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Revisitando o teorema da Equivalência Ricardiana

Maria Isabel Busato1

Resumo

Essas notas visam trazer à tona os modelos, resultados e principais objeções à validade
da Equivalência Ricardiana conforme apresentada em Barro (1974). Pretende-se
explorar sua tese de que impostos e dívidas se equivalem e não têm efeitos reais sobre a
riqueza percebida pelos agentes, a demanda, a taxa real de juros e nem sobre a
economia como um todo. A tese refere-se à alteração na forma de financiamento de um
dado volume de gastos e não trata dos efeitos de uma expansão naquele volume,
analisando o aumento da dívida pública em decorrência da redução nos impostos. Após
sua apresentação, a tese foi bastante debatida, consolidando-se algumas premissas
necessárias para sua validade. O texto objetiva explorar a primeira rodada de debates
sobre o tema, explicitando as restrições às quais estão sujeitas o teorema Barro-Ricardo
ou o teorema da Equivalência Ricardiana a partir das publicações de Barro (1976),
Buchanan (1976) e Feldstein (1976), todas elas dentro do ‗terreno‘ da ortodoxia
econômica, incluindo nas considerações finais análises de Barro em artigos posteriores
(1989 e 1996).

I. Algumas considerações iniciais


Nesses meses em que o Brasil e o mundo enfrentam uma das maiores crises
sanitárias e econômicas de sua história, ressurge a discussão sobre a necessidade latente
de atuação do Estado na economia a fim de lidar não apenas com as questões sanitárias,
mas também e essencialmente, com a necessidade de conter a redução da demanda, da
renda e do emprego. Estimulada pelo debate atual sobre dívida, déficit e formas de
financiamento no contexto da pandemia, resolvi revisitar o célebre artigo de R. Barro,
de 1974, ―Are Government Bonds Net Wealth?‖ e o debate surgido após aquela
publicação.
Barro (1974) irá analisar os efeitos da emissão de dívida em decorrência de uma
redução nos impostos, sem novas emissões de dívidas decorrentes de mudanças nas
despesas públicas. A tese defendida pelo autor é a de que existe equivalência entre
tributos e dívida, ou seja, para dado montante de gastos públicos, a substituição de
impostos por dívida não terá qualquer efeito sobre a riqueza, sobre a demanda agregada
ou tampouco sobre a taxa real de juros e sobre o produto da economia.
A possibilidade de uma redução nos impostos afetar (ou não) a demanda
agregada através do aumento do consumo fez parte do debate vigente nos anos 1970 que

1
Professora adjunta do Instituto de economia da UFRJ – Membra do Grupo de Dinâmica Econômica
2

retorna recorrentemente ao campo acadêmico. Antes da hipótese da equivalência, os


efeitos mais comuns decorrentes de um corte dos impostos para dados gastos eram
aqueles previstos pelo modelo IS-LM e pelo Modelo Neoclássico. No modelo IS-LM, a
redução dos impostos aumentaria a renda disponível e o consumo privado, a demanda
agregada, a produção e o emprego. Caso a forma funcional da arrecadação seja
especificada como função da renda (tY), o efeito se dará sobre o multiplicador dos
gastos. De uma forma ou de outra, o efeito da redução dos impostos levará a um
aumento da demanda agregada, da produção e do emprego, com algum efeito crowding-
out do investimento, mas não o suficiente para impedir o efeito expansionista sobre a
renda. Na tradição neoclássica, que faz o produto ser função dos fatores de produção e
de suas produtividades (K, L, A), o corte nos impostos levaria ao aumento da renda
disponível e ao aumento do consumo privado. Como o consumo privado aumenta
concomitantemente à renda privada, o efeito sobre a poupança privada (Y – C – T)
depende dos parâmetros. Já do lado da poupança pública (T – G), a redução dos
impostos para dado gastos reduz a poupança do governo. A redução da poupança
agregada leva a um aumento na taxa real de juros (teoria dos fundos emprestáveis) que
levará por sua vez a uma redução no investimento privado, de forma que a demanda é
recomposta com maior consumo e menor investimento, levando ao efeito crowding-out.
No longo prazo, seguindo Solow, menor investimento levaria a uma redução do estoque
de capital e da renda per capita em steady-state, reduzindo o bem-estar no longo prazo.
Em 1974, Robert Barro desafia ambos os resultados acima afirmando haver
equivalência entre tributos e dívidas, resultado que se convencionou chamar de
Equivalência Ricardiana. De acordo com esta perspectiva, as variações do montante de
dívida pública ou tributos, para dados gastos, não impõem nenhum custo adicional à
economia, não causa efeito sobre a demanda, efeito crowding out, ou tampouco efeito
sobre o consumo ou sobre a taxa real de juros. Esse resultado pressupunha duas
hipóteses centrais: (i) a existência de algum tipo de solidariedade intergeracional,
implicando que ao menos a geração atual e a próxima estão interligadas através de suas
funções utilidade que se expressa pela ―preocupação‖ com o nível de bem-estar
intergeracional; e (ii) o fato de o governo enfrentar algum tipo de restrição orçamentária
intertemporal, implicando que a dívida será resgatada em algum momento. Porém, a
partir do debate feito no Jornal of Political Economy em abril de 1976, revelou-se que o
resultado também necessitava de algumas hipóteses adicionais. Os protagonistas desse
debate foram J. Buchanan com o artigo ―Barro on the Ricardian Equivalence Theorem‖
3

e Feldstein, com o artigo intitulado ―Perceived Wealth in Bonds and Social Security: A
Comment‖, seguidos pelas respostas dadas por Barro em ―Perceived Wealth in Bonds
and Social Security and the Ricardian Equivalence Theorem:Reply to Feldstein and
Buchanan‖.
O objetivo central do artigo é expor as hipóteses restritivas apontadas no debate
para a validade do teorema. Para tanto, se iniciará com uma breve exposição do modelo
de Barro; em seguida, na segunda seção, serão apresentadas as restrições apontadas por
Buchanan e por Feldstein para o funcionamento da Equivalência Ricardiana, bem como
a resposta de Barro. O artigo se encerra com algumas considerações finais, incluindo
análises feitas pelo autor em artigos posteriores (1989, 1996).

II – O modelo de Barro – uma breve apresentação


O título do artigo de Barro (1974) sugere o que está por trás de suas hipóteses e
resultados centrais: seriam os títulos do governo riqueza líquida? Os efeitos reais
propostos pela teoria vigente dependem amplamente do pressuposto de que os agentes
encaram os títulos do governo como riqueza líquida. Segundo o autor, porém, se as
gerações atuais estiverem conectadas com as gerações futuras (ou vice e versa), os
títulos do governo somente seriam percebidos como riqueza se seu valor excedesse o
valor presente do fluxo implícito de obrigações fiscais futuras 2. (BARRO, 1974, p.
1095). Assim, os possíveis efeitos reais de uma política de redução dos impostos podem
ser neutralizados devido à equivalência entre dívida futura e impostos presentes3. Barro
nega também a ideia de que exista um limite para a relação dívida/pib4, parte do debate
atual no Brasil e no mundo. Não há qualquer efeito perverso decorrente do aumento do
déficit público se todo ajuste se dará através dos balanços patrimoniais privado e

2
No modelo de Barro isso levaria ao resultado padrão neoclássico. Dentro do debate atual da TFNP
(teoria fiscal do nível de preços) se o valor presente esperado dos superávits futuros for inferior ao
estoque de dívida, o ajuste se dará através do aumento dos preços como mecanismo de ajuste via efeito da
riqueza. Ou seja, se B/P > S (onde B é o estoque nominal de dívida; P é o nível de preços; e S é o valor
presente esperado dos superávits futuros) os preços aumentarão para garantir o ajuste. O mecanismo pode
ser encontrado em Woodford (2005): se o valor presente dos superávits esperados não é suficiente para
garantir o equilíbrio, dado o estoque nominal de dívida, os agentes encaram a dívida adicional (com
relação aos superávits esperados) como riqueza e ampliam seus gastos. O ajuste se dará pelo aumento dos
preços.
3
Barro alertou que esse debate já estava posto naquela ocasião, citando, por exemplo, James Tobin: How
is it possible that society merely by the device of incurring a debt to itself can deceive itself into believing
that it is wealthier? Do not the additional taxes which are necessary to carry the interest charges reduce
the value of other components of private wealth? (Tobin, 1971, p. 91 apud Barro 1976)
4
Isso fica claro quando afirma (1976) que o aumento da dívida causa apreensão entre os agentes que
pouparão mais. Logo, os balanços sempre se compensariam, independente do tamanho da dívida.
4

público. O aumento do patrimônio presente do setor privado será integralmente


compensado pela redução futura a partir da necessidade de arcar com juros e dívida.
O modelo foi construído com gerações sobrepostas com solidariedade
intergeracional5 e capital físico, e foi baseado, segundo o próprio (Barro, 1974, p. 1098
e segs), nos modelos de Samuelson, de 1958, e de Diamond, de 1965. Sintetizo as
hipóteses a seguir:
i) Cada indivíduo vive dois períodos: Juventude, notação ‗y‘ (young); Velhice,
notação ‗o‘ (old).
ii) As gerações são numeradas começando com a geração que atualmente é
velha e receberá o subscrito 1, seguida por seus descendentes (atualmente
jovens) que receberão o subscrito 2, a assim sucessivamente.
iii) Há o mesmo número de pessoas em cada geração, com mesma produtividade
e não há mudanças tecnológicas ao longo do tempo.
iv) Os membros de cada geração trabalham enquanto jovens e receberão o
montante de salário, w. As expectativas para o salário das próximas gerações
são estáticas (igual a w).
v) Os ativos líquidos são mantidos na forma de capital, podendo ser acrescidos
de títulos do governo como possibilidade adicional. A taxa de retorno dos
ativos é escrita como r, e sua expectativas para o valor futuro também é
estática, e os retornos são pagos uma vez por período, no início do período.
vi) O membro de cada geração i-ésima geração mantém certo montante de
ativos, enquanto jovem e quando velho. Esses ativos serão utilizados
para provisão de herança que será repassada aos descendentes imediatos
(geração i + 1).
vii) Uma parte dos recursos vitalícios de um membro da geração i será deixada
como legado para a geração i +1, e será modelada através da introdução de
níveis de consumo da próxima geração na função utilidade da geração
corrente.

5
Quando se constrói um modelo no qual os horizontes são infinitos – como se as famílias tivessem um
horizonte infinito de tempo, como se vivessem infinitamente – a hipótese de Barro fica mais óbvia: um
aumento patrimonial presente será integralmente compensado por uma redução futura, logo não faria
sentido alterar as decisões de consumo ao longo da vida;
5

viii) O governo emite um montante de títulos de dívida, B, remunerados à taxa


real rB no período atual, e resgata o principal no próximo período6.
ix) O imposto – do tipo lump-sum – para pagamento dos juros recairá sobre as
famílias da geração 2 (enquanto jovens), mas o pagamento do principal será
pago no início do próximo período por um imposto adicional sobre as
famílias de geração 2 (enquanto velhas)7.

O objetivo é então avaliar o efeito da mudança na taxa de impostos e na dívida


do governo para dado nível de gasto público. Na primeira seção do artigo Barro
assumirá que tanto os gastos do governo como os impostos serão zero. Dado nosso
interesse, passaremos para a seção ―B‖ do artigo, na qual Barro inclui ―government
debt‖.

Irei apenas resgatar a equação inicial, sem governo e em seguida expandirei com
a inclusão do governo conforme seção 2 do referido artigo.
Sedo c o consumo, a restrição orçamentária intertemporal para um membro da
geração 1 quando idoso no modelo básico será dada por:

(1)

Do lado esquerdo encontram-se os ativos (recursos disponíveis, dados pela soma


dos ativos que acumulou quando jovem mais a herança recebida da geração anterior
. O total de usos (lado direito) é dado pelo consumo quando velho, , somado à
provisão de legado para a próxima geração (geração 2), subtraída de uma taxa de juros8.

6
Barro afima que ―(...) the government may not reissue the bonds when they come due in the next period¨
(op. cit, p.1102).
7
Barro (1974) analisa posteriormente o efeito da emissão da dívida do governo e seu financiamento na
geração 3 e gerações posteriores. Chegando a conclusões parecidas, desde que mantida a solidariedade ao
menos entre duas gerações.
8
Nas especificações do modelo consta que os juros são pagos apenas uma vez em cada período. Dada a
especificação da equação (1) pode-se inferir que os juros (r) sobre o os ativos foram recebidos no início
do período (enquanto jovem); assim, já estão acumulados nos ativos do agente em sua velhice ( Por
essa razão, exclui-se os juros multiplicado pelos ativos da disponibilidade de ativos na velhice. Ou seja,
em ( consta os ativos acumulados pelo agente quando jovem dos recursos provenientes dos salários
recebidos na juventude, da herança recebida da geração anterior e da remuneração (juros) recebido sobre
seus ativos.
6

Já a função utilidade de um membro da geração i dependerá do seu próprio


consumo nos dois períodos (juventude e velhice), dados por e , e da utilidade
atingível do descendente imediato ( ).

(2)

Com a inclusão da dívida pública, pode-se reescrever a restrição orçamentária


intertemporal para um membro da geração 1 quando idoso da seguinte forma:

(3)

Do lado esquerdo, soma-se B aos recursos da geração 1, representando as


transferências (lump-sum) recebidas do governo pela redução nos impostos.
Para a geração 2, a restrição orçamentária corrente (juventude) será dada por:

(4)

Os usos da geração 2 quando jovem devem incluir o imposto necessário para


pagar os juros sobre a dívida (rB). A restrição orçamentária para a geração 2 quando
idosa incluirá agora o imposto necessário para amortizar a dívida:

(5)

Em (5), B representa exatamente o imposto necessário para pagar o principal da


dívida. Desse modo, a geração 1 se beneficiou com os recursos (B) provenientes da
política fiscal e o peso da dívida e dos juros recaiu sobre a geração futura. A questão
posta portanto seria: a geração que se beneficiou pela política fiscal (exemplo de
redução nos impostos) se sentirá mais rica? A resposta para essa pergunta depende
diretamente das duas hipóteses centrais do modelo de Barro, a primeira sobre a forma
funcional das funções utilidades intergeracionais (há uma cadeia operativa de
7

transferências intergeracionais que se conectam expressa na equação 2), e a segunda


sobre a impossibilidade de o governo rolar a dívida (hipótese ix).
Seguindo com o modelo, a função utilidade da geração 2, combinando as duas
restrições, juventude e velhice (eq.4 e 5), seria9:

(6)

A função utilidade para um membro da geração 2 será:

[ ]
(7)

Ou seja, a herança líquida da geração 2 para a próxima geração [ ]


está incluída como argumento da função utilidade da geração 2, explicitando a
preocupação intergeracional. Segundo Barro, na equação (2) o consumo de um membro
da geração 1 e o levado para a geração seguinte disputam recursos. Logo, há uma
relação inversa entre e[ ] para dado valor de .
Para dado valor predeterminado (inicial) de , usando as equações 2, 3 e 5 e a
equação abaixo, tem-se que:

( ) [ ] ]
(8)

A equação mostra que a utilidade da geração 1 depende de seu consumo ao


longo da vida (juventude e velhice) e da utilidade do descendente direto. A utilidade do
descendente dependerá também do seu próprio consumo (nos dois períodos da vida) e
da utilidade da geração seguinte (equação 2). Mas tanto o consumo, como a herança das
gerações dependem também do legado recebido (e doado) de (e para) a geração

9
Conforme faz o autor, combinando as restrições orçamentárias dos dois períodos de vida da geração 2,
temos, após algumas manipulações, o seguinte resultado: da restrição orçamentária do período jovem
podemos reescrever: , substituindo na restrição da velhice temos:
, multiplicando por (1-r) :
8

precedente (e seguinte). Desse modo, para dados valores inicias de ,o


problema de otimização da geração 1 se traduz na determinação da herança ótima
líquida, [ ] , para a geração seguinte, sujeito à restrição imposta pelo modelo de
que ela seja maior ou igual a zero.
Desse modo podemos inferir qual seria o efeito de um aumento da dívida do
governo para determinado nível de gastos. Qualquer mudança em B (dívida pública)
será satisfeita apenas por uma mudança em que mantenha o valor da herança líquida
[ ] inalterado. Essa recomposição dos balanços patrimoniais entre as gerações
1 e 2 fará com que não haja qualquer efeito da mudança na dívida sobre
Isso ocorre devido às gerações estarem interligadas e através dos
mecanismos compensatórios entre os balanços dos agentes, visto que aumentos da
poupança privada presente (aumentando o legado suficiente para que a próxima geração
pague os juros e o principal da dívida pública) compensam exatamente a redução da
poupança do governo decorrente da dívida pública. A solidariedade intergeracional faz
com que a poupança atual e, portanto, o legado da geração presente, aumente para
manter a utilidade da geração futura. Por essa razão haveria uma equivalência entre
dívida e impostos, sem efeito sobre a percepção de riqueza pelo setor privado.
De fato, para Barro, a atuação através de redução/aumento dos impostos ou
redução/aumento da dívida pública, em si, não tem qualquer relevância sobre a
economia, nem mesmo negativa. Lembrando sempre que ―[seu] foco de análise diz
respeito à mudanças nas obrigações fiscais e dívida pública para determinado nível de
despesas‖ (1974, p. 1099, tradução minha). Finalmente, o autor conclui que em um
modelo com gerações sobrepostas, a seguridade social também seguirá a mesma lógica
acima apresentada.

II – Barro, Feldstein e Buchanan: debatendo as condições necessárias para a


validade da Equivalência Ricardiana
Logo após a publicação do artigo de Barro, surge, na ortodoxia acadêmica, uma
série de artigos questionando a validade dos resultados sob determinadas circunstâncias.
A polarização se deve, particularmente, ao fato de que boa parte da tradição neoclássica
previa um impacto negativo de longo prazo em decorrência de mudanças nas obrigações
fiscais, provenientes de mudanças na taxação ou na seguridade, através de seu impacto
sobre a poupança, taxa real de juros e acumulação de capital.
9

O debate que se pretende mapear foi publicado em 1976 no Jornal of Political


Economy e teve como protagonistas Feldstein, com o artigo ―Perceived Wealth in
Bonds and Social Security: A Comment‖ e J. Buchanan, com o artigo ―Barro on the
Ricardian Equivalence Theorem‖; seguidos pelo de Barro ―Perceived Wealth in Bonds
and Social Security and the Ricardian Equivalence Theorem: Reply to Feldstein and
Buchanan‖. O objetivo é descrever as hipóteses restritivas apontadas por Feldstein e por
Buchanan para a validade da Equivalência Ricardiana.

Contraposições de Martin Feldstein e comentários de Barro


Feldstein inicia enfatizando o principal resultado do artigo de Barro (1974), qual
seja, que nem a dívida pública e nem a seguridade são percebidos como riqueza pelas
famílias, pois elas estão inseridas em um sistema de transferências operativas
intergeracionais, disso decorrendo o fato de a dívida pública não afetar a acumulação de
capital. O autor, em consonância com a tradição neoclássica, alega que as conclusões de
Barro contradizem as modernas teorias sobre a dívida pública e seus efeitos depressivos
sobre a economia, citando, para ratificar seu argumento, os estudos de autores como
Buchanan, Modigliani e Diamond, ―models in which public debt is regarded as net
wealth by the households so that real capital accumulation is depressed‖ (1976, p. 331).
Alega que os resultados de Barro têm em sua base o fato de as gerações estarem
interligadas através de suas funções utilidades e transferências voluntárias
intergeracionaisl, de modo que a emissão de dívida aumenta a riqueza da geração atual,
mas impõem um tipo de obrigação às futuras gerações com as quais a geração atual se
preocupa, pois a mesma terá que pagar a dívida. A fim de impedir que a próxima
geração tenha seu bem-estar afetado, a geração atual responderá ao aumento da riqueza
pelo aumento do legado a ser deixado como herança, mesmo que seus planos de herança
já tenham sito programados, o mesmo valendo para o caso da seguridade social. Mas,
na base de tal argumentação, alega Feldstein (1976, p. 332), há uma hipótese que, se
alterada, mudaria os resultados alcançados por Barro:

These conclusions reflect the crucial assumption in Barro's


analysis that the economy has a constant population and no
economic growth. Consider instead an economy in which total
national income grows at rate g, the sum of the growth rate of
population and the rate of technical progress. It is useful to
analyse first the special case in which the rate of interest on
government debt (r) is not greater than the rate of economic
growth.
10

Desde que g > r (taxa de crescimento econômico10 maior do que a taxa de juros
que remunera a dívida pública), o governo nunca precisará, de fato, resgatar a dívida,
podendo substituí-la por uma nova, pagando apenas os juros. Feldstein alega que, como
nenhuma geração terá que pagar a dívida, a geração atual, mesmo que inclua em sua
função utilidade o bem-estar da geração seguinte, não precisará alterar seus planos de
herança, e, portanto, a primeira geração, ―que recebeu a dívida do governo como
transferência‖, irá aumentar seu consumo, reduzindo a acumulação de capital (1976, p.
333). Ora, argumenta o autor, caso se deseje manter uma relação dívida/PIB estável,
basta emitir nova dívida para fazer frente às obrigações, visto que com g > r não haverá
necessidade de o governo aumentar a taxa nem para o pagamento dos juros e tampouco
para as amortizações, devido ao aumento da base tributária.
Nesse caso, o efeito seria aquele previsto pela tradição neoclássica: a redução
dos impostos leva a um aumento na renda disponível e na riqueza percebida, o aumento
no consumo associado à redução dos impostos leva à redução da poupança total, que
eleva a taxa real de juros e reduz o investimento. Haverá uma recomposição da
demanda com aumento no consumo e redução do investimento e redução na
acumulação de capital. O mesmo resultado seria obtido pelo aumento da seguridade
social, caso g > r (Feldstein, 1976, p. 333). Em suma, o autor aceita as conclusões de
Barro (1974) no caso de uma economia estática, mas conclui que a introdução da
seguridade social ou da dívida pública em uma economia com taxa positiva de
crescimento poderá reduzir a acumulação de capital real.
Além disso, Feldstein sugere a necessidade de submeter as hipóteses teóricas de
Barro (1974) a testes empíricos, mesmo que a condição acima, g > r, não seja atendida.
Ele afirma que ―the empirical evidence strongly suggests that social security does
reduce savings‖ (p. 333) e ressalta que:

[T]he complexity of these anticipations casts doubt on the


empirical relevance of this entire exercise. In determining their
bequests, households are required to understand the effect of
these bequests and of the financing requirements of the public
debt and the social security program on all future generations
(p. 335)

10
―Consider instead an economy in which total national income grows at rate g, the sum of the growth
rate of population and the rate of technical progress― (Feldstein, p.932).
11

O autor argumenta ainda que seria plausível que as dificuldades computacionais


aumentassem a incerteza individual, e que o modelo deveria incluir explicitamente essa
incerteza. Além destas, haveria também uma dificuldade prática que diz respeito às
diferenças entre a taxa de juros que remunera a poupança privada e a que remunera a
dívida do governo, sendo a primeira, em geral, menor. Este seria um elemento adicional
para que os agentes conseguissem capitalizar exatamente o montante necessário para o
futuro11. Para tal argumento, Barro afirma apenas ser pouco provável que os agentes
incorressem em erros sistemáticos (expectativas racionais) de modo que o aumento da
dívida impactasse a demanda agregada. Pelo contrário, argumenta Barro (1976), os
déficits públicos poderiam deixar as pessoas suficientemente apreensivas, de modo que
elas tenderiam a reduzir seu consumo frente à emissão de dívida. Por fim, Feldstein
ressalta que, mesmo para o caso de , seriam obtidos os resultados previstos pela
tradição neoclássica.
Ao responder às criticas de Feldstein, Barro (1976), afirma que suas conclusões
acerca do segundo caso ( se deveram a um erro de cálculo (p. 344). Já sobre o
12
primeiro caso (g > r) , reconhece que:
In this case it is possible to finance all of the future interest
payments without incurring in any future taxes by having the
debt grow forever at rate r. In this situation, where r < g in a
steady state, it appears that debt issue would be regarded as net
wealth and would therefore raise aggregate demand. Further, it
seems that a sufficient amount of debt issue would cause
enough of a shift from saving to consumption so that the steady-
state rate of return would be raised to (just) exceed the growth
rate. (p. 344) 13

Logo, ―I cannot rigorously rule out the existence of the case, , in which
debt issue would raise net wealth‖. Não há, portanto, qualquer diferença resultante do
aumento da dívida, para dados gastos, entre o modelo de Barro e o dos neoclássicos

11
No modelo seminal de Barro (1974), os títulos públicos ou a acumulação de capital são as únicas
alternativas para a conservação dos ativos pelas famílias. No texto de Feldstein (1976), o argumento não é
explorado, mas torna-se relevante contra a tese de Barro. Isto porque, ainda que os agentes buscassem
capitalizar o suficiente para que a geração futura não sofresse redução em sua utilidade, a poupança seria
capitalizada a uma taxa menor do que a que remunera a dívida, havendo assim um descasamento do
crescimento da poupança e da dívida. Este diferencial somente não existiria em mercados perfeitos,
objeção reconhecida por Barro (1976).
12
Barro irá reconsiderar seu resultado não apenas para g estritamente maior que r, mas para
(p.343).
13
Objetivando a estabilidade da relação dívida/pib que não estava tão explícita no artigo seminal (1974),
mas que concorda em 1976 com Feldstein na seguinte passagem, que ele afirma que no caso de g > r ―so
that the ratio of debt to income remains constant over time‖ (1976, p.343).
12

mais convencionais para o caso de uma economia com crescimento econômico e


atendendo a .

Contraposições de James M. Buchanan e comentários de Barro


Buchanan (1976, p. 337), após se perguntar novamente se a emissão de dívida
pública equivale à tributação, destaca que a equivalência proposta por Barro seria válida
apenas para dado nível de gastos. Sobre isso, responde Barro (1976, p. 346)

[M]y analysis was directed toward fiscal operations that involve


shifts between tax and debt finance for a given volume of public
expenditures. Shifts in the expenditure level have real effects
that depend on the degree of substitutability between public and
private expenditures in individual utility functions.14

Ao analisar o argumento original de Barro (1974), Buchanan questiona a forma


como Barro apresenta a emissão de dívida pelo governo, pensada como uma espécie de
―helicóptero‖ lançando títulos sobra a geração 1, atualmente velha15. O autor, assim
como Feldstein, concorda que os resultados de Barro dependem diretamente das
condições que envolvem gerações sobrepostas de pessoas com vidas infinitas. Logo,
esse seria o motivo central para que o impacto da política fiscal não fosse expansionista
sobre os gastos privados.
Sobre isso, Buchanan (1976, p. 337) coloca duas questões: (i) os passivos fiscais
futuros seriam totalmente capitalizados? E, mesmo que fossem, (ii) isso implicaria
necessariamente que a mudança da política fiscal não exercesse efeito sobre o total de
gastos?
Segundo o autor, para estabelecer o segundo resultado, seria necessário
examinar os impactos diferenciais da tributação e da dívida. A redução de impostos é
proposta ser do tipo lump-sum, mas os gastos públicos, mesmo estáveis, poderiam
causar efeitos diferenciados sobre os agentes. Barro (1974) estaria desconsiderando
estes aspectos por não especificar adequadamente o conjunto inclusivo de transações
que a emissão de dívida representa; e suas conclusões, ao desconsiderar tais questões,

14
De fato, essa posição já estava presente no artigo seminal de Barro (1974, p. 1096), ao dizer que
pretendia analisar os ―effect on aggregate demand of ‗expansionary‘ fiscal policy, which is defined here
as a substitution of debt for tax finance for a given level of government expenditure,‖ (grifo meu).
Interpretar a Equivalência Ricardiana como se fosse aplicável a mudanças nos gastos públicos trata-se de
um equívoco bastante comum, que vem sendo repetido nos debates atuais.
15
Vale citar a passagem do autor, dado que este tema tem sido recorrente no debate atual: ―If the purpose
is to increase total spending in the economy, this might be done much more readily by the straightforward
issue of money, which does not involve future payment obligations‖ (p. 338);
13

parte necessária de qualquer análise comparativa dos dois instrumentos fiscais, não
seriam portanto ―tão relevantes para política como parecem ser‖ (p. 337).
Quanto aos argumentos de Buchanan acerca da possibilidade da exata
capitalização futura, Barro (1976) afirma considerar as diferentes características de risco
e liquidez dos títulos e das obrigações fiscais. Além disso, menciona ter feito referência
de forma preliminar no artigo seminal aos efeitos de mercados de capital privado
"imperfeitos". Para ele, as implicações dessas considerações para o efeito líquido da
emissão de dívida pública sobre a demanda agregada dependem de questões como a
eficiência do governo ou do setor privado nos serviços de liquidez, de realização de
empréstimos, entre outros, e também de como os passivos fiscais se correlacionam com
os rendimentos individuais.
Finalmente, Buchaman (p. 340) chama à atenção para a competição entre a
colocação de títulos públicos com os títulos privados, causando uma concorrência entre
ambos e algum efeito deslocamento. Sobre isso, Barro (1976) responde que se a
capitalização dos passivos fiscais futuros for perfeita e se a redução dos impostos e
emissão de dívida não forem percebidas como riqueza pelos agentes, não haverá
qualquer deslocamento, visto que a poupança privada (demanda por títulos) aumentará
em conjunto com a colocação dos títulos, em um aumento um para um. (Barro, 1976, p.
346).

Considerações finais
O artigo pretendeu mapear o debate que se seguiu à publicação do artigo seminal
de Barro de 1974 acerca da Equivalência Ricardiana, com algumas objeções apontadas
por Feldstein e Buchanan e as respostas do autor (1976). Nestas considerações finais, o
argumento será resumido e serão acrescidas as análises feitas por Barro em artigos
posteriores (BARRO, 1989, 1996).
A elaboração dessa nota foi estimulada pelo retorno do tema da Equivalência
Ricardiana para o debate atual no Brasil, sugerindo a necessidade de um maior
aprofundamento acerca dos limites daquele modelo, mas também, e principalmente,
para chamar a atenção para o fato de sua análise estar restrita à equivalência (ou não)
entre impostos e dívida sem considerar efeitos de aumentos dos gastos públicos.
O Teorema da Equivalência Ricardiana deve ser compreendido como um
exercício teórico que almeja argumentar basicamente que os indivíduos não se sentirão
mais ricos se seus impostos forem reduzidos e concomitantemente receberem o mesmo
14

valor em títulos de dívida pública. Isso porque, se a geração atual está preocupada ao
menos com a primeira geração futura, toda a redução de imposto financiada com dívida
será poupada. Decorre disso que não haveria qualquer efeito sobre a poupança agregada,
sobre a taxa real de juros, sobre as decisões de consumo, etc.
Como visto, para que o argumento se ‗mostrasse plausível‘, seriam necessárias
uma série de condições16, quais sejam: (a) um mundo estático, sem crescimento
econômico; (b) sem imperfeições de mercados; (c) com impostos que não sejam
distorcivos; (d) agentes super racionais, antecipando perfeitamente as responsabilidades
fiscais, bem como seus rendimentos e o rendimento futuro da próxima geração; (e)
existência de herdeiros diretos17, gerações infinitas ; (f) análise para dado gasto público;
(h) a dívida deverá ser paga em algum momento.
Além das críticas aceitas por Barro ao longo do debate acima exposto,
futuramente o próprio autor sintetizaria as principais objeções teóricas por ele
reconhecidas como limitadoras do funcionamento da Equivalência (1989): (i) a finitude
da vida – horizontes finitos18; (ii) imperfeições no mercado privado de crédito19; (iii)
incerteza sobre a incidência futura das taxas; e (iv) a natureza distorciva dos impostos20.
Barro (1989) reconhece que que a incorporação de tais aspectos ―(…) tends to generate
results that are no strictly Ricardian‖, mas que, para ele, ―the quantitative significance of
these departures from Ricardian equivalence is unclear‖. (p. 12)
Finalmente, em artigo de 1996, Barro revisita o tema, afirmando que, entre as
principais limitações à validade da Equivalência Ricardiana, está a natureza distorciva
dos impostos, confirmando igualmente que não se verificaria no caso em que r < g (taxa
de juros real inferior à taxa de crescimento econômico) e de que aquela validade
depende de a dívida do governo ser paga em algum momento. Para os casos de
impostos distorcivos, Barro (1996) ajusta seu argumento, se aproximando das
interpretações dos modelos de Ciclos Reais de Negócios:

16
O'Driscoll (1976) também entrou para o debate no artigo intitulado "The Ricardian Non-Equivalence
Theorem" (1976) com a intenção central de caracterizar adequadamente as contribuições prévias de
David Ricardo sobre o assunto, que não serão aqui abordadas .
17
Esse impedimento foi apontado por Tobin, 1980 (apud Snowdon & Vane, 2005), juntamente com
outras 15 razões para o Teorema da Equivalência Ricardiana não funcionar conforme previsto por Barro
(1974). Esse debate não foi tema deste artigo.
18
Segundo Snowdon & Vane (2005), essa objeção foi feita por Tobin, em 1980, quando argumentou que
as famílias que não têm filhos não teriam incentivo para deixar legados; Barro (1989) reconhece tal
objeção, mas diz que o impacto no consumo seria pequeno.
19
Já reconhecido no debate de 1976 com Feldstein e com Buchanan.
20
Também já havia sido reconhecido no debate de 1974.
15

The most important consideration is the distorting nature of


real-world taxes. Budget deficits influence the timing of taxes,
and this timing generally matter if the levies apply to labour
income, consumption, and so on. People are motivated to earn
labour income in periods of low labour tax rates and to consume
in periods of low consumption tax rates. Hence, variations in
the anticipated timing of these levies alters the intertemporal
allocation of work effort and consumption.

Ou seja, para ele haveria um resultado expansionista decorrente, especialmente,


da ampliação da oferta de trabalho em tempos em que os impostos estariam menores, o
que leva o autor a concluir que as alíquotas dos impostos deveriam ser suavizadas com
o tempo.
Enfim, mesmo diante das inúmeras objeções apontadas ao longo do debate,
Barro finaliza (1996, p. 16) afirmando que ―portanto, ao contrário de algumas de minhas
pesquisas juvenis sobre economia keynesiana, nunca desejei retratar nenhum de meus
trabalhos sobre a equivalência ricardiana.‖

Referências bibliográficas
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Equivalence Theorem:Reply to Feldstein and Buchanan. Journal of Political Economy,
The University of Chicago Press, vol. 84, No. 2, April, 1976, pp. 343-350.

Barro, R. (1989) The Ricardian approach to budget déficits. Journal of Economic


Perspectives—Volume 3, Number 2, p. 37–54, Spring 1989.

Barro, R. (1996) Reflections on Ricardian equivalence. National Bureou of Economic


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Barro, T. (1974) Are Government Bonds Net Wealth? Journal of Political Economy,
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Journal of Political Economy, The University of Chicago Press, vol. 84, No. 2 (Apr.,
1976), pp. 331-336.

O'Driscoll Jr., G. (1976) The Ricardian Non-Equivalence Theorem. Economic Staff


Paper Series. 147 Iowa state Universit. Digital Repository. 1976.

Tobin, J. (1980) Asset Accumulation and Economic Activity: Reflections on


Contemporary Macroeconomic Theory In Snowdon & Vane, Modern Macroeconomics.
2005.
16

Woodford (2005):

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