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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

ALINE APARECIDA DE SOUZA VAZ

MEDIANERAS: ENQUADRAMENTOS E AFETOS NO HABITAR


DA CIDADE QUE OLHA E É OLHADA PARA E PELO CINEMA

CURITIBA
2016
ALINE APARECIDA DE SOUZA VAZ

MEDIANERAS: ENQUADRAMENTOS E AFETOS NO HABITAR


DA CIDADE QUE OLHA E É OLHADA PARA E PELO CINEMA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação – Stricto Sensu – Mestrado
Acadêmico em Comunicação e Linguagens da
Universidade Tuiuti do Paraná - UTP, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Comunicação e Linguagens.

Orientadora: Profª Dra Sandra Fischer

CURITIBA
2016
Dados Internacionais de Catalogação na fonte
Biblioteca "Sydnei Antonio Rangel Santos"
Universidade Tuiuti do Paraná
V393 Vaz, Aline.
Medianeras: enquadramentos e afetos no habitar da cidade
que olha e é olhada para e pelo cinema / Aline Vaz; orientadora
Profª drª Sandra Fischer.
196f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Tuiuti do Paraná


Curitiba, 2016.

1. Cinema. 2. Espaço fílmico. 3. Olhares. 4. Medianeras:


Buenos Aires na era do amor virtual. 5. Cidade. 6. Habitar.
I. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Linguagens/ Mestrado em Comunicação e
Linguagens. II. Título.

CDD – 791.343
TERMO DE APROVAÇÃO

ALINE APARECIDA DE SOUZA VAZ

MEDIANERAS: ENQUADRAMENTOS E AFETOS NO HABITAR


DA CIDADE QUE OLHA E É OLHADA PARA E PELO CINEMA

Esta dissertação foi julgada e aprovada em Banca de Defesa para obtenção de título de Mestre em
Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, 25 de agosto de 2016

_______________________________________

Mestrado em Comunicação e Linguagens – Estudos de Cinema e Audiovisual


Universidade Tuiuti do Paraná

Orientadora: Profª Doutora Sandra Fischer


UTP – PPGCOM

Prof. Doutor Rafael Tassi Teixeira


UTP – PPGCOM

Prof. Doutor Eduardo Tulio Baggio


UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná
AGRADECIMENTOS

Dedico esta pesquisa ao cinema que a cada filme rompe barreiras do meu
olhar e me proporciona habitar o espaço dos sonhos, das ilusões e desilusões.
Rimos e choramos juntos, somos olhados e olhantes, deixamos nossas histórias
serem invadidas, nos apropriamos e nos compreendemos no espaço-tempo da
subjetividade.
Agradeço aos meus pais, Celso Genito de Souza Vaz e Sueli Mariano Vaz,
pela ajuda desde sempre, pelo afeto, pelo sim e pelo não, pela vida e pela
segurança. Obrigada por quem sou, por quem são, pela família que somos e por
todas as nossas conquistas. Não posso retribuir em palavras o que me dão em
sentimentos e ações.
Agradeço ao meu irmão, Tiago Vaz, ao seu apoio, as suas verdades ditas
na cara, as boas e aquelas que a gente não quer ouvir (as mais necessárias). Um
grande amigo, maior motivador, que conhece todas as alegrias e as preocupações
do meu cotidiano.
Os amigos chamo para um brinde: cada um paga sua conta, heim?
Aos professores, desde o Ensino Fundamental e Médio, da Escola
Municipal São Jorge e do Colégio Estadual Papa João Paulo I, da Graduação em
Letras e da Especialização em Cinema, minha gratidão. O meu muito obrigado
aos pesquisadores com quem pude aprender no Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Linguagens da UTP: Kati Caetano, Mônica Fort, Denise
Guimarães, José Gatti, Eduardo Marquioni, Fernando Andacht, Geraldo Pieroni e
Álvaro Larangeira. Agradeço minha orientadora, Sandra Fischer, atenciosa, que
sempre confiou em meu trabalho e me mostrou caminhos complexos, mas
trilhados com poesia; obrigada por ser uma grande pesquisadora que tanto me
inspira. Agradeço ao professor Rafael Tassi que, sempre presente, contribuiu
com minha bibliografia, confiando em meu trabalho durante todo esse percurso
no mestrado e aceitando participar de minha banca de qualificação, com
considerações indispensáveis para o prosseguimento da pesquisa – e que agora
também se faz presente em minha banca de defesa. Finalmente, agradeço a
professora Denize Araujo, grande responsável por meu ingresso no
PPGCOM/UTP, apoiadora e motivadora.
Meu carinho e apoio aos colegas do programa que aceitaram o mesmo
desafio que eu, que se superam a cada dia, perdem alguns fios de cabelos, outros
ficam brancos, mas permanecem no mesmo caminho, trilhando uma linda
história.
Agradeço as contribuições do Grupo de Pesquisa Desdobramentos
Simbólicos no Espaço Urbano em Narrativas Audiovisuais, o GRUDES, que me
acolheu tão bem, onde nasceu a primeira apresentação da ideia que viria a se
tornar a presente pesquisa. Meu agradecimento especial também ao Cinecriare,
Grupo de Pesquisa da Unespar/FAP em que fui acolhida pelo coordenador
Eduardo Baggio, ao qual também agradeço pelas contribuições à minha pesquisa,
presente em todo o processo, especialmente em minha qualificação e agora na
banca de defesa, sempre muito atencioso e indispensável para as melhorias em
meu trabalho.
Minha gratidão ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Linguagens, que confiou em minha produção acadêmica e tornou possível minha
permanência no curso, a ser contemplada com a bolsa integral da CAPES em
meu último ano de mestrado.
Sinto um imenso carinho por todos os presentes em minhas vivências,
dentro e fora da academia, que me indicaram leituras, retribuíram afetos, criaram
vínculos, compreenderam minhas inquietações, me ouviram, me abraçaram,
dançaram, me deram oportunidades, confiaram e compartilharam suas
experiências comigo, sempre com muita generosidade.
Em tempo, dedico essa pesquisa a todos os alunos de colégios públicos, da
periferia, que podem sim chegar até aqui: eu cheguei. O onde é este “até aqui”? É
onde sonhamos estar. Aproveitem os caminhos até seus sonhos, o trajeto é a
maior realização. E como diz a música: “Segue seus passos, sente teus traços, pra
onde eles levam. A cidade não tem fim, olhos me cercam” (Cidade em Chamas -
CPM22).
RESUMO

A presente pesquisa busca analisar o filme argentino Medianeras: Buenos Aires


na Era do Amor Virtual (Gustavo Taretto; 2011), identificando-o como
pertencente à estética do mínimo, recorrente nas produções do Novo Cinema
Argentino, olhando para cidade fílmica de Buenos Aires e os modos do habitar
que criam espaços afetivos, compreendendo os processos comunicacionais da
cidade enquadrada na tela do cinema, que privilegia as representações e relações
entre o público e o privado, o espaço da casa e das ruas. Questiona-se como as
janelas da mise-en-scène e da “câmera-olho”, surgem como uma relação entre o
dentro e o fora, enquadrando personagens em uma cidade que abriga e oprime.
Ao nos apropriarmos da Buenos Aires cinematográfica percebemos que se trata
da representação de uma metropoleletronica ou cidade-ciborgue que constitui um
habitar atópico em que o sujeito hipermoderno experimenta a presença do outro
afastado desse outro mediado por janelas físicas e simbólicas. Considera-se que
por intermédio do mergulho na tela não somos apenas observadores, somos
participantes, vivenciamos um espaço de comunhão, fruto de presença na obra,
experiência e afeto, no sentido de como o espaço cinematográfico nos afeta e nos
coloca num ser e estar no mundo representado. Espectador e personagens
apropriam-se de uma cidade poética. Os modos de habitar determinam forma e
conteúdo. O espaço do cinema que é o espaço da cidade fílmica liga objetos e
corpos, constrói apropriações e imaginários por meio de estratégicas
cinematográficas.

Palavras-Chave: Cinema. Espaço fílmico. Olhares. Medianeras: Buenos Aires na


Era do Amor Virtual. Cidade. Habitar.
ABSTRACT

This research seeks to analyze the Argentine film Medianeras: Buenos Aires na
Era do Amor Virtual (Gustavo Taretto, 2011), identifying it as belonging to the
minimal aesthetic, recurrent in the productions of the New Argentine Cinema,
looking for cinematography city of Buenos Aires and the modes of inhabiting
that create emotional spaces, comprising the communication processes of the city
framed on the movie screen, which favors the representations and relations
between the public and the private space of the house and the street. One may
wonder how the windows of the mise-en-scène and "camera-eye" appear as a link
between the inside and the outside, framing characters in a city that houses and
oppresses. When we appropriate of the Buenos Aires film we realize that it is the
representation of a metropoleletronica or cyborg city that constitutes a dwell
atopic on the hypermodern subject experiences the presence of other away from
this other mediated by physical and symbolic windows. It is considered that by
the diving on the screen means we are not just observers, we are participants, we
experience a communion space, product of presence in the work, experience and
affection, in the sense of how the cinematographic space affects us and puts us in
a be and be in the world represented. Spectator and characters appropriates of a
poetic city. The ways of inhabiting determine form and content. The cinema
space that is the space of filmic city connects objects and bodies, builds
appropriations and imaginary by means of cinematographic strategies.

Keywords: Cinema. Filmic space. Looks. Medianeras: Buenos Aires na Era do


Amor Virtual. City. Dwell.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................09
1 O OLHAR QUE HABITA O CINEMA..................................................25
1.1 OS ENQUADRAMENTOS DA CIDADE FÍLMICA................................32
1.2 FLÂNERIE..................................................................................................44
1.3 PAISAGENS E ESPAÇOS........................................................................54
2 CIDADE GLOBALIZANTE....................................................................66
2.1 AS (DES) CONEXÕES DO MUNDO DE MARTIN.................................78
2.1.1 Rompimentos de Martin..............................................................................85
2.2 AS (DES) CONEXÕES DO MUNDO DE MARIANA.............................92
3 O OLHAR PARA O IMAGINÁRIO DA CIDADE FÍLMICA...........101
3.1 INSCRIÇÕES CROMÁTICAS NA CIDADE IMAGINÁRIA DE
GUSTAVO TARETTO......................................................................................109
3.2 A TRILHA SONORA NA CIDADE IMAGINÁRIA DE GUSTAVO
TARETTO..........................................................................................................119
3.3 APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO..................................................125
3.4 APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO VIRTUAL.............................................134
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................141
REFERÊNCIAS................................................................................................152
FILMOGRAFIA...............................................................................................160
ANEXOS............................................................................................................165
ANEXO 1......................................................................................................................166
ANEXO 2......................................................................................................................170
ANEXO 3......................................................................................................................171
ANEXO 4......................................................................................................................193
ANEXO 5......................................................................................................................194
9

______________
INTRODUÇÃO
10

O presente estudo busca na correlação comunicacional, cinema e cidade,


compreender os enquadramentos da nowherevile1 e suas ressignificações sociais,
por intersecção do olhar fílmico. José Luiz Braga (2011, p. 68) observa que
objetivo e objeto de estudo em Comunicação é olhar para como a sociedade
conversa com a sociedade. Por meio da “emissão de uma mensagem, seja
televisual, cinematográfica ou por processos informatizados em rede social, o
“receptor”, após apropriação de seu sentido [...] pode sempre repor no espaço
social suas interpretações”. O autor suscita que devemos olhar para os meios de
comunicação audiovisuais como fenômenos sócio-históricos, pois esse processo
mediático faz com que a sociedade perceba-se dialogando consigo mesma.
Buscando olhar para a cultura audiovisual argentina desde os meados dos
anos 90 até o início da segunda década dos anos 20002, considerando que a
cultura amplia-se do seu modo de ser para interagir enquanto comunicação,
percebe-se como os filmes são afetados pelos contextos aos quais se inserem:
incentivos culturais, produções, lançamentos, cineastas, espectadores e temáticas.
Segundo pesquisa realizada por Lindinalva Rubim (2007) a expansão do
cinema argentino se dá em meados dos anos 90 com a implantação de políticas
culturais desenvolvidas no país pelo Fundo de Fomento Cinematográfico do
Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais – INCAA3. Em 1995 cursos
para a produção de filmes foram oferecidos e segundo Andrea Molfetta (2012, p.
180), o cinema independente se consolidou com uma variada e extensa oferta de
cursos de crítica e realização em importantes instituições como o INCAA e a
ENERC4 e, também, o surgimento de instituições de ensino privado, como a
FUC5, sob a direção de Manuel Antin6. Molfetta (Ibid. p. 180) chama a atenção

1
Segundo Zigmunt Bauman (2007, p. 42) o termo nowherevile “se refere a cidades típicas do
mundo globalizado, cidades iguais, sem traços regionais, que poderiam estar localizadas em
qualquer parte do mundo [...]”.
2
Analisamos o percurso do Novo Cinema Argentino de encontro com o filme Medianeras:
Buenos Aires na Era do Amor Virtual, lançado em 2011, razão pela qual não avançamos as
discussões em relação ao NCA nos anos seguintes à produção de Gustavo Taretto.
3
O fundo de fomento do INCAA é composto a partir de três fontes de impostos: salas de
exibição de cinema; aluguel de videocassetes; e exibição de filmes na televisão.
4
Escuela Nacional de Experimentación y Realización Cinematográfica.
5
Fundação Universidade do Cinema.
11

para o fato de que no final da década de 90, “Buenos Aires era a cidade com
maior densidade de cineastas por quilômetro quadrado” e o fomento passava de 8
milhões para 40 milhões de dólares em 1994.

Mas em pouco tempo, a crise econômica reduziu a menos de um terço


esses fundos, e a lei era aplicada de modos perversos. Por exemplo, a
ajuda aos filmes que estrearam até 1999 era proporcional ao número de
espectadores e não aos custos de produção. Isso fez com que os filmes
como Manoelita, a tartaruga (Manuelita, 1999) de dois milhões de
espectadores – um filme de animação para crianças inspirado na
personagem de Maria Elena Walsh -, obtivesse muito mais ajuda que
Mundo grua (Trapero, 2001), que levou 68 mil espectadores ao cinema
(MOLFETTA, 2012, p. 182).

Rubim (2007) traça um panorama sobre o mercado do cinema argentino


entre os anos de 1992 e 2004, coletando dados de fontes como a revista Heraldo
de cine, CINEDISTICA, INC, INCAA e os livros de Octavio Getino. A
pesquisadora revela um aumento significativo na produção cinematográfica
argentina, já que em 1992 foram lançados 10 filmes nacionais e ao final de 2004
haviam sido lançados 51 filmes (Tabela 1).

TABELA 1 – FILMES LANÇADOS NA ARGENTINA

6
Importante cineasta da geração anterior: o cinema de grande inspiração literária da década de
60.
12

Verifica-se que durante os anos de 1992 a 2004 o total de filmes lançados


na Argentina, que inclui os lançamentos estrangeiros, tem um aumento menos
significativo, mais instável, que em relação aos lançamentos de filmes de
produção nacional. Porém, o número de espectadores de cinema argentino
demonstra que a minoria do público assiste aos filmes do país, já que o
percentual nunca passou de 20,4%, na maioria dos anos não alcançando nem
15% do público total. Apesar das dificuldades, o cinema argentino não se abala e
continua produzindo, como se nota nos dados disponíveis no site do INCAA7
(Anexo 3) que se referem aos filmes concluídos entre os anos de 2002 e 2014
(Tabela 2):

TABELA 2 – FILMES ARGENTINOS CONCLUÍDOS

Filmes
Anos Concluídos
2002 54
2003 57
2004 86
2005 65
2006 59
2007 85
2008 60
2009 68
2010 74
2011 79
2012 75
2013 79
2014 63

7
www.incaa.gov.ar
13

Comparando os dados de lançamentos de filmes argentinos nos anos de


2002, 2003 e 2004, levantados por Rubim (2007) (Tabela 1) com os filmes
realizados no mesmo período, segundo os dados disponibilizados pelo INCAA
(Tabela 2), verifica-se que há uma dificuldade do período em exibir todas as
realizações cinematográficas. Porém, esses números não se demonstram
alarmantes, com exceção do ano de 2004 em que dos 86 filmes concluídos, 51
foram lançados, excluindo das telas 35 filmes argentinos, ou seja, 41,7% da
produção nacional não foi vista nas telas dos cinemas argentinos.
Ainda em termos de dados, Andrea Molfetta (2008, p. 177) levanta
informações a respeito de que “em 2000, 45% das estreias nacionais eram as
primeiras obras de alguns diretores e, em 2001, no ápice da crise econômica e
política, 60% das estreias era de cineastas estreantes”, o que leva a uma
interpretação do Le Monde8 em março de 2002, que observou a saúde do cinema
argentino sendo inversamente proporcional a situação econômica do país.
Nessa retomada do cinema argentino, a partir dos anos 90, considera-se a
produção fílmica como lugar de reflexão e catarse onde se filmam “conflitos
pessoais, da esfera do indivíduo, pequenas histórias da geografia íntima, nas
quais sentimos o impacto da crise nacional, e quase sempre a apatia e a
perplexidade em que ficou imersa a população” (Ibid, p. 177). Para Molfetta a
filmografia do NCA9 se constitui de “histórias breves, histórias mínimas”10 em
que o cinema representa um modo de pensar o mundo. Ela cita Martin Rejman e
a filmagem do seu filme de estreia em 1991, Rapado, que com “imagens
despojadas, produção simples, atores não famosos, rodagem em cenários reais,
câmera na mão e som direto, sobre a realidade da periferia urbana, contém a
maior parte dos traços estilísticos que caracterizaram o NCA” (Ibid, p. 184).
Sobre o ano de 1994 a autora dá o título de originalidade e estética marcante a
Raul Perrone, com os filmes Lábios de Churrasco (1994), Graciadió (1997) e
Cinco Pau Peso (1998), uma trilogia que retrata a classe média do subúrbio de
8
Jornal francês distribuído em várias partes do mundo.
9
Novo Cinema Argentino.
10
Andrea Molfetta faz referência a títulos importantes da filmografia cinematográfica: Histórias
Breves (1995) é um filme promovido pela FUC composto por quatro curtas-metragens e
Histórias Mínimas (2002) é um filme de Carlos Sorín.
14

Ituzaingó que fora destituída de sua juventude. Em 1995 a produção


cinematográfica promovida pela FUC possibilitou aos primeiros formandos,
apoiados pelo INCAA, estrear em 35 mm o filme Histórias Breves, composto de
quatro curtas-metragens; formato que viria a se repetir com sucesso outras
vezes11 e que uniria em 1997, dois dos diretores, Bruno Stagnaro e Adrian
Caetano, na realização do filme Pizza, Birra y Faso.
Jaime Pena (2009) considera que Histórias Breves viria a marcar o NCA,
um cinema independente que trazia um novo vigor, novos lugares e novos
conflitos em uma nova estética, que daria fôlego para novas produções: Histórias
Breves 2 em 1997, Histórias Breves 3 em 1999 e Histórias Breves 4 em 2004.
Trata-se de uma geração de cineastas que provêm da publicidade e de realizações
de curtas metragens, dando origem ao que o autor chama de cinema alternativo.
Para Pena o NCA não se revela nas telas comerciais, mas encontra seu
lugar no Bafici12, que em seu décimo ano foi homenageado por Rafael Filippelli
com a realização do documentário La Mirada Febril (2008). É comum entre os
autores, Pena e David Oubiña, relatarem que o NCA necessitou do Bacifi como o
festival necessitou do NCA.
Para Javier Porta Fouz (2009), em 1994 sentia-se uma urgência na
renovação do cinema argentino, que se encontrara em 1995 com o lançamento de
Histórias Breves, recebido como o começo de algo novo, deixando de lado uma
“estética maximalista”13, do excesso, da multiplicidade de recursos que até então
via-se na tela do cinema nacional.
Também no período da renovação cinematográfica argentina, Javier Porta
Fouz considera que Raúl Perrone ostentava o título de cineasta mais prolífico do
período, com histórias pequenas de contensão estilística, questionando os
motivos aos quais Histórias Breves teria sido considerado o início da renovação
cinematográfica argentina. Observa-se que Histórias Breves representava a

11
Relatos Selvagens, filme argentino de 2014, dirigido por Damián Szifron, que levou 3
milhões de espectadores ao cinema na Argentina, inspira-se na estética de um filme
fragmentado e composto por diversas pequenas histórias que não se interligam, a não ser pela
característica principal das personagens que estão fora de controle.
12
Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente.
13
O autor exemplifica com o filme Gatica, el mono (Leonardo Favio; 1993).
15

primeira leva de estudantes de cinema, pois a geração anterior de cineastas era


formada em cineclubes, percebendo-se já uma alteração em relação aos
realizadores. Outra característica que coloca Histórias Breves como o marco do
NCA é a sua origem proveniente de um concurso realizado pelo INCAA e sua
filmagem em 35mm, enquanto Perrone filmava em sua maioria em vídeo 14, às
vezes em 8mm ou 16mm sem o apoio do Instituto Nacional de Cinema e Artes
Audiovisuais.
Martin Rejtman também poderia ser considerado um marco na
transformação do cinema argentino: o cinema do mínimo; embora o cineasta não
aceite o rótulo de cinema minimalista para Rapado (1992), percebe-se a
economia estilística na obra: “incluso propone desde su próprio título uma
posible interpretación em ese sentido. El “rapado” es aquel que se corta el pelo
al ras, alguien que se despoja de su pelo” (FOUZ, 2009, p. 37).
Javier Porta Fouz compara o cinema de Perrone com o de Rejtman
descrevendo as notórias diferenças:

[...] uno es suburbano, el outro de ciertas zonas de la ciudad de Buenos


Aires; en uno los diálogos son relajados, sueltos, tendientes al
realismo; en el otro los diálogos son obsessivos, calibrados, com
tendência al artificio; los processos creativos de Perrone son rápidos, y
es capaz de cambiar en el momento un actor o una locación que
estaban planificados para seguir con ele rodaje (así sus películas tienen
un aire de urgenciam uma respiración vital); los procesos creativos de
Rejtman son lentos, caligráficos, es capaz de repetir decenas de veces
un plano hasta lograr el tono exacto que busca (así sus películas
exhiben una solidez y un aspecto de obra controlada, de acabado total)
(FOUZ, 2009, p. 41).

Designados pelo autor como os pais do NCA, Perrone e Rejtman são os


antecedentes do que viria em 1995 com Histórias Breves. Eles trabalhavam
contra a tendência do excesso, da falta de controle sobre os próprios materiais e
generalizações sobre a situação do país e o ser argentino. Os cineastas
valorizavam a redução dos elementos e a dominação dos recursos utilizados,
convencidos de que precisavam encontrar a própria voz no cinema argentino
interrogando o que estavam a fazer.

14
No início dos anos 90 Perrone era chamado de videasta.
16

Também antecedendo o que viria a se tornar o NCA, entre os anos de


1993 e 1996, Esteban Sapir produz o filme Picado Fino, que vem mostrar na tela
do cinema argentino a repetição de elementos mínimos. O diretor declara que o
filme cria um universo que é sempre igual, um universo pequeno, onde as
personagens vivem em um espaço acanhado e asfixiante: claustrofóbico.
Aproximando-nos de Histórias Breves, entre os jovens Lucrecia Martel e
Daniel Burman, introvertido e avesso ao estrelismo, Israel Adrián Caetano,
mostrou suas práticas cinematográficas. Segundo Gustavo Noriega (2009) seu
curta-metragem Cuesta Abajo demonstrava além de sua habilidade técnica, uma
ambição narrativa. O cineasta que expressava interesse pelo western e terror, era
um conhecedor do cinema clássico e de gênero e um admirador de Ford e Hawks,
filmando histórias violentas, com personagens à margem da vida social.
Noriega chama a atenção para a participação de Israel Adrián Caetano em
Pizza, Birra, Faso, dirigido junto de Bruno Stagnaro e exibido no Festival
Internacional de Cine del Mar del Plata, em 1997, em que as primeiras imagens
causaram uma impressão profunda no espectador que reconhecia na tela do
cinema lugares de Buenos Aires, como Praza Constitución e Obelisco, além de
elementos clássicos da cidade, como os vendedores ambulantes. Para o autor um
novo mundo surgia aos olhos dos espectadores, crises mediante a classe média
transformavam as formas de comunicação, que fora representado em Pizza,
Birra, Faso, transpondo para a tela um mundo marginalizado, frustrações
expressas em imagens e palavras. Noriega observa que Pizza, Birra, Faso foi
fundamental para o NCA, que aclamado pela crítica, conquistou mais de cento e
vinte mil espectadores quase sem recursos publicitários.
Prosseguindo em sua carreira como um artista que expressava uma classe
social, Caetano realizou o media-metragem La Expresión del Deseo, que com
singular violência retratava a batalha de grupos de mendigos na praça da cidade
de Córdoba; e o filme Bolivia sobre a temática migratória e o ambiente
claustrofóbico que se reconfigura na argentina em crise. Esses filmes não tiveram
grande visibilidade, pois o reconhecimento ao trabalho de Caetano viria a se
17

renovar em 2002 com a filmagem em parceria com uma grande produtora, Lita
Stantic, em que finalmente sua película de gênero seria realizada: Un Oso Rojo.
Sergio Wolf (2009) percebe em Pablo Trapero um distanciamento do
extraordinário para aproximar-se do doméstico, contribuindo para a
cinematografia do Novo Cinema Argentino. Seu primeiro exercício seria em
Mocoso Malcriado (1992), nos seus vinte anos, influenciado por François
Truffaut. Em 1995, Trapero, produz Negocios, filme que aparece seu pai e um
amigo do patriarca15: é o espaço doméstico e familiar entre o documental e a
ficção, particularidades que irão destacar-se em Mundo Grúa (1999), em que o
protagonista Rulo, desocupado, busca reincorporar-se no mundo do trabalho e
carrega elementos biográficos do ator.
Para Wolf o cinema de Trapero é pensado como um universo social, uma
mostra extraída de uma classe e setor da sociedade, trazendo, por exemplo, ecos
das migrações internas ocorridas nos anos 40, quando moradores das províncias
argentinas migraram para Buenos Aires em busca de melhores condições, já não
vivenciadas em seus locais de origem empobrecidos. O autor ressalta a temática
de Trapero que coloca a personagem obrigada a inserir-se em um mundo ao qual
não pertence, marcando uma transformação impossível (Mundo Grúa), abortada
(El Bonaerense), impensada (Familia Rodante), auto-imposta (Nacido y Criado)
ou obrigada (Leonera).
Também realizadora de Histórias Breves, Lucrecia Martel é descrita por
Marcos Vieytes (2009) como a cineasta de sua geração (NCA) que mais conta
com recursos técnicos e dispõe deles para representar um marco social sem que
resulte em gratuito e carente de sentido: no ano de 1995, em Histórias Breves, a
cineasta inclui na obra o seu curta-metragem Rey Muerto; em 1999 realiza um
telefilme chamado Silvina Ocampo, las Dependências, sobre uma importante
poeta e narradora argentina. Em 2001 estreia o longa-metragem La Ciénaga; em
2004 La Niña Santa; e em 2008 La Mujer Sin Cabeza.

15
Personagens familiares serão elementos recorrentes em sua obra, como, por exemplo, a
presença de sua avó fazendo personagens secundários em Mundo grua e El bonaerense (2002).
18

As últimas três películas retratam a burguesia decadente que vive no


interior da Argentina com foco no papel da mulher, a influência do catolicismo e
o complexo desenvolvimento sexual nestas estruturas sociais. O que não acarreta
em um cinema sociológico, pois Vieytes observa que diferente do cinema de
Trapero, Martel usufrui de uma estética que impede a associação de suas imagens
às referências históricas, geográficas e culturais precisas.
Outro cineasta que contribui para a formação do NCA é Lisandro Alonso,
que segundo Quintín (2009), tem em sua personalidade e obra declarações
minimalistas e pouco variadas. O autor usa a palavra “material” para descrever o
trabalho de Alonso, referente ao caráter físico de seus filmes, a relação financeira
e de produção. O cineasta depara-se com dificuldades que originam determinadas
características em sua obra, incorpora atores não profissionais, que se
assemelham com suas personagens ao menos fazendo parte de uma mesma
geografia e cultura, rodagem em poucas semanas, uma pequena equipe e o
requisito que Alonso nunca renunciou: filmagens em 35mm, justificando que a
produção já modesta necessita de uma projeção nítida e profunda para que as
imagens possam criar vínculos com seus espectadores. Quintín observa que
Alonso é um grande cineasta que manifesta não apenas sua capacidade, mas
também suas contradições e problemas enfrentados durante seu processo criativo.
Já no cinema de Mariano Llinás a viagem torna-se fundamental. Javier
Porta Fouz (2009, p. 155) cita Claudio Magris em que “al igual que viajar,
escribir significa desmontar, reajustar, volver a combinar”, demonstrando que
não gratuitamente a obra de Llinás concentra-se na viagem e nas palavras.
Javier Porta Fouz (2009) chama a atenção para a voz off, presente na obra
de Llinás, o que caracteriza um cinema comentado. Em La Más Bela Ninã os
intertítulos desempenham os mesmos efeitos que a voz off de Balneários. O
cinema comentário construído por Llinás é completo de palavras, observações
inteligentes e filosóficas. Alguns críticos veem com maus olhos a voz off de
Llinás, alegando que o cineasta não confiaria em suas imagens, o que ao
contrário, Fouz observa que Llínás não só confia em suas imagens, mas também
em suas palavras. O cinema de Llinás seria o das imagens, da música e das
19

palavras. O cineasta, que aparece em suas próprias películas, fala, defende, faz
filmes e fala sobre eles, usa palavras e imagens, as suas palavras e a sua própria
imagem.
Diego Trerotola e Mariano Kairuz (2009), ainda, selecionam alguns
cineastas representativos na produção argentina na primeira década dos anos
2000: Albertina Carri16 que experimenta as diversas formas audiovisuais,
transitando desde a animação ao documentário, chegando à ficção de curta e
longa duração; Diego Lerman17 dos poucos cineastas do NCA que faz adaptações
de obras literárias; Celina Murga18 realizadora formada pela Universidad de
Cine, que em sua obra de destaque, Ana y Los Otros (2003) propõe-se a sair da
recorrente representação urbana de Buenos Aires para retratar o pulso de vida
provinciano, mantendo a narração minimalista do NCA; Inés de Oliveira Cézar19
que em cada plano de seus filmes produz um sinal sobre a paisagem de um tempo
impossível; Juan Villegas20, cineasta inspirado pelas referencias cinéfilas como
Eric Rohmer, Howard Hawks e pela Nouvelle Vague; e Rodrigo Moreno21 que
surge junto a uma nova geração de cineastas formados na Universidad de Cine
(Ulises Rosell, Andrés Tambornino, Nicolás Saad, Mariano De Rosa e Salvador
Roselli), expressando rigor em um trabalho reflexivo, quase virtuoso, inspirado
em sua fascinação declarada pelos diretores Tsai Ming Liang e Takeshi Kitano.
Com uma nova geração de cineastas, assim, nasce o Novo Cinema
Argentino, nas fendas neoliberais, nos dez anos da política do presidente Menem,
durante os anos 90, que criou um clima de “apatia, depressão e decadência, do
pessoal ao nacional, em suma, falta de esperança” (MOLFETTA, 2012, p. 179).
Diferente das gerações anteriores que se ocupavam de metáforas, o NCA olha
para as miudezas do cotidiano, “com forte influência do tratamento documental

16
Filmes citados pelos autores: No Quiero Volver a Casa (2000); Los Rubios (2003); Barbie
También Puede eStar Triste (2001), Aurora (2001); Géminis (2005) e La Rabia (2008).
17
Filmes citados pelos autores: La Prueba (1999); Tan de Repente (2002); La Guerra de los
Gimnasios (2004); Mientras Tanto (2006).
18
Filmes citados pelos autores: Ana y los Otros (2003); Una Semana Solos (2008).
19
Filmes citados pelos autores: La Entrega (2001); Como Pasan las Horas (2005) e Extranjera
(2007).
20
Filmes citados pelos autores: 2 em 1 Auto (1998); Sábado (2001); Una Tarde Feliz (2001) e
Los Suicidas (2005).
21
Filmes citados pelos autores: El Custodio (2005); Mala Época (1998) e El Descanso (2001).
20

da imagem, do cinema direto” (Ibid, p. 179), como sintoma e diagnóstico social.


O espaço fílmico do cinema argentino contemporâneo é o da intimidade da
personagem, em geral, o ambiente de morada, a casa, contrastando com o cenário
público, a rua, “caracterizando o ponto de vista da classe média decadente” (Ibid,
p. 190).
Há uma marca autoral na poética do cinema argentino, em que os
cineastas “são cronistas da Argentina democrática, pós-Alfonsin e Menem.
Guardam, quase todos eles, na constituição de suas personagens, uma mistura de
melancolia e resistência que é a chave do cinema argentino de começo do século”
(Ibid, p. 191).
É no contexto do Novo Cinema Argentino, da intimidade em relação e
contraste com o público, situando o espaço fílmico na Argentina dos dias atuais
“construindo uma geografia cinematográfica que é retrato vivo desse país” (Ibid,
p. 190), representando uma arquitetura familiar, por intermédio do cinema do
mínimo22, que surge a filmografia de Gustavo Taretto, nascido em 1965, em
Buenos Aires – Argentina, que entre os anos de 2005 e 201123 dirigiu filmes que
podem ser interpretados como produtores cinematográficos da cidade criadora de
vínculos afetivos. O curta-metragem Uma Vez Mais (2010) constitui uma
reflexão do tempo-espaço vivenciado por um casal que discute a relação,
enquanto caminha pela cidade. Em Hoje Não Estou (2007) a câmera do diretor
passeia com a personagem que se adapta a invisibilidade arquitetônica da cidade.
Paredes Vizinhas (2005) é o curta-metragem que primeiro enquadra as
personagens Martin (Javier Drolas) e Mariana (Mariana Anghileri) na Buenos
Aires cinematográfica que virá a ser representada, futuramente, em 2011, no
longa-metragem Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual, em que os

22
O presente estudo entende a narrativa do mínimo, nos termos de Denílson Lopes, configurada
por uma “estética do comum, uma encenação comum, em especial personagens comuns” (2012,
p. 110). Este personagem comum é aproximado à figura do flâneur, um homem anônimo,
solitário, que vive entre o individual e a multidão homogênea, oprimido na cidade que quebra
vínculos, transformando as noções de família e de casa. Para Lopes, o comum emerge a sombra
de Agamben entre o universal e o individual, possibilitando o diálogo e atravessando
identidades.
23
O cineasta lançou em 2015 o filme Las Insoladas, que retrata a Argentina em crise dos anos
90, porém nossa pesquisa se restringe a sua produção até o ano de 2011, ano em que é lançado o
filme Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual, objeto de análise do presente estudo.
21

protagonistas Mariana (Pilar López de Ayala) e Martin (Javier Drolas), ela


arquiteta que decora vitrines e ele programador de sites, vivem em prédios
vizinhos, caminham pelas mesmas ruas da capital argentina em crise, consomem
nas mesmas lojas, frequentam a mesma escola de natação, conversam no chat de
bate-papo online, mas nunca se encontram, pois nunca se olham. Personagens
solitárias, que tiveram relacionamentos rompidos, são fóbicas e vivem em uma
cidade que as situam no mesmo espaço, mas cria dificuldades de encontro,
inserindo-as em ambientes mal iluminados, nas ruas que criam imaginários
fantasmagóricos e na intimidade de uma casa que oprime.
Neste filme, definido como objeto da presente pesquisa, no qual se
reconhece certas características verificadas no NCA, especificadas anteriormente,
percebe-se que as personagens transitam de um estado psicológico para o social,
social para o psicológico. Em outras palavras, a subjetividade das personagens é
afetada pela organização da cidade, o que permite um diálogo entre o interno e o
externo, público e privado, arquitetura e afetividade em relação ao sujeito e ao
espaço. A identidade representada na cidade fílmica de Buenos Aires afeta a
condição do sensível das personagens, que procuram janelas. Janelas que são
modos de olhar para o mundo, e representam também a fuga desse mundo.
Pressupõe-se que os olhares perdidos das personagens podem compor uma crise,
relacionada ao modo de ser e estar no mundo, uma desconexão entre o dentro o
fora.
Vsevolod Pudovkin (1983, p. 85) entende que o principal objetivo do
cinema é retratar emoções. Pressupomos que a tela do cinema é uma janela para a
qual fugimos do mundo externo, olhando para outro mundo que se volta a nós
mesmos, reconhecendo-nos como parte de uma dita realidade emoldurada.
“Vemos tudo como se fosse do interior, e estamos rodeados pelos personagens.
Estes não precisam nos contar o que sentem, uma vez que nós vemos o que eles
veem e da forma que veem”.
O cinema pode enquadrar o mundo, como as janelas podem enquadrar
nossas vistas. Ao mesmo tempo em que buscamos fugir pelas janelas, nos vemos
e nos encontramos na cidade enquadrada; e na tela do cinema, quando nos
22

tornamos observadores de nós mesmos, por intermédio da identificação.


Pudovkin chama a atenção para como “andamos pelo meio de multidões,
galopamos, voamos ou caímos com o herói, se um personagem olha o outro nos
olhos, ele olha o outro da tela para nós. [...] É neste fato que consiste o ato
psicológico da identificação” (1983, p. 85).
Partindo da identificação com o mundo externo que encontramos
representado no mundo interno do cinema, a presente pesquisa busca um olhar
decodificante de mundo mediado pela obra cinematográfica, Medianeras:
Buenos Aires na Era do Amor Virtual. Em uma relação criativa entre o que olha
e é olhado, “em um discurso de fato emitido, a maioria dos signos combinará
seus aspectos denotativos e conotativos” (HALL, 2003, p. 395). Assim, criamos
leituras por intermédio da representação de uma Buenos Aires cinematográfica,
que abriga e aprisiona suas personagens pelo o que é mostrado e interpretado. A
presente pesquisa questiona se as janelas que surgem como uma relação entre o
dentro e o fora, aprisionam os sujeitos emoldurados, que não estão dentro e nem
fora, em uma cidade que não os olha e em um cinema que os enquadra.
O olhar fílmico de Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual é
guiado para transformar-se em um flâneur. Trata-se de um ser ótico que vivencia
experiências, como o flâneur pós-moderno, que na concepção de Peter Mclaren
(2000, p. 88) está situado no âmbito das relações de poder e privilégio. Aquele
que flana na tela do cinema, com o olhar vigilante24, está inserido no espaço da
cidade fílmica e apropria-se do imaginário representado pelas estratégias
narrativas da obra.
Percebe-se que no mergulho na tela não somos apenas observadores,
somos participantes, vivenciamos um espaço de comunhão, fruto de presença na
obra, experiência e afeto, no sentindo de como o espaço cinematográfico nos
afeta e nos coloca num ser e estar no mundo representado. Habitamos o cinema,
enquanto ele nos habita. Assim, “cada ângulo visual significa uma atitude
interior. Não há nada mais subjetivo do que o objetivo” (BALÁZS, 1983, p. 97).

24
Trata-se de um "olhar" sintomático de uma sociedade de relações verticalizadas (CAETANO;
FISCHER, 2014, p. 02).
23

O espaço fílmico surge como forma de construir questionamentos e


críticas, indicativos aos modos que o sujeito experimenta o lugar habitado e
como é afetado pelos ambientes nos quais se permite pertencer, a partir do
momento que olha e é olhado, causando uma fratura do olhar, ressignificando as
relações cotidianas com o espaço habitado em um novo “estado de coisas” que
“se manifesta como ação de uma força que vem do exterior” (GREIMAS, 2002,
p. 26), pelas práticas de vivenciar o mundo, abrir ou não as janelas, perceber que
o dentro e o fora, público e privado, dependem da relação estabelecida pelas
práticas comunicacionais.
Analisando a ressignificação da cidade fílmica de Buenos Aires na
correlação entre enquadramentos e imagens transitórias no filme Medianeras:
Buenos Aires na Era do Amor Virtual, considera-se um novo modo de habitar,
em que o sujeito sai do canto do mundo. A casa, como a concha de proteção dos
sonhos, torna-se um lugar de passagem de onde o sujeito pode saltar para o
mundo; um mundo que é ressignificado por signos visuais. Entende-se que o
sujeito de Gaston Bachelard (1978) que se apropriava do mundo dentro de si
mesmo, para Massimo di Felice (2009) encontra-se para fora de si mesmo na
metropoleletronica, ressignificando o olhar do flâneur na experiência de um
ciber-flâneur (LEMOS, 2014).
Assim, considera-se que as personagens, Martin e Mariana, não se sentem
encolhidas em suas casas, mas oprimidas; o habitar de fato se dá no mergulho na
cidade, não à toa no plongée de Gustavo Taretto. Martin e Mariana sugerem um
encontro de dois, que resulta no encontro da subjetividade. Ao olhar e ser olhado,
o sujeito se identifica no reflexo da pupila do outro, uma nova janela, regulada
pela intensidade de luz que penetra nos olhos. O espectador é o vizinho que
acompanha a movimentação ao olhar pela janela do cinema guiado pelo olho da
câmera.
Para chegarmos às possíveis interpretações, devemos atentar aos
procedimentos cinematográficos que produzem significados às imagens, como
elas nos são apresentadas para que representem algo; olhando e compreendendo
as imagens enquadradas na tela do cinema, sob influência da metodologia de
24

análise de Manuela Penafria (2015), porém não considerando determinante para


o estudo, já que a autora sugere que olhemos para as peculiaridades de cada obra,
produzindo o próprio percurso analítico sugerido pelo objeto de estudo. Olhamos
para a Buenos Aires fílmica como uma nowherevile, em geral as metrópoles,
recorremos a uma seleção de frames, levantando alguns questionamentos que
serão sanados ou apenas reflexivos, por intermédio de diálogos teóricos. Recorre-
se, também, a outros filmes em que se percebem emergentes na relação com o
tema dissertado, representando as “cidades iguais” (BAUMAN, 2007), que por
intermédio dos enquadramentos enclausuram suas personagens, chamando ao
texto: São Paulo, Sociedade Anônima (Luís Sérgio Person; 1965), Denise está
Chamando (Hal Salwen; 1995), O Homem ao Lado (Gastón Duprat; Mariano
Cohn; 2009) e Ela (Spike Jonze; 2013).
25

1
______________________
O OLHAR QUE HABITA
O CINEMA
26

Sabemos que cidade e cinema estabelecem um diálogo: imagens em


movimento, enquadramentos e olhares. Para que possamos construir uma análise
da cidade dentro do espaço fílmico, busquemos no pensamento ocidental duas
concepções opostas a respeito da imagem, associadas por Massimo di Felice
(2009), que no decorrer do tempo assumem novas formas em suas oposições.
A primeira concepção relaciona-se ao dualismo platônico em que a
imagem é vista como ausência, esvaziamento do real e, portanto, cópia
desprezível da natureza, o que na visão de Jean Baudrillard (1991), podemos
chamar, atualmente, de simulacro. A segunda concepção vê a imagem como
revelação e presença que ganha força com a invenção aperfeiçoada do telescópio
de Galileu Galilei, desdobrando-se na fotografia, cinema e reproduções visuais
de paisagens, em que “a imagem poderia ser pensada como uma fresta, um
metaterritório, um lugar de encontro de significados e, sobretudo, de novas
sociabilidades” (FELICE, 2009, p. 121).
A hostilidade em relação às imagens ressurge no período industrial,
quando as novas tecnologias permitiram a reprodução visual das paisagens por
meio da fotografia e construção de narrativas em movimento no âmbito do
audiovisual, o cinema. Theodor Adorno pensou o cinema e a televisão como
instrumentos corruptos de consciência e responsáveis pela alienação, pois seriam
imagens anestésicas e inebriantes.
Massimo di Felice (Ibid, p. 140) defende a imagem móvel e a reprodução
artificial da paisagem, a interação do olhar, a máquina e a paisagem em uma
experiência exotópica do habitar e ainda relembra o que Martin Heidegger
advertiu no livro Sentieri interrotti, em que define a modernidade como a época
das imagens do mundo. Se a realidade corre o risco de se desmaterializar,
também se multiplicam as percepções de imagens imateriais, “tanto que a
supremacia do olhar sobre os demais sentidos parece ser uma das principais
características da experiência do convívio das sociedades contemporâneas” (Ibid,
p. 141). Não gratuitamente o cinema é lugar de privilégio quando falamos de
experiência estética.
27

Percebe-se necessária uma evocação da interação entre paisagem e espaço.


“A primeira é a materialização de um instante da sociedade. O espaço resulta do
casamento da sociedade com a paisagem. O espaço contém o movimento”
(SANTOS, 1988, p. 72). Nessa ligação dialética que ora completa-se e ora opõe-
se constitui práticas comunicacionais entre sujeito e cidade, tornando-se
imprescindível participar e ser participado para e pela cidade.
A relação participativa também pode ocorrer entre cinema e espectador; as
imagens em movimento criam um espaço em movimento habitado pelo
observador participativo. Segundo André Gardies (1993, p. 69) “imagem em
movimento é antes de tudo uma organização móvel de um espaço bidimensional.
Sem espaço, nada de cinema. Nesse sentido, ele é o primeiro e não subordinado”.
A sala do cinema é habitada por uma janela aberta para a representação e o
reconhecimento de mundo interno e externo daquele que olha e é olhado para e
pela tela cinematográfica. “Quando estamos no cinema, submetemos a imagem -
a imagem do outro - a um olhar concentrado e bisbilhoteiro, como se a
espiássemos pelo buraco da fechadura, ocultos nas trevas da sala de exibição”
(MACHADO, 1997, p. 125). No quadro de René Magritte “O sorriso do diabo”
(Figura 1), no buraco da fechadura, na chave em evidência, há um elo entre o
interno e o externo, entre aquele que é observado e observador, pois podemos
estar dentro ou fora da obra, já que a chave, ali, não determina de qual lado
estamos.
28

FIGURA 1 - O SORRISO DO DIABO (RENÉ MAGRITTE)

O cinema desempenha esse olhar bisbilhoteiro, carregado pela lente da


câmera, possibilitando uma observação participativa, no sentido em que o
espectador afeta a narrativa criando significados, por intermédio das reações
emocionais, ao passo em que é afetado pelas estratégias narrativas fílmicas,
tornando “evidente, então, que a obra de arte e a pessoa que a vivencia dependem
uma da outra” (BORDWELL; THOMPSON, 2013, p. 110). “Seria, portanto,
como um espaçamento tramado do olhante e do olhado, do olhante pelo olhado”
(DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 147) em que:

[...] o retângulo da imagem é visto como uma espécie de janela que abre
para um universo que existe em si e por si, embora separado do nosso
mundo pela superfície da tela. Esta noção de janela (ou às vezes de
espelho), aplicada ao retângulo cinematográfico, vai marcar a incidência
de princípios tradicionais à cultura ocidental, que definem a relação
entre o mundo da representação artística e o mundo dito real (XAVIER,
2005, p. 22).

Desse modo, olhamos da janela do cinema para a janela de uma Buenos


Aires selecionada pelo cineasta e as personagens de Medianeras: Buenos Aires
na Era do Amor Virtual25 (Gustavo Taretto; 2011) que percorrem este espaço.

25
Daqui em diante o filme será designado como Medianeras...
29

Buscamos na janela representativa do “real” ampliar o olhar e encontrar no


caminho sugerido pelo processo de criação de um mundo cinematográfico uma
carga afetiva, compondo uma relação entre sujeitos e objetos: uma relação
subjetiva entre olhante e olhado.
O espectador, ao olhar as imagens na tela, tem a sensação de espionar um
mundo privado, o que acarreta curiosidade, e também, uma possibilidade de
identificação daquele que olha e se vê na tela. Ao olhar e ser olhado para e pelo
cinema, o espectador tende a habitar a narrativa, compreendendo e apoderando-se
do espaço fílmico. Heidegger (1979) chama a atenção para o modo de habitar
que se dá pelo modo de compreender e possuir o mundo. Partindo do princípio de
que a compreensão e os modos de possuir são questões de caráter pessoal,
individual, questionam-se as ideias preconcebidas de habitar, metamorfoseadas
nas moradias representadas no espaço do cinema habitado por personagens e
espectadores.
Denise Morais Cavalcante (2015, p. 67) chama a atenção para como as
moradias representadas no espaço fílmico vão além dos planos e como os
“modos de habitar no cinema são pontos de encontro”, entre as representações
materiais e os deslocamentos das personagens pelo espaço cinematográfico. Em
sua tese, Cinema de Ficção Contemporâneo e Modos de Habitar Transitórios, a
autora trata das sensações subjetivas provocadas por obras,
„cinematograficamente arquitetônicas‟, que transformam a narrativa em um
percurso, uma coreografia individualizada de movimentos, junto ao espectador
que é convidado a entrar por uma porta, olhar pela janela, compreender e possuir
o mundo ao qual a janela do cinema se abre.
Quando refletimos sobre a janela do cinema, também, pensamos em
moldura enquanto contorno e ruptura, que enquadra um mundo interno e externo
na “tela” ou “janela” do cinema. “A palavra tela, [...] evoca múltiplas
associações: a tela do pintor, a tela do cinema, a tela do bloqueio (para se evitar a
queda) e suporte (caso se caia), a tela do computador, a tela da televisão, a tela
como divisão (algo que separa)” (DE LIMA, 2001, p. 36). Rosana de Lima
30

Soares ainda define a janela como espelho do mundo, o desejo da identificação


no vazio emoldurado, interação entre os espaços internos e externos.

[...] a palavra janela nos abre para outros significantes: os olhos como
"janelas da alma" ou "espelhos do mundo" (cf. Chauí, 1988), as janelas
que se abrem a paisagens paradisíacas, as janelas que permitem sair e
ver o mundo, as janelas que trazem luminosidade para os interiores
escuros (dos lugares ou de nós mesmos). A escuridão é, assim, moldura
tanto da tela (do quadro, do cinema) como da janela (que deveria
justamente trazer luz). E o que tal escuridão evocaria? A falta, o vazio, a
hiância constituinte do sujeito. Tal vazio, entretanto, é de uma natureza
outra: trata-se de uma brecha que deve permanecer enquanto tal, que
deve permanecer vazia por ser estruturante (Ibid, p. 37).

Pensando no cinema como moldura de uma representação de mundo, uma


janela que permite a interação entre espectador e espaço diegético, chega-se ao
conceito de “câmera-olho”, aplicado a construção do Cine-Olho de Dziga Vertov
(1923), em que a câmera de filmar sugere-se “mais perfeita do que o olho
humano para explorar o caos dos fenômenos visíveis que enchem o espaço”.
Desse modo, a janela do cinema funcionaria como o olho mecânico de Galileu,
que passa a compreender o território construído por intermédio de instrumentos
técnicos revelando espaços de observação, no “qual o mundo interno do
observador e aquele externo da natureza passam a dialogar entre si por meio das
extensões mecânicas do sentido” (DI FELICE, 2009, p. 48-9). Walter Benjamin
(1966) pressupõe que “a transformação da percepção tem (...) uma origem
técnica, resultante da introdução da máquina fotográfica e depois do cinema,
capaz de oferecer novas possibilidades de visão e compreensão do mundo” (apud
DI FELICE, 2009, p. 51).

Então veio o cinema, e com a dinamite dos décimos de segundo fez


saltar este mundo como de um cárcere; assim nós somos agora capazes
de empreender tranquilamente viagens aventureiras em meio às suas
esparsas ruínas. Com o primeiro plano se dilata o espaço, com a
retomada da câmera lenta se dilata o movimento (...). Compreende-se
assim como a natureza que fala à câmera seja diferente daquela que fala
ao olho (Ibid, p. 52).

O dispositivo cinematográfico instiga uma potencialização do olhar, da


curiosidade, do encontro com ditas realidades e identificações. A janela do
31

cinema abre-se para um olhar curioso que se movimenta junto à “câmera-olho”,


olhamos para as personagens, olhamos com elas e além delas. É pelo olhar que
construímos um elo afetivo com a narrativa, sentimos experiências
compartilhadas pelo olhar da câmera que nos insere dentro da diegese. Olhamos
e somos olhados para e pela tela, compartilhamos efeitos de sentidos. A
condição do sensível é manipulada pelo movimento do olhar, que se caracteriza
pelo movimento da câmera.
Sobre o espaço cinematográfico Jacques Aumont (2004), em As Teorias
dos Cineastas, cita Rohmer, em uma perspectiva em que “um espaço plano e
enquadrado transmite à nossa percepção indícios suficientes para construir a
visão de um espaço profundo, ilimitado, e é o último que importa [...]”. Ao olhar
para a cidade fílmica em que vivem as personagens Martin e Mariana, no filme
Medianeras..., temos nosso olhar enquadrado na tela do cinema. Os movimentos
escolhidos pelo cineasta Gustavo Taretto permitem aos nossos olhares a
construção de narrativas afetivas em uma presença ausente e sugerida. Olhando
para a Buenos Aires cinematográfica nossas interpretações tornam-se subjetivas e
ilimitadas.
As janelas que enquadram os olhares das personagens são enquadradas
pela câmera, enquadramento e montagem que configuram um mundo aos nossos
olhos, afetados por uma experiência estética que nos coloca como personagens
de uma Buenos Aires tomada por uma arquitetura que se apodera do sujeito.
Considera-se que a cidade nos habita, apropria-se de nós, precisamos nos adaptar
aos seus padrões irregulares, sem planejamento e procurarmos rotas de fugas,
janelas pertencentes à mise en scène26. Constatam-se as rotas de fugas
construídas pela experiência do olhar, enquadrando um mundo possível e
imaginário.

26
[...] inclui os aspectos do cinema que coincidem com a arte do teatro: cenário, iluminação,
figurino e comportamento das personagens. No controle da mise-en-scène, o diretor encena o
evento para a câmera (BORDWELL; THOMPSON, 2013, p.205).
32

1.1
______________________
OS ENQUADRAMENTOS
DA CIDADE FÍLMICA
33

A linguagem cinematográfica liberta-se com o movimento da câmera. Os


deslocamentos, os casos particulares de cada plano, refinam a linguagem
cinematográfica. O aparelho em movimento é uma personagem da obra, é o
ponto de vista criado pelo realizador, olhado e olhante para e pela plateia.
Os enquadramentos permitem a transformação e a interpretação de uma
dita realidade cinematográfica. O enquadramento cria interpretações, percebe-se
um mundo dentro e fora de campo, apropria-se de um espaço que se torna filme
potencializado pelo movimento da “câmera-olho” e a subjetividade daquele que
tem seu olhar carregado para dentro da tela. O plano dura o tempo necessário
para a apropriação e compreensão do conteúdo pelo espectador. É a escolha do
valor dramático que determinará a escolha do olhar da câmera, do espectador.
No filme argentino O Homem ao Lado (Gastón Duprat; Mariano Cohn;
2009), a tela do cinema abre-se com uma divisão em branco e cinza (Figura 2): o
lado de dentro e o de fora do apartamento da personagem Victor. A parede da
casa de Victor que do lado de fora é branca (clara) e do lado de dentro é cinza
(escura), aos poucos vai ganhando uma rachadura, surgindo então uma janela
pertencente à mise en scène. Com a abertura da janela diegética permite-se o elo
entre os olhares das personagens e do espectador. A moldura da janela que
pertence ao espaço fílmico e a janela da tela do cinema surgem como ruptura
para um novo mundo, um novo vizinho e uma nova relação de interação com
aquele que é olhado e olhante. A janela do cinema abre-se, por intermédio da
janela de Victor; é o novo acontecimento, a ruptura que transforma as interações
arquitetura – cinema; personagem – espectador. É para a janela de Victor que
vamos olhar, que vamos descobrir um mundo emoldurado pela janela do cinema.
34

FIGURA 2 - FRAME DO FILME O HOMEM AO LADO

A janela do cinema abre-se por intermédio da janela da mise en scène.

Na sequência, Victor aparece no buraco quebrado na medianera (Figura


3), o lado do prédio em que é proibido colocar janelas. Estamos do lado da
personagem Leonardo, designer bem sucedido, que vive em uma casa construída
pelo famoso arquiteto Le Corbusier, uma construção iluminada por grandes
janelas transparentes, em que os vidros predominam a arquitetura, que permite
olharmos para o lado externo da casa, olharmos para Victor. Cabe aqui ressaltar
que lado externo será o lado ao qual não pertencemos, ao qual olhamos e somos
olhamos.
35

FIGURA 3 - FRAME DO FILME O HOMEM AO LADO

Victor quebra a janela na medianera.

É importante perceber que mesmo estando junto da personagem Leonardo


e olharmos para a janela de Victor de dentro da casa do designer não
acompanhamos o olhar da personagem, a filmagem não é subjetiva, temos o
nosso próprio olhar, estamos juntos de Leonardo, não estamos em Leonardo.
Somos carregados pela câmera para dentro do espaço fílmico como personagens
em uma presença ausente. Mesmo quando Leonardo se desloca no espaço
fílmico, continuamos na janela da mise en scène, observando as personagens
(Figura 4). A câmera torna-se invisível, não sentimos a mediação do aparelho, o
enquadramento que percebemos é da janela que pertence à diegese. Em princípio,
não somos oprimidos, enquanto Victor luta por uma janela, não somos
incomodados, estamos confortavelmente em nossas janelas arquitetadas
cinematograficamente. Observamos o drama da personagem Victor, o
desconforto de Leonardo que não quer ser olhado pela janela do vizinho. A
possibilidade do nosso olhar é garantida: a janela do cinema está aberta para o
espectador.
36

FIGURA 4 - FRAME DO FILME O HOMEM AO LADO

O espectador é acomodado na janela da mise en scène mediado pela “câmera-olho”.

Guiados por planos e enquadramentos compreendemos os conflitos


narrativos do filme, comungamos dos dramas das personagens apropriados pelo
nosso olhar. Como o vizinho distante que não anda pelos mesmos corredores,
37

mas que observa a movimentação do outro, como “o homem ao lado”, o


espectador acompanha a briga de um casal na cena inicial do filme brasileiro São
Paulo, Sociedade Anônima (Luís Sérgio Person; 1965), constituindo um olhar
intruso. Assim como a cidade “atravessa” o vidro da janela do apartamento de
Carlos e a esposa, também, atravessamos a intimidade dessas personagens em
crise, angustiadas com o que lhes afeta (Figura 5).

FIGURA 5 - FRAME DO FILME SÃO PAULO, SOCIEDADE ANÔNIMA

Os olhares da cidade e do espectador atravessam a intimidade das personagens.

Nessa cidade fílmica, que no preto e branco constitui um imaginário cinza,


habitamos a São Paulo de Carlos, exposto pelas grandes janelas da mise en scène,
que não estabelecem vínculos, mas fronteiras entre o (des) habitar interno e
externo. Carlos não pode possuir um espaço que é apenas paisagem.
O protagonista, que não se adapta aos padrões ao qual é exposto, deseja ir
embora. Quer, em suas palavras, sumir: precisa partir em busca de um encontro.
Desaparecer de São Paulo é pertencer em outro lugar. Em São Paulo, Sociedade
Anônima, Carlos, não é o flâneur que observa a multidão por medo de ser
anulado. Ele é o transeunte anulado pela multidão.
Após olharmos para o casal, observamos o que norteia essas personagens,
o que nos norteia: uma cidade, que logo olhamos em contra-plongée (Figura 6),
38

um enquadramento que apequena o sujeito, pequenez que se confirma na


sequência pelo olhar aéreo da câmera, no trânsito de pessoas na estação fílmica –
nas multidões que Carlos se insere em que somos anulados pela abstração
identitária – somos todos.

FIGURA 6 - FRAME DO FILME SÃO PAULO, SOCIEDADE ANÔNIMA

O contra-plongée apequena o sujeito na cidade que se apodera.

Outra narrativa que enquadra a cidade apequenando a personagem e o


espectador no contra-plongée (Figura 7), invadindo os ambientes privados,
criando uma relação entre o público e o privado, o local e o global (Figura 8), é a
Los Angeles futurista de Ela (Spike Jonze; 2013), que mesmo vivenciada em um
lugar do futuro carrega elementos nostálgicos do passado, por exemplo,
expressos nos figurinos e nas cores em tons pastel, cores que também transpõem
para a tela a sugestão de um imaginário melancólico. Trata-se de uma cidade
verticalizada e tecnológica que poderia ser qualquer metrópole em qualquer
tempo, pois “coloca no centro da tela, melancólica e poeticamente, a questão do
vazio interior que, em maior ou menor escala, de forma latente ou manifesta,
sempre acompanha homens e mulheres em todos os tempos e em qualquer lugar”
(FISCHER; CAETANO, 2015, p. 03).
39

FIGURA 7 - FRAME DO FILME ELA

O contra-plongée representa uma cidade opressora que apequena o sujeito – personagem e


espectador.

FIGURA 8 - FRAME DO FILME ELA

Constitui-se um híbrido composto pelo público (as imagens da cidade refletidas na vidraça), o
privado (o interior da casa) e o global (presente na janela do ciberespaço).

Assim como vimos na cidade de São Paulo de Person e como veremos na


Buenos Aires de nosso objeto de estudo Medianeras..., a cidade de Ela
representa espaços internos e externos, personagens sozinhas tanto no espaço da
casa, quanto no espaço da cidade. Em Ela as personagens caminham
“solitariamente agrupadas em multidões que se movimentam freneticamente em
todas as direções, ocupadas cada qual com suas conversas e interlocutores
invisíveis, parecem falar sozinhas no isolamento coletivo de cada uma” (Ibid, p.
03), assim como na Buenos Aires de Gustavo Taretto, onde as personagens no
40

trânsito pelas ruas não se olham, distraídas pelos enquadramentos do olhar que
vagueia.
Como os protagonitas da Buenos Aires fílmica, Martin e Mariana,
Theodore é solitário, introspectivo, passa pela recuperação de um término de
relacionamento e leva uma rotina muito próxima de Martin: “os passeios por
salas de bate-papo, contemplação de imagens de mulheres nuas e escuta de
músicas garimpadas na internet, partidas de videogame (...)” (Ibid, p. 03) são
identificados no estilo de vida das personagens de ambos os filmes.
Em Medianeras..., temos o olhar guiado pela câmera subjetiva, as
personagens flanam pela cidade, juntamente com o espectador. Percebe-se que na
falta de saída, a cidade torna-se opressora, apequenando o sujeito que se tranca
em si mesmo, engolido pela arquitetura. Os enquadramentos da Buenos Aires
cinematográfica ressaltam o apoderamento arquitetônico em relação ao sujeito.
Os prédios, filmados em contra-plongée, nos colocam como um sujeito oprimido
pelos edifícios, que parecem estar prestes a nos engolir (Figura 9). Detalhe para a
imagem que transmite a sensação de um abismo (Figura 10), novamente estamos
abaixo dos edifícios, como se estivéssemos encurralados no fundo do poço.
41

FIGURA 9 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA DO


AMOR VIRTUAL

O enquadramento em contra-plongée apodera a arquitetura.

FIGURA 10 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

O sujeito está enclausurado pela arquitetura.


42

As janelas de Medianeras... estão fechadas: não conseguimos atravessá-


las. Vemos janelas dentro de janelas. A janela da tela do cinema enquadra janelas
de uma mise en scéne que reflete outras janelas que invadem a mise en scéne. O
sujeito representado pelo homem pendurado em uma corda bamba torna-se refém
da mise en abyme (Figura 11), janelas dentro de janelas que aprisionam
moradores, que oprimem olhares. Ao contrário dos filmes citados anteriormente,
o nosso olhar já não pode atravessar as janelas como um vizinho distante27: um
bisbilhoteiro da vida das personagens.

FIGURA 11 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Efeito mise en abyme que torna o sujeito refém da arquitetura.

Em síntese, em todos os filmes citados percebem-se representações de


cidades que se engrandecem nos enquadramentos dos diretores e apequenam
personagens que são invadidas pela arquitetura de tais cidades fílmicas, que
assemelham-se com as nowhereviles, retratando na tela personagens fechadas em
si mesmas, oprimidas pelos arranha-céus, procurando relações virtualizadas,
construindo uma identificação do espectador que habita cidades enquadradas
nestas telas, que de alguma forma vivencia a São Paulo de Person, a Buenos
Aires de Taretto e a Los Angeles de Jonze na tela e além da tela: somos

27
O prédio da frente configura uma vizinhança que por um lado é mais distante – as pessoas não
se cruzam pelos corredores como quando moram no mesmo edifício ou condomínio – mas,
paradoxalmente, muito mais próxima do olhar, pois mesmo não querendo acompanhamos as
movimentações do outro sempre que vamos até a janela (LAMPERT, 2013, p. 76).
43

espectadores e habitantes das grandes metropóles, industrializadas e


virtualizadas.
44

1.2
__________
FLÂNERIE
45

O espaço urbano é uma afirmação da forma que se constitui a produção de


conteúdo social, já que “(...) cada momento da vida na metrópole traz consigo um
acúmulo de fatos novos, dos quais cada um cria uma série de consequências, o
que permite pensar a sociedade urbana em sua complexidade com base na vida
cotidiana, na metrópole” (CARLOS, 2001, p. 31). Assim, o estudo do espaço
urbano torna-se imprescindível para a compreensão do espaço-tempo em que nos
apropriamos diariamente.
Ana Fani Alessandri Carlos (2001) trata as constantes transformações dos
referenciais dos habitantes da metrópole como um “estranhamento”. As
modificações produzem “a sensação do desconhecido, do não identificado” (Ibid,
p. 32-3), em que as marcas da vida acabam por desaparecer entre a multidão
agitada, mutante e inesperada, constituindo a “harmonia dissonante” da cidade:

Lugar de expressão dos conflitos, afrontamentos-confrontações; lugar


do desejo ou onde os desejos se manifestam, na metrópole se
circunscrevem as ações e atos do sujeito; aí se encontram os vestígios
do que podemos chamar “harmonia dissonante”, que permite recuperar
a memória que marca a identidade da vida metropolitana, por meio das
marcas da história de tempos distantes impressas no presente. É nessa
“harmonia dissonante” de vestígios de tempos históricos diferenciais
que o indivíduo se acha ou se perde, pois o espaço é o ponto de
convergência entre o passado e o presente. É também o lugar da
manifestação do individual e da experiência socializante, (empobrecida
ou não), produto de uma multiplicidade de trocas de todos os tipos que
produz a sociabilidade na cidade. Reproduz-se na contradição entre a
eliminação substancial e a manutenção persistente dos lugares de
encontros e reencontros, da festa, da apropriação do público para a vida
(Ibid, p. 33- 4).

Compreende-se que o espaço se concretiza em ações. O espaço da


metrópole é o espaço da vida, é onde as relações sociais ganham existência, em
seus limites e possibilidades, nas condições mais banais do cotidiano. O espaço,
assim, torna-se apropriação de sentido, pensado, experimentado e apropriado
pelo indivíduo. O corpo do habitante é presença no plano do lugar, onde emprega
o tempo do dia a dia. “A nossa existência tem uma corporeidade, pois agimos por
meio do corpo – ele nos dá acesso ao mundo, é o nó vital, imediato, visto pela
sociedade como fonte e suporte de toda a cultura” (Ibid, p. 35).
46

Segundo a autora, o caminhar, o encontro, o percurso reconhecido, criam


laços profundos de identidade, essa presença do corpo cria pertencimento entre
habitante-habitante, habitante-lugar. O espaço da cidade é tanto exterior a nós,
quanto interior. É no espaço concreto que se criam relações, que se dá significado
para as coisas como são vistas, impressas pelo uso. Assim, percebe-se a cidade
como produtora de identidade do indivíduo em um espaço vivenciado pelas suas
condições de possibilidades, de realização da vida em sua multiplicidade. “O
lugar se constitui em um movimento que alia passado-presente, além de conter as
possibilidades futuras, todos eles impressos nas formas, que revelam um
conteúdo dado pela prática social; assim, forma é imediatamente conteúdo”
(CARLOS, 2001, p. 51).
Os lugares da metrópole são constantemente redefinidos, em ritmo
violento e acelerado. As direções de fluxo, do traçado ou do alargamento de ruas
e avenidas revelam rupturas, fragmentando a vida do individuo que tende a
perceber essa cidade se fragmentando em sua forma, bagunçando os sentidos:
pois “quando se abalam os referenciais da vida na metrópole, muda o plano de
apropriação” (Ibid, p. 52).
No momento em que o conteúdo da cidade é violentamente modificado,
esse conteúdo que deveria pertencer ao lúdico passa a se transformar em lugar de
passagem. Eliminando antigas formas de sociabilidade, eliminam-se referências,
destrói as bases da memória, fragmenta-se a vida. “O efêmero pelo efêmero, a
imagem pela imagem, aparecem como reino do espetáculo e como simulacro”
(Ibid, p. 54).

Tida como o mais “exterior” ao habitante, a forma aparece como quadro


artificial, mas, em contrapartida, é nos lugares em que se realizam os
encontros, as reuniões, os atos espontâneos, que marcam a sociabilidade
na vida cotidiana, passíveis de se realizar em locais apropriados (as
ruas, as praças), que se marca a articulação espacial entre o público e o
privado, o constituído e o não-construído, o cheio e o vazio, em suas
funções diferenciadas, em seu sentido profundo, como articulação de
momentos específicos da reprodução da cidade/reprodução da vida. A
trama das ruas, moldando um arranjo espacial, impõe-se à vida como
possibilidade de usos e como ritmo. As referências construídas são a
base da ação; tanto quanto o corpo, o espaço também contempla uma
materialidade, a base para a realização da apropriação. Assim se chega
47

àquilo que há de mais “interior” na morfologia: um sentido que a


forma adquire no e pelo uso, gerando a identidade que sustenta a
memória, marcando a vida e lhe dando conteúdo (Ibid, p. 54).

Percebe-se que entre a forma e o conteúdo há uma linha tênue constituída


pelo sujeito e sua subjetividade. Considera-se que a identidade da cidade se dá
morfológica e semanticamente pela apropriação do sujeito no espaço. Nessa
metrópole do estranhamento, a identidade do sujeito se dá instável como prevê
Stuart Hall (2006). É nessa cidade de identidades fragmentadas que a vida é
desvendada, “seus conflitos, os sentimentos de estranhamento, o modo com a
solidão desponta, a arte da sobrevivência, as vitrines onde o ritual da mercadoria
inebria pelo contraste das construções, de suas fachadas, comandando os passos,
os usos e as cores” (CARLOS, 2001, p. 56).
Quando pensamos na cidade como potencial lugar de experiências
afetivas, que afeta e é afetado pelos seus habitantes, consideramos que a cidade
desenvolve sentidos no interior do passante que se apropria dos sentidos externos
do espaço. Há necessidade e desejo na forma e conteúdo. Na brecha da multidão,
dos grandes edifícios, há possibilidades de experiências, apropriação de tempo-
espaço e sentido. “O homem aparece criando sentido e valor, porque a cidade não
é simples condição objetiva: é também objeto virtual. Passado, presente e
possível se entrelaçam”.
Em Medianeras... observa-se a brecha em evidencia nas janelas que
emolduram as paisagens, elo entre o dentro e o fora que abriga e oprime a cidade.
No filme em análise observa-se a câmera em contra-plongée (contra mergulho)
que se afasta dos anúncios publicitários (Figura 12) para o encontro na multidão
da cidade (Figura 13) que se encontra na brecha das imagens publicitárias,
símbolo de consumo e desejo. Considerando que as brechas podem alojar o
desejo28, no vão desses dois prédios29, encontra-se o movimento da cidade, o

28
Sandra Fischer, em observação de aula ministrada no dia 07/08/14 no Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná.
29
O formato dos prédios aumenta a fronteira entre espaços internos e externos. “Quanto mais
alto, maior o abismo. [...] Embora a distância seja mínima, o abismo, no sentido da
oportunidade de criar uma relação naturalmente, parece quase intransponível” (LAMPERT,
2013, p. 76).
48

desejo de pertencer ao espaço da metrópole. As personagens ainda não


pertencem à metrópole, pois não estão inseridas em seu movimento, na brecha da
multidão. A imagem remonta o significado das torres de contos de fadas, presas
em seus prédios, as personagens olham para a cidade como se esperassem uma
intervenção externa: o plongée (mergulho) na metrópole.

FIGURA 12 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

As janelas emolduradas pelos anúncios publicitários evidenciam a relação transitória


com a cidade.

FIGURA 13 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

A multidão que habita o espaço externo da cidade.

O mergulho na cidade torna-se urgente ao passo que ser e estar é “viver


para fora”, viver o público e o privado. “A cidade impõe ou mesmo determina os
49

sonhos, comanda a vida, decide passos, induz direções. Nosso sonho se liga à
cidade, indissoluvelmente” (CARLOS, 2001, p. 61). A metrópole passeia entre o
“real” e o possível, encontros e desencontros, o visto e o entrevisto, ela se
constitui de virtualidades e apropriações.

A apropriação se revela em atos e situações que podem ser o andar pela


rua do bairro, onde aparece a calçada como o trajeto diário (até o ponto
do ônibus, onde se toma a condução para o trabalho, por exemplo);
pode ser o caminhar que todos os dias leva as pessoas às compras; pode
ser o passo dos estudantes que se dirigem à escola. Pode ser o ato de
andar de bicicleta ou o uso da rua como lugar para as brincadeiras
infantis; pode ser a prosa com o vizinho que passa, ou que está em sua
porta, ou olhando pela janela. Essas possibilidades se ligam ao
acontecer diário, e são marcadas por um tempo determinado, em
espaços circunscritos. O uso se realiza por meio do corpo (o próprio
corpo é extensão do espaço) e de todos os sentidos humanos, e a ação
humana se realiza produzindo um mundo real e concreto, delimitando e
imprimindo os “rastros” da civilização (Ibid, p. 213).

Entende-se a apropriação da cidade estimulada pelo passo, o caminhar nos


rastros diários. Denise Guimarães (2009, p. 03) relembra que “o flâneur – um
passeador sem rumo, que se deixa guiar apenas pelos caprichos ou pela
curiosidade, até perder-se na multidão” busca prazer e experiência no ato do
caminhar. Associado aos escritos de Charles Baudelaire, Émile Zola, Honoré de
Balzac, Walter Benjamin, Alexandre Dumas, Siegfried Kracauer e Jean-Paul
Sartre esse sujeito que é conceituado por sua excelência ótica, era considerado
um caminhante desocupado, comparado aos boêmios.
No poema de Baudelarie “O Cisne” o autor anuncia que a grande cidade
seria produtora de desencontros e estranhamentos, mediados pela velocidade.
Guimarães (2009, p. 07) suscita o espaço hostil em que o cisne liberta-se da
gaiola, mas se insere em um local que anula as possibilidades de cantar do
poeta/cisne, que se torna deslocado e melancólico. As imagens de Baudelarie
transpõem o sentimento de exílio dentro da cidade.
Para Ana Fani Alessandri Carlos (2001), o cisne é o signo de expulsão: em
uma cidade que exalta normas de uso de apropriação, o espaço torna-se
excludente. A aceleração das modificações formais da cidade constitui o
50

estranhamento do sujeito que não se sente apropriado de objetos que provocam


desencontros; ele corre na multidão, logo não pode ser contemplador.
Enfim, alcançamos o flâneur pós-moderno que “não é um sujeito
monádico ou distanciado, um voyeur autônomo do mundo de asfalto e tijolos,
mas um observador situado, localizado nas relações materiais de poder e
privilégio” (MCLAREN, 2000, p. 88).

(...) Flâneurs e flâneuses pós-modernos, ou etnógrafos da vida


cotidiana, encontram pouco com o que estabelecer narrativas coerentes
que possam fundir as contingências em conflito da experiência diária
sob o capitalismo tardio. São obrigados, por meio de sua participação
voluntária na guerrilha semiótica, a descobrir as narrativas profundas
que permanecem sepultadas entre esquemas de representação que
ocorrem nos espaços urbanos contemporâneos. Eles são motivados a
entender de que forma tais esquemas de representação estão ligados a
regimes de discurso e padrões de relações e regulamentações sociais,
não apenas em termos locais mas, também, globalmente, por meio do
desenvolvimento e proliferação de novas tecnologias (MCLAREN,
2000, p. 89).

Flâneurs e flâneuses pós-modernos decodificam narrativas de presenças e


ausências, espaços privados, públicos e híbridos, internos e externos, o canto no
mundo e o salto na paisagem transformada em espaço. Esse observador
participante do mundo precisa ter um olhar crítico, não se limita a vagar pela
cidade, vai para fora de si, penetrando em imagens que vão além de fantasias,
que não o coloca como um sujeito que tem medo da anulação pela multidão, mas
se torna presente no pertencimento do olhar. Flâneurs e flâneuses pós-modernos
têm um olhar crítico e criativo, eles “nos carregam de volta ao mundo da
metáfora e do significado, através da violência da construção teórica, quando eles
designam ao mundo a vocação de um sintoma e quando eles designam às
aparências, o reino dos motivos escondidos” (MCLAREN, 2000, p. 92).

Definitivamente, só é possível compreender a cidade fixando-se outros


panoramas que a excluem do horizonte. Mas isto se realiza somente
quando se sofre, com a totalidade das próprias atividades perceptivas e
cognitivas ampliadas, não somente o desconforto urbano mas também a
sua sedução. É preciso estar dentro e fora do espaço urbano: saltar na
cidade (CANEVACCI, 1993, p. 20-1).
51

O protagonista Martin de Medianeras... transpõe na tela uma atitude que


dialoga com o flâneur. Para que a personagem possa apoderar-se de uma
arquitetura que se apodera é preciso diminuí-la pela janela da câmera fotográfica.
Enquadrando a cidade é possível escolher o que é olhado e olhante, é possível
vivenciar uma reprodução de uma dita realidade emoldurada, cria-se um olhar
cinematográfico, selecionado.
Walter Benjamin (1994, p. 104) ressalta a representação das cenas
construídas por imagens do cotidiano, em que a imagem, por exemplo, de um
edifício, torna-se mais facilmente visível na fotografia. Para o autor, ao diminuir
as criações coletivas, podemos nos apoderar dessas obras de forma individual.
No caso de Martin, o apoderamento das imagens, captadas pela câmera
fotográfica, o torna observador, o coloca próximo da multidão, mas protegido por
um olhar mediado pela câmera fotográfica. O que remete a Vilém Flusser (2011,
p. 78), em que o sujeito “[...] não sabe mais olhar, a não ser através do aparelho”.
Em uma das fotografias de Martin percebemos que a janela da lente de sua
câmera registra uma janela de vidro, que enquadra o sujeito, deformado por gotas
da chuva (Figura 14). O efeito mise en abyme, janelas dentro de janelas, é
recorrente no mundo de olhares enquadrados. Essas mediações muitas vezes
podem deformar o olhar, lembrando que “o poeta, como tantos outros, sonha
atrás da vidraça. Mas, no próprio vidro, descobre uma pequena deformação que
vai propagar a deformação do universo” (BACHELARD, 1978, p. 299). Esse
vidro, podemos entender, aqui, como a proteção que encontramos no entre o
dentro e o fora das janelas do mundo, janelas físicas e virtuais que nos permitem
sonhar, mas também permitem a deformação de nossa visão redefinida pelas
molduras.
52

FIGURA 14 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

O olhar enquadrado de Martin para e pela cidade.

Mariana, personagem da obra analisada, confirma as características do


flâneur ao folhear o popular livro “Onde Está Wally?”:

Tenho esse livro desde os 14 anos e é, que me perdoem os grandes


escritores, o livro da minha vida. É a origem da minha fobia de
multidões e criou em mim uma angústia existencial bem particular. Ele
representa de um jeito dramático a angústia de saber que sou alguém
perdido entre milhões. Os anos passaram e ficou uma página sem
resolver. Wally na cidade. Eu o encontrei no shopping, no aeroporto e
na praia, mas na cidade não o encontro. Sei que o nervosismo cega, mas
não consigo achar. Então me pergunto: se mesmo sabendo quem eu
procuro não consigo achar, como vou achar quem eu procuro se nem sei
como é? (MEDIANERAS..., 2011, cap.3).

Wally é um flâneur pós-moderno que cria presenças e ausências, penetra


na imagem num mundo de metáforas e significados, aquele que Martin procura
tornar-se com a ajuda da terapia, a câmera e sua mochila, abastecida como um kit
de sobrevivência, para enfrentar uma selva. A cidade ganha um caráter de
floresta de signos, que Martin tenta decodificar por meio da observação mediada
pelo aparelho. Mariana, por sua vez, deseja encontrar um alguém que lhe é
desconhecido, também perdido na multidão. O desconforto de pertencer não
pertencendo à multidão cegam as possibilidades de encontro entre seres que
53

vivem as agruras da anulação coletiva. As personagens flanam na cidade, mas


não se encontram, pois não se olham.
Olhar para a cidade que priva as personagens de claridade e amplitude do
mundo; que as prende em diminutos apartamentos parcialmente iluminados
constitui um olhar para soluções provisórias, causando pânico em Martin e
angústia em Mariana. Para que essas personagens possam possuir a cidade, olhar
e ser olhadas, precisam quebrar as janelas nas medianeras, saltar na cidade por
meio do olhar, do reconhecimento, tornar-se parte, olhar para o outro e ver-se no
olhar desse outro ocorrendo uma identificação que se dá na “formação do eu no
„olhar‟ do Outro” (HALL, 2006, p. 37) por meio dos deslocamentos humanos.
Percebe-se a necessidade de flanar pela cidade, pois a paisagem urbana
torna-se espaço de habitação da memória. Logo, quando as personagens não
imergem mais nos vínculos afetivos do local, elas não habitam, não pertencem.
“Não se trata de representar a cidade, intervir na cidade, caminhar pela cidade.
Entramos nas sensações e nada mais. É a sensação que importa, que invade, que
possui” (LOPES, 2014, p. 08). Viver num espaço é movimentar-se nas sensações
imergidas dele. “[...] Praticar um espaço é percorrê-lo e apropriá-lo em operações
de demarcação. Quem caminha não apenas observa a paisagem, reforça as
marcas do trajeto ou fixa seus próprios traços” (CAVALCANTE, 2015, p. 98-9).
54

1.3
______________________
PAISAGENS E ESPAÇOS
55

O homem vive em um espaço e olha para uma paisagem que se torna


habitada, quando olhada e olhante; “como cada um observa com olhos diferentes,
devido a interesses, formações e pontos de vista diversos, é razoável afirmar que
existem tantas paisagens quanto forem observadores” (SENE, 2004, p. 120). O
espaço não pode ser determinado como isolado e único, mas como um conjunto
de coisas e seres que se relacionam ao ver, perceber e habitar experiências
sensíveis: “O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de
que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais
e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a
sociedade em movimento” (SANTOS, 1988, p. 26).
Milton Santos (Ibid, p. 27) chama a atenção para como “a sociedade seria
o ser, e o espaço seria a existência”, o que relacionamos com o conceito de
habitar de Martin Heidegger (1979), segundo o qual para o sujeito habitar o
mundo é preciso ser e estar de modo a demorar-se, residir nesse espaço de
relações, existências que transformam paisagens.
O demorar-se do homem, o habitar, ganha novas formas e novos
conteúdos precisam ser gerados pela sociedade que passa a enxergar o mundo de
um novo modo, vivendo, olhando e sendo olhada por uma nova arquitetura
moldada de acordo com as experiências a serem vivenciadas por seus habitantes:
a estética da segurança, “casas construídas para proteger seus habitantes, e não
para integrá-los nas comunidades às quais pertencem” (BAUMAN, 2009, p. 25);
o acesso diferenciado à tecnologia, “os avanços tecnológicos nos transportes e
nas telecomunicações” que “mudaram a perspectiva do mundo de forma bastante
desigual, segundo a posição das pessoas no espaço geográfico e sua inserção na
sociedade” (SENE, 2004, p. 119).
O habitar torna-se uma prática comunicativa, pois os significados “se
transformam através das inovações tecnológicas que, ao alterar a nossa visão do
espaço, consequentemente modificam nosso modo de interagir com o ambiente e
a natureza” (DI FELICE, 2009, p. 27). Massimo Canevacci (1993) apresenta a
arquitetura como fruto de linguagens, que se comunica com a cidade e com
aquele que a habita:
56

Um edifício "se comunica" por meio de muitas linguagens, não somente


com o observador mas principalmente com a própria cidade na sua
complexidade: a tarefa do observador é tentar compreender os discursos
"bloqueados" nas estruturas arquitetônicas, mas vívidos pela mobilidade
das percepções que envolvem numa interação inquieta os vários
espectadores com os diferentes papéis que desempenham. [...] Existe
uma comunicação dialógica entre um determinado edifício e a
sensibilidade de um cidadão que elabora percursos absolutamente
subjetivos e imprevisíveis (CANEVACCI, 1993, p. 22).

Sobre a relação sujeito - arquitetura Zygmunt Bauman (2009) em


“Confiança e Medo na Cidade” chama a atenção para como as casas são
construídas para proteger seus moradores, como uma barreira que impede a
interação do morador com a comunidade a qual pertence, o que constitui uma
estética da segurança, que impõe uma arquitetura construída na lógica da
vigilância e distância.
No filme em análise percebe-se que a arquitetura de alguns edifícios
mantém as varandas em suas formas, porém elas não são habitadas (Figura 15).
Pelo medo da interação com a comunidade local, moradores não abrem as janelas
(Figura 16), que seriam mediadoras do olhar para o mundo olhado e olhante.
Bauman discorre sobre a falta de experiência vivida na cidade:

O problema, porém, é que, com a insegurança, estão destinadas a


desaparecer das ruas da cidade a espontaneidade, a flexibilidade, a
capacidade de surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos os
atrativos da vida urbana. A alternativa à insegurança não é a beatitude
da tranquilidade, mas a maldição do tédio (BAUMAN, 2009, p. 68).
57

FIGURA 15 - FRAMES DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Mesmo as varandas dos edifícios não permitem o salto na cidade.


58

FIGURA 16 - FRAMES DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

As janelas da mise en scène não são habitadas no enquadramento da janela do cinema.

Na tentativa de possibilitar novos modos de vida a arquitetura recria suas


formas, criando irregularidades estéticas, que segundo a personagem Martin
refletem as irregularidades dos habitantes da Buenos Aires fílmica (Figura 17).
Desse modo, o sujeito pós-moderno, aquele que segundo Stuart Hall (2006)
abriga várias identidades, é refletido na arquitetura que abriga vários modelos
estéticos, porém um mesmo modo de viver, enclausurado. O morador fechado
em sua “caixa de sapato”, como advertem os protagonistas, ao dialogar com as
irregularidades estéticas e éticas remete “a observação observadora. Que não é
59

mais "participante" da ação, mas observa também a si própria como sujeito que
observa o contexto. É meta-observação” (CANEVACCI, 1993, p. 31).

FIGURA 17 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Irregularidades estéticas.

Em uma vida segura e imóvel a cidade pode deixar de ser possuída,


podendo acarretar em um desinteresse pelo espaço local. Bauman (2009)
evidencia que quanto mais o sujeito se fecha em si mesmo, mais se desarma
diante do vórtice global, tornando-se mais fraco na hora de decidir sobre os
sentidos e as identidades locais. Sendo “nos lugares que se forma a experiência
humana, que ela se acumula, é compartilhada, e que seu sentido é elaborado,
assimilado e negociado” (Ibid, p. 34), ao abandonar o interesse pelo local, o
sujeito corre o risco de minimizar as experiências sensíveis no espaço físico.
Massimo Canevacci (1993, p. 15) afirma que a comunicação urbana se dá
por meio “de querer perder-se, de ter prazer nisso, de aceitar ser estrangeiro,
desenraizado e isolado, antes de se poder reconstruir uma nova identidade
metropolitana”. Em uma cidade fechada para o perder-se, experimentar e
arriscar-se não há como compreender e possuí-la, o que, nos termos de
Heidegger (1979), constituiria o habitar. O sujeito que não vive a cidade, de fato
não pode habitá-la. Canevacci nos convida a saltar na metrópole, num
movimento em que se necessita estar dentro e fora. Por isso aqui a importância
60

das janelas como experiência do habitar a cidade, é nela que estamos dentro e
fora, é dela que saltamos para a cidade.
Após presenciar um acidente, incluindo o suicídio de um cachorro que
passava a vida trancado na varanda e que tenta saltar nessa cidade opressora do
filme, Mariana observa o menino que tenta movimentar-se na sacada, um
pequeno espaço externo a casa (Figura 18), sem deixar de pertencer a casa, as
grades enclausuram o sujeito. A criança vai e volta com a sua bicicleta, sem
encontrar saída. Uma arquitetura que privilegia a estética da segurança não
permite fuga, movimento; muito menos o mergulho na cidade, pois isso seria a
morte para o morador inseguro, evidenciada pelo suicídio do cachorro. A criança
está sozinha nesse mundo que media o dentro e o fora, não pertencendo nem ao
dentro e nem ao fora. Como as vitrines decoradas por Mariana, a varanda
também funciona como um lugar perdido.

FIGURA 18 - FRAME DO FILME MEDIANERAS

A varanda funciona como um lugar perdido.

Percebe-se que na falta de experiências vivenciadas no espaço físico da


Buenos Aires fílmica existe uma ausência de relação afetiva com o espaço local.
As personagens, Martin e Mariana, que tentam conviver com rompimentos
amorosos, trancam-se em si, sem que efetivamente olhem e possam ser olhadas
para e pela cidade, enquadrando uma vida protegida por mediações, janelas
fechadas que precisam ser abertas e então produzir um elo comunicacional entre
o interno e externo.
61

Óbvio que devido à complexidade do ser humano em si mesma, é


inevitável que as frustrações aconteçam, algo que comprova o quanto a
vivência da sociabilidade é um desafio. O mais cômodo é trancar-se em
si, em seus projetos, na sua imaginação, num computador e blindar-se,
isto é, ficar ilhado. Todavia, isso não satisfaz as dimensões de nossa
existência na sua pluralidade. Sem a sociabilidade a vida fica mais
monocromática (DE LIMA, 2015, s/p).

Ao falarmos das trancas físicas e simbólicas abordamos o paradoxal


anonimato em que o sujeito se fecha. Walter Benjamin (1985, p. 76) afirma que
“um homem se torna tanto mais suspeito quanto mais difícil seja encontrá-lo”. O
que nos leva a pensar na falsa ilusão de anonimato que o indivíduo busca no
espaço privado de suas moradias. Um espaço paradoxal, já que “a obsessão atual
com a segurança é metabolizada por meio da oferta de dispositivos tecnológicos
específicos para os consumidores do mercado global se protegerem” (SIBILIA,
2002, p. 60). Os gadgets teleinformáticos e os cartões de crédito, por exemplo,
minimizam o anonimato do sujeito, já que não é possível ser alheio ao controle.

Ainda no escopo desse neognosticismo de inspiração tenocientífica,


cabe mencionar algumas práticas mais triviais que surgem da
convivência cotidiana com a paisagem invadida pelos artefatos digitais.
A problemática é satirizada no filme Denise está chamando, no qual os
protagonistas jamais se encontram mas se relacionam profusamente
entre si através de diversas tecnologias de comunicação. A câmera
persegue os personagens e os flagra em toda a sua “viscocidade
orgânica”, porém expressada privadamente: eles falam ao telefone
enquanto defecam, se masturbam, doam sêmem para fertilizações
artificiais e, inclusive, um deles termina morrendo em um acidente de
carro com um aparelho de telefone celular incrustado na testa. O
cinema, aliás, é um catalizador privilegiado desta problemática (Ibid, p.
92).

No estadunidense filme Denise está Chamando (Hal Salwen, 1995)


observa-se a presença de planos fechados que impossibilitam a visão do
espectador além dos movimentos das personagens e os objetos que as norteiam,
valorizando a relação do sujeito com o aparelho telefônico e o computador. O
telefone surge na narrativa como potência da comunicação em assuntos privados.
Os assuntos íntimos são mediados pelo sistema de telefonia, enquanto as
personagens trabalham dentro de suas casas em frente ao computador, o home-
62

office, um dos fatores que oprime o sujeito dentro de um espaço privado,


determinado por interesses públicos, pois “[...] a casa passa a acumular funções
de moradia e lugar de trabalho” (LEMOS, 2007, p. 139).

(...) as tecnologias aparecem em diversos "cenários urbanos' para


marcar novos enquadramentos imaginários. As casas, em sua condição
e lar, talvez sejam hoje, precisamente, um dos lugares mais assediados
pela nova urbanização cidadã digital, ao se converterem no novo lugar
de trabalho, pelas redes informáticas que finalizam em cada um e os
conectam (SILVA, 2014, p. 122).

Assim, configurando o espaço da casa como lar e escritório as


personagens nunca se encontram, elas estão sempre em casa, no entanto,
podendo trabalhar no lugar que seria de desfrute de lazer, o ambiente se
reconfigura num espaço em que se trabalha o tempo todo. A sensação de clausura
que os enquadramentos transmitem constituem personagens oprimidas pelo
modo de vivenciar as atividades profissionais, por meio do computador e suas
práticas, e pelo modo de experimentar a presença do outro, afastado desse outro
(HAROCHE, 2008, p. 97), por intermédio do aparelho telefônico (Figura 19).

FIGURA 19 - FRAME DO FILME DENISE ESTÁ CHAMANDO

O personagem que trabalha o tempo todo no ambiente de lazer é enclausurado pelos


enquadramentos.
63

As janelas da mise en scène, dentro das casas das personagens, quando


surgem, não permitem que vejamos o lado de fora das casas (Figura 20). É como
se o mundo exterior fosse limitado ao contato por intermédio da telefonia, pois
não é permitido que atravessemos as paisagens.

FIGURA 20 - FRAME DO FILME DENISE ESTÁ CHAMANDO

As janelas não permitem olhar para o exterior.

A personagem que aparece fora do padrão interno das casas é Denise,


dando a impressão de que não trabalha, por ser a única a habitar as ruas. Porém,
mesmo habitando o lado externo do espaço da cidade e estando em movimento,
dentro de meios de transportes, Denise está grávida, por inseminação artificial,
de um homem com o qual não estabelece contato além do elo tramado pela linha
telefônica, enclausurada em enquadramentos muito próximos ao corpo (Figura
21).
64

FIGURA 21 - FRAME DO FILME DENISE ESTÁ CHAMANDO

Denise movimenta-se no espaço externo da cidade, enclausurada pelo enquadramento.

No filme Medianeras... também encontramos planos próximos a


personagem que evidencia o uso da máquina em ambientes claustrofóbicos
(Figura 22). A personagem Martin também trabalha em casa, mas agora, o
telefone é abandonado. Muito do cotidiano do sujeito é constituído por
intermédio do computador, ele pode fazer compras e sexo pela internet; hábitos
que não vieram com o uso do computador, lembremos que em Denise está
Chamando há a representação do sexo à distância praticado pela extensão
telefônica. Percebe-se que as práticas são as mesmas, os meios para que elas
sejam praticadas que são alterados, ampliando ou não a relação com o espaço
diegético em que as janelas se ampliam ou fecham-se em relação aos processos
comunicacionais representados.
65

FIGURA 22 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRUTAL

O personagem Martin é enclausurado pelo enquadramento, enquanto trabalha em casa.

Logo, considera-se que no espaço fílmico habitado pelas personagens


mencionadas evidenciam-se as relações opressoras de uma arquitetura baseada na
vigilância e segurança, determinando uma falta de identificação do sujeito com o
espaço local, que busca uma saída nas práticas comunicacionais globalizantes.
66

2
________________________
CIDADE GLOBALIZANTE
67

Reduto de sensibilidade, a cidade é celebrada em melodias e letras,


poesias e contos, imagens congeladas pelo tempo que se foi e imagens no
movimento do que foi percebido. Sandra Pesavento (2007, s/p) observa o olhar
do sensível nas “cidades reais, concretas, visuais, tácteis, consumidas e usadas no
dia-a-dia”. A autora as correlaciona com “outras tantas cidades imaginárias, a
mostrar que o urbano é bem a obra máxima do homem, obra esta que ele não
cessa de reconstruir, pelo pensamento e pela ação, criando outras tantas cidades,
no pensamento e na ação, ao longo dos séculos”.
O mundo “real” de Pesavento é aquele trazido por nossos sentidos, ou
seja, a realidade é a tradução de nossa compreensão de mundo. É o imaginário
que atribui significado a ação do homem, que o permite existir. A cidade é lugar
de ação social, domínio e transformação do tempo-espaço:

A cidade é concentração populacional, tem um pulsar de vida e cumpre


plenamente o sentido da noção do „habitar‟, e essas características a
tornam indissociavelmente ligada ao sentido do „humano‟: cidade, lugar
do homem; cidade, obra coletiva que é impensável no individual;
cidade, moradia de muitos, a compor um tecido sempre renovado de
relações sociais (PESAVENTO, 2007, s/p).

A autora ressalta o espaço da cidade como fenômeno cultural ao passo que


as relações sociais, nela existente, constroem significados ao mundo vivenciado.
“A cidade é objeto da produção de imagens e discursos que se colocam no lugar
da materialidade e do social e os representam.” Revelada “pela percepção de
emoções e sentimentos dados pelo viver urbano e também pela expressão de
utopias, de esperanças, de desejos e medos, individuais e coletivos”, viver na
cidade é um habitar em proximidade propicia, permitindo múltiplos e infinitos
olhares a realidade dita tangível.
Ao questionar em que medida o construir faz parte do habitar, Heidegger
(1977, p. 106) disserta a respeito da ponte, que não só liga duas margens
existentes, mas cuja ligação faz com que essas duas margens apareçam como
margens. Ou seja, a ponte cria a oposição. A ponte também deixa livre o curso
das águas, garantindo caminho aos indivíduos, que podem andar de um lugar
para outro, a ponte conduz e reúne terra, céu, divinos e mortais.
68

Massimo di Felice (2009, p. 61) observa que a ponte não ocupa um lugar,
ela constrói um novo lugar constituído de uma nova identidade, pois “os espaços
recebem a sua essência não de si próprios, mas dos lugares”:

Os espaços que cada dia percorremos são dispostos e abertos por


lugares; e a essência destes se funda em coisas como a ponte (...) Os
espaços se abrem em virtude do fato de que são admitidos dentro do
habitar do homem. Que os mortais são quer dizer que, habitando,
abraçam espaços e se mantêm neles sobre base do seu habitar junto as
coisas e lugares (HEIDEGGER, 1977, p. 103-4).

Se a partir da ponte criam-se lugares e possibilidades de ir e vir,


estabelecendo e tramando elos entre coisas e lugares, em Medianeras..., ao
contrário, percebe-se que a ponte em construção (Figura 23), que por intermédio
do enquadramento do cinema, invade o azul do céu com a sua escuridão,
evidencia a falta de saída: não podemos fugir dessa cidade, a ponte
fantasmagórica30 que no contra-plongée cria a percepção de estar acima dos
prédios, e que poderia aproximar o sujeito do céu e de um novo caminho, não
leva para lugar algum, como um alerta: não tente fugir. Tentamos. As
personagens procuram uma saída além da fisicalidade do espaço urbano. O
ciberespaço é o caminho em que paradoxalmente as permite transitar. O que
Massimo di Felice observa como um conjunto comunicativo tecno-humano, em
que terra e céu, divinos e mortais caminham livremente em significados
metafóricos.

Os céus e os mortais, os divinos e as terras que habitam e, “sendo”,


traduzem em realidade o nosso existir contemporâneo, são de outras
naturezas, assim como as pontes que, hoje, por meio de circuitos e redes
informativas – criando lugares, harmonizam, em vários modos, às
localidades a própria especificidade (DI FELICE, 2009, p. 62).

30
Refere-se ao “corpo fantasma, que retrata corpos imaginados, feitos de sentimentos coletivos,
encarnados em objetos reais da cidade” (SILVA, 2014, p. 31).
69

FIGURA 23 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

A ponte inacabada, da Buenos Aires fílmica, não constrói um novo lugar.

Ao falar de agregações e separações, coletividade e individualidade


sucessivas e simultâneas, André Lemos (2004), lembra a metáfora da ponte do
sociólogo alemão Simmel:

Para ele, a ponte provê ao olho a realidade visível da distância em


relação ao outro e instaura o desejo de ir lá, de tocar e perpetuar o elo de
ligação com o outro. A ponte seria, então, a imagem do desejo de
agregação próprio a toda vida em sociedade. O ciberespaço pode ser
visto por esta metáfora, como uma rede ou ponte de pontes, ligando
potencialmente todos a todos. Ele pode ser entendido como “uma
junção entre termos dissociados” (LEMOS, 2004, p. 140).

Acompanhando o pensamento de André Lemos e Massimo di Felice,


olhando para o ambiente digital como uma ponte de encontros metafóricos de
lugares ligados por redes, percebe-se que as modificações nas práticas
comunicacionais afetam o interior dos espaços físicos, “reconfigurando a
arquitetura externa e interna das cidades” (LEMOS, 2007, p. 139). Observa-se
uma estética arquitetônica, nos enquadramentos da cidade fílmica em análise,
que evidencia uma relação que transcende o local na busca da relação com o
global, representando um habitar atópico, que segundo Massimo di Felice (2009,
p. 299) constitui-se “através das interações férteis de tecnologias informativas,
territorialidades e vidas”.
70

O habitar atópico versa uma superação em relação ao sujeito e o território,


em que se introduz um artifício, mediação técnica, ou seja, uma interação
midiática. Não olhamos apenas para a arquitetura que cerca a cidade, olhamos
com os olhos de Galileu, que através do telescópio buscava uma interpretação
científica, um olhar curioso, que conhece o mundo observando, “um olho e um
olhar estendidos e transformados pelas lentes do telescópio, um olho e um olhar
não mais unicamente biológicos, mas também técnicos e não orgânicos” (DI
FELICE, 2009, p. 118).
Massimo di Felice (Ibid, p. 119) analisa uma alteração do olhar sucessor
ao telescópio de Galileu, em que a observação e o território relacionam-se
mediados pelo instrumento da técnica. O olhar não busca mais confirmar a
natureza, mas minimizar distâncias, cria novos mundos, desloca o sujeito além
do espaço físico, a paisagem torna-se andante e o espaço exalta o movimento, por
exemplo, proporcionando o advento dos meios de transportes, da fotografia e do
cinema.
Em uma sociedade em que se rompem as fronteiras entre objetos materiais
reais e imagens virtuais, Claudine Haroche pressupõe que “sob o impacto da
globalização, as sociedades contemporâneas tendem a se tornar sociedades que se
transformam de maneira contínua” (HAROCHE, 2008, p. 123). A autora que
trata do sujeito hipermoderno como aquele que experimenta a presença do outro
afastado desse outro, questiona a capacidade contemporânea de sentir,
confundida com o fluxo de sensações: “teria se estabelecido uma modificação na
maneira de experimentar e exprimir os sentimentos em relação aos outros e a si
mesmo?” (Ibid, p. 134).
Nessa perspectiva, a paisagem duplicada e móvel, torna a experiência do
sujeito, transeunte e flâneur, tal como a observação de um espetáculo. Movido
pelo automóvel, pelo elevador, as escadas rolantes, mediado por telas e
enquadramentos, o espectador da cidade constitui um olhar de imagens
desfocadas, duplicadas, deslocadas pela velocidade.
Para Massimo di Felice (2009, p. 122) a experiência de habitar a cidade
institui um habitar atópico; um estar no mundo, que além do sujeito ser
71

conduzido por metapaisagens e ecossistemas informativos, experimenta-se a


deslocação contínua em espaços-imagens e paisagens artificiais. “As telas do
cinema da TV, as ondas de rádio, tornam-se espacialidades metarquitetônicas
habitáveis que difundem culturas e práticas sociais até então inéditas”.
Torna-se importante ressalvar a transformação do olhar e da interação
sujeito-território em suas transformações no tempo-espaço. A partir da Idade
Moderna, com a ascensão da classe burguesa e o inchaço das metrópoles, a
relação cara a cara das pequenas cidades é substituída pelas relações anônimas e
pela sociabilidade momentânea das grandes multidões que atravessam espaços e
distâncias com um olhar veloz, que proporciona uma relação imediata e também
transitória.

No interior dos novos aglomerados urbanos, a maneira de se apropriar


do espaço e de interagir com o ambiente torna-se predominantemente
visual. Na grande parte das relações, a interação não-verbal, o frenético
transitar das pessoas e dos meios de transportes aumentam as
percepções rápidas típicas do olhar (Ibid, p. 128).

Compreendendo a apropriação do espaço como interação visual, Felice


aproxima, a partir de Walter Benjamin, a experiência do espectador do cinema
com a experiência daquele que caminha pela cidade. “Como no cinema, a rápida
sequência das imagens nos torna espectadores do “filme” da cidade que se
manifesta perante nossos olhares como fluxos contínuos de imagens” (2009, p.
129). Tanto na cidade quanto no cinema, as imagens são quebradas e em
sequência, o olhar precisa acompanhar o movimento.
Na Buenos Aires da Era do Amor Virtual o cineasta cria um contexto dado
pela forma, para que o aspecto dinâmico da cidade fílmica estimule as emoções
sentidas pelo espectador dentro uma metrópole de imagens, transformada em
suas extensões elétricas, que modificam o corpo da cidade, as infraestruturas de
tijolos, cimento, ruas e avenidas junto à floresta de cabos. As reconfigurações da
cidade incitam as personagens a interagir na rede comunicativa das esferas
eletrônicas, que “realizando a passagem do verbal para o visual e do concreto
72

para o eletrônico, multiplica, nas telas, nos outdoors e nas imagens, as paisagens
urbanas” (DI FELICE, 2009, p. 161).

A penetração de circuitos elétricos, cabos ópticos e redes telemáticas


nas estruturas arquitetônicas e a perfuração do chão para a introdução
de canais subterrâneos, como a difusão de ondas de rádios e de redes de
ar, instituíram novas espacialidades informativas, espacialidades
andantes, feitas de informações e de impulsos elétricos, eletronicamente
atravessáveis e somente midiaticamente habitáveis (Ibid, 162).

As transformações da metrópole em suas extensões eletrônicas


configuram a metropoleletrônica de Massimo di Felice (Ibid, p. 163), em que os
moradores além dos espaços físicos, habitam espaços midiáticos, as informações
e as imagens vinculadas aos fluxos comunicativos. “Mais do que estruturas
materiais feitas de tijolos, aço, muros, paredes, a metropoleletrônica é composta
de situações informativas e circuitos eletrônicos”.
Para Felice os flâneurs eletrônicos, footings midiáticos, consomem o
visual e habitam formas híbridas. Nesse contexto, é a paisagem que se move.
“Um simples bit, alguns sons, o aperto do play ou a digitação de uma senha
numérica nos proporcionam a deslocação das paisagens e a superação do lugar e
do seu sentido local” (2009, p. 164).
Na metropoleletrônica nos deslocamos de uma mensagem para outra, de
espaços mentais para outros, de uma experiência estética para outra. Assim é a
paisagem que migra permanentemente veloz e que para Di Felice (Ibid, p. 183)
designa um habitar que significa ser em trânsito, um trânsito existencial, de ser
entre, mediante redes de telefonia móveis, em nenhum lugar e ao mesmo tempo
em todos. A experiência do habitar atópico nessa pós-territorialidade31 resulta na
dimensão do indizível, num sentir nem interno nem externo, as interações e
dinâmicos fluxos informativos espalham-se dentro e fora de nós.
Classificando como novos territórios celulares, MP3, Ipods, videogames,
imagens em movimento, publicidades, videoclipes, redes digitais e circuitos

31
Reiteramos, aqui, que a pós-territorialidade cria um paradoxo: experimentamos o espaço
múltiplo das relações virtualizadas ao passo em que, também, estamos territorializados, presos
às limitações do espaço geográfico.
73

eletrônicos, o autor explicita as contribuições para as significações culturais e


sociais, redesenhando esquinas e ressignificando trânsitos:

Cada vez que mudamos de lugar e de velocidade nos espaços pós-


urbanos, passamos a ressignificar espaços, arquiteturas e informações e
o próprio habitar. A velocidade altera tudo: as imagens, as pessoas, a
paisagem – tudo esfuma e se modifica, ao sair do lugar. Num contexto
em que as informações nos deslocam rapidamente de um significado
para outro, de uma paisagem para outra, de um desejo para outro, não só
as paisagens migram (Ibid, p. 190-1).

Também, pensando em territórios ressignificados pelas redes eletrônicas


em que as informações migram e nos deslocam, André Lemos coloca mobilidade
e cidade como indissociáveis, em uma relação que emerge em dimensões
tecnológicas. Em seu artigo "Celulares, funções pós-midiáticas, cidade e
mobilidade" (2010) a pesquisa propõe-se a mostrar como as formas sociais
emergentes das mídias de funções pós-massivas, aliadas as tecnologias móveis,
constituem novos territórios informacionais.
No estudo "Ciberespaço e tecnologias móveis: processos de
territorialização e desterritorialização na cibercultura. Imagem, visibilidade e
cultura midiática" (2007), Lemos chama a atenção para como os "processos de
des-re-territorializações constituem o homem enquanto ser 'aberto ao mundo'",
associando a desterritorialização aos processos de mobilidade, a partir de
mobilidades internas e externas.
Em “Cidade-ciborgue: a cidade na cibercultura” (2007), o autor
conceitua a cidade e suas relações como um híbrido composto de redes sociais,
infraestruturas físicas e redes imaginárias. No artigo “Cidade e mobilidade.
Telefones celulares, funções pós-massivas e territórios informacionais” (2007), a
cidade-ciborgue é “desplugada”, enfatizando a plena mobilidade, interligando
máquinas, pessoas e objetos urbanos.
Diante das conjecturas, questionam-se como os usos dos meios de
comunicação ampliam as relações, constituindo territórios de proximidade entre
o homem e o mundo. Comunicando-se o homem compreende e possui um mundo
que se abre através das janelas comunicacionais, físicas e virtuais. Entre o dentro
74

e o fora, o vão do desejo de apropriação de mundo, existem as relações. Como


evidencia André Lemos, o homem cria territórios para criar um espaço no
mundo:

O homem luta para sair do estado de abandono e criar um território já


que ele não está no mundo com os outros animais. Esse estado o faz
habitar construindo seu espaço, cujo fazer remete a tecknè como ação
prática, como “fazer aparecer”. A técnica é aqui reterritorialização. A
ferramenta, feita de uma pedra, é a pedra reterritorializada pela mão.
Como afirma Heidegger, “c‟est seulement quand nous pouvons habiter
que nous pouvons bâtir” (1958:191). Quando podemos criar um
“território” podemos criar um mundo. As questões de território,
territorialização e desterritorialização são essenciais ao homem
(LEMOS, 2007, s/p).

De tal modo, surge a necessidade de perceber o mundo como espaço físico


e simbólico, ressignificado por suas possibilidades comunicacionais, fluidez e
mobilidade que transformam a arquitetura das cidades ao passo em que o sujeito
expande suas relações, minimizando o espaço entre o dentro e o fora, o público e
o privado.
A representação da metropoleletrônica ou cidade-ciborgue é sentida no
filme Medianeras... com câmeras subjetivas, que colocam as personagens,
Martin e Mariana, junto ao espectador a observarem a Buenos Aires fílmica 32,
uma cidade que dá as costas para o mar e esconde o céu com fios de fibra ótica.
Quando olhamos com as personagens, também olhamos como as personagens, de
certa maneira, a forma como somos conduzidos, as imagens da câmera subjetiva
acompanhadas dos pensamentos em voz off, guia o nosso imaginário. Olhamos
para os prédios da cidade fílmica que dão as costas para o mar e refletem a
própria arquitetura; vemos prédios refletidos dentro de prédios, janelas fechadas,
sujeitos isolados dentro de veículos também refletidos nos prédios (Figura 24).
Os nomes das personagens iniciam com a palavra „mar‟. Essa cidade que dá as
costas para o mar estaria dando as costas para seus moradores-personagens?

32
Característico do NCA, Gustavo Taretto, constrói o olhar em primeira pessoa. A
representação da cidade fílmica se dá pelas estratégias narrativas que permitem o
reconhecimento da Buenos Aires “real” e suas mazelas.
75

FIGURA 24 - FRAMES DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Os reflexos da cidade fílmica.

Os prédios de Medianeras... são dominados por janelas, aprimorando a


predominância de vidros que refletem a própria arquitetura, praticamente todas
fechadas, as varandas também estão sempre vazias, criando a sensação de que
não há moradores na cidade ou que estão todos enclausurados pela estética da
distância, segurança e invisibilidade, engolidos pela arquitetura que representa os
“medos simultâneos e comuns a todos os cidadãos” (SILVA, 2014, p. 65).
A arquitetura que aparentemente não cria elos de pertencimento, mas de
clausura, sugere uma falta de vínculo com o local físico, conjuntura em que
Bauman (2009) aponta a procura do sujeito por uma aproximação com o mundo
por intermédio da janela do ambiente digital, o que causa um conflito na busca de
sentido e identidade, já que não há como se desvencilhar de um ou de outro; é
76

sempre uma vivência relacional entre redes de comunicação e o estar e ser em


algum lugar.

É nos lugares que se forma a experiência humana, que ela se acumula, é


compartilhada, e que seu sentido é elaborado, assimilado e negociado. E
é nos lugares, e graças aos lugares, que seus desejos se desenvolvem,
ganham forma, alimentados pela esperança de realizar-se, e correm
risco de decepção – e, a bem da verdade, acabam decepcionados, na
maioria das vezes (Ibid, p. 34).

Essa cidade fílmica de Buenos Aires, que constitui experiências humanas


decepcionantes para as personagens, nos termos de André Lemos é uma cidade-
ciborgue, o que à moda de Massimo di Felice é a metropoleletrônica. Para ambos
os pesquisadores pode-se sintetizar nas palavras de Lemos (2007, p. 134) que “o
espaço cibernético e o tempo real juntam-se ao espaço físico e ao tempo
cronológico. Não se trata de substituição das cidades de aço e concreto, mas de
uma reconfiguração profunda”. Diante do que propõe Lemos, existe uma
impossibilidade de negação da inter-relação entre os espaços eletrônicos e
físicos. O modo de habitar do sujeito não se configura em um ambiente
restritamente eletrônico-virtual ou em um espaço puramente físico: pelos olhos
de Mariana vemos uma série de planos que enquadram as práticas digitais – em
uma organização de concreto e cabos de fibra ótica (Figura 25), constituindo o
híbrido das relações virtuais em espaços físicos.
77

FIGURA 25 - FRAMES DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Representação fílmica do híbrido composto de redes sociais e infraestruturas físicas.

Assim, pensando nas relações entre sujeito e objetos materiais e virtuais


da cidade globalizante representada na tela do cinema, torna-se necessário um
olhar atento à condição do sensível das personagens: como suas relações com o
mundo tornam-se afetivas à medida que as emoções dos protagonistas são
expostas nessa cidade enquadrada pelo “poder envolvente exercido pela forma”
(BORDWELL; THOMPSON, 2013, p. 114) que media os olhares.
78

2.1
______________________________
AS (DES) CONEXÕES DO MUNDO
DE MARTIN
79

A condição do sensível do sujeito é estimulada pela percepção e


representação de mundo. Por meio da teoria de figuração Ludwig Wittgenstein
(1994) demonstra o paralelismo entre linguagem e mundo. O mundo se traduz
pelos fatores existentes, observando que “como as coisas são, a lógica pode dizê-
lo: os limites de minha linguagem significam os limites do meu mundo” (Ibid, p.
24). Verifica-se que ao criarmos uma linguagem no ciberespaço ampliamos as
representações e percepções, portanto, ampliamos nosso mundo por meio de uma
linguagem comum a todos os usuários digitais.
Diante de um olhar oprimido, dentro de suas casas, os moradores da
Buenos Aires de Taretto apropriam-se da linguagem no ambiente digital, pois
acabam por encontrar a luz que procuram na tela do computador. Assim,
questiona-se: “como podemos ter deixado de acreditar em nossos próprios olhos
para crer tão facilmente nos vetores da representação eletrônica e, sobretudo, no
vetor velocidade da luz?” (VIRILIO, 1993, p.31).
As janelas para o mundo de Martin transformam-se em telas digitais,
transformando as experiências sensíveis da personagem que olha para o mundo
representado pela linguagem virtual. O que para Claudine Haroche (2008),
acarreta no sujeito hipermoderno que experimenta a necessidade da presença do
outro, afastado dele, uma presença abstrata, inconsistente, permutável e até
inexistente. Martin, a personagem, afirma que há mais de dez anos, sentou em
frente ao computador e tem a sensação que nunca mais levantou. O olhar para o
mundo teria transformado o flâneur em um observador que olha para a janela do
ambiente digital?
Heidegger (1979) chama a atenção para a relação homem e máquina, em
que se desconstrói uma representação técnica, apenas tecnicamente, pois é
preciso refletir sobre o ponto de vista do ser. A reprodutibilidade técnica torna-se
apropriação de uma linguagem, própria de conhecimento e apropriação de
mundo, que o autor trata como acontecimento-apropriação, entregue à linguagem
como propriedade. Apropriar-se e tornar-se para si constitui uma identidade, ser e
estar de modo a interagir com as apresentações e representações que afetam o
sujeito mediado pelo olhar, que o coloca no mundo e o torna parte dele; mas que
80

também podem distanciar o sujeito do espaço urbano, por meio de novas


socializações que se tornam capazes de reproduzir na virtualidade a solidão
vivenciada nos ambientes físicos.
Na narrativa de Medianeras... observa-se a relação de mundo que Martin
constrói mediada por aparelhos, as vitrines decoradas por Mariana e a cena que
sugere um clima de erotismo entre Mariana e seu manequim, evidenciando uma
relação com o mundo das representações.
Mariana reclama que o olhar, vendado por prédios e fios, esconde o mar e
o céu, o que resulta em uma relação virtual com o espaço da cidade, à moda de
uma escapatória; a tela e suas mediações como um novo olhar para o mundo, em
uma espécie de solidão coletiva. André Lemos (2001) pressupõe uma
modificação do sujeito que vaga em estado de abandono a observar as multidões.
O flâneur, agora, seria um ciber-flâneur para Lemos (2004, p. 124), que
relaciona a prática do cibernauta a da flânerie descrita por Baudelaire no século
XIX. Para o autor em ambos os processos, há “um rearranjo do espaço através de
um modelo de conexão generalizada, descentralizada e cujo ponto de partida é
constantemente deslocado e atualizado através de uma atividade de errância”:

Todo sistema hipertextual instaura um híbrido de leitor e escritor, de


aventureiro e conformista, na figura daquilo que Rosello chama de
screener. Não é por acaso que parar diante de um imóvel que pertenceu
a nossa infância, sentir os cheiros e ruídos que só a nós faz sentido, ou
clicar num link que a você surge naquele instante interessante, parece
fazer parte de um mesmo processo hipertextual. Assim, da flânerie do
poeta urbano à ciber-flânerie eletrônica do internauta não há, neste
sentido, muita distância. Trata-se de um mesmo processo de meta-
construção das estruturas (urbana e tecnológica – o ciberespaço). Vagar
pela cidade e clicar em sites na internet é, assim, “escrever lendo”, é
deixar marcas a partir de mapas dados, é imprimir um traço no espaço,
ao mesmo tempo maleável e inflexivo do quotidiano (Ibid, p. 125).

Para o autor, o flâneur busca a imersão pelo olhar, uma escrita (rastros de
deslocamentos) e uma leitura (decodificação de signos). A flânerie tanto nas
cidades quanto no ambiente digital permite traçar, escrever percursos além das
macroestruturas textuais em um processo de sedução e desvio.
81

Assim como as arquiteturas permitem isolar indivíduos em suas casas ou


colocá-los juntos em espaços públicos, no ambiente digital também ocorre essa
individualização ou socialização. Podemos abrir e fechar as portas de nossas
casas, assim como podemos abrir e fechar janelas online. No ambiente digital,
como em toda vida em sociedade, “separação e religação são dois aspectos do
mesmo ato” (LEMOS, 2004, p. 141).
Martin confessa incorporar a rotina do ciber-flâneur e afirma que a
internet o aproximou do mundo, mas o distanciou da vida: faz coisas de banco, lê
revistas, baixa música, ouve rádio, compra comida, conversa, estuda, joga, faz
sexo e procura passeador de cachorro pela internet. A personagem também
determina seus encontros românticos escolhendo candidatas no ambiente
tecnologizante: “Concluí que esses encontros são como combos do McDonald‟s.
Nas fotos, é tudo melhor, maior e mais apetitoso. Cada vez que vou a um
encontro tenho a mesma decepção que vem diante de um Big Mac”. Para Martin
procurar alguém para sair é como procurar uma refeição no cardápio, percebemos
que as características pessoais da pessoa escolhida são organizadas por ícones
(Figura 26). É a representação e organização das imagens que irão determinar
algum interesse em Martin ou não. É como montar um lanche, “qual a sua
combinação preferida?”.

FIGURA 26 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Sujeitos representados no ambiente digital no enquadramento fílmico.


82

Ressalvando o modo de olhar para o mundo e criar interações, que no caso


citado da personagem se dá por intermédio da relação do espaço físico-virtual,
torna-se indispensável refletir do ponto de vista do mundo constituído pelo uso
de códigos comunicacionais, que segundo Charles Bally (1951), aceita a
linguagem como expressão de pensamentos e acrescenta que como sistema de
pensamento, a linguagem deforma-se pela subjetividade. Sendo assim, ela não
reflete e sim refrata a “realidade” e opera uma modificação dos fenômenos. A
subjetividade é a parte afetiva que nos constitui. Emoções, impulsos e desejos
são expressos na linguagem.
A linguagem – representação de mundo – do flâneur representado por
Martin é alterada pelos hipertextos. As novas formas de comunicação que se
deslocam do espaço físico para o ciberespaço constroem um novo olhar
decodificante e novas experiências estéticas. Martin, o ciber-flâneur, não precisa
mais se deslocar até a rua para desempenhar a função de observador, o mundo
está representado dentro de sua casa. O olhar de Martin é iluminado pelo
simulacro33, pela luz que o torna imóvel, paralisado. A decepção relatada pela
personagem se dá em virtude do novo acesso ao mundo, que surge como uma
fuga do tédio “local”, mas que também no “global” passa por uma
automatização, pois “todo impulso em direção à estesia está ameaçado de uma
recaída na anestesia” (GREIMAS, 2002, p.80).
A personagem que vê a janela do ambiente tecnológico como uma
possível aproximação do mundo, torna-se refém de uma mise en abyme,
aprisiona-se na cidade, que o aprisiona na casa, que o aprisiona na tela do
computador, que por sua vez o aprisionará em sites de relacionamentos e
hiperlinks.
Na relação do homem com janelas virtuais Kati Caetano (2012, p. 256)
compreende que o sujeito imergido no ciberespaço “é tomado pela impressão de
presença no mundo e proximidade com as pessoas e coisas, ao mesmo passo que

33
Ver Jean Baudrillard (1991, p. 151): o autor trata de três categorias de simulacros, “a primeira
categoria corresponde o imaginário da utopia. A segunda a ficção científica propriamente dita.”
E a terceira baseia-se “na informação, no modelo, no jogo cibernético – operacionalidade total,
hiper-realidade, objectivo de controle total”.
83

se posiciona numa atitude de imobilidade física e descorporificação com respeito


àquilo que se processa aquém da tela do computador”. Nesse sentido, pode-se
dizer que Martin, agora um ciber-flâneur, encontra-se anestesiado pela
automatização em uma presença ausente de mundo, por meio de uma linguagem
em que reconhece as representações compartilhadas, mas permanece anestesiado
pelo elo tramado entre a automatização da apropriação de simulacros, a
imobilidade e as decepções passíveis de serem vivenciadas.
Jean Baudrillard (1991, p. 22) chama a atenção para como a deficiência do
olhar é sanada por representações, “se reciclam as faculdades perdidas, ou o
corpo perdido, ou a sociabilidade perdida, ou o gosto perdido pela comida”.
Fotografamos nosso almoço, mudamos nossa aparência com programas digitais,
expomos as características que acreditamos agradar ao outro. “Vivemos
cercados, impregnados de imagens, e, no entanto, não sabemos quase nada da
imagem [...]” (BARTHES, 2005, p. 70).
Martin marca o encontro baseado no “menu virtual”. A escolhida é a
psicóloga Marcela, que já morou em Paris e afirma ter uma necessidade muito
forte de se comunicar, inicia a conversa física na língua francesa. Martin entende,
mas não gosta de falar em francês. Já na metade do encontro em espanhol, ela diz
que fala italiano, o que não causaria problemas se Martin fosse um italiano, ela
poderia se comunicar com ele. No fim do encontro ela pronuncia em alemão algo
que Martin não entende, ambos já estão distantes, desencantados com a
“realidade” física de suas representações, acarretando em uma desconexão
comunicacional.
As personagens estão distantes na cama, remetendo ao pensamento de
Baudrillard (1991) que chama a atenção para o fato de que quando há a
transposição da representação para uma dita realidade física, ocorre a decepção,
pois a representação deixa de ser sonhada. Na cena, ainda, há o simulacro de uma
janela que deveria dar para as paisagens da cidade, mas reproduz a imagem de
Paris, um simulacro global na falta de identificação com o local (Figura 27).
84

FIGURA 27 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Martin e Marcela decepcionam-se com a transposição de suas representações para o espaço


físico.

A falta de vínculos afetivos no espaço físico entre as personagens ressalta


uma perda de um sentido de si. A falta de vínculo com a transposição das
representações para o espaço físico evidencia a falta de apropriação de mundo, as
personagens não imergem nas sensações do espaço-tempo. Mesmo
compartilhando o mesmo lugar não ocorre de fato o encontro, elas não se olham.
A personagem Mariana diz que “o futuro está na fibra ótica, ninguém vai
esperar você com a casa quentinha”. Pressupõe-se que na tentativa de não se
anular na multidão, o sujeito – personagem fílmico – anula-se na tentativa
solitária de experimentar uma representação de mundo.
Reconhecemos os riscos indicados pelo filme de Gustavo Taretto. Na
janela do ciberespaço, as personagens tornam-se simulacros de si mesmas, reféns
do comodismo, da proteção que a tela impõe, acostumadas com o estar nem
dentro e nem fora, interagindo com as imagens do mundo não conseguem
apropriar-se de um ser e estar presente no mundo físico.
85

2.1.1
____________________
Rompimentos de Martin
86

Sobre as relações afetivas da personagem Martin torna-se necessária uma


análise atenta para como se dão os rompimentos, já que “a instrução de que mais
necessitam os praticantes da vida líquido-moderna (e que mais lhes é oferecida
pelos especialistas nas artes da vida) não é como começar ou abrir, mas como
encerrar ou fechar” (BAUMAN, 2006, p. 08-9) as relações sociais.
O primeiro rompimento de Martin é relembrado pela personagem,
enquanto dá banho na cachorra deixada pela ex-namorada:

Há sete anos, minha namorada foi visitar os pais em Nova Jersey,


Estados Unidos. Era para ficar 20 dias, um mês. Apesar do sofrimento,
me ligou a cobrar para avisar que não voltaria, que o lugar dela era lá,
que tinha percebido que era muito americana. Coincidentemente, ela se
sentiu americana bem quando a Argentina decaiu. Pouca coisa a prendia
aqui, só eu e a cachorra dela. Ela deixou a cachorra também, mas com
boas intenções. Disse assim: ela vai sentir demais a mudança e vai ser
difícil se acostumar com outro idioma. De uma vez só perdi a mulher
que amava e a capacidade de voar (MEDIANERAS..., 2011, cap. 3).

Aqui analisamos dois aspectos; o primeiro relaciona-se com o morar; o


segundo com os espaços de passagem. Primeiramente, Stuart Hall (2006, p. 81)
compreende que “[...] as pessoas mais pobres do globo, em grande número,
acabam por acreditar na „mensagem‟ do consumismo global e se mudam para
locais de onde vêm os "bens" e onde as chances de sobrevivência são maiores”.
Aquela que foi embora, a namorada de Martin, encontra-se na América do Norte,
já Martin que continua em sua pátria, muitas vezes vista como o berço da nação,
parece não morar de fato como evoca Gaston Bachelard (1978), a moradia como
o canto no mundo em que o sujeito encontra a imensidão.
A personagem diz que ao deixar a namorada ir com o seu amuleto da sorte
também perdeu sua capacidade de voar, essa capacidade interpreta-se como a
liberdade que damos aos sentimentos e também a liberdade de ir e vir – “se não
sabemos aonde vamos, não saberemos mais onde estamos” (BACHELARD,
1978, p. 317). Percebe-se que

Entre a partida e a chegada (improvável de um dia acontecer), está um


deserto, um vazio, uma imensidão, um amplo abismo do qual só uns
poucos mostrariam a coragem de saltar fora por vontade própria, sem
serem empurrados. Forças centrípetas e centrífugas, de atração e
87

repulsão, se combinam para segurar os inquietos e estancar a inquietude


dos descontentes. Os suficientemente impetuosos ou desesperados a
ponto de tentar desafiar as probabilidades contrárias se arriscam a
enfrentar a sorte dos excluídos e rejeitados, e a pagar por sua audácia
com o alto custo da miséria corporal e do trauma psíquico, preço que só
uns poucos escolheriam pagar por vontade própria, sem serem forçados
(BAUMAN, 2006, p. 12-13).

Considera-se que Martin vive o deserto e o vazio, trancado em sua casa,


não tem a coragem de saltar no mundo, de deixar-se afetar pelo externo e viver
para fora de si, para além de sua imensidão que se torna abismo. A personagem
está em um lugar que não a acolhe, mas a imobiliza.
O protagonista não se apropria de um sentimento de pertença, mas sim de
tensão. Marc Augé (2007, p. 86) esclarece que “os não-lugares criam tensão
solitária”. No aeroporto, um não-lugar em que estão todos de passagem, a
namorada de Martin é levada pela escada rolante. Não é possível voltar no
movimento da escada mediada pela tecnologia, a escada rolante que sobe não
permite a descida. Martin permanece imobilizado, olhando para a escada que se
movimenta e leva a namorada para o alto, agora ele não pode alcançá-la. Ela
cumpre o contrato de passagem com o não-lugar, Martin permanece.
A personagem volta para sua casa, retorna ao passado, agora modificado
pela ausência do futuro imaginado, o amor que esteve ali de passagem. Martin
questiona a cultura do inquilino, como se os morados estivessem sempre prestes
a partir. Bauman (2006) lembra que “todos os lares são apenas hospedarias no
meio do caminho”. Os moradores da Buenos Aires fílmica são identificados por
letras, o que remete a Marc Augé (2007) sobre os espaços de não-lugares que
identificam seus usuários por números. Walter Benjamin em seus relatos em
meados do século XIX observa o mal-estar da época e pequenas rejeições de
novos hábitos que implicavam em uma ampla rede de controle a partir da
Revolução Francesa. Paula Sibilia (2002, p. 160) relembra “A Paris do Segundo
Império em Baudelaire”, observando que “a numeração das residências, por
exemplo, não foi aceita com facilidade: „caso se pergunte o endereço a um dos
moradores desse subúrbio, ele sempre dará o nome que a sua casa ostentava e
não o frio número oficial‟[...]”.
88

Se o sujeito não se identifica mais com a sua morada, se ela desempenha


lugar de passagem, podemos pressupor que assim como no aeroporto ao
regressar para a casa, Martin permanece no não-lugar?
Trancada em si mesma a personagem tranca-se em sua casa. Interrogado
sobre sua cachorra, Martin responde: "Desde que a dona foi embora, ela fica
deprimida, não late, fica insegura e não quer sair, achei que seria bom ter contato
com outros cachorros e outras pessoas. Acho que ela acostuma, o que acha?”.
“De fato, as paixões são curtidas na solidão. É fechado na sua solidão que
o ser de paixão prepara suas explosões ou suas façanhas” (BACHELARD, 1978,
p. 203). Após dois anos sem sair de casa, Martin fala de si ao falar da cachorra,
agora a personagem acha que seria bom ter contato com outras pessoas, procura
uma passeadora de cachorros pela internet e relaciona-se com ela.
Ana, a passeadora de cachorro, está escrevendo uma peça teatral. As
personagens passam pela obra em construção do Teatro Colón (Figura 28). Obra
arquitetônica e obra interior estão em construção e sempre se cruzam na cidade
irregular de Buenos Aires, lembrando que segundo o protagonista a arquitetura
reflete as irregularidades de seus moradores.

FIGURA 28 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Arquitetura e personagens em construção.


89

Sentadas em um banco com janelas fechadas ao fundo (Figura 29), as


personagens também estão fechadas, não há um vínculo entre o casal, ela ouve
música com fones de ouvido, tornando possível uma aproximação com o ipod-
flâneur34. A caixa de som e os fones impedem as possibilidades comunicacionais
entre as personagens. Quando conversam Ana não está muito interessada nas
observações de Martin sobre os problemas de socialização de Susú, a cachorra,
que representa o problema de socialização do protagonista. Há um corte para
dentro do apartamento. Prestes a ter relações sexuais, os cachorros
desconcentram a passeadora e ela diz que volta outro dia.

FIGURA 29 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

As janelas estão fechadas para possíveis vínculos afetivos.

A passeadora volta ao apartamento de Martin e questiona como ele


escolhe as músicas para ouvir, há tantas opções em seu computador, uma alusão
às inúmeras opções de relações que os espaços, físico e digital, proporcionam.
Em frente ao quadro de um pássaro em pouso (Figura 30) Ana quer voar
para longe de seu cotidiano, mas recebe uma mensagem de texto em seu celular,
alguém quer saber onde ela está, quer buscá-la, ela mente: - "Onde você está? -
Entrando no cinema. - Porque não me avisou. Vai ver o que? - King Kong. -

34
Massimo di Felice (2009, p. 184) considera como ipod-flâneur, o sujeito que se desloca pela
cidade com “um suporte sonoro, o qual pode ser um MP3 ou um Ipod”, expandindo o olhar para
a cidade, transformando o flâneur em um criador de videoclipe, através de uma montagem
imaginária.
90

Quero te ver passo aí na saída. - É muito comprido. Tenho que desligar


(enviando para Mariela)".

FIGURA 30 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Personagens perdem a capacidade de voar.

Após onze mensagens ignoradas a passeadora responde: “Vou para casa”.


Ela cumpre passagem na vida de Martin que imobilizado retorna ao banco com a
cachorra (Figura 31), sozinhos novamente. Observa-se que as janelas
permanecem fechadas, o buraco central na parede que poderia ser preenchido
pelo vínculo das janelas a serem abertas continua vazio, a fluidez das relações
líquidas segue seu curso, “absorver, devorar, ingerir e digerir – aniquilar”
(BAUMAN, 2004, p. 12). Percebe-se que acompanhada de Ana ou não, a
personagem encontra-se encolhida na solidão, fechada para as vivências e
vínculos afetivos. “A solidão produz insegurança – mas o relacionamento não
parece fazer outra coisa. Numa relação, você pode sentir inseguro quanto sem
ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade” (Ibid, p. 16).
91

FIGURA 31 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

O personagem permanece fechado, solitário.

Sozinho Martin precisará abrir as janelas da alma para que possa de fato
pertencer à multidão da cidade, para que ocorra o acidente do encontro. A
personagem precisará desconstruir os simulacros de uma vida que experimenta a
presença do outro protegido por mediações; deverá saltar na cidade, passear com
sua cachorra entre a multidão e encontrar identificação com o espaço. Somente
assim será possível habitar essa cidade que para a personagem – que media seu
olhar através de aparelhos – parece apenas paisagem.
92

2.2
______________________________
AS (DES) CONEXÕES DO MUNDO
DE MARIANA
93

Em situações em que as atualizações são mais valorizadas que o


vivenciado, que é preciso superar o passado, desligar os vínculos e reiniciar
novas vivências, o sujeito corre o risco de viver uma crise da representação da
vida atual. A necessidade de questionar o agora torna as experiências provisórias,
elas precisam ser superadas, para que o sujeito não seja imobilizado pelo
presente. A ansiedade pelo futuro cria uma emergência instável e angustiante.
Bauman (2007) suscita o conceito de vida líquida, em que é preciso
terminar coisas, se desfazer, para que seja possível reiniciar um novo consumo.
Tudo deve ser superável para que se esteja em movimento, a prioridade não é
mais adquirir e sim livrar-se em uma sucessão descontrolada de reinícios. As
relações são consumidas, o modo de sentir é determinado pelo modo de
experimentar e se desfazer de coisas e pessoas. As mudanças estruturais “estão
também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós
próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido de si” estável é
chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentralização do sujeito”
(HALL, 2006, p. 09).
Mariana acaba de terminar um relacionamento e para se adaptar à nova
condição e aos padrões da vida liquida é preciso superar. A obrigação de reiniciar
torna-se angustiante diante da liquidez em que “os que não estão ali por vontade
própria, que não "gostam" de "estar em movimento" ou não podem se dar a esse
luxo, têm pouca chance. Para eles, participar do jogo não é uma escolha, mas eles
também não têm a opção de ficar de fora” (BAUMAN, 2007, p. 11).
Sem movimentar-se, dentro da relação Mariana sentia-se distante e
sozinha, fora da relação Mariana sente-se no retorno da solidão de seu
apartamento. Percebe-se que o amor líquido é só uma das maneiras de
experimentar a vida líquida, sempre há a existência de ansiedade, tanto na vida a
dois quanto sozinho o sujeito sente-se solitário.
Sentada na escada de cinco degraus, depois apagando o ex-namorado da
foto em um programa de computador, que oferece a possibilidade de apagar
imagens e substituí-las pelos elementos que deseja (Figura 32), Mariana, reflete
94

sobre o fim do relacionamento e termina olhando para uma representação da


própria imagem, refletida no espelho:

Como é possível ser próximo de alguém tão diferente? É a conclusão


estúpida que fica de uma relação de quatro anos. Quatro anos são 48
meses, são 1.460 dias, são 35.040 horas com a pessoa errada. Uma noite
me peguei olhando para ele e entendi tudo. Eu o senti distante pela
primeira vez como se fosse um total desconhecido. Tão desconhecido
que tive até medo de estar com um estranho. E aqui estou no
apartamento que abandonei para ir morar com ele em frente ao mesmo
espelho, quatro anos depois (MEDIANERAS..., 2011, cap. 4).

FIGURA 32- FRAME DO FILME MEDIANERAS BUENOS AIRES NA ERA DO


AMOR VIRTUAL

Mariana substitui o ex-namorado na foto pelo personagem Wally.

Debruçada diante do computador, Mariana, pressiona repetidamente a


mesma tecla, deletando 380 fotos colecionadas no primeiro ano de
relacionamento, 150 no segundo, 97 no terceiro e quatro fotos no quarto e último
95

ano, desejando que sua cabeça fosse um Mac, bastaria um clique e as memórias
seriam apagadas.
Os relacionamentos contemporâneos são, muitas vezes, aprisionados em
representações, em aparências de uma vida dita feliz representada por
fotografias: quanto maior a felicidade, maior a necessidade de reproduzi-la. As
imagens produzem o valor de “realidade”; a quantidade de fotos de Mariana e
Pablo diminui: com o passar dos anos a insatisfação com a vida a dois diminui a
representação imagética da relação. Percebe-se, então, que “sujeito, tempo,
espaço e relato forjam-se um ao outro, se afetam e se estruturam em várias
operações de corte imaginário, que atuam desde a imposição da pose” (SILVA,
2014, p. 132): Mariana deixa expressar no registro imagético o seu
distanciamento no relacionamento, a insatisfação da personagem em guardar
aquele momento para o futuro (Figura 33). Ela deleta o arquivo fotográfico, pois
já não há valor afetivo para o armazenamento de uma memória capturada, já que
não se tem a necessidade de “guardá-las para o futuro” (ibid, p. 132), quando não
se viverá mais o futuro da memória projetada no instante do registro.

FIGURA 33 - FRAME DO FILME MEDIANERAS BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

A fotografia registra o desinteresse na pose do casal já distanciado.

A duração de um relacionamento é relativa, uma relação de quatro anos


pode ser considerada duradoura ou não, no fim não importa o tempo que durou,
96

mas o tempo que levou para não continuar, como ela é apagada da memória,
apagando-se reproduções técnicas de uma vida compartilhada.

(...) colunista do Observer, em tom meio irônico, lista as últimas regras


para se "chegar ao fim" das parcerias (sem dúvida os episódios mais
difíceis de serem "encerrados" principalmente aqueles que os parceiros
desejam e lutam muito para que acabem, os quais provocam, sem
surpresa alguma, uma demanda articularmente ampla pela ajuda de
especialistas). A lista começa com: "Lembre-se das coisas ruins.
Esqueça as boas"; e termina com: "Conheça outra pessoa", depois de
passar por "apague toda a correspondência eletrônica". Do princípio ao
fim, a ênfase recai em esquecer, apagar, desistir e substituir
(BAUMAN, 2007, p. 08-9).

Mariana apaga a memória eletrônica, mas não está em movimento, seu


pequeno apartamento, escuro, bagunçado, invadido por manequins, imobiliza a
personagem, encurralada. A sua cabeça não é um Mac, as imagens foram
deletadas do ambiente digital, mas ela não se sente em um processo de reinício,
mas de volta; voltando para o apartamento que vivia antes do relacionamento,
trata-se de uma volta ao passado em busca de atualizações. No retorno Mariana
tenta encontrar o canto no mundo evocado por Bachelard (1978), encolhida, para
que possa atualizar os sentimentos, reiniciar as construções, compreender e
apropriar-se de um futuro, “o que está ausente do mundo, que contém tudo o que
é...” (Ibid, p. 12).
A protagonista decora vitrines; vitrine deriva do francês “vitre”, vidraça,
cuja origem vem do latim “vitrum” – vidro, evidenciando a relação dos vidros
com a cidade, caracterizados por não deixar rastros e refletindo a clausura
arquitetônica no efeito mise en abyme. No lugar visto pela personagem como um
lugar perdido em que não está dentro nem fora, que é como pertencer a nenhum
lugar, ela percebe-se envidraçada. A vitrine separa Mariana do mundo externo,
há uma fresta que a deixa ver a luz exterior e provoca uma fratura no olhar da
personagem que vê a própria imagem refletida na vitrine, tomando consciência
da imobilidade a que se submete: “Só a luz de uma manhã de tão clara me deixou
ver com clareza o reflexo. Tarde, como sempre, percebi que era eu na vitrine.
Como um manequim. Imóvel, silenciosa e fria” (Figura 34).
97

FIGURA 34 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Mariana não pertence a lugar algum dentro da vitrine.

Como as janelas de Martin que dão para o ciberespaço, as vitrines


guardam sonhos e desejos, são janelas que protegem Mariana, que parece colocá-
la no mundo, mas a distancia dos deslocamentos da cidade.
Ao decorar uma vitrine e “atrair a atenção é imprescindível saber como
captá-la; para interessar é necessário conhecer cada uma das reações do ser
humano, seus instintos e sentimentos” (SANT‟ANNA, 2006, p. 77-8). Mariana
acredita que se alguém para diante da vitrine de alguma forma se interessa por
ela. Martin para em frente à vitrine (Figura 35). Mariana que observa a multidão
enquadrada pela vitrine, agora também é metaforicamente observada. Os papéis
de observador e observado vivem um constante movimento e precisam
encontrar-se no espaço fílmico.
98

FIGURA 35 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Martin observa a vitrine decorada por Mariana.

Novamente enquadrando o olhar com a cabeça amparada pelas mãos do


manequim (Figura 36), paradoxalmente imobilizada no movimento do ônibus,
Mariana observa a cidade refletida na própria arquitetura (Figura 37). O olhar da
personagem pela janela do ônibus é distorcido pelo efeito mise en abyme, prédios
que distorcem a própria realidade, refletindo uma cidade que não mostra seus
habitantes, refletem janelas fechadas, emolduradas dentro de outras janelas
também fechadas. Mariana é amparada pelo simulacro de um ser humano, o
manequim que decora vitrines ocupa a posição de uma ausência na vida da
personagem, uma arquiteta que nunca construiu nada, a não ser o simulacro de
uma vida inabitável, como as maquetes criadas pelos arquitetos que representam
um mundo pequeno demais para permitir a demora, ou seja, o habitar.
99

FIGURA 36 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Mariana enquadra a cidade na janela do ônibus, amparada por um manequim.

FIGURA 37 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

A cidade é distorcida no próprio reflexo.

É importante ressaltar o enquadramento dos olhares das personagens,


mediados por janelas físicas e virtuais. Como o sujeito que vai ao cinema e, na
presença de vários espectadores, sente o filme individualmente, a cidade
enquadrada por janelas é uma experiência do olhar “individualmente coletiva”.
Somos todos solitários, enfim: buscando companhia nos sentidos imagéticos,
atravessando afetos e olhares.
Marilena Chauí (1990) chama a atenção para como o olhar se faz de
dentro para fora, olhar é sair para trazer o mundo para si. Os olhos são as janelas
da alma, expõe o interior ao exterior e apropria-se do que vê. A palavra “janela”
100

tem relação com o deus latino Jano, aquele que possui duas faces, que olha para o
futuro e também para o passado. Olhando para o seu futuro e seu passado
Mariana precisa olhar para a sua janela da alma, apropriar-se do que vê em um
movimento interno e externo, se acomodar na janela, quebrar a medianera de seu
edifício:

Todos os prédios, todos mesmo, têm um lado inútil. Não serve para
nada, não dá para a frente nem para o fundo. A “medianera”.
Superfícies que nos dividem e lembram a passagem do tempo, a
poluição e a sujeira na cidade. As “medianeras” mostram nosso lado
mais miserável. Refletem a inconstância, as rachaduras, as soluções
provisórias. É a sujeira que escondemos embaixo do tapete. Só nos
lembramos dela às vezes, quando submetidas ao rigor do tempo, elas
aparecem sob os anúncios. Viraram mais um meio de publicidade que,
em raras exceções conseguiu embelezar. Em geral, são indicações dos
minutos que nos separam de supermercados e lanchonetes. Anúncios de
loterias que prometem muito em troca de quase nada. Ultimamente
lembram a crise econômica que nos deixou assim, sem emprego. Para a
opressão de viver em apartamentos minúsculos existe uma saída. Uma
rota de fuga. Ilegal, como toda rota de fuga Em clara desobediência às
normas de planejamento urbano abrem-se minúsculas, irregulares e
irresponsáveis janelas que permitem que alguns milagrosos raios de luz
iluminem a escuridão em que vivemos (MEDIANERAS..., 2011, cap.
4).

Mariana aponta a falta de vínculo com a cidade, as paredes que dividem,


que são quebradas em busca de luz, evidenciam o olhar para a falta de vínculo
com o espaço, fechados em suas casas os moradores vivem na escuridão, olhando
para a cidade enxergam a problemática urbana que os levaram a fechar-se em
suas moradias físicas e afetivas.
101

3
_______________________________
O OLHAR PARA O IMAGINÁRIO
DA CIDADE FÍLMICA
102

Artefatos criados pelo homem, na Idade Média os vilarejos fechados eram


chamados de burgos, de origem alemã, burg, castelo ou fortaleza. A imagem
criada é de um lugar fechado que agrega seus moradores. A cidade atrela-se ao
urbano do latim urbs, em oposição ao rural, rus. Ainda, a palavra inglesa city
vem do francês cite, referenciando lugares em que se encontram o poder, é na
city que se encontra a economia e a sede da autoridade.
Observa-se que nessa organização do espaço urbano criamos obstáculos,
as leis de convivência correm o risco de oprimir, impondo o certo e o errado, os
caminhos a serem seguidos, que podem tanto nos fornecer proteção, quanto
trancar-nos em mundos arquitetonicamente pensados para suprir as necessidades
controladoras. As paredes físicas e simbólicas da organização arquitetônica da
metrópole podem limitar; sob o manto da alegada intenção protetora é possível
esconder, criar barreiras e fechar os olhares para o mundo.
As janelas surgem para possibilitar que as paisagens sejam vistas e
habitadas. A cidade pode ser olhada, vivida em movimento, movimento do olhar,
movimento do trabalho, da recreação e da habitação. A percepção dos limites
urbanos abre caminhos para que possamos atravessá-los: a cidade, assim,
comunica-se com o sujeito, uma comunicação visual, que permite a criatividade e
que se pode dar no lugar do olhar, potência de subjetividade e movimento em que
“o visual torna-se assim o centro polifórmico que deve ser interpretado e o meio
da interpretação” (CANEVACCI, 1993, p. 44).
Olhando para o lugar em que “as características culturais sedimentam a
cidade enquanto império fervilhante de signos que cria uma linguagem e justifica
uma ótica de estudos voltada para ela enquanto modo específico de produzir
informação (...)” (FERRARA, 1990, p. 03), percebe-se que as imagens
produzidas pela cidade representam um modo de viver de seus habitantes. A
cultura do morar é explicitada nos signos que olham e são olhados para e pelos
sujeitos que transformam o lugar em espaço ao transformar arquitetura em
representação e percepção, ocorrendo o acontecimento-apropriação
(HEIDEGGER; 1979).
103

Massimo di Felice (2009, p. 130) chama atenção para o fato de que o


“visual é sujeito (...). Se a arquitetura da metrópole é visual, múltipla e
dissolvente, assim é também o olhar do seu morador-observador”. Partindo do
pensamento de Lucrecia Ferrara (2008, p. 48), em que “quanto mais impactante,
mais recompensado se sente o homem quando encontra, na imagem, a realização
de desejos que vão da afirmação afetiva até a segurança dos caminhos da cidade
ou da identidade como nação”, sugere-se olhar para os anúncios publicitários no
filme Medianeras... como uma moldura dos vínculos afetivos com a cidade. Não
à toa os anúncios emolduram as janelas que surgem como rotas de fugas em
busca de um pulmão de ar para seus moradores, que desejam por meio do buraco
na parede olhar para a cidade.
As janelas são ressignificadas pelos anúncios que criam vínculos com os
vizinhos distantes, dialogam com a arquitetura e se comunicam com os
moradores. “A imagem, portanto, seria um novo tipo de identificação e
agregação que colocaria os indivíduos em relação uns com os outros, criando
sentidos através de uma forma-conteúdo estética” (DI FELICE, 2009, p. 132)
sugeridos pelos arquivos vicinais:

Digo vicinal de vizinho (do latim vicinus, "que habita perto do outro)
que deriva em vizinhança (conjunto de pessoas que vivem em casas
contíguas ou próximas), e que retomo com consciência de estar perto de
outro, no espaço, ou próximo no tempo, no sentido de se reconhecer;
isto me parece melhor que comunidade e comunitário porque dão a
entender que se age com uma consciência comum. [...] São arquivos
vicinais dentro de nossa bibliografia, os grafites, os estudos sobre
vitrines e outdoors de cidades, onde se analisaram os pontos de vistas
urbanos de circulação comunal (SILVA, 2014, p. 127-8).

Os protagonistas, Martin e Mariana, são vizinhos que vivem em pequenos


apartamentos com pouca vista para a cidade, reclamam da falta de vínculo com a
Buenos Aires fílmica e transitam pela cidade como flâneur e flâneuse, sem que
pertençam à multidão de fato, apenas a observar o movimento da cidade,
permanecendo imóveis dentro de si mesmos. Eles que são vizinhos de
medianeras, caminham pelos mesmos lugares, mas nunca se olham. Ao quebrar
as janelas ilegais, rotas de fugas, estabelecem o primeiro contato visual. Esse
104

vínculo tramado entre o olhado e o olhante, entre Martin e Mariana, se dá


justamente devido à publicidade, o impulso do olhar não é olhar para dentro da
janela, mas como ela se insere dentro do anúncio publicitário, sugestivo: Mariana
é indicada como tudo que Martin busca e Martin encontra-se dentro de uma
imagem explicitamente sexual (Figura 38).

FIGURA 38 - FRAMES DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Mariana e Martin são enquadrados nas janelas emolduradas por anúncios publicitários.

A janela que nasce como uma alternativa para um novo olhar para e pela
cidade é emoldurada pelo anúncio “HOPE” (Figura 39). A esperança que o
morador deposita no novo enquadramento da cidade pelo furo na parede,
também, está no anúncio. Há um diálogo do anúncio com uma arquitetura que
busca encontrar um novo mundo, incluindo o anunciante como potencializador
desse novo olhar para e pelo mundo. Desse modo, o anúncio se vale da busca por
105

novos olhares para que o observador relacione a marca a um novo pulmão de ar


nessa cidade, numa dita realidade que tanto sufoca seus moradores menos
favorecidos, em apartamentos com pouca ventilação, sem varandas e pouca
relação com a cidade.

FIGURA 39 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

O anúncio ressignifica a janela como uma nova esperança para o olhar para e pela cidade.

Referente aos anúncios publicitários, imagens transitórias na cidade,


Massimo di Felice (2009, p. 206) nota “os corpos e os objetos irreais que
substituem as paredes dos prédios” com “a multiplicação de paisagens, linhas de
fuga, meta geografia de corpos transorgânicos e imagens coloridas nas quais
cotidianamente nos deslocamos”. As personagens de Medianeras... deixam
explicita a cultura do inquilino, como se o sujeito estivesse sempre de passagem,
as janelas como rotas de fuga, como algo provisório, emolduradas por anúncios
publicitários que anunciam há quanto tempo os moradores estão de espaços de
não-lugares (AUGÉ, 2007). “Em poucos dias as imagens publicitárias mudam,
substituídas por outras que distintamente passam a redesenhar a paisagem
transitória dos nossos espaços cotidianos” (DI FELICE, 2009, p. 206),
transformando as experiências estéticas mediadas pelo olhar enquadrado pela
janela da casa.
106

Os anúncios que em sua maioria levam a não-lugares, como o fast food,


(Figura 40)35, se alimentam de velocidade, a sobreposição da imagem no
território o relativiza fornecendo-lhe um caráter dinâmico e instável, exotópico
(Ibid, p. 206). Transitoriedade que acaba por infectar o espaço do habitar dos
moradores que olham e são olhados dia a dia por imagens instáveis, a casa já não
abriga o canto no mundo de Bachelard (1978), ela evidencia a cultura do ir e vir,
não se habita mais a arquitetura, habita-se os deslocamentos.

FIGURA 40 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Imagens que simbolizam velocidade constituem olhares provisórios.

Para Gaston Bachelard (1978, p. 197) “encolher pertence à fenomenologia


do verbo habitar. Só mora com intensidade aquele que já soube encolher-se”.
Nessa concepção o sujeito busca o canto no mundo, encolhido, sente-se em casa,
encontra o seu lugar, compreendendo o próprio mundo que se apropria dentro de
si mesmo. Ou seja, o canto no mundo está dentro do sujeito arredondado em si,
concentrar-se em si é compreender o mundo e apropriar-se dele.
Martin Heidegger (1979) sobre ser e estar no mundo, discorre sobre uma
subjetividade afetada pela sensibilidade, em que pensar significa uma
multiplicidade de representações em um “conhecer o mundo” e “possuir o
35
O enquadramento do anúncio mostra um mundo representado pelo tom do azul desgastado da
parede do prédio que é invadido pelo vermelho das letras que dão nome à marca, ou seja, a
marca em destaque poderia transformar as cores dessa cidade desgastada, criar um novo mundo
estrelado pelas oportunidades sugeridas pela marca a ser consumida.
107

mundo”. A palavra “ser” originaria de sedere, estar sentado, que implica em


residência, o lugar onde se demora o habitar.
Massimo di Felice (2009, p. 126) analisa os modos de “relações anônimas
em que a sociabilidade momentânea e visual substitui àquelas pessoais „cara a
cara‟ própria dos pequenos vilarejos e da pequena cidade”. Para o autor o modo
de perceber o mundo contemporâneo atrela-se às concentrações de grandes
grupos de pessoas, experiências marcadas pela importância das relações visuais.
Nessa tela de relações visuais da cidade, não gratuitamente, o cinema
enquadra personagens que habitam metrópoles fílmicas e apresentam a
apropriação do espaço da cidade em que as imagens nos tornam espectadores do
espaço urbano.
Na tela de Medianeras... percebe-se necessária uma abertura de mundo, ao
contrário do sujeito de Bachelard (1978) que precisa estar fechado em uma
concha, o sujeito que vive na Buenos Aires fílmica precisa viver entre o interno e
externo, um habitar exotópico:

[...] decorrente do aparecimento de uma nova experiência de “estar no


mundo”, resultado de uma interação dinâmica entre o sujeito, a
tecnologia e a paisagem, expressão de uma forma eletrônica e
tecnoexperimental de construção e apropriação do espaço (DI FELICE,
2009, p. 120).

O habitar torna-se uma experiência deslocada ao externo, em um se


encontrar para fora de si mesmo nas deslocações tecnológicas e espaciais:

O habitar contemporâneo seria, portanto, um habitar exotópico não


somente no sentido de que as deslocações propostas pelas imagens
publicitárias e as paisagens informativas acabam conduzindo o sujeito
em metapaisagens e em ecossistemas informativos, onde ele se encontra
não como arquiteto-político, e sim como parte de umas e de outros,
mas, muito mais, no sentido de que o habitar contemporâneo é
exotópico porque nos propõe a deslocação contínua em espaços-
imagens e em paisagens artificiais, em metageografias reais e sintéticas
(Ibid, p. 122).

Considera-se que o habitar exotópico se dá ao passo em que as imagens da


cidade tornam as experiências transitórias. O sujeito se identifica e imerge em
significados provisórios. Para explicitar os deslocamentos imagéticos do habitar,
108

Gustavo Taretto, evidencia as medianeras da cidade fílmica de Buenos Aires e os


anúncios publicitários que emolduram as janelas. O furo na parede é o lugar em
que não se está dentro e nem fora, que media o interno do sujeito e o externo da
cidade e permite a relação com as imagens que estão de passagem. A parede
estável torna-se lugar de deslocamento, onde os signos dos anúncios dialogam
com a cultura de uma cidade transitória, que exalta lugares de passagens.
109

3.1
_________________________
INSCRIÇÕES CROMÁTICAS
NA CIDADE IMAGINÁRIA DE GUSTAVO TARETTO
110

A cidade é constituída de imaginários peculiares a seus habitantes, que


criam imagens, rompendo os limites físicos do espaço, o que "corresponderia a
um efeito de incorporações sociais sobre tudo [...] que nos afeta e nos torna
cidadãos: a ciência, os meios de comunicação, as tecnologias, além dos sistemas
viáveis, das artes e da literatura" (SILVA, 2014, p. 29).
Armando Silva (Ibid, p. 19) destaca uma nova urbanidade, em que o
urbano excede a visão da cidade além das ruas e edificações, mas também está
presente nos "objetos mais etéreos, como anúncios, produtos digitais ou sinais, e
até invisíveis, do ponto de vista icônico, como luzes ou bits do ciberespaço". É,
justamente, nesse conjunto de "fenômenos urbanos de invisibilidade que aponta a
cidade imaginada (Ibid, p. 20)", que constrói memórias e arquivos individuais e
públicos, "desde os nossos desejos, percepções sociais, até nosso modo grupal de
ver, de viver, de habitar e desabitar nosso mundo" (Ibid, p. 29).
Nesse contexto, percebe-se que a cidade fílmica de Gustavo Taretto cria
um imaginário em que as personagens urbanizam os espaços em que vivem,
fazendo vir à tona uma visão compartilhada que se constitui em uma possível
“verdade” social em relação às dimensões estéticas. Martin e Mariana sustentam
opiniões muito próximas: uma cidade que oprime seus habitantes, espécie de
pulmão sem ar, sem luminosidade, responsável por males como a depressão, a
dificuldade de socialização, a clausura, a imobilidade – tudo isso representado no
ciberespaço, nos anúncios publicitários, nas medianeras, nas vitrines e na estética
da segurança, enquadrados na tela do cinema.
Verifica-se um olhar social sobre os objetos, "não vemos o que está diante
de nós, mas sim o que imaginamos de modo grupal e nos é imposto como
percepção" (Ibid, p. 37). Esse uso social da cidade, porém, não ocorre de modo
aleatório, mas obedece a regras: são as representações, discursos sociais e
manifestações culturais que criam esses imaginários. A personagem Mariana
chama a atenção para o fato de o Edifício Kavanagh, o arranha-céu que foi a
maior estrutura de concreto armado do mundo nos anos 30, ter sido construído
para bloquear a visão, pois Corina Kavanagh queria impedir que os Anchorenas,
família que impediu seu amor, conseguissem vê-la das janelas do palácio. Assim,
111

a cidade nutre o imaginário de uma arquitetura que não olha e não é olhada, que
assombra o céu e impede os olhares: nos enquadramentos de Taretto, o Edifício
Kavanagh (Figura 41) cria um fantasma36 na cidade, em que os sentimentos
dominam a percepção social e as personagens veem a cidade fílmica mediada
pelas emoções presentes na paisagem37, nas condições afetivas e cognitivas
dentro da comunidade social38 e nas técnicas expressivas que afetam os
imaginários39.

FIGURA 41 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Enquadramentos que materializam o imaginário do Edifício Kavanagh.

Nesses imaginários, aloja-se uma gama de cores, matizes presentes e


ausentes na cidade: a Buenos Aires de Martin e Mariana é tingida pela cor azul,
em uma tonalidade que, contextualizada, parece transformar os fantasmas da
cidade em espectros vistos na tela, ou seja: em certa extensão, é possível que

36
Quando nos referimos aos fantasmas na cidade fílmica, fazemos referência a Armando Silva
(2014, p. 31) e a ideia de “corpo fantasma, que retrata corpos imaginados, feitos de sentimentos
coletivos, encarnados em objetos reais da cidade, como um edifício coberto por grades, que
denuncia o medo de seus habitantes ao assalto”.
37
Refere-se à inscrição psíquica privilegiando “os momentos nos quais os sentimentos dominam
a percepção, tais como estados de medo, temor, ódio, ressentimento, afeto, vergonha, confiança,
ilusão ou solidariedade [...] (SILVA, 2014, p. 37-8).
38
Armando Silva (Ibid, p. 39) conceitua como inscrição social quando “o imaginário não
corresponde apenas a uma inscrição psíquica individual, ele nos oferece uma condição afetiva
dentro de uma comunidade social.
39
Quando a técnica afeta os imaginários como meio materializador de tipos de visões Armando
Silva (Ibid, p. 41) refere-se à inscrição tecnológica.
112

decodifiquemos ali, por intermédio das cores e da iluminação, por exemplo,


grandes ameaças e sofrimentos ocultos. Assim, os fantasmas da Buenos Aires
fílmica se deixam ver na tela, pois o imaginário das personagens é impresso nos
elementos constituintes da linguagem cinematográfica. A predominância da cor
azul, envolvida pela penumbra de uma cidade cujo céu é invadido por prédios
(Figura 42), se dá na tentativa de transpor para a tela um imaginário de
sentimentos comunitários – imaginários comuns aos olhados e olhantes,
personagens e espectadores.

FIGURA 42 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

O céu é assombrado por prédios.

Nota-se que a cor no cinema é elemento constituinte da narrativa, ao passo


que as escolhas de um cineasta são capazes de criar significados e relações
afetivas com o filme. Brian Price (2006) relata que as cores exercem comentários
113

não declarados ou explicitados na narrativa e, portanto, aceitá-las como elemento


da linguagem cinematográfica pode criar uma poética fílmica como elemento
estruturante das escolhas narrativas daquele que constrói uma determinada
estética fílmica.
Para Sergei Eisenstein (2002) o significado das cores não pode ser isolado
por si mesmo. Considera-se, assim, que os elementos fílmicos ganham
significações na relação entre os planos do conteúdo e da expressão - o semi-
simbolismo40. Portanto, a cor adquire significado quando inserida a um contexto
na correlação com outros elementos da linguagem cinematográfica, estimulando
os sentidos do espectador e seu poder interpretativo, por exemplo:

Quando falamos de “tonalidade interior” e “harmonia interna de linha,


forma e cor”, temos em mente uma harmonia com algo, uma
correspondência com algo. A tonalidade interna deve contribuir com o
significado de um sentimento interno. Por mais vago que seja esse
sentimento ele avança sempre em direção a algo concreto, encontra sua
expressão externa em cores, linhas e formas (Ibid, p. 77).

Neste caminho, observando os tons ressaltados na cidade de Martin e


Mariana, nota-se a apropriação das cores também nas roupas das personagens:

Como o cenário, o figurino pode ter funções específicas no todo do


filme, e a gama de possibilidades é enorme. Erich von Stroheim, por
exemplo, foi tão apaixonadamente devotado à autenticidade do figurino
quanto à do cenário, e conta-se que ele teria criado uma roupa íntima
que inspirava o espírito adequado a seus atores, mesmo que nunca fosse
mostrada no filme. (...) Em outros filmes, o figurino pode ser bastante
estilizado, chamando a atenção para suas características puramente
gráficas (BORDWELL, THOMPSON, 2013, p. 116).

David Bordwell e Kristin Thompson (Ibid, p. 116) ressaltam que o


figurino do filme pode exercer “funções causais e motivacionais nas narrativas”.
Propostas nas personagens de Gustavo Taretto as roupas quase sempre em tons
de azul e preto (Figura 43) levam às questões interpretativas relacionadas ao
imaginário da cidade cinematográfica, como uma manifestação estética
incorporada à concretude da percepção social.
40
Para Jean-Marie Floch (2001, p. 29) os sistemas semi-simbólicos definem-se “pela conformidade não
entre os elementos isolados dos dois planos, mas entre categorias da expressão e categorias do conteúdo”.
114

FIGURA 43 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

As personagens estão para o imaginário da cidade como o imaginário da cidade está para elas e
nelas.

Em outras palavras, para Silva (2014, p. 176) a percepção imaginária


origina-se em dimensões estéticas criadas pelo uso social. Desse modo, os
moradores-personagens da Buenos Aires fílmica incorporam as sensações que
transmitem e que sentem no espaço apropriado: a cidade imaginária é sentida e
expressa pelos seus habitantes na forma e no uso do que e como vemos a Buenos
Aires fílmica.
Assim como o azul desempenha papel narrativo na cidade de
Medianeras..., a luz também cria significados no imaginário do espectador –
passível de apreender as sensações sugeridas por intermédio da relação entre os
protagonistas e o espaço urbano e fílmico que habitam. A luz, como observa
Federico Fellini, é substância fílmica, ideologia, sentimento, cor e profundidade:

Ela faz milagres, acrescenta, apaga, reduz, enriquece, anuvia, sublinha,


alude, torna acreditável e aceitável o fantástico, o sonho, e ao contrário,
pode sugerir transparências, vibrações, provocar uma miragem na
realidade mais cinzenta, cotidiana. Com um refletor e dois celofanes,
um rosto opaco, inexpressivo, torna-se inteligente, misterioso,
fascinante. A cenografia mais elementar e grosseira pode, com a luz,
revelar perspectivas inesperadas e fazer viver a história num clima
hesitante, inquietante; ou então, deslocando-se um refletor de cinco mil
e acendendo outro em contraluz, toda a sensação de angústia desaparece
115

e tudo se torna sereno e aconchegante. Com a luz se escreve o filme, se


exprime o estilo (FELLINI, 2000, p. 182).

Assim, as imagens de Taretto são repletas de significantes tonalidades e


objetos pouco iluminados, que criam uma sensação de sombra – uma cidade
encoberta por prédios, pela falta de luminosidade que causa fobias em suas
personagens: Martin recupera-se da fobia de multidões e Mariana não consegue
entrar em elevadores.
Essa relação de cores e sensações que guia o imaginário da cidade fílmica
de Buenos Aires ocorre tanto nos ambientes externos quanto internos. As
personagens, que vestem roupas de cor azul, também são encobertas pela
escuridão da cidade, tornando-se partes constituintes do imaginário: elas
caminham pelo espaço urbano encobertas pelas sombras de uma cidade que
dificulta a visão, causando um habitar fantasmagórica na cidade (Figura 44) que
cria habitantes anônimos.

FIGURA 44 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

As personagens tornam-se sombras constituintes do imaginário fantasmagórico da cidade


fílmica.

Na medida em que os habitantes-personagens não são olhantes e olhados,


correm o risco de perder suas identidades. O entregador que bate na porta de
Martin, por exemplo, não tem rosto (Figura 45): apresenta-se a Martin usando
116

um capacete de motoqueiro, o que ressalta a falta de contato entre os moradores


dessa Buenos Aires de Taretto. Mesmo a viseira, que inicialmente poderia mediar
um contato visual entre o entregador e o morador do apartamento, logo encobre
seus olhos. Assim como Martin, o espectador também não reconhece essa
personagem, não sabe nada além de que se trata de um entregador – logo supera
sua presença, voltando para a escuridão interna do apartamento do protagonista.

FIGURA 45 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Ao incorporar os fantasmas imaginados da cidade fílmica, as personagens tendem a perder o


contato visual com outras personagens.

Nos ambientes internos o azul permanece sombreado pela escuridão. As


casas estão sempre com as luzes apagadas; quando há algum sinal de luz, é por
intermédio da tela do computador, da tevê ou de um pequeno abajur (Figura 46):
cenas em que as personagens tendem a logo interromper a claridade, apagando
117

essas luzes, em movimentos valorizados pelos planos longos que narram a


escuridão em que Martin e Mariana habitam.

FIGURA 46 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Os ambientes internos são escuros com alguns pontos de luz.

A expressão “never again”41 (Figura 47), acima do interruptor que


acenderia a luz do apartamento de Martin, indica que o ambiente está

41
Nunca mais.
118

predestinado a permanecer na escuridão: a presença de luminosidade garantida


pelo gesto de apertar um botão não é permitida; o toque no interruptor seria
infringir uma lei criada por aquele que habita a escuridão. Apenas uma atitude
fora da ordem estabelecida – a quebra da janela na medianera – irá permitir a
entrada de luz neste apartamento.

FIGURA 47 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

O interruptor de luz não permite que o ambiente seja iluminado.


119

3.2
__________________
A TRILHA SONORA
NA CIDADE IMAGINÁRIA DE GUSTAVO TARETTO
120

Seguindo o pensamento de Armando Silva (2014, p. 48),


etimologicamente a palavra espectro aplica-se “às grandes ameaças ocultas,
pressentidas, e aos sofrimentos que surgem ao longe [...]”, associando-se com
espectador, "aquele que olha, vê ou observa" os fantasmas que estão para ser
vistos na cidade cinematográfica. Além de contemplar as cores e enquadramentos
de Medianeras..., o espectador tem a oportunidade de perceber as inquietações da
personagem Mariana, que passa o tempo encolhida no canto de sua casa, talvez,
em busca de si mesma42 (Figura 48).

FIGURA 48 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

A personagem esconde-se no canto da casa, incomodada com a sonoridade que a assombra, não
consegue fugir de suas angústias.

Esta transposição de inquietude é cinematograficamente representada pela


trilha sonora, assinada por Gabriel Chwojnik, músico que assina a maioria das
trilhas de Llinás43 e parceiro de Taretto desde a realização de seus curtas-
metragens. Em Medianeras... Chwojnik vem contribuir para as significações

42
Referência ao questionamento de Gaston Bachelard: “De fato, em nossas próprias casas não
encontramos redutos e cantos onde gostaríamos de nos encolher?” (BACHELARD, 1978, p.
197). O ato de encolher-se é visto pelo autor como uma atitude daquele que deseja habitar a
casa, em busca de um canto no mundo, um sentimento de pertença.
43
O primeiro longa-metragem musicalizado por Chwojnik foi Balnearios de Llinás, a parceria é
marcada por uma musicalização que “por momentos, es otro comentário, a veces es épica, a
veces humorística, a veces, podría decirse, es épico-humorística, a veces se hace canción,
disfrazada de anacronismo” (FOUZ, 2009, p. 157).
121

construídas na obra, concretizando as angústias de Mariana, por exemplo, na


música Tristesse de Chopin.

[...] esta música concreta ou eletroacústica está vinculada a uma


imagem, ela não é independente, ela não pode ser criada sem ter uma
relação direta com a imagem; assim essas duas linguagens, a visual e a
sonora, vão se relacionar para a composição de uma obra única,
audiovisual, que é o filme. Isso acontece já na música para cinema: com
origens na música erudita europeia (a música hollywoodiana tem sua
base na música europeia); ela é composta sobre as imagens, podendo
seguir o ritmo das imagens - interno ou externo, ela pode ilustrar,
acompanhar os movimentos, as ações, o pensamento; mas estará sempre
vinculada à imagem, a composição não está a serviço da imagem, mas
depende dela para acontecer, mesmo que anteriormente, ela possa ter
vida própria (GARCIA, 2015, p. 140-1).

O som no cinema, aqui, em especial a trilha sonora, constrói “sons


subjetivos, que estão no limite do diegético e do não diegético: quando ouvimos
o pensamento de um personagem - informação que somente ele e o público
ouvem - ele pode estar em quadro, mas subjetivamente, ele faz parte da diegese
do personagem” (Ibid, p. 142-3). Em Medianeras... a música clássica está na
mente de Mariana, o som que parece vir do apartamento vizinho, se concretiza
como “uma ferramenta importante na construção de mundos, na representação de
sensações e no processo de significação” (Ibid, p. 143) na construção do
imaginário de Mariana, pois “uma melodia ou frase musical pode estar associada
a uma personagem, um cenário, uma situação ou uma ideia específica”
(BORDWELL; THOMPSON, 2013, p. 423).
A transformação da trilha sonora ocorre como uma espécie de fratura44 na
diegese, que se dá após a quebra das janelas nos apartamentos das personagens
em que “a luz muda de intensidade, as cores se exaltam ou se modificam, e os
valores cromáticos não são mais os mesmos” (FELLINI, 2000, p. 132); a música
que criava uma atmosfera triste, como sugere o título da música de Chopin, agora

44
Referente à obra de Greimas “Da Imperfeição” (2002), a fratura pertence à teoria estética em
que os acontecimentos podem ter relação com o inesperado que arrebate e desvia a rotina do dia
a dia ou, ainda, podem romper com a dicotomia continuidade/descontinuidade, rotina/acidente,
sensível/inteligível – “Algo, não se sabe o que, acontece de repente: nem belo, nem bom, nem
verdadeiro mas tudo isto de uma só vez. Nem sequer isso: outra coisa” (GREIMAS, 2002, p.
70).
122

dá espaço, ouvidos, a uma canção indie45, que mais uma vez estabelece o
prenúncio do encontro entre Martin e Mariana. A música de Daniel Johnston, que
tem o título True Love Will Find You in the End46 (Anexo 4), ao ser cantada pelas
personagens permite, por meio da oralidade, que os medos sejam colocados para
fora, que consigam ouvir a si mesmas cantando “Cause true love is searching
too, but how can it recognize you, unless you step out into the light?”47. A letra
dialoga com o espaço – antes escuro e agora iluminado – e sugere que as
personagens poderão se encontrar.
Podemos reconhecer que “os temas musicais estão associados a aspectos
específicos da narrativa” (BORDWELL; THOMPSON, 2013, p. 424). Ouvindo e
cantarolando a música True Love Will Find You in the End Martin encontra-se
em uma posição relaxada, não mais olhando fixamente para a luz da tela do
ciberespaço (Figura 49). Mariana que antes se relacionava com os seres
inanimados, os manequins, embalada pela nova trilha sonora, agora cuida de uma
planta que iluminada pela luz natural poderá desabrochar (Figura 50).

45
A música indie nasceu no Reino Unido e nos Estados Unidos ao longo dos anos 80 e tem raízes no rock
independente.
46
O verdadeiro amor irá te encontrar no fim.
47
Porque o amor verdadeiro está à sua procura também, mas como o amor poderá te reconhecer
a menos que você saia debaixo da luz?
123

FIGURA 49 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Martin, antes na escuridão, iluminado apenas pela janela do ciberespaço, em outro plano
é iluminado pela janela na medianera.

FIGURA 50 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Mariana, que antes ocupava o apartamento, aparentemente, imobilizada como seus manequins,
em outro plano vive no espaço iluminado pela janela na medianera.
124

A tela do cinema, transformando a cidade, permite que Martin e Mariana


compreendam e apropriem-se do mundo em que vivem: as cores, a iluminação e
a trilha sonora não são apenas elementos técnicos, mas também conceituais,
estabelecendo correlações de “som e enquadramento, som e cor etc [...] ditadas
pela ideia e tema da obra particular” (EISENSTEIN, 2002, p. 106), libertando as
personagens dos fantasmas do imaginário urbano correspondente "a sentimentos
inconscientes que nutrem nossa percepção e se incorporam aos objetos do
cotidiano" (Ibid, p. 52).
125

3.3
________________________________
APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO
126

Sobre a apropriação do espaço da cidade Ana Fani Alessandri Carlos


(2001) refere-se a Johann Christian Friedrich Holderlin, para quem “o homem
habita poeticamente o mundo”. Para a autora essa poesia se dá justamente no
acidental, no espontâneo do dia a dia. “A qualquer momento pode acontecer um
encontro, pode ocorrer uma reunião, pode haver troca de informações, por os
lugares, dotados de realidade física e sensível (...)” (Ibid, p. 216).
A partir de sua casa o homem percebe o mundo: a casa envolve dimensões
como a rua, o bairro, as formas materiais arquitetônicas, “na prática social
revelada na vida cotidiana, apontando para o fato de que o plano de habitar não
se limita apenas aos espaços privados, imersos nas sombras da cidade,
preservados dos olhares, relegados ao estritamente privado” (CARLOS, 2001, p.
219). Entre o privado e o público, o local e o global, a mediação do outro, a tela
de relações, o pleonasmo das experiências vividas e o paradoxo das experiências
individuais coletivas se dá a apropriação de mundo; o habitar.
O habitar na cidade torna-se poético ao passo que são os modos de
apropriação que determinam a forma e o conteúdo do tempo-espaço vivenciado
pelo sujeito. A cidade que produz limitações também cria possibilidades. No
espaço que liga objetos e corpos, ligam-se lugares e pessoas.
As limitações encontram-se nas finalidades utilitárias do lugar, as casas
tornam-se mercadorias, o habitante torna-se usuário e o habitar é reduzido ao
morar, o caminhar pela cidade torna-se o vagar, os deslocamentos não deixam
rastros. “As ruas, transformadas em lugares de comércio, pontuadas por vitrines
ocupadas pelo comércio ambulante, reorientam os passos e marcam o emprego
do tempo na metrópole” (Ibid, p. 240). A rua deixa de ser lugar de encontro, o
passo apressado coíbe as relações e os olhares, a supressão da rua extingue a
vida. “Na vida cotidiana dos bairros os habitantes se transformam cada vez mais
em consumidores submetidos a comportamentos e desejos bem definidos,
manipulados pelo „espetáculo das vitrines‟” (Ibid, p. 245).
É preciso transformar as limitações em possibilidades, mergulhando nas
paisagens transitórias de utilidade e consumo da cidade. Podemos observar como
o processo de apropriação da cidade acontece no filme Medianeras... em que a
127

experiência de estar no mundo se dá pelo olhar de Mariana para fora da janela,


olhando para as imagens que transitam na paisagem da cidade em plongée
(mergulho). Martin e Mariana são vizinhos de medianeras, caminham pelas
mesmas ruas, presenciam os mesmos acontecimentos, mas a visão distraída
impede a fusão do olhar. Martin olha para Mariana enquadrada na janela ilegal
da medianera, mas não há o deslumbramento, o elo olhado e olhante. Na janela
do ciberespaço as personagens são iluminadas pelo primeiro contato em que
ambos se envolvem, a conversa na sala de bate-papo, mas também não se olham.
A conversa na tela do ambiente digital é interrompida pela falta de energia
momentânea; interrompendo-se a luz, interrompe-se a conexão entre Martin e
Mariana: o momento de deslumbre, “estado da vista golpeada pelo clarão
demasiado brutal da luz” (GREIMAS, 2002, p. 26), não entre os olhares das
personagens, mas do olhar para a tela, da tela para o olhar, o espaço sensível
entre o físico e o virtual.
Quando a tela é desligada os vínculos afetivos são descontinuados. Martin
e Mariana vão comprar velas, estão juntos no espaço físico, no escuro da loja
suas mãos se encostam e sentem um choque, como um curto circuito de algo
conectado a eletricidade, as personagens sentem a faísca do encontro, mas no
espaço físico não há luz que permita se olharem.
Mariana sobe as escadas escuras do prédio e a luz da vela se projeta na
parede, formando a imagem que remete a um olho, o que sugere uma nova
percepção (Figura 51). A luz volta, Mariana se desfaz dos manequins,
abandonando-os na calçada, como desconstrução dos simulacros. O apartamento
fica mais limpo, desliga o ventilador, símbolo daquele que precisa ventilar a dor
e vai dormir.
128

FIGURA 51 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

O prenúncio de um olhar transformado.

Na manhã seguinte, antes de sair para a rua, Martin liberta o boneco da


caixa e abre o seu coração (Figura 52). O boneco é o Tetsuwan Atom (conhecido
como "Astro Boy"), personagem da série de ficção científica ambientada em um
mundo futurístico, em que androides convivem com seres humanos. Atom/Astro
Boy é um poderoso robô criado pelo chefe do Ministério da Ciência, para
substituir seu filho Tobio, que havia falecido em um acidente automobilístico.
Tobio robô é o simulacro de Tobio filho, Tobio robô tem um coração. Como
ressaltou Baudrillard (1991) a representação pode vir a tornar-se mais real que o
real: ela também cria vínculos afetivos. Martin ao libertar o boneco, ao libertar
seu coração, enfatiza a própria libertação para um olhar para o mundo além dos
simulacros. Agora ele irá olhar para a cidade com o coração aberto, irá se
apropriar afetivamente da cidade poética.
129

FIGURA 52 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Astro Boy representa a libertação de Martin.

Com o olhar transformado pela noite anterior, Mariana, ocupando a


posição de flâneur, vai até a janela e encontra Martin, que agora fora da caixa, o
seu apartamento, com o coração aberto, referenciando o Astro Boy, é um
transeunte que pertence à multidão. Com o olhar liberto pela estética do filme,
Mariana encontra Martin, vestido como o Wally, personagem de seu livro
preferido, Onde está Wally?, que nunca conseguiu encontrar no cenário da
cidade.
Ao vislumbrar Wally – encontrar Martin – Mariana salta na metrópole em
plongée, materializando emoções transformadas na tela; agora o filme
movimenta-se pela cidade: Mariana ganha a rua e o espaço urbano perde o
imaginário fantasmagórico de clausura. Temos, como espectador, a possibilidade
de experimentar a cidade fílmica com novos olhares, novos planos e
enquadramentos.
130

Perturbada, Mariana corre em direção à saída de seu apartamento; como


sinal de desconstrução dos simulacros de seu dia a dia esbarra em um manequim
que até então permanecia ao lado de sua porta e superando sua fobia entra no
elevador. Enfim, a personagem se vê inserida na multidão, olhando e sendo
olhada na fresta da cidade, buraco do desejo. Há uma fratura, quebra da
linearidade do cotidiano48; na mediação do olhar, não há mais a tela do
computador, as vitrines, nem as medianeras, os olhos das personagens se
encontram. A câmera se distancia de Mariana e Martin, que se tornam parte da
multidão. A experiência do espectador, protegido pela janela do cinema e da mise
en scène, ocupando agora a janela do apartamento de Mariana, é de flanar
enquadrando as personagens em plongée (Figura 53); o espectador não tem mais
seu imaginário construído pelos olhares da câmera subjetiva, os olhares das
personagens; olhamos para Martin e Mariana inseridos em uma cidade em
movimento; não observamos mais uma arquitetura opressora (em contra-
plongée), mas as pessoas que a urbanizam (em plongée).

48
Sandra Fischer, em observação de aula ministrada no dia 07/08/14 no Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná.
131

FIGURA 53 - FRAMES DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

O movimento dos olhares que se apropriam da cidade fílmica de Buenos Aires.

A obra cinematográfica em análise insere suas personagens em uma


reflexão por intermédio do olhar. Martin que passa por um processo de inserção
na cidade, por meio da fotografia e caminhadas, na cena final ganha a
personificação do personagem de “Onde Está Wally?”, um flâneur pós-moderno
que se apropria do espaço. No momento em que Martin pertence à multidão,
Mariana da janela de seu apartamento desempenha o olhar da flâneuse que
observa a multidão distanciada, presa na gaiola de “O Cisne”. Em um jogo de
132

câmera, subjetiva e objetiva, o olhar de Mariana liberta-se da limitação do


enquadramento da janela de seu apartamento e desconstrói as mediações; se vê
inserida na multidão, olhando e sendo olhada.
O movimento do olhar que se percebe nessa cena, para as pesquisadoras
Kati Caetano e Sandra Fischer (2014), trata-se de um olhar vigilante que
determina uma posição de privilégio:

O sentido de vigiar, atualizável em algumas ocorrências do vocábulo


"olhar", é sintomático de uma sociedade de relações verticalizadas, que
se manifestam, inclusive, nos regimes de visibilidade presentes nos
encontros intersubjetivos, sejam eles entre pessoas e entre pessoas e
coisas. Quem vigia determina uma posição de privilégio, não de classe
ou grupo, mas de competências e saberes. O alcance de sua mirada,
mesmo que enquadrado pelos limites de um aparato ou espaço,
avoluma-se porque circunscrito a um contexto de predefinições e
potencialidades: de aproximação, retenção, ampliação, recuo,
comparações. É visto, além disso, no bojo de uma conjuntura em que as
ações e os sujeitos estão determinados por certas pretensas
normalidades (CAETANO; FISCHER, 2014, p. 02).

Caetano e Fischer também analisam a posição daquele que é observado:

[...] o vigiado está naturalmente apequenado, não como classe ouj


grupo, mas como aquele que, incapaz de assumir-se sujeito do discurso,
torna-se a terceira pessoa, de quem se fala, a quem se vê, destituído de
sua possibilidade de interlocução, interação, defesa. Os olhares assim
divergidos não configuram meros desencontros; instituem
espacialidades pertinentes do ponto de vista comunicacional entre
interior/exterior, visibilidade/invisibilidade; mediações/imediações e
estados modo passionais intensos, entre atos mecanizados e livres (Ibid,
p. 02).

Na cena descrita do filme Medianeras... percebe-se um movimento de


vigilância para vigiado. Martin que até aquele momento do filme coloca-se como
um observador mediado por aparelhos – telas –, torna-se vigiado por Mariana,
que logo se torna vigiada pela câmera que se distancia do casal que se olha,
apequenando as personagens e proporcionando uma visibilidade aos nossos
olhos, daqueles que se tornam vigiados em meio à multidão, que naquele
momento pertencem, estão no mundo e apropriam-se dele. Interpreta-se que “é
preciso estar dentro e fora do espaço urbano: saltar na cidade” (CANEVACCI,
1993, p. 21), pois quando Martin e Mariana deixam os espaços de proteção,
133

mediados pelas janelas, físicas e virtuais, para inserir-se na multidão, relacionam-


se e criam vínculos afetivos, tornam-se parte e identificam-se.
Considera-se que as personagens encontram no acidental e subjetivo o
pertencimento à cidade, identificam-se no olhar do outro e assim apropriam-se do
espaço físico. Ana Fani Alessandri Carlos ressalva que as relações amorosas ou
de amizades podem se dar no plano vivido, na transformação do imediato. O
vivido se dá no subjetivo, no mundo dos sonhos e das utopias, que emergem do
cotidiano. Os sofrimentos, as alegrias, os desejos, produzem metáforas da vida
cotidiana, “dando importância ao “acidental” e ao “subjetivo”, que muda o
sentido repetitivo; nessa dimensão, o repetitivo contém coisas novas, capazes de
engendrar diferenças, pois ele contém o devir” (CARLOS, 2001, p. 306). A
janela que pertence à arquitetura da casa de Mariana é ressignificada pelo olhar
transformado pelo encontro do imediato, a rua que pertence à rotina das
personagens vivencia uma nova experiência dada pelo encontro do subjetivo
acidente do olhar construído cinematograficamente.
134

3.4
__________________________________
APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO VIRTUAL
135

A experiência do habitar é aproximada por Massimo di Felice (2009) à


experiência interativa. Relembrando as imagens dos deuses do Olimpo,
divindades representadas em pares, Héstia, divindade do ar, do fogo doméstico,
da casa, e Hermes, deus mensageiro, da comunicação, da viagem, dos comércios,
do andar, o autor percebe os paradoxos, imobilidade e movimento, sedentarismo
e nomadismo, cidade e viagem, pátria e exílio. É justamente na contradição que
os gregos encontravam o significado do habitar. Os moradores dos portos,
debruçados em frente ao mar ficavam suspensos entre o partir e o ficar, entre a
tranquilidade do lar e dos muros da pátria, os perigos do mar e da guerra. O
habitar torna-se duplo, nômade e sedentário, estendido ao exílio e ao retorno,
residências e fugas.
Nas relações duplas Massimo di Felice aponta uma complexidade do
habitar com o surgimento da esfera pública e dos meios de comunicação. Os
novos significados pelos meios tecnológicos tornaram o espaço em “artefato”,
uma construção técnica mediada na relação sujeito, mídia e ambiente. “A
importância da coisa na construção do espaço e do habitar possibilita pensar o
papel da “coisa mediática”, particularmente das novas interfaces digitais, na
significação e na construção do habitar contemporâneo” (DI FELICE, 2009, p.
254).
Diante do pensamento de que as coisas não somente pertencem, mas são
os lugares, consideram-se as formas de habitar como interação, à moda que a
mídia é compreendida como coisa viva e interativa, define lugares e
espacialidades:

A introdução de tecnologias informativas digitais, móveis e interativas,


passou a modificar a forma do habitar, realizando uma interação não
somente com o espaço, mas também com a tecnologia.
Consequentemente, induziu a superar a dicotomia sedentário-nômade,
porque a deslocação não acontece mais no espaço, e sim nas
informações (DI FELICE, 2009, p. 252).

Assim, o habitar é compreendido como um diálogo com as interfaces, as


redes e os circuitos informativos. O habitar não é um não-lugar, como
questionávamos anteriormente, pois Massimo di Felice (2009, p. 254) esclarece
136

que “o não-lugar não prevê alterações substanciais na forma de habitar, trata-se


de um „trânsito‟, de uma espera, mais ou menos prolongada, que precede uma
volta ao normal.” A busca pelo habitar global por intermédio das relações
habitativas digitais faz dos espaços mais que ambientes vazios, tudo é percorrido,
atravessado, penetrado pelas relações interativas entre nômade e sedentário,
interno e externo, sujeito e território, centro e periferia, local e global.
Para Stuart Hall (2006) o sujeito não é uma “mônada” fechada, mas
resultado de uma relação para fora de si. A subjetividade estaria atrelada fora
dela, ou seja, a subjetividade também se constitui socialmente. Massimo di Felice
observa que o pensamento de Hall deixa escapar a deslocação do sujeito pela
técnica que alcança o plano da percepção, uma técnica imaterial e performativa,
produzindo efeito além do território na forma do indivíduo perceber o mundo,
eliminando barreiras que permite o sujeito estar tanto no mundo do inanimado
como no mundo da carne.

Os objetos atrás da vitrine, as novas materialidades expostas nas


grandes exposições, as novas máquinas para retrair e reproduzir as
paisagens, o imaginário e os desejos eletrônicos, exprimiam o
surgimento de um novo tipo de cidadania, orgânica e artificial ao
mesmo tempo, e o aparecimento de uma inédita forma transorgânica da
existência (DI FELICI, 2009, p. 260).

Finalmente, as novas tecnologias, a reprodução virtual de ambientes e


objetos, a forma híbrida que coloca objetos e sujeitos em relação, possibilitam
que territórios e corpos encontrem a extensão na informação.
Essa forma de habitar atopica torna o habitat instável e mutante. A
privacidade torna-se globalizante, cada vez mais coletiva. Os espaços públicos
são atravessados pelas formas tecnológicas. Torna-se necessário se adaptar aos
novos usos, comportamentos e práticas do habitar determinado pelas
transformações das tecnologias comunicativas.
Na rede configura-se um conjunto de „diferentes nós‟, podemos interagir
livremente e autonomamente. As conexões espontâneas produzem processos
criativos, que produzem significados colaborativos, o que Felice considera como
um percurso autopoético, imprevisível através das conexões. “Surgem assim,
137

ecossistemas informativos no interior dos quais o espaço e os significados não


são mais dados e objetivos, e sim, cada vez mais, produzidos e manipulados
pelos habitantes-atores” (DI FELICE, 2009, p. 271). Ator que fica entendido
como aquele que age, deixa traço, produz efeito no mundo. Atores podem ser
pessoas, instituições, coisas, animais, objetos, máquinas, humanos e não-
humanos. Aqueles que produzem efeitos na rede são atores que circulam, criam
alianças e fluxos, criam uma rede de atores conectados.
Fundado em 2005 por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, ex-
funcionários do site de comércio online PayPal, o YouTube surge como uma
tentativa de facilitar o uso técnico para compartilhamento de vídeos online. A sua
interface simples possibilita qualquer usuário fazer upload de seus vídeos
favoritos ou conteúdo produzido por si mesmo. As dicas que a página indicava
em seu lançamento eram simples, mas imprescindível para entendermos a
preparação que ocorreu para que usássemos o Youtube da maneira que usamos:

Exiba seus vídeos favoritos para o mundo.


Faça vídeos de seus cães, gatos e outros bichos.
Publique em seu blog os vídeos que você fez com sua câmera digital ou
celular.
Exiba seus vídeos com segurança e privacidade aos seus amigos e
familiares no mundo todo... e muito, muito mais!

Your Digital Video Repository (Seu Repositório de Vídeos Digitais) foi o


primeiro slogan apresentado pela empresa que logo iria de encontro com o
slogan Broad-cast yourself (Transmitir-se). Percebe-se uma tentativa do YouTube
de exaltar a produção de conteúdo pelo usuário, o que Henry Jenkins chama de
cultura participativa onde “os fãs e outros consumidores são convidados a
participar ativamente da criação e circulação do novo conteúdo” (2006, p. 290),
por meio de tecnologia acessível e mudança nas relações de poder.

Assim como milhões de outras pessoas, nós mesmos usamos o


YouTube desse modo – assistimos vídeos depois que os encontramos
por acaso em blogs ou clicamos nos links enviados por amigos para
nossos e-mails, passando-os adiante para outros. Temos nossos próprios
canais no YouTube e até mesmo gravamos e/ou fazemos upload de um
vídeo para contribuir com o arquivo em crescimento do material
disponível ali (ibid, p. 26).
138

O YouTube contextualiza-se na política de cultura participativa que,


segundo Jean Burgess e Joshua Green (2009), transforma nossa relação com o
entretenimento, conteúdo audiovisual e as questões relativas à propriedade e à
privacidade em que o fascínio da imagem cresce ao passo em que somos nós a
própria mensagem. Nesse contexto, pressupõe-se que a representação da imagem
de si mesmo passa a ser tão importante quanto ir além das aparências em busca
da autenticidade.
Ao escolhermos a palavra autenticidade, evocamos o conceito de “real”,
que segundo Roland Barthes (1972, p. 41) transpõe para uma linguagem a busca
do relato do que realmente se passou, ao passo que “no mesmo instante que esses
detalhes são supostos denotarem diretamente o real, eles não fazem mais que os
significarem (...)”, acarretando no efeito do real. Nos termos de Erving Goffman
(2011, p. 29) há uma representação, ou seja, a atividade exercida pelo indivíduo
diante de um grupo de observadores e também uma fachada “o equipamento
expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado
pelo individuo durante sua representação”.
Enfim, se Martin e Mariana se apropriam do espaço físico da Buenos
Aires fílmica, elas também se apropriam do espaço virtual. Após o fade out
seguido do título “Medianeras” – que pode remeter em sua grafia à “era das
mídias” – surge na tela a representação da página do YouTube. O espectador cria
uma relação com o enquadramento da tela do ciberespaço, pois é o retângulo do
vídeo na página online que enquadra as personagens. Neste enquadramento
existe “o poder envolvente exercido pela forma” (BORDWELL; THOMPSON,
2013, p. 114), em que a câmera guia a navegação pelo espaço virtual
representado na tela do cinema: o olhar percorre o espaço de busca, o vídeo é
selecionado e assistimos a performance das personagens inseridas no layout do
site – YouTube (Figura 54).
139

FIGURA 54 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL

Carregado pela câmera-olho o espectador cria o vínculo com a representação da janela do


Youtube e torna-se um ciber-flâneur.

O layout do YouTube tem a cor azul, a mesma cor da Buenos Aires


fílmica; assim, o espaço virtual que seria um pressuposto global, dialoga com o
imaginário local. No espaço físico o azul do céu era invadido por prédios, o azul
do ciberespaço é habitado pelas personagens; a tonalidade é mais clara, ou seja,
mais iluminada que o azul da cidade. No espaço virtual, Martin e Mariana estão
para serem vistas, realizam uma performance da música Ain’t No Mountain high
Enough49, em que a letra (Anexo 5) expressa a superação de distâncias em uma
relação com o espaço virtual onde as barreiras do espaço físico são
reconfiguradas.
Assim, considera-se que as janelas nas medianeras, as vitrines decoradas
por Mariana e as janelas do ciberespaço constroem imaginários na vida das
personagens, que ao desconstruir os simulacros pelo deslumbramento do olhar no
espaço físico voltam a habitar a representação de uma determinada realidade no
espaço virtual. Lemos (2002, p. 03) observa que a imagem representada no
ciberespaço constituí uma identidade, "já que a mostração pública do corpo
através das webcans serve como aquilo que Goffman chamou de „apresentação

49
Não há montanha alta o suficiente.
140

do eu na vida quotidiana‟. A publicização de si é uma forma de construção


identitária".

Na verdade, as home pages pessoais mediam, de forma ampliada, a


relação entre o público e o privado. O próprio nome indica esse
contexto. Como afirma John Seabrook “uma casa é um mundo real,
entre outras coisas, um modo de manter o mundo externo fora do meu
alcance. Uma casa online (home page), por outro lado é uma espécie de
furo que faço na parede da minha casa real por onde o mundo pode
entrar” (LEMOS, 2002, p. 09).

Assim como as rotas de fugas quebradas nas medianeras, a janela do


Youtube representada pela captação da imagem pela webcam, desempenha a
posição do lugar intermediário entre o dentro e o fora, "no ciberespaço, o público
e privado se confundem como nunca [...]" (LEMOS, 2002, p. 07). Canevacci
(2009, p. 13) observa “uma expansão da privacidade num território que antes era
totalmente público. E, às vezes, há uma expansão de um território público em um
lugar que era antes totalmente privado”.
Na contemporaneidade nota-se que as novas configurações produtoras de
efeitos de sentidos estreitam a relação entre lugares e estilos de vida,
configurando-se na metropoleletrônica, “transferindo-se nas metageografias
eletrônicas das telas e dos circuitos informativos, criando espacialidade e formas
de habitar suspensas entre eletricidade, corpos, significados e arquitetura”
(FELICE, 2009, p. 286).
Configura-se, desse modo, o habitar atópico conceituado por Massimo di
Felice (2009, p. 291), “como a hibridização, transitória e fluida, de corpos,
tecnologias e paisagens”. A atopia nasce de elementos técnicos, circuitos
eletrônicos, corpos e espaços, em um continuum devir do sentir.
Na tela do cinema Martin e Mariana apropriam-se tanto do espaço físico
quanto do espaço eletrônico: não são mais meros observadores, tornam-se parte
dos espaços físicos e virtuais; não vivem mais no entre o dentro e o fora, o
público e o privado, o interior e o externo: habitam o híbrido dos territórios
expandidos, o mundo atópico.
141

________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
142

A presente pesquisa buscou, por intermédio da análise fílmica, olhar de


perto o filme Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor (2011), considerando o
espaço fílmico de uma Argentina colocada em tela pelas lentes do diretor
Gustavo Taretto. “Embora não exista uma metodologia universalmente aceita
para se proceder à análise de um filme (Cf. Aumont, 1999) é comum aceitar que
analisar implica duas etapas importantes” (PENAFRIA, 2009, p. 01): descrever o
filme, olhar para as imagens na tela do cinema, para em seguida compreender,
interpretar, as imagens que olham e são olhadas para e pelo espectador que
carregado pela “câmera-olho” habita o espaço fílmico e apropria-se das
representações cinematográficas. Ao contemplar as imagens, estamos
decodificando-as, olhando para planos, enquadramentos; percebendo cores,
objetos, figurinos; ouvindo os sons diegéticos e não diegéticos, as vozes em off,
os pontos de vistas em primeira ou terceira pessoa, compreendendo as relações e
significados sugeridos pelos elementos cinematográficos em sua composição
dentro da narrativa.
Traçamos objetivos que detalham e guiam nosso olhar particular para a
pesquisa – que deve procurar conceitos e não adjetivos. Para Manuela Penafria
(2009), o pesquisador deve compreender os efeitos dos aspectos formais
transpostos para a tela – diferente de um crítico, por exemplo, que busca
qualificar, adjetivar um filme. A autora ressalta que o teórico procura localizar
seus pressupostos. Buscamos aqui, no filme em foco, hipóteses que se referem à
compreensão da organização fílmica da Buenos Aires de Gustavo Taretto,
habitada por personagens solitárias, que não se sentem acolhidas pela cidade;
representada de maneira opressora, cidade que esconde os moradores em uma
paisagem verticalizada, que valoriza o concreto, a estética da segurança, as
relações virtuais; cidade que não une, mas afasta, cria abismos entre ruas e
prédios; cidade que não estimula o olhar, mas a fuga dele, por intermédio de
janelas sempre fechadas, varandas vazias; imagens transitórias, as luzes das casas
sempre apagadas, as janelas nas medianeras – proibidas por lei – que criam na
tela um imaginário representado por tonalidades frias e escuras.
143

Para que os pressupostos sejam identificados, Penafria enuncia alguns dos


tipos de análise recorrentes: a análise textual, que considera o filme um texto,
decorrente da inspiração linguística estruturalista dos anos 60 e 70, dando
importância aos códigos de cada filme, que seguindo o pensamento de Christian
Metz considera os códigos perceptivos50, culturais51 e específicos52; a análise de
conteúdo, que considera prioritariamente a temática fílmica53, e prioriza a
elaboração de um resumo da história e a decomposição do filme; a análise
poética, que em acordo de Wilson Gomes (2004), entende o filme como uma
criação de efeitos e propõe enumerar e identificar a experiência fílmica em suas
sensações, considerando que o filme é composto por elementos visuais e sonoros
organizados com a intenção de criar determinados efeitos, entendendo o filme
como uma composição estética54, comunicacional55 ou poética56; e a análise da
imagem e do som, que entendendo o filme como meio de expressão centra-se no
espaço fílmico, nas escolhas formais do cineasta que dentro da obra constrói
significados e estilo cinematográfico.

Cada tipo de análise instaura a sua própria metodologia, no entanto,


parece-nos que optar por apenas um tipo de análise, poderá o analista
ficar com a sensação de dever cumprido mas, também, com a sensação
de que muito terá ficado por dizer acerca de um determinado filme ou
conjunto de filmes (PENAFRIA, 2009, p. 07).

Pensando em ampliar a análise do filme Medianeras... buscou-se uma


metodologia influenciada pelos tipos de análise descritos por Penafria, porém não
considerados determinantes, pois cada obra tem peculiaridades que acabam por
interferir no percurso analítico. Os objetivos e pressupostos criam um olhar
subjetivo para a tela; o analista, assim como o espectador, é guiado pela câmera.
Considerando que não há um método universal de análise, nenhuma metodologia

50
Considera-se a capacidade do espectador em reconhecer os objetos na tela.
51
Considera-se a capacidade do espectador em reconhecer os significados estabelecidos
culturalmente ao que é visto na tela.
52
Considera-se a capacidade do espectador em decodificar os significados dos recursos
cinematográficos estabelecidos pela forma.
53
A frase “este filme é sobre...” deve ser completada.
54
Quando os efeitos são da ordem das sensações.
55
Quando os efeitos são da ordem de sentido: geralmente, os filmes transmitem o ponto de vista
sobre determinado tema.
56
Quando os efeitos transmitem sentimentos e emoções.
144

precisa necessariamente ser pura, mas deve atentar aos procedimentos e


peculiaridades de cada obra, inspirando o olhar analítico.
Observando a obra selecionada para análise, traçamos percursos guiados
pelos elementos cinematográficos vistos na tela, identificando e tentando
interpretar uma cultura que reconhecemos: o convívio nas cidades,
principalmente nas metrópoles ocidentais, os padrões arquitetônicos que vemos e
identificamos como resultantes de uma cultura do medo, da solidão e da
opressão. As percepções foram conduzidas pelas representações fílmicas, como a
cidade foi enquadrada para sugerir sensações e criar efeitos de sentidos
implicados pelas estratégias audiovisuais, transpondo uma carga dramática para a
tela.
Procuramos localizar uma estética recorrente no cinema argentino, entre a
década de 90 e primeira década dos anos 2000, o chamado Novo Cinema
Argentino, que nos insere em um pensar sobre a temática que produz filmes com
detalhes do dia a dia, histórias de personagens que vivem no tédio de espaços
reconhecidos pelo espectador, geografias familiares, com personagens do
cotidiano, que aproximam as histórias do público e ampliam reflexões,
potencializando os conflitos entre o interno e o externo daquele que habita a
cidade dentro e fora da tela.
Há uma análise interna e externa que, ainda segundo Penafria (2009), deve
considerar a obra do cineasta, identificando um estilo do autor e o contexto ao
qual a obra insere-se. Assim, identifica-se um estilo pertencente ao NCA à obra
de Gustavo Taretto. Medianeras... localiza-se no Novo Cinema Argentino ao
construir uma narrativa do mínimo, sem exageros estilísticos, uma narrativa que
reflete tanto sobre o espaço da casa quanto o da rua. Espaços claustrofóbicos,
olhando do local para o global, ou seja: partindo do pequeno para grandes
conflitos do indivíduo que vive a cidade e da cidade que vive o indivíduo.
O diretor Gustavo Taretto, assim como a maioria dos cineastas do NCA,
frequentou cursos de direção, trabalhou na área publicitária e iniciou a carreira de
cineasta realizando curtas-metragens. Seus dois longas, Medianeras e Las
Insoladas, foram resultantes de curtas-metragens realizados na escola de José
145

Martínez Suarez. Seus filmes, partindo de enquadramentos de cidades portenhas,


criam cidades cinematográficas; partem de conflitos do cotidiano, conflitos
vivenciados pelos habitantes do espaço urbano. Criam histórias que partem do
local, a Argentina, para o global, as metrópoles do mundo e suas populações. Os
espectadores tendem a identificar-se com os espaços fílmicos, tão próximos
daqueles que têm lugar nas cidades físicas.
A análise preocupou-se com a criação fílmica da cidade de Buenos Aires:
examina como o cineasta, Gustavo Taretto, constrói significados por meio da
forma e do conteúdo, como olhamos e somos olhados para e pela tela do cinema,
que nos insere, nos oprime e nos liberta por meio de planos, de cores,
enquadramentos; pelas janelas que compõem o cenário constituído pelos prédios
argentinos, ressignificados pelas estratégias cinematográficas. O estudo, que
partindo da cidade vista na tela, aproxima os enquadramentos de Taretto aos de
outros cineastas – e se dá a partir da tentativa de compreensão da construção das
personagens e das narrativas, buscando perceber como as personagens flanam
pela cidade fílmica. Considera-se, no levantamento de frames, que na recorrência
de enquadramentos, criam-se significados que, determinados pela montagem,
perfazem uma estética da segurança.
Concentramo-nos em detalhes de alguns filmes, analisando frames
necessários para o diálogo ou para o contraponto com a representação da cidade
de Gustavo Taretto. O filme Um homem ao lado57 (Gastón Duprat; Mariano
Cohn; 2009), também argentino, transpõe por intermédio da janela do cinema o
incômodo da personagem em ser olhada pela janela do vizinho; como o externo
invade o interno e como a abertura das janelas (pertencentes a mise en scène e à
câmera que nos carrega para dentro do apartamento de Leonardo) expandem e
invadem o espaço privado. O filme São Paulo, Sociedade Anônima (Luís Sérgio
Person; 1965) revela como o olhar atravessa as janelas protegidas por vidraças,
que no transparente deixa-se ser invadida pela cidade e seus olhares,
evidenciando o caos vivido no espaço privado da casa de Carlos e a anulação nos

57
Este filme também possui as características do NCA, um cinema do mínimo, dos conflitos
entre o espaço público e privado.
146

espaços públicos da cidade que têm planos e enquadramentos opressores. Em Ela


(Spike Jonze; 2013), Theodore, tem uma vida introspectiva e não sente
identificação com o espaço local, buscando uma fuga, por meio de relações
virtualizadas em uma expansão do espaço em que as janelas – físicas e virtuais –
permitem o híbrido composto pelo espaço físico da cidade e suas redes sociais.
Por último, recorremos ao filme Denise está chamando (Hal Salwen; 1995),
narrativa que nunca abre as janelas da mise en scène, que não deixa ser olhante e
olhada para e pela cidade fílmica, a convivência não se dá nos espaços físicos,
mas passam a ser virtuais. A cidade não pode ser vista, mas mesmo assim há uma
relação entre o público e o privado; com as janelas fechadas abrem-se novos elos
comunicacionais paradoxos, que ao criar relações, também oprimem as
personagens em uma imobilidade do lar.
Enfim, percebemos que no filme Medianeras... existem todos os modos de
vivenciar o espaço fílmico apresentados pelos filmes citados. Como O Homem
ao Lado a cidade fílmica da Buenos Aires de Taretto evita o contato com os
olhares dos vizinhos de prédios, as janelas nas medianeras são ilegais, tentando
garantir a preservação do espaço privado, porém as personagens procuram viver
nesse espaço criado pelas janelas. A Buenos Aires de Medianeras... aproxima-se
da atitude da personagem Leonardo que não quer a presença das janelas olhantes
e olhadas, já Martin e Mariana assemelham-se a personagem Victor que deseja
iluminar seu apartamento e ampliar o espaço privado pelo contato com o externo.
Em São Paulo, Sociedade Anônima percebe-se a representação da cidade que
apequena suas personagens, as colocam em contato com o espaço público, mas
não as permitem o habitar. O protagonista, Carlos, vaga pelo espaço, mas não
compreende a cidade, não compreende a si mesmo, pois não pode pertencer ao
espaço dominado por uma arquitetura invasiva e grande demais para ser
possuída, assim como a cidade que abriga e oprime as personagens Martin e
Mariana. Em Ela o protagonista assemelha-se muito com as personagens de
Medianeras..., andando por paisagens da cidade, sem que de fato aproprie-se dos
espaços, tornando-se um ciber-flâneur que percorre espaços virtuais e tranca-se
em si mesmo, sem que mergulhe de fato no espaço da cidade, sempre protegido
147

por telas e vidraças. Enfim, em Denise está chamando percebe-se uma


representação muito semelhante do espaço privado que também vemos nas casas
das personagens de Taretto, lares invadidos pelo trabalho, pouco iluminados, que
não olham para fora, criando uma relação com o externo por meios virtuais.
Abordamos alguns conceitos explicitados nas imagens do filme
Medianeras... Percebe-se a cidade como produtora de imagens e discursos,
considerando uma cidade poética, revelada pela experiência de emoções, desejos
e medos urbanos. Intuímos como se dá o habitar nas cidades que constituem um
híbrido composto de infraestruturas físicas e redes sociais, a metropoleletrônica
ou cidade-ciborgue, conceitos, respectivamente, de Massimo di Felice e André
Lemos. Considera-se que o habitante da cidade globalizante é um sujeito
hipermoderno, nos termos de Claudine Haroche, que se fecha no espaço privado
em busca de um espaço expandido pela tecnologia. O sujeito torna-se anônimo
na verticalização das cidades, que escondem seus moradores trancados em
grandes prédios que com as janelas fechadas não criam elos entre o dentro e o
fora: os vidros acabam por refletir a própria arquitetura.
Desse modo, chegamos a análise das relações do protagonista Martin com
outras personagens, que por intermédio da busca online não cria laços afetivos no
encontro do espaço físico. As expectativas são quebradas pela convivência e a
falta de comunicação no espaço da cidade de concreto, acarretando nos
rompimentos de Martin.
As desconexões do mundo de Mariana estabelecem relações conceituais
com a vida líquida: os términos, recomeços e atualizações das relações
representadas na vida da personagem Mariana. Compreendemos que na tentativa
de recomeçar uma vida após o término de um namoro, a personagem encontra-se
imobilizada: na tentativa de encontrar a si mesma, ela encolhe-se e se vê
oprimida pelo espaço em que vive, pelos caminhos que a cidade não a permite
percorrer.
Olhando para as paisagens transitórias dos arquivos vicinais, analisamos a
relação das personagens com os anúncios publicitários que emolduram as janelas
das medianeras, percebendo como imagens de passagens interferem no habitar
148

do sujeito, que enquadra o olhar nas janelas da cidade, que por sua vez são
enquadradas pela janela do cinema.
Esses enquadramentos transpostos para a tela constituem imaginários
evidenciados nas inscrições cromáticas da cidade de Gustavo Taretto: como a
cidade é vista pelas escolhas formais do cineasta que filmando a cidade de
Buenos Aires constrói um imaginário, por exemplo, em que as cores da cidade
produzem efeitos de sentidos; sombras que escondem os habitantes, prédios
fantasmagóricos que invadem o céu, já encoberto por fios de fibra ótica,
figurinos que também se apropriam das tonalidades da cidade fílmica e a pouca
iluminação, podem evidenciar a escuridão interna a qual as personagens se
inserem no anonimato de uma cidade que não permite que os olhares se cruzem.
A trilha sonora também contribui para a criação do imaginário dessa
cidade: desempenhando funções subjetivas dentro da diegese, a música clássica
sugere a tristeza e o incômodo que as personagens sentem. A mudança na trilha
sonora segue as transformações dos outros elementos fílmicos, o espaço ganha
luminosidade, a expressão corporal das personagens fica mais relaxada e a
música agora acompanhada de uma letra é cantada pelos protagonistas que
conseguem externalizar os sentimentos antes oprimidos.
Assim, ocorre a apropriação do espaço físico, que após as alterações na
forma fílmica, possibilita o olhar para a cidade, a inserção das personagens no
espaço público, olhando e sendo olhadas, pertencendo à multidão: elas se
distanciam dos enquadramentos das janelas, deixando o olhar de observador para
aquele que de fato ocupa este lugar, para o espectador que agora flana a cidade
habitada pelas personagens, que não olha mais para os prédios, mas para seus
habitantes, personagens que deixam de ser anuladas pelas estruturas
arquitetônicas, para se identificarem com um novo imaginário, uma cidade
representada de janelas abertas, que liberta Martin e Mariana das prisões
construídas pelos elementos cinematográficos.
Em uma cidade representada como um híbrido composto de concreto e
redes virtuais, em uma expansão do habitar, do ser e estar no público e no
privado, identificando-se com o local e o global, Martin e Mariana ao se
149

apropriarem do espaço físico da cidade, também se apropriam do espaço virtual.


Para tal análise visitamos conceitos, partindo da criação do YouTube à
representação do eu, criando um efeito de real e imaginários no ciberespaço
como uma janela da casa online. Ao abrir a janela na medianera da arquitetura
física, as personagens abrem também as janelas do ciberespaço, tornando-se
habitantes de uma dita realidade expandida, que ao ser representada na tela do
cinema, também estabelece significados pelos elementos cinematográficos: a
navegação pelo site de vídeos é guiada pela câmera do cinema e o olhar para a
janela do mundo tecnologizado transpõe imaginários compartilhados no espaço
dito físico e fílmico, por exemplo, o azul da cidade também está na página
online. Assim, as personagens representam a si mesmas na tela do computador,
possuindo o apartamento e o ciberespaço, expandindo as apropriações em um
habitar atópico.
Em suma, a pesquisa realizada no mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Linguagens, na linha de pesquisa Estudos de
Cinema e Audiovisual, buscou criar um diálogo entre cinema e comunicação,
assim justificando-se a análise fílmica de uma cidade ressignificada pelas
escolhas cinematográficas do cineasta Gustavo Taretto, que tem em seu estilo as
representações arquitetônicas da cidade, refletindo sobre problemáticas do
cotidiano da metrópole argentina e resgatando as características do NCA: a
filmagem de espaços experimentados fora da ficção, em que a cidade não é
construída para ser um cenário, mas transforma-se em cenário pelo olhar da
câmera; os depoimentos das personagens em voz off e o reconhecimento da
rotina de uma cidade fictícia que identificamos como as experiências
compartilhadas nas metrópoles.
Para que possamos confirmar a obra de Taretto como lugar de reflexão de
uma Argentina oprimida por sua arquitetura, uma cidade que dificulta encontros
e cria modos de morar e apropriações dos espaços públicos e privados, além de
analisar a cidade em suas representações fílmicas, trazemos conceitos das
ciências sociais, por exemplo, aproximando o mundo fílmico do mundo dito real.
Guilherme Sanches Ditzel, em viagem turística à Buenos Aires em maio de 2016,
150

fotografa duas medianeras, também enquadradas pela câmera de Gustavo


Taretto, que ainda preservam os mesmos arquivos vicinais do momento em que
Taretto realizou as filmagens (Figura 55 e 56). Pressupomos que aquilo que as
personagens vivenciam na cidade fílmica de Buenos Aires é possível que
vivenciemos em nosso habitar. O cinema que enquadra geografias reconhecidas e
habitadas por nós comunica-se com nossos conflitos, nos identificamos com o
que vemos na tela, nos reconhecemos no olhar do outro, no olhar da câmera,
vivemos um mundo na tela e além da tela, somos espectadores e habitantes de
cidades enquadradas por câmeras, telas, janelas e percursos.

FIGURA 55 – ENQUADRAMENTO TURÍSTICO E FÍLMICO

Respectivamente: fotografia de Guilherme Sanches Ditzel e frame do filme Medianeras.


151

FIGURA 56 – ENQUADRAMENTO TURÍSTICO E FÍLMICO

Respectivamente: fotografia de Guilherme Sanches Ditzel e frame do filme Medianeras.

A pesquisa, momentaneamente, encerra-se por aqui. Sem sombra de


dúvidas há muito mais a ser dito. As limitações que o tempo nos impõem, porém,
a necessidade dos términos, de encerrar para atualizar vivências, exige a pausa do
presente estudo – para que possamos atualizá-lo com novos desdobramentos,
passando para uma nova fase: novos olhares e novos tempos a serem percorridos,
com as possibilidades e limitações que sempre nos acompanham. Também nós,
tal como as personagens de Taretto, precisamos mergulhar em espaços inusitados
para que possamos ampliar apreensões, compreensões e olhares. Há que sermos
olhantes e olhados, para que novas experiências sejam mobilizadas, apropriadas,
refletidas, e debatidas. Na exaustão precisamos nos renovar: conviver com as
alegrias e agruras em sociedade, procurar encontros outros, novas formas de
aproximação a nossos objetos de estudo. Seguir em frente, enfim, com o vigor do
início e a experiência do fim. Esta pesquisa não se dá por acabada: encontra-se,
isso sim, pronta a trilhar outros sítios a partir dos passos que aqui se iniciam.
152

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Editores: 2009, p. 121- 128.
160

_______________
FILMOGRAFIA
161

2 EN 1 Auto. Direção: Juan Villegas. Argentina. 1998. 06 min.

ANA y los Otros. Direção: Celina Murga. Argentina. 2003. 80 min.

AURORA. Direção: Albertina Carri. Argentina. 2001. 05 min.

BALNEARIOS. Direção: Mariano Llinás. Argentina. 2002. 80 min.

BARBIE También Puede eStar Triste. Direção: Albertina Carri. Argentina. 2001.
24 min.

BOLÍVIA. Direção. Israel Adrián Caetano. Argentina. 2001. 75 min.

CINCO Pau Peso. Direção: Raul Perrone. Argentina. 1998. 80 min.

COMO Pasan las Horas. Direção: Inés de Oliveira Cezar. Argentina. 2005. 85
min.

CUESTA Abajo. Direção: Israel Adrián Caetano. Argentina. 1995. 11 min.

DENISE está chamando. Direção: Hal Salwen. EUA. 1995. 80 min.

ELA. Direção: Skipe Jonze. EUA. Produtora. 2013. 126 min.

EL BONAERENSE. Direção: Pablo Trapero. Argentina. 2002. 105 min.

EL CUSTODIO. Direção: Rodrigo Moreno. Argentina. 2005. 95 min.

EL DESCANSO. Direção: Rodrigo Moreno. Argentina. 2001. 95 min.

EXTRANJERA. Direção: Inés de Oliveira Cezar. Argentina. 2007. 80 min.

FAMILIA Rodante. Direção: Pablo Trapero. Argentina. 2004. 103 min.

GATICA, el mono. Direção: Leonardo Favio. Argentina. 1993. 156 min.

GÉMINIS. Direção: Albertina Carri. Argentina. 2005. 85 min.

GRACIADIÓ. Direção: Raul Perrone. Argentina. 1997. 78 min.

HISTÓRIAS Breves. Direção: Israel Adrián Caetano. et al. Argentina. 1995. 109
min.

HISTÓRIAS Breves 2. Direção: Agustín Torre. et al. Argentina. 1997. 100 min.
162

HISTÓRIAS Breves 3. Direção: Andrés Muschietti. et al. Argentina. 1999. 210


min.

HISTÓRIAS Breves 4. Direção: Fernando Tranquillini. et al. Argentina. 2004.


160 min.

HISTÓRIAS mínimas. Direção: Carlos Sorín. Argentina. 2002. 92 min.

HOJE não estou. Direção: Gustavo Taretto. Argentina. 2007. 07 min. Disponível
em: < https://www.youtube.com/watch?v=ph04uR8MKlk
>. Acesso em: 18 nov. 2015.

LÁBIOS de Churrasco. Direção: Raul Perrone. Argentina. 1994. 62 min.

LA CIÉNAGA. Direção: Lucrecia Martel. Argentina. 2001. 103 min.

LA ENTREGA. Direção: Inés de Oliveira Cezar. Argentina. 2001.

LA EXPRESIÓN del Deseo. Direção: Israel Adrián Caetano. Argentina. 2001.


31 min.

LA GUERRA de los Gimnasios. Direção. Diego Lerman. Argentina. 2004. 24


min.

LA MÁS Bela Nina. Direção: Mariano Llinás. Argentina. 2004. 32 min.

LA MIRADA Febril. Direção: Rafael Filippelli. Argentina. 2008. 67 min.

LA MUJER Sin Cabeza. Direção: Lucrecia Martel. Argentina. 2008. 87 min.

LA NIÑA Santa. Direção: Lucrecia Martel. Argentina. 2004. 106 min.

LA PRUEBA. Direção. Diego Lerman. Argentina. 1999. 18 min.

LA RABIA. Direção: Albertina Carri. Argentina. 2008. 85 min.

LAS INSOLADAS. Direção: Gustavo Taretto. Argentina. 2015. 102 min.

LEONERA. Direção: Pablo Trapero. Argentina. 2008. 113 min.

LOS RUBIOS (2003). Direção: Albertina Carri. Argentina. 2003. 89 min.

LOS SUICIDAS. Direção: Juan Villegas. Argentina. 2005. 80 min.

MALA ÉPOCA. Direção: Rodrigo Moreno. Argentina. 1998. 110 min.


163

MEDIANERAS: Buenos Aires na era do amor virtual. Direção: Gustavo Taretto.


Argentina. 2011. 95 min.

MIENTRAS Tanto. Direção. Diego Lerman. Argentina. 2006. 92 min.

MOCOSO Malcriado. Direção: Pablo Trapero. Argentina. 1992. 11 min.

MUNDO Grua. Direção: Pablo Trapero. Argentina. 1999. 90 min.

NACIDO y Criado. Direção: Pablo Trapero. Argentina. 2006. 100 min.

NEGÓCIOS. Direção: Pablo Trapero. Argentina. 1995. 19 min.

NO QUIERO Volver a Casa (2000). Direção: Albertina Carri. Argentina. 2000.


78 min.

O HOMEM ao lado. Direção: Mariano Cohn e Gastón Duprat. Argentina. 2009.


100 min.

PAREDES vizinhas. Direção: Gustavo Taretto. Argentina. 2005. 28 min.


Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=kDj9yoBJ0k8>. Acesso
em: 30 nov. 2015.

PICADO Fino. Direção: Esteban Sapir. Argentina. 1996. 80 min.

PIZZA, Birra y Faso. Direção: Israel Adrián Caetano e Bruno Stagnaro.


Argentina. 1997. 92 min.

RAPADO. Direção: Martín Rejtman. Argentina. Independente. 1991. 75 min.

RELATOS Selvagens. Direção: Damián Szifron. Argentina. 2014. 122 min.

REY Muerto. Direção: Lucrecia Martel. Argentina. 1995. 12 min.

SÁBADO. Direção: Juan Villegas. Argentina. 2001. 72 min.

SÃO PAULO, sociedade anônina. Direção: Luís Sérgio Person. Brasil. 1965. 107
min.

SILVINA Ocampo, las Dependências. Direção. Lucrecia Martel. 1999. 48 min.

TAN de Repente. Direção. Diego Lerman. Argentina. 2002. 90 min.

UMA VEZ mais. Direção: Gustavo Taretto. Argentina. 2010. 08 min. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=cwaJzsDLNgA>. Acesso em: 18 nov.
2015.
164

UNA SEMANA Solos. Direção: Celina Murga. Argentina. 2008. 110 min.

UN OSO Rojo. Direção: Israel Adrián Caetano. Argentina. 2002. 95 min.

UNA TARDE Feliz. Direção: Juan Villegas. Argentina. 2001. 07 min.


165

________
ANEXOS
166

ANEXO 1

LISTA DE FRAMES

FIGURA 1 - O SORRISO DO DIABO (RENÉ MAGRITTE)..............................28


FIGURA 2 - FRAME DO FILME O HOMEM AO LADO...................................34
FIGURA 3 - FRAME DO FILME O HOMEM AO LADO...................................35
FIGURA 4 - FRAME DO FILME O HOMEM AO LADO...................................36
FIGURA 5 - FRAME DO FILME SÃO PAULO, SOCIEDADE ANÔNIMA.......37
FIGURA 6 - FRAME DO FILME SÃO PAULO, SOCIEDADE ANÔNIMA.......38
FIGURA 7 - FRAME DO FILME ELA................................................................39
FIGURA 8 - FRAME DO FILME ELA................................................................39
FIGURA 9 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA DO
AMOR VIRTUAL..................................................................................................41
FIGURA 10 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................41
FIGURA 11 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................42
FIGURA 12 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................48
FIGURA 13 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................48
FIGURA 14 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................52
FIGURA 15 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................57
FIGURA 16 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................58
FIGURA 17 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................59
167

FIGURA 18 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................60
FIGURA 19 - FRAME DO FILME DENISE ESTÁ CHAMANDO......................62
FIGURA 20 - FRAME DO FILME DENISE ESTÁ CHAMANDO......................63
FIGURA 21- FRAME DO FILME DENISE ESTÁ CHAMANDO.......................64
FIGURA 22 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................65
FIGURA 23 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................69
FIGURA 24 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................75
FIGURA 25 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................77
FIGURA 26 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................81
FIGURA 27 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................84
FIGURA 28 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................88
FIGURA 29 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................89
FIGURA 30 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................90
FIGURA 31 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................91
FIGURA 32 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................94
FIGURA 33 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................95
FIGURA 34 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................97
168

FIGURA 35 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................98
FIGURA 36 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................99
FIGURA 37 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL...........................................................................................99
FIGURA 38 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................104
FIGURA 39 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................105
FIGURA 40 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................106
FIGURA 41 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................111
FIGURA 42 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................112
FIGURA 43 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................114
FIGURA 44 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................115
FIGURA 45 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................116
FIGURA 46 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................117
FIGURA 47 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................118
FIGURA 48 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................120
FIGURA 49 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................123
169

FIGURA 50 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA


DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................123
FIGURA 51 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................128
FIGURA 52 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................129
FIGURA 53 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................131
FIGURA 54 - FRAME DO FILME MEDIANERAS: BUENOS AIRES NA ERA
DO AMOR VIRTUAL.........................................................................................139
FIGURA 55 – ENQUADRAMENTO TURÍSTICO E FÍLMICO.....................150
FIGURA 56 – ENQUADRAMENTO TURÍSTICO E FÍLMICO.....................151
170

ANEXO 2

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – FILMES LANÇADOS NA ARGENTINA...................................09


TABELA 2 – FILMES ARGENTINOS CONCLUÍDOS....................................10
171

ANEXO 3

CLASIFICACION DE PELICULAS ARGENTINAS 2002 - 2014


INCCA – Instituo Nacional de Cine y Artes Audiovisuales
www.incaa.gov.ar

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2002

MATAPERROS
Y DÓNDE ESTÁ EL BEBÉ
CHÚMBALE
TRES PÁJAROS
TODAS LAS AZAFATAS VAN AL CIELO
BOLIVIA
NO DEJARÉ QUE NO ME QUIERAS
VIDAS PRIVADAS
NOCHE EN LA TERRAZA
EL DESPERTAR DE L
UN DÍA DE SUERTE
TEMPORAL
APASIONADOS
VAGÓN FUMADOR
HERENCIA
SÁBADO
DIBU 3
SAMY Y YO
LA SOLEDAD ERA ESTO
CAJA NEGRA
UNA MODESTA PROPOSICIÓN (TEL.DOC.)
CORAZÓN DE FUEGO
NS/NC
ESTRELLA DEL SUR
LUGARES COMUNES
UN OSO ROJO
EL BONAERENSE
MERCANO EL MARCIANO
LAS AVENTURAS DE DIOS
POTESTAD
SUDESTE-1ºINT.SIMPLE/RECLASIFICAC.
172

DONDE CAE EL SOL

ILUSIÓN DE MOVIMIENTO
LAS PALMAS CHACO (TEL.DOC.)
LUCA VIVE
KAMCHATKA
HISTORIAS MÍNIMAS
EL CUMPLE
POR LA VUELTA (TEL.DOC.)
LA TV Y YO. NOTAS EN UNA LIBRETA (DOC.)
CÓDIGO POSTAL
MICAELA
CORTAZAR, APUNTES PARA… (TEL.DOC.)
CHEVOCACHAI (DOC.)
NATURAL (TELEFILM)
JUICIO A LAS JUNTAS (DOC.)
LOS MALDITOS CAMINOS 1 (TEL.DOC.)
LOS MALDITOS CAMINOS 2 (TEL.DOC.)
BAHÍA MÁGICA
EL CHEVROLÉ
SOY FARO (TELEFILM)
NO DEBES ESTAR ALLÍ
BAJAR ES LO PEOR
ADIÓS COMANDANTE CHE (TEL.DOC.)

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2003

CIUDAD DE MARÍA
CIUDAD DE DIOS
LA CASA DE TOURNER
EL ALQUIMISTA IMPACIENTE
NADAR SOLO
EN LA CIUDAD SIN LÍMITES
EL JUEGO DE ARCIBEL
EL DÍA QUE ME AMEN
VIVIR INTENTANDO
TAN DE REPENTE
ANA MARÍA SHUA
EL AGUA EN LA BOCA
LA NOCHE DE LAS CÁMARAS DESPIERTAS
173

UN DÍA EN EL PARAÍSO
SOL DE NOCHE
EL JUEGO DE LA SILLA
OSCAR ALEMAN, LA VIDA CON SWING
GERENTE EN DOS CIUDADES
CLEOPATRA
EL FONDO DEL MAR
NICOTINA
EL SÉPTIMO ARCANGEL
VALENTÍN
INDIA PRAVILE
NOWHERE
BAR EL CHINO
MURGAS Y MURGUEROS
EL POLAQUITO
RAÚL BARBOSA, EL SENTIMIENTO DE ABRAZAR.
SOY TU AVENTURA
CRUZ DE SAL
CIUDAD DEL SOL
DAR DE NUEVO
LOS RUBIOS
BONANZA
VLADIMIR EN BUENOS AIRES
PUIG 95% DE HUMEDAD
ABRAZOS, TANGOS EN BUENOS AIRES
SOLA COMO EL SILENCIO
JOSÉ PABLO FEINMAN, LA CÉLULA FUGITIVA
LA MECHA
CORAZÓN VOYEUR
GARDEL, EL HOMBRE Y EL MITO
CRUZ DEL SUR
MARC LA SUCIA RATA
CLON
HOTELES
SE QUIEN ERES
CIELO AZUL, CIELO NEGRO
AL FIN, EL MAR
PYME
EL GRITO SAGRADO
UN HIJO GENIAL
EL FAVOR
LISBOA
MI SUEGRA ES UNA ZOMBIE
YO NO SE QUE ME HAN HECHO TUS OJOS
174

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2004

OJOS
SANGRE
EL RESQUICIO
ROSAS ROJAS… ROJAS
TUS OJOS BRILLABAN
CLICK
EL DELANTAL DE LILI
EL SOL EN BOTELLITAS
DANIEL GUEBEL, LA ESPLÉNDIDA DECADENCIATEL
DOC
LOS ESCLAVOS FELICES
EQUILÁTERO
LEGADO TEL DOC
LA VACA VERDE, TAREFEROSDEYERBAMATE TEL
DOC
MARCOS RIBAK, ALIAS ANDRÉS RIVERATEL DOC
KRÓNICAS MEXICANASMARTÍN CAPARRÓSTEL DOC
TACHOLAS TEL DOC
HÉCTOR TIZÓN - LE MOTE JUSTETEL DOC
LA MAYOR ESTAFA AL PUEBLO ARGENTINOTEL
DOC
ALBERTO LAISECATEL DOC
ISMAEL VIÑAS TESTIGO DE UN SIGLOTEL DOC
CONVERSACIONES CON MAMÁ
EL TREN BLANCO TEL DOC
EL ABRAZO PARTIDO
MEMORIAS DEL SAQUEO DOC
NIETOS, IDENTIDAD Y MEMORIA DOC
LA PUTA Y LA BALLENA
NO MATARÁS-MARCELO BIRMAJERTEL DOC
ROMA
EL JARDÍN DE LAS HESPÉRIDES
JUAN
SASTURAINSALUDABLEMENTEENPELOTASTEL DOC
PLANETA BIZZIO - SERGIO BIZZIO TEL DOC
LA NIÑA SANTA
LUNA DE AVELLANEDA
TRELEW DOC
LOS GUANTES MÁGICOS
AY, JUANCITO
REBELIÓN TEL DOC
LUIS GUSMÁN - LA OTRA ORILLA TEL DOC
GAMBARTES VERDADES ESENCIALESTEL DOC
175

DIRIGIDO POR TEL DOC


JUANJACOBOBAJARLÍADESANDANDOELTIEMPOTEL
DOC.
ERREWAY 1ºINT.SIMPLE/RECLASIFICAC.
1420 (TEL. DOC.)
PATORUZITO
LOS PERROS TEL DOC
LA SOLEDAD ERA ESTO
CONTRA- SITE DOC
BUENA VIDA DELIVERY
DOS ILUSIONES
PEPE NUÑEZ, LUTHIER TEL DOC
18-J
LA MINA
FAMILIA RODANTE
CRUZ DE SAL
LOS MUERTOS
DOLORES DE CASADA
EL PERRO
PELIGROSA OBSESIÓN
FASINPAT DOC
UN MUNDO MENOS PEOR
PROXIMA SALIDA
DEUDA DOC
EL EXILIO DE SAN MARTÍN TEL DOC
PALERMO HOLLYWOOD
LA QUIMERA DE LOS HÉROES DOC
EL CIELITO
CHICHE BOMBÓN
VEREDA TROPICAL
EL SUR DE UNA PASIÓN
NO SOS VOS SOY YO
MODELO 73
MITOS Y LEYENDAS TEL DOC
INSURGENTES TEL DOC
JUANCITO CAMINADOR TEL DOC
HOY Y MAÑANA
EXTRAÑO
LA ESPERANZA
HOTEL HOTEL
REYNOLS TEL DOC
EL LUGAR DONDE ESTUVO EL PARAÍSO
TEO, CAZADOR INTERGALÁCTICO
HABITACIÓN DISPONIBLE TEL DOC
UNA DE DOS
176

LA SOMBRA DE LAS LUCES TEL DOC


ADIÓS QUERIDA LUNA
RÍO ARRIBA TEL DOC

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2005

KASBAH
OFICINA DE NOTIFICACIONES TEL DOC
GRISSINOPOLI TEL DOC
BS AS 100 KM
OTRA VUELTA
UN AÑO SIN AMOR
WHISKY
CUANDO L SANTOS VIENEN MARCH TEL DOC
ORO NAZI EN ARGENTINA DOC
SERES QUERIDOS
HERMANAS
DE FRANKFURT A HUMAUACA TEL DOC
WHISKY ROMEO ZULU
CAMA ADENTRO
EL GOCE DEL SIGLO TEL DOC
ECCE HOMO TEL DOC
HABÍA UNA VEZ UNA MOVIOLA TEL DOC
UNA CIERTA MIRADA TEL DOC
JORGE RIESTRA TEL DOC
RONDA NOCTURNA
TIEMPO DE VALIENTES
GEMINIS
SOLO UN ANGEL
PACO URONDO LA PALABRA JUSTA TEL DOC
PROHIBIDO DORMIR TEL DOC
CÁNDIDO LÓPEZ TEL DOC
LA VIDA POR PERÓN
UN BUDA
SED DOC
LOCOS DE LA BANDERA TEL DOC
ELSA Y FRED
EL VIENTO
LA MALA HORA
TANGO UN GIRO EXTRAÑO DOC
LA SUERTE ESTA ECHADA
EL VIAJE HACIA EL MAR
HIJOS, EL ALMA EN DOS DOC
CARGO DE CONCIENCIA
COMO PASAN LAS HORAS
177

IMPOSIBLE
ILUMINADOS POR EL FUEGO
LA DIGNIDAD DE LOS NADIES DOC
COMO UN AVION ESTRELLADO
EL AURA
TIEMPO DE VALIENTES
TAPAS
ESPEJO PARA CUANDO ME
PRUEBE EL SMOKING TEL DOC
DI BUEN DIA A PAPA
UN MINUTO DE SILENCIO
CAUTIVA
LO QUE HAY QUE DECIR
TATUADO
MI MEJOR ENEMIGO
EL HOMBRE INVISIBLE TEL DOC
EL TIGRE ESCONDIDO
CACHIMBA
LA DEMOLICION
LA VEREDA DE LA SOMBRA TELDOC
BLOQUEO, LA GUERRA …TELDOC
MATE COCIDO TEL DOC
ANA Y LOS OTROS1ºINT.SIMPLE/RECLASIFICAC
I KEU KENK TEL DOC
JEVEL KATZ TEL DOC
MI FIESTA DE CASAMIENTO TELEFILM
CABALLOS EN LA CIUDAD TEL DOC

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2006

AMANDO A MARADONA
NEGRO CHE,… TEL DOC
NEVAR EN BS AS
LIFTING DE CORAZON
NORDESTE
DERECHO DE FAMILIA
EL METODO
EL CUSTODIO
SOFA CAMA
CRONICA DE UNA FUGA
CASEROS-EN LA CÁRCEL TELDOC
EL TORO POR LAS ASTAS TELDOC
ARIZONA SUR
SAMOA
CHILE 672
178

UNA ESTRELLA Y DOS CAFÉS


EL COLOR DE LOS SENTIDOS
MONOBLOC
BIALET MASSE
PATORUZITO 2
EL RATON PEREZ
BAÑEROS 3 TODOPODEROSOS
MARTIN FIERRO VALLEJO
EL BOQUETE
HAMACA PARAGUAYA
LAS MANOS
EL REGRESO DE PETER CASCADA
PACTO DE SILENCIO TEL DOC
A TRAVÉS DE TUS OJOS
QUE SEA ROCK
FUERZA AÉREA SA
SOLOS
4 MUJERES DESCALZAS
AGUA
JUDÍOS EN EL ESPACIO
MIENTRAS TANTO
EL CAMINO DE SAN DIEGO
FANTASMA
REMAKE
CARA DE QUESO
LA PUNTA DEL DIABLO
LOS SUICIDAS
NACIDO Y CRIADO
EL GAUCHITO GIL
CHICHA TU MADRE
YO PRESIDENTE
EL ULTIMO BANDONEON
RUIDO
COMO MARIPOSAS EN LA LUZ
EL BUEN DESTINO
MANSION SERE TEL DOC
MBYA TIERRA EN ROJO
YO Y EL TIEMPO TEL DOC
MIGUEL ANGEL ESTRELLA TEL
LUISA CALCUMIL TEL DOC
REMO BIANCHEDI TEL DOC
ESE MISMO LOCO AFÁN
EL TIEMPO Y LA SANGRE TEL
MADRES CON RUEDAS TEL DOC
179

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2007

FUGA
ORQUESTA TÍPICA TEL DOC
LA LOMA, NO TODO ES LO ..
EL ARBOL
LAS MEMORIAS DEL SR ALZHEIMER
VISPERAS
DETRÁS DEL SOL,MAS CIELO
AMOR PERDIDO TEL FIC
QUIÉN DICE QUE ES FÁCIL
REVOLUCION Y CONTRA
REVOLUCION 1 Y 2 TEL DOC
CIUDAD EN CELO
TERAPIAS ALTERNATIVAS
LA EDUCACIÓN DE LAS HADAS
LA MIRADA DE CLARA
PURA SANGRE
LUZ DE INVIERNO
EL AMOR Y LA CIUDAD
LA ANTENA
LAS MANTENIDAS SIN SUEÑOS
TRES DE CORAZONES
ARGENTINA BEAT
MADRES
LA PELI
EL OTRO
EL TRADUCTOR
COCALERO
PARAISO PARAISO
ARGENTINA LATENTE
LOS PRÓXIMOS PASADOS
UNA NOVIA ERRANTE
EL DESTINO
GARUA
XXY
FOTOGRAFIAS TEL DOC
SENSACIONES TEL DOC
FINAL DE OBRA
ISIDORO
INCORREGIBLES
EL ARCA
PULQUI, UN INSTANTE EN LA PATRIA DE LA
FELICIDAD
HACER PATRIA
180

EL RESULTADO DEL AMOR


TOCAR EL CIELO
UN PESO UN DÓLAR
EL SALTO DE CHRISTIAN
SOTUYO,SUEÑOS D/UN VIEJO CERRO
M
LA VELOCIDAD FUNDA EL OLVIDO
EL NIÑO DE BARRO
LA SOLEDAD
LA SEÑAL
LA CÁSCARA
DE QUIÉN ES EL PORTALIGAS
A CADA LADO
YO LA RECUERDO AHORA
SOÑAR NO CUESTA NADA
MÁS QUE UN HOMBRE
ENCARNACION
HUNABKU
TIERRAS PROHIBIDAS TEL DOC
FUTURO PERFECTO
EL GRAN SIMULADOR
CARNE SOBRE CARNE
LA MUJER ROTA
EL INFINITO SIN ESTRELLAS
LA LUZ DEL BOSQUE
4 DE JULIO
CUANDO ELLA SALTÓ
EL COBRADOR
EL PASADO
A LOS 4 VIENTOS
MARTÍN FIERRO, LA PELÍCULA
VISITANTE DE INVIERNO
QUIEREME
EXTRANJERA
CONSTRUCCIÓN DE UNA CIUDAD
DOÑA ANA
MÚSICA NOCTURNA
EL TESORO DEL PORTUGUÉS
FURTIVO
PUEBLO CHICO1ºINT.SIMPLE/RECLASIFICAC.
EL DESIERTO NEGRO
ESTRELLAS
LUCA
MUERTES INDEBIDAS
181

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2008

GIGANTES DE VALDES
LAS VIDAS POSIBLES
SUSPIROS DEL CORAZON
BRIGADA EXPLOSIVA
TRIBUS, COSQUIN ROCK
REGRESADOS
TRES MINUTOS
CORDERO DE DIOS
IMAGINADORES
RANCHO APARTE
POR SUS PROPIOS OJOS
LA LEON
LLUVIA
OLGA VICTORIA OLGA
DOS AMIGOS Y UN LADRON
PALABRA POR PALABRA
LA PERRERA
EL NIDO VACIO
LA ORILLA QUE SE ABISMA
LA RABIA
YO SOY SOLA
S.O.S EX
LA RONDA
LEONERA
CUD NO SER DIOS Y CUIDARLOS
ANICETO
EL CAFÉ DE LOS MAESTROS
MANUEL DE FALLA
1973 UN GRITO DE CORAZON
VALENTINA
100% LUCHA, LA PELICULA
LOS SUPERAGENTES, LA NUEVA GENERACIÓN
DIARIO ARGENTINO
EL CINE DE MAITE
EL DESAFIO
LICENCIA Nº 1
UN NOVIO PARA MI MUJER
PAISITO
LA MUJER SIN CABEZA
EL FRASCO
NO MIRES PARA ABAJO
ABRÍGATE
MOTIVOS PARA NO ENAMORARSE
182

LA PRÓXIMA ESTACIÓN
LOS PARANOICOS
LUISA
IMPUNIDAD
EL VESTIDO
LIVERPOOL
MATAR A TODOS
LA CÁMARA OSCURA
EL FIN DE LA ESPERA
RAÍCES PERSPECTIVAS DEL SAMBA
INCOMODOS
RODNEY
LA HERENCIA
LA LEYENDA1º SIN INT/RECLASIFICAC
CARTAS PARA JENNY
QUE PAREZCA UN ACCIDENTE
EL RATON PEREZ 2

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2009

TESTIMONIO DE UNA VOCACIÓN


VIL ROMANCE
CABEZA DE PESCADO
HIELOS MITICOS
AMOROSA SOLEDAD
REGRESO A FORTÍN OLMOS (TEL DOC) INT ESPECIAL
LA VENTANA
ESPERANDO LA CARROZA 2 /
1ºINT.SIMPLE/RECLASIFICAC.
MENTIRAS PIADOSAS
MUSICA EN ESPERA
EL NIÑO PEZ
MUNDO ALAS
LA SANGRE BROTA
ME ROBARON EL PAPEL PICADO
GALLERO
FANTASMAS DE LA NOCHE
TODA LA GENTE SOLA
DÌAS DE MAYO
EL ARTISTA
UNA SEMANA SOLOS
FELICITAS
LA EXTRANJERA
NUNCA ESTUVISTE TAN ADORABLE
RETURN TO BOLIVIA
183

SILENCIOS
ALGÚN LUGAR EN ALGUNA PARTE
VECINOS
PAPÁ POR UN DÍA
UNIDAD 25
100% LUCHA, EL AMO DE LOS CLONES
EL ULTIMO APLAUSO
EL SUEÑO DEL PERRO
IMAGEN FINAL
CAMPO CEREZO
EL SECRETO DE SUS OJOS
BOOGIE EL ACEITOSO
ANITA
EL ULTIMO VERANO DE LA BOYITA
EL HOMBRE QUE CORRÌA TRAS EL VIENTO
LAS VIUDAS DE LOS JUEVES
EL TORCAN
LA TIERRA SUBLEVADA
LA TIGRA CHACO
HOMERO MANZI, UN POETA EN LA TORMENTA
GOLPES BAJOS, LA RAULITO
EL CORREDOR NOCTURNO
CUESTIÓN DE PRINCIPIOS
LOS ANGELES
MAREA DE ARENA
MISERIAS
EL PIANO MUDO
HORIZONTAL VERTICAL
LO SINIESTRO
CARPANI
FANTASMA DE BUENOS AIRES
ACNÉ
TRES DESEOS
DILETANTE
LA INVENCION DE LA CARNE
POEMA DE SALVACION
SANGRE DEL PACIFICO
APARECIDOS
PUENTES
EL ANGEL LITO
NOSOTRAS QUE TODVÍA ESTAMOS VIVAS
A QUIEN LLAMARÍAS
NO FUMAR ES UN VICIO COMO CUALQUIER OTRO
UN LUGAR LEJANO
184

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2010

EXCURSIONES
MATAR A VIDELA
ADOPCION
LOS VIAJES DEL VIENTO
LA HORA DE LA SIESTA
LOS SANTOS SUCIOS
PLUMIFEROS
ANDRES NO QUIERE DORMIR LA SIESTA
LAS AVENTURAS DE NAHUEL
LA MADRE
HUELLAS Y MEMORIA DE JORGE PRELORAN
ZENITRAM
PACO
LA MOSCA EN LA CENIZA
DIOSES
DOS HERMANOS
CINE DIOSES Y BILLETES
AGUAS VERDES
ROMPECABEZAS
PECADOS DE MI PADRE
LA 21 BARRACAS
FORTALEZAS
CARANCHO
EVA Y LOLA
POR TU CULPA
EL MURAL
CÓMPLICES DEL SILENCIO
LUCHO & RAMOS
EL ÙLTIMO REFUGIO
FRANCIA
MIS DÍAS CON GLORIA
FONTANA
NI DIOS NI PATRÓN NI MARIDO
TE EXTRAÑO
EL RECUENTO DE LOS DAÑOS
SWIFT DOS SIGLOS BAJO EL MAR
NINGÚN AMOR ES PERFECTO
CUENTOS DE LA SELVA
MISS TACUAREMBÓ
LENGUA MATERNA
PÁJAROS VOLANDO
IGUALITA A MÍ
LA MIRADA INVISIBLE
185

EL HOMBRE DE AL LADO
VILLA
GATURRO
UN TREN A PAMPA BLANCA
EL RATI HORROR SHOW
SIN RETORNO
FLORES DE SEPTIEMBRE
DE PRINCIPIO A FIN
FRANZIE
OPCIONES REALES
KLUGE, EL ARREGLADOR
EL PARTENER
VIKINGO
BOCA DE FRESA
LAS HERMANAS L
SECUESTRO Y MUERTE
UN BUEN DÍA
RITA Y LI
FAMILIA PARA ARMAR
O CORPO DO RIO
AMOR EN TRÁNSITO
LA VIEJA DE ATRÁS
EL PERSEGUIDOR
VIENEN POR EL ORO VIENEN POR TODO
SOLOS EN LA CIUDAD
CRÓNICAS DE LA GRAN SERPIENTE
ARROZ CON LECHE
DOMINGO DE RAMOS
URITORCO
VILLASORO
UN MUNDO SEGURO

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2011

GIGANTE
PÁJAROS MUERTOS
SUDOR FRÍO
DULCE ESPERA
LA SANGRE Y LA LLUVIA
FASE 7
UN CUENTO CHINO
EL INVIERNO DE LOS RAROS
EL AGUA DEL FIN DEL MUNDO
REVOLUCIÓN, EL CRUCE DE LOS ANDES
186

LOS MARZIANO
1952: EL DERROTADO
HIPÓLITO 1935
LA CANTANTE DE TANGOS
EL GATO DESAPARECE
CRUZADAS
DE CARAVANA
QUERIDA VOY A COMPRAR CIGARRILLOS Y VENGO
EL CAJÓN
CAÑO DORADO
EL ABISMO, TODAVÍA ESTAMOS
DESBORDAR, POR UNA SOCIEDAD SIN MANICOMIOS
EL DEDO
EL FIN DEL POTEMKIN
EL TÚNEL DE LOS HUESOS
JUNTOS PARA SIEMPRE
EMPLEADAS Y PATRONES
ABALLAY
QUE CULPA TIENE EL TOMATE
LA ÚLTIMA MIRADA
UN MUNDO MISTERIOSO
GUELCOM
JOTUOMBA (VER TÍTULO)
VIUDAS
CERRO BAYO
TIERRA ADENTRO
SCHAFHAUS, CASA DE OVEJAS
EL COMPROMISO
MI PRIMERA BODA
UN DÍA EN CONSTITUCIÓN
JUAN Y EVA
AGUA Y SAL
DÍA NARANJA
LA VIDA NUEVA
D-HUMANOS
VAQUERO
MEDIANERAS
LA PLEGARIA DEL VIDENTE
UNO
TIERRA SUBLEVADA 2 ORO NEGRO
LOS LABIOS
EVA DE LA ARGENTINA
LAS ACACIAS
LA SUBLEVACIÓN
DON GATO Y SU PANDILLA
187

HERMANITOS DEL FIN DEL MUNDO


EL CIRCUITO DE ROMÁN
TATA CEDRÓN
VIOLETA SE FUE A LOS CIELOS
LA PATRIA EQUIVOCADA
ANTES DEL ESTRENO
VERANO MALDITO
EL JEFE
MIA
UN AMOR
ORILLAS
NORBERTO APENAS TARDE
VERDADES VERDADERAS: LA VIDA DE ESTELA
INDUSTRIA ARGENTINA
LA CAMPANA
LA ÚLTIMA MUERTE
LA MALA VERDAD
LAS VOCES
TIEMPOS MENOS MODERNOS
JUDÍOS POR ELECCIÓN
LA INOCENCIA DE LA ARAÑA
EL CIELO ELEGIDO
CARNE DE NEÓN
PASTORA, EL ENIGMA DEL MONTE ALBORNOZ

CLASIFICACION DE PELICULAS TERMINADAS AÑO 2012

TRÁNSITO PESADO
REHÉN DE ILUSIONES
EL MAL DEL SAUCE
LA CONFESIÓN
ROAD JULY
CHE UN HOMBRE NUEVO
PETER CAPUSOTTO Y SUS VIDEOS 3 D
SELKIRK, EL VERDADERO ROBINSON CRUSOE
PENUMBRA
DORMIR AL SOL
EL VAGONETA
EL CAMPO
LA SUERTE EN TUS MANOS
NOSOTROS SIN MAMÁ
EXTRAÑOS EN LA NOCHE
LA REVOLUCIÓN ES UN SUEÑO ETERNO
EL POZO
EL ÚLTIMO ELVIS
188

LA SOMBRA AZUL
ÁNIMA BUENOS AIRES
NO TE ENAMORES DE MÍ
PECADOS
ELEFANTE BLANCO
UNA CITA, UNA FIESTA Y UN GATO NEGRO
LA CARACAS
ABRIR PUERTAS Y VENTANAS
EL GRAN RIO
LAS PUERTAS DEL CIELO
LA COLA
UNA MUJER SUCEDE
NOSILATIAJ, LA BELLEZA
LA MEMORIA DEL MUERTO
DESMADRE
ATRACO
EL SOL
DIAS DE TRADICIÓN TEL DOC
FUERA DE JUEGO
TODOS TENEMOS UN PLAN
LA DESPEDIDA
A LA DERIVA
LA MAQUINA QUE HACE ESTRELLAS
SAL
VIVAN LAS ANTÍPODAS
TOPOS
DULCE DE LECHE
INFANCIA CLANDESTINA
DOS + DOS
LAS MUJERES LLEGAN TARDE
DÍAS DE VINILO
LOSADA, LAS LETRS DE LOS OTROS TEL DOC
"3"
LA ARAÑA VAMPIRO
EL AMIGO ALEMAN
LA CACERÍA
LA LLAMADA
DIAS DE PESCA
DESPLAZAMIENTOS
POMPEYA
EL SEXO DE LAS MADRES
CODICIA TEL DOC
MASTERPLAN
OTRO CORAZON
PORFIRIO
189

NI UN HOMBRE MÁS
OTROS SILENCIOS
LAS MALAS INTENCIONES
UN AMOR DE PELÍCULA
GRICEL
NÉSTOR KIRCHNER
555
BOXING CLUB
DIABLO
FORAJIDOS DE LA PATAGONIA
SOLEDAD Y LARGUIRUCHO
PIÑÓN FIJO Y LA MAGIA DE LA MÚSICA

CLASIFICACIÓN DE PELÍCULAS TERMINADAS 2013

MALA
QUIERO MORIR EN TUS BRAZOS
VILLEGAS
GRABA
ANTES
IMPENETRABLE
TESIS SOBRE UN HOMICIDIO
LA PELEA DE MI VIDA
MATRIMONIO
LA RECONSTRUCCION
GERMANIA
PUERTA DE HIERRO
ROA
LA VIDA ANTERIOR
POR UN TIEMPO
EL GRAN SIMULADOR
EL PARAMO
PIES EN LA TIERRA
PENSÉ QUE IBA A HABER FIESTA
CUANDO YO TE VUELVA A VER
ARMONÍAS DEL CAOS
ROUGE AMARGO
MERCEDES SOSA, LA VOZ DE LATINOAMERICA
LEONES
SAMURAI
HERMANOS DE SANGRE
EL BORDE DEL TIEMPO
BOMBA
AMOR A MARES
190

EL NOTIFICADOR
LA PASION DE MICHELANGELO
CORNELIA FRENTE AL ESPEJO
NICARAGUA, SUEÑO DE UNA GENERACION
RODENCIA Y EL DIENTE DE LA PRINCESA
LA BOLETA
HABI, LA EXTRANJERA
EL SECO Y EL MOJADO
AMAR ES BENDITO
EL LUGAR DEL HIJO
VOYAGES VOYAGES
VINO PARA ROBAR
CORAZON DE LEON
SOLO PARA DOS
VISIONES
DESHORA
SEPTIMO
EL OTRO MARADONA
PATERNOSTER
LA GUAYABA
ROMPER EL HUEVO
VENIMOS DE MUY LEJOS
DE MARTES A MARTES
EL PRINCIPE AZUL
MARIA Y EL ARAÑA
CAIDOS DEL MAPA
LA PAZ
20.000 BESOS
CASSANDRA
ABRIL EN NUEVA YORK
TLATELOLCO, VERANO DEL 68
CAITO
DESTINO ANUNCIADO
EL DÍA TRAJO LA OSCURIDAD
OLVÍDAME
DESIERTO VERDE
METEGOL
UN PARAISO PARA LOS MALDITOS
MIKA MI GUERRA DE ESPAÑA
SOLA CONTIGO
CONDENADOS
OMISION
ESCLAVO DE DIOS
MUJER CONEJO
SEÑALES
191

LUNA EN LEO
LA SEGUNDA MUERTE
EL SECRETO DE LUCIA
NK
WAKOLDA

CLASIFICACIÓN DE PELÍCULAS TERMINADAS 2014

EL MOTÍN DE SIERRA CHICA


EL MISTERIO DE LA FELICIDAD
POR UN PUÑADO DE PELOS
INEVITABLE
EL OJO DEL TIBURÓN
LA CORPORACIÓN
EL NEXO
LA TERCERA ORILLA
MEMORIAS CRUZADAS
ALGUNOS DÍAS SIN MÚSICA
BETIBÚ
HISTORIA DEL MIEDO
EL MEJOR DE NOSOTROS
GATO NEGRO
LOS DUEÑOS
PASEO DE OFICINA
EL CRÍTICO
FERMÍN
LA ROSA AZUL
TIRO DE GRACIA
VIAJE A TOMBUCTÚ
MUERTE EN BS AS
AIRE LIBRE
BOCA DE POZO
EL DÍA FUERA DEL TIEMPO
AMAPOLA
MARAVILLA LA PELÍCULA
HISTORIAS DE CRONOPIOS Y DE FAMAS
EL ÁRBITRO
EL MANTO DE HIEL
EL TERCERO
E L INVENTOR DE JUEGOS
EL AMOR Y OTRAS HISTORIAS
BAÑEROS 4, LOS ROMPEOLAS
RELATOS SALVAJES
EL BUMBÚN
LOS NADIES
192

LUMPEN
SOCIOS POR ACCIDENTE
MUJER LOBO
EL ARDOR
LA PASIÓN DE VERÓNICA VIDELA
DIOSES DE AGUA
EL CERRAJERO
RAMBLERAS
LAS INSOLADAS
MALKA
EL INCENDIO
LOS ELEGIDOS
DOS DISPAROS
DELIRIUM
FERIADO
LAS CHICAS DEL TERCERO
ROSA FUERTE
ARREBATO
EL KARMA DE CARMEN
EL AMOR EN TIEMPOS DE SELFIES
NECROFOBIA
EL AMOR A VECES
TANGO DE UNA NOCHE DE VERANO
EL PERRO MOLINA
2/11 DÍA DE LOS MUERTOS
EL ÚLTIMO MAGO
193

ANEXO 4

Música: True Love Will Find You In The End


(Daniel Johnston)

True love will find you in the end


You'll find out just who was your friend
Don't be sad, I know you will
But don't give up until
True love will find you in the end

This is a promise with a catch


Only if you're looking can it find you
'Cause true love is searching too
But how can it recognize you
Unless you step out into the light?
Don't be sad, I know you will
But don't give up until
True love finds you in the end.
194

ANEXO 5

Música: Ain't No Mountain High Enough


(Marvin Gaye)

Listen, baby

Ain't no mountain high


Ain't no valley low
Ain't no river wide enough, baby

If you need me, call me


No matter where you are
No matter how far (don't worry, baby)
Just call my name
I'll be there in a hurry
You don't have to worry

'Cause, baby, there


Ain't no mountain high enough
Ain't no valley low enough
Ain't no river wide enough
To keep me from getting to you, baby

Remember the day


I set you free
I told you could always count on me, darling
From that day on
I made a vow
I'll be there when you want me
Some way, somehow
195

'Cause, baby, there


Ain't no mountain high enough
Ain't no valley low enough
Ain't no river wide enough
To keep me from getting to you, baby

Oh, no, darling (no wind, no rain)

All winter's cold can't stop me, baby


Now, now, baby
(If you're ever in trouble
I'll be there on the double
Just sing for me)
Oh, baby

My love is alive
Way down in my heart
Although we are miles apart

If you ever need a helping hand


I'll be there on the double
Just as fast as I can
Don't you know that

There ain't no mountain high enough


Ain't no valley low enough
Ain't no river wide enough
To keep me from getting to you, baby

Don't you know that there.


196

Ain't no mountain high enough


Ain't no valley low enough
Ain't no river wide enough
To keep me from getting to you, baby

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