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Resumo
Essas notas visam trazer à tona os modelos, resultados e principais objeções à validade
da Equivalência Ricardiana conforme apresentada em Barro (1974). Pretende-se
explorar sua tese de que impostos e dívidas se equivalem e não têm efeitos reais sobre a
riqueza percebida pelos agentes, a demanda, a taxa real de juros e nem sobre a
economia como um todo. A tese refere-se à alteração na forma de financiamento de um
dado volume de gastos e não trata dos efeitos de uma expansão naquele volume,
analisando o aumento da dívida pública em decorrência da redução nos impostos. Após
sua apresentação, a tese foi bastante debatida, consolidando-se algumas premissas
necessárias para sua validade. O texto objetiva explorar a primeira rodada de debates
sobre o tema, explicitando as restrições às quais estão sujeitas o teorema Barro-Ricardo
ou o teorema da Equivalência Ricardiana a partir das publicações de Barro (1976),
Buchanan (1976) e Feldstein (1976), todas elas dentro do ‗terreno‘ da ortodoxia
econômica, incluindo nas considerações finais análises de Barro em artigos posteriores
(1989 e 1996).
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Professora adjunta do Instituto de economia da UFRJ – Membra do Grupo de Dinâmica Econômica
2
e Feldstein, com o artigo intitulado ―Perceived Wealth in Bonds and Social Security: A
Comment‖, seguidos pelas respostas dadas por Barro em ―Perceived Wealth in Bonds
and Social Security and the Ricardian Equivalence Theorem:Reply to Feldstein and
Buchanan‖.
O objetivo central do artigo é expor as hipóteses restritivas apontadas no debate
para a validade do teorema. Para tanto, se iniciará com uma breve exposição do modelo
de Barro; em seguida, na segunda seção, serão apresentadas as restrições apontadas por
Buchanan e por Feldstein para o funcionamento da Equivalência Ricardiana, bem como
a resposta de Barro. O artigo se encerra com algumas considerações finais, incluindo
análises feitas pelo autor em artigos posteriores (1989, 1996).
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No modelo de Barro isso levaria ao resultado padrão neoclássico. Dentro do debate atual da TFNP
(teoria fiscal do nível de preços) se o valor presente esperado dos superávits futuros for inferior ao
estoque de dívida, o ajuste se dará através do aumento dos preços como mecanismo de ajuste via efeito da
riqueza. Ou seja, se B/P > S (onde B é o estoque nominal de dívida; P é o nível de preços; e S é o valor
presente esperado dos superávits futuros) os preços aumentarão para garantir o ajuste. O mecanismo pode
ser encontrado em Woodford (2005): se o valor presente dos superávits esperados não é suficiente para
garantir o equilíbrio, dado o estoque nominal de dívida, os agentes encaram a dívida adicional (com
relação aos superávits esperados) como riqueza e ampliam seus gastos. O ajuste se dará pelo aumento dos
preços.
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Barro alertou que esse debate já estava posto naquela ocasião, citando, por exemplo, James Tobin: How
is it possible that society merely by the device of incurring a debt to itself can deceive itself into believing
that it is wealthier? Do not the additional taxes which are necessary to carry the interest charges reduce
the value of other components of private wealth? (Tobin, 1971, p. 91 apud Barro 1976)
4
Isso fica claro quando afirma (1976) que o aumento da dívida causa apreensão entre os agentes que
pouparão mais. Logo, os balanços sempre se compensariam, independente do tamanho da dívida.
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5
Quando se constrói um modelo no qual os horizontes são infinitos – como se as famílias tivessem um
horizonte infinito de tempo, como se vivessem infinitamente – a hipótese de Barro fica mais óbvia: um
aumento patrimonial presente será integralmente compensado por uma redução futura, logo não faria
sentido alterar as decisões de consumo ao longo da vida;
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Irei apenas resgatar a equação inicial, sem governo e em seguida expandirei com
a inclusão do governo conforme seção 2 do referido artigo.
Sedo c o consumo, a restrição orçamentária intertemporal para um membro da
geração 1 quando idoso no modelo básico será dada por:
(1)
6
Barro afima que ―(...) the government may not reissue the bonds when they come due in the next period¨
(op. cit, p.1102).
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Barro (1974) analisa posteriormente o efeito da emissão da dívida do governo e seu financiamento na
geração 3 e gerações posteriores. Chegando a conclusões parecidas, desde que mantida a solidariedade ao
menos entre duas gerações.
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Nas especificações do modelo consta que os juros são pagos apenas uma vez em cada período. Dada a
especificação da equação (1) pode-se inferir que os juros (r) sobre o os ativos foram recebidos no início
do período (enquanto jovem); assim, já estão acumulados nos ativos do agente em sua velhice ( Por
essa razão, exclui-se os juros multiplicado pelos ativos da disponibilidade de ativos na velhice. Ou seja,
em ( consta os ativos acumulados pelo agente quando jovem dos recursos provenientes dos salários
recebidos na juventude, da herança recebida da geração anterior e da remuneração (juros) recebido sobre
seus ativos.
6
(2)
(3)
(4)
(5)
(6)
[ ]
(7)
( ) [ ] ]
(8)
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Conforme faz o autor, combinando as restrições orçamentárias dos dois períodos de vida da geração 2,
temos, após algumas manipulações, o seguinte resultado: da restrição orçamentária do período jovem
podemos reescrever: , substituindo na restrição da velhice temos:
, multiplicando por (1-r) :
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Desde que g > r (taxa de crescimento econômico10 maior do que a taxa de juros
que remunera a dívida pública), o governo nunca precisará, de fato, resgatar a dívida,
podendo substituí-la por uma nova, pagando apenas os juros. Feldstein alega que, como
nenhuma geração terá que pagar a dívida, a geração atual, mesmo que inclua em sua
função utilidade o bem-estar da geração seguinte, não precisará alterar seus planos de
herança, e, portanto, a primeira geração, ―que recebeu a dívida do governo como
transferência‖, irá aumentar seu consumo, reduzindo a acumulação de capital (1976, p.
333). Ora, argumenta o autor, caso se deseje manter uma relação dívida/PIB estável,
basta emitir nova dívida para fazer frente às obrigações, visto que com g > r não haverá
necessidade de o governo aumentar a taxa nem para o pagamento dos juros e tampouco
para as amortizações, devido ao aumento da base tributária.
Nesse caso, o efeito seria aquele previsto pela tradição neoclássica: a redução
dos impostos leva a um aumento na renda disponível e na riqueza percebida, o aumento
no consumo associado à redução dos impostos leva à redução da poupança total, que
eleva a taxa real de juros e reduz o investimento. Haverá uma recomposição da
demanda com aumento no consumo e redução do investimento e redução na
acumulação de capital. O mesmo resultado seria obtido pelo aumento da seguridade
social, caso g > r (Feldstein, 1976, p. 333). Em suma, o autor aceita as conclusões de
Barro (1974) no caso de uma economia estática, mas conclui que a introdução da
seguridade social ou da dívida pública em uma economia com taxa positiva de
crescimento poderá reduzir a acumulação de capital real.
Além disso, Feldstein sugere a necessidade de submeter as hipóteses teóricas de
Barro (1974) a testes empíricos, mesmo que a condição acima, g > r, não seja atendida.
Ele afirma que ―the empirical evidence strongly suggests that social security does
reduce savings‖ (p. 333) e ressalta que:
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―Consider instead an economy in which total national income grows at rate g, the sum of the growth
rate of population and the rate of technical progress― (Feldstein, p.932).
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Logo, ―I cannot rigorously rule out the existence of the case, , in which
debt issue would raise net wealth‖. Não há, portanto, qualquer diferença resultante do
aumento da dívida, para dados gastos, entre o modelo de Barro e o dos neoclássicos
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No modelo seminal de Barro (1974), os títulos públicos ou a acumulação de capital são as únicas
alternativas para a conservação dos ativos pelas famílias. No texto de Feldstein (1976), o argumento não é
explorado, mas torna-se relevante contra a tese de Barro. Isto porque, ainda que os agentes buscassem
capitalizar o suficiente para que a geração futura não sofresse redução em sua utilidade, a poupança seria
capitalizada a uma taxa menor do que a que remunera a dívida, havendo assim um descasamento do
crescimento da poupança e da dívida. Este diferencial somente não existiria em mercados perfeitos,
objeção reconhecida por Barro (1976).
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Barro irá reconsiderar seu resultado não apenas para g estritamente maior que r, mas para
(p.343).
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Objetivando a estabilidade da relação dívida/pib que não estava tão explícita no artigo seminal (1974),
mas que concorda em 1976 com Feldstein na seguinte passagem, que ele afirma que no caso de g > r ―so
that the ratio of debt to income remains constant over time‖ (1976, p.343).
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De fato, essa posição já estava presente no artigo seminal de Barro (1974, p. 1096), ao dizer que
pretendia analisar os ―effect on aggregate demand of ‗expansionary‘ fiscal policy, which is defined here
as a substitution of debt for tax finance for a given level of government expenditure,‖ (grifo meu).
Interpretar a Equivalência Ricardiana como se fosse aplicável a mudanças nos gastos públicos trata-se de
um equívoco bastante comum, que vem sendo repetido nos debates atuais.
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Vale citar a passagem do autor, dado que este tema tem sido recorrente no debate atual: ―If the purpose
is to increase total spending in the economy, this might be done much more readily by the straightforward
issue of money, which does not involve future payment obligations‖ (p. 338);
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parte necessária de qualquer análise comparativa dos dois instrumentos fiscais, não
seriam portanto ―tão relevantes para política como parecem ser‖ (p. 337).
Quanto aos argumentos de Buchanan acerca da possibilidade da exata
capitalização futura, Barro (1976) afirma considerar as diferentes características de risco
e liquidez dos títulos e das obrigações fiscais. Além disso, menciona ter feito referência
de forma preliminar no artigo seminal aos efeitos de mercados de capital privado
"imperfeitos". Para ele, as implicações dessas considerações para o efeito líquido da
emissão de dívida pública sobre a demanda agregada dependem de questões como a
eficiência do governo ou do setor privado nos serviços de liquidez, de realização de
empréstimos, entre outros, e também de como os passivos fiscais se correlacionam com
os rendimentos individuais.
Finalmente, Buchaman (p. 340) chama à atenção para a competição entre a
colocação de títulos públicos com os títulos privados, causando uma concorrência entre
ambos e algum efeito deslocamento. Sobre isso, Barro (1976) responde que se a
capitalização dos passivos fiscais futuros for perfeita e se a redução dos impostos e
emissão de dívida não forem percebidas como riqueza pelos agentes, não haverá
qualquer deslocamento, visto que a poupança privada (demanda por títulos) aumentará
em conjunto com a colocação dos títulos, em um aumento um para um. (Barro, 1976, p.
346).
Considerações finais
O artigo pretendeu mapear o debate que se seguiu à publicação do artigo seminal
de Barro de 1974 acerca da Equivalência Ricardiana, com algumas objeções apontadas
por Feldstein e Buchanan e as respostas do autor (1976). Nestas considerações finais, o
argumento será resumido e serão acrescidas as análises feitas por Barro em artigos
posteriores (BARRO, 1989, 1996).
A elaboração dessa nota foi estimulada pelo retorno do tema da Equivalência
Ricardiana para o debate atual no Brasil, sugerindo a necessidade de um maior
aprofundamento acerca dos limites daquele modelo, mas também, e principalmente,
para chamar a atenção para o fato de sua análise estar restrita à equivalência (ou não)
entre impostos e dívida sem considerar efeitos de aumentos dos gastos públicos.
O Teorema da Equivalência Ricardiana deve ser compreendido como um
exercício teórico que almeja argumentar basicamente que os indivíduos não se sentirão
mais ricos se seus impostos forem reduzidos e concomitantemente receberem o mesmo
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valor em títulos de dívida pública. Isso porque, se a geração atual está preocupada ao
menos com a primeira geração futura, toda a redução de imposto financiada com dívida
será poupada. Decorre disso que não haveria qualquer efeito sobre a poupança agregada,
sobre a taxa real de juros, sobre as decisões de consumo, etc.
Como visto, para que o argumento se ‗mostrasse plausível‘, seriam necessárias
uma série de condições16, quais sejam: (a) um mundo estático, sem crescimento
econômico; (b) sem imperfeições de mercados; (c) com impostos que não sejam
distorcivos; (d) agentes super racionais, antecipando perfeitamente as responsabilidades
fiscais, bem como seus rendimentos e o rendimento futuro da próxima geração; (e)
existência de herdeiros diretos17, gerações infinitas ; (f) análise para dado gasto público;
(h) a dívida deverá ser paga em algum momento.
Além das críticas aceitas por Barro ao longo do debate acima exposto,
futuramente o próprio autor sintetizaria as principais objeções teóricas por ele
reconhecidas como limitadoras do funcionamento da Equivalência (1989): (i) a finitude
da vida – horizontes finitos18; (ii) imperfeições no mercado privado de crédito19; (iii)
incerteza sobre a incidência futura das taxas; e (iv) a natureza distorciva dos impostos20.
Barro (1989) reconhece que que a incorporação de tais aspectos ―(…) tends to generate
results that are no strictly Ricardian‖, mas que, para ele, ―the quantitative significance of
these departures from Ricardian equivalence is unclear‖. (p. 12)
Finalmente, em artigo de 1996, Barro revisita o tema, afirmando que, entre as
principais limitações à validade da Equivalência Ricardiana, está a natureza distorciva
dos impostos, confirmando igualmente que não se verificaria no caso em que r < g (taxa
de juros real inferior à taxa de crescimento econômico) e de que aquela validade
depende de a dívida do governo ser paga em algum momento. Para os casos de
impostos distorcivos, Barro (1996) ajusta seu argumento, se aproximando das
interpretações dos modelos de Ciclos Reais de Negócios:
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O'Driscoll (1976) também entrou para o debate no artigo intitulado "The Ricardian Non-Equivalence
Theorem" (1976) com a intenção central de caracterizar adequadamente as contribuições prévias de
David Ricardo sobre o assunto, que não serão aqui abordadas .
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Esse impedimento foi apontado por Tobin, 1980 (apud Snowdon & Vane, 2005), juntamente com
outras 15 razões para o Teorema da Equivalência Ricardiana não funcionar conforme previsto por Barro
(1974). Esse debate não foi tema deste artigo.
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Segundo Snowdon & Vane (2005), essa objeção foi feita por Tobin, em 1980, quando argumentou que
as famílias que não têm filhos não teriam incentivo para deixar legados; Barro (1989) reconhece tal
objeção, mas diz que o impacto no consumo seria pequeno.
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Já reconhecido no debate de 1976 com Feldstein e com Buchanan.
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Também já havia sido reconhecido no debate de 1974.
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Referências bibliográficas
Barro, R. (1976) Perceived Wealth in Bonds and Social Security and the Ricardian
Equivalence Theorem:Reply to Feldstein and Buchanan. Journal of Political Economy,
The University of Chicago Press, vol. 84, No. 2, April, 1976, pp. 343-350.
Barro, T. (1974) Are Government Bonds Net Wealth? Journal of Political Economy,
The University of Chicago Press, Vol. 82, No. 6, Nov. - Dec., 1974, pp. 1095-1117.
Woodford (2005):