olhar do outro. Cindy Sherman, em seus
trabalhos fotográficos, performa utilizando seu próprio corpo e por meio deste, na série
“Untitled Film Stills” iniciada em 1977, por exemplo, a artista incorpora e apresenta
estereótipos femininos. “Dando visibilidade às marcas que incidem sobre o corpo,
Sherman desconstrói uma suposta unidade do "eu", e abre nosso pensamento para
compreender o "eu" enquanto processo.” (PARPINELLI, e FILHO, p.6). Evidenciando
as suas multiplicidades, ela se experimenta, se explora e explora o corpo.
Fazer o desenho e pintura existirem é existir diferente. Desenhar os frames do
vídeo “Carol” expandiu esse experimento de explorar o corpo, trazendo um Eu novo.
O corpo se potencializa quando é observado e se multiplica como experiência para o
sujeito que o observa, pinta, desenha. Mesmo um corpo calmo, como uma potência
silenciosa, em poses espontâneas, oferece uma percepção a respeito de um sujeito.
A partir da técnica a aparência calma se mostra, porem mais coisas acontecem na
superfície pintada, o corpo é apresentado com uma pulsação interna que está
conectada com as próprias necessidades, desobediências, interesses genuínos.

265
CAROL, 2018, Suzane Oliveira,
frame s de vídeo, 1’ 19’’

266
CAROL em pintura, 2018, Suzane Oliveira, lápis hb, lápis
carvão e tinta acrílica diluída s/ papel, 3,2 x 4,2 cm (cada)
Referências: PARPINELLI, Roberta Stubs. FILHO, Fernando
Silva Teixeira. . (s.d.). Cindy Sherman é legião: arte
contemporânea e produção de subjetividade.

267
Coleta de Memórias, Coleção de Afetos

Julia Caroline Medeiros (UEL)


juliawasicki@gmail.com

Texto Conceitual
Como guardar memórias que não são nossas, mas que fazem parte da nossa vida, e
possuem um grande valor afetivo? É possível a partir de lembranças de terceiros,
resgatar memórias e reconstituir um lugar? São essas algumas das perguntas que
tenho como guia em meu trabalho. Nele me aproprio de lembranças de familiares
sobre plantas, benzimentos, simpatias e amuletos para reconstituir um lugar de
pesquisa e misticidade. Este trabalho compõe uma instalação, com ilustrações de
plantas, receitas de remédios e benzeduras, uma prateleira repleta de frascos que
podem ser abertos e cheirados, uma mesa e uma cadeira que formam um
observatório/laboratório.
A ideia inicial do trabalho era a criação de um inventário/caderno de artista com
ilustrações e escritas, entretanto o processo teórico acabou de desenvolvente de
maneira mais fluida e clara do que o processo poético e percebi que apenas as
ilustrações não dariam conta de sustentar a teoria e comecei a reavaliar o eu trabalho.
Lendo alguns livro da Katia Canton, fui me deparando com referências trabalhos e
artistas que identifiquei formalmente ou plasticamente com meu trabalho, dentre eles
Brígida Baltar, em seu projeto Umidades, onde coleta em recipientes elementos
naturais; o trabalho de Walmor Corrêa “Natureza Perversa”, composto por lupas,
ilustrações de animais e insetos dispostas em gavetas em um móvel de madeira;
Dalton Paula, onde ele pinta sobre livros de plantas medicinais, fazendo um resgate
das plantas do herbário negro e afirmação de uma identidade nos processos dessa
medicina caseira, feita de receitas e plantas; e as ilustrações de Margaret Mee também
compõem as referências. Estes artistas e suas produções que extrapolam o clássico
papel e tinta se tornaram referência para a constituição da instalação. Dialogando com
o tema Coexistências e desobediências nas tessituras da arte, venho traçando pontos
de articulação entre memória, coleção, natureza e apagamentos, criando paralelos
entre arte e ciência, arte e memória e arte e afetividades.

268
Brigida Baltar (2002), “Coleta de Orvalho”, frame do vídeo VD 1m33.
Brigida Baltar (2002), “Coleta da Neblina”, fotografia, 63cm x 94 cm.

Walmor Corrêa, 2003, “Natureza Perversa”, Instalação.

269
Julia Medeiros, 2018, fragmentos da instalação “Coleta de Memórias, coleção de
afetos”, tamanhos variados.

Dalton Paula, 20016, “A Cura B”, Detalhe 1, Foto: Paulo Rezende

270
Margaret Mee, 1964-1967, “Pseudobombax grandiflorum (Cav.) A. Robyns, Pseudobombax,
Bombacaceae “, Aquarela sobre papel, 66cm x 48.5cm.

Julia Medeiros, 2018, “Poejo”, guache sobre Canson 300g, 21cm x 22,5cm.

271
Julia Medeiros, 2018, “Assa-peixe”, guache sobre Canson 300g, 21cm x 22,5cm

272
DELÍNEO

Isabella Dinardi A. da Silva (UEM)


Bárbara Boer Rodrigues (UEM)
isa.b.ella@hotmail.com

Texto Conceitual
A presente produção diz respeito a um vídeo arte, composto a partir de uma
performance. Esta foi realizada para cumprimento avaliativo da disciplina de Poética
Tridimensional, ministrada pela professora Sheilla Souza, no segundo semestre de
2018. O nome “delíneo” diz respeito a um neologismo, vindo da palavra “delinear”,
fazendo alusão ao efeito causado pela costura, que remete a pele delineada pela linha.
O conceito de performance levantou-se como ideia de unir as linhas poéticas das
presentes autoras, sendo a maquiagem artística e a edição visual, na pósprodução. O
vídeo retrata a personagem se auto costurando, efeito esse, proporcionado por pele e
sangue falsos, fazendo parte da maquiagem artística, realizada pela Bárbara Boer em
si mesma. Ademais, faz-se muito uso da agulha e linha vermelha, banhadas em
sangue falso com água, transpassando o rosto e o colo da artista. O problema
norteador permeia a questão de: como o ato de costurar-se dispara concepções
artísticas, sistematizado pelo vídeo arte? A pergunta e o conceito são fundamentados
pelas teorias de Alessandra Zanini (2010) dialogando com as produções de vídeo arte
e Edith Derdyk (2012) que inspirou a produção com linhas.
A performance dialoga com os eixos de criação artística e seus movimentos de
desobediência, tendo em vista uma ação que atua na contramão da impassibilidade,
e desse modo tem sua ação voltada ao ato de provocar o espectador. Ser
desobediente ao agradável, e ainda assim, incomodar. As filmagens foram realizadas
com uma câmera semiprofissional Nikon, na Universidade Estadual de Maringá, no
bloco abandonado localizado aos arredores dos blocos I12 e G34. Na pós-produção o
programa de edição audiovisual Premiere, auxiliou na função. No mais, há uma
combinação das filmagens com a música “Business” do beat maker Danny E. B. A
música é de um gênero instrumental de Hip Hop, onde a produção é focada na batida
e mixagem. Escolheu-se essa para o vídeo em razão de não tornar a produção árdua
ou cansativa, logo, a música guia o vídeo, de modo a combinar intercalação de
imagens com a batida. Em determinada parte do vídeo, há uma pausa do som,
substituído por uma ofegante respiração, fazendo referência à agonia do espectador e
do ato da costura corporal. A modalidade da produção encaixa-se em audiovisual, mais
precisamente, vídeo arte, possui o exato tempo de 1 minuto e 17 segundos.

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Delíneo, 2018, Isabella Dinardi, vídeo; 1280x720 px

Delíneo, 2018, Isabella Dinardi, vídeo; 1280x720 px

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Delíneo, 2018, Isabella Dinardi, vídeo; 1280x720 px

Delíneo, 2018, Isabella Dinardi, vídeo; 1280x720 px

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Delíneo, 2018, Isabella Dinardi, vídeo; 1280x720 px

Delíneo, 2018, Isabella Dinardi, vídeo; 1280x720 px

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DESCONTENTAMENTOS: EXPERIÊNCIAS DE UMA ARTISTA-
GRADUANDA-DOCENTE

Natália Lavagnolli da Silva (UEM)


natalialavagnolli@hotmail.com

Descontentamentos: experiências de uma artista-graduanda-docente

Este trabalho consiste em uma série de autorretratos registrados com a câmera do


meu celular no decorrer do meu dia a dia. Utilizo a expressão Descontentamento
como título deste, pois, foi o sentimento inicial que me impulsionou a experimentação
desta série. Busco, apresentar registros fotográficos e também reflexões sobre as
oscilações de humor vivenciadas ao longo do meu cotidiano. O Descontentamento
que busco referenciar parte da inquietação de ter várias atividades no decorrer do meu
dia como a universidade, o trabalho, família, namoro, relacionamentos pessoais e
estar sempre “carregada”. Isso me inquieta, incomoda. Escolhi tudo isso. Porém
incomoda-me já trabalhar na área que busco formação e não conseguir muitas vezes
gerir e operar com as vivências do meu cotidiano. Jorge Larrosa (2002) afirma que a
‘experiência’ é algo que nos passa. Não é entendida como apenas um acúmulo de
atividades, pelo contrário, para que ela aconteça se faz necessário o acolhimento, a
receptividade, a abertura, o silêncio, a passividade. Ela acontece do exterior para o
interior. Ela nos atravessa. A partir de Loponte (2007) operamos com o conceito de
‘docência artista’, apresentando o desafio de pensarmos à docência artista como uma
obra de arte. A autora afirma que muitas vezes fazemos uma separação da arte e da
vida porque estamos acostumados a olhar para a arte como quadros emoldurados, ou
ainda como objetos colecionáveis. A partir desses atravessamentos, inquietamentos
e vivências apresento escritas e imagens de minha produção que entrecruzam
experiências de uma artista-graduanda-docente.

Referências

CHANDLER, J. e LIPPARD, L.R. A desmaterialização da arte. Arte e Ensaios. Rio


de Janeiro, n.25, Maio, 2013.

FRAZÃO, D. Andy Warhol pintor norte americano. Disponível em:


<https://www.ebiografia.com/andy_warhol/>. Acesso em 3 de Julho de 2017.

HERNÁNDEZ, F. A construção da subjetividade docente como base para uma


proposta de formação inicial de professores de Artes Visuais. In: HERNÁNDEZ, F;
OLIVEIRA, M. O. (Orgs.). A formação do professor e o ensino das artes visuais. 2ª
edição. Santa Maria: editora da UFSM, 2015, p. 15-36.

278
LARROSSA, J. Experiência e alteridade em educação. Revista Reflexão e Ação,
Santa Cruz do Sul, v. 19, n. 2, p. 04-27, jul./dez. 2011. Disponível
em:<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf > Acesso em 19 Mai. 2018.
LOPONTE, L. G. Docência artista: arte, estética de si e subjetividades femininas. 2005.
207 p. Tese de doutorado (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. 2005. Disponível em:<
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6346/000484287.pdf?sequence=1>
. Acesso em 30 de Mai. 2018.

OLIVEIRA, M. O. Arte, Educação e Cultura. 2ª edição. Santa Maria: editora da UFSM,


2015. 368 p.

ROMAZOTI, Natasha. As quatro irmãs que tiraram uma foto por ano durante 36
anos. Disponível em: <http://hypescience.com/as-irmas-brown-36-
anosemfotografias/>. Acesso em 3 de Julho de 2017.

SANTANA, Chintia. Mulheres Nas Arte: A fotografia Suja e Bela de Nan Goldin.
Disponível em: <http://www.modefica.com.br/mulheres-nas-artes-a-fotografia-
sujaebela-de-nan-goldin/#.WVpS4oTytkg> . Acesso em 3 de Jullho de 2017.

WOOD, Paul. Movimentos da Arte Moderna. Arte Conceitual. São Paulo: Cosac
Naify, 2002.

Descontentamentos. 2017. Natália Lavagnolli da Silva. Fotografia, 10 x7 cm.


279
Descontentamentos. 2017. Natália Lavagnolli da Silva. Fotografia, 10 x7 cm.

280
Descontentamentos. 2017. Natália Lavagnolli da Silva. Fotografia, 10 x7 cm.

Sendo múltipla. Sendo diversificada. Onde estou?

Descontentamentos. 2017. Natália Lavagnolli da Silva. Fotografia, 10 x 7 cm.

TÔ cansada demais!

281
Descontentamentos. 2017. Natália Lavagnolli da Silva. Fotografia, 10 x 7 cm.

Descontentamentos. 2017. Natália Lavagnolli da Silva. Fotografia, 10 x7 cm.

Descontentamentos. 2017. Natália Lavagnolli da Silva. Fotografia, 10 x7 cm.

282
DESFAÇA

Katharine Nóbrega da Silva (Universidade Estadual de Londrina)


Danillo Gimenez Villa (Universidade Estadual de Londrina)
katharinenobrega@gmail.com

Sobre relações e trocas

A instalação se apresentou inicialmente como uma teia de crochê feita com


barbante colorido e suspensa no meio do salão. O trabalho é um convite para a troca
e está à disposição do público para que interfira desfazendo a trama. Se chama
“Desfaça”, no modo imperativo do verbo, porque pretende ser pretexto para ação,
intenta acionar um movimento. Flerta com a arte relacional já que quero mesmo que
interfiram, interajam, se questionem, me questionem sobre o que faço como
proposição artística e de que maneira isso tem o potencial de criar relações, sobre o
que é arte e para que ela serve.
O Desfaça levou cerca de um mês e meio para ser concluído e foi proposto pela
primeira vez na exposição “eus: coisa que existe”, organizada pelos alunos do 4º ano
de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina, com curadoria coletiva
orientada pelo professor Danillo Villa, e que ocorreu em maio deste ano.
Colocar um trabalho a disposição do público para que interfira como quiser
provoca algumas sensações. Primeiro existe um apego até a tomada de decisão. Vou
mesmo pedir que desfaçam algo que demorei um tempo considerável para fazer? Algo
que me “tomou” tanto empenho, vontade, dedicação, disponibilidade? E então me
lembro do que me impulsiona em direção à arte e suas possibilidades e, finalmente,
desapego. Quero que estejamos juntos, eu, os outros e a arte. Quero, se possível,
diminuir distâncias, criar laços, entrelaces, encontros, relações de coexistências e
desobediências nas tecituras da arte (e porque não da vida e da educação?).
Permitir que um trabalho seja tocado quando este está dentro de uma galeria
ou espaço que legitima o objeto como objeto de arte, já é algo controverso e que
provoca estranhamento, e acredito que o estranhamento é ainda maior se o pedido é
para que o desfaçam, desmontem, “destruam”. Quando comecei a vê-lo existir e
ganhar camadas de significação do outro, os comentários, as conversas, a pergunta,
a ação, a adesão, a recusa, é que comecei a me encantar com as descobertas do
processo.

Alguns amigos mais próximos começam a perguntar se é mesmo para desfazer o


trabalho – é engraçado como as pessoas hesitam. Respondo que sim, e por mais que
tenha vontade de intervir algumas vezes, me controlo e me detenho em registrar.
Enquanto isso, me pergunto o que teria acontecido se eu não estivesse ali para
“autorizar” a ação. O que acontecerá quando eu não estiver? Será que as pessoas
levarão a proposta adiante?

283
284
285
As 10 imagens não têm título. São registros do processo
de transformação do objeto. Todas feitas pela autora em
maio de 2018.

286
DEVIR-OUTRO: PINTURAS INTERATIVAS E ESCRITAS POÉTICAS

Débora Curti Cirilo (UEM)


debora_curti@hotmail.com

Devir-outro

Seguindo um posicionamento ético-estético-político de fuga ao padrão, o trabalho


Devir Outro propõe a criação de si e do outro como diferença, o ultrapassar da ideia
de identidade fixa que gera estereótipos e consequentes preconceitos. Devir é
movimento, é vir a ser. A ideia de fragmentação e deformação visual do sujeito traduz
esse vir a ser, que proporciona um acolhimento às diferenças que nos compõe. Seria
como um convite a explorar a fragmentação do sujeito e as possibilidades de criação
de novos modos de existência que despertem sensibilidades e intensidades diferentes
das habituais. Fragmenta-se o sujeito para recriá-lo no outro, nessa conexão que se
cria entre diferentes identidades, ampliando a percepção que se tem do mundo e do
outro que coexiste nesse mundo. Torna-se movimento, fragmenta-se em meio a esse
movimento e nele reconstitui-se, criando outras composições possíveis. O movimento
intenta fragmentar a rigidez das identidades fixas e engessadas, possibilitando ao
sujeito diferentes percepções de si e dos outros. Perceber-se como fluxo de
intensidades a se compor e decompor, visando uma superação do sujeito identitário.
Explorar as diferenças que nos compõe e as possibilidades de conexões entre os
diferentes modos de ser e sentir. A proposta dialoga com os eixos 1 e 3 (Coexistências
e Desobediências nas Tecituras da Arte e Coexistências e Desobediências nas
Tecituras da Vida) e seria como uma série de pinturas interativas, dialogando com
escritas poéticas. Na prática, a ideia é criar diferentes identidades fragmentadas em
diferentes folhas de acetato e dispor elas num espaço de modo a possibilitar diferentes
composições a partir do encaixe visual da folha de acetato no rosto. Talvez um espelho
atrás para uma experiência mais direta, e a possibilidade de tirar diversas fotos
fragmentandose e encontrando-se no outro, através dos acetatos. Seria uma série de
pinturas interativas, dispostas em um espaço aberto para possibilitar o devir dos
visitantes que quiserem participar, possivelmente intercaladas com recortes de
escritas poéticas que traduzam a ideia do devir outro.

287
Sem título, 2018, Débora Curti, tinta acrílica sobre acetato sobre rosto.

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Sem título, 2018, Débora Curti, tinta acrílica sobre acetato sobre rosto.

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Sem título, 2018, Débora Curti, tinta acrílica sobre acetato sobre rosto.

Sem título, 2018, Débora Curti, tinta acrílica sobre acetato sobre rosto.
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Sem título, 2018, Débora Curti, tinta acrílica sobre acetato sobre rosto.

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Sem título, 2018, Débora Curti, tinta acrílica sobre acetato sobre rosto.

292
Sem título, 2018, Débora Curti, tinta acrílica sobre acetato sobre rosto.

293
DIÁRIO DE UM ABACAXI

Ana Julia Preza de Campos (UEM)


anajulia_prezacampos@hotmail.com

Texto Conceitual
O trabalho apresentado dialoga com o eixo Coexistências e Desobediências nas
Tecituras da Educação, e foi desenvolvido durante a disciplina de Tópicos
Epistemológicos do Ensino de Arte I. Após a etapa formal do estágio, que foi
desenvolvida no Recanto do Menor Alvorada (CMEI), comecei a pensar na construção
do meu diário tendo como disparador a ideia das máscaras de papel machê que
havíamos feito como material didático para aplicar a regência. A princípio, pretendia
fazer um painel de expressões faciais que, para mim, representavam todos os
processos que tínhamos vivenciado até então. No entanto, depois do CMEI veio o Lar
Escola. Toda a discussão sobre beleza, corpos, padrões, jeitos, formas, peles,
cabelos, etc., que desenvolvemos naquela instituição, me fez lembrar de mim mesma,
do meu próprio processo de descobrimento e aceitação. Não foi à toa que dei um
exemplo da minha vida quando ministramos a oficina na primeira turma, de 10 a 12
anos. Eu me vi naqueles rostinhos. Senti toda a angústia que eu sentia quando tinha
essa idade. O medo de sair de casa sem um elástico e meu cabelo “armar” pra todo
mundo ver. O medo que eu tinha de que os outros olhassem muito para o chão e
vissem o quando meu pé era grande (e crescendo), ou até mesmo de que olhassem
para cima e vissem o quanto eu era grande! Eu era uma pessoa de porte grande, em
todos os sentidos, até no peso, e isso era motivo para que eu tivesse medo dos olhares
quando tinha aquela idade. Eu me vi em cada menina daquela: na mais alta, na com
o cabelo crespo igual o meu, na mais gordinha. Em cada uma delas tinha um
pedacinho do que eu fui. E do que eu sou. Hoje eu tenho muito apreço por tudo isso,
meus pés, meu cabelo “armado” e crespo e meus 180 (algumas fitas métricas dizem
que é 183) centímetros, são elementos fundamentais para formar a Ana Julia que sou.
Por todos esses motivos, decidi mesclar as máscaras, que representam tanto essa
segunda etapa quanto a primeira, com alguns elementos do corpo – braço, pé, seio,
mão, barriga, joelho, panturrilha, etc. – para formar enfim, o Diário de um Abacaxi.
Como já ficou bem claro acima, esse diário corresponde às minhas angústias que vi
refletidas nas duas escolas que passamos, formando um painel de corpos
(des)construídos, pois todos aqueles por quem passamos durante o estágio estão em
fase de construção de si, e ao mesmo tempo, nós fomos lá para desconstruir algo que
já havia sido edificado em alguns. Um tanto complexo, mas não seria meu se não
fosse. Por fim, acompanhando esse diário, existe o livreto que leva o nome “Diário de
um Abacaxi” (que aliás foi inspirado no livro Diário de um Banana), no qual está escrito
um poema – na verdade é quase um desabafo – que passa por todo esse percurso
que passei aqui, mas de forma muito mais sutil, minimalista e poética.

294
Diário de um abacaxi, 2018, Diário de um abacaxi, 2018,
Ana Julia Campos, instalação. Ana Julia Campos, instalação.

Diário de um abacaxi, 2018,


Ana Julia Campos, instalação.

295
Diário de um abacaxi, 2018, Diário de um abacaxi, 2018,
Ana Julia Campos, instalação. Ana Julia Campos, instalação.

Diário de um abacaxi, 2018,


Ana Julia Campos, instalação.

296
DOCILIDADES FRAGMENTADAS: MARCANDO NOVOS CAMINHOS
DE EXISTÊNCIA

Bruna Augusta Marques (UEM)


Angélica Teixeira Gonçalves (UEM)
Roberta Stubs (UEM)
bruna-augusta_@hotmail.com

Texto Conceitual
Nosso trabalho dialoga com questões que giram em torno do aprisionamento e coerção
de corpos femininos, traçando linhas de fuga contra os patrões normatizantes e
coercitivos, impostos às nossas materialidades existenciais. Buscamos dialogar com o
eixo temático o que criam os fluxos de vida que operam desobediências, de modo a
levantar questionamentos sobre as estruturas de poder que nos cercam, as
reconhecendo e as reconfigurando em novas conjunturas. Nossa ideia é criar
caminhos que possibilitem novas formas de ver a figura da mulher, que sejam
diferentes das identidades socialmente construídas que remetem ao cuidado e a
fragilidade que são impostas sobre o corpo feminino, de forma invasiva. Nossa
produção se constrói sobre a docilidade que é encarnada socialmente sobre a figura
da mulher. Partindo disso a materialidade de nossa obra, tem como base o caramelo,
como disparador para questionar se realmente o açúcar/docilidade, atribuída ao
feminino é algo tranquilo, doce e afável. Por outro lado, essa docilidade representada
pelo caramelo pode agir como um aprisionamento do corpo, a fim de reduzi-los a
função de cuidado e impor dualismos estereotipados. Dialogando por esses caminhos,
temos como base teórica para nortear nossa produção a epistemologia feminina
proposta por Rago, (1998), para pensar novas formas de refletir sobre o corpo
feminino, permeando assim caminhos que possibilitem a identidade e autonomia da
figura feminina enquanto estrutura subjetiva e singular, que da curso ao seu próprio
caminho, tomando o controle de suas amarras mascaradas pela docilidade. Utilizamos
também Foucault (2010), para pensar uma “Estética da Existência” que reflete novos
percursos a esse corpo que resiste e se potencializa para novos devires de existência
enquanto singularidade e não mais normatização. Nossa obra reflete em um primeiro
momento um corpo que se vê dividido e subtraído de sua singularidade. Concebido
em nosso social como uma materialidade apenas corpórea e fragmentada de suas
estruturas particulares, incumbido da função de cuidar e nunca de ser livre. Cercado
pelo caramelo intoxicante de nosso social, que envenena nossos corpos e enrijecem
nossas estruturas em padrões comportamentais subtrativos. Libertando-se desde
curso o caramelo se dissolve, desgrudando e sendo repelido, agora por novas
conjunturas existenciais, é um corpo de resistência, presente que se regenera, se
reorganiza e pulsa, regurgitando a normatividade e transmutando-se em percursos
próprios de possibilidades a serem exploradas.

297
Figura1: Docilidades Fragmentadas, 2018, Teixeira; Marques. Gravura de papel
sobre placa de açúcar. aprox. 30 x 35 cm.

Fonte: Registro nosso

Figura 2: Docilidades Fragmentadas, 2018, Teixeira; Marques. Gravura de papel


sobre placa de açúcar. aprox. 90 x 60 cm.

Fonte: Registro nosso

298
Figura 3: Docilidades Fragmentadas, Processo, 2018, Teixeira; Marques. Matriz de
EVA. aprox. 30 x 35 cm.

Fonte: Registro nosso.

Figura 4: Docilidades Fragmentadas, Processo, 2018, Teixeira; Marques. Matriz de


Madeira. 80 x 40 cm.

Fonte: Registro nosso

299
Figura 5: Docilidades Fragmentadas, Processo, 2018, Teixeira; Marques. Impressão
sobre papel. aprox. 30 x 35 cm.

Fonte: Registro nosso

Figura 6: Docilidades Fragmentadas, Processo, 2018, Teixeira; Marques. Impressão


sobre papel. 80 x 40 cm.

Fonte: Registro nosso


300
EM BRANCO

Loren Medeiros Chicilia (Universidade Estadual de Londrina)


Danillo Gimenes Villa (Universidade Estadual de Londrina)
lorenchicilia@gmail.com

Texto Conceitual
A intenção desse trabalho é mostrar como as desobediências podem ser sutis, e criar
estratégias para resistir ao que aprisiona, ao que é imposto e que, mesmo em tempo
de extremismos, sempre vai (RE)existir, salvaguardando nossas singularidades,
assume-se assim a metáfora entre a neutralidade da cor branca considerando todas
as possibilidades de sutilezas que ela guarda em si. Quando Beth Moysés, usa o
vestido de noiva na sua performance “Memória do Afeto” (2000) para fazer emergir a
violência contra mulher, faz uso de uma mancha branca humana que caminha em
procissão pela Avenida Paulista em São Paulo, traz a violência para o campo de
discussão.
Em tempos de discursos de igualdade, mas de uma igualdade mascarada que preza
por uma normatividade de corpos, de identidades, formas de pensar, de vestir, se
portar, ser e estar no mundo, a arte pode ser porta voz da contramão. Quando
Malevitch faz o “Quadrado branco sobre fundo branco” (1918), contesta os trabalhos
produzidos até então, apresenta pela desobediência da tradição, que o simples, e
inesperado, pode fazer diferente. Mesmo Volpi que poderia ser visto como mais do
mesmo, ao centrar sua pesquisa em uma forma geométrica limitante, apresenta
quadros únicos, seja pela manufatura de cada tela ou pela pesquisa e produção de
cada cor pela temera.
Pensando lugares brancos, objetos brancos: A linha que transpassa o tecido negro,
nas incisões bordadas de Leonilson, o desenho dos detalhes de um corpo, as marcas
da fibra do papel, o branco dos olhos, a fumaça branca que mata. as dobraduras, a
neve, o pó químico nos vídeos de “Cosmococa” (1973) do Hélio Oiticica, os milhões
de compridos produzidos pela indústria farmacêutica cotidianamente. Mesmo que
minimamente, a diferença é e sempre estará nos lugares, nos corpos assim como está
na arte que, mesmo na necessidade de se camuflar, sobrepor, contrapor ou
transbordar, é e sempre será elemento pensante na sociedade.
Aqui apresenta-se uma série de fotografias em construção, que retomam trabalhos
tridimensionais, produzidos ao longo de quatros anos que já dialogavam com o branco,
juntamente com imagens rotineiras, intentar uma revisão do olhar deslocandose para
as miudezas brancas que, beirando o nada, indistinção qualificam uma percepção
orientada. Um conjunto de fotografias em branco. Uma coleção de singularidades.
Uma série de possibilidades.

301
302
1-7, série em branco, 2018, Loren Chicilia, fotografia digital, dimensões variadas (1:
19,16 x 20,07 cm; 2-7: 9,27x9,7 cm cada).

303
EM BRANCO

Loren Medeiros Chicilia (Universidade Estadual de Londrina)


Danillo Gimenes Villa (Universidade Estadual de Londrina)
lorenchicilia@gmail.com

Texto Conceitual
A intenção desse trabalho é mostrar como as desobediências podem ser sutis, e criar
estratégias para resistir ao que aprisiona, ao que é imposto e que, mesmo em tempo
de extremismos, sempre vai (RE)existir, salvaguardando nossas singularidades,
assume-se assim a metáfora entre a neutralidade da cor branca considerando todas
as possibilidades de sutilezas que ela guarda em si. Quando Beth Moysés, usa o
vestido de noiva na sua performance “Memória do Afeto” (2000) para fazer emergir a
violência contra mulher, faz uso de uma mancha branca humana que caminha em
procissão pela Avenida Paulista em São Paulo, traz a violência para o campo de
discussão.
Em tempos de discursos de igualdade, mas de uma igualdade mascarada que preza
por uma normatividade de corpos, de identidades, formas de pensar, de vestir, se
portar, ser e estar no mundo, a arte pode ser porta voz da contramão. Quando
Malevitch faz o “Quadrado branco sobre fundo branco” (1918), contesta os trabalhos
produzidos até então, apresenta pela desobediência da tradição, que o simples, e
inesperado, pode fazer diferente. Mesmo Volpi que poderia ser visto como mais do
mesmo, ao centrar sua pesquisa em uma forma geométrica limitante, apresenta
quadros únicos, seja pela manufatura de cada tela ou pela pesquisa e produção de
cada cor pela temera.
Pensando lugares brancos, objetos brancos: A linha que transpassa o tecido negro,
nas incisões bordadas de Leonilson, o desenho dos detalhes de um corpo, as marcas
da fibra do papel, o branco dos olhos, a fumaça branca que mata. as dobraduras, a
neve, o pó químico nos vídeos de “Cosmococa” (1973) do Hélio Oiticica, os milhões
de compridos produzidos pela indústria farmacêutica cotidianamente. Mesmo que
minimamente, a diferença é e sempre estará nos lugares, nos corpos assim como está
na arte que, mesmo na necessidade de se camuflar, sobrepor, contrapor ou
transbordar, é e sempre será elemento pensante na sociedade.
Aqui apresenta-se uma série de fotografias em construção, que retomam trabalhos
tridimensionais, produzidos ao longo de quatros anos que já dialogavam com o branco,
juntamente com imagens rotineiras, intentar uma revisão do olhar deslocandose para
as miudezas brancas que, beirando o nada, indistinção qualificam uma percepção
orientada. Um conjunto de fotografias em branco. Uma coleção de singularidades.
Uma série de possibilidades.

288
289
1-7, série em branco, 2018, Loren Chicilia, fotografia digital, dimensões variadas (1:
19,16 x 20,07 cm; 2-7: 9,27x9,7 cm cada).

290
ENTRE A PRESENÇA E A AUSÊNCIA

Gabriel Augusto de Paula Bonfim | Autor (Universidade Estadual de Londrina)


Elke Pereira Coelho Santana | Orientadora (Universidade Estadual de Londrina)
bonfimgap@gmail.com

Texto Conceitual

O presente ensaio visual é composto pelo trabalho intitulado “O homem que era só
metade”; nele articulam-se processos de criação no campo da Arte Contemporânea
que exploram as possibilidades do corpo no espaço urbano e as trocas que podem
ser estabelecidas entre as potencialidades do espaço e a subjetividade humana. O
boneco utilizado para a constituição desta foto/performance possui as mesmas
dimensões do meu corpo (1,82 m de altura), foi moldado/costurado em algodão cru e,
posteriormente, preenchido com isopor picotado. Como uma espécie de duplo
destituído de identidade - pois o boneco não possui rosto ou outros dados que o
particularizem, gerando, assim, uma espécie de sombra tridimensional de um sujeito -
ele me serve de companhia em ações cotidianas, como deitar na grama da praça,
caminhar pela rua, pegar ônibus etc. Por essas características, o trabalho gera
diálogos entre a presença e a ausência: um corpo que se duplica para expandir a sua
existência e, ao mesmo tempo, para destituí-la de uma única identidade, podendo,
assim, ser capaz de ter múltiplas identidades mutáveis de acordo com o contexto em
que se insere.
Quando o boneco adentra os espaços públicos em minha companhia, toma a
percepção das pessoas pela estranheza. Quando passeio com ele, incorporo um
estado performático; não é necessário fazer algo inusitado, só o fato de estarmos
juntos, um homem e um grande boneco de pano, já é o suficiente para criar uma
situação peculiar, de gerar hiatos na linearidade cotidiana dos sujeitos que cruzam
conosco. Desta forma, entendo que o trabalho é constituído na prática diária do
caminhar.
Entendo que essas experiências e percepções, geradas com e a partir da convivência
com o boneco, são “coexistências e desobediências nas tecituras da arte”. “O homem
que era só metade” é uma ação artística que busca instaurar existências múltiplas que
subjetivem um corpo inanimado a partir de contatos; sendo estes insolentes em
relação àquilo que na engrenagem social estereotipa os comportamentos, as
percepções, as ausências, as presenças e os afetos.

304
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307
Fig. 01-08. O homem que era só metade, 2018, Gabriel Bonfim, fotografia digital,
12x16cm (cada).

308
“ENTRELAÇOS”

Angélica Teixeira Gonçalves (UEM)


Bruna Augusta Marques (UEM)
Sheila Souza (UEM)
angel00tg@gmail.com

Texto Conceitual
Esta produção se constrói com base em reflexões acerca da alteridade, exploradas
teoricamente durante a disciplina de antropologia da arte, e materializadas por meio
da ação performática realizada na disciplina de Poéticas Tridimensionais ambas no
curso de Artes Visuais, da Universidade Estadual de Maringá. Nossa proposta dialoga
com o eixo temático “o que cria a arte em seus movimentos de desobediência?” O
objetivo é estabelecer uma lógica que vai além da dominação e apropriação do outro,
por meio de movimentos que entrelaçam essas figuras distintas, trilhando caminhos
próprios de coexistência. Em nossa performance, os dois corpos foram marcados com
argila de cores diferentes, para representar duas culturas ou seres que possuem
disputas. Os materiais foram escolhidos com base em sua organicidade e movimento,
nossos corpos foram pintados com argila, representando símbolos, com o intuito de
expor as diferenças que entraram em embate e sincronia no decorrer da ação. Os
movimentos foram pensados com uma cronologia específica, buscando transmitir três
momentos principais: o choque inicial entre dois seres diferentes, seu estranhamento
e análise por meio de um embate de forças e por fim uma queda que anula as forças
e gera uma assimilação mútua, possibilitando um olhar aprofundado de si e do outro.
Criando uma verdadeira troca de significados entre ambos, permitindo um
conhecimento mútuo em uma relação de alteridade e potencialização por meio da
troca, acionando possíveis universos de subjetivação. Por meio da ação artística
buscamos evidenciar a necessidade de ter uma relação mais sensível com o outro,
uma relação de alteridade, de compreensão, ao passo que a violência afeta a ambos
negativamente. Nossa performance, teve como base teórica os estudos sobre o afeto,
de Espinosa, (2005), que levantam reflexões sobre como nossos corpos estão em
constante relação com o outro, sendo constituídos e tensionados por forças internas
e externas em um fluxo contínuo e dinâmico de transformações.

309
Figura1: ” Entrelaços”, 2018, Teixeira; Marques. Performance. Fotografia.

Fonte: Registro nosso.

Figura2: ” Entrelaços”, 2018, Teixeira; Marques. Performance. Fotografia.

Fonte: Registro nosso.

310
Figura 4: ” Entrelaços”, 2018, Teixeira; Marques. Performance. Fotografia.

Fonte: Registro nosso.

Figura 5: “Entrelaços”, 2018, Teixeira; Marques. Performance. Fotografia.

Fonte: Registro nosso.

311
Figura 6: ” Entrelaços”, 2018, Teixeira; Marques. Performance. Fotografia.

Fonte: Registro nosso.

Figura 7: ” Entrelaços”, 2018, Teixeira; Marques. Performance. Fotografia.

Fonte: Registro nosso.

312
ENTRELAÇOS DE VIVÊNCIAS

Aléxia Amanda Doro (UEM)


lekadoro@hotmail.com

Texto Conceitual
Este é o diário de estágio apresentado à disciplina de Estágio I e atende a modalidade
de produção “objeto”. Além disso, dialoga com o eixo “Coexistências e
Desobediências nas Tecituras da Educação” da Semana de Arte de 2018.
Eu optei por preservar o formato de diário (de caderno ou livro), mas desprezei a
linearidade. A ideia que amarra toda essa produção é de que eu aprendi muito durante
o estágio, muito mesmo e esses conhecimentos não estão temporalmente divididos
na minha cabeça. Estão, na verdade, espalhados, se interligando com conhecimentos
cotidianos, com conversas informais ou adquiridos lendo textos ou assistindo aulas
(não apenas as de estágio, mas de outros professores durante toda a formação até
agora).
Esses conhecimentos nem sempre ficam claros em nossas mentes, mas estão ali, se
embrenhando por entre nossas terminações nervosas, se esticando, combinando e
entrelaçando com informações e experiência durante toda vida. Como diria Oliveira
(2005), o estágio é um momento para o aluno investigar, interrogar e aprender dentro
do espaço escolar. Ele não é apenas prático, mas também envolve teoria. Dessa
forma, o objetivo desse diário foi mostrar como esses pensamentos, experiências e
aprendizados se comportam em minha mente. Eu relatei todos os dias o que
aconteceu no estágio e tudo que eu aprendi, mas isso não está dividido em minha
mente como eu já comentei. Na verdade, agora eu não sei dizer precisamente quando
certas coisas aconteceram, mas eu me lembro delas. Foi por isso que eu rasguei em
vários pedaços esses relatos e os colei nas páginas do diário, porque eles são a base,
foi durante essa experiência que eu tive minhas primeiras impressões com relação à
docência.
Eu poderia ter parado por aí, mas optei por evidências nas páginas algumas
impressões, sentimentos, incômodos, pensamentos, aprendizagens e inquietações
que eu tive. Não abrange tudo, pois eu não creio que isso seria possível, mas já dá
uma impressão de como está minha mente e meu coração agora.

Referências
OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. A formação do professor e o ensino das Artes Visuais:
o estágio curricular como campo de conhecimento. In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de;
HERNÁNDEZ, Fernando (Orgs.). A formação do professor e o ensino das Artes
Visuais. Santa Maria: ufsm, 2005. p. 59-72.

313
Diário de Estágio (1), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

Diário de Estágio (2), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

314
Diário de Estágio (3), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

Diário de Estágio (4), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

315
Diário de Estágio (5), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

Diário de Estágio (6), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

316
ENTRELAÇOS DE VIVÊNCIAS

Aléxia Amanda Doro (UEM)


lekadoro@hotmail.com

Texto Conceitual
Este é o diário de estágio apresentado à disciplina de Estágio I e atende a modalidade
de produção “objeto”. Além disso, dialoga com o eixo “Coexistências e
Desobediências nas Tecituras da Educação” da Semana de Arte de 2018.
Eu optei por preservar o formato de diário (de caderno ou livro), mas desprezei a
linearidade. A ideia que amarra toda essa produção é de que eu aprendi muito durante
o estágio, muito mesmo e esses conhecimentos não estão temporalmente divididos
na minha cabeça. Estão, na verdade, espalhados, se interligando com conhecimentos
cotidianos, com conversas informais ou adquiridos lendo textos ou assistindo aulas
(não apenas as de estágio, mas de outros professores durante toda a formação até
agora).
Esses conhecimentos nem sempre ficam claros em nossas mentes, mas estão ali, se
embrenhando por entre nossas terminações nervosas, se esticando, combinando e
entrelaçando com informações e experiência durante toda vida. Como diria Oliveira
(2005), o estágio é um momento para o aluno investigar, interrogar e aprender dentro
do espaço escolar. Ele não é apenas prático, mas também envolve teoria. Dessa
forma, o objetivo desse diário foi mostrar como esses pensamentos, experiências e
aprendizados se comportam em minha mente. Eu relatei todos os dias o que
aconteceu no estágio e tudo que eu aprendi, mas isso não está dividido em minha
mente como eu já comentei. Na verdade, agora eu não sei dizer precisamente quando
certas coisas aconteceram, mas eu me lembro delas. Foi por isso que eu rasguei em
vários pedaços esses relatos e os colei nas páginas do diário, porque eles são a base,
foi durante essa experiência que eu tive minhas primeiras impressões com relação à
docência.
Eu poderia ter parado por aí, mas optei por evidências nas páginas algumas
impressões, sentimentos, incômodos, pensamentos, aprendizagens e inquietações
que eu tive. Não abrange tudo, pois eu não creio que isso seria possível, mas já dá
uma impressão de como está minha mente e meu coração agora.

Referências
OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. A formação do professor e o ensino das Artes Visuais:
o estágio curricular como campo de conhecimento. In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de;
HERNÁNDEZ, Fernando (Orgs.). A formação do professor e o ensino das Artes
Visuais. Santa Maria: ufsm, 2005. p. 59-72.

300
Diário de Estágio (1), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

Diário de Estágio (2), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

301
Diário de Estágio (3), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

Diário de Estágio (4), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

302
Diário de Estágio (5), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

Diário de Estágio (6), 2018, Aléxia Amanda Doro, colagem e pintura, A5.

303
EU TE DAREI O CÉU MEU BEM

Danillo Villa (Universidade Estadual de Londrina - PR)


danillodap@gmail.com

Uma ação física, performance, desenvolvida para despertar um determinado estado


mental. Parte-se de uma sentença que é uma não verdade - ninguém dá o céu a
ninguém - para se refletir sobre as funções do objeto de arte. Um edredom de pelúcia
na cor azul claro é lançado para o alto, fixado no tempo e no espaço como imagem
fotográfica e assim se assemelha a uma nuvem flutuante. A paisagem, tanto a
sugerida na sentença, quanto a paisagem onde a ação ocorre e a paisagem como
categoria artística, colabora como elemento constituinte do processo,
estabelecendose como dado real sobre o qual se projeta uma intenção, e que mesmo
assim permanece inalcançável, sempre promessa. A ação estabelece a questão sobre
o quanto deste processo gera conexão real, ou realidades.
Oferecer o céu para alguém, poderia ser a intenção primeira de um objeto de arte, aqui
se torna um infinito desejo que demanda um esforço físico de constituição de um objeto
que restitui o desejo. EU TE DAREI O CÉU MEU BEM, estabelece a capacidade
infinita do sujeito que tenta, quando produz arte, oferecer uma experiência singular,
uma realidade expandida, ou pelo menos, um outro ponto de vista, gerando
coexistências e desobediências nas tecituras da vida
A hipótese é que qualquer ação em torno do objeto de arte, seria uma ação
performática potencializadora. Neste sentido, o trabalho EU TE DAREI O CÉU MEU
BEM, reverbera como potência nos sujeitos afetados pela mentira sobre a qual se
estrutura o trabalho. Esta consciência não tem intensão de despotencializar o sujeito,
ao contrário, pretende capacitá-lo para suas próprias performances. Atacando
preconceitos sobre a aderência entre aparência e essência. A mentira é aqui tratada
como uma aparência que esconde uma essência, é um ser através, em detrimento de
um ser em si.
A que outro ser é facultada a possibilidade de performar sua existência? De criar meios
e objetos e assim cercar-se de presenças que transfiram o infinito para um ponto um
pouco mais distante? Objetos de arte, entre circunstância e infinito, mentiras
descaradas, são o que de melhor se produz em termos de potências tornadas
disponíveis.

317
EU TE DAREI O CÉU MEU BEM, 2018, Danillo Villa, fotografia, dimensões variáveis.

EU TE DAREI O CÉU MEU BEM, 2018, Danillo Villa, fotografia, dimensões váriáveis

318
EU TE DAREI O CÉU MEU BEM, 2018, Danillo Villa, fotografia, dimensões váriáveis

EU TE DAREI O CÉU MEU BEM, 2018, Danillo Villa, fotografia, dimensões variáveis

319
EU TE DAREI O CÉU MEU BEM, 2018, Danillo Villa, fotografia, dimensões variáveis

EU TE DAREI O CÉU MEU BEM, 2018, Danillo Villa, fotografia, dimensões váriáveis

320
EU TE DAREI O CÉU MEU BEM, 2018, Danillo Villa, fotografia, dimensões váriáveis

321
FLOR-AÇÕES: UMA SÉRIE POÉTICA

Vanessa Arnaut Pereira


Universidade Estadual de Maringá-UEM
nessa_arnaut@hotmail.com

Texto Conceitual

A moda e o design têxtil têm servido como fonte de pesquisa e referência para a
criação. Por meio da apropriação de referências artísticas, estilistas e designers
apresentam, germinam novas formas de expressão. A matéria prima, o algodão, foi
processada e arquitetada em tessitura, agora é têxtil, o jeans, em sua permanência
cria uma particular vocação, de arte. Tem o seu valor e importância no
desenvolvimento de interações sociais sustentáveis, lembra e evoca cada primavera
já existente, na construção de repertório cultural contemporâneo, na formação poética
significativa. O residual de retalhos de jeans, algodão-flor ressignificado, fomenta sua
origem e seu desejo anual, poetizar em flores. As flores e as tessituras estão
presentes na minha vida desde a infância, as flores não são estáticas, não se fixam
no mundo, representam constante transformação, vive-se do movimento, da atenção
momentânea, pela sua beleza, pelo seu simbolismo, por sua moda. Os retalhos de
jeans manifestam sua origem na flor, foram produzidas sete obras artísticas
tridimensionais com a técnica de recortes, com o essencial trabalho do artesanato, as
tranças e os nós. As pessoas são convidadas a tocar, sentir, a fazer parte, pois já o
fazem no ciclo do produto, o jeans que sustenta os corpos. Para criar, é necessária
sensibilidade estimulada e, para isso, sua atividade deve-lhe ser significativa, se
olharmos para nossa história política e econômica, veremos que os valores do mundo
cotidiano são os da produtividade, do foco no resultado, da fragmentação do trabalho.
Esse comportamento nos distancia do reconhecimento das fontes e dos recursos
naturais, a experiência do produto não permite a experiência estética e sua forma
natural. A flor configura uma resistência, nasce no asfalto, como em Drummond: Uma
flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor
ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem
os negócios, garanto que uma flor nasceu. A abordagem triangular ao desencadear a
virada arte educativa provoca historicamente uma espécie de torção no campo das
artes e culturas visuais e no campo da arte/educação, ao deslocar o eixo do fazer para
a elaboração, acrescentando a ideia de arte como expressão, a de arte como
conhecimento histórico, social e cultural. Ser arte/educador, no contexto da virada
arte/educativa, caracteriza-se pela busca da leitura do discurso visual por meio de
interpretações que articulam a dimensão estética com a dimensão política, ou seja,
com a atenção da flor, nos tornamos sementes.

322
Unidas no Jardim, 2018. Os Raios de Luz, 2018.
Vanessa Arnaut. Vanessa Arnaut.
Técnica Mista, 0,57cm. Técnica Mista, 0,67cm.

As Raízes, 2018. O Caule, 2018.


Vanessa Arnaut. Vanessa Arnaut.
Técnica Mista, 0,74cm. Técnica Mista, 0,75cm.

323
O Girassol, 2018.
Vanessa Arnaut.
Técnica Mista, 0, 67x0.89cm.

Mescla, 2018. As Flores Entremeio, 2018.


Vanessa Arnaut. Vanessa Arnaut.
Técnica Mista, 1,50x0,73cm. Técnica Mista, 1,60x0,50cm

324
PRODUÇÃO INTUITIVA: ORÁCULO SAGRADO DAS ÁRVORES

Jacqueline Amadio de Abreu (UEM)


E-mail: jacqueline-amadio@hotmail.com

Texto Conceitual
OGAM foi o trabalho realizado na disciplina de Escultura I do curso de Artes
Visuais que teve como proposta o desenvolvimento da poética individual com argila,
em que parti da visão antiga da conexão da mulher com a terra e também das bruxas
celtas e busquei uma arte intuitiva na produção do meu oráculo céltico. A produção
dialoga com o eixo temático 02 Coexistências e Desobediências nas Tecituras da Arte
e a modalidade dessa produção visual é o objeto artístico, passando por escultura e
pintura.
Como admiradora da cultura celta me baseei na pesquisa de Lady Mirian Black
(2014) que traz uma obra bastante completa sobre o povo e a cultura, sobretudo as
mulheres bruxas da sociedade celta, e me inspiro no que ela traz sobre Ogam. De
acordo com Almeida (2010) o processo criativo é também produto das bagagens
experienciais e sensíveis de cada pessoa e uma busca contínua subjetiva.
Ogam é o oráculo céltico das árvores, formado por vinte letras ogâmicas –
composto por quatro grupos chamados aicme, cada um contendo cinco letras,
totalizando as vinte. Como Black (2014) mostra, cada letra ogâmica é relacionada a
uma árvore, cada uma tem um significado e este geralmente associado à característica
de sua árvore. A escrita era usada raramente, mas seus símbolos eram/são usados
como inscrições de Espaços Sagrados, como talismãs e como oráculo.
Esclareço que os estudos do Ogam e seu uso são muito mais profundos e
minha produção é apenas uma experimentação artística, de pesquisa e de intuição, a
fim de recuperar a vivência da ação intuitiva da mulher pela arte e de fazer minhas
próprias peças imprimindo minha energia e buscando experiência artística (e,
portanto, não o fiz para uso oracular, que exige todo um preparo de consagração).
Quanto ao fazer artístico, modelei 20 peças manualmente, sem uso de forma,
em formato arredondado e achatado, e marquei o símbolo de cada Ogam em baixo
relevo na superfície. Depois de secas, pesquisei a imagem de cada árvore e a pintei
na letra correspondente. Foi principalmente nessa fase da pintura que mergulhei mais
introspectivamente, escolhendo de forma intuitiva e fluida qual detalhe da árvore eu
traria para a peça, após a leitura do significado de cada uma e de sua árvore,
consciente do trabalho que fazia. Foi onde mais senti que minha energia e meu eu se
imprimia nas peças. Escrevi também o nome de cada Ogam e envernizei.
Sobre a criação das mulheres, Estes (2014) diz que a intuição feminina nunca
se partiu, mas sim a benção matrilinear da intuição e a transmissão da confiança
intuitiva de todas as mulheres, mas que essa pode ser restaurada e honrada. Dessa
forma, a minha experiência artística proporcionou a restauração e vivência do eu
intuitivo podado ao longo da sociedade patriarcal e por uma racionalidade endurecida.
Tenho como aliados em minha experiência artística o discurso de mulheres, a história

325
feminina que não pode ser apagada, a linhagem matrilinear jamais perdida. Arte como
potência de recriar e proporcionar experiências.

Referências

ALMEIDA, Flávia Leme de. Mulheres recipientes: recortes poéticos do universo


feminino nas artes visuais. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

BLACK, Lady Mirian. Bruxas. São Paulo: Ícone, 2014.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com lobos: mitos e histórias do
arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.

Figura 1: Peças de argila, 2017, de Jacqueline Amadio. Modelagem de argila.

Fonte: Arquivo da autora, 2017.

Figura 2: Peças de argila II, 2017, de Jacqueline Amadio. Modelagem de argila.

326
Fonte: Arquivo da autora, 2017.

Figura 3: Processo de pintura, 2017, de Jacqueline Amadio. Pintura sobre argila.

Fonte: Arquivo da autora, 2017.

Figura 4: Detalhe de uma peça, 2017, de Jacqueline Amadio. Pintura sobre argila.

327
Fonte: Arquivo da autora, 2017.

Figura 5: Aicme I, 2017, de Jacqueline Amadio. Figura 6: Aicme II, 2017, de Jacqueline Amadio. Pintura
sobre peça de argila. Pintura sobre peça de argila.

Fonte: Arquivo da autora, 2017. Fonte: Arquivo da autora, 2017.

328
Figura 7: Aicme III, 2017, de Jacqueline Amadio. Figura 8: Aicme IV, 2017, de Jacqueline Pintura
sobre peça de argila. Amadio. Pintura sobre peça de argila.

Fonte: Arquivo da autora, 2017. Fonte: Arquivo da autora, 2017.

Figura 9 : Ogam, 2017, de Jacqueline Amadio. Figura 10: Ogam II, 2017, de Jacqueline Amadio.
Pintura sobre peça de argila. Pintura sobre peça de argila.

Fonte: Arquivo da autora, 2017. Fonte: Arquivo da autora, 2017.

Figura 11: Oráculo Sagrado das Árvores, 2017, de Jacqueline Amadio. Modelagem e
pintura em argila.

329
Fonte: Arquivo da autora, 2017.

330

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